Se queres ser lembrado após a morte 15

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São Paulo 2016


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Jacilene Moraes

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Patrícia de Almeida Murari

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“O homem é o lobo do próprio homem.” Não há dito popular mais sábio do que o ora citado. Os que agem como lobo são parte dos cidadãos, que não conseguem êxito em suas atividades e, para compensar, a sua incapacidade, sua incompetência, seu despreparo, tentam se beneficiar com atitudes que fogem ao normal. Para punir esses cidadãos que assim procedem, o ser prejudicado pode fazer justiça com as próprias mãos, redigindo um testamento. Assim, antes que Deus, ou a sociedade venha a punir o lobo do homem, o prejudicado pode, através desse instrumento, puni-lo. Como pode também beneficiá-lo, no caso de ser bom cidadão, que age de acordo com as normas sociais. Pela lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002, o Código Civil, que se encontra em vigor, como no anterior, de 1916, verifica-se que há uma facilidade para se fazer um testamento, O testamento é um ato pessoal, unilateral, e revogável pelo qual alguém dispõe de seus bens, ou de parte deles. Pelo Código Civil, o testamento pode ser público ou particular. No testamento público, o Tabelião que o redigir obedecerá a lei. Já o particular tem que obedecer certas normas constantes do Código Civil de 2002, podendo ser feito pelo próprio testamenteiro. O testamento particular pode ser escrito em português, ou língua estrangeira, desde que as testemunhas o compreendam. 5


Poderá, também, ser escrito de próprio punho, ou através de processo mecânico, sempre na presença de 3 (três) testemunhas, que o subscrevem, juntamente com o testador. Deverá, fundamentalmente, ser lido em voz alta, clara e compreensiva, pelas testemunhas. Se for escrito de próprio punho, é obrigatório para ter validade, que o testador o leia também em voz alta, clara e precisa na presença das testemunhas, e que seja compreensível por elas. No testamento feito pelo processo mecânico, não poderá haver rasuras ou espaços em branco, devendo também ser lido e assinado pelo testador e as testemunhas. No testamento particular é necessário que figure sempre 2 (duas) testemunhas, no mínimo, que deverão presenciar o ato, ouvindo a leitura feita pelo testador, em idioma que as testemunhas entendam. A leitura deverá ser feita num ato único e com assinatura do testador e das testemunhas. A qualificação das testemunhas deverá ser completa, endereço detalhado, para que em caso de dúvida, o Juiz possa ouvi-las. No caso das testemunhas, sugere-se que elas sejam pessoas mais novas que o testador. A falta da testemunha, por não ser localizada, ou em razão de seu falecimento o Código Civil em seu artigo 1.879 preceitua que o testamento poderá ser confirmado a critério do Juiz. O testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer momento, e quantas vezes o testador o desejar. 6


Na qualidade de ato jurídico, o testamento requer agente capaz, e dividem se em ordinários e especiais. Os ordinários são: o Público; o Particular e o Cerrado. O cerrado é elaborado em sigilo pelo testador, e o particular é dado por escrito na presença das testemunhas, que deverão, após o óbito do testador, confirmar, em juízo, o teor do documento. Os testamentos especiais são os marítimos, os aeronáuticos e o militar. Quem estiver em viagem, a bordo de navio nacional, de guerra ou mercantil; ou a bordo de aeronave militar ou comercial pode testar perante pessoa designada pelo comandante. O testamento marítimo ou aeronáutico ficará sob a guarda do comandante, o qual o entregará às autoridades administrativas do primeiro porto ou aeroporto nacional, contra recibo averbado no diário de bordo. O testamento marítimo ou aeronáutico caducará se o testador não morrer na viagem. Caso o testador não morrer nos noventa dias subsequentes ao seu desembarque em terra, terá que fazer um novo testamento, e, não tendo providenciado outro na forma ordinária, também caducará. Dos testamentos especiais ainda temos o militar que é previsto no Código de 1916, artigo 1660 a 1663. O testamento militar é elaborado por testador militar (exército, marinha, aeronáutica e policiais militares), ou civil, a serviço das forças armadas, ainda que prestando serviços, por exemplo: engenheiro civil, dentistas, médicos, enfermeiros etc. 7


Para haver validade deste testamento, é preciso também que o testador esteja em campanha (em defesa da pátria), dentro ou fora do país, assim como em praças sitiadas. A lei ainda faculta de fazer testamento militar, aos civis a serviço do exército. Caduca o testamento militar se em 90 dias, e o testador não morrer na viagem, nem nos 90 dias subsequentes ao seu desembarque em terra, onde possa fazer na forma ordinária. O código prevê que se o indivíduo for inteiramente surdo, possa fazer testamento. A condição essencial para que os surdos elaborem um testamento é de que saiba ler. Caso não saiba ler, designará alguém em seu lugar que o leia, devendo estar presentes as testemunhas. O Código também prevê que os cegos só poderão fazer testamento público, que lhe será lido em voz alta, uma vez pelo Tabelião e outra por uma das testemunhas designadas pelo testador, fazendo-se de tudo, constar no testamento detalhadamente. Por esse diploma, pessoas com 16 anos podem fazer testamento, como no Código Anterior. Pela lei atual, o testamento particular poderá ter apenas duas testemunhas, no mínimo, embora, achemos melhor colocar três testemunhas, a fim de facilitar o cumprimento no caso de falecimento de uma delas. No mesmo Código atual o legislador fixou quem não pode usar do direito de testar. No artigo 3º do Código não podem fazer testamento os absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil, que são: 8


