Outras histórias
do mesmo autor de “Histórias contadas pelo meu computador”
Álvaro Glerean
Outras histórias
do mesmo autor de “Histórias contadas pelo meu computador”
São Paulo 2011
Copyright © 2011 by Editora Baraúna SE Ltda Capa Aline Benitez Projeto Gráfico Tatyana Araujo Revisão Pedro Chimachi
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________
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Glerean, Álvaro Outras histórias / Álvaro Glerean. - São Paulo: Baraúna, 2011. Inclui índice Do mesmo autor de “Histórias contadas pelo meu computador” ISBN 978-85-7923-383-8 1. Contos brasileiros. I. Título. 11-3772.
CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3
21.06.11 27.06.11
027457
________________________________________________________________ Impresso no Brasil Printed in Brazil DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br Rua Januário Miraglia, 88 CEP 04547-020 Vila Nova Conceição São Paulo SP Tel.: 11 3167.4261 www.editorabarauna.com.br www.livrariabarauna.com.br
Sumário O Admirador. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Túmulo 127 — Quadra 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 Companheiras Indesejáveis. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 O Almanaque. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 A Picareta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 Meu Amigo Computador. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 O Labirinto. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 O Projeto. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 A Onça. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 Padre Pedro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 Só. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 Reflexos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 Pelas Alamedas do Araçá. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123 Esclarecimento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161 Jonas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173 O Paciente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183 Angústia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 229 O Banco Falante. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 237 Pelos Escaninhos do Inconsciente . . . . . . . . . . . . . . 241 De Médico e de Louco... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 255
A Promessa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O Relógio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Amiga Noite. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A Marca do Zorro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Muito Estranho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Recordações. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Bola de Meia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Conversa ao Pé do Túmulo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Dia de Casamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Histórias contadas pelo meu computador – Volume 2
O Admirador
Ao longe avistou que lá vinha seu ônibus, correu, sem a certeza de que daria para pegá-lo. Também, nessa manhã relutou mais do que as demais para acordar, apesar do despertador martelar, até quase se esgoelar. É que a noite anterior estava para lá de boa; pena que a paquera com aquele rapaz tão bonito não deu certo; sua amiga havia sido mais esperta e mais rápida do que ela. Isso a deixou frustrada, afinal, sentia-se carente, pois não conseguia um namorado há mais de três meses. Esse, para ela já era um recorde. Pior frente às amigas; todas tinham alguém para curtir, sair, e ir a barzinhos. Apenas ela tinha, que nem uma boba, de ficar segurando a vela. Não iria mais sair com a turma, jurou a si mesma, até que tivesse alguém e esse alguém teria que ser de fora da turma. Sabia, por experiência própria que namorar com alguém da própria turma não dava certo; que o diga a Fabinha, o quanto sofreu para se livrar do chato do Júlio. Bem, deu certo! Conseguiu tomar o ônibus e até conseguiu sentar-se. Parece que o dia começava bem. 7
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Quem sabe isso não estava indicando que, quem sabe, poderia até encontrar alguém e sair dessa má fase. Desceu junto à estação do metrô. Depois de quatro estações, já estaria finalmente a caminho do local de trabalho. Olhou o relógio e constatou que estava plenamente dentro do horário e que não chegaria atrasada nem um segundo. Entrou no vagão e, como era metódica, gostava de sentar-se a janela sempre naquele mesmo banco. Conseguiu seu intento facilmente; isto reforçou ainda mais o seu ego. De fato, pensou, estou num bom dia. Tirou da bolsa o livro que costumava ler na viagem no metrô, nem sem antes dar uma olhada em volta para ver as pessoas, pois várias já haviam entrado antes dela. Leu talvez duas