´ O Circulo Noturno
Thiago Pined
´ O Circulo Noturno O Uivar
São Paulo 2011
Copyright © 2011 by Editora Baraúna SE Ltda Capa Thiuago Pined Projeto Gráfico Aline Benitez Revisão Priscila Loiola
Priscila Loiola CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________
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Pined, Thiago O círculo noturno : o uivar / Thiago Pined. - São Paulo : Baraúna, 2011. Inclui bibliografia ISBN 978-85-7923-441-5 1. Ficção brasileira. I. Título. 11-8264.
CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3
07.12.11 12.12.11
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________________________________________________________________ Impresso no Brasil Printed in Brazil DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br Rua Januário Miraglia, 88 CEP 04507-020 Vila Nova Conceição - São Paulo - SP Tel.: 11 3167.4261 www.editorabarauna.com.br www.livrariabarauna.com.br
Agradecimentos Um livro não é feito sem a ajuda de muitas pessoas que estão no meu coração. Eu ainda tenho que agradecer muito pelo que fizeram por mim. Primeiramente, quero agradecer à minha mãe Monique e ao meu pai José, por serem muito prestativos e sempre estarem do meu lado - e porque minha mãe disse que se ela não fosse a primeira, nunca mais falaria comigo! Adoro vocês dois. Quero agradecer muito aos meus amigos, que sempre ficam ao meu lado, me ajudando em tudo. Em particular à Michelle, que foi uma das primeiras pessoas que leu o livro (se não a primeira) e disse que eu sou idêntico ao personagem principal - mesmo eu não achando isso -; você sempre será a minha melhor amiga! Agradecer à Amanda, por também me ajudar com alguns erros de Português e com resumos e mais resumos, coisa que eu não sou muito bom! E Guilherme, é claro, pois estava sempre me dando forças para correr atrás do que eu quero - e tendo suas conversas universitárias comigo! Vocês são de mais! Eu tenho uma lista muito grande de tios e tias para 5
escrever e falar, por isso vou tentar ser breve: agradeço à minha prima Fabiana por sempre acreditar no meu potencial; às minhas tias-avós, sempre muito legais e engraçadas, as quais adoro todas; e, é claro, à minha tia de consideração, Andréa, para representar uma outra parte ENORME de tios, pois ela foi quem leu e corrigiu meus primeiros textos e sempre será uma parte disso tudo! Eu não posso deixar de agradecer à minha avó Dione, que sempre me deu forças, falou muita besteira, me fez rir e sempre estará no meu coração! Aos meus avós Zeca e Graça, por sempre acreditaram em mim (em negrito também, para não ter ciúme). E, por último, mas nada menos importantes, quero agradecer muito a todos da Editora Baraúna, por serem tão atenciosos e legais comigo, pelo magnífico trabalho com meu livro e por sempre responderem às minhas perguntas ansiosas! Agradeço em especial à Aline Benitez, por responder aos meus e-mails cheios de dúvidas! Muito obrigado por tudo, todos vocês!
