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O Sobrado e seus patrĂľes



O Sobrado e seus patrões Antônio José Sales Filho

São Paulo 2013


Copyright © 2013 by Editora Baraúna SE Ltda Capa Monica Rodriguês Diagramação Camila C. Morais Revisão Vanise Macedo

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________ S155s Sales Filho, Antônio José O sobrado e seus patrões/ Antônio José Sales Filho. - 1. ed. - São Paulo: Baraúna, 2013. ISBN 978-85-7923-850-5 1. Ficção brasileiraileira. I. Título. 13-05888 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3 ________________________________________________________________ 07/10/2013 08/10/2013 ________________________________________________________________

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Quem passava por uma das ruas de um bairro periférico da capital de São Paulo, notava que, em uma esquina, existia um sobrado antigo e quem morava nas proximidades via que, no início das manhãs, entravam pessoas e por lá permaneciam até o começo das noites. Neste sobrado morava um casal de meia-idade e um rapaz de cerca de, 25 anos. O casal vivia ali há mais de 20 anos, e o rapaz talvez um pouco mais de dois. Mas, como o casal não tinha amizade com os vizinhos e também evitava conversar com qualquer pessoa, poucas vezes saía à rua. Não comprava nada no comércio local e usava dois carros que ficavam na garagem, do lado esquerdo do sobrado. Ela era fechada com dois portões de correr, feitos com chapas de aço. Na garagem cabiam mais dois carros que eram usados por dois casais, com cerca de 40 anos idade, que trabalhavam no sobrado. Também trabalhavam mais dois rapazes, aparenO Sobrado e seus patrões  5


tando a mesma idade do rapaz que morava no sobrado. Os dois, na maioria dos dias da semana, usavam ônibus para irem ou voltarem, mas às vezes também vinham ou iam embora com um dos dois casais, ou iam embora com o casal que morava no sobrado. Eles também não compravam nada no comércio local e, poucas vezes, ficavam parados à frente do sobrado. Moradores mais antigos no bairro comentavam que, com exceção do casal que ali morava, as outras pessoas eram constantemente substituídas, principalmente os rapazes. Uns comentavam que ali eram fabricados componentes eletrônicos, e outros diziam eram montados brinquedos, mas ninguém tinha certeza. O certo era que entravam e saíam com caixas nos carros. Não faziam barulho, não poluíam nem colocavam lixos na calçada como as outras pequenas fábricas das imediações, e, às vezes, precisava que os vizinhos fossem reclamar para que os responsáveis tomassem providências para melhorar a situação. Eles trabalhavam ali por todos aqueles anos sem terem recebido uma reclamação. O bairro, localizado distante do centro, tinha um alto índice populacional, e pequenas fábricas e comércios variados ficavam nas quatro principais ruas; em uma delas passavam os ônibus que a maioria das pessoas que trabalhava usava para ir a outros bairros para trabalhar, já que ali tinha poucos empregos. A maioria dos jovens, antes de ir procurar emprego em outros bairros, procurava no bairro. Poucos conseguiam; a maioria só conseguia o seu primeiro emprego em outros e, às vezes, bem distantes. Como era muito difícil arrumar emprego no bairro, 6  Antônio José Sales Filho


constantemente às pessoas passavam nas pequenas fábricas e nos comércios para saber se iriam abrir alguma vaga, principalmente os mais jovens, na tentativa de se livrarem de terem de usar ônibus para irem trabalhar. O único lugar que as pessoas poucas vezes passavam para perguntar era no sobrado, porque muitos sabiam que raramente alguém atendia quando tocavam a campainha de uma porta do lado oposto da garagem. Os que não sabiam, desistiam depois de ficar aguardando vários minutos que alguém fosse atender. E, quando o interessado por uma vaga encontrava com uma das pessoas do sobrado e perguntavam, ela fazia gestos com as mãos ou com a cabeça, dando a entender que não tinha. Gustavo era um destes jovens que, por mais de dois anos, insistia em procurar emprego no bairro, mas também como muitos ele nunca recebeu uma proposta. Ele trabalhava há quase três anos em uma pequena metalúrgica que ficava em um bairro bem distante e ia de ônibus, que fazia o percurso até o ponto em que descia, quando não atrasava, em uma 1h20min. Depois ainda tinha que andar mais uns 20 minutos. Na época ele tinha 19 anos e, muitas vezes, comentava com os pais - o Seu Francisco e dona Diva - que não via a hora de arrumar um emprego ali. Porque, mesmo não ganhando um salário maior, iria economizar o dinheiro gasto nas passagens do ônibus e também não precisaria acordar tão cedo para ir para o trabalho e voltar mais cedo para casa. Quando ele foi morar no bairro, vindo de um município do interior paulista, tinha dois anos. Morou por mais três O Sobrado e seus patrões  7


