A REVISTA DE HISTÓRIA DA ARTE E ARQUEOLOGIA (1994-)
www.unicamp.br/chaa/rhaa
REVISTA DE HISTÓRIA DA ARTE E ARQUEOLOGIA
é uma publicação do Centro de História da Arte e Arqueologia com o apoio do Programa de Pós-graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas.
N. 14 / JUL / DEZ DE 2010 ISSN 1413-0874 BRASIL
A presença de Chassériau em Moreau Semiótica aplicada à Arqueologia Arqueologia e cultura Guarani
Sítio arqueológico Caconde 6 Dez Lesenas na Villa Zeri Sítios arqueológicos do Peruaçu La primera crónica religiosa del Caribe
N. 14 JUL/DEZ DE 2010
A Virgem de Giampietrino no MASP
REVISTA DE HISTÓRIA DA ARTE E ARQUEOLOGIA N. 14 / JUL/DEZ DE 2010 ISSN 1413-0874 BRASIL
Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofi a e Ciências Humanas Departamento de História Pós-graduação em História da Arte Centro de História da Arte e Arqueologia
Indexada em
BHA – Bibliography of the History of Art (Getty Center, EUA) Francis (INIST-CNRS, França)
Editorial
REVISTA DE HISTÓRIA DA ARTE E ARQUEOLOGIA
3
N. 14 / JUL/DEZ DE 2010 ISSN 1413-0874 (impresso) ISSN 2179-2305 (online) BRASIL
5
A presença de Chassériau em Moreau Martinho Alves da Costa Junior
Indexada em BHA – Bibliography of the History of Art (Getty Center, EUA) Francis (INIST-CNRS, França)
21
Semiótica aplicada à Arqueologia – um estudo de caso na Área Andina Cássia Rodrigues Bars
39
A cultura guarani em debate: o Sítio Arqueológico Córrego da Lagoa 2 Glauco Constantino Perez
57
A Virgem amamentando o Menino e São João Batista criança em adoração, do Museu de Arte de São Paulo Fernanda Marinho
91
Apresentação da indústria lítica do sítio arqueológico Caconde 6 Gabriella Barbosa Rodrigues, Bruno Sanches Ranzani da Silva, Fernando Alexandre Soltys
Editores Responsáveis Jorge Coli Pedro Paulo Abreu Funari Secretários Alexander Gaiotto Miyoshi Fanny Lopes rhaaunicamp@gmail.com Divulgação Natália Campos Ferreira Letícia Badan Palhares Knauer de Campos rhaadivulga@gmail.com Conselho Editorial Nacional Norberto Luiz Guarinello (Departamento de História – USP) Vera d’Horta (Museu Lasar Segall – São Paulo) Renina Katz (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – USP) Arno Alvarez Kern (Departamento de História – UFRGS/PUCRS) Murilo Marx (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – USP) Miriam de Andrade Ribrito de Oliveira (UFRJ) André Prous (Museu de História Natural – UFMG) Haiganuch Sarian (Museu de Arqueologia e Etnologia – USP) Fernanda Fernandes da Silva (Fac. de Arquitetura e Urbanismo – USP) Conselho Consultivo Internacional Paola Barocchi (Scuola Normale Superiore de Pisa) Else Maria Bukdahl (Academia de Belas Artes, Copenhague) Robert Coustet (Universidade de Bordeaux) Daniela Gallo (Universidade Pierre Mendès, Grenoble 2) Denise e Claude Jasmim (Universidade de Provença, Aix-en-Provence) Michel Laclotte (Instituto Nacional de História da Arte, Paris) Alexandros‑Phaidon Lagopoulos (Universidade Aristóteles de Tessalônica) Gérard Monnier (Universidade de Paris I) Charles E. Orser, Jr. (New York State Museum) José Remesal (Universidade de Barcelona) Michel Rowlands (University College, Londres) Philippe Sénéchal (Universidade de Picardie Jules Verne, Amiens) Anchise Tempestini (Istituto Germanico di Storia dell’Arte, Florença) Áqueda e Denis Vialou (CNRS, Paris) Periodicidade e tiragem inicial Semestral / 600 exemplares Impressão Gráfica do IFCH, Unicamp Diagramação Editora Cubo Revisão de Língua Portuguesa Synthesis Revisão de texto / Josias A. Andrade Capa Giampietrino “A Virgem Amamentando o Menino e São João Batista Criança em Adoração”. Óleo sobre tela, 86 × 88 cm, Coleção Masp, Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand. Foto de João L. Musa A RHAA tem o apoio do Programa de Pós-Graduação em História (IFCH-Unicamp) www.unicamp.br/chaa/rhaa
Artigos
109 Dez lesenas renascimentais na Villa Zeri: origem e contexto
Patrícia Dalcanale Meneses
123 Caracterização de crostas de origem biológica em sítios arqueológicos
no Vale do Rio Peruaçu – MG Luíza Maria de Melo Pinheiro, Maria Irene Yoshida, Luiz Antônio Cruz Souza
Documento 133 La primera crónica religiosa del Caribe: la “Relación acerca de las
antigüedades de los Indios” (c.1496), del jerónimo Ramón Pané Lourdes Domínguez, Luiz Estevam de Oliveira Fernandes
Resenhas 157 BENDINER, Kenneth.