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Capítulo 1 Mamãe disse que tínhamos que nos mudar, mas eu realmente não queria. Eu estava bem na minha casa no meio do nada, em Minas Gerais. Mas ela insistiu em ir para o Rio. Se alguém conhece o Rio de Janeiro e Minas Gerais, vai saber que não existe nada tão movimentado como essa cidade. Está bem! Eu nunca fui a São Paulo (porque dizem que é pior do que o Rio). O engraçado era que o temos que nos mudar só caía a mim, porque eu que tive que me mudar, deixar as minhas vaquinhas, boizinhos, cavalinhos, patinhos e galinhazinhas para trás para poder ir morar com a chata da minha tia Abigail, que agora não tem esse nome, é claro, porque é uma socialite das grandes. Por isso que, bem… eu não quero mesmo ir! Eu nunca fui bom em ser um socialite como minha tia. Eu sempre usei meus jeans surrados e minha camisa de botão xadrez — o que minha tia dizia que parecia um pano de piquenique (o que ela não sabia é que eu tinha fotos dela com a mesma camisa de piquenique que eu estava usando). E ela sempre vestia as mais belas roupas 7
de lojas que eu nem conhecia, com colares e brincos de ouro e tudo que se tinha direito. Mas vamos lá… eu estava andando de avião com um frio horrível na barriga (você sabe, aquele frio que você tem quando está com medo de alguma coisa não dar certo), e eu não queria beber nada que as aeromoças me davam, porque eu estava morrendo de medo de passar mal. E do avião eu conseguia ver a única coisa que eu achava linda no Rio: o mar. Não era o Cristo nem o Pão de Açúcar — eca! —, mas aquele lindo mar verdinho… e as praias cheias de gente com aquelas roupas de banho. O problema de morar na roça é que você não tem uma praia tão bonita como aquela. Nós só tomávamos banho num rio que passava perto da nossa casa e que tinha a cor de barro — mas não era sujo, ok? O avião pousou com uma tremedeira que me fez sentir que estava caindo, e, com a sorte que eu tenho, eu fui o único que gritou, e todos — não tô brincando, não; TODOS — olharam para mim. — Ah — eu disse ficando muito, mas muito vermelho. — Me desculpem. Ninguém disse nada, felizmente. Será que eles viram minha cara de caipira e descobriram que era a primeira vez que eu estava voando? Mas não parecia; eu estava com meu típico jeans e minha blusa de gola meio xadrez — não era muito xadrez! Quando a voz de uma das aeromoças disse que já estava na hora de sairmos, levantei-me, mas antes senti uma dor bem no estômago e uma tonteirinha minúscula que
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me fez quase cair e uma aeromoça — bonita, por sinal — perguntar se eu estava bem. Eu disse que sim, me levantei e continuei a andar para fora daquele canário voador. No saguão de desembarque, olhei para todos os lados à procura de algum sinal dos meus parentes. Mas, não sei se felizmente ou não, eu não encontrei. Pude pegar minhas malas calmamente e depois me sentar em uma das milhões de cadeiras do aeroporto, que eu não pensava que era tão grande assim. E eu esperei. Bastante tempo, pelo que eu contei. E nada de ninguém, eles deviam ter se esquecido de mim ou algo aconteceu para que dessem três da tarde e ninguém. Três e meia, e nada ainda. Eu estava pensando que teria que ficar esperando até amanhã ali, se eu não fosse andar sozinho pelo Rio de Janeiro inteiro à procura de Cecily — o outro nome da minha tia (eu ainda acho que Abigail é mais legal do que esse nome estranho). De repente, eu senti uma mão em meu ombro direito. Vou te dizer a verdade, eu estava dando uma cochiladinha, então eu pulei de susto pensando que era algum policial querendo me dispensar dali — eu estava bem arrumado! Eu só parecia um caipira, pelo menos era o que os outros achavam. Olhei para o vulto atrás de mim com um terno preto, uns óculos de sol bem escuro, que não dava para ver nem vestígio dos olhos, e um fone de ouvido. Com certeza ela era um policial. Levantei-me já me desculpando por estar ali e fui andando, sem deixar que ele falasse nada.
