Confissões do Homem Erótico

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Confiss玫es do Homem Er贸tico



Udson Souza

Confiss천es do Homem Er처tico

S찾o Paulo 2011


Copyright © 2011 by Editora Baraúna SE Ltda Capa Tânia Parreira Projeto Gráfico Aline Benitez Revisão Henrique de Souza

Priscila Loiola CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ _________________________________________________________________

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Souza, Udson Confissões do homem erótico / Udson Souza. - São Paulo : Baraúna, 2011. ISBN 978-85-7923-390-6 1. Ficção brasileira. I. Título. 11-4836. 02.08.11

CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3 08.08.11

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Se a civilização impõe sacrifícios tão grandes, não apenas à sexualidade do homem, mas também à sua agressividade, podemos compreender melhor por que lhe é difícil ser feliz nessa civilização. O Mal-Estar na Civilização, Sigmund Freud

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Introdução Eu me desligara da agência havia dois anos e morava em um simpático e confortável apartamento em Moema, bairro nobre de São Paulo. O edifício era discreto, insuspeito, apropriado às minhas necessidades pessoais e, por que não dizer, ocupacionais, quando necessário. Esclareço. Pois, seria leviano da minha parte, comigo mesmo (e em especial com as leitoras), não admitir, desde o início, sem escrúpulos ou rodeios, o que realmente sou: um amante do prazer e do sexo. Essa é a verdade elementar. Diferentemente do que possa parecer à primeira vista, não me incomoda nem um pouco o rótulo amante de mulheres, Don Juan ou outro do tipo. Até me dá certo orgulho e, intimamente, aguça minha vaidade. Aprendi, ainda jovem, nos meus dezesseis anos, que nome se dá e se recebe: você é o José, eu sou o João, e é só – cada qual que interprete como queira ou achar melhor. Na verdade, me conhecem por Manfredo, ou Fredo, que é meu nome de guerra. Já meu nome de família e de registro não importa (a não ser para questões legais 7


e financeiras, é claro). Mas o que de fato interessa nesta narrativa é pura e simplesmente a vida de Manfredo até hoje, data em que completo trinta anos. Explico. Este relato, no que diz respeito à forma, é a tentativa de reunião ordenada de outros relatos menores. Seu ponto de partida e referência são os registros e anotações feitas ao longo dos últimos doze anos de existência e aprendizado. Na falta de uma denominação, de um nome apropriado para o que se segue, trata-se aqui, sobretudo, de um testemunho. Na realidade, desde o instante em que me envolvi definitivamente na arte do prazer e do erotismo, passei a registrar, um a um, de forma resumida, meus compromissos e encontros em agendas de capa dura, que destinava somente para esse fim. E aí, outro dia, por acaso, quando colocava em ordem – o que raramente acontecia – a pequena biblioteca da sala, encontrei uma caixa repleta das agendas. Contei vinte e uma: a mais antiga datava de 1991; a última, de março de 2002. Hoje, como a maioria das pessoas em seus negócios e atividades, utilizo agenda eletrônica; e assim, cedo ou tarde, acabo apagando os agendamentos e anotações; consequentemente, perco os registros. Resolvi, portanto, fazer uso das vinte e uma agendas e contar, antes que seja tarde ou falhe a memória, porém nem sempre de forma linear, a história desses anos de aprendizado na arte da sedução e do desejo; pois minha vida privada se confunde intimamente com a minha profissão, com as aventuras e os envolvimentos eróticos acu-

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mulados ao longo do tempo. Casanova, Don Juan, amante de mulheres, ou mesmo gigolô... não importa mais o nome. Nome se dá e se recebe. O que importa são os fatos – os fatos considerados em si mesmos, sem reservas ou falsos moralismos. Um lembrete. Não serei aqui condescendente, quer se trate de emoções ou sentimentos, quer seja com pessoas ou situações, inclusive as que me foram desfavoráveis ou danosas. São Paulo, primavera de 2003.

