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Sérgio Carneiro
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São Paulo 2012
Copyright © 2012 by Editora Baraúna SE Ltda Capa e Projeto Gráfico Aline Benitez Diagramação Thaís Santos Revisão Henrique de Souza
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ______________________________________________________________ C29e Carneiro, Sérgio Espiada inconsequente / Sérgio Carneiro. - São Paulo : Baraúna, 2012. ISBN 978-85-7923-622-8 1. Conto brasileiro I. Título. 12-7178.
CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3
03.10.12 17.10.12 039581 ______________________________________________________________ Impresso no Brasil Printed in Brazil DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br
Rua da Glória, 246 — 3º andar CEP 01510-000 Liberdade — São Paulo — SP Tel.: 11 3167.4261 www.editorabarauna.com.br
Esta é uma obra de ficção. Os nomes e situações foram criados pelo autor, que não se responsabiliza por eventuais coincidências.
Sumário
A caçadora ........................................................................7 A cartomante ................................................................. 11 A palavra ......................................................................... 15 A praia ............................................................................. 19 A sucessão ..................................................................... 25 A tiara .............................................................................. 31 Amnésia........................................................................... 37 Beleza doméstica .......................................................... 45 Caminhando no parque ............................................... 51 Espiada inconsequente ................................................ 55 Fim de ano em família ................................................... 63 Fórum político-econômico .......................................... 69 Jantar no interior ............................................................ 75 Maritalmente ................................................................... 81 O amigo ginecologista .................................................. 87
O aniversário .................................................................. 91 O chato ........................................................................... 97 O elevador ...................................................................105 O estressado ................................................................109 O franco ........................................................................113 O primeiro encontro ...................................................117 O teste ..........................................................................123 O velório .......................................................................129 Orçamento familiar ......................................................135 Os ex .............................................................................139 Pavio curto ....................................................................143 Purgatório ......................................................................149 Redes sociais ................................................................155 Saindo de férias ...........................................................161 Voo complicado .........................................................169
A caçadora Morando numa cidade pequena do interior, Eduardo e Renata estão curtindo a noite de sábado num bar tipo “pub”, que trocou de dono e passou por uma revitalização. O garçom se aproxima e Renata solicita a ele que encerre a conta. Tão logo o rapaz apanha a comanda, ela diz: — Acerta a conta lá no caixa, que eu vou esperar no carro, Eduardo. Espantado com a atitude unilateral da mulher, Eduardo não ousou perguntar o que havia ocorrido, já que os vários anos de relacionamento já tinham ensinado que, quando Eduardo não era chamado de Dudu, algo não estava bem, ou melhor, estava péssimo. Ao entrar no carro, Eduardo deu uma olhadinha de soslaio para Renata. Sem fitar o seu semblante, que deveria estar tenso como uma víbora momentos antes do ataque, ele percebeu que a mulher roia com afinco unha por unha, não se importando em estragar o trabalho da manicure efetuado horas antes. — Queres ir para casa, meu bem? — perguntou Eduardo. — Sim, eu quero. Caso queiras retornar e ficar com aquelas “pistoleiras”, sinta-se à vontade. Eduardo, que naquela noite só estava a curtir música
