Apenas por Acaso.

“APENAS POR ACASO”

Se, por acaso, você se embrenhar nas caatingas do nordeste, sob o sol inclemente, terá a sensação que ali, não há vida. Incrível, o mandacaru secou, não viceja o mato ralo, a malva, a macambira, o gravatá. O cabeça de frade do lajedo está murcho. Os umbuzeiros não florescem, não dão frutos. Os “guigós” já foram dizimados e os cágados todos

caçados e mortos, comidos, na estúpida ignorância do bicho homem. A areia, o massapê, o barro queimam os pés inchados dos animais ainda vivos, inclusive homens, mulheres e crianças. Os riachos secos, as lagoas secas, estorricadas. Água não existe e os casebres de barro “pau a pique”, são as únicas sombras que amenizam os seres vivos e os protegem contra o intenso e infernal calor. Vivem ali, ratos e insetos transmissores de doenças da pobreza.

Os homens, envergonhados, pedem esmolas, pelas estradas, após a injeção de cachaça desdobrada, álcool, açúcar e agua, numa química infernal, “botequim da esquina”. Os animais gemem, berram de fome e sede. Os homens e mulheres bebem agua de cacimbas, barrentas e imundas, buscada por meio de corda e lata velha de querosene.

Comida? Farinha de mandioca, agua e sal, mingau da miséria e nada mais. A roça de milho das chuvas de São José, nasce, “emboneca”, solta o “pendão” e em seguida seca e morre. O feijão de corda, “floreia”, enrama e murcha ante a falta d’ agua que lhe daria vida.

E o sertanejo olha pro céu e exclama: - Foi Deus que quis.

O vento do final de tarde sopra como o faz no deserto, assovia e entorta as pequenas árvores que só Deus sabe como continuam vivas. A noite, esfria o ambiente e pela manha, volta a arder o sol. Nascente, sol a pino e crepúsculo. A mãe, com o filho enganchado no seu quadril, chora a criança, o choro miserável da subalimentação.

O peito é quase seco, os olhos tristes vêm o passar dos dias, sem qualquer esperança. Nem em Deus.

Indagados, marido e mulher, declaram que tudo é “ Deus que quer”. Enquanto isso a última vaquinha, no terreiro, verga sobre as pernas, cai e nem de “panca” consegue ser levantada. Fome e sede.

Na sequencia, é natural, morre. Alguns urubus a farejam e sobrevoam o triste banquete sob os olhares de “vira-latas” famintos e sedentos, sem forças para o latir.

E o sol desaba no horizonte, vermelho tinto, lindo, engolido pelo infinito, deixando uma marca de tristeza inapagável. Beleza trágica.

Este é um resumo do quadro que você vê e sente ao embrenhar-se caatinga à dentro, ressequida, estalando, no sibilar triste de miséria.

Enquanto isso, na ilha da Fantasia, banquetes, jantares, vinhos e “champagnes” são distribuídos aos montões na reunião de toda uma corja que se agrupa para discutir as soluções para a seca nordestina.

Aviões, helicópteros, carros de luxo, salões ornamentados e climatizados abrigam os pais da pátria, sob os holofotes da mídia subordinada, corrompida e pronta para os louvores e aleluias.

Precisa vender espaço. O poder compra.

O perfume estonteia, as colônias aromatizam, tudo é maravilhoso e sacrossanto, pois estão ali os deuses da bondade, os deuses da misericórdia., os deuses do Brasil Carinhoso, demagogia de Republica de Bananas.

São os mais diversos ministros, governadores, deputados, senadores, secretários e secretárias, formando um cordão maravilhoso, discutindo quem vai e quando à Paris, para de lá, no silencio do sono à beira do Senna, refletir sobre as agruras do “Velho Chico” e quanto sobrará do seu “investimento criminoso” para as contas secretas no país dos relógios finos e chocolates estonteantes.

Se quiserem, realmente, alavancar o nordeste e matar a sede e fome, com apenas uma parte dos gastos indecentes para atender a FIFA e ao “footbal”, agua haveria, verde surgiria e a gente seria menos infeliz.

E a farra continua. Há os que enxergam, ouvem e escutam. Há os que nada veem, nada escutam, logo, nada sabem.

São mentirosos, corruptos, escorregadios, vermes.

Entretanto, na escuridão da noite, pensam e repensam como se locupletar da miséria de um povo, da fome de toda uma gente, da sede que mata, do remédio que falta, vampiros desgraçados que vivem e

muito vivem, pois, o sangue dos miseráveis sobra para as refesteladas noitadas.

Nem tempo para uma simples reflexão: -Por quanto tempo viverei?

Não, os homens e mulheres dos palácios se sentem invulneráveis, eternos.

Ah! Um dia, porem, se “Deus quiser”, bordão nordestino para justificar toda a sua miséria, ou mesmo que ele não queira ou não dê a menor importância, os palacianos, como os famintos e sedentos terão seus corpos apodrecidos, cremados e ou soterrados, voando os corvos, no velório, em torno do seu féretro na ânsia do belisco.

28/12/2012 Antônio Paraguassú Lopes