Raphael Fonseca
Food in paiting: from the Renaissance to the present
163
HINGLEY, Richard. The Recovery of Roman Britain 1586‑1906, a colony so fertile Pedro Paulo Abreu Funari
167
BATTEUX, Charles. As belas‑artes reduzidas a um mesmo princípio Luiz Armando Bagolin
173 Referências das imagens 175 Normas, permuta e estatuto dos conselheiros
Editorial
A Revista de História da Arte e Arqueologia é uma publicação do Centro de História da Arte e Arqueologia, da Universidade Estadual de Campinas. Publicada desde 1994, seu principal objetivo é promover um maior desenvolvimento da História da Arte e Arqueologia no Brasil, relacionando-a com a produção internacional da área. A RHAA é uma das mais importantes revistas científicas brasileiras que trata essas duas disciplinas correlatas, e é indexada internacionalmente. A RHAA tem por objetivo a publicação de trabalhos de especialistas brasileiros e estrangeiros sobre qualquer assunto de História da Arte e Arqueologia, e ainda alcançar um público amplo e interessado. A publicação de trabalhos em duas línguas, português e inglês, francês, italiano, espanhol ou alemão, possibilita o acesso a leitores brasileiros e estrangeiros. Documentos, textos de referência não traduzidos ainda para o português, resenhas críticas e informes também são incluídos.
The Journal of Art History and Archaeology is published by the Center of Art History and Archaeology (Campinas State University). The main aim of the Journal is to promote a broader development in Brazil of both art history and archaeology, putting them in close contact with an international production in these fields. It is also the first Brazilian Journal dealing with both disciplines in a related way. The Journal aims at publishing papers by Brazilian and foreign scholars about any subject within the scope of art history and archaeology, as well as at addressing a learned and interested larger audience. the publication of papers in two languages, Portuguese and English, French, Italian, Spanish or German will enable Brazilian and foreign readers to be acquainted with the papers. documents and reference texts, still unavailable in Portuguese, reviews and news are also included.
Os editores The Publishers Jorge Coli Pedro Paulo Abreu Funari
A presença de Chassériau em Moreau La présence de Chassériau chez Moreau
MARTinHo Alves DA CosTA JunioR Doutorando em História da Arte pela UNICAMP (Universidade Estudual de Campinas). E-mail: martinhoacjunior@gmail.com Doctorant en Histoire de l’Art par unicamp (université de l’état de Campinas). E-mail: martinhoacjunior@gmail.com
A partir da obra Le cantique des cantiques, de 1853, de Gustave Moreau, o artigo expõe a presença de Théodore Chassériau nas obras de Moreau, sobretudo em suas primeiras telas. Embora seja comum encontrar entre os historiadores indicações sobre tais ligações, a demonstração efetiva dessa aproximação ainda é lacunar. Muitas das características apontadas, especialmente para a figura feminina, estão presentes até mesmo nas obras posteriores de Gustave Moreau e que serão uma forte marca em seu simbolismo. Resumo
Gustave Moreau, Théodore Chassériau, Figura Feminina, Pintura Francesa, Romantismo. PalavRas-chave
Resumé D’après l’oeuvre Le cantique des cantiques, 1853, de Gustave Moreau, l’article étude la présence de Théodore Chassériau chez les oeuvres de Moreau, surtout dans les premières toiles. Bien que soit ordinaire trouver chez les historiens des informations sur ces relations, la démonstration accomplit de cette approche est encore lacunaire. Plusiers caracteristiques pointues, en particulier dans la figure feminine, fait partie y compris dans les oeuvres postérieures de Gustave Moreau et seront une forte caracteristique dans son simbolisme. mots-clé Gustave Moreau, Théodore Chassériau, Figure Feminine, Peinture Française, Romantisme.