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no barzinho, não sabia o porquê da fúria de Renata. Pelo menos dessa vez era inocente. Indignado, pensou em tirar satisfação imediatamente, mas preferiu esperar chegar em casa. Podia ser que Renata estivesse mais calma. Ilusão dele. A mulher sentou na cama e, com ferocidade, arrancou os sapatos. Retirou o colar que ganhara de Eduardo e quase o esfregou na face dele, dizendo: — Volta lá e presenteia aquela vagabunda! — Renata, eu só não retruquei até agora porque tu estavas e pelo jeito segues enlouquecida. E eu nem sei o porquê. — Sempre negando, não é, Eduardo? — Quem é essa tal pistoleira a que tu te referes? — Tu sabes muito bem quem é. Aquela Bruna não tirava o olho de ti. Ai que vontade de voltar e dar uma surra nela! — Eu juro que não estava olhando para ninguém. — Não te faz. Eu notei que tu correspondias com cara de gostoso. Safado! — Eu estava olhando para o cara que tocava o contrabaixo, e tu achaste que eu estava olhando para a mesa próxima. Dever ser esse o mal-entendido. — Mal, não, muitíssimo bem entendido. E Renata desferiu rápidos golpes com a bolsa no marido. Após muita explicação, Eduardo convenceu, ou melhor, deixou Renata em dúvida. Não estava certa se ele era totalmente culpado. Dias depois, combinaram um encontro com um casal amigo. Noite fria e chuvosa de inverno, reuniram-se ao re-
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dor da lareira na casa de Eduardo e Renata, onde saboreavam queijos e um bom vinho tinto. Despretensiosamente, o amigo Fábio perguntou ao casal anfitrião se já conheciam o “pub do momento”. Renata, rapidamente, respondeu: — Conheci e me arrependi. — Por quê? — indagou a amiga Dóris. — Este aí — referindo-se a Eduardo, é claro — estava se refestelando para uma “garotinha”. — Vai começar, Renata — disse Eduardo, visivelmente contrariado. Dóris, sem conter a curiosidade feminina, perguntou discretamente para a amiga quem era a tal mulher. Revelada a identidade, Dóris comentou: — Não acredito que ela tava dando em cima do Eduardo, Renata! — E o pior é que estava havendo correspondência... Eduardo apenas balançava a cabeça, em sinal negativo. Fábio, praticando o corporativismo masculino, tentou defender o amigo: — Estou certo de que o Eduardo não flertou com a Bruna. — Como tu sabes que era a Bruna? — indagou Dóris, levantando-se. — O Eduardo comentou alguma coisa contigo? — Eu não falei nada — garantiu Eduardo. — É que me disseram lá na empresa que essa tal de Bruna tava dando tiro em todo mundo. Supus que fosse ela. — Então é por isso que tu tá louquinho para conhecer o pub, não é, Fábio? — perguntou Dóris. — E
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eu acreditando no teu papo de que gostarias de me levar para curtirmos uma boa música, bem agarradinhos. Eduardo, segurando o riso, encerrou-se no banheiro. Quando retornou, encontrou Fábio tentando trocar de assunto, mas dessa vez era Renata quem voltava à carga: — Não sei o que eles acham nessa Bruna, Dóris. Já acabou com três casamentos, que eu saiba, e mesmo assim ficam todos babando por ela. Quando era mais nova ainda vá lá que caíssem na teia dela, mas agora? E Dóris prosseguiu o massacre: — Fiquei bem pertinho dela lá no banco, esses dias. Olhei de frente e vi que ela tá detonada. Espontânea e simultaneamente, os homens falaram: — Mas de costas ela segue muito... E o encontro de amigos foi encerrado com bastante antecedência.
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A cartomante — Amor! Chegarei tarde hoje porque vou me consultar com a Sara. OK? — Que Sara? — A cartomante de quem te falei, Athos. Todo mundo diz que ela é ótima. — Sei. Elas só dizem coisas óbvias que irão acontecer e as pessoas acreditam que elas preveem o futuro. Francamente, Francisca. — Que mania de generalizar. A Sara tem ótimas referências. À noite: — Oi, amor — disse Francisca, exausta, atirando-se de costas e com os braços abertos sobre a cama. — Como foi a consulta com a “Sara Futuro”? — Foi muito proveitosa. E tu, Athos, passaste bem o dia? — Sim. E o que ela falou? — Tá curioso, é, meu bem? — Estou ansioso para te mostrar que a minha tese de que as cartomantes só preveem coisas que normalmente irão ocorrer está correta. — Já que estás interessado em saber da consulta apenas para comprovação de tese, vou esperar para ver se as
