São Paulo 2017
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Capa
Felipe Scagion
Diagramação
Editora Baraúna
Revisão
Adriane Gozzo
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“Não há segredos que o tempo não revele.” Jean Racine
Sumário Capítulo 1.....................................................................................................................9 Capítulo 2...............................................................................................................23 Capítulo 3.................................................................................................................41 Capítulo 4...............................................................................................................63 Capítulo 5..............................................................................................................107 Capítulo 6...............................................................................................................131 Capítulo 7.............................................................................................................173 Capítulo 8............................................................................................................203 Epílogo.....................................................................................................................235
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Capítulo 1 O crepúsculo do final do dia havia cessado. As poucas nuvens marcavam sua presença no céu, em sua procissão solene, encobrindo de quando em vez a enorme esfera branca. Nessa noite, a lua encontravase resplandecente em virtude do fenômeno conhecido por superlua, quando a lua cheia se situa num intervalo de distância entre os noventa e cem por cento da distância mínima em relação à Terra. No apartamento da família Medeiros, os ponteiros do antigo relógio de parede marcavam vinte e duas horas e quinze minutos. Nilda Medeiros, uma linda mulher de pouco mais de quarenta anos, feições suaves, cabelos longos, louros e lisos, olhos azuis, corpo torneado, já se havia recolhido ao aposento depois de mais um dia cansativo e estressante de trabalho como funcionária, exercendo a função de caixa em uma das agências da cidade do interior do estado. 9
A filha, Luzia, uma linda menina de quinze anos, herdara as feições da mãe, desde o cabelo e a respectiva cor, os olhos azuis, entre os demais atributos, os quais não deixavam margens a dúvidas. Tratava-se da única filha, e qualquer exame de maternidade seria um despautério. As duas eram as únicas moradoras do apartamento de classe média alta localizado em uma área nobre da pequena cidade do interior do estado. Fazia dois anos que o marido de Nilda falecera, vítima de latrocínio, quando em uma determinada noite se deslocava até uma farmácia com o intuito de adquirir o medicamento para o controle do diabetes que havia muito tomara conta de si em virtude dos vários exageros ao longo dos anos. Nilda e Marcos, o marido, sempre formaram um casal unido e perfeito. Ambos se amavam de uma tal maneira que para ela foi e ainda é difícil suportar a dor da ausência, pese embora resignada acabasse por aceitar a nova realidade. A vida continuava, e como tal, aos poucos, foi esquecendo a fatalidade que se abatera sobre a família. Porém, de quando em vez, vislumbres rápidos traziam à tona as lembranças do marido. E como a nostalgia das várias lembranças acabavam por ser um impulso, isso a fortalecia mais ainda. E assim Nilda prosseguia. Já o mesmo não se podia dizer de Luzia, a filha, que havia muito suportara a perda do pai, por quem nem sequer mostrara qualquer tipo de afeição e amor a partir de determinada altura. Nem sequer seus laços afetivos de sangue convergiam para um vínculo 10
maior em relação a ele. Só Luzia sabia o real motivo de seu comportamento, mas também nunca o compartilhara, fosse com quem fosse, tampouco com a mãe, que de igual modo nunca a questionara sobre seu estranho comportamento, muito menos sequer descortinava o motivo de a filha haver esquecido tão rápido o pai e sua ausência forçada, para nunca abordar seu nome, esquivando-se sempre que a mãe o recordava, munida de nostalgia e emoção. Nilda respeitava o comportamento da filha em relação ao falecido, mas também nunca tivera coragem para a questionar, conjecturando para si mesma que, caso tocasse no assunto, Luzia sofresse ao se lembrar do pai. Engano seu! O motivo do comportamento de Luzia em esquecer o pai era outro, e muito mais triste do que se possa imaginar. Só Luzia sabia quanto lhe doía o coração ao saber que fora vítima do próprio pai, carregando esse estigma, sendo refém das lembranças amargas e tenebrosas. Nilda recebera um beijo afetuoso da filha no rosto. Ao deixar o aposento da mãe, Luzia, assumindo um tom de voz suave, disse-lhe: – Uma boa noite, mãinha. Eu gosto muito da senhora. A bênção! – Deus te abençoe, minha filha – disse-lhe a mãe enquanto a fitava passar pela porta. Ao cruzar a porta, Luzia escutou a mãe falar. – Eu também gosto muito de ti, minha filha. Dorme bem. Luzia ofereceu um sorriso e disse: 11