em uma casa alugada, até o pai comprar o terreno e construir parte da casa que, depois, aos poucos, foi terminada e, no mesmo mês que mudaram, nasceu o seu irmão, Miguel. Quando o Miguel completou 15 anos, teve mais sorte e conseguiu arrumar um emprego em uma mercearia do bairro. Como o irmão conseguiu emprego, ele ficou incentivado a ir mais vezes aos estabelecimentos e fábricas para procurar. Mas, depois de seis meses, sem ter recebido nenhuma proposta, passou a perder a esperança. Mesmo tendo diminuído a frequência nas procuras, ainda passava para perguntar por uma vaga quando chegava do serviço e, principalmente, nos finais de semana. Quando os seus pais percebiam que ele chegava chateado, depois de ter ido procurar uma vaga, aos sábados, ficavam conversando com ele até voltar a se animar. Às vezes, no sábado, ele e os pais, depois de conversarem, iam a uma represa pescar ou combinavam para irem no domingo para que o Miguel também pudesse ir já que era o único dia de folga que tinha na semana. A represa não era muito longe, mas era preciso pegar dois ônibus e ainda andar mais uns 20 minutos. Quando os pais não podiam ir, ele e o Miguel iam; e, se o irmão não estava disposto, ia sozinho. Tinha dia que pescava a mesma quantidade quando todos iam juntos. Os peixes eram limpos na represa; e, em casa, a dona Diva só tinha o trabalho de dar mais uma lavada e separar uma parte para fritar e guardar as outras no refrigerador. Na época, para pescar uma boa quantidade com varas, eles demoravam cerca de três horas devido à grande quantidade e variedade de peixes e a pouca frequência de pessoas. 8  Antônio José Sales Filho


O Seu Francisco tinha dois irmãos, o Valter e o Pedro, que moravam e trabalhavam em uma propriedade de um município do interior, distante cerca de 300 quilômetros da capital. Município em que antes morava em uma casa alugada e trabalhava em lavouras, antes de vir com a mulher e o Gustavo para a capital. O Valter era dono da propriedade e, além dele; da sua mulher, dona Veralice; e dos três filhos, José, de 20 anos; Luiz, de 17; e o Marcio, de 14. Também trabalhava o Pedro que era o irmão mais velho. O Seu Francisco sempre dizia que só veio para a capital porque era muito pouco o dinheiro que ganhava como empregado em lavouras. Mas, quando conseguisse juntar um bom dinheiro, compraria uma propriedade e voltaria a trabalhar na lavoura. Como o irmão Valter fez, depois de ter trabalhado por quase 20 anos, em uma metalúrgica na capital. Não ficou para trabalhar com os irmãos porque, no inicio, o que ganhavam das lavouras mal dava para o sustento. Mas, duas vezes ao ano, levava a mulher e os filhos para passar uns dias no sítio do irmão. Ele, os filhos e um dos sobrinhos e um dos irmãos se revezavam para não atrapalhar o trabalho na lavoura e iam pescar em um rio. A dona Diva poucas vezes ia e dizia que preferia pescar na represa, em São Paulo, porque no rio era mais difícil, e nunca pescou um peixe de um bom tamanho. E não adiantava o marido tentar convencê-la que, se tentasse pescar mais vezes. poderia pegar um peixe grande como às vezes eles pegavam. Mas ela dizia que preferia ficar conversando com a cunhada, em casa ou na lavoura, enquanto trabalhavam. Mas prometia que, quando voltassem de vez para o município, iria tentar mais vezes. O Sobrado e seus patrões  9


