História da Psiquiatria

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A nossa história é contada pelo tempo ocorrido, vivido e localizado. É o fenômeno que ocorre quando pergunto sobre um fato. Para saber o “o que”, “como” e “quanto”, deve-se destacar “o quando”. Essa medida é a condição para observar os acontecimentos e sua pesquisa em sua dinâmica e transformação. Para avaliarmos o tecido histórico da Psiquiatria, precisamos ver quando ela aparece como atividade médica e científica – no início da história contemporânea, após a Revolução Francesa. O que aconteceu na França, bem como em outros países com recursos similares, começou a eclodir e a se consolidar concomitantemente, alinhavando a costura dos conceitos, diagnósticos e tratamentos que vieram se desenvolvendo nessa especialidade médica. Utilizamos a datação para a compreender a plena evolução dos fatos, particularmente o ano dos acontecimentos; assim, fizemos uma linha do tempo na abordagem de pesquisa desses eventos. Quando apresentados a alguém, a primeira questão que observamos é sua idade. Com isso, avaliamos melhor seus potenciais, suas fases de desenvolvimento, sua maturidade. Construímos uma história com boas definições. Os personagens principais de nosso roteiro são os alienistas, assim chamados naquela época, e hoje denominados psiquiatras, consagrando, assim, a especialização. De igual valor são os países em que se deflagraram os diferentes movimentos de estudo e de busca de ajuda aos enfermos. A influência da política e do conhecimento das épocas é inegavelmente marcante na dinâmica dos conceitos, por isso tentamos trazer esse panorama para nosso leitor, acompanhado de um projeto gráfico que permita somar prazer no desenrolar da leitura.

Marcos de Jesus Nogueira - Coordenador Psiquiatra clínico, autor de vários livros de Psiquiatria com apelo visual de arte gráfica e ênfase pedagógica, inicia esta obra com uma visão cronológica da história da Psiquiatria.

Maurício Eugênio Oliveira Sgobi Psicólogo clínico, especializado em Transtornos de Substância e do Controle dos Impulsos.





Marcos de Jesus Nogueira Coordenador

Marcos de Jesus Nogueira Maurício Eugênio Oliveira Sgobi Autores

HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA

Século XIX - Parte I A Reforma e o Romantismo

2a. edição

Araraquara 2018


Nogueira, Marcos de Jesus História da psiquiatria : século XIX – parte I : a reforma e o romantismo / Marcos de Jesus Nogueira, Maurício Eugênio Oliveira Sgobi ; Marcos de Jesus Nogueira, coordenador. – 2. ed. – Araraquara : HIKMA Editora, 2018. 81 p. ISBN 978-85-54284-00-8 1. Psiquiatria. 2. História. 3. Reformistas. 4. Asilos. 5. Loucura. 6. Alienistas e tratamento. I. Sgobi, Maurício Eugênio Oliveira. II. Título.


SUMÁRIO 1 2 6 9 12 16

Loucura no Fim da Idade Média

19 20

Início da Psiquiatria

27 28 33 38 43 47 53 56 61 65

Revolução Médica

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Início da Psiquiatria e dos Asilos no Mundo Ocidental

77

Bibliografia

William Cullen Thomas Arnold Joseph Daquin Vincenzo Chiarugi William Tuke

Philippe Pinel

Johann Christian Reil Franz Joseph Gall Benjamin Rush Jean-Etiénne-Dominique Esquirol Johann Christian August Heinroth Achille-Louis Foville Joseph Guislain Jacques-Joseph Moreau (DE TOURS) Jules Gabriel François Baillarger


Outros Alienistas do Período

8 26 32 42 42 51 51 51 52 52 52 55 55 55 59 60 60 64 64 69 69 69

Charles Moore Pierre Jean Georges Cabanis Thomas Trotter Jean-Baptist-Rémy Jacquelin John Ferriar Scipion Pinel Antoine Laurent Jessé Bayle Friedrich Eduard Beneke Jean-Etienne Frumance Mitivié Pietro Pisani Félix Voisin Carl Gustav Carus John Conolly Giovanni Battista Fantonnetti François Leuret Ernest Von Feuchterleben James Cowles Prichard Isaac Ray Ernest Albert Zeller Karl Wilhelm Ideler Amariah Brigham Joseph Dietl


LOUCURA NO FIM DA IDADE MÉDIA

N

o transcorrer da Idade Média, a loucura pertencia ao mundo em geral. Embora fosse reconhecida como humana e familiar, sempre era discriminada e empurrada do convívio social; além disso, estava dentro da população das aldeias ou das terras dominadas pela igreja cristã, para a qual os demônios e feitiços a explicavam; já nos domínios muçulmanos e nas abordagens com visão médica mais evoluída, as enciclopédias estudavam a loucura como doenças que acometiam as pessoas, porém fora da noção de influências de algum espírito. Com a presença da peste dizimando um terço da população europeia, passou-se a ligar a loucura ao diabo e, assim, ela ficou mais pertinente ao jogo das forças malignas e divinas, assim como a os castigos resultantes. Só no século XIX foi reconhecida como patologia da medicina, pois, até então, a sociedade vinha lidando com a loucura das mais diversas formas possíveis.

História da Psiquiatria

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ESCÓCIA

Psiquiatria com inspiração iluminista acompanhando o fim da causa demonológica da loucura.

