Ditadura 15p

Ditadura das Procurações Nos condomínios

Nina Borba

Ditadura das Procurações Nos condomínios

São Paulo 2014

Copyright © 2014 by Editora Baraúna SE Ltda Capa Jacilene Moraes Diagramação Camila C. Morais Revisão Ana Paula Ferreira

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________ B72d Borba, Nina Ditadura das procurações: nos condomínios/ Nina Borba. - 1. ed. - São Paulo: Baraúna, 2014.

ISBN 978-85-437-0011-3 1. Romance brasileira. I. Título.

14-11136 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3 ________________________________________________________________ 08/04/2014 14/04/2014 ________________________________________________________________

Impresso no Brasil Printed in Brazil DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua da Glória, 246 – 3º andar CEP 01510-000 – Liberdade – São Paulo - SP Tel.: 11 3167.4261 www.editorabarauna.com.br

Introdução

Conheci Dona Glória na primeira semana que ela se mudou para o apartamento da irmã dela, a dona Hilda, minha vizinha.

Era final da tarde, eu estava no hall do prédio onde moro, quando encontrei Dona Hilda acompanhada de uma senhora, irmã dela. Fomos apresentadas. Trocamos poucas palavras, as boas-vindas, até a porta de entrada do nosso apartamento que é no mesmo andar.

No dia seguinte, quase ao anoitecer, Dona Glória foi me visitar; tomar o lanche da tarde, conforme tínhamos combinado no dia anterior quando nos conhecemos.

A companhia de Dona Glória, as visitas dela se tornaram rotineiras para mim. Entre uma visita e outra ela me contou toda sua História e porque decidiu aceitar o convite da irmã para juntas residir.

Durante nossas conversas, Dona Glória me contou

que sofreu perseguição no tempo da ditadura militar no Brasil, e, posteriormente, sofreu outro tipo de perseguição no Condomínio Duas Flores, onde morou durante quatro anos, por causa da Ditadura das Procurações.

E, após tantas tardes agradáveis junto da amiga Dona Glória, quem me confiou partes emocionantes de sua vida, perguntei-lhe se eu podia escrever a História dela e publicá-la.

Foi assim que este livro foi escrito. Espero que gostem, assim como eu, de conhecer essa mulher encantadora, uma grande amiga, que almeja viver num mundo onde as pessoas possam expressar livremente suas ideias, pensar e agir de modo diferente daqueles que ditam as regras, ser respeitada no direito de ir e vir.

Nina Borba

Sumário

1ª parte Guerra das procurações......................................... 9

2ª parte A turma do mal........................................................... 49

3ª parte Mudança na convenção..................................... 75

4ª parte Fim do mandato do síndico............................... 81

1ª parte

Guerra das procurações

No ano de 1964, no estado do Rio de Janeiro, com a idade de 20 anos, conheci e me casei com um homem que durante quinze anos foi perseguido e preso algumas vezes pelos militares porque era contra o Regime Militar do Brasil. Não tive moradia fixa enquanto durou essa perseguição. Em 1967, mudei para São Paulo após meu marido ter sido demitido da Usiminas, empresa na qual trabalhou durante cinco anos, porque participou de uma greve. Com o fim do período da ditadura militar no Brasil, ano 1985, meu esposo foi anistiado, porém pouco tempo usufruiu desse benefício porque faleceu no ano seguinte. Hoje, ano 2007, viúva, recebo do Governo Federal uma indenização pelo tempo que meu marido foi considerado inimigo da Nação. Há mais três processos tramitando pelos tribunais, os quais requisito reparação 9

pelos danos materiais e morais que eu e meu esposo sofremos no tempo da ditadura militar no Brasil, mas não sei se estarei viva quando for dada a sentença final.

Voltei a esse período da Ditadura Militar no Brasil o qual vivi desde o início (1964) até o fim (1985) para relatar outro tipo de ditadura que fui obrigada a participar.

