Filhos da Soberba Saga Guardi천es
Katia Oliveira
Filhos da Soberba Saga Guardi천es
S찾o Paulo 2014
Copyright © 2014 by Editora Baraúna SE Ltda
Capa
Monica Rodriguês
Diagramação
Camila C. Morais
Revisão
Daniel Vinícius
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________ O47f Oliveira, Katia Filhos da Soberba/ Katia Oliveira. - 1. ed. - São Paulo: Baraúna, 2013. (Guardiões) ISBN 978-85-7923-722-5 1. Ficção brasileira. 2. Fantasia - Ficção. I. Título. II. Série. 13-05886 CDD: 869.93 CDU: 869.134.3(81)-3 ________________________________________________________________ 07/10/2013 08/10/2013
Impresso no Brasil Printed in Brazil
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Se eu esqueci alguém, me perdoem, estou ficando velha. À minha família, por sua extrema compreensão, apoio e amor. Não sei se teria me sentado para escrever as primeiras letras se minha mãe não tivesse dito: Vai nessa! Hellem, para sempre a primeira fã de Gabriel À super Tabatha, que fez a gentileza de corrigir os meus terríveis erros... Não sou nada sem a minha revisora. Ao pessoal da Baraúna por sua atenção e cuidado constante. Um agradecimento especial a Gleicy, minha mussume-chan querida que leu esse livro ainda por cima do meu ombro e que sempre me falou aquela frase sensível que guardo no fundo do coração: Vá trabalhar! Vocês são meu mundo seguro dentro dos mundos por onde minha mente viaja. Muito obrigada.
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Prólogo
Monólogo de um guardião
“Na terra não há coisa que se lhe possa comparar, pois foi feito para estar sem pavor. Ele vê tudo que é alto; é rei sobre todos os filhos da soberba.” Livro de Jó: 41: 33-34. Tudo sempre começa com uma história de amor. Livros, romances, novelas de ficção, não importa, tudo sempre começa com uma história de amor. No meu caso a história de amor em questão é a de meus pais, nada tão dramático quanto Pássaros Feridos ou O Vento Levou, algo mais ao estilo “Dois Homens e Meio”. Eu sei, a comparação é pobre, mas o que posso fazer, não sou um cara de muita imaginação. O que posso dizer de meus pais? Imagine uma imigrante ilegal mexicana linda, e acredite é incômodo reconhecer que minha mãe, mesmo hoje Katia Oliveira
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em dia, possui o meneio de quadril mais fatal do universo. Pense nessa imigrante fugindo da polícia e dando de cara com um homem que nunca tinha visto na vida. Sozinha no meio do deserto, à noite. Pense nesses dois se encontrando com uma trombada muito bem dada e pense no homem em questão, xingando em diversos idiomas, muitos dos quais nem são mais falados. E aí temos o casal que, reza a lenda, voltaram para a Cidade do México na mesma noite e se casaram assim que conseguiram arrumar um padre. Se o que me contaram foi verdade, percorreram toda a extensão da cidade do México procurando uma igreja aberta que os pudesse receber. Acordaram um padre, praticamente o arrancaram da cama e de seu pijama a fim de oficializar a cerimônia. Amor à primeira vista eu diria. Madre nunca me contou exatamente o que ela havia visto no homem de quase dois metros de altura, que tinha olhos de cor indefinida. Estranhos, do ponto de vista dela. Eu acho que isso eu herdei de meu pai, olhos que, diabos não sei definir de que cor são, porque mudam bastante, entre o cinza-chumbo ao prateado, palavras de minha madre. Às vezes desconfio desse amor à primeira vista porque o dito homem, meu pai, era cidadão americano. E lá estava ela, finalmente, cidadã americana no momento em que disse o famoso “sim”. A lenda também conta que eu nasci cerca de uns dez meses depois daquele encontro na fronteira. Mui romântico. 8