A época boa para pescar era quando diminuía o volume da água do rio, e eles atravessavam pelos fundos da propriedade, com a água na altura dos joelhos, até chegar á outra margem. Depois iam para um remanso e ali pescavam, às vezes, uns peixes grandes. E, como voltavam de ônibus, só traziam os grandes que eles salgavam e deixavam secar ao sol. O Gustavo comentava com os pais que, se arrumasse um emprego no bairro, quando recebesse o dinheiro do acordo que faria com os donos da fábrica em que trabalhava, iria comprar um carro para usá-lo quando fossem pescar na represa e também para fazerem as viagens. Assim, na volta, poderiam trazer os peixes frescos, dentro de uma caixa de isopor, para mostrar os belos exemplares para os vizinhos e amigos que às vezes duvidavam que fossem eles que pescavam. Eles viajavam para o interior, geralmente, em um mês que tinha feriado prolongado, ou no final do ano quando o pai e o Gustavo entravam em férias das fábricas em que trabalhavam. Mas, naquele ano, como o Miguel trabalhava de segunda a sábado e não podia faltar para não ser demitido, decidiram viajar quando ele entrasse de férias, também no final do ano. No primeiro dia do início das férias, em uma segunda-feira, o Gustavo precisou ir à fábrica para receber. Porque não foi feito o pagamento na sexta-feira para os 30 empregados. Então, foi no horário que costumava sair para ser um dos primeiros, para voltar logo e aproveitar o seu primeiro dia de férias. E, como planejava minutos depois que chegara à fábrica, recebeu e, em seguida, vol10  Antônio José Sales Filho


tou para o ponto do ônibus. Teve sorte porque, assim que chegou, o ônibus estava vindo. Quando chegou ao bairro, foi andando devagar e conferindo o extrato de pagamento para ver se estava certa a soma das horas trabalhadas, somado com o pagamento das férias. Quando chegou perto do sobrado foi que percebeu que um rapaz que tinha descido do mesmo ônibus, tomando a sua dianteira, era um dos que trabalhava no sobrado. Ao vê-lo se dirigindo para a porta do sobrado, resolveu correr e perguntar se não estariam precisando de mais um empregado. Quando chegou perto, a porta foi aberta e, quando ele estava entrando, apressadamente o cumprimentou. Em seguida, perguntou se tinha vaga. O rapaz, que levou um susto com aquela chegada repentina, e vendo-o com toda aquela afobação, sorriu e falou: “Entre, que o patrão vai falar com você." Depois falou que ficasse esperando na sala, que logo seria atendido. E, seguindo por um corredor, falou que iria para outra sala na qual trabalhava. Ele agradeceu e, enquanto esperava, ficou olhando as várias caixas que estavam amontoadas na sala. Instantes depois, ele passou a ouvir pessoas conversando. Então ficou pensando enquanto andava de um lado para o outro: “Hoje é meu dia de sorte, pelo jeito vou arrumar um emprego aqui. Porque estão precisando de um novo empregado para substituir um dos rapazes, ou aumentaram os pedidos de serviços e precisam de mais um para dar conta. Pelo jeito, neste ano não vou ter férias, mas não posso reclamar e, se eles quiserem, eu começo hoje mesmo a trabalhar. Depois eu peço umas O Sobrado e seus patrões  11


horas, na parte da manhã, de um dos dias da semana e vou à fábrica para fazer um acordo. Porque, aqui, eles não devem deixar empregado trabalhar por mais de uma semana sem registro em carteira." De repente percebeu que pessoas passaram a gritar; instantes depois ficaram em silêncio. Ele se afastou das caixas e foi para perto da porta. Em seguida, viu o homem que morava no sobrado andando apressadamente pelo corredor e vindo à direção da sala. Então se preparou para cumprimentá-lo e perguntar se tinha vaga. Mas não teve tempo de falar qualquer palavra, porque o homem, bastante nervoso e gesticulando com as mãos enquanto chegava mais perto, e depois que se aproximou, quase o encostando, foi logo dizendo: — Aqui não tem vaga, a única que tinha já foi preenchida por outro rapaz. O rapaz só deixou que entrasse porque achou que era você o novo empregado. - e, abrindo a porta, também falou — Eu não gosto que pessoas entrem para perguntar se tem vaga e, da próxima vez que vier perguntar, faça como das outras vezes. Pergunte para mim ou para outra pessoa, mas do lado de fora. - e, com uma das mãos, foi empurrando-o pelo vão da porta. Em seguida, ele ouviu a porta sendo batida e trancada. Ele ficou tão surpreso com a atitude daquele homem que, por alguns instantes, permaneceu paralisado, sem saber o que fazer. Depois passou a olhar na direção da rua para se certificar de que nenhuma pessoa conhecida tinha visto o homem empurrá-lo e bater a porta às suas costas. 12  Antônio José Sales Filho