1782

WILLIAM CULLEN QUÍMICO, MÉDICO E AGRICULTOR 15/04/1710 – HAMILTON

05/02/1790 – EDIMBURGO

LINHA DA VIDA Segundo filho de uma prole de seis, veio de uma família abastada. Seu pai era advogado do Duque de Hamilton. Fez escola secundária nessa cidade, próxima à cidade de Glasgow. Estudioso de química, botânica, história, filosofia, literatura e medicina, tinha o hábito de leitura ampla, o que manteve a vida inteira. • 1726 - Fez curso de artes e cirurgia na Universidade de Glasgow. • 1729 - Por influência de sua família, foi contratado como cirurgião em navio mercante da Companhia das Índias Ocidentais. Em seu retorno a Londres, foi assistente de um boticário local, em bairro nobre, até 1732. • 1733 - Com a morte de seu pai, ele retornou à Escócia fazendo trabalho particular na localidade da atual North Lanarkshire, para cuidar da educação de seus irmãos e irmãs mais jovens. • 1734 - Cursou aulas formais na Faculdade de Medicina da Universidade de Edimburgo. • 1736 - Retornou a Hamilton como médico e cirurgião. • 1741 - Foi magistrado na cidade de Hamilton e médico do Duque da cidade por dois anos. História da Psiquiatria

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William Cullen


• 1741 - Casou-se com Anna Johnstone, filha de um clérigo escocês. Ela era uma mulher vivaz, com quem viveu 46 anos e teve 11 filhos, dos quais um se tornou juiz, e um, médico. Sendo uma esposa agradável, entretinha muitos estudantes de Cullen, que ficavam fascinados com suas conversas. Entre eles estava o jovem Benjamin Rush, que se lembrou dela muitos anos depois, quando ele era um médico psiquiatra nos Estados Unidos. • 1743 - Percebendo os limites de Hamilton para o seu talento e com a morte do Duque e a falta de pares intelectuais, mudou-se para Glasgow, onde atuou como médico e professor de botânica e medicina. Apesar da insistência de seus amigos, ele demorou mais de um ano para tomar essa decisão, antes de se mudar para lá no outono de 1744. • Ele passou oito anos como médico geral do país. • 1751 - Foi eleito para a cátedra de medicina em Glasgow, onde adquiriu sua reputação de médico, estabeleceu os alicerces de todo seu ensino e ganhou experiência ao se tornar membro da faculdade e do senado. • 1755 - Mudou-se para Edimburgo para ensinar medicina (fisiologia) na universidade local. O convite foi feito por Henry Home (denominado, posteriormente, Lord Kames), um advogado com uma propriedade rural que já conhecia Cullen em razão de um interesse comum na agricultura e que o incentivava, já por alguns anos, a se mudar para Edimburgo. Cullen foi nomeado professor titular, sucedendo Andrew Plummer, que sofrera um acidente vascular cerebral e faleceu. • Em razão de movimentos paroquiais na Universidade, o que lhe causou certa rejeição da classe médica de Edimburgo, acabou tendo alguns problemas financeiros. • Assim, sua esposa e filhos permaneceram em Glasgow ainda por um tempo. • 1778 - Aos 68 anos, quando sua renda melhorou, adquiriu uma pequena propriedade no país, perto de Kirknewton, a quase 8 milhas de Edimburgo. Durante os últimos 12 anos de sua vida, ele, com muito prazer, trabalhou no crescimento de sua propriedade e construiu seu jardim. • 1790 - Morreu com 80 anos e, como era seu desejo, foi enterrado na aldeia.

HONRARIAS • • • • • •

1743 - Presidente do Royal College of Physicians and Surgeons of Glasgow. 1746 - Presidente do Royal College of Physicians of Edinburgh até 1747. 1773 - Presidente do Royal College of Physicians of Edinburgh até 1775. 1773 - Primeiro médico do rei da Escócia até 1790. 1777 - Eleito membro da Royal Society of London. 1783 - Ajudou a fundar a Royal Society of Edinburgh.

CONTRIBUIÇÕES • Seu trabalho nosológico inspirou Pinel (tradutor de Cullen para o francês). • Permitiu a compreensão do ensino ao lecionar na língua vernácula, e não no latim. Ficou famoso pela sua didática enérgica e inspiradora, que atraía alunos de outras localidades de língua inglesa. • Classificação mais compreensiva do século XVIII, restringindo a amplitude exagerada de doença mental. História da Psiquiatria

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William Cullen


• • • • •

Descreveu os sinais fisiológicos do que chamamos “ataques de ansiedade”. Observou semelhanças entre delírios (fatuitas) e sonhos bizarros. Deu identidade mental à loucura. Primeiro a usar o termo “neurose” (doença sem febre ou patologia localizada). A neurose subdividia-se em: Comata (neurológicas), Adynamiae (sistema nervoso autônomo), Spami (músculos voluntários) e Vesaniae (deterioração intelectual).

NOSOLOGIA/CLASSIFICAÇÃO MANIA (DELÍRIO UNIVERSAL)

- MENTAL. - CORPORAL. - OBSCURA (vulgar ou periódica). -

MELANCOLIA

PP DITA. PANOPHOBIA. NOSTALGIA. EROTOMANIA. DEMONOMANIA ETC.

DEMÊNCIA

OBRAS RELEVANTES • “Sinopsis Nosologiae Methodicae” (1769). Descreve as doenças e suas classificações. • “Institutions of Medicine” (1772). Com enfoque na fisiologia. • “First Lines of the Practice of Physic” (1777). Nessa obra, classificam-se todas as doenças em categorias de acordo com sintomas – parte dedicada às doenças mentais. Foi livro-texto na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos.

DESABONOS • Reeducação da razão por meio de coação, camisa de força, dieta, sangria e vomitório (para distúrbios fisiológicos).

CURIOSIDADES • Foi considerado um pensador progressista para o seu tempo. Ele foi o primeiro a demonstrar em público os efeitos do resfriamento evaporativo, um fenômeno que ele descreveu em “Do frio produzido por fluidos de evaporação e de outros meios de produção de frio” (Ensaios e observações, físico e literário, vol. 2 [1756]). História da Psiquiatria

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William Cullen


• Dava consultoria, presencial ou por correspondência, para pacientes e médicos da Escócia, da Inglaterra e dos Estados Unidos, além dos países da Europa Continental. Recomendava mudança do estilo de vida, nutrição, exercícios, equitação e viagens para spas na Europa, indicando até agentes de turismo para seus pacientes idosos e com doenças crônicas – dava conselhos, mas não falsas esperanças. • Foi um professor carismático, cujas aulas eram atrativas e bastante concorridas. As anotações das suas aulas feitas pelos alunos chegaram a ser vendidas e a ficar em circulação pela Europa. • Na medicina, ele ensinou que a vida era um escoar da energia nervosa e que o músculo era uma continuação do nervo. • Muitos de seus alunos ficaram famosos e deram grandes contribuições para a ciência e medicina: - Joseph Black - descoberta do dióxido de carbono. - Wiliam Withering - descobertas médicas com o uso de extratos digitálicos. - John Brown - criador da teoria da excitabilidade na medicina. - Benjamim Rush - pioneiro da psiquiatria americana.

