Amulhereacasa15

S達o Paulo 2013

Copyright © 2013 by Editora Baraúna SE Ltda Capa AF Capas Imagem da capa Eufrásia Teixeira Leite, pintura a óleo de Carolus Duran, França, 1887.

Museu Casa da Hera/Ibram/MinC Projeto Gráfico Aline Benitez Revisão Daniel Vinícius

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________ Q43m Queiroz, Eneida Quadros A mulher e a casa/ Eneida Quadros Queiroz. - São Paulo: Baraúna, 2013.

ISBN 978-85-7923-706-5 1. Romance brasileiro. I. Título.

13-2053.

CDD: 869.93 CDU: 869.134.3(81)-3

01.04.13 04.04.13 043902 ________________________________________________________________ Impresso no Brasil Printed in Brazil DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br Rua da Glória, 246 – 3º andar CEP 01510-000 – Liberdade – São Paulo - SP Tel.: 11 3167.4261 www.editorabarauna.com.br

Agradecimentos Começo por meu pai, um incentivador contumaz dos meus projetos; e por minha mãe, sempre ciosa com o futuro dos quatro filhos, meus irmãos adorados. Agradeço também ao meu marido, que sempre se felicita a cada conquista minha. Este é o meu núcleo familiar mais próximo, minha base.

Agradeço ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), autarquia do Ministério da Cultura, para a qual trabalho e onde conheci um pequeno museu e seus personagens fascinantes: o Museu Casa da Hera. Assim, esse agradecimento estende-se a todos aqueles que se sentam diariamente ao meu lado e debatem as felicidades e as dificuldades da formação na área de humanas.

Agradeço a todos os funcionários do Museu Casa da Hera, que sempre me atenderam com carinho. Especial abraço para a diretora Daniele Alves e a historiadora Cinthia Rocha.

Agradeço a Marcelo Mário de Melo, assessor de comunicação social da Fundação Joaquim Nabuco, por ter-me dado de presente a belíssima edição dos Diários de

Joaquim Nabuco. Dito isto, não poderia deixar de estender meus agradecimentos à Fundação Joaquim Nabuco, pelo belo trabalho de salvaguardar e divulgar a memória e a obra do historiador, diplomata e abolicionista Nabuco.

Agradeço a Angela Alonso, Hildete Melo, Miridam Falci, Evaldo Cabral de Mello, João Cabral de Mello (in memorian), Keila Grinberg e todos os demais autores e artistas citados neste livro, por suas obras de referência.

Por fim, agradeço a todos aqueles que gostam de uma história de amor, a todos que não se contentam apenas com a realidade e precisam sonhar. Para gente como nós existe a ficção.

“A arte existe, porque a vida não basta”.

Ferreira Gullar

Sumário Nota introdutória:. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 I A historiadora. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 II A Casa da Hera. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 III Bebendo e narrando café . . . . . . . . . . . . . . 26 IV Morbidez . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 V Desirée . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 VI Estrada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 VII Esméria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 VIII Romance ideal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 IX Tempo Rei . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 X Sonhos de criança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 XI Frustrações históricas . . . . . . . . . . . . . . . . 64 XII Chamada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 XIII Liberata ou a Vitória de Samotrácia. . . . . . 71 XIV Estado de alma o mais aflitivo possível . . . 81 XV I`ll be your man . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 XVI Burros n’água . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 XVII O pior é que era coxa . . . . . . . . . . . . . . . . 93 XVIII Já nos fizemos bastante mal. . . . . . . . . . . 100 XIX Laura e a Imperial Ordem da Rosa . . . . . 103

XX A mulher e a casa . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 XXI Sou um enigma eu mesma . . . . . . . . . . . 119 XXII Mama África . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124 XXIII Naquela estação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132 XXIV Herança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 XXV Chimborazo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139 XXVI França. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 156 XXVII Itália . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 180 XXVIII Miss independent . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196 XXIX Empire State of Mind . . . . . . . . . . . . . . . 206 XXX Encarnação de uma causa . . . . . . . . . . . 222 XXXI O abolicionismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233 XXXII O revolucionário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243 XXXIII Tijuca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 265 XXXIV Where are the plans we made for two? . . 275 XXXV Devolva-me . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 295 XXXVI Depois . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 303 XXXVII Hasta la victoria siempre . . . . . . . . . . . . . 318 XXXVIII Someone like you . . . . . . . . . . . . . . . . . . 323 XXXIX Interrupções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 331 XL Rolling in the deep . . . . . . . . . . . . . . . . . 333 XLI High hopes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 341

Epígrafe: “Tua sedução é menos de mulher do que de casa: pois vem de como é por dentro ou por detrás da fachada. (...)

Seduz pelo que é dentro, ou será, quando se abra; pelo que pode ser dentro de suas paredes fechadas; (...) exercem sobre esse homem efeito igual ao que causas: a vontade de corrê-la por dentro, de visitá-la”.

