Cronos e Narciso (Cr么nicas)
Pedro J. Bondaczuk
Cronos e Narciso (Cr么nicas)
S茫o Paulo 2009
Copyright © 2009 by Editora Baraúna SE Ltda Conselho Editorial Arthur Werner Menko, Antonio Paraguassú Lopes, Maurício R. B. Paraguassú, Rodrigo R. B. Paraguassú e Zeca Martins Projeto gráfico e diagramação Fabio Aguiar Capa Equipe Baraúna
Cip-Brasil. Catalogação-Na-Fonte Sindicato Nacional Dos Editores De Livros, Rj B694c Bondaczuk, Pedro J. (Pedro João), 1943Cronos e Narciso : (crônicas) / Pedro J. Bondaczuk. - São Paulo : Baraúna, 2009. ISBN 978-85-60832-81-1 1. Crônica brasileira. I. Título. 09-1374.
26.03.09
CDD: 869.98 CDU: 821.134.3(81)-8 31.03.09
011738
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Apresentação
O
escritor Jorge Luís Borges tinha uma fixação – e explorou-a com muita destreza e maestria em seus contos e poemas – por labirintos, máscaras e tigres. Da minha parte, os objetos pelos quais sempre tive obsessão e que são temas constantes em meus textos são: o relógio e o espelho. Não cito, necessariamente, esses dois instrumentais - um para a medição do tempo, tendo por referencial a estrela responsável pela vida na Terra, o Sol, e o outro para refletir a nossa imagem e nos mostrar como somos e como estamos dia após dia – mas os tenho sempre presentes, subjetivamente, realçando o simbolismo do seu significado para o homem: a efemeridade humana. Somos transitórios, como um raio que corta o céu, em uma tempestade. Em curtíssima fração de segundo cósmico (em relação à eternidade), como num piscar de olhos, brilhamos subitamente e desaparecemos em seguida, a maioria sem deixar um único vestígio da nossa passagem.
Diante dessa transitoriedade é que questionamos a importância e a utilidade da vida. Se é para morrer, por que nascemos? Qual é a nossa verdadeira finalidade? De onde viemos? Para onde vamos? Tudo, de fato, acaba, com nossa extinção orgânica ou alguma coisa sobrevive? O quê? Onde? Como? São perguntas que todos fazemos, mas que ninguém obteve resposta cabal e convincente. Gostemos ou não, começamos a morrer a partir do exato momento em que nascemos. Muitas vezes, antes mesmo de vermos a luz do mundo. O relógio, invenção prática e cada vez mais sofisticada e precisa, marca, de maneira inexorável, o tempo que se esvai. Avisa-nos, portanto, a cada movimentação dos seus ponteiros, que mais um instante da nossa vida, cujo prazo final felizmente desconhecemos, se escoou. Lembra-nos da presença incômoda e permanente da morte e da sua constante ronda sinistra. Algumas pessoas são tão vazias e inconscientes que sequer se dão conta disso. Como amo essa aventura fascinante e misteriosa, que é viver, consulto relógios somente quando é estritamente necessário. Mesmo assim, sempre que posso, prefiro perguntar as horas para os outros. Tanto que nunca carrego esse objeto comigo. Tenho até pecado por impontualidade por causa dessa idiossincrasia. Quando consulto as horas, sempre em relógios alheios, faço-o com crescente preocupação, até mesmo com certo alarme. Não consigo me furtar de pensar que cada segundo é precioso, o maior capital de que disponho e que não pode ser desperdiçado, já que pode ser o último. Se o mal-
baratar com tolices, certamente fará falta. Procuro vivê-lo intensamente, não importa qual seja o meu ânimo, ou como me sinta fisicamente: se com dor ou não. Quero prolongar minha vida ao máximo! Mesmo tendo plena consciência de que esse prolongamento em pouco (ou em nada) depende de mim, ainda assim tento, tento e tento. É uma tarefa virtualmente impossível. O processo de vida e de morte está fora do meu controle e sei disso. A menos que eu deseje apressar a morte, mediante o suicídio, o que nunca foi o caso. Minha aspiração não é, jamais foi e provavelmente nunca será a de reduzir, mas a de, se for possível, de alguma forma, prolongar esse maravilhoso milagre, sem possibilidade de reprise. Por isso, não uso relógio de pulso. É uma atitude até supersticiosa, mas adoto-a em defesa da minha sanidade psicológica. Não quero, a todo o instante, lembrar de que o prazo da minha vida (que felizmente desconheço qual é) está se estreitando e (quem sabe) prestes a se esgotar. O espelho, por sua vez, mostra-me, dia a dia, a cada manhã, os estragos que o tempo faz sobre o meu físico. Na maioria dos dias, essa decadência passa despercebida. Apenas de quando em quando descubro um fio de cabelo branco novo aqui, uma ruga que não havia percebido antes acolá e outros indicativos até mais sutis de envelhecimento. Nessas ocasiões, chego a entrar em pânico. Não se trata de vaidade, de querer apresentar, aos outros, sempre a melhor aparência, seja por qual razão for, mas de não ter indícios da temida decadência, que são uma espécie de lembretes da proximidade da morte. É bom frisar que esta não é uma preocupação exclusivamente minha, doentia e obses-
