São Paulo - 2015
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Capa
AF Capas
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Priscila Loiola
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AGRADECIMENTOS
Agradeço, pela disponibilidade e atenção ao contribuir com esta pesquisa, a todos que saíram de suas casas, de seus trabalhos e de seus afazeres para participar deste trabalho tão importante para minha formação acadêmica, sem os quais não seria possível alcançar os objetivos propostos. Agradeço ao tenente-coronel Fernando Carlos Bicca, Comandante do 3º Regimento de Polícia Montada da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul e à psicóloga Vera Lúcia Biasin da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul, que com sua atenção, compreensão, disponibilidade e gentileza, possibilitaram que esta pesquisa fosse realizada. Ao meu marido pelo simples fato de existir em minha vida, pela sua compreensão, sua atenção, seu amor e seu afeto, que me inspiraram a continuar sempre, não desistir nunca e sonhar mais alto, me incentivando cada vez mais. Aos professores Dirce Tatsch e Hélio Possamai que foram mais que meus mestres ao longo de minha jornada acadêmica, a eles que me ensinaram muito mais que
teorias, que me ensinaram a ser uma pessoa melhor com exemplos e práticas responsáveis e cidadãs, que me proporcionaram vivências incríveis e inesquecíveis. À minha orientadora profª dra. Silvana Baumkarten por ter me inspirado com seu carinho, compreensão e sabedoria, por ter tornado esta pesquisa um momento prazeroso de estudo e aprendizado, que esteve ao longo desse ano me apoiando e impulsionando para que este trabalho se tornasse possível e tivesse êxito. A você que me orientou, me guiou, me tornou um ser humano melhor, maior, responsável e ético, dedico esta pesquisa. Às inúmeras pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para que este trabalho pudesse ser realizado e que certamente, mesmo sem terem seus nomes aqui citados, deixaram nele suas marcas.
INTRODUÇÃO
Este livro teve sua origem no trabalho de conclusão de curso de graduação de Psicologia na Universidade de Passo Fundo (UPF), pois através desta pesquisa pretendia-se conhecer como a família e a Brigada Militar viam o adolescente em conflito com a lei. Foram escolhidos dois conceitos construídos por Selosse (1997) a serem analisados: o conceito de vampirização (o olhar vazio, sem reflexo – desidentificação) pela família e o conceito de medunização (depreciação, olhar depreciador – identidade negativa) pela Brigada Militar. De acordo com Selosse (1997), a família é a matriz-social do interdito que por estar com rupturas diversas acaba por não se estabelecer como referência a esse adolescente. Desta forma, esses adolescentes ficam à deriva, em busca de continência, de segurança, de companhia. E as suas carências afetivas, a insegurança relacional e a instabilidade são características de seus sintomas, passando a terem condutas oscilantes e servindo de jogo nas crises familiares e saindo deste vínculo apenas pela fuga, pela
impulsividade e pela passagem ao ato (SELOSSE, 1997). Percebi ao longo do estágio curricular obrigatório, que realizava numa unidade do CASE de uma cidade do interior do Estado do Rio Grande do Sul, o quanto esses adolescentes eram “medunizados”, termo usado por Selosse (1997), na sociedade pela população em geral que os vê apenas como marginais, transgressores, assim como pela escola, pelo poder público, pelos órgãos de segurança, etc. Selosse (1997) diz em seu texto que medusa petrifica as pessoas com seu olhar, e desta mesma forma fazem com esses adolescentes ao imputar-lhes identidades negativas, estereotipadas e estigmatizantes, sendo essas identidades resultado de um olhar hostil, depreciativo, de desdenho que cria no adolescente o sentimento de humilhação, de culpa, de vergonha, de incompetência. Por vampirização, Selosse (1997) refere à construção de uma identidade e de uma imagem em si, a qual os sujeitos percebem sua própria imagem pelo reflexo da imagem social. Essa imagem especular nos reenviada pelo reflexo no espelho é constitutivo de nossa própria consciência de nós mesmos em função da atenção que os outros nos dão (SELOSSE, 1997). Ainda de acordo com Selosse (1997, p.10): Vocês sabem que “vampirizar” não é simplesmente o fato que uma pessoa vai se ver desapossar de seu sangue por uma mordida nas veias jugulares, pois o vampiro tem de particular é que passando em frente a um espelho, este não lhe reenvia reflexo. é justamente esta ausência de imagem refletida pelo olhar do outro que cria o vácuo