João Cabral de Mello Neto, “A Mulher e a Casa”, Quaderna, 1960.

9

Nota introdutória: Neste romance, todas as transcrições de cartas são apresentadas entre aspas, com pequenas adaptações de linguagem.

Onde encontrá-las: As cartas de Eufrásia são transcrições das originais, guardadas pelo Acervo Fundação Joaquim Nabuco, em Recife.

As cartas de sua amiga Conceição também são transcrições das originais, guardadas pelo Acervo Museu Casa da Hera, em Vassouras.

As de Nabuco, com exceção de uma, são ficção, e podem ser facilmente encontradas no coração da protagonista.

11

I A historiadora Não façam história.

Eu fiz, apesar das advertências dos meus pais.

Já estagiei em arquivos, com os micróbios do século XVIII. Parece um trabalho fácil preencher fichas para catalogar processos antigos, mas não é: uma amiga quase ficou cega por coçar os olhos. Eu conhecia a vítima desde idos tempos da alfabetização, uma incauta que também se graduou em história. Por uma bolsa de iniciação científica, Aninha manuseava as folhas de poeiras centenárias com suas luvas descartáveis, mas sem os óculos de proteção, distraidamente levou o dedo indicador à vista: foram três meses de trocas de médicos e remédios, e perda de 40% da visão do olho direito. Dizem que Evaldo Cabral de Mello, historiador que muito pesquisou sobre a dominação holandesa nos arquivos pernambucanos, teve problema semelhante nos olhos. Não sei se a história

13

procede, talvez seja uma mera confusão com seu irmão, o poeta João Cabral de Mello, acometido por uma doença degenerativa que o deixou cego. Mas a veracidade da história do famoso e distante Evaldo não importava para o desespero da minha família, bastava a da nossa próxima Aninha: a cruzada para eu largar o estágio e suas bactérias sem registro nos anais de medicina foi liderada pelos meus pais, amigos aderiram e até meu noivo: larguei. O estágio, porque encontrar outro noivo é difícil.

Minha tia Soraia, que é espiritualizada, disse que foi bom eu ter desistido. A inquietação dela não era com esse mundo terreno de bactérias e doenças, era um temor transcendental. Ela não gostou de saber que eu e meus colegas do estágio pegávamos os processos da Inquisição e líamos os nomes dos réus em voz alta, quase sempre cristãos-novos acusados de professarem a fé judaica. Era uma brincadeira inocente, para rirmos dos nomes Lubomir, Petronila, Marcolino, Onesíforo.

Minha tia não achou graça e perguntou se nós estávamos fazendo chamada.

Chamada?

Por falar em chamada, já dei aula em escola particular. Eram 35 nomes por sala, mas só dois alunos se interessavam pelo meu latim. Alguns ficavam de costas, conversando com os detrás. Outros conversavam com os do lado. Tinham os que mexiam no celular e os que tiravam foto minha para postar no facebook. Eu não merecia aquilo, e minha mãe achava o mesmo. Católica praticante, daquelas que demandam demais dos santos, só tirou São Judas da despensa da cozinha quando eu pedi demis-

14

são. E logo São Judas foi parar no armário da garagem: eu passei no concurso para o magistério do município do Rio de Janeiro. Isso implicava dar aula em “comunidade”, o grande medo dos meus pais. Para muitos que moram no coração da zona sul, “comunidade” é o nome do que antes era chamado de favela. Fui dar aula em uma escola no morro do Vidigal, pois era a unidade mais perto de casa que tinha vaga para história. A vista lá de cima era linda, mas a falta de respeito dos alunos era a mesma.

Tive que pedir exoneração em poucos meses.

Não preciso dizer que fui mal remunerada em todos esses lugares em que trabalhei. Qualquer concurso para nível médio do Judiciário me pagaria três vezes mais, sem o risco de eu perder minha visão, minhas cordas vocais, minha autoestima amarrotada pelos alunos que fingiam não me ver em sala, meus nervos de tanto que eu berrava e brigava, ou — segundo minha mãe dizia com lágrimas nos olhos — minha vida numa bala perdida. Melodramática, ela sabe que é.

Sou filha única. Xodó da dona Graça e do seu Antônio, pais de primeira viagem aos 44 anos de idade. Criada no mesmo apartamento de Ipanema para o qual meus pais se mudaram em fins da década de 1960, ainda novos, sonhando em ter filhos.

Sou Desirée, historiadora, adotada em Juiz de Fora, transportada para Ipanema e para o coração desses dois velhos, que eu amo, aos cinco dias de vida.

Se eu cito meus pais demais, é porque também não saio da boca deles por nada. Somos uma simbiose, a melhor coisa que poderia ter acontecido um na vida do outro.

15