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William Cullen


ITÁLIA

Ventos reformistas italianos na psiquiatria.

1794

C H O Z IARUGI N E C N I V MÉDICO 17/02/1759 – EMPOLI

20/12/1820 – FLORENÇA

LINHA DA VIDA Filho de Antônio Gregório, originário de uma família mercante, e de Margherita Conti, que morreu no momento do parto. • 1779 - Graduou-se em filosofia e medicina na Universidade de Pisa em 19 de maio. Também estudou dermatologia. • 1778 - Iniciou estágio regular no Hospital Santa Maria Nuova em Florença e, ao terminá-lo, começou sua carreira médica. • 1780 - Em 23 de junho, obteve permissão para praticar a profissão de “médico físico” em Florença e região. • 1782 - Foi nomeado médico em Santa Maria Nuova e, mais tarde, tornou-se superintendente do departamento masculino. • 1785 - Foi admitido no Departamento de Doenças Psiquiátricas do antigo Hospital de Santa Dorotea, em Santa Maria Nuova (Ancona). Nesse ano, nasceu seu primogênito do casamento com Migliorotta Ricci, com a qual teve mais seis filhos – a caçula Teresa morreu ainda História da Psiquiatria

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Vincenzo Chiarugi


criança. Também se encontrou com Pietro Leopoldo de Lorraine, Grão-Duque da Toscana, para acordar a revitalização e humanização do Hospital Bonifazio, com aperfeiçoamento para o estudo da demência. • 1788 - Nomeado diretor (primo infermiere) do Hospital Bonifazio, do século XIV, onde finalmente teve a oportunidade de implementar um programa clínico para doenças mentais. Proibiu as correntes como meio de restrição para os pacientes alienados. No ano seguinte, fez o Regulamento da Ordem Sagrada de Santa Maria Nuova e Bonifazio, que normatizou a estrutura interna para adaptá-la às necessidades específicas dos pacientes; o hospital abrigava doentes mentais e inválidos pobres e desempregados, além de doentes de pele. • 1805 - Primeiro professor titular da cátedra “Malattie Afrodisiache e Perturbazioni Intellettuali”, a primeira do mundo. • 1810 - Foi professor da Universidade de Pisa. Também foi encarregado do ensino de fisiologia, patologia e terapêutica. • 1820- Na igreja de S. Stefano degli Agostiniani, morreu de “um feroz ataque de gota no peito” em 22 de dezembro. Foi enterrado com sua esposa em Villa Del Migliorotta Gigallodi Sopra, em Val di Terzolla, ao norte de Careggi, mas o túmulo permaneceu desconhecido até o início dos anos de 1900, quando foi transferido com os restos de sua esposa para Empoli.

CONTRIBUIÇÕES • Atitude médico-científica com base na definição das categorias de diagnóstico e dos tratamentos a serem administrados. • Os estudos de Chiarugi serviram de modelo para o tratado médico-filosófico sobre a alienação mental de Pinel. • Impôs uma regra no Hospital Bonifazio, que previa basicamente o respeito pela pessoa com doença mental, excluindo, portanto, o castigo corporal, as ferramentas de contenção (quando não estritamente necessárias) e a exploração dos pacientes pelo trabalho. • As ações de Chiarugi foram provavelmente a primeira tentativa sistemática de aplicar a nova visão terapêutica da doença mental na Europa. • Seu nome é frequentemente associado ao do francês Philippe Pinel, que fez reformas similares nos locais que acolhiam doentes mentais na França. • Chiarugi também fez inúmeras observações clínicas sobre outras aflições, em particular sobre doenças dermatológicas causadas por doenças venéreas e sobre a pelagra (doença caracterizada por dermatite, distúrbios gastrintestinais e psíquicos, associada à carência orgânica de ácido nicotínico), que afligiam as campanhas toscanas. • Apreciado pela capacidade médica inovadora com a redefinição das regras sociais e da representação social da loucura naquele momento.

HONRARIAS • Considerado um dos médicos italianos mais importantes da Era Moderna, em particular pelas inovações na gestão de hospitais para doentes mentais. História da Psiquiatria

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Vincenzo Chiarugi


• William Tuke permitiu que seus médicos fizessem suas próprias observações e as aplicassem à sua prática. O sangramento e outros remédios tradicionais foram abandonados em favor de métodos mais suaves, como banhos quentes para pacientes com melancolia. • Depois de alguns anos, ressurgiram abusos em pacientes nas instituições inglesas, o que levou Tuke a denunciar à imprensa local e a exigir uma reforma urgente. Tuke forneceu provas ao Comitê Seleto de Madhouses em maio de 1815, o que gerou novas investigações e a aprovação da Lei do Condado de Asilo em 1828. • Como seu legado, quatro membros da família de Tuke prosseguiram no trabalho filantrópico. Seu filho Henry (1755-1815) participou da fundação do Retiro de York. A pedido de Henry, seu filho Samuel escreveu um relato em 1813 sobre o Retiro e popularizou os princípios do “tratamento moral”. O filho de Samuel, James Hack Tuke, também ajudou a administrar o Retiro, enquanto seu irmão Daniel Hack Tuke foi coautor do “The Manual of Psychological Medicine” (1858) e se tornou um médico líder e especialista em insanidade.