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Maioridade

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1 Onde Fredo conta sua história: a morte prematura dos pais, a ida para a antiga casa da avó, em Pinheiros, sua iniciação amorosa com a tia Helô Em 1991, mais precisamente em outubro, eu completara dezoito anos. Enfim, a maioridade. Para um homem, isso tem uma importância fundamental. Significa poder fazer e deixar de fazer, dizer não, não necessitar de permissão para frequentar e desfrutar o que é reservado somente aos maiores e proibido aos que estão a um degrau abaixo. Em suma, pela lei, o homem se faz aos dezoito – e ele acaba acreditando nisso. Não foi diferente comigo. Na época morávamos em Pinheiros: eu, minha única irmã Daize, minha avó Carlota, tia Heleonora e Zazá, a empregada da família. A casa era um sobrado antigo, acinzentado, por isso mesmo de aparência sombria – herança do meu avô materno. Dois anos antes, meus pais haviam morrido em um trágico acidente de carro na Anhanguera. Foi um episódio terrível, traumático, cheio 13


de dor e sofrimento, sobre o qual me abstenho de tecer comentários. Basta dizer que minha avó, ótima pessoa, assumiu nossa guarda e, auxiliada pela tia Helô, passou a cuidar com raro zelo dos dois pobres órfãos. Desse modo, vivendo num ambiente marcado pela presença feminina, certamente essa condição influenciou de forma decisiva minha maneira de ver, sentir e interpretar as mulheres. Tia Heleonora foi uma dessas mulheres. Nunca se casou. Perto dos seus quarenta anos, ela era uma presença quase obsessiva em minhas sessões solitárias. Eu a desejava ardentemente, desde o início da adolescência: os cabelos castanho-ondulados, a pele branca e impecável, a boca pequena, bem desenhada, e a expressão sonhadora davam-lhe uma graça fora de moda, mas que me excitava profundamente. Portanto, assim que eu e minha irmã nos estabelecemos no sobrado, Heleonora se encarregou dos nossos estudos regulares com extrema solicitude. Tomava as lições do dia, lia atentamente nossos cadernos escolares e, sendo mestre em matemática, nos ajudava a solucionar os problemas de álgebra e geometria. As aulas particulares eram dadas individualmente. Quando chegava a minha vez, eu me perfumava com as loções e colônias exóticas de minha avó, só para arrancar algum elogio da tia Helô. Depois, sentado bem próximo a ela, apesar de certa timidez e reserva, não me sentia inibido de, acidentalmente e meio sem jeito, deixar minha perna roçar delicadamente a dela. No início Heleonora recuava pudica, reservada; mas, pouco a pouco, talvez excitada com o roçar das per-

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nas e coxas, ela se deixava ficar, remexendo-se inquieta na cadeira, provavelmente transtornada pelas ondas de calor advindas daquele sutil mexe-mexe. Com o tempo, minha ousadia foi crescendo (acredito que também a dela), e numa tarde de calor sufocante, sem que Helô tivesse tempo de reagir, apliquei-lhe um escandaloso beijo na boca – beijo de língua. Para minha surpresa, Heleonora correspondeu loucamente à pressão dos meus lábios nos dela, colando seu corpo ao meu. Assim, só nos demos conta do barulho na sala quando a luminária da mesa se espatifou no chão. Tomados pelo susto, olhamos em volta e nos surpreendemos atracados um ao outro, como animais famintos, entre livros e folhas de papel. Na noite daquele mesmo dia, com o coração saltando no peito, deslizei sorrateiramente pelo corredor escuro do andar superior do sobrado e alcancei o quarto. Esperei alguns instantes, no silêncio das sombras, a respiração descompassada. Por fim, empunhei a maçaneta da porta e lentamente girei o mecanismo. A porta se abriu e se fechou às minhas costas, com um leve rangido. Tateando na escuridão, pude vislumbrar o vulto na cama e sentir o cheiro suave de almíscar que exalava do leito. Heleonora reclinou-se em minha direção e tomou-me a mão trêmula – a dela era morna e suava ligeiramente. Ela me puxou contra seu corpo branco e macio – estava nua. Aquela foi a primeira noite de um homem. Na verdade, Heleonora foi a primeira mulher que me possuiu na cama, no calor do sexo. Não posso negar que por quase dois anos me transformei naquela espécie de amante

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