Homens do Barro Trabalho e Sobrevivência na Cerâmica Vermelha
João Henrique Zanelatto
Homens do Barro Trabalho e Sobrevivência na Cerâmica Vermelha
São Paulo 2011
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Zanelatto, João Henrique Homens do barro : trabalho e sobrevivência na cerâmica vermelha / João Henrique Zanelatto. - São Paulo : Baraúna, 2011. ISBN 978-85-7923-296-1 1. Olarias - Fumaça, Morro da (SC). 2. Oleiros - Fumaça, Morro da (SC) - História. 3. Movimentos sociais - Fumaça, Morro da (SC). I. Título. 11-0853.
CDD: 666.737 CDU: 666.71
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Aos meus filhos Bianca, Beatriz e Pedro Henrique, que tiveram que aceitar minhas ausências em vários momentos da nossa relação. Aos meus pais, que sempre me estimularam na busca de crescimento intelectual.
Agradecimentos Este livro é fruto de minha dissertação de mestrado defendida em maio de 1998 no Curso de Mestrado em História da Universidade de Santa Catarina para obtenção do grau de Mestre. É fruto também de minha busca por qualificação profissional e crescimento intelectual. Durante o processo de elaboração da pesquisa, contamos com o apoio de pessoas e instituições, às quais manifesto publicamente o meu agradecimento. Aos trabalhadores de olarias, que me receberam em suas casas e me permitiram compartilhar suas lembranças. Sem a sua presença, essa pesquisa se esvaziaria, perderia o encanto. Ao professor Nivaldo, que me estimulou para entrar no mestrado. Ao professor Élio, pela orientação clara e precisa, pela liberdade e amizade estabelecidas durante a pesquisa. Creio que foi a partir de suas críticas, e também com o diálogo entre nossas experiências, que a pesquisa ganhou em qualidade. À coordenação do Curso de Pós-Graduação em História da UFSC, pelo acolhimento e dedicação.
Aos colegas do curso, pela amizade, carinho e as contribuições nesse período de realização da pesquisa.
SUmário 1 Sobre a Construção do Texto . . . . . . . . . . . 11 1.1 A Trajetória da Pesquisa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2 Constituição dos trabalhadores do barro. . . 27 2.1 Os Trabalhadores Rurais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 2.2 Pescadores, Mineiros e Outros. . . . . . . . . . . . . . 63
3 Os Trabalhadores Frente As Olarias . . . . . . 73 3.1 O lazer. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 3.2 A escola. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 3.3 Trabalho, moradia, salário – teias da submissão. 100
4 Formas de resistência estratégias de sobrevivência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125 4.1 Os trabalhadores em suas famílias . . . . . . . . . . 157
5 Últimas palavras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
Homens do Barro
1 Sobre a Construção do Texto 1.1 A Trajetória da Pesquisa Era tempo do “Milagre” e em Morro da Fumaça, um pequeno município do Estado de Santa Catarina situado entre as cidades de Criciúma e Tubarão, numa região conhecida tradicionalmente pela economia baseada na agricultura e a extração do carvão, começa a despontar como grande produtor de tijolos na região, passando a exportar para os estados do Paraná e Rio Grande do Sul. Se foram tempos eufóricos para uns, foram tempos difíceis para outros. Assim, na medida em que o número de olarias aumentava, havia uma necessidade de mão-de-obra. Dessa forma, a força de trabalho das olarias foi se constituindo, quase que na sua totalidade, por migrantes vindos dos vários municípios da região e até de outros estados. Uma diversidade de trabalhadores vai compor a força de trabalho das olarias: trabalhadores rurais despossuídos, pescadores, mineiros, entre outros. São homens e mulheres que experimentaram as mais diversas experiências na luta pela sobrevivência. Essa trajetória não quer apenas apontar para a aridez das estatísticas, buscar os mecanismos coercitivos do Estado, as afirmações de dirigentes sindicais ou o crescimento
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econômico produzido pelas olarias na década de 70 e 80. No entanto, não cabe a nós esquecê-las, e sim reinterpretá-las; trazendo à luz uma nova matéria-prima ou, para usar uma expressão de Henri Moniot, trazer à luz a “história dos povos sem história”. (MONIOT, p.69, 1976) É preciso salientar que até este momento a historiografia regional produziu poucos estudos na perspectiva que este trabalho aborda. Por isso é importante fazer uma reflexão sobre algumas perspectivas de abordagem presentes na historiografia sobre movimentos sociais de Santa Catarina. Assim, aponto para algumas obras que foram construídas pela historiografia sobre os movimentos sociais no estado, dentre elas, o artigo de Rufino Porfírio Almeida, O Movimento Operário em Santa Catarina: A Greve de 1917, em Joinville. (ALMEIDA, p.130-173, 1982) Nesse artigo, o autor, através de uma história econômica, demográfica e quantitativa, faz uma descrição da greve de 1917 em Joinville, dando ênfase à conjuntura internacional e nacional como propulsoras daqueles movimentos e da criação de associações, tanto de patrões e operários naquela cidade. Samir Ribeiro de Jesus, em sua dissertação de mestrado, trata do processo histórico de transformação do caboclo serrano do sul do Planalto de Santa Catarina para o trabalhador assalariado. O autor aponta para três fases nesse processo: a primeira, que se estende do século XVIII à segunda metade do século XX, aborda a formação do caboclo enquanto trabalhador peão, formado nas práticas extensivas e enquanto trabalhador roceiro, vin-