Explico. Cinco anos após a morte de meu esposo e devido à decisão de minha única filha aceitar proposta de trabalho no exterior, fiquei só com meu neto que preferiu ficar no Brasil para concluir seus estudos. Vendi meu apartamento e junto com meu neto nos mudamos para outro apartamento no Condomínio Duas Flores, condomínio de pequeno porte. Foi nessa nova moradia que fui submetida a outro tipo de ditadura: ditadura das procurações. (...)

Tudo começou dentro do elevador do prédio onde morei com meu neto, no Condomínio Duas Flores.

Regina, minha mais nova vizinha, entrou no elevador, nos cumprimentamos. Lendo um aviso exposto no elevador sobre a segurança no Condomínio, ela me perguntou o que eu achava do trabalho do síndico. Em poucas palavras falei do meu descontentamento, que estava na hora de mudarmos de síndico. O elevador parou, ambas saímos; combinamos de mais tarde continuar o assunto a respeito do síndico; era só o tempo de eu guardar a compra do mercado.

Quinze minutos depois, eu estava apertando o botão da campainha do apartamento da Regina. Sorridente, 10

ela me atendeu e me convidou para entrar.

Dei início, ou melhor, continuei a conversa anterior, perguntando: — Regina, minha filha, você não é a nova conselheira do síndico? Por que me perguntou a respeito do trabalho dele?

Ela me respondeu: — Sim, dona Glória, fui eleita conselheira para substituir o Diego que se mudou para o Chile. A senhora sabe que fui convidada/indicada a ocupar esse cargo.

Na falta de candidatos o administrador me indicou e fui eleita. Só que estou tendo problemas com o síndico. Ele leva tudo pelo lado pessoal; se discordamos dele nos trata como inimigas; não reúne os conselheiros para tomar decisões sérias; age sozinho. Na verdade, estou “tomando as dores” da Rose, a outra conselheira, que teve uma discussão com ele. Ela e o marido pretendem destituir o síndico. Estou numa situação delicada; concordo com a Rose, também acho que o síndico precisa ouvir as opiniões dos conselheiros. E, também, não concordo que o síndico seja reeleito por procurações.

Quando Regina falou a palavra procurações eu a interrompi e completei: — Isso mesmo, Regina. Você não estava na última eleição para síndico, mas foi exatamente por causa das procurações que ele conseguiu se eleger. Uma vergonha!

O outro candidato nem se apresentou e já encerraram a assembleia dizendo que sendo o número de procurações maior ao número de pessoas presentes o síndico estava reeleito. Fiquei tão indignada que me levantei e saí antes 11

da eleição dos outros cargos.

— Eu sei disso. – Regina comentou – Meu amigo Edson, o que morava no 7º andar, me contou como foi essa eleição.

Eu e Regina continuamos por longo tempo o assunto, ou melhor, trocamos informações. Por fim, perguntei a ela: — E qual é a ideia da Rose para destituir o síndico?

O que estão planejando?

Regina me contou que a ideia era fazer uma pesquisa para saber o que os moradores pensam a respeito do trabalho do síndico e perguntar ao Edson, ex-morador do Condomínio, se ele quer mais uma vez se candidatar ao cargo de síndico, na próxima eleição. (...)

O primeiro final de semana do mês de novembro foi prolongado devido ao feriado de finados ser na segunda-feira. Regina viajou para casa dos pais dela; por isso somente na terça-feira pude contar a ela o que tinha acontecido no sábado passado.

Na terça-feira à tarde, fui até o apartamento da Regina. Após os cumprimentos e breve resumo de como foi a viagem dela, iniciei o seguinte relatório: — Regina, no sábado passado, meu interfone tocou; era a Odete que ligou por engano para meu apartamento.

Ela queria falar com você, mas discou errado o número do seu apartamento. Perguntei do que se tratava, se eu podia ajudar. Odete me disse que precisava falar com você porque um apartamento do segundo andar estava alagado devido 12

a um cano ou torneira que provavelmente se rompeu e a água já estava no corredor. Os moradores desse apartamento também tinham viajado. Odete me disse que havia procurado o síndico, subsíndico, zelador e não tinha sido atendida por nenhum deles. Por isso, como último recurso, estava te procurando para alguém solucionar o problema.