RHAA 14
5
Martinho Alves da Costa Junior As ligações amigáveis que Théodore Chassériau e Gustave Moreau mantinham é fato bem conhecido pelos historiadores da arte, e estes laços produziram reflexos na obra do segundo. As obras realizadas na juventude de Moreau atestam, de certa forma, uma forte influência de Chassériau. Telas como Les Cantique des cantiques, de 1853, e também Darius fuyant après la bataille d’Arbelles, de 1852, são os grandes emblemas da forte admiração por Chassériau.
les liaisons d’amitié maintenus entre Théodore Chassériau et Gustave Moreau sont des faits bien connus par les historiens d’art. Ces liasions ont produit des reflets dans l’oeuvre de Gustave Moreau. les oeuvres realisées dans la jeunesse de Moreau certifient, de quelque sort, une fort présence de Chassériau, toiles comme Le Cantique des cantiques, de 1853, et évidemment Darius fuyant après la bataille d’Arbelles, de 1852, sont les plus grands emblèmes de la forte admiration par Chassériau.
Em 2004, Edwart Vignot1 realizou uma conferência a propósito de uma série de vinte e oito desenhos oriundos de sua própria coleção, e inéditos até aquele momento, comprados em uma feira de arte como obras anônimas realizadas provavelmente nos anos 1930. A partir desse momento Vignot submeteu esses desenhos a um estudo aprofundado, o que lhe rendeu um artigo intitulado Quand Chassériau signait Moreau. A aposta era de que estes desenhos com caráter tão inéditos na obra de Moreau fossem, na verdade, realização diretamente da mão de Chassériau, deste modo Vignot estabelecia influências recíprocas entre os dois artistas. entretanto, fruto de novos estudos por parte de outros historiadores,2 a série descoberta por Vignot figura entre as obras de Moreau ligadas profundamente aos primeiros anos de sua carreira, influenciado pelo amigo franco-são-dominguense.
En 2004, Edwart Vignot1 a realisé une conferénce à propos d’une serie de vingt huit dessins issus de sa colection même, et jusqu’à alors inédtis, achetés dans une foire d’art comme des oeuvres anonimes qui ont été faites probablement dans les années 1930; depuis ce moment Vignot a soumis ces dessins sur un étude aprofundit, cet étude l’a rendu une article nommé Quand Chassériau signait Moreau. l’idée central était de que ces dessins de façon si inedit dans l’oeuvre de Moreau étatient directment faits par la main de Chassériau, de cette façon, Vignot établissait des influences reciproques entre les deux artistes. Pourtant, sujet de nouvelles études par d’autres historiens,2 la serie découvert par Vignot fait partie des oeuvres de Moreau liées profondément aux premières années de sa carrière, influencié par l’ami Chassériau.
Grande parte desses desenhos relaciona-se com as duas telas acima citadas de Moreau, tratando-se de desenhos preparatórios, realizados com um traço rápido, mas forte, proporcionando uma noção de posições e estudos de expressões, joias, adereços e apetrechos bélicos que seriam utilizados também nos personagens das telas referidas. Além desse conjunto de estudos, há também, integrando os desenhos de Vignot, cópias de retratos do século 18, como o Portrait en médaillon du buste d’Alexandrine Fanier, feito a partir de uma estampa de autoria anônima conservada na Comédie-Française em Paris e outras variações com um acento mais livre, nas quais a linha, sobretudo a do pescoço feminino, é priorizada. Entretanto, para a sequência deste estudo, neste momento cabe-nos retornar a uma das telas referidas, O Cântico dos Brugerolles, Emmanuelle (dir.). Quando Moreau Signait Chassériau. Paris: ensBA, 2005. 2 louis-Antoine Prat rejeitou formalmente estes desenhos como sendo de Chassériau, e Marie-Cécile Forest redescobriu desenhos inéditos conservados no Museu Gustave Moreau que dialogavam com a série de vinte e oito desenhos de Vignot. Esses fatores puseram em liça mais uma vez a autoria desses desenhos, o que corroborou para as ideias iniciais de Edwart Vignot. Cf. Brugerolles, Emmanuelle (dir.). Op. cit. 1
6
RHAA 14
La grande partie de ces dessins entre en relation avec les deux toiles mencionées de Moreau, Il s’agit de dessins preparatoires faites avec un trait fort et rapide, ce qui fournit une idée des positions et d’études divers, comme les visages, parures, bijoux, elements décoratifs et bélics, tous utilisés aussi dans les personages des toiles rapportées. En outre dans cet ensemble d’études, Il y a aussi copies de portraits du Xviii siècle, comme le Portrait en médaillon du buste d’Alexandrine Fanier, qui a été fait a partir d’une estampe dont l’autori est anonime et conservée dans la Comédie-Française en Paris et d’autres variations avec le trait un peu plus libre, dans lesquelles la ligne, surtout du cou feminin est prioritaire. Pourtant, pour la sequence de cet étude, il nous faut rétourner à une des toiles referées, Le cantique des cantiques, et chercher les chemins de Moreau et les influences diverses de Chassériau, comme nous disent, avant la peinture, les dessins qui Vignot a mis en evidence
1 Brugerolles, Emmanuelle (dir.). Quando Moreau Signait Chassériau. Paris: ensBA, 2005. 2 louis-Antoine Prat a rejeté formellement ces dessins comme en étant de Chassériau et Marie-Célile Forest a redecouvert des dessins inédits conservés au Musée National Gustave Moreau qui dialoguaient avec la série de vingt et huit dessins de Vignot. Ces facteurs ont mis dans lisse encore une fois la qualité d’auteur de ces dessins, fait qui a corroboré pour les idées initiales d’Edwart Vignot. Cf. Brugerolles, Emmanuelle (dir.). Op. Cit.