CURIOSIDADES • Durante uma visita ao Hospital St. Luke em Londres, Tuke testemunhou as terríveis condições em que os pacientes eram mantidos. Ele se sentiu particularmente afetado por causa de uma paciente nua que tinha sido acorrentada a uma parede. Tuke acreditava que o abuso não era o resultado de intenções cruéis, mas sim da falta de alternativas efetivas. • Sua abordagem foi amplamente ridicularizada no início, por isso Tuke dizia: “Todos os homens parecem me abandonar”. No entanto, tornou-se famoso em todo o mundo com um modelo de abordagem mais humana e com base psicológica. • Fora de seu trabalho no Retiro, Tuke ajudou na fundação de três escolas Quaker: Ackworth School, Bootham School e Trinity Lane Quaker Girls’ School. Esta última foi administrada pela segunda esposa de Tuke até sua morte em 1794. A família Tuke continuou a administrar a escola até 1812, e 500 alunos passaram por ela. • Tuke fez campanha contra o tráfico de escravos e apoiou o abolicionista William Wilber nas eleições parlamentares de Yorkshire de 1806. • Foi patrono da Sociedade Bíblica, participou de todas as suas reuniões e contribuiu com doações generosas. • Tuke foi uma das poucas vozes na Grã-Bretanha que se opunha à Companhia das Índias ocidentais, por seu impacto desumano em outros países. • Ele também participou da Instituição Africana, entidade que se propôs a criar um refúgio para os escravos libertados em Serra Leoa, na África.

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William Tuke


INÍCIO DA PSIQUIATRIA

O

fim do século XVIII trazia um florescimento das ideias filosóficas iluministas, nas quais a razão sobrepujava a fé e a tradição em todos os aspectos da sociedade; buscava-se, assim, uma origem científica, por meio de experiências e observações das doenças, inclusive a mental. Essa organicidade expulsaria a visão demoníaca predominante. O vigor das Ciências Exatas trouxe a necessidade de sínteses e sistematizações, e a loucura não escapou disso, passando a ser observada como um comprometimento de algum fator que poderia ser definido e classificado. Foi o nascimento da nosologia. Esses progressos não foram acompanhados na terapêutica psiquiátrica, que permaneceu mal compreendida e irracional. Havia predomínio de choques térmicos com água fria, sangria e purgações. Nessa época, foi instituída a cadeira giratória, uma das muitas aberrações de tratamento que os médicos usaram.

Mapa dos reformistas

História da Psiquiatria

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FRANÇA

Fundação da História da Psiquiatria. Antes havia a História da Loucura.

1801

PHILIPPE PINEL MÉDICO 20/04/1745 – JONQUIÈRES

25/10/1826 – PARIS

LINHA DA VIDA • 1745 - Nasceu na cidade de Saint-André D’Alayrac, nas colinas de Jonquières, em uma pequena aldeia no sul da França. Ele era filho e sobrinho de médicos. • Seu pai se chamava Philippe François Pinel e era médico e cirurgião. Sua mãe, Élisabeth Dupuy, também vinha de uma família de médicos. Pinel foi o primeiro de sete irmãos. • Estudou no Colégio dos Doutrinários de Lavaur entre os Oratorianos e recebeu grande cultura de clássicos, como Hipócrates, Areteu, Celso, Célio Aureliano, Galeno, Cícero, Locke e Rousseau. Em seguida, estudou teologia no L’Esquille em Toulouse. • 1767 - Aos 22 anos, Pinel, inicialmente, pretendia seguir um caminho religioso, por isso mudou-se para a cidade de Toulouse para estudar teologia. Estudou a língua latina amplamente para seguir a vida religiosa. Considerado muito capaz, ele começou a ensinar crianças filhas de burgueses como forma de financiar seus estudos. Então mudou sua meta religiosa para a saúde. Ingressou em medicina na Faculdade de Toulouse, onde estudou teologia, matemática e botânica, mas optou pela carreira médica. História da Psiquiatria

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Philippe Pinel


• 1773 - Aos 28 anos, recebeu o título de doutor ao formar-se em medicina pela Faculdade de Toulouse. Mudou-se para a cidade universitária de Montpellier, ficando lá por quatro anos e completando sua educação prática nos hospitais aos 32 anos. Também ensinava matemática na cidade, pois era um assunto que o interessava muito. • 1777 - Publicou dois trabalhos acadêmicos que escreveu sobre a matemática da anatomia humana. Foi aluno de Barthez em medicina e discípulo do abade Condillac em filosofia. • 1778 - Chegou a Paris com 33 anos, continuou ensinando matemática e foi tradutor científico para o sustento próprio. Nunca se saiu bem em concursos por causa da timidez e da pouca oratória, embora fosse dotado de erudição. Conheceu um inglês que o ajudou a dominar perfeitamente a língua inglesa, o que o possibilitou a continuar as traduções de textos médicos. Arrumou um emprego em um asilo particular de Jacques Belhomme, no qual pôde estudar mais profundamente a doença mental grave. • 1784 - Assumiu a direção da pequena revista médica semanal de 4 páginas, “Gazette de Santé”, na qual publicou vários artigos sobre doença mental, e também escreveu para o Journal de Paris , além de continuar fazendo traduções e revisões para os editores franceses. Sua inspiração vinha do filósofo Hipócrates e era discípulo de Condillac (que defendia o princípio de que todas as ideias provinham dos sentidos). Nesse período frequentava os salões de Madame Helvetius, em Auteuil, nos quais médicos e outros discípulos do filósofo abade Condillac reuniam-se desde 1780 até o final de 1790. Entre eles estava o filósofo e fisiologista Cabanis. Outro ilustre do salão era Benjamin Franklin, preocupado com a independência das colônias americanas que estavam sob o jugo inglês. Este tentou levá-lo para a América, mas foi impedido pelo patriotismo de Pinel. Nesse grupo chamado de “ideólogos” encontrava-se seu amigo Pussin, que era superintendente em Bicêtre e que foi grande aliado na reforma moral e na introdução da função médica no hospício. Pussin ensinava os funcionários do hospital a tratar os doentes com carinho, atenção e firmeza, impedindo-os de usar de violência e despedindo os relutantes. Libertou os loucos das correntes e, quando necessário, usava camisas de força. • 1786 - Trabalhou atendendo a doentes mentais aristocratas na clínica da prisão e no asilo Belhomme. • 1789 - Esteve engajado na Revolução Francesa, mas, apesar de algumas posições discordantes, não foi perseguido. • 1792 - Casou-se com Jeanne Vincent e teve dois filhos: Charles, que se tornou um advogado, e Scipion, que seguiu os passos de seu pai e se tornou um médico da saúde mental. • 1793 - Em 25 de agosto, foi nomeado médico-chefe do Asilo de Bicêtre (que passou a fazer parte do Hospital Geral de Paris em 1660), destinado a doentes mentais masculinos. Nessa instituição, deparou-se com uma situação chocante e decidiu humanizar a custódia dessas pessoas, pois misturavam-se pacientes com criminosos em masmorras úmidas e fétidas durante 40 anos. Conseguiu autorização do governo para a retirada dos grilhões. • 1794 - Nomeação como professor adjunto de medicina interna da Escola de Medicina de Paris. No ano seguinte, tornou-se professor de patologia médica, disciplina que lecionou por 20 anos. Além de trabalhar em hospitais e instituições de ensino, Pinel trabalhava também como médico consultor. • 1795 - Aos 50 anos, Pinel tornou-se médico-chefe do Hospital da Salpêtrière de Paris, que cuidava de pacientes femininas. Ali repetiu a reforma exitosa do Asilo de Bicêtre, convocando Pussin para ajudá-lo, e retirou cerca de 600 pacientes das correntes, substituindo os grilhões pelas chamadas “camisolas”, e levou-as a enfermarias nas quais recebiam tratamento clínico como as doentes de outras patologias. Sob sua direção, o hospital tornou-se um dos mais conhecidos do mundo. O fato histórico da remoção das correntes foi retratado no quadro História da Psiquiatria