E, apressadamente, passou a andar na direção de casa. No início, ficou revoltado pelo que o homem fez, mas depois entendeu, porque, se ele agiu daquela maneira, era porque realmente a presença de pessoas estranhas deveria atrapalhar a produção de todos no serviço. E decidiu que, da próxima vez, iria fazer como o homem falara; não entraria no sobrado, a não ser que fosse ele quem o convidasse. Lamentou a falta de sorte por não ter ido perguntar da vaga no dia em que estavam precisando de um novo empregado, como o rapaz empregado fez. Ficou animado porque, como nos outros lugares em que também procurara vaga, aquele homem não falou que não o queria. E poderia continuar a perguntar, como nos outros lugares. Em casa, contou o que tinha acontecido para os pais e irmão, e todos deram risadas quando o Miguel falou que o seu patrão também expulsava quem entrava na mercearia para perguntar sobre vagas. E o pai falou: — Eu não concordo com esses patrões, mas infelizmente, às vezes, temos que nos sujeitar para conseguir um bom emprego. Mas, agora, não vamos pensar nisso, porque estamos de férias e o melhor a fazer é começarmos a preparar as nossas coisas para viajarmos amanhã bem cedo para o interior. — Está certo, pai! E eu só volto a pensar em um novo emprego depois que voltar das férias. — respondeu Gustavo. Os quatro almoçaram e, 10 minutos depois, os pais e o Miguel foram para o ponto do ônibus; em seguida, peO Sobrado e seus patrões  13


garam um ônibus e foram comprar roupas para todos eles, em um bairro próximo ao centro. E ele ficou descansando um pouco para depois pegar mais uma condução para ir a outro bairro mais afastado para comprar materiais de pesca para eles e também para os tios que tinham encomendado. Uma hora depois, quando o Gustavo abria o portão, notou que tinha um carro parado na rua, a cerca de 20 metros de distância da sua casa, no sentido do ponto do ônibus. Quando andava pela calçada, viu que, dentro do carro, havia dois homens desconhecidos. E, quando se aproximava, notou que os dois estavam inquietos e viraram o rosto para o lado da rua, no momento em que passava pelo carro. Uns dois minutos depois, de repente, ele levou um susto ao ver que aquele carro vinha por cima da calçada, em alta velocidade. Então, correu e desceu da calçada, mas em seguida voltou. Ao olhar para trás, viu que o carro também descera. Mas este também voltou para a calçada, e ele precisou se jogar para agarrar-se a uma grade em cima de um muro ao perceber que não iria conseguir correr para nenhum dos lados. Mesmo agarrando à grade, não teve tempo de erguer uma das pernas e evitar uma violenta pancada. Em seguida, contorcendo-se de dor, viu o carro em alta velocidade sair da calçada e desviar de um ônibus que estava parado no ponto e desaparecer. No ponto havia quatro pessoas que vieram correndo socorrê-lo, e duas o ajudaram a descer. Embora tivesse escoriações no tornozelo e na canela, não tinha quebrado o pé, porque o movimentava e, em seguida, passou a andar. 14  Antônio José Sales Filho


Ele, além da dor, estava apavorado, e as quatro pessoas também, porque tinham visto o carro sobre a calçada e sentiram medo de serem atropeladas. O motorista do ônibus que também tinha visto tudo em seguida se juntou a eles e falou que vira os dois homens no carro sem placa. Enquanto eles caminhavam, o motorista falou que iria levá-lo a um pronto-socorro que ficava nas proximidades do seu itinerário. Gustavo agradeceu, mas estava bem e iria pegar o ônibus para ir fazer umas compras. Se sentisse mais dores na volta, iria ao hospital. Quando ele chegou ao lugar das compras, sentiu dores ao apertar as imediações dos ferimentos. Então, fez as compras e, em seguida, foi para o ponto do ônibus. Ao chegar a sua casa, os pais e o irmão já estavam sabendo do ocorrido e se mostraram apreensivos para saber se eram graves os ferimentos. E se acalmaram quando ele os mostrou e falou que quase não sentia dor. Também narrou o que tinha acontecido. O seu pai falou que, quando chegaram ao ponto do ônibus, o motorista que quis levá-lo ao pronto socorro contou o que tinha presenciado. Depois ouviu um homem, aparentando 50 anos, falar para outras pessoas que estavam no ponto que um vizinho vira o carro com os dois homens tentando atropelar um rapaz que corria pela rua. E, por pouco, seu filho e outras pessoas não foram atropelados. Ele achava que o rapaz tinha provocado os ocupantes, ou jogado uma pedra no carro, porque um senhor do interior de um bar, do outro lado da rua, assistiu quando o rapaz passou a correr, e os ocupantes do carro, com uma das mãos para fora, gesticulavam para que ele parasse. O Sobrado e seus patrões  15


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