A presença de Chassériau em Moreau et dont cet étude profitera en grande partie comme combustible (Figure 1). L’oeuvre rapportée de Gustave Moreau s’agit du livre homonyme et controverse de la Bible. La scène choisit est exactement le moment sur laquelle sulamite, en cherchant son aimé, est surprise et ataqué pour les soldats qui faisaint la guard d’une ville: “Les gardes qui font la ronde dans la ville m’ont rencontrée; ils m’ont frappée, ils m’ont blessée; Ils m’ont enlevé mon voile, les gardes des murs” (Le Cantique des cantiques. v, 7). Dans le tablaeu de Moreau la tension est centralisé dans la figure feminine impavide et quand même enfermée par cinq soldats altérés. Les details du paysage sont peu traités par l’artiste, seul references au coin gauche et les murailles d’autre côté sont ébouchés. L’atmosfère crepusculaire, les nuages remuantes – rafales entre un gris cuivré et un blanc irregulière – semblent perturbé plus encore la scène, certes est dans cette atmosfère que presque tout le paysage est perdu, dans un espace dont la tension et le mistère se distinguent. le traitement donnée pour les drapés des soldats peut être mis en comparation avec lequel executé par Chassériau chez sa Sapho de 1849 ou dans Apollon et Daphné de 1844-1845 qui ont été executés au moment que Chassériau s’aloigne d’Ingres et chaque fois plus, dans ses oeuvres, s’avance vers Delacroix. l’interet pour Delacroix était mutue, chez Chassériau on voit une aproximation petit à petit et jamais complète, puisque l’artiste va maintenir une forte disposition ingresque, même dans ses dernières oeuvres jamais abandonera completement les enseignements et beaucoup des règles qui ont été passé à côté de son maitre.3 néanmoins chez Moreau, l’interet se montre depuis ses premières oeuvres, et évidemment que cette interet est présente de quelque façon dans les travaux postérieurs de l’artiste. Théophile Gautier, avec joie s’interesse par cette oeuvre et de manière
Chassériau fait partie de l’atelier d’Ingres très jeune, en 1832 quand le peintre avait 12 ans. Huit ans ensuite il écrit la célèbre lettre reproduite par Chevillard à lequel Théodore écrit de Rome leurs insatisfactions avec Ingres: “Dans une assez longue conversation avec M. Ingres, j’ai vu que sous bien des rapports jamais nous ne pourrions nous entendre. il a vécu sés années de force et il n’a aucune compréhension des idées et des changements qui se sont faits dans les arts à notre époque ; il est dans une ignorance complète de tous les poètes de ces derniers temps” (lettre de Chassériau à son frère Frédéric, apud CHevillARD, 2002: 26-27). Plus qu’insatisfactions, Chassériau se démontre indigné à la perception qu’Ingres se maintient impavide dans leurs règles. Et Chassériau que a été pour l’avenir « napoléon de la peinture », se rend cible du chagrin et du dédain de son ancien maître.