ou três páginas, quando, como que por instinto, levantou os olhos e, maravilhada e esperançosa, viu no banco em frente um belo rapaz, olhos grandes, cabelos negros muito bem tratados e que a olhava firmemente. Pudicamente, baixou os olhos e voltou a ler. Mas, pensou, quem consegue ler nestas alturas quando um gatão daqueles está me admirando? Olhou rapidamente e, de fato ele continuava, com um sorriso nos lábios a fitá-la. A partir desse instante, romântica como era, passou a imaginar-se com o rapaz na companhia da turma e fazendo o maior sucesso, a ponto de suas amigas perguntarem insistentemente como e onde ela havia conseguido aquele pão. Claro que ela tomou o máximo cuidado de não alongar a conversa e a cuidar ciosamente de sua nova conquista, pois conhecia muito bem a fama delas. Não queria perdê-lo de maneira alguma, principalmente para alguma daquelas sirigaitas! De novo, viu aqueles olhos maravilhosos pregados fixa8
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mente em si. Mas que insistência, pensou. De novo, no mundo da fantasia, imaginou como seria a abordagem que ele faria. Provavelmente, apesar de não ser o seu destino, desceria na mesma estação que ela e lhe perguntaria seu nome, pois a achara muito bonita e queria travar amizade. Qual seria seu nome? Seria Cláudio?, Marcelo?, Maurício? E sua voz? Certamente seria linda, grave e aveludada. Apesar dele insistir, será que devo encontrá-lo já esta noite mesmo, ou devo protelar para não parecer muito fácil, sim, porque existem rapazes que ainda acham que uma moça deve ser conquistada aos poucos. Com tremendo esforço, voltou a ler e o fez até que foi anunciada a próxima estação, que ainda não era a sua. Olhou novamente em direção ao rapaz e de novo, insistentemente ele continuava a olhá-la. Como um castelo de cartas que silenciosamente desaba, assim desabaram suas esperanças, quando viu entrar no vagão um funcionário do metrô e o rapaz distender uma bengala e ser pego pelo braço, descer e ser conduzido pelo funcionário a um destino que ela nunca iria saber qual era. O dia, que tanto prometia no sentido afetivo, deu-lhe de presente, pelo menos por enquanto algumas lágrimas que rolaram pelo rosto jovem e bonito daquela passageira daquele vagão do metrô sentada no banco usual.
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Histórias contadas pelo meu computador – Volume 2
Túmulo 127 — Quadra 4
O funcionário daquele antigo cemitério situado na periferia da pequena cidade, novamente, nessa manhã, insistia com um seu colega em algo que vinha dizendo já há varias semanas. — Estou apenas lhe dizendo que gostaria que você viesse comigo nesta quarta-feira para constatar aquilo que tenho contado a você. — Mas eu não entendo o que tem de mais alguém vir depositar flores num túmulo. Afinal a gente vê isso todos os dia há mais de dez anos. — Primeiro venha e depois eu lhe explico o que há de errado com esse caso. Quero que você confirme o fato, para que eu também me convença do que estou vendo. Faça isso. Não estou lhe pedindo muito, afinal ambos temos mesmo que ficar por aqui trabalhando. Mais para se livrar da insistência do colega de trabalho, ele concordou, afinal não custava mesmo nada e uma certa curiosidade o estava espicaçando. 11
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Nessa quarta-feira, exatamente às três horas da tarde, como sempre, aproximou-se do túmulo 127 da quadra 4 uma mulher de meia idade, trajada de cinza escuro, sapatos negros e levando uma braçada de flores semelhantes àquelas compradas numa das lojas vizinhas ao cemitério. Ficou constrita, de pé, movimentando os lábios, numa demonstração de que estava orando. A seguir, abaixou-se e espalhou as flores por sobre o túmulo, não sem antes recolher as flores já murchas, da semana anterior e colocá-las num saco plástico que também trazia consigo. Como sistematicamente acontecia, como depois confirmou o primeiro funcionário, após quinze minutos, dava meia volta e se dirigia a saída do cemitério. — Muito bem. E daí? Quantas pessoas fazem e sempre fizeram isso? O que há de diferente? — Espere para ver. Venha até aqui comigo e já lhe mostro. Dirigiram-se ao prédio da administração e lá constataram que o túmulo 127 da quadra 4 está desocupado há oito anos! — Está vendo, meu caro, o que existe de diferente nesse caso? Alguma vez na sua vida de funcionário deste cemitério você soube ou viu alguém trazer flores e rezar para um túmulo vazio? Esta revelação de fato mudou o conceito do segundo funcionário, que passou também a querer saber o porquê desse ato inusitado, mesmo assim, sem muito acreditar no que dizia, comentou: — Ora, é possível que essa senhora amava tanto a pessoa que lá estava enterrada que resolveu continuar a prestar-lhe homenagem. 12