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— O senhor é o senhor Bruno? — disse o homem. Eu me senti pior ainda; como que ele sabia o meu nome? — Si… sim — eu disse. Fiquei parado no mesmo lugar na metade do caminho, esperando que ele falasse alguma coisa. Enquanto isso ele se esgueirava para tentar pegar alguma coisa o bolso de seu terno. “Ok”, pensei. “Eu mal cheguei nessa droga de Rio de Janeiro e já fui mandado para ser morto? Minha sorte não pode ser pior, não?” Quando ele foi pegando algo no bolso, eu fui me esgueirando para o chão calmamente para fugir, é claro. Mas ele fez um som com a garganta e eu tive que olhar para ele, vendo que o que ele estava na mão não era nenhuma arma bombadona de nenhum matador de aluguel; ele só estava com um papel na mão. — Querido Bruno — ele começou a ler a carta —, sua tia Cecily e seu tio Mike têm o prazer em lhe dar as boas-vindas a esse fabuloso Rio. Infelizmente não pudemos ir te buscar no aeroporto, mas nosso chofer, Hugo, está aí para te ajudar em tudo. Abraços de seus tios que te amam. “Ah, amam muito, tô vendo!”, pensei. Enquanto o homem alto, que dava mais para um matador de aluguel ou um policial, guardava a carta, eu disse: — Ok, vamos? Ele olhou para mim, andou um pouco para minha frente, eu cheguei para trás tropeçando na mala e caindo de costas no chão. Ele olhou bem para mim e apenas disse: — O senhor quer que eu leve sua mala? Eu engoli em seco, ri um pouco envergonhado e disse:
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— Sim, por favor. Ele pegou agora olhando estranhamente para mim (como se eu fosse morder); eu achava o contrário: eu pensava que ele é quem ia me atacar. — Siga-me — ele disse apenas, andando para fora do aeroporto. Naquela hora, quando estava anoitecendo, muitas pessoas já saíam e entravam no aeroporto. O forte sol da cidade já batia na minha vista, me machucando. Felizmente, eu fui inteligente e comprei uns óculos de sol com o dinheiro que eu tinha guardado para o final do mês. Os óculos eram da marca Ray-Ban. Eu nunca ouvi falar nessa marca, mas eu sabia pois minha tia adorava tudo que era de marca. Eu estava olhando para todos os lados como um bicho do mato. Mas eu era! Eu era muito esquisito para ficar andando por aí, em lugares que eu nunca ia. O único lugar grande aonde eu ia era uma pracinha cheia de gente, à noite; íamos eu e meus amigos conversar e comer alguma coisa. Mas é muito engraçado um garoto de 16 anos como eu, com aquela cara de assustado que eu estava fazendo, olhando para todos como se eles fossem canibais prestes a me comer. O chofer Hugo parou na frente de um carro, bem… enorme! Não era uma limusine — como eu pensei que seria por causa da minha tia que quer sempre do bom e do melhor –, mas era um carro bastante grande. O homem abriu a porta do carro para mim olhando para minha cara. Pela primeira vez eu o vi dar um sorriso, era meio torto, mas era um sorriso, ele estava rindo de mim, mas, mesmo assim, era um sorriso. Ele disse:
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— Entre — olhei para dentro do carro pensando que algo ia pular em cima de mim. Aí não é a mata, Bruno. Depois pulei para dentro do carro. Fechei a porta e esperei. Preferi não falar para não atrapalhar o cara, mas ele parecia não estar nem aí se como que eu estava fazendo. — Sua tia me disse para te mostrar o Cristo ou dar uma volta pelo Rio; o que você preferir — ele me disse. — Eu prefiro ir para casa! — exclamei, mas com minha voz um pouco assustada. Então eu continuei para enganar um pouquinho: — Eu estou meio cansado, se puder… — O senhor é quem manda! Então ele começou a andar. Eu não sou do tipo de roceiro que nunca andou num carro; o meu pai tinha uma pick-up bem grande que ele usava para levar as coisas para o gado e comprar na vendinha do Seu Joaquim, mas nem se comparava àquele carro. O estofado era bem confortável, diferente do lá de casa, que estava todo estragado. As ruas da cidade não tinham quase buraco, o que era estranho para mim, que só andava em terra cheia de buracos que os carros grandes deixavam. Era como se eu estivesse andando de avião. Tirando a parte em que eu tinha que parar num engarrafamento e esperar horas até poder andar. Esse era o problema do Rio de Janeiro: muito acúmulo de carros num mesmo lugar, situação conhecida como engarrafamento. Felizmente, naquele lugar havia um eletro-alguma-coisa chamado ar condicionado. Eu não sou burro, posse ter sotaque caipira, mas eu sei sobre essas coisas. O
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problema era que onde eu morava não era tão quente como o Rio, então eu não precisava de ar condicionado. Ele ligou essa coisa quando estávamos parados no primeiro engarrafamento, porque ele sabia que iríamos ficar ali por um bom tempo, e ele estava certo; ficamos parados por, mais ou menos, uns vinte minutos, até conseguirmos sair desse primeiro engarrafamento para poder pegar outro bem na boca de um túnel para ir para a Barra — que era onde minha tia tinha apartamento. Eu me lembrava da última vez que minha tia foi para minha casa... Ela não queria ir, mas era aniversário da vovó e ela teve que ir porque minha avó é a mãe dela — isso é óbvio. Então ela chegou lá com meu tio Mike, que ela conheceu no Rio (minha tia foi para o Rio de Janeiro bem cedo, quando ela tinha uns 18 anos, para fazer faculdade lá. Depois nunca mais voltou, porque conheceu o tio Mike e se casaram no civil), então nossa família o conheceu pela primeira vez. Ele nos adorou, o que não podemos falar o mesmo da nossa tia Cecily — foi aí que descobrimos o novo nome dela. No dia seguinte, quando o galo estava cantando, tia Cecy e tio Mike estavam voltando para casa. Eu os vi indo embora quando eu estava tirando leite da vaca (isso não é nada nojento, é até legal!). De repente eu vi. Eu estava em cima de uma ponte e o sol bateu bem em cima dos meus olhos. Como qualquer um, eu tive eu virar para ver de onde estava vindo aquele reflexo do sol, quando vi aquela grande e infinita massa azul esverdeada.