3
cânticos, e procurar seguir os passos de Moreau e as diversas influências de Chassériau, como atestam, antes da pintura, os desenhos postos em evidência por Vignot, dos quais este estudo aproveitará em grande parte como propulsor (Figura 1). A obra referida de Gustave Moreau nos diz respeito ao livro homônimo e controverso da Bíblia. A cena escolhida é exatamente o momento em que sulamita, procurando seu amado, é surpreendida e atacada pelos soldados guardiães de uma cidade: “Encontraram-me os guardas que faziam a ronda da cidade: bateram em mim e me feriram, arrancaram-me o manto as sentinelas das muralhas” (Cântico dos Cânticos, v, 7). Na tela de Moreau a tensão é centralizada na figura feminina impávida e encurralada por cinco sedentos soldados. Os detalhes da paisagem são pouco priorizados, apenas referências no lado esquerdo e às muralhas no lado direito são esboçadas. A atmosfera crepuscular, as nuvens buliçosas – rajadas entre um cinza acobreado e um branco irregular – parecem perturbar ainda mais a cena; certamente é nesta atmosfera que quase toda paisagem é perdida, num espaço em que a tensão e o mistério se sobressaem. o tratamento dado aos drapeados dos soldados pode ser posto em comparação com aquele executado por Chassériau em Sapho, de 1849, ou Apollon et Daphné, de 1844-1845, que foram executados no momento em que Chassériau distancia-se de Ingres e cada vez mais, em suas obras, avança em direção a Delacroix. o interesse em Delacroix era mútuo, em Chassériau vemos uma aproximação dada aos poucos e nunca completa, pois o artista sempre manterá uma forte disposição ingresca; mesmo em suas obras finais nunca abandonará por completo os ensinamentos e muitos dos preceitos nos anos passados ao lado de seu mestre.3 Ao passo que em Moreau, o interesse descortina-se desde suas primeiras obras e evidentemente que tal interesse está presente de alguma forma nos trabalhos posteriores do artista. Théophile Gautier, com auspiciosidade, interessa-se por esta obra, e em tom sarcástico escreve sobre a Chassériau entra muito jovem ao atelier de Ingres, em 1832 quando o pintor tinha 12 anos. Oito anos depois redige a famosa carta reproduzida por Chevillard na qual Théodore escreve de Roma suas insatisfações com Ingres: “Em uma conversa muito longa com o Sr. Ingres, eu percebi que em muitos pontos nunca poderemos nos entender. Ele viveu seus anos de força e ele não tem nenhuma compreensão das ideias e das mudanças que se fazem nas artes em nosso tempo: ele está em uma completa ignorância em relação a todos os poetas desses últimos tempos” (Carta de Chassériau ao irmão Frédéric, apud CHevillARD, 2002: 26-27). Mais do que insatisfações, Chassériau se demonstra indignado ao perceber que Ingres mantém-se impávido em seus preceitos. E Chassériau que fora o futuro “Napoleão da pintura” torna-se alvo do desgosto e do desprezo de seu antigo mestre.
3
RHAA 14
7
Martinho Alves da Costa Junior proximidade que vê entre os dois pintores. Para ele trata-se de uma
sarcastique écrit sur la proximité qu’il voit entre les deux peintres, selon lui il s’agit d’une
Coisa singular. O Sr. Gustave Moreau é aluno do Sr. Picot que deve estar tão espantado em ter produzido tal discípulo como uma galinha que chocou ovos e vê pequenos pintainhos, com a casca logo quebrada, vai se jogar na lagoa vizinha. O verdadeiro mestre do sr. Moreau é Delacroix. ele o procede diretamente; a cor é forte, apoiada, vigorosa nesta gama de tons asfixiados e sombrios que tira à pintura a fenda penetrante da novidade e precede o harmonioso trabalho do tempo.4
Chose singulière, M. Gustave Moreau est élève de M. Picot qui doit être aussi étonné d’avoir produit un pareil disciple qu’une poule qui a couvé des oeufs de canne et voit les petits poussins, aussitôt la coquille brisée, s’aller jeter dans la mare voisine. le véritable maître de M. Moreau est Delacroix. Il en procède directement ; la couleur est forte, soutenue, vigoreuse dans cette gamme de tons étouffés et sombres qui ôte à la peinture l’éclat criard de la nouveauté et devance l’harmonieux travail du temps.4
A “gama de tons asfixiados”, fortuitamente comentada por Gautier, corrobora na descrição de uma atmosfera repleta de desespero e reforça a posição de Sulamita claustrofobicamente inserida de modo que não se perceba uma escapatória possível entre os cinco soldados que a rodeiam. Contudo, mais do que proceder diretamente de Delacroix (como reivindicava Gautier na citação acima), insistimos que nesta tela em específico Moreau identifica-se ainda mais claramente com Chassériau, e os elementos constitutivos desta aproximação se descortinam e se multiplicam diante de nossos olhos.