siva, mas de todas as pessoas, embora a maioria não a revele – ou por não ter consciência dela ou por não saber expressar o que sente em relação a isso. A grande maioria dos meus textos trata, em maior ou menor medida, dessas questões. Resolvi reunir, neste livro, as crônicas mais específicas a respeito, por achar que o assunto merece uma reflexão mais atenta. Reitero que não, evidentemente, no sentido de evitar essa decadência física e posterior extinção, por estar consciente de que isso é impossível. Tenho absoluta certeza de que esse processo não está nas mãos dos humanos. Muito menos nas minhas. A ciência pode, eventualmente, retardar o envelhecimento e até adiar a morte, mas por pouco tempo. Evitá-los, jamais! Minha intenção, ao escrever este livro, não foi a de ser mórbido. Muito pelo contrário. Em vez de lamentar a iminência da morte, exalto a realidade, a transcendência e o mistério da vida. O objetivo é o de realçar a necessidade de aproveitamento do tempo, não importa quanto dele ainda dispomos, se anos ou segundos, para mostrar aos semelhantes a quê viemos a este mundo. É o de convocar as pessoas desta geração e das vindouras, que eventualmente lerem meus textos e refletirem sobre eles, a deixarem o egoísmo de lado, esquecerem da mera satisfação sensorial que caracteriza os broncos, dominarem seus baixos instintos e se tornarem elos na imensa (e talvez infinita) corrente da razão. É, também, o de enfatizar a estupidez da busca por um poder que nada pode, pois não consegue derrotar a principal inimiga dos seres vivos: a morte. Vaidade, vaidade..., já dizia o bíblico pregador...
Sumário 11
Prefácio A arte imita
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Capítulo I Questão de Estilo
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Capítulo II Civilização Contraditória
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Capítulo III Clareza e Concisão
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Capítulo IV Elite e Massa
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Capítulo V Em Busca do Papel
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Capítulo VI O Sábio e o Erudito
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Capítulo VII O Melhor da Espécie
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Capítulo VIII Renovação Diária
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Capítulo IX Moto Perpétuo
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Capítulo X Início de Século
a vida, que imita a arte.
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Capítulo XI Meu Tempo é o Agora
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Capítulo XII Preço de um Sorriso
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Capítulo XIII Cronos e Narciso
75
Capítulo XIV Ingratidão com os Heróis
79
Capítulo XV Recomeçar é Preciso
83
Capítulo XVI Memória Frágil
87
Capítulo XVII Exemplo de Grandeza
91
Capítulo XVIII Suposta Realidade
95
Capítulo XIX Vontade e Consciência
99
Capítulo XX Força de Caráter
103
Capítulo XXI Imortalidade Casual
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Capítulo XXII Caça aos Imortais
A
arte
PREFÁCIO imita a vida, que imita
U
a arte.
ma vez fiquei sabendo que o produto que eu diagramava passaria por um revisor. Não lembro como reagi, lembro que não gostei. Havia questões de horário e um certo receio (pouco) profissional misturados. O tempo e a vaidade estavam presentes quando eu conheci o Pedrão, o autor. Fiquei feliz quando soube quem seria o revisor: Pedro Bondaczuk. Sabia dele o que todo mundo sabia: um jornalista, para falar bem pouco, muito bem-conceituado e conhecido, que torcia, desavergonhadamente, pela Ponte Preta. Um gigante na profissão que eu escolhi, essa que mistura, tão vigorosamente, o tempo e a vaidade. Tenho, desde então, o privilégio de conhecer e conviver com um jovem veterano do ofício de observar e registrar a vida, nesse corte que vai da superfície até o que a vida tiver de mais profundo. E é esse o conteúdo de Cronos & Narciso: observações sobre o mundo, em textos curtos, todos ligados ao tempo ou à vaidade, ou a ambos. O tempo passa, em geral, por cima das vaidades, le-
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vando aquilo que nossa maior parte julga ter de melhor. E o sentimento de soberba, em ostentar o viço da idade, se esfacela e dá lugar à frustração. Há, entretanto, aqueles que entendem o tempo e colocam-se a favor dele, aproveitando seu decurso para aprender, produzir arte e cultura, enfim, cultivar experiências, realizações e, sobretudo, relacionamentos que edifiquem a pessoa de forma atemporal, eterna. E o mais engraçado disso é que estas pessoas que escolhem cultivar, e cultivar em si, esses valores diferentes do superficialmente belo, o fazem por pura vaidade. Só não é a mesma vaidade estúpida, aquela que se cria dentro das pessoas, não raro as domina e inevitavelmente se transforma em neurose tão rapidamente quanto se esvai o vigor da pré-maturidade. Essa é para mim a mais importante lição aprendida desse velho e vaidoso escritor: há qualidades que só o tempo consegue potencializar ou mesmo realizar. Tomara que o Pedro Bondaczuk entenda o que significou para um iniciante o convite para escrever as linhas que vão introduzir seus tantos leitores pelas reflexões desse velho e vaidoso escritor. De qualquer forma, caso seja isso que ele estivesse esperando: Pois não, Pedrão, você é um velho bonitão. Renato Manjaterra, jornalista