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culado a uma produção de subsistência. Na segunda, de 1950 a 1970, analisou o caboclo incorporado às serrarias e ligado ao moderno processo de produção de madeira da região. Na última fase (década de 1970 em diante), aponta a transferência dos caboclos do campo para a cidade ou para trabalhar nos pomares de maçã na condição de trabalhador temporário. (JESUS, 1991) A seguir, apontaremos três pesquisas em que os trabalhadores de Santa Catarina foram percebidos pela via do sindicato. Da Sociologia, temos o trabalho de Terezinha Gascho Volpato, “A Pirita Humana: os mineiros de Criciúma”. Nele, a autora faz uma descrição e análise dos trabalhadores das minas de carvão de Criciúma. Aborda também o processo de trabalho na indústria do carvão, bem como a organização dos trabalhadores no sindicato. (VOLPATO, 1984) Vindo da história, apontamos a dissertação de Maria de Fátima Sabino Dias, “Sindicalismo e Estado Cooperativista: o caso do sindicato dos trabalhadores nas indústrias de fiação de Blumenau – 1941-1950”. A autora, ao analisar a organização daquele sindicato, procura mostrar que ele atuou dentro dos estreitos limites da lei, com base praticamente voltada para os serviços assistencialistas. Entretanto, ela também ressalta que o movimento operário mostrou-se organizado e combativo durante as greves de 1948 e 1958 (DIAS, 1985). Ainda sobre o mesmo sindicato, mas com outra periodização, encontramos a dissertação de Aparecida Beduschi Sehwab, “O Movimento Operário: Evolução do
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Sindicato dos trabalhadores nas indústrias de fiação e tecelagem de Blumenau – 1950-1988.” (SEHWAV, 1988). Seguindo pela via do Sindicato, porém com um novo olhar, foi publicado recentemente, sob a coordenação de Joana Maria Pedro e Maria Bernadete Ramos Flores, o livro: ”(Re)inventando a Cidadania: A História do Sindicato dos Eletrecitários de Florianópolis”. Esse trabalho teve por objetivo refazer a trajetória do Sinergia, criado em 1960. Nele, as autoras procuram perceber o perfil de atuação deste sindicato ao longo dos anos, o caráter de suas lutas, seus dilemas e contradições. Ao refazer essa trajetória, que vai de sindicato assistencialista a sindicato combativo, apontam para uma nova mudança nos rumos dos Sindicatos, designada como “Sindicato Cidadão”. (PEDRO e FLORES, 1994) Para finalizar essa reflexão sobre as várias perspectivas de abordagens dos movimentos sociais de Santa Catarina, apontamos a dissertação de Marlus Niebuhr, “Memória e Cotidiano do Operário têxtil na cidade de Brusque – Santa Catarina; A Greve de 1952”. Niebuhr, ao buscar a memória dos operários têxteis da cidade de Brusque, procurou compor um quadro do cotidiano daqueles trabalhadores. É importante salientar que o autor privilegiou a história oral como instrumento de trabalho. (NIEBUHR, 1997) Assim, apontamos para essas abordagens sobre os movimentos sociais de Santa Catarina objetivando mostrar ao leitor que esta pesquisa está reagindo contra as interpretações marxistas que enfatizavam as forças socioeconômicas como as principais determinantes da história, ou que mostravam os trabalhadores pela via do sindicato.
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Portanto, redobramos os cuidados, evitando explicações mecanicistas ou funcionalistas. Cabe explicitar que nesta pesquisa estamos dando ênfase a uma abordagem cultural de história e, para explicar as formas de resistência, as lutas e as estratégias de sobrevivência dos trabalhadores em olarias, recorremos à experiência e aos hábitos de vida, para assim compreender como estão se constituindo. Por isso, ao colher a fala desses trabalhadores, buscamos compreender as suas experiências, e assim trazer a vida para a história, ampliando a sua dimensão. Entretanto, compreender a singularidade que compõe a trama das relações e realização dos trabalhadores em olarias constitui uma tarefa árdua e não muito fácil, em decorrência das dificuldades de acesso as fontes, como documentos escritos e outros. É preciso ter clareza que a historiografia das últimas décadas tenha favorecido a uma história social voltada para a memória de grupos marginalizados do poder. Novas abordagens e métodos de pesquisa estão libertando aos poucos os historiadores de preconceitos atávicos, abrindo espaço para uma história microssocial do cotidiano. No dizer de Maria Odia Leite da Silva Dias, “a percepção de processos históricos diferentes, simultâneos, a relatividade das dimensões da história, do tempo linear, de noções como progresso e evolução, dos limites de conhecimento possível diversificam os focos de atenção dos historiadores, antes restritos ao processo de acumulação de riqueza, de poder e à história política institucional”. (DIAS, p.14, 1995) Esse alargamento das perspectivas de investigação no campo da história coloca para o historiador uma re-
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