La “gamme de tons étouffés” fortuitement comentée par Gautier corrobore dans la description d’une atmosfère pleine de désespoir et renforce la position de la sulamite mis d’une façon claustrophobe qu’on ne s’aperçoit pas une échappatoire possible entre les cinq soldats que lui font la roule. néanmoins, plus que procéder directement de Delacroix (comme clamait Gautier dans la citation ci-dessus), nous insistons que dans cette toile spécifiquement Moreau se lie plus clairement avec Chassériau, et les elements constitutifs de cette approche se montrent et se multiplient juste en face de nos yeux.
A composição em geral nos faz lembrar obras como Andromède attachée au rocher par les Néreides, de 1840, ou mesmo um dos poucos vestígios5 que sobraram da Cour des Comptes (1844-1848), como notadamente Le commerce rapproche les peoples, hoje conservado no louvre, em que assinalamos como o tratamento dado à forma dos orientais assemelha-se. Assim como a Andrômeda de Chassériau, a sulamita de Moreau sabe que a resistência é inútil, embora Sulamita esteja muito mais complacente com o ataque e distante do desespero que aflige Andrômeda, senão pela sua boca, que fragilmente se abre, ou nos sutis movimentos dos braços: o direito, que tenta inutilmente afastar a mão de um soldado; e o esquerdo, que procura manter os seios cobertos ao mesmo tempo em que o soldado puxa violentamente sua roupa e procura tocá-los com algum sucesso. 4 GAuTieR, Théophile apud FoResT, Marie-Cécile. “Carnets inédits de Gustave Moreau. le romantisme à son crépuscule”. in BRuGeRolles, emmanuelle. Op. cit., p. 21. 5 Cour de Comptes foi incendiada em 1871 na famigerada Comuna de Paris. Chassériau havia se debruçado na decoração da grande escadaria com diversas figuras alegóricas entre 1844-1848, quase tudo foi perdido. Hoje, os poucos fragmentos que infelizmente não nos dão dimensão da força daquelas imagens (contudo, os desenhos preparatórios, os esboços existentes e os projetos da obra, formam juntamente com esses fragmentos um bom panorama do que foi a decoração) foram transferidos para o louvre.
8
RHAA 14
La composition généralement nous fait rappeler des oeuvres comme Andromède attachée au rocher par les Néreides de 1840 ou même dans un des peus vestiges5 qu’ont surabondé de la Cour des Comptes (18441848), comme notamment Le commerce rapproche les peoples, aujourd’hui conservé au louvre, dans lequel nous désignons comme le traitement donné à la forme des orientaux se ressemblent. Ainsi comme l’Andromède de Chassériau, la sulamite de Moreau sait que la resistence est inutile, bien que sulamite soit beaucoup plus complaisant avec l’attaque et éloigné du désespoir qu’afflige Andromède, autrement par sa bouche que fragilement s’ouvre ou dans les subtis moviments des bras: le droit qu’essaie inutilement éloigner la main d’un soldat et le gauche que cherche maintenir les seins couverts au même instant que le
4 GAuTieR, Théophile apud FoResT, Marie-Cécile. “Carnets inédits de Gustave Moreau. le romantisme à son crépuscule”. in BRuGeRolles, emmanuelle. Op. cit., p. 21. 5 Cour de Comptes a été incendiée en 1871 dans la célèbre Commune de Paris. Chassériau avait penché sur la décoration du grand escalier avec de diverses figures allégoriques entre 1844-1848, presque tout a été perdu. Aujourd’hui, il y a peu de fragments qui dans son ensemble ne donnent malheureusement pas la dimension de la force de ces images (néanmoins, les dessins préparatoires, des croquis existants et des projets de l’oeuvre, forment conjointement avec ces fragments un bon panorama de la décoration perdue), qui ont été transférés pour au louvre.
