Vila Citrus

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Vila Citrus Romance



Daniel de Carvalho

Vila Citrus Romance

S達o Paulo 2009


Copyright Š 2009 by Editora Baraúna SE Ltda Capa AF Capas Projeto Gråfico e Diagramação Aline Benitez Parecer Literårio Vanise Macedo Revisão gramatical Amanda Neves Imagens Corel Gallery

CIP-BRASIL. CATALOGAĂ‡ĂƒO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ______________________________________________________________

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______________________________________________________________ Impresso no Brasil Printed in Brazil DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIĂ‡ĂƒO Ă€ EDITORA BARAĂšNA www.EditoraBarauna.com.br Rua JoĂŁo Cachoeira, 632, cj.11 CEP 04535-002 Itaim Bibi SĂŁo Paulo SP Tel.: 11 3167.4261 www.editorabarauna.com.br


Dedico este romance Vila Citrus à minha querida esposa Neusa. Daniel de Carvalho Março de 2009 Piracicaba - SP



NA PRIMEIRA segunda-feira de 2008, em São Paulo, mal amanhecera e a Via Anhanguera já estava com o trânsito carregado. Principalmente no sentido São Paulo – Campinas. Os viajantes eram, na maioria, famílias que voltavam para suas cidades depois de passar as festas de fim de ano na capital do Estado. Godofredo, o motorista da caminhonete de cabine dupla, tinha razões especiais para estar, tão cedo, enfrentando todo aquele trânsito. Ele estava de bem com a vida e de muito bom humor. Sentia-se calmo, tranquilo e sem preocupações. Havia três meses que se divorciara amigavelmente terminando, assim, um casamento mal sucedido. Deixara recentemente um emprego de farmacêutico, no qual trabalhara entediado por dez longos anos. Por fim, acabara de receber por herança uma boa soma que lhe garantiria estabilidade financeira por muito tempo. Nessas circunstâncias, Godofredo decidira planejar uma nova vida. E para fazer isso, resolvera viajar sem destino

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determinado e sem data para voltar. Iria passar alguns dias em um lugar qualquer onde pudesse meditar e decidir seu futuro com toda tranquilidade. Procuraria, ao acaso, por uma cidade bem pequena, ou uma aldeia sossegada e sem agitação. A caminhonete já tinha rodado por mais de quatro horas quando Godofredo parou para almoçar num restaurante de estrada. Logo depois, entrou aleatoriamente num trevo e pegou uma estrada secundária. A paisagem foi se tornando cada vez mais bucólica. Era exatamente o que Godofredo procurava. Mas ainda não se contentara. Depois de rodar mais duas horas, entrou em outro trevo, desta vez com acesso a uma rodovia estreita quase sem movimento. A região era montanhosa. As aldeias ou municípios iam rareando cada vez mais. Propositalmente, Godofredo não consultava mapas. Seu destino seria aquele ao qual sua intuição o mandasse. Praticamente não havia mais trânsito. Fazia trinta minutos que não cruzava com outro veículo, quando lhe chamou a atenção uma pequena placa de madeira apodrecida semiescondida numa touceira de capim. A placa, em forma de seta, que mal podia ser lida, indicava a entrada para Vila Citrus. Godofredo teve o impulso de parar, mas como já tinha passado continuou seu caminho. Menos de cinco minutos depois, viu um galpão com uma placa comercial:

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ENTREPOSTO DE SUCOS CÍTRICOS MOZZART LTDA. Godofredo estacionou e entrou para informar-se sobre a placa na estrada que indicava a entrada para Vila Citrus. Notou grande quantidade de recipientes de suco, provavelmente a espera do transporte que os levariam aos compradores. Um jovem alto e magro, de cabelos ruivos, se aproximou e ficou olhando, a espera que Godofredo dissesse alguma coisa. — O senhor poderia me informar a quanto tempo estamos de Vila Citrus? — perguntou Godofredo. O rapaz pareceu hesitar. Godofredo complementou. — Gostaria de conhecer a cidade. Talvez me hospedar lá por alguns dias... O homem olhava meio desconfiado e não abria a boca. — Algum problema? — questionou Godofredo. — Não, — respondeu o rapaz — apenas não conheço Vila Citrus. — Mas a estrada para Vila Citrus começa a menos de cinco minutos daqui... e o senhor não conhece? O homem balançou a cabeça confirmando que não sabia de nada. Godofredo olhou para os fundos do galpão na esperança de ver mais alguém que talvez pudesse lhe dar informações. Nada! Parecia não haver ninguém por ali. — Obrigado! Vou até lá assim mesmo — disse Godofredo dando meia volta.