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previsões se confirmam ou não e então te conto. OK? Francisca foi tomar banho. Na hora do jantar: — Estou pensando em escurecer um pouco mais o meu cabelo. O que tu achas, amor? — Pode ser — respondeu Athos, demonstrando pouquíssimo interesse no tema. — Diz, meu bem. Quanto tempo terei de esperar para saber o resultado das previsões da cartomante? — Tu falas que não acreditas, mas tá louco para saber, não é? — Capaz, capaz — comentou Athos, seguindo com o disfarce. — Estranho, achei que gostarias de saber sobre o futuro do nosso relacionamento. — Tá bem, Francisca, confesso que não acredito, ou não deveria acreditar, mas conta logo! — Bem. Ela disse que nos vê muito unidos e felizes no futuro, mas que isso só irá acontecer se tomarmos algumas providências muito em breve. — Sim, é claro. Como eu te falei, devemos ser carinhosos, companheiros etc. Caso contrário, nos afastaremos. Obviedades. — Ela não falou nada disso, chato. Disse que passaremos por grandes tentações. — Isto também é normal, Francisca — declarou Athos, sem medir as palavras. — Ah! Então tu estás sendo tentado. Quem é ela, desgraçado? Fala! — exclamou Francisca, com o dedo em riste. Athos deu uma enrolada dizendo que estava se refe-
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rindo às tentações do consumismo desenfreado dos tempos atuais, e então Francisca continuou: — Ela falou que ambos cederemos. Cometeremos adultério, mas o arrependimento vai fortalecer a nossa relação e seremos felizes futuramente. — Mas que besteira é essa, Francisca? E tu acreditaste? — Ela acertou com todas as minhas amigas. Sabe a Carla, esposa do José, que trabalha nos Correios? — Sei, o que tem? — Ela recomendou que a Carla evitasse apresentar o personal dela para o José. — Ela estava tendo um caso com ele? — Não, não. E ela nem ligou para o conselho. — E aí? — Perdeu o José para o personal. — E quanto a nós, Francisca? — Bem, primeiramente vamos pensar em quem seriam os nossos tentadores em potencial. — Olha aqui, Francisca, não permitirei que tu cedas a tentação nenhuma. Era só o que me faltava, ser um “corno anunciado”. — E tu? — Contigo é diferente — garantiu Athos. — Por quê? — Não existe “corna”, ou “corno fêmea”. O máximo que pode acontecer é o teu marido dar uma escapadinha, sem muitas consequências. — Eu vou é te trair diariamente, safado! — Ela falou só uma vez, amorzinho. Anos depois, após seguirem à risca as orientações da
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cartomante, Athos e Francisca relembravam as peripécias do passado. — Athos, reconheço que tinhas razão quanto ao teu ceticismo em relação a videntes. — Deu tudo errado, né? — O mais importante ela acertou. — Explica melhor, Francisca. Não estou te entendendo! — Lembra que tu dizias que as previsões eram obviedades? — Sim, sim. — No final alcançamos a felicidade, conforme ela profetizou, Athos. Ao aceitarmos a ideia de traição, demonstramos que o nosso relacionamento não era bom. Traímos, gostamos e nos separamos. Superado o trauma da ruptura, a felicidade seria uma consequência natural para nós. Uma grande obviedade, como falavas.
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A palavra Colegas de segundo grau (naquele tempo era assim que se chamava), Kátia e Jane tomaram caminhos diferentes. Enquanto a primeira se formou em Medicina noutra cidade e por lá ficou, Jane seguiu trabalhando em uma instituição financeira. Promovida no banco, Jane foi transferida para uma agência localizada justamente na cidade onde a amiga labutava na Medicina. Como necessitava consultar, uniu o útil ao agradável. E, para surpreender a amiga, marcou a consulta com outro nome. — Senhora Loraine, pode passar — disse a secretária. — Oi, guria! — Jane! Não acredito. E a vibração foi muito intensa naquele reencontro. Após breve introdução, Jane falou: — Bem, amiga, sei que há pacientes te aguardando na sala de espera. Vamos colocar a conversa em dia quando estivermos de folga. — Tu que sabes, Jane, mas faço questão de dispor do tempo que quiseres para ficar contigo hoje. — Obrigada, mas também quero consultar. — Então, me fala o que sentes, guria. — Até durmo bem. Mas, durante o dia, me sinto
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