(vazio) e ao mesmo tempo convida ao erro (vagar) aquele que não encontra pontos de referência e que não chega a se situar, nem a apreender como ele é visto, percebido, recebido, acolhido, reconhecido pelo outro. Ora, este olhar-espelho, elemento fundador da identidade, é muito frequentemente faltoso ao nível do vivido de bom número de nossos marginais, desviantes e delinquentes. Pois ao olhar vazio dos genitores, muito frequentemente vem se juntar o olhar que deturpa (desvia), o olhar que se fecha para outras figuras de referência, outros suportes identificatórios, outros adultos significantes, até igualmente outros olhares institucionais e sociais. Para Selosse (1997), esse processo de vampirização vai construindo um processo de desindentificação na criança e no adolescente, restando a esses adolescentes vampirizados pela família e medunizados pela sociedade o não reconhecimento de sua existência pessoal, e é nessa busca do “existir”, do ser reconhecido pelo outro, por um terceiro, que esses meninos entram em conflito com a lei, na busca de um olhar, de um existir para alguém.
Neste sentido, nos questionávamos: será que ocorre o processo de vampirização nas famílias dos adolescentes em conflito com a lei? E se ocorre, como? E o processo de medunização pela Brigada Militar ocorre? E como? Para tentarmos responder as questões levantadas, realizamos dois grupos focais, um com familiares de ado-
lescentes que cumprem medida socioeducativa de internação em um município do interior do Rio Grande do Sul e o outro grupo focal realizado foi com policiais da Brigada Militar deste mesmo município. Este livro contém a revisão da literatura, a metodologia da pesquisa, a descrição e análise das informações através da construção de categorias e após as considerações finais.
CAPÍTULO I QUADRO TEÓRICO:
ADOLESCÊNCIA Após o período da latência, chega a adolescência, caracterizada pela noção de crise. A crise de adolescência é um período de revolta, de oposição, de colocar em causa os valores parentais, escolares, institucionais, etc. O jovem nessa fase percebe que ele não existe autonomamente, que ele é uma imitação dos modelos parentais, ele tem a impressão de ser uma fotocópia de seus pais, e a partir disso, aparece a crise da adolescência, crise necessária e salutar durante a qual o sujeito vai questionar seus modelos parentais, com o objetivo frequentemente inconsciente de tentar encontrar sua identidade própria (GERVAIS, 1994). Nos processos de subjetivação e na construção das identidades das crianças e adolescentes concorrem 11
processos múltiplos e permanentes que produzem diversos modos e estilos de existência. Tais identidades são construídas nos diversos lugares, como nas brincadeiras e no confronto com normas e regras que regem os modos de comportamento das pessoas e seus conjuntos de valores (TORRES, 2013). A identidade das crianças e adolescentes resulta de toda uma vida real e de todo conjunto de experiências vivenciadas, associada à participação em uma categoria ou grupo que envolve significados ou estereótipos (TORRES, 2013). Nos diferentes processos de subjetivação e construção das identidades, dois aspectos estão presentes e não podem ser descolados – identificação e reconhecimento. Para que haja o reconhecimento de si como sujeito é necessário que se estabeleça uma relação identificatória com o outro, que lhe dê um sentido como sujeito e lhe atribua um lugar (TORRES, 2011). A adolescência é o período de vida onde os sujeitos saem do sistema familiar e procuram no exterior respostas as suas necessidades de afirmação, de afiliação, de diferenciação e de identificação (SELOSSE, 1997). Para Selosse (1997), a adolescência é um período de transição entre a dependência infantil e a autonomia adulta, caracterizada por transações identitárias, afetivas, relacionais, sociocognitivas e normativas; e na busca pelo reequilíbrio surgem a angústia, as perturbações, as turbulências e os conflitos. A adolescência é marcada por profundas transformações nas quais se entrelaçam processos de amadure12
cimento físico, mental, emocional, social e moral, que são influenciados pelas peculiaridades inerentes a cada sujeito, pelo seu ambiente sociocultural e pelo momento histórico (MILANI, 2013). Erikson (apud MILANI, 2013, p. 3) compara a adolescência a uma “moratória psicossocial” devido à “confusão de identidade” que se estabelece nessa fase: Inevitável num período da vida em que o corpo muda radicalmente suas proporções, em que a puberdade genital inunda o corpo e a imaginação com toda espécie de impulsos, em que a intimidade com o outro sexo se aproxima [...] e em que, enfim, o futuro imediato [...] coloca (a pessoa) diante de um número excessivo de possibilidades e opções conflitantes.