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— Espere... Godofredo voltou-se. — O senhor não deve ir para Vila Citrus... — Não? E por quê? O rapaz estava muito hesitante. — Talvez... bem... não seria bom... — Por que não seria bom? O homem continuou olhando sem dizer nada. — Obrigado de qualquer forma — agradeceu Godofredo, sem dar importância, e retirando-se em seguida. Deu uma ré e voltou até a placa de entrada de Vila Citrus. Pegou a estradinha de terra. Logo no início, havia um túnel de pedras com cerca de dez metros de comprimento. O túnel era muito estreito. Veículos grandes não teriam como prosseguir e também não haveria como contorná-lo. Godofredo não se deu conta de que, ao atravessar o pequeno túnel, um sensor acusou sua passagem e fez acender uma luz vermelha no entreposto. Pela aparência da estradinha, presumia-se que não passavam muitos carros por ali. Godofredo suspirou entusiasmado com as matas fechadas que ladeavam o percurso e ponderou: Era um lugar assim mesmo que eu estava procurando! Essa tal de Vila Citrus deve ser bem pequena e atrasada. Ótima para eu passar alguns dias e repensar minha vida com tranquilidade...

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No entreposto, o rapaz magro e alto de cabelos ruivos olhou para a lâmpada vermelha piscando e balançou a cabeça, apertando os lábios com ar de pesar e reprovação.

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A CAMINHONETE avançava velozmente pela estradinha tortuosa, cheia de subidas e descidas, deixando um rastro de poeira atrás de si. Ladeando a estrada, tanto à direita como à esquerda, havia morros muito altos que não permitiam uma visão mais ampla da região. O vento entrava furioso pelos vidros abertos fazendo esvoaçarem os cabelos de Godofredo que assobiava despreocupado, tamborilando os dedos no volante do carro. Depois de quarenta minutos, desde que iniciara o percurso, ainda não havia sinal de Vila Citrus. Inesperadamente, num trecho plano, Godofredo avistou dois policiais rodoviários plantados no meio do caminho acenando para que ele parasse. Um dos policiais veio até a caminhonete enquanto o outro permaneceu distante com as mãos nos coldres das armas. — Os documentos! — ordenou o policial, a um metro da janela da caminhonete.

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Godofredo tirou os documentos do porta-luvas e os entregou ao policial. Estranhou que eles estivessem naquele local tão longe das rodovias mais movimentadas. Mas estava tranquilo, pois não tinha cometido nenhuma infração. Enquanto o policial examinava os documentos, Godofredo o estudava. O policial que estava mais distante tinha uma pose de general. Com as pernas separadas, sem tirar as mãos das armas, não desviava os olhos de Godofredo. O outro, que examinava os documentos, tinha uma aparência ameaçadora, com o quepe quase cobrindo os óculos escuros. — Desça! — ordenou o policial, guardando os documentos no bolso e dando um passo para trás. Godofredo sentiu-se confuso. O policial levou as mãos até as armas que portava na cintura passando a exibi-las acintosamente. Assim que saiu do carro, o policial informou: — O senhor ultrapassou o limite de velocidade. O veículo está apreendido! — Como é possível??? — reclamou Godofredo. — Nem dá para correr nesta estrada acidentada... e nem há placas de limite de velocidade... Enquanto falava, não viu que o outro policial tinha entrado na caminhonete. Só percebeu quando ouviu o ronco do motor. — Ei!!! O que vocês estão fazendo??? A caminhonete fez uma manobra aprontando-se para seguir em direção oposta de onde viera. Depois parou por um segundo. Tempo suficiente para o policial que

