Histรณria de uma vida
História de uma vida
Maria Áurea de Santana
São Paulo 2017
Copyright © 2017 by Editora Baraúna SE Ltda
Capa
Emília Adamo
Diagramação
Editora Baraúna
Revisão
Adriane Gozzo
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________
Impresso no Brasil Printed in Brazil
DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br
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Prefácio Este livro fala sobre minha vida, mas com certeza, num aspecto geral, retrata também a vida de muitas pessoas que durante décadas viveram diferentes situações. Todos nós corremos o risco de sermos influenciados pela agitação dos fenômenos deste mundo. Por anos e anos, muita coisa mudou, mas estou vivenciando um avanço tecnológico incrível e veloz, que meus antepassados jamais imaginariam ver, e esse avanço pode até trazer muitos benefícios para o “agora e o futuro,” mas também percebo um gradativo distanciamento de pessoas, que se abraçam e se beijam sem sentir o calor do ser humano e sem ver o brilho do seu olhar. Acho que precisamos ser como um mergulhador, que submerge nas profundezas do mar para voltar à superfície após ver ou colher preciosidades; portanto, às vezes, devemos mergulhar no passado e trazer para o presente sentimentos positivos que jamais poderão ser esquecidos, como o amor ao próximo, a compreensão, o perdão, a humildade etc. Se você tiver uma
máquina fotográfica de última geração e a lente estiver suja, jamais vai tirar uma foto perfeita. Porque, com certeza, esta vida terrena é uma escola, onde o espírito se aprimora a cada passagem.
Agradecimentos Aos meus filhos e netos, Deixo para vocês, como parte da nossa árvore genealógica, a história da minha vida, muito simples, sem nada de especial, a não ser de ter sido escolhida para um dia ser a mãe e a avó de vocês. A todos minha eterna gratidão, por vocês darem continuidade ao amor que vivenciamos em nossa família e por terem sido os melhores filhos e netos do mundo. Isto me enche de orgulho, portanto posso dizer, com toda convicção, que ser mãe é a maior dádiva de amor que uma mulher pode ter na vida. Aos meus amados pais, que tiveram a incumbência de cuidar de mim com amor até que eu fosse responsável pelos meus atos, que esta corrente de amor se estenda por muitas e muitas gerações. Às minhas estimadas noras, que se juntaram a nós para a continuidade desta abençoada família. Aos amigos e parentes que conviveram comigo
nesta caminhada e que, com certeza, muito me ensinaram a superar alguns tropeços que apareceram no meu caminho. Muito obrigada. Que Deus abençoe a todos. Maria Áurea de Santana FILHA, MÃE, AVÓ, SOGRA E AMIGA.
Sumário Capítulo 1 - Meu Nascimento/Minha Infância. . . . 11 Capítulo 2 - Minha Adolescência. . . . . . . . . . . . . . . 29 Capítulo 3 - Meu Primeiro Amor e as Primeiras Lágrimas de Tristeza e de Alegria . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 Capítulo 4 - Minha Adolescência, Meu Primeiro Emprego. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 Capítulo 5 - A Partida Para São Paulo . . . . . . . . . . . 67 Capítulo 6 - Vida Em São Paulo . . . . . . . . . . . . . . . 86 Capítulo 7 - Meu Grande e Verdadeiro Amor. . . . . 92 Capítulo 8 - Lembranca da Cidade de Itinga . . . . . 99 Capítulo 9 - Ganhei uma Irmã. . . . . . . . . . . . . . . . 107 Capítulo 10 - Carlinhos, Celso e Roberto. . . . . . . 117 Capítulo 11 - Feito em São Paulo, Nascido na Bahia, e Vice-Versa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120 Capítulo 12 - Minhas Conquistas/ Minha Profissão. 128 Capítulo 13 - O Início de Minha Fé . . . . . . . . . . . 136 Capítulo 14 - Minha Primeira Neta. . . . . . . . . . . . 147 Capítulo 15 - Minha Sonhada Casa Própria. . . . . 155 Capítulo 16 - Netos e Noras – Família Completa. 163 Capítulo 17 - Uma Perda Muito Dolorida. . . . . . . 169 Capítulo 18 - Grandes Emocões. A Vida Continua....173
Capítulo 1
Meu Nascimento/Minha Infância Meados de 1931, a seca assolava quase todo o sertão do Nordeste. Com isso, muitas famílias saíam de suas terras à procura de um lugar onde se pudesse ter o mínimo de condições de vida. Jaguarari, uma pequena cidade do interior da Bahia, era a rota de um desses poucos lugares que recebiam retirantes quase todos os dias. Uns ficavam por mais tempo, enquanto outros, em alguns dias, prosseguiam sua peregrinação, pois os meios de sobrevivência para os pobres eram muito precários. Nessa cidade moravam meus pais, os recém-casados João Velloso da Silva, 24 anos, e Isaura Batista dos Santos, 21 anos. Por lá passavam retirantes de várias partes do sertão nordestino – Ceará, Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte etc. –, e com eles chegavam a fama e o medo de Virgulino Ferreira da Silva (7/7/189828/7/1938), o famoso “Lampião,” que aterrorizava os lugares por onde passava, pelas atrocidades que ele e 11
o seu bando praticavam com as famílias que encontravam. E dizia-se que ele estava muito perto de Jaguarari. Meus pais, então, resolveram sair da cidade e foram morar em Alagoinhas, também uma pequena cidade, porém mais próxima a Salvador, capital da Bahia. Lá residia uma irmã do meu pai, e foi nessa cidade que nasci e fui registrada no cartório como Maria Áurea da Silva, nascida no dia 29 de maio de 1932. Meus pais moraram ali por uns tempos e, quando eu ainda era bebê, resolveram voltar para Jaguarari, onde moravam os parentes da minha mãe. Foi nessa cidade que vivi minha infância e parte da minha adolescência. E hoje, como “flashes” que vêm à minha mente, lembro-me de alguns acontecimentos daquela época. Lembro-me do meu pai trabalhando em uma pequena oficina de sapateiro, fazendo ou consertando bolsas, sapatos e tamancos, junto com o meu tio materno, Eutácio, e de minha mãe que costurava em uma máquina pequenos pedaços de couro para o serviço do meu pai.