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Philippe Pinel


• O trabalho de Reil se deu em um período de agitação científica e social. • Em suas concepções teóricas, ele se inspirou nas ideias do filósofo Baruch Spinoza (1632-1677). • 1810 - O aluno e sucessor de Reil, Christian Friedrich Nasse, introduziu a ideia de psiquiatria na Universidade Halle – primeira universidade mundial a oferecer palestras sobre esse assunto (Psychiatrie Vorlesungen). • A compreensão kantiana de Reil sobre a ciência e o eu, moldada por Herz em Berlim e reforçada por Jakob em Halle, aparece no relato mecanicista de fisiologia de Reil e está no trabalho, até o volume de 1802, sobre febre (vol. 4, dedicado a Napoleão). • Wilhelm Von Humboldt, ministro prussiano da educação, consultou Reil e Christoph Hufeland sobre a forma como a educação médica deveria prosseguir, tanto na nova universidade como em toda a Prússia em geral, e recebeu propostas bem diferentes.

1808

ESCÓCIA

THOMAS TROTTER (1760-1832) – Médico. Responsável pelo primeiro livro psiquiátrico impresso na América. Obra: A view of the nervous temperament: being a practical inquiry into the increasing prevalence, prevention, and treatment of those diseases commonly called nervous, bilious, stomach & liver complaints; indigestion; low spirits; gout. (Troy, N.Y., Wright, Goodenow, & Stockwell, 1808)

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Johann Christian Reil


ALEMANHA

Estudos do cérebro que desenvolveram a frenologia.

1810

S E P O J H GALL Z N A R F

MÉDICO (NEUROANATOMISTA E FISIOLOGISTA) 09/03/1758 – TIEFENBRONN

22/08/1828 – MONTROUGE

LINHA DA VIDA É o sexto de dez filhos de pais católicos. O pai comercializava lã e sua descendência era de família nobre da Lombardia. Além disso, seu pai era prefeito de sua cidade natal. • 1777 - Embora originalmente destinado ao sacerdócio, Gall iniciou seus estudos em medicina na cidade francesa de Estrasburgo. • 1781 - Continuou seus estudos médicos em Viena, onde ficou muito entusiasmado com seu professor, o famoso médico Maximilian Stoll (1742-1787), que enfatizava o levantamento dos fatos empíricos da observação clínica antes de tirar conclusões gerais. • 1785 - Formou-se em medicina na cidade de Viena. Seu primeiro emprego foi em uma clínica particular para insanos e logo abriu seu consultório. Além disso, passou a ter sucesso em palestras públicas. Ofereceram-lhe o cargo de chefe do tribunal austríaco, mas decidiu permanecer na investigação clínica. • 1790 - Casou-se pela primeira vez (em toda sua vida, não teve filhos). • 1792 - Iniciou a coleção de crânios humanos e de animais, bem como moldes de cera de cérebros, de modo a estudar o desenvolvimento dos contornos cranianos com os História da Psiquiatria

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Franz Joseph Gall


• Foi o primeiro a promover a distinção entre responsabilidade criminal e crime como resultado de defeitos somáticos. • As teorias de Gall tiveram uma influência tanto no criminologista italiano Césare Lombroso quanto no seu rival francês Alexandre Lacassagne. Ele também influenciou o anatomista francês Paul Broca. • Hoje, a frenologia é considerada uma grande falha na comunidade científica. A ideia de que a personalidade de uma pessoa poderia ser determinada pela forma do crânio foi repetidamente desaprovada. Na época, os argumentos de Gall eram persuasivos e intrigantes. Embora a frenologia seja agora reconhecida por ser incorreta, Gall estabeleceu as bases para a neurociência moderna, espalhando o conceito de localização funcional dentro do cérebro.

As “regiões do cérebro”, segundo a frenologia de Gall.

OBRAS RELEVANTES • “Der neue Teutsche Merkur” (1798). Publicação de seus estudos na principal revista literária do Sacro Império Romano, “Der neue Teutsche Merkur”, editada pelo poeta Christoph Martin Wieland. • “Untersuchungen über die Anatomie des Nervensystems über des Gehirns insbesondere” (1809), com reedição em 2001. Descreve seus estudos sobre a anatomia do sistema nervoso, em particular o cérebro, estabelecendo os princípios em que baseou sua tese. • “Anatomie et physiologie du systeme nerveux en general, et du cerveau en particulier” (1810). Descreve aspectos intelectuais e morais dos homens e dos animais. • “On the Functions of the Brain and of Each of Its Parts: With Observations on the Possibility of Determining the Instincts, Propensities, ... and Animals, by the Configuration of the B” Vol. 2 of 6. 1835). Relata os instintos, as propensões e os talentos, ou as disposições morais e intelectuais dos homens e dos animais, pela configuração do cérebro e da cabeça. História da Psiquiatria

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Franz Joseph Gall


Dicionário Acadêmico da Webster (1895).