– Vou, sim, dormir bem, mãinha. Mas antes ainda vou estudar um pouco. Vou fazer o resto dos deveres de casa. – A esta hora, minha filha? Ainda não acabaste? – admirou-se Nilda. – Ah, falta pouco, mãinha. Logo, logo, termino. – Está bem, minha filha. Vai lá, então, e deixa esta tua mãezinha dormir que ela está muito cansada. Olha, não te esqueças de apagares as luzes depois. Estás me ouvindo? – Não esqueço, não. Dorme bem e sonha comigo. Luzia retornou até junto de Nilda para lhe depositar um beijo afetuoso no rosto, sendo correspondida com outro, e deixou o aposento da mãe, adentrando em seguida ao seu, para logo se sentar na frente do computador. ********** Agora no aposento, na frente do computador, Luzia aguardava ansiosa que sua página do Facebook surgisse precisa na tela. A jovem mentira para a mãe, que havia muito desconfiava de que a filha dedicava tempo em demasia diante da tela do computador, mas também não se importava, confiava nela, porém, temerosa, suspeitava de que algo estivesse sucedendo em virtude da enorme ansiedade de Luzia sempre que se aproximava a hora de ficar na frente do equipamento. Àquela hora, indubitavelmente, Nilda sabia da grande expectativa da filha em sair do seu aposento para mergulhar na tela do computador. 12
O comportamento de Luzia não era esdrúxulo, tampouco deixava escapar algo que pudesse deixar a mãe com uma pulga atrás da orelha; no entanto, Nilda não entendia por que constantemente a filha se utilizava de pequenas mentiras, em especial do argumento de ter trabalhos escolares para fazer, como forma de legitimar seu comportamento. A mãe nada tinha a reclamar da filha, pois nos estudos ela sempre correspondera às expectativas, com resultados acima do satisfatório, e amiúde os boletins escolares demonstravam quanto ela se aplicava, sendo uma exímia aluna. Com base nisso, para que reclamar ou comprar uma briga com a filha por causa do uso excessivo do computador, se ela não dava um pingo de trabalho tanto na escola quanto em casa? A si mesma perguntava a mãe de coração partido, todavia sem saber o que fazer. Se porventura viesse a tomar uma atitude extremada no sentido de suster ou moderar o uso do computador, talvez a filha reagisse com descontentamento. Justo ela, uma criança na fase da adolescência, cujo comportamento é sobejamente conhecido, já para não questionar a opinião e a influência externa dos amigos de sua idade, quiçá instigando-a a ser rebelde. Era o que Nilda menos pretendia que viesse a suceder. O temor de Nilda justificava-se, e não era para menos, pois já havia perdido o marido, então podia muito bem, era uma possibilidade em si mesma incutida, passar a ter um relacionamento obscuro e conturbado com a filha, justo numa fase considerada crucial no crescimento e desenvolvimento da jovem. O que 13
menos pretendia na atual circunstância era gerir uma exequível crise. Nilda sabia de tudo isso, também fora filha, e como tal evidenciara problemas similares, pese embora as épocas fossem diferentes. Com esses e outros pensamentos, Nilda tentou fechar os olhos e dormir, todavia algo a impelia para que se mantivesse acordada. Ora se virava para um lado, ora se virava para o outro. Chegou a se sentar à cabeceira da cama, para permanecer assim por uns e longos minutos, olhando para um ponto qualquer do teto do aposento. Em que dimensão se isolava, só ela e Deus sabiam. Sem fazer barulho, desceu da cama, calçou umas pantufas, de calcinha e sutiã, pelos eriçados nos braços e nas pernas, saiu do aposento com aquele aspecto de frango, foi até à cozinha e abriu a geladeira para sorver um pouco de água. Ao retornar ao aposento, preocupada e simultaneamente curiosa, movida pelo exacerbado zelo, estancou junto ao aposento da filha, onde pressionou o ouvido contra a porta somente com a finalidade de confirmar o que já havia especulado momentos antes em seus sombrios pensamentos. Luzia pressionava com alguma agilidade as teclas do computador. “Toda noite é isso! Com quem Luzia está se comunicando?” – preocupada, perguntou a si mesma. De semblante triste, Nilda permaneceu ali por mais algum tempo, com o intuito de verificar se a filha eventualmente viesse a fazer uso do celular, mas logo veio-lhe a lembrança de que o aparelho houvera ficado trancado no interior da viatura estacionada na 14
grande garagem comum do prédio. Teve ímpetos de a surpreender, mas logo ficou receosa da reação. Temerosa, preocupada e ligeiramente triste, acabou por desistir de sua tenaz ideia. Uma vez mais, frustrada, retornou ao aposento e, malgrado suas preocupações, acabou por conseguir fechar os olhos e ter um pouco de paz, proporcionada por um sono pesado e profundo. A partir daquele momento, ficou totalmente alheia a tudo. ************ Enquanto isso, no seu aposento, diante do computador, Luzia obtivera sucesso ao acessar a sua página da rede social Facebook. Rapidamente, verificou a caixa de mensagens, onde várias aguardavam por sua validação com a correspondente leitura. Foi o que fez em pouco tempo, dando preferência às rotineiras de suas amiguinhas da escola, de suas duas primas e, por fim, a que mais almejava, a de um suposto amigo compartilhado como Maxuel, cujo perfil anunciava ser um jovem de dezesseis anos de idade. As fotos exibidas de Maxuel no perfil do Facebook eram constantemente acessadas por Luzia, deixando-a deslumbrante com o que seus olhos azuis visualizavam: um jovem rapaz de rosto lindo, cabelos e olhos castanhos, pele morena, entre outros atributos. Era recorrente Maxuel ser acompanhado por outros jovens, moços e moças da mesma faixa etária. 15