Vida de bandido é curta... 12
Hoje, agradeço a Deus por permitir lembranças de imagens vividas tão distantes. Lembro-me da casa onde morávamos. Era muito simples, mas confortável. Tinha três quartos, sala de jantar, uma sala de visitas e uma pequena cozinha. O chão era de tijolos, havia um fogão a lenha e uma grande área com uma mesa comprida, com cadeiras ao redor, e era lá que fazíamos as nossas refeições. O quintal era de terra com algumas plantinhas e tomatinhos de que a mamãe gostava e que ela molhava com a água da bacia que ficava do enxague das louças, porque a água era bem controlada. O quintal era todo cercado de arame farpado, e bem no fundo do terreno tinha um cômodo, que todos chamavam de “a casinha” – era um cômodo de mais ou menos dois metros quadrados, conhecido como latrina ou privada. Era lá que os adultos faziam e ensinavam as crianças a fazer suas necessidades fisiológicas. Também aprendi (deveria ter quatro ou cinco anos) que era ali que tinha que fazer xixi e cocô, mas isso durante o dia, porque à noite, como não havia luz no quintal – talvez seja por isso ou por comodismo –, tínhamos um penico embaixo da cama. Se precisássemos fazer as necessidades, fazíamos ali, depois as levávamos para fora e, quando amanhecia, eram levadas para serem jogadas na latrina. Para mim era normal, pois, antes de aprender a fazer as necessidades na latrina, aprendi a fazer no penico, isso porque lá na casinha eu teria que fazer acocorada, sobre um buraco feito no chão. A “casinha” era dividida em duas partes: em uma delas existia uma fossa bem funda que, com 13
tábuas rústicas, cercava o buraco de mais ou menos 15 cm de diâmetro, onde fazíamos as necessidades fisiológicas, e na outra parte, onde o chão era forrado de ladrilhos, tomávamos banho. Nosso banho era assim: uma bacia grande no chão, uma lata grande com água fria – se quiséssemos tomar banho com água morna, tínhamos que esquentá-la primeiro no fogão a lenha –, dentro da lata tinha uma caneca, ao lado um banquinho de madeira com um pedaço de sabão, ou às vezes tinha sabonete. Na parede rústica havia um cabide com a toalha e a roupa limpa. Entrava-se na bacia e, com a caneca, jogava-se água na cabeça, no corpo e se ensaboava, depois ficava-se de cócoras e jogava-se água até tirar o sabão, e, naquela água do banho que caía na bacia a gente lavava as calcinhas. Xampu, condicionador, creme para o corpo etc. – isso era artigo de luxo. E não estava ao nosso alcance papel higiênico. Talvez eu tenha usado o Neve (isso se ele fez propaganda em algum jornal ou revista da época), pois era o que tínhamos, juntamente com papéis de embrulho pendurados em um prego da casinha para nos limparmos. Meu pai, que era o arrimo da família, ganhava o suficiente para mantermos nossa vida pacata, pois além de mim e da minha mãe moravam conosco meus tios maternos, Eutácio e Ermília, esta que era uma jovem muito bonita. Eles deveriam ter mais ou menos 17 ou 18 anos. Meu tio ajudava meu pai na sapataria e minha tia ajudava minha mãe nos afazeres da casa e cuidava de mim – eu a adorava. Ali fui crescendo e vivendo todos os acontecimentos de 14
minha infância. Mamãe costurava pra fora, ajudava no orçamento familiar. Lá não havia água encanada – a água que chegava à nossa casa era comprada em barris, que os homens vendiam. Eles buscavam água no rio que ficava um pouco distante de onde a gente morava, colocavam quatro barris em cima de um jumento com sela e vinham tocando o animal até as casas das pessoas, vendendo a água, que era despejada em potes de barro de vários tamanhos, de acordo com o tanto que era comprado. Às vezes, eles iam buscar água em uma “mina” que consideravam pura, também distante, mas quando ficava muito tempo sem chover ela secava e eles iam buscar no rio mesmo. Com essa água, tomávamos banho, cozinhávamos, bebíamos e lavávamos nossas louças. Nas famílias mais pobres, que não podiam pagar pela água, as mulheres iam buscá-la andando com latas na cabeça. Os homens que vendiam a água recebiam o pagamento nos fins de semana. Meu pai preferia pagar aos sábados, pois era dia de feira, e era lá que ele vendia as sandálias que fazia em sua sapataria. Em casa minha mãe separava a água que comprava. Deixava o pote menor exclusivamente para bebermos. Naquela época eu não entendia o porquê, mas minha mãe pegava um tição de lenha em brasa e enfiava dentro do pote que continha água, depois botava um pano de prato na boca de outro pote, coava e, então, enchia as moringas de barro para bebermos. Ela dizia que as brasas quentes eram para matar os micróbios e a gente não ficar doente (é aí onde a sabedoria de Deus se conecta nas 15