A presença de Chassériau em Moreau soldat tire avec violence ses vêtements, essaie de les toucher et avec quelque succès. les trois soldats qui restent debout sont plus agressifs et touchent la femme avec sarcasme et violence, elle, à sa part, se maintient inerte – ni même ses jambes semblent vouloir sortir de cette persécution (même que cette legère torsion l’amène à cacher le sexe), comme une épreuve, elle semble croire dans la nécessité de cet évenement. Cette composition décrite comme “pyramidal”6 – et elle est évidemment composée de cette façon – peut être aussi vue dans une lecture circulaire: les soldats que tournent la sulamite font chaqu’un partie d’une sorte de danse circulaire qui conduit le regard. Le soldat debout à droit de la protagoniste se lie au soldat de la gauche qui porte une lance, l’image circulaire s’avance avec le soldat un peu plus audessous de celui-là en passant par les jambes de la sulamite en arrivant vers les autres deux qui sont assises. Cette forme corrobore avec le caractère de l’ivresse de la scène dans lequel le vin qui échappe du verre au vin d’un des soldats est la témoin, ce soldat semble ne plus supporter lui-même à cause des effets du vin, sa position tordue et son cou tombé sont presque sans energie et les bras élargi avec un but ambigu maintien la composition trouble. L’évenemment de cette façon devient beaucoup plus dramatique et dinamique: dans cet aspect nous ne sommes plus dedans le domaine des influences sur la conception de l’image de Chassériau. Bien qu’Il y ait cette dinamique circulaire, toutes les figures, et spécialement la feminine, se maintient introspectives: le moviment et l’interaction sont vers le group – le forme – et non individuellement. Dans le département des Arts Grafiques du Louvre, Il y a un petit dessin (32,5 × 42,7) dans laquelle la composition semble assez à laquelle de Moreau. Cette aquarelle et guache nommé d’Invasions barbares (scène de massacre avec des cavaliers barbares) (Figure 2) a été attribuée à Chassériau tant pour Chevillard comme pour Bénédite et sandoz. néanmoins dans le catalogue géneral du département des Arts Grafiques du Louvre des dessins de Chassériau, louis-Antoine Prat réfuse cette attribution. Pour Prat, les motifs pour réfuser le dessin comme de Chassériau sont bien clairs. il faut noter que le dessin reproduit dans le livre de Bénédite n’est pas le même de celui conservé au louvre. Prat ne méprise pas ce detail, mais il fait valoir que:
Os três soldados mantidos em pé são mais agressivos e tocam a mulher com sarcasmo e violência; ela, todavia, mantémse inerte – nem mesmo suas pernas parecem querer sair desta perseguição (mesmo que a leve torção da perna direita procure tampar o sexo), como uma provação, ela parece acreditar na necessidade deste evento. Esta composição descrita como “piramidal”6 – e de fato compõe-se de tal maneira – pode também ser considerada em uma leitura circular: os soldados que envolvem Sulamita, um a um, são parte de uma espécie de ciranda envolvendo o olhar. o soldado em pé à direita da protagonista liga-se ao da esquerda que porta uma lança, a imagem circular continua com o soldado um pouco abaixo deste passando pelas pernas de Sulamita e chega aos outros dois que estão sentados. Esta forma corrobora para o caráter inebriante da cena da qual o vinho que escapa da taça de um dos soldados é testemunha, este mesmo soldado aparenta não mais aguentarse por causa dos efeitos do vinho, sua posição retorcida e seu pescoço caído estão quase sem energia e o braço estendido com objetivo ambíguo mantém a composição turva. O evento, desta maneira, torna-se muito mais dramático e dinâmico: neste aspecto não estamos mais diante de influências acerca da concepção de imagem de Chassériau. Embora haja esta dinâmica circular, todas as figuras, e principalmente a feminina, conservam-se introspectivas: o movimento e a interação estão para o grupo – para a forma – e não individualmente. No departamento de Artes Gráficas do Louvre há um pequeno desenho (32,5 × 42,7 cm) no qual a composição assemelha-se bastante àquela de Moreau. Esta aquarela e guache com o nome de Invasions barbares (scène de massacre avec des cavaliers barbares) (Figura 2) foi atribuída a Chassériau tanto por Chevillard quanto por Bénédite e Sandoz. Contudo, no catálogo geral do departamento de Artes Gráficas do Louvre, dos desenhos de Chassériau, Louis-Antoine Prat recusa esta atribuição. Para Prat, os motivos para não aceitar este desenho como sendo de Chassériau são claros. É preciso notar que o desenho reproduzido no livro de Bénédite não é o mesmo conservado no Louvre. Prat se atenta a este detalhe, mas argumenta que: É evidente que estes dois desenhos vieram do mesmo artista e não pode ser confundido com Chassériau; composição volumosa, canhão arrochado de figuras, falta refinamento dos coloridos; o peso dos acentos faz pensar em um artista próximo a Henri lehmann,
De toute évidence, ces deux dessins reviennet à un même artiste que ne saurait être confondu avec
Cf. surtout le travaille de Geneviève lacambre, dans le catalogue des années initiales de Moreau. Lacambre, Geneviève. Between Epic and Dream. Chicago: RMN/Art Institute of Chicago, 1999.