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Os pombinhos foram morar na ensolarada Flórida, não me pergunte o porquê, e lá firmaram suas vidas em uma cidadezinha litorânea. Mamãe abriu um restaurante de comida mexicana e pareceu aceitar muito bem certas estranhezas da vida. Que meu pai não era humano foi uma delas. Antes que você fique de queixo caído me deixe falar um pouco mais de Lupe... Guadalupe Herrera, (não é invenção minha o nome dela realmente é esse) sempre foi uma mulher muito prática, daquelas que se um meteoro cair no quintal e de dentro sair um homenzinho verde, ela simplesmente pergunta se alguém se machucou na aterrissagem. Meu pai disse que sondou isso na alma dela quando se conheceram e por isso sabia que ela era perfeita pra ser a mãe dos filhos dele. Esqueci de contar que meu pai, cujo nome é Mike Sulivan, não é humano? Pois é, meu pai é um dragão. As coisas estão começando a parecer estranhas e absurdas, não é? Vai ficar pior, eu garanto. Não sei exatamente como meu pai contou esse detalhe da sua vida à esposa, mas sendo bem sincero, não quero saber, já tenho coisas o suficiente pra me preocupar. Mas imagino que o velho Mike contou a minha mãe certas verdades da vida que os humanos normais geralmente ignoram. Que lá fora existem uma infinidade de dimensões e que a dimensão dos dragões é uma delas. Sendo criaturas com a capacidade de atravessar os mundos conforme desejarem, os Katia Oliveira
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dragões são os que mais passeiam entre os planos de existência. Que aqui no mundo humano, todo ser de outros planos é obrigado a adotar uma forma humana para viver, e que ele havia acabado de chegar quando esbarrou com ela. Que meu pai é um dragão da terra e por isso ás vezes precisa dormir dentro de solo fértil. E que seus filhos com ela poderiam ser guardiões. Meu pai não contou a história toda, se tivesse contado, com certeza ela teria arrancado os ovários. Pensando melhor, me lembro dela dando conselhos sentimentais para um gárgula, há alguns anos... Provavelmente não. Salve Lupe, a mulher que inventou a fleuma. O que é necessariamente um guardião? Bom, pra explicar isso preciso dizer que não estamos sozinhos no universo xará. Imagine um dado, com suas seis faces, agora imagine isso transparente: trace uma reta de todas as faces do dado em direção ao centro, você terá o ponto médio do dado. Não é? Agora, imagine uma figura geométrica com milhões, dezenas de milhões de lados, todos eles apontando para um ponto central. Essa é a configuração dos planos de existência, são quase incontáveis, cada um em seu universo separado, ligados por seu ponto central. O mundo humano. O mundo humano, a Terra se você preferir, é o ponto de equilíbrio entre todos os planos, a ponte que os liga, 10
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e o único modo seguro de viajar de um plano ao outro se você não é um dragão. Imagine isso como uma grande estação central, recebendo e devolvendo todo tipo de criatura das lendas de todos os povos. E como toda estação de viagem, existem regras a serem preservadas, na verdade apenas cinco. 1. Todo viajante está proibido de levar algo do mundo humano para fora. 2. Todo viajante está proibido de se alimentar dos humanos, ou infringir suas leis. 3. É permitida a permanência de seres de outros mundos no mundo humano, desde que se comportem como humanos. (Eles possuem algo como um visto interdimensional, sim até aqui a coisa tem toda sua burocracia) 4. Todo viajante é proibido de trazer artefatos, físicos ou não, que possam comprometer o mundo humano. 5. O descumprimento de qualquer uma das leis acima acarreta a imediata deportação do individuo ao seu plano original, ou ao plano de Tártaro em caso de crime passível de prisão, nos casos mais extremos a recomendação é exterminação imediata. Aí entram os guardiões. Toda criatura que vive no mundo humano tem o direito de montar sua família se assim desejar, mas têm que estar ciente que seus filhos podem não ser totalmente humanos. Na proporção de um a cada quinze mil nascimentos as crianças podem nascer com certos dons de Katia Oliveira