I – Os menores de 16 anos. II – Os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos. III – Os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. No artigo 4º do Código são nomeados os relativamente incapazes e que são: I – Os maiores de 16 e menores de 18 anos. (Porém no Parágrafo Único do art. 1860 do Novo Código Civil de 2002, há autorização expressa para maiores de 16 anos poderem fazer testamento). II – Os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que por deficiência mental tenham o discernimento reduzido. III – Os excepcionais, sem desenvolvimento completo. IV – Os pródigos. Para se fazer um testamento não há dificuldade. A qualificação do testador também deverá ser a mais completa possível, citando nome, apelidos se tiver, qual a idade ao fazer o testamento, deverá constar onde nasceu, quem são seus pais, o número do RG e CPF/MF, nome de seus descendentes, ou ascendentes vivos. 9


Em caso do testador não possuir descendentes ou ascendentes, poderá constituir um ou mais herdeiros na totalidade de seus bens, ou indicar associação. Neste caso também é necessário que se detalhe o mais possível a associação, com endereço, CNPJ, sócios, cidade onde tem sua sede, e se possível com aprovação na Junta Comercial, ou registrado em outro cartório. No testamento o testador deverá nomear testamenteiro, que poderá ser um ou mais. Deverá dá-los por idôneos e abonados para cumprimento do testamento em Juízo ou fora dele. Se indicar mais de um, deverá nomear a ordem para desempenhar suas funções. Neste caso também se aconselha, que os testamenteiros sejam pessoas mais novas que o testador. Poderá o testador fixar a vintena do testamenteiro, podendo variar de 1% até 5% sobre o montante, ou mais se desejar. No testamento, poderá constar ainda que seja incomunicável, vitalício e impenhorável, desde que haja justificativa. No caso de incomunicável, normalmente quando o testador não deseja que os bens passem para os cônjuges dos herdeiros. No caso de vitaliciedade, esta poderá ser aplicada em anos ou em gerações, e os descendentes não poderão vender os bens no prazo estipulado pelos doadores, seja por anos ou por gerações. No caso de impenhoráveis é justo que os doadores procurem dar condições para que seus descendentes não 10


percam seus tetos. Foi o princípio que antecedeu o “BEM DE FAMÍLIA” Para requerer a impugnação do testamento, o prazo é de cinco anos, a partir de seu registro. Feita esta explanação sobre testamento, passo a narrar fatos que ocorreram com alguns clientes os quais justificam o título do presente livro. Esses casos, por vezes, trouxeram complicações aos legatários. Os nomes constantes deste opúsculo são fictícios, bem como, os locais alterados. O primeiro caso que apresento é o de Dona Maria. Certa manhã recebi em meu escritório Dona Maria, a qual solicitou a revogação de um testamento. Indagada sobre qual o bem que era objeto do testamento e qual o motivo para a revogação, ela informou que era uma concessão de um terreno no cemitério São Paulo. Tentei saber mais detalhes, e esclareceu que combinou com a legatária o seguinte: Que a interessada pagou certa importância para o uso da campa. Nessa ocasião, Dona Maria e a cessionária ajustaram que a cessionária teria direitos para usar o túmulo para si e seus parentes. Porém, o motivo que desgostou Dona Maria, foi sobre umas flores artificiais que a cessionária, sem consultá-la, jogou fora e colocou novas flores, também artificiais. Ponderei a Dona Maria que o ocorrido não era motivo para revogar o testamento, e, se fosse revogado ela 11


teria que devolver a quantia paga. Dona Maria, enfurecida e cheia de ódio, esclareceu, que a cessionária é quem desrespeitou o ajustado, e não ela. Informou mais, se eu não providenciasse a revogação do testamento, ela contrataria outro profissional. Desejoso de fazer o mais certo possível, e, dada a pouca experiência no ramo, procurei o Tabelião que lavrara o testamento. Após ouvir o que relatei, ele informou que faria o que Dona Maria queria, ou seja, revogaria o testamento, isto porque era sua vontade. O fato de a cessionária perder o que pagara para Dona Maria era problema dela, que deveria se assegurar melhor do negócio e dos seus direitos. Com a orientação do escrivão, solicitei em nome de Dona Maria o primeiro cancelamento do testamento que ela fez. Passaram alguns meses, Dona Maria novamente me procurou, agora para lavrar um novo testamento, onde deixaria seus bens a um sobrinho, visto que ela não tinha descendentes ou ascendentes necessários. Após os cuidados necessários, o testamento fora lavrado. Decorrido cerca de 20 meses, mais ou menos, ela compareceu ao escritório e se queixou, informando que após os parentes do legatário/sobrinho terem conhecimento do testamento, passaram a maltratá-la, demonstrando que agora queriam apenas que ela morresse, a fim de se apossarem de seus bens. Por esse motivo, o segundo testamento foi revogado. Não demorou muito, ela retornou ao escritório, a 12