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estava com os documentos entrar, ocupando o banco ao lado do motorista. Enquanto a caminhonete arrancava, Godofredo caiu em si constatando que suas malas estavam lá e que seus documentos ficaram com o policial. Apalpou todos os bolsos e percebeu que seu celular e seu dinheiro também ficaram na caminhonete. Desesperou-se. Miseráveis! Não devem ser policiais! Com certeza são assaltantes... Que faço agora? Sentou-se à beira da estrada e, angustiado, ficou pensando no que poderia fazer. Foram necessários mais de dez minutos para que voltasse a raciocinar com mais calma. Percebeu que a partir daquele ponto, somente à direita, a estrada continuava a ser ladeada por morros. À esquerda, havia extensas áreas de laranjais. Levantou e despreguiçou-se. Isso o ajudou a refletir. Ou volto a pé... ou sigo caminhando até Vila Citrus... Optou por seguir em frente. Em Vila Citrus veria o que fazer. Assim, começou uma longa caminhada. Ia rogando pragas e murmurando palavrões, ao mesmo tempo em que não deixava de deleitar-se com o silêncio e com a beleza da paisagem. Andou muito. Eram cinco da tarde quando finalmente chegou a um estreito riacho. Não havia ponte e, para transpô-lo, teve que meter o pé na água. Caminhou mais um pouco e finalmente avistou casas. Tinha chegado à Vila Citrus.

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AO ENTRAR na cidade, a primeira coisa que chamou a atenção de Godofredo foi o silêncio. Pouquíssimas pessoas eram vistas nas ruas. Nem mesmo cães ou outros animais perambulavam por ali. E as casas, de construção muito antiga, tinham suas janelas fechadas. Ao caminhar pela rua empoeirada, ouvia o ruído monótono do vento sibilando pelas filas de altos coqueiros. Esse conjunto de coisas causoulhe melancolia e uma impressão um pouco fantasmagórica. Entretanto, o que ocupava a mente de Godofredo, naquele momento, era muito mais sua situação desesperadora do que as características da vila. Sua situação era aflitiva. Longe da civilização, sem dinheiro, sem documentos, com fome e cansado, ele não sabia o que fazer. Chegou a uma pequena praça calçada com pedras e rodeada por pequenos e acanhados edifícios que guardavam uma arquitetura da época colonial. Parou bem no meio da praça e girou trezentos e sessenta

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graus, de forma a observar tudo que o rodeava. O aspecto continuava o mesmo. Quase ninguém! Silêncio! Só o vento fazia-se presente. Godofredo sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo. Meu Deus! A quem vou pedir ajuda? Num dos edifícios havia uma tabuleta indicando que se tratava de uma delegacia de polícia. É isso! Tenho que fazer um Boletim de Ocorrência! Entrou no edifício. Estava vazio. O ambiente era lúgubre cheirando a mofo. Esperou cerca de dez minutos em frente a um balcão empoeirado e já estava pensando em sair quando entrou um homem corpulento com cara de poucos amigos. O homem ignorou a presença de Godofredo e foi sentar-se a uma escrivaninha do outro lado do balcão. — Senhor! — chamou-o Godofredo. O homem levantou os olhos e encarou Godofredo. — Quero fazer um Boletim de Ocorrência! O homenzarrão não respondeu. Levantou-se e foi até um velho armário de onde pegou alguns formulários em branco. Voltou à escrivaninha, sentou-se, e com a palma da mão virada para cima, fez sinal para que Godofredo se aproximasse. Quando Godofredo chegou, o homem fez sinal com o queixo indicando que se sentasse na cadeira que estava em frente à escrivaninha. Godofredo sentou-se e ficou esperando. O homem pegou um dos formulários e uma caneta esferográfica. Pela primeira vez, olhou para Godofredo. — Nome! — Godofredo Scheid.

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— Profissão! — Farmacêutico. — Deixe ver seus documentos. — Aí que está, Senhor! Estou sem documentos. Quero justamente fazer o Boletim de Ocorrência da apreensão de meu carro com minha bagagem. Levaram também meus documentos, cartões de banco, cheques e dinheiro. Até o celular! O homem franziu a testa. — Como ocorreu essa apreensão? — Eu estava na estrada, próximo daqui, quando dois guardas da Polícia Rodoviária me fizeram parar e levaram meu carro com tudo que estava lá dentro. Até acho que eram assaltantes vestidos de policiais! — Então o senhor deve procurar a Polícia Rodoviária e fazer sua queixa. — Mas como eu vou fazer isso? Estou sem condução e sem dinheiro... sem documentos... O homem pareceu não ouvir. Ou fez que não ouviu. Empurrou o formulário com as costas da mão, e largou a caneta. — O que o senhor veio fazer em Vila Citrus? Godofredo procurava não demonstrar, mas estava ficando irritado. Ao invés de responder fez outra pergunta. — O senhor é o delegado? — Delegado Vizzaco — respondeu o homem. — Mas eu te fiz uma pergunta! — Vim para passar uns dias aqui e descansar. — Na casa de quem? — Pretendia ficar num hotel... ou numa hospedaria...

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