DESABONOS • A ciência da época também condenou essas ideias por falta de provas científicas em sua teoria e por ele não ter creditado às teorias que o influenciaram. Étienne-Jean Georget acusou-o de roubar a ideia básica de Charles Bonnet sobre a localização cerebral escrita 60 anos antes.

CURIOSIDADES • Suas três principais paixões foram: ciência, jardinagem e mulheres. • Em 1802, sua coleção consistia em 300 crânios humanos e 120 moldes de gesso. • O interesse científico de Gall começou em sua juventude. Quando menino, era fascinado pelas diferenças entre ele, seus irmãos e seus colegas de classe. Ele desenvolveu um interesse precoce pelo cérebro, depois de estabelecer uma conexão entre o crânio de um colega de classe e as habilidades avançadas de linguagem. • Gostava de colecionar e categorizar plantas e animais. Também percebeu a importância da observação como técnica científica em uma idade jovem. • As teorias e práticas frenológicas de Gall foram mais bem aceitas na Inglaterra, onde a classe dominante usou isso para justificar a “inferioridade” em seus assuntos coloniais. • Gall discordou de Philippe Pinel de que o cérebro de tamanho maior tinha mais poder intelectual. No entanto, após inúmeras dissecções e observações, ele conseguiu afirmar que um crânio maduro de menos de 14 polegadas de circunferência não era capaz de funcionar normalmente. • Alguns descendentes diretos de seus irmãos viveram na Alemanha até 1949. Uma coleção de seus calçados pode ser vista no Museu Rollett, em Baden bei Wien, na Áustria, onde viveram vários de seus parentes. • Gall também pesquisou e teorizou sobre linguagem e comunicação. Ele argumentou que a pantomima, ou a ciência do gesto, era uma linguagem universal para todos os animais e seres humanos. Acreditava que todos os seres vivos nasceram com a capacidade de entender gestos em algum nível.

História da Psiquiatria

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Franz Joseph Gall


e, ao mesmo tempo, obter todo o benefício de coerção. Esses instrumentos forneceram uma forma de terapia de choque. • Em janeiro de 1778, Rush renunciou ao exército, seguindo uma série de eventos decorrentes de uma carta não assinada ao governador Patrick Henry da Virgínia, em que o general George Washington atribuiu a Rush evidências de deslealdade.

“Cadeira tranquilizante” de Rush. A crença na época era de que a “loucura” era uma doença arterial, uma inflamação do cérebro. Este desenho, refere-se a “cadeira tranquilizante” na qual os pacientes eram confinados. A cadeira deveria controlar o fluxo de sangue em direção ao cérebro e, ao reduzir a ação muscular ou a atividade motora, diminuía também a força e a frequência do pulso. Ambos os dispositivos de Rush deveriam exercer uma influência de alguma forma para a circulação, que se acreditava ser essencial para o tratamento bem-sucedido dos insanos. Na realidade, eles não fizeram nenhum dano, porém também nenhum benefício.

CURIOSIDADES • Iniciou uma amizade com Thomas Jefferson. Em 1804, houve um “mal-estar” nessa amizade por causa de diferenças irreconciliáveis sobre a natureza de Jesus: Rush considerava-o como um salvador; Jefferson, como um homem. • Efeméride - (1776) Declaração de Independência dos Estados Unidos da América. O Congresso Continental das colônias britânicas na América do Norte aprovou a declaração no Salão da Independência, na Filadélfia, em 4 de julho de 1776. O documento proclamou que as 13 colônias originais dos Estados Unidos eram “estados livres e independentes”. Foi o último passo de um longo processo que conduziu as colônias à separação definitiva em relação à Grã-Bretanha.

1812

FRANÇA

JEAN-BAPTIST-RÉMY JACQUELIN (1770-1836) – Médico. Substituiu seu tio em uma casa de saúde de alienados, a qual se tornou uma prisão estadual e contou com um prisioneiro famoso: um general conspirador que foi afastado por cumplicidade em um golpe contra o Império. Sua obra “Dissertation sur La manie” (1812) é um tratado sobre a mania e também estuda as tendências suicidas e homicidas dentro da melancolia.

1813

INGLATERRA

JOHN FERRIAR (1761-1815) – Médico e poeta. Publicou um ensaio sobre a teoria das aparições (alucinações), diferenciando-as de ilusões de ótica.

História da Psiquiatria

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Benjamin Rush


FRANÇA

J

Grande ênfase científica, com fundação do pensamento psicopatológico.

1816

M I N O I D Q E U N E N ESQUI É I T E R N OL A E PSIQUIATRA

03/02/1772 – TOULOUSE

12/12/1840 – PARIS

LINHA DA VIDA Por ser filho de um comerciante que administrava uma casa de epilépticos, delinquentes e outros alienados, isso pode ter influenciado em sua futura escolha, mas, inicialmente, pretendia seguir a carreira eclesiástica. • 1792 - Matriculou-se no Seminário de Saint-Sulpice, em Issy, mas, por ocasião da Revolução, sentiu enfraquecer definitivamente o caminho da especulação metafísicoreligiosa e voltou a Toulouse. • 1795 - Obteve licença do serviço militar e mudou-se para Montpellier, voltando seus estudos para história natural, matemática e literatura. • 1798 - Foi a Paris para estudar medicina e formou-se sete anos depois. • 1799 - Iniciou suas atividades no Hospital Salpêtrière e tornou-se o estudante favorito de Philippe Pinel. • 1801-1802 - Montou sua “maison de santé” ou um asilo particular para estudo intensivo sobre a “insanidade”, sendo considerado como um dos três melhores serviços de saúde mental de Paris. História da Psiquiatria

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Jean-Etiénne-Dominique Esquirol


BÉLGICA

A psiquiatria avança no continente com o movimento reformista.