Essa crise gera no adolescente a necessidade de formar grupos, “estereotipando-se a si próprios, aos seus ideais e aos seus inimigos”, podendo tornar-se “intolerantes e cruéis na sua exclusão de outros que são‘diferentes’”, o que é uma forma de defesa contra esse sentimento de perda de identidade (ERIKSON, apud MILANI, 2013, p. 3). Essa fragilidade interior do adolescente, muitas vezes mascarada sob atitudes agressivas e de desdém pelo outro, é uma das causas de sua vulnerabilidade a tantos fatores de risco – álcool, drogas, DST/AIDS, violência, transgressão, etc. Fishman (1988/1996) afirma que a adolescência deve ser considerada como uma transformação social, mais do que biológica, e que não pode existir à parte de um contexto social definido. 13
ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI O perfil do adolescente em conflito com a lei, de acordo com Winnicott (apud ZAPPE, 2010), mostra jovens em situação de risco pessoal e social, quando o sujeito se torna violento reativamente a uma situação de privação emocional grave a qual acarreta agravos a seu desenvolvimento psicossocial. A mídia e o capitalismo ditam padrões e estereótipos de consumo associados a imagens de beleza, realização e felicidade, e é nesse momento de busca pela identidade que a mídia/sociedade impõe padrões de consumo e busca de prazer. Ser visível nesta sociedade pressupõe a posse de determinados bens. Sendo assim o ato de consumir passa a ser uma condição de reconhecimento social. Mas o que se vê nas classes populares é o não status social, a destituição do padrão de felicidade. Pertencer às classes populares é destituir o sujeito do lugar de potencial consumir colocando-o no lugar de não cidadão. E a partir desse ponto de vista o adolescente em conflito com a lei pode ser aquele que busca ser incluído na sociedade, que quer ser reconhecido socialmente e parte para a criminalidade (ZAPPE, 2010). Zappe (2010) afirma que frente à impossibilidade de construir um projeto de vida que culmine na conquista de um lugar de reconhecimento social, os jovens têm a dimensão de futuro praticamente anulado e partem para busca do prazer imediato, frequentemente através de atos transgressivos.
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Selosse (1997) acrescenta que as transgressões aparecem como transbordamentos que ultrapassam os limites impostos pelas regras sociais e culturais e que toda transgressão é uma prova de excesso e também uma experiência ilusória em vista de encontrar o estado original da saciedade e da fusão, sem limitar seus desejos e não reconhecendo os desejos do outro. A criminalidade, de acordo com Zappe (2010), aparece como referencial identificatório numa sociedade pautada por valores individualista e capitalista, na qual o consumo oferece objetos e constitui identidade. Além disso, Petracco (2007) diz que o ato infracional pode ser concebido como manifestação que aparece ocupando o lugar do adiamento de satisfação, do pensar antes de agir, sendo entendido enquanto busca de descarga de um quantum de libido, enquanto a possibilidade de traduzir em palavras e refletir sobre o ocorrido como ações apoiadas no princípio de realidade, característico do processo secundário de funcionamento deste aparelho. Continua o mesmo autor descrevendo o processo primário como aquele que rege os mais primitivos processos mentais e que tem como meta a busca incessante pelo prazer, sendo o processo secundário compreendido como aquele que nos permite postergar este prazer, regido pelo princípio de realidade e tendo como funções características o pensamento, a atenção e a avaliação do juízo. Desde o nascimento, na medida em que nossas necessidades são confrontadas com o mundo externo, frustrações acontecem e dão início ao processo de substituição do processo primário pelo secundário. Este não 15