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— Posso abrir o vidro? — eu perguntei para o chofer. Ele não respondeu, só assentiu com a cabeça. Mas, mesmo assim, eu abri. O cheiro de água salgada entrou pelo vidro e foi direto no meu nariz. Respirei fundo só para sentir aquele cheiro delicioso — para mim, porque era a primeira vez que eu sentia: e eu já ouvi falar muito do cheiro do mar. — Bom… — eu suspirei. — É, eu também senti isso da primeira vez que eu cheguei — o chofer disse. Olhei para ele; ele não tinha nenhum sotaque de alguém de fora. Quer dizer, ele não falou tanto para eu poder apontar algum sotaque nele. — Eu não sou do Brasil — ele continuou —, eu vim para o Brasil com vinte anos. Agora estou com vinte e nove e já me acostumei. — Hmm... — era a única coisa que eu poderia dizer. — Você vai se acostumar também — ele continuou. — Aliás, por que você veio para cá? — Ah… — eu comecei. Eu não queria me lembrar porque eu tiver que ir para lá. Sério, aquilo era quase um segredo e eu não queria que todos ficassem sabendo que eu era meio que, como se pode dizer, ma… Não! Eu não vou me lembrar de nada que aconteceu na minha vida passada, agora eu só vou para frente. Só que eu não queria me mudar. Eu prometi para minha mãe que nada de mais iria acontecer comigo, e que eu iria parar de… Eu já disse que eu não ia me lembrar daquele acontecimento que me fazia sentir um arrepio novamente na
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espinha. Mas eu tinha que falar algo para o chofer; eu não podia ficar com cara de babaca (como a que eu estava tendo naquele momento). — Eu… — eu continuei. — Eu queria mudar, mas acabei me arrependendo, porque eu não gosto muito de cidade grande. — Hum! — ele riu. — Você com certeza vai se dar bem aqui, é só se vestir bem. — C… como assim? — eu gaguejei colocando minha franja para trás. Ok, eu me esqueci de contar minhas características, porque eu me detesto. Sem nenhuma letra a mais: M-E-D-E-T-E-S-T-O. Sem brincadeira. Eu tenho os cabelos lisos, loiros — como todos da minha família –, tenho os olhos de um azul meio estranho; em minha opinião, sou branco que nem a neve — mesmo eu nunca tendo visto neve. E tenho aqueles músculos estranhos — definidos — do trabalho braçal com meu pai na roça. — Você é o tipo do garoto daqui! — ele continuou. — Você só tem que falar melhor e se vestir melhor, mas isso sua tia vai dar um jeito. Engoli em seco. Eu não queria ficar parecendo com aqueles mauricinhos que eu ouvia falar do Rio. Já chega eu ter que frequentar uma escola particular — a mais cara dali, pelo que minha tia me disse na carta. De repente tudo ficou negro novamente; um túnel. Então rapidamente eu conseguia ver a luz do sol e o céu sem nenhuma nuvem. Bocejei, o sono estava me pegando. Hugo me viu
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