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seus pais, e possuirem a habilidade de abrir portais para os outros planos conforme a necessidade. Não comecem a achar bonito. Os guardiões são uma mistura de gari de rua com guarda de segurança, é nossa função colocar pra fora com um homérico pé na bunda todo engraçadinho que desrespeita as leis. Como eu disse, em casos mais graves podemos ser o júri, o juiz e o carrasco. E então, temos a minha infância. Não, eu não fui criado em uma seleta ordem sagrada do Tibet, eu não fui treinado por uma agência secreta do governo, eu cresci na Flórida jogando bola na rua e andando de bicicleta. Meus pais chegaram ao amoroso acordo de que eu deveria ter tudo que pudesse dos dois mundos. Então, quando minha mãe avisava na rua que era hora de entrar pra estudar, ela não estava falando de matéria da escola. Era hora de ir com meu pai para o plano dos dragões e treinar minhas futuras habilidades como guardião. Meu pai era uma piada, piada de humor negro. Quando estávamos na Terra, ele era Mike, o homem de bom humor e gentileza, que gostava de cultivar tomates na horta de casa e que ao passar pela cozinha tinha mania de dar um sonoro tapa no traseiro de minha mãe. Quando passávamos para o plano dos dragões, e ele usava sua verdadeira forma, um dragão negro de quase trinta metros de pura força e ferocidade. Rapaz... Ele era um carrasco. Quando eu tinha dez anos, dava muito trabalho explicar as professoras os diversos hematomas, arranhões e queimaduras. 12
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Mi madre fez uma promessa antiga dizendo que nunca cortaria meu cabelo se eu sobrevivesse a meu treinamento. Foi uma alegria abençoada descobrir que um dos poderes que eu havia herdado de meu pai era a capacidade de dormir dentro da terra. Isso é um detalhe que enchia minha mãe de apreensão no começo, e com razão, tentar explicar a sua mãe que quando você se enfia dentro da terra, todas as funções vitais param de funcionar, é complicado. Mas quando ela me via sair da terra, sujo como um porco fuçador, mas sorridente, sem nenhum ferimento e reclamando de fome, a apreensão era esquecida. Ela cumpriu a promessa e nunca cortou meus cabelos, de todo modo a fim de agradá-la; depois que me tornei adulto, só faço a manutenção das pontas, cortando pouco, parece frescura mas vocês não conhecem a minha mãe. Acostumei-me a ter os cabelos longos. Quando completei quinze anos, os ataques de asma começaram, nenhum médico conseguia explicar aquilo: os exames de saúde falavam que eu tinha pulmões de um atleta de triátlon. Meu pai novamente encontrou a explicação mais acertada em pouco tempo. Dragões cospem fogo, por isso seus pulmões estão constantemente envoltos na fumaça que produzem: simplificando, dragões precisam de uma boa quantidade de CO² do lado de dentro do peito para conseguirem respirar. Eu sou apenas um meio dragão, meu corpo não produz a fumaça necessária, embora meus pulmões precisem dela. Fui o primeiro caso de garoto cujo pai incluía nas Katia Oliveira
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compras semanais um maço grande de cigarros, daqueles com dez carteiras. Logo eu era maior e mais musculoso que todos os colegas da rua; parece que os filhos dos dragões são altos por natureza, felizmente parei de crescer quando atingi um metro e noventa e seis centímetros de altura; procurar camas que me coubessem, sem deixar os pés de fora, estava ficando complicado. E assim eu virei homem, como diria minha mãe: Un guapo mui hermoso... Mas que mãe não acha o filho bonito? Meu nome é Gabriel Herrera Sulivan e sou um guardião. É um prazer conhecê-lo.
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Capítulo 1 Crime
O toque do celular atravessou a bruma do sono, justo no momento em que eu começava a sonhar com a Nicole Kidman vestida de coelhinha. Resmunguei e enterrei a cabeça no travesseiro, mas o sonho já tinha se evaporado. Meio dormindo, meio acordado, sentei na cama e peguei o famigerado aparelho, usando a minha melhor voz de sono. — Alô. — Gabi? Por favor, desculpe ter te acordado, mas encontramos um corpo na parte sul do Central Park. Passei os dedos pela nuca, a voz suave de Ivone me trazendo definitivamente para o presente. — É sábado, Iv, minha folga, eu não tenho uma folga a mais de seis meses, mulher. — Eu sei Gabi, mas a coisa é séria. — Sempre é sério; passe o trabalho pro Calaham. — Eu não consigo localizá-lo, por favor, a polícia quer retirar o corpo. Katia Oliveira
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