1833

JOSEPH GUISLAIN MÉDICO 02/02/1797 – GHENT

01/04/1860 – GHENT

LINHA DA VIDA Nasceu em uma família de arquitetos. • 1819 - Formou-se em medicina na Universidade de Ghent como um dos primeiros estudantes médicos da universidade, defendendo: “De sanguinis exhalationibus em genere” (Os vapores sangrentos em geral). • Seu interesse era, desde o início, dirigido aos pacientes psiquiátricos que ainda estavam em abordagens não científicas de tratamentos naquele momento. • 1928 - Tornou-se chefe dos hospitais psiquiátricos de Ghent (casas psiquiátricas) e, com isso, escreveu um novo regulamento interno com o sacerdote Petrus Josef Triest. Esse regulamento foi o primeiro desse tipo e estipulou como lidar com os pacientes de forma decente e terapeuticamente justificada. Tornou-se diretor médico das casas psiquiátricas de Ghent. • 1933 - Escreveu sua principal obra sobre doenças mentais. • 1835 - Foi nomeado professor de fisiologia na Universidade de Ghent. História da Psiquiatria

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Joseph Guislain


• 1848 - Entrou para a política, colocando-se como candidato para o conselho de administração da nova Associação Liberal (Conselho Comunal) e foi eleito. Três anos depois, foi reeleito por um segundo período de três anos, mas, em 1854, acabou sua carreira política. • 1850 - Com Edouard Ducpétiaux, jornalista belga e doutor na Universidade de Ghent, ajudou a formar leis sobre cuidados psiquiátricos, as quais vigoraram na Bélgica até 1991. • Guislain iniciou uma viagem de estudo em toda a Europa. • 1852 - O município de Ghent aceitou seus planos para um novo hospital psiquiátrico. • 1857 - Inauguração do Instituto Guislain. • 1860 - Morreu em Ghent e foi sepultado no cemitério de Sint Amandsberg (Ghent).

CONTRIBUIÇÕES • Foi um dos pioneiros do tratamento de doenças mentais na Bélgica. • Trabalhou com a Congregação Católica dos Irmãos da Caridade (dedicada à saúde e educação), especialmente com o sacerdote Pierre-Joseph Triest (1760-1836). Juntos, defenderam o tratamento moral de pacientes psiquiátricos. • Criticava os abusos na psiquiatria belga e fez campanhas para adequação dos aspectos legais e da permanência dos doentes mentais. • Construiu um hospital psiquiátrico em 1857 nos arredores de Ghent, na saída do portão de Bruges. • Guislain e Triest propuseram novas regras para o funcionamento das instituições, com recomendações sobre cuidados humanos, adequação higiênica, dieta saudável e variada, uma equipe bem treinada, atividades úteis para pacientes, imposição de limites na coerção rigorosa, respeito à confidencialidade. As regras significaram uma mudança importante, sendo rapidamente adotadas por todos os hospitais psiquiátricos do país. Guislain é considerado a força motriz por trás da lei belga de 1850 sobre o tratamento de pessoas insanas. • Publicou vários estudos e relatórios sobre o estado da medicina psiquiátrica na Bélgica. • Guislain exortou os doentes a trabalhar o máximo possível: o vazio da existência era, na opinião dele, uma causa potencial de doença mental.

HONRARIAS • 1825 - Homenagem da Comissão Provincial de Medicina da Holanda do Norte por seu estudo publicado em duas partes, sob o título: “Treatise on Insanity e Hospices of the Insane” (1825). Esse livro lhe rendeu um prêmio em dinheiro, recebendo vários elogios internacionais. • 1835 - Tornou-se professor e decano da Faculdade de Medicina da Universidade de Ghent. • Condecorado com a “Ordem de Leopold” (a mais importante ordem militar e civil na Bélgica). • 1842 - Membro da Royal Belgian Academy of Medicine. • 1852 - Membro da Academia Imperial de Medicina de Paris. • Membro correspondente de várias academias estrangeiras. História da Psiquiatria

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Joseph Guislain


INÍCIO DA PSIQUIATRIA E DOS ASILOS NO MUNDO OCIDENTAL

A

partir do século XIX, os asilos foram o instrumento físico para os cuidados e para os estudos; por vezes, foram considerados como local de exclusão e de reclusão dos “loucos” em razão de uma visão preconceituosa como outrora foi feito com a lepra, visando ao controle e à vigilância dos leprosários; assim, os asilos fazem parte importante na história da Psiquiatria.

ASILO COMO TRATAMENTO Embora os asilos existissem desde sempre, eles cumpriam a função de custódia; 20 anos antes da chegada do século XIX, na França, alguns estabelecimentos públicos tinham poucas enfermarias reservadas para a tarefa de atendimento a enfermos mentais. Eram os dois Hotéis D’Dieux de Paris, o de Lyon, o Hospital Geral de Rouen, o da Trindade de Aix em Provence, o de Avignon e o de Saint-Lazaré de Marseille. O século que entrou foi o triunfo do alienismo e dos asilos, com grande empenho pela medicalização, movimento liderado pelos médicos da especialidade emergente, tendo a internação como tratamento. Essa foi uma tendência contemporânea e, na França, houve um enorme acréscimo no número de leitos asilares depois da lei de junho de 1838. O número de pessoas insanas quintuplicou em 60 anos. Foi uma verdadeira explosão asilar.