Então, como você estava longe, eu disse para ela que ia falar com um dos porteiros. E fiz isso; interfonei para a portaria.

O porteiro Fábio me atendeu, falei sobre o vazamento de água. Ele me comunicou que já sabia do acidente e que o porteiro Gilson tinha ido resolver o problema.

Regina quis saber logo o final dos fatos e me interrompeu: — Dona Glória, o registro foi fechado em tempo de não alagar os outros apartamentos?

— Calma, minha filha – eu disse – o final você vai já saber e não vai gostar do desfecho.

Regina pediu desculpas por ter me interrompido.

Então continuei: — Poucos minutos depois que eu falei com o porteiro Fábio, o meu interfone tocou novamente. Era o porteiro Gilson. Ele mal me cumprimentou, foi direto ao assunto dizendo: — Dona Glória, eu já fechei o registro. O síndico e o zelador também têm direito a folga. Conselheira não resolve problemas. Tem uma turma da oposição passando por aí uma lista para tirar o síndico, mas em time que está ganhando não se mexe.

Terminei de falar, mas desta vez Regina ficou calada por alguns segundos, pensou ter escutado mal; assim como eu fiquei quando ouvi tais palavras do porteiro Gil13

son. Recomposta da surpresa ela comentou: — Dona Glória, como pode isso?! A senhora foi repreendida pelo porteiro. Quem ele pensa que é? Que história é essa que conselheira nada resolve?! O que a senhora respondeu para esse porteiro arrogante?

Respondi para Regina que nada falei a respeito da pesquisa; que ouvi as barbaridades do porteiro Gilson e depois encerrei o telefonema agradecendo-o a informação de que o problema do vazamento de água tinha sido solucionado.

Com indignação Regina concluiu: — Dona Glória, eles estão nos vigiando. Digo isso porque, outro dia, o zelador fez um comentário estranho; ele me falou: “Você foi conversar com o administrador, não foi? Se precisar de alguma coisa da Administração pode falar comigo”. Agora essa: porteiro diz que eu nada resolvo; zelador quer me orientar, me ensinar o que fazer como conselheira. Que absurdo! (...)

Minha convivência com a maioria dos moradores do Condomínio é amigável; cumprimento e inicio conversa com quem encontro no elevador, hall ou outras dependências. Foi em um desses encontros que há meses conheci a Marta.

A amizade com a Marta me valeu para saber, tomar conhecimento de outro comentário absurdo do porteiro Gilson.

De retorno à minha residência, depois de uma consulta médica, dentro do transporte coletivo, encontrei a Marta. O trajeto era curto, mas o tempo foi suficiente 14

para ela me contar que no dia anterior o porteiro Gilson a procurou e lhe propôs o seguinte: — Dona Marta, se a senhora for viajar no dia da assembleia de vaga da garagem pode deixar uma procuração que escolhemos sua vaga.

De minha vez, contei para Marta o que eu tinha escutado desse mesmo porteiro – “Tem uma turma da oposição passando por aí uma lista para tirar o síndico, mas em time que está ganhando não se mexe”.

Marta me disse, então, que não tinha intenção de viajar na data do sorteio da vaga da garagem; - respondeu isso ao porteiro Gilson - mas, com o objetivo de conhecer esse esquema de passar procuração, iria procurá-lo e perguntar-lhe o que deveria fazer caso fosse se ausentar do Condomínio no dia da referida assembleia.

Chegamos ao nosso Condomínio. Marta se dirigiu à portaria para assuntar a proposta do porteiro e eu me dirigi ao meu apartamento.

Conforme havíamos combinado, Marta assim que entrou em sua residência me telefonou e relatou como foi a conversa com o porteiro. Ela me disse que quando perguntou ao porteiro Gilson o que precisava fazer para deixar uma procuração ele teve reação contrária ao que havia proposto no dia anterior. Com expressão de surpresa/susto Gilson pensou um pouco e respondeu que ela podia pedir uma procuração para o condômino que aluga a vaga dela.

Esperei Marta terminar sua investigação para dar o meu palpite: — Marta, acho que o porteiro nos viu juntas; deve ter ficado com receio de fazer negócio com você; por isso 15