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Capítulo I Questão de Estilo
O
estilo é o homem, diz o adágio popular. Caracteriza nossa maneira de ser, de vestir, de amar, de reagir e de trabalhar. Enfim, a forma de nos relacionarmos com as outras pessoas no lar, na escola, no trabalho, no lazer e na sociedade. É a expressão da nossa individualidade, a nossa característica, o nosso distintivo em relação aos demais, a nossa personalidade. Não tem tempo determinado para se configurar. Pode ser definido tanto na infância, quanto nos últimos dias de vida de alguém, em idade bastante provecta. Em alguns casos, o estilo de vida sofre mudanças contínuas, de acordo com as circunstâncias e com as novas influências recebidas. Em outros, mantém-se virtualmente intacto por muitos anos, quando não para sempre. Essas características, posto que individuais, no entanto, são muito parecidas com as que tantos outros possuem. Diferenciam-se em nuances, muitas vezes em detalhes mínimos, quase imperceptíveis. É cada vez mais difícil
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sermos originais, diante da infinidade de influências que recebemos, nesta era da comunicação total. Em literatura, o estilo tarda, ainda mais do que em outras atividades, para se definir e para se cristalizar. Muitos escritores jamais conseguem estabelecer um. Outros (raríssimos), como Fernando Pessoa, desenvolvem mais de um. No caso do poeta português, foram pelo menos quatro de uma só vez, um para cada pseudônimo que adotou, como se se tratasse de quatro ou de mais pessoas distintas. O incrível é que, analisando seus textos, dependendo do heterônimo que usou, parecem ter sido produzidos por escritores diferentes. Até os temas abordados são característicos de cada “personalidade” que assumiu. Mas este é um caso, senão único, extremamente raro na história da literatura. A definição de um estilo depende tanto da experiência adquirida por meio de leituras quanto (e principalmente) de uma longa prática – que se obtém apenas com um alto grau de autodisciplina. É desenvolvido mediante muitas tentativas e erros. Hoje em dia, é quase impossível alguém definir uma forma de escrever absolutamente pessoal, que não guarde nenhuma semelhança com a de qualquer outro escritor. Ou seja, isenta de influências alheias. Somos, afinal, produtos do nosso meio e das experiências que vivenciamos: da educação que recebemos (no lar e na escola), dos livros que lemos, dos nossos relacionamentos, das conversas que mantemos etc. Somos, em última análise, uma “colcha de retalhos” de características das pessoas com as quais convivemos e que, de uma forma ou de outra, nos causem admiração (ou repulsa), influenciando-nos.
O tema é tratado com grande maestria pelo escritor goiano Alaor Barbosa, no livro “O Ficcionista Monteiro Lobato” (Editora Brasiliense). “Estilo é cara: cada qual tem a sua e o que fazemos para modificar a nossa cara é em geral mexer nos pêlos, barba e grenha, e podemos sair um bigodudíssimo Umberto I ou cara rapada à americana. O mais do nosso rosto não se sujeita a travestis. No estilo, também há algo de imutável, de ingênito, de inalterável a despeito de tudo o que façamos para deformá-lo. Não as exterioridades, mas essa alma mater, esse eixo central é que verdadeiramente constitui o estilo”, escreve Monteiro Lobato, em carta ao amigo Godofredo Rangel, em agosto de 1909, citado por Alaor Barbosa. Em outra correspondência, com o mesmo destinatário, de 1905 (quando tinha apenas 23 anos de idade e buscava fugir da literatura), o criador do Sítio do Picapau Amarelo foi sumamente crítico a respeito desse tema. Afirmou: “Estilos, estilos... Eu só conheço uma centena na literatura universal e entre nós só um, o do Machadão. E, ademais, estilo é a última coisa que nasce num literato – é o dente do siso. Quando já está quarentão e quando já cristalizou uma filosofia própria, quando possui uma luneta só dele e para ele fabricada sob medida, quando já não é suscetível de influenciação por mais ninguém, quando alcança a perfeita maturidade da inteligência, então, sim, aparece o estilo. Como a cor, o sabor e o perfume duma fruta só aparecem na plena maturação”. Monteiro Lobato manteve coerência, a esse respeito, até a morte. Foi um crítico feroz dos próprios textos. Confessou, em uma das cartas a Godofredo Rangel, que
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