História da Psiquiatria

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FRANÇA Na França, a medicina estatal se estabeleceu nos hospitais gerais do século XVIII, seguida pelo trabalho dos novos médicos alienistas no século XIX. Na psiquiatria, a ênfase era na taxonomia. A saúde era centralizada em Paris, assim como os estudos acadêmicos, e extremamente burocratizada desde as chancelarias até os médicos e prefeitos das cidades distantes da capital; a abertura de novos estabelecimentos e a regulamentação do atendimento e da internação se davam de cima para baixo. Isso trouxe uma má qualidade assistencial, mesmo com as aclamadas vantagens do “tratamento moral” que ficaram mais no discurso do que na prática e melhoraram depois da lei de 14 de junho de 1838 e seus debates com consultas de grandes alienistas, como Esquirol, Ferrus e Falret, que reforçaram uma regulamentação mais protetora, menos policialesca e prisional, na qual o médico tinha autoridade associada aos administradores burocratas. A citada legislação obrigava cada distrito da nação a ter seu asilo, mas as regras ainda eram centralizadas e sofriam fiscalização de burocratas. Os asilos nas províncias francesas permaneceram como instituições de custódia desoladoras. Herança do Antigo Regime: 8-9 mil alienados em 24 hospícios e hospitais, 15 abrigos de mendigos e um número indeterminado de pequenos hospícios e prisões. CHARENTON (PARIS): 430 a 440 insanos em 1800; 492 alienados em 1826. BICÊTRE (PARIS): 550 insanos em 1800 – Ferrus mandou demolir os cubículos e fez pátios; 830 homens em 1834. SALPÊTRIÈRE (PARIS): 1.200 insanos em 1800 – cubículos derrubados para entrar luz; nova ala de mulheres em 1828 com aquecimentos nos quartos, novas latrinas, salas de banho, enfermarias e pátios; 1.842 mulheres em 1824. MAISON DE D’ALIÉNÈS (CLERMONT): a Revolução fechou um convento vizinho e o padre Tribou saiu de lá com os últimos seis lunáticos; largou a batina e fundou um estabelecimento privado para servir de asilo público. O desenvolvimento do local se deu porque sua filha Aimée Désirée se casou com um oficial de saúde, Gustave Labitte, que foi comprando terrenos vizinhos e aumentando o edifício. Com o trabalho sucessivo de seu filho August, o local se tornou o maior asilo francês de alienados do século. Com todos os esforços de Esquirol, colocando seus alunos em asilos periféricos para exportar suas reformas para os 86 departamentos franceses, a separação das patologias, as condições arquitetônicas e a regra do “tratamento moral” (non-restraint) só vieram efetivamente na segunda metade do século. Em um século, o número de pacientes passou de 10 mil para aproximadamente 60 mil.

ALEMANHA Foi neste país que a psiquiatria conquistou seu ramo na medicina e também seu espírito reformista humanitário. A descentralização possibilitou qualidade técnica, embora as terapêuticas clínicas fossem iguais à da França; seu regime, na grande maioria, non-restraint (sem contenção física), com separação dos crônicos (às vezes, incuráveis) e grande qualidade ambiental (jogos, música, leitura, colônias agrícolas, psicoterapia etc.), foi sendo desenvolvido em um país que, antes de 1871, era uma confederação de 39 estados separados. Cada um deles construía e administrava seu estabelecimento, o que propiciou uma concorrência saudável para disputa de honra e verbas, assim como avanços nas terapêuticas alternativas e no ensino dos alienistas que disputavam prestígio entre eles, levando a Alemanha, com 20 universidades separadas, a ser líder em psiquiatria no século XIX. A ênfase da psiquiatria alemã era, no início, centrada no indivíduo. 1764: um asilo privado em BREMEN. 1805: em BAYREUTH (comunal) – Johann Langermann fez a reforma. 1806: hospício em WALDHEIM – Christian August Hayner visitou Pinel e trouxe a proposta reformista moral. 1811: SONNENSTEIN – fortaleza com grande qualidade ambiental convertida para doentes agudos, sob a coordenação de Ernest Pienitz, médico de espírito liberal e humanitário. A instituição ficou conhecida como “sol nascente” da psiquiatria e sua regra era proporcionar ambiente familiar entre os cuidadores e pacientes. Foram criados pequenos asilos privados periféricos (20 camas).

História da Psiquiatria

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Início da Psiquiatria e dos Asilos no Mundo Ocidental



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História da Psiquiatria

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Bibliografia


A nossa história é contada pelo tempo ocorrido, vivido e localizado. É o fenômeno que ocorre quando pergunto sobre um fato. Para saber o “o que”, “como” e “quanto”, deve-se destacar “o quando”. Essa medida é a condição para observar os acontecimentos e sua pesquisa em sua dinâmica e transformação. Para avaliarmos o tecido histórico da Psiquiatria, precisamos ver quando ela aparece como atividade médica e científica – no início da história contemporânea, após a Revolução Francesa. O que aconteceu na França, bem como em outros países com recursos similares, começou a eclodir e a se consolidar concomitantemente, alinhavando a costura dos conceitos, diagnósticos e tratamentos que vieram se desenvolvendo nessa especialidade médica. Utilizamos a datação para a compreender a plena evolução dos fatos, particularmente o ano dos acontecimentos; assim, fizemos uma linha do tempo na abordagem de pesquisa desses eventos. Quando apresentados a alguém, a primeira questão que observamos é sua idade. Com isso, avaliamos melhor seus potenciais, suas fases de desenvolvimento, sua maturidade. Construímos uma história com boas definições. Os personagens principais de nosso roteiro são os alienistas, assim chamados naquela época, e hoje denominados psiquiatras, consagrando, assim, a especialização. De igual valor são os países em que se deflagraram os diferentes movimentos de estudo e de busca de ajuda aos enfermos. A influência da política e do conhecimento das épocas é inegavelmente marcante na dinâmica dos conceitos, por isso tentamos trazer esse panorama para nosso leitor, acompanhado de um projeto gráfico que permita somar prazer no desenrolar da leitura.

Marcos de Jesus Nogueira - Coordenador Psiquiatra clínico, autor de vários livros de Psiquiatria com apelo visual de arte gráfica e ênfase pedagógica, inicia esta obra com uma visão cronológica da história da Psiquiatria.

Maurício Eugênio Oliveira Sgobi Psicólogo clínico, especializado em Transtornos de Substância e do Controle dos Impulsos.


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