fim de que um novo testamento fosse redigido. Novo sobrinho fora indicado. Com os familiares deste, ocorreu o que se passou com os parentes do sobrinho anterior, começaram a confabularem entre eles como a testamenteira poderia morrer o mais breve possível. Assim, o terceiro testamento foi revogado, também. Mais um ano se passou, da última revogação, e Dona Maria desapareceu do escritório. Porém, antes de completar dois anos, ela deu a graça de sua presença, e com a mesma reivindicação das vezes anteriores, ou seja, fazer um novo testamento, e revogar o que estava prevalecendo. É bom que se esclareça que ela era viúva, não tinha descendentes ou ascendentes e tinha vários imóveis. Como já sabia o que era necessário para se fazer um testamento, trouxe todos os dados do novo legatário, que se chamava Abel, e, aprazamos o dia para assinar o novo testamento. Assinado o novo testamento, Dona Maria ficou cerca de 5 anos sem aparecer no escritório. O novo legatário, Abel, é quem vinha no escritório é quem cuidava dos pertences de Dona Maria. Uma vez por semana ia ao supermercado e provia a casa de toda alimentação necessária para a sobrevivência da tia. Ensinou ele à tia ter sempre o pãozinho francês fresco. Comprava em geral 20 a 30 unidades e orientou para que ela os colocasse no congelador, e, quando queria comê-los, tirava 2 ou 3 do congelador, deixava descansar 3 horas e em seguida colocava no forno, espargindo um 13


pouco de água sobre os mesmos, os quais ficavam como saído do forno da padaria, naquele momento. Assim ela teria pão fresco diariamente e ia apenas uma vez a cada 10 ou 15 dias na padaria. Porém, uma manhã, ao chegar ao escritório, encontrei Dona Maria chorando copiosamente. Tentei me informar qual o motivo do seu pranto, e, com dificuldade ela se expressou, blasfemando contra Deus. Com cautela consegui entendê-la, e disse-me que Deus estava sendo injusto com ela. Não lhe dera filhos, e agora que tinha encontrado o sobrinho, Abel, que tudo fazia por ela, talvez mais do que um filho, que a levava ao médico, aos laboratórios para fazer seus exames, fazia suas compras, a levava à Igreja, chegava até levá-la a fazer passeios que jamais fez, ou pensava fazer na vida, este acabou falecendo, em desastre de automóvel. Graças a esse sobrinho passou duas temporadas na Cidade de Caxambu. E, pela primeira vez, conheceu do prazer de tomar banho de imersão, com pétalas de rosa. Noutra ocasião, o sobrinho, a levou para a mesma instância Hidromineral, em Minas Gerais, onde gozou de todas as regalias que a família real do Brasil usufruiu. Na primeira vez, visitando Caxambu, tudo foi na correria, e Abel não tendo conhecimento dos fatos, por vez, não usufruía de tudo que o Parque das Águas de Caxambu oferecia. 14


Na segunda visita, o sobrinho de Dona Maria tinha preparado várias distrações para a tia. Lá chegando, após se hospedar no hotel, o sobrinho falou a ela que se preparasse, e que desta vez, ela gozaria mais das delícias da Cidade, como a Princesa Izabel e toda a família imperial do Brasil. Assim, na primeira ida ao parque, Abel sugeriu que Dona Maria provasse todas as águas do Parque. Talvez, por não estar ela acostumada, Dona Maria passou o dia seguinte sobre um “trono”, como uma princesa. Dona Maria disse que desse dia em diante iria beber as águas do parque, porém, moderadamente. No quarto dia, só bebeu água na Fonte Don Pedro, que ela alegou ser a mais saborosa. Assim, a visita do parque era feita paulatinamente, para poder beber as águas, e andar de pedalinho ou barco, e dar milho aos pombos e patos. Só no sexto dia eles chegaram à fonte de Dona Izabel/Conde d’Eu. A história é bastante interessante e envolveu a Princesa Izabel e seu marido Conde d’Eu, que foram atraídos para Cidade de Caxambu pela enorme fama de suas águas curativas de esterilidade. Como algumas das fontes de Água Mineral são ricas em ferro, a Princesa teve sua anemia curada, e, em consequência, veio a engravidar, dez anos após seu casamento. Fato esse que repercutiu na corte, bem como, em toda a Europa. 15


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