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— Sim, mas por oito anos ? Você não acha muito tempo? Aliás, podemos até ver quem estava enterrado lá. Voltaram à Administração e, consultando os livros, verificaram que uma mulher que havia morrido aos noventa e três anos de idade é que ocupara o local. — Bem, isso não nos diz nada, disse o primeiro funcionário. Mas, confesso que gostaria muito de saber a razão daquilo que vimos. — Acho que diz sim, disse o segundo funcionário. Isto significa que provavelmente essa mulher poderia ter sido avó daquela que vem depositar flores, quem sabe uma avó tão querida, que justifica aquilo que eu lhe disse antes. — Francamente, ainda não acredito nessa possibilidade, mas enfim, quem sabe o que se passa na cabeça das pessoas, ainda mais nessas coisas de sentimento. — Resta-nos, se quisermos realmente saber a verdade, tomar coragem e numa próxima quarta-feira, perguntar à pessoa que ai vem, a razão do seu ato. Creio que ela não ficará aborrecida conosco — acrescentou o primeiro funcionário — podemos, como desculpa, chegar até ela e dizer que se ela quiser, poderemos cuidar do túmulo. Dessa maneira, tudo parecerá perfeitamente natural. Tendo ficado assim combinado, resolveram que já na próxima quarta poriam em ação o plano proposto. Esperaram a chegada da mulher e, conforme combinado, a ela se dirigiram e: — Boa tarde, minha senhora, temos visto que a senhora trata com muito carinho deste túmulo e queremos perguntar se não gostaria que nós nos responsabilizássemos pela sua manutenção. Dada essa dedica13
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ção que a senhora demonstra, cremos que deve gostar muito da pessoa que ai está, pode estar certa que faríamos um preço bastante camarada. — Eu sempre detestei essa pessoa que está ai, como vocês dizem. Nunca a suportei e continuo a não suportar. — Mas, a senhora traz flores todas as semanas e nós já a vimos de pé orando. — Aquelas coisas que digo em voz baixa não teria coragem de repetir a vocês em voz alta! Quanto às flores, esta é uma história longa que se iniciou há muito tempo e como muitas outras, começou bem, e eu era feliz. Eu morava numa cidade grande com meus pais e, nas férias, vínhamos todos passá-las aqui nesta cidade num sítio situado do outro lado da cidade e que pertencia a essa que está ai debaixo desse monte de terra, minha tia-avó. Eu ficava o tempo todo brincando com os dois filhos do caseiro e pouco contato tinha com ela. De qualquer modo, era feliz, como toda a criança que tem pais maravilhosos e um sítio para passar as férias. Acontece que, num acidente de automóvel, meus pais faleceram. Fiquei, de uma hora para outra, só no mundo, pois meus pais tinham vindo para o Brasil como imigrantes e a única parente que possuíam aqui era essa minha tia-avó. Não me restou, portanto, outra alternativa senão vir morar com ela. Começou ai o meu martírio. Desde o início nos declaramos inimigas. Muitos anos se passaram sem que diminuísse nosso rancor mútuo. Eu pouco tinha chance de sair de casa e de, portanto, conhecer gente, motivo pelo qual, permaneci solteira. Não tínhamos nenhum tipo de divertimento, a não ser, isso quando ela já estava bem doente, 14
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e graças a uma sua mania, jogar sete e meio. Na maioria das vezes eu ganhava as partidas e isso a tornava cada vez mais irascível. Começamos, por iniciativa minha, a por em disputa pequenos objetos, mais a título de brincadeira, a fim de o jogo ganhar mais emoção. Sua saúde piorava a olhos vistos, de modo que eu já divisava sua morte em pouco tempo, o que de fato se confirmou. Dois dias antes disso ocorrer, ela, sabendo da morte iminente, me propôs uma estranha disputa. Como ela possuía uma boa soma em dinheiro fruto de economias, se bem que eu não sabia o quanto, me disse — Vamos apostar agora algo de muito valor, para compensar esses anos todos que jogamos valendo coisa alguma. Se você ganhar, ficará com esta casa e com todo o meu dinheiro, e farei isso por escrito, como um testamento e se eu ganhar, você também receberá, da mesma forma, o dinheiro, mas, e assinará isso frente ao meu advogado, que se comprometerá a ir todas as semanas, às quartas-feiras, sem nunca faltar, aconteça o que acontecer, por dez anos consecutivos, depositar sobre meu túmulo, cujas indicações constarão no contrato, um maço de flores escolhidas de acordo com uma relação que deixarei com meu advogado. Aconselho-a a nunca faltar, pois tornarei sua vida um inferno. Isto eu juro perante o que você quiser. Ela acrescentou que se eu não aceitasse o jogo, no mesmo dia o advogado viria a sua casa e seria feito um testamento doando todo seu dinheiro, inclusive sua casa para a Santa Casa da região. Como já disse, eu não sabia de quanto montava a quantia que ela possuía em dinheiro, mas imaginava que não seria pouco. Falou muito a favor de eu aceitar a aposta a tal da lei das 15