6
Cf. sobretudo o trabalho de Geneviève Lacambre, no catálogo dos anos iniciais de Moreau. lacambre, Geneviève. Between Epic and Dream. Chicago: RMN/Art Institute of Chicago, 1999. 6
RHAA 14
9
Martinho Alves da Costa Junior que tratou uma cena bem próxima em um dos hemiciclos na salle du Trône no Palais du Luxembourg, La France sous les Mérovingiens et les Carolingiens.7
entretanto, trata-se de uma obra próxima ao universo de Chassériau, e não é sem motivo que mesmo com a atribuição de Louis-Antoine Prat o museu do Louvre manteve a atribuição a Chassériau. o desenho descreve uma cena na qual vemos em primeiro plano um soldado bárbaro com seu cavalo em riste, e em sua mão direita um machado pronto para atacar um homem, com contornos muito bem delimitados, que tenta contra-atracar apenas com a força de seu corpo, desarmado, na tensão e torção muscular pronto para investir em um murro enquanto sua mão esquerda força a crina do cavalo para impulsionar-se com maior força e precisão. Na mão esquerda do bárbaro uma cabeça degolada. A composição segue um triângulo em cuja base se vê corpos já mortos e duas mulheres caídas; uma com as mãos atadas parece começar a ser arrastada, enquanto a outra tenta impedir o infortúnio. o cavalo cumpre sua sina com muito esforço, mas obedece a seu cavaleiro, passa por cima de cadáveres e de homens feridos sem força para se moverem do local. A cena do massacre continua tensamente por toda a obra; no fundo à esquerda, já quase totalmente na penumbra, outro soldado segura um bebê pela perna e a mãe suplica inutilmente pela vida do filho. Do outro lado, em meio à confusão de corpos que lutam e corpos mortos, a súplica e a violência dialogam com a indiferença de um soldado ao fundo que, montado em seu cavalo, não ataca, apenas observa, embora guarde naquilo que podemos ver em seu rosto um ar raivoso, pronto para atacar. A composição, fortemente triangular, pode ser posta ao lado da Cantique des cantiques. Separando algumas figuras, podemos perceber semelhanças que estão para além da composição. Não se pode afirmar que um tenha visto a obra do outro, mas as semelhanças são diretas. Embora o desenho não mantenha a impressionante circularidade da tela de Moreau, possui uma dinâmica equiparável, espécie de força centrípeta que culmina no soldado com seu cavalo em riste. Em Moreau, as figuras possuem certa leveza, a carne terrosa não é áspera e cortante como a do desenho em questão. Nas figuras de O Cântico dos cânticos podemos perceber um conjunto de referências aos trabalhos de Chassériau. As figuras 7 PRAT, louis-Antoine. Inventaire Général des dessins. École Française. Dessins de Théodore Chassériau. Paris: RMn, 1988, 979.
10
RHAA 14
Chassériau ; composition touffue, canon ramassé des figures, manque de raffinement des coloris, lourdeur des accents font penser à un artiste proche d’Henri lahmann, qui traita un scène assez proche dans l’un des hémicycles de la Salla du Trône au Palais du Luxembroug, La France sous les Mérovingiens et les Carolingiens.7
Pourtant, Il s’agit d’une oeuvre proche à l’univers de Chassériau et ce n’est pas gratuitement que même avec la atribuition de Louis-Antoine Prat le Musée du louvre a maintenu l’oeuvre à Chassériau. le dessin décrit une scène dans laquelle on voit en première plan un soldat barbare avec son cheval en riste, et dans sa main droite un hache prête à attaquer un homme, avec les contours très bien delimités, qu’essaye contre-attaquer avec la force de son corps, sans arms, dans la tension et la tortion musculaire prête pour un coup de poing pendant sa main gauche fait de la force sur la crinière du cheval pour s’impulser avec plus de force et précision. Dans la main gauche du barbare une tête décollé. La composition suis un triangule dont la base on voit des corps déjà morts et deux femmes tombées, une avec les mains atachées semble commencer à être traînée, pendant l’autre essaie empecher l’infortune; le cheval suit son sort avec beaucoup d’effort, mais obeit son chevalier, passe dessus des cadavres et des hommes blessés sans force pour bouger de cette place. la scène du massacre continue avec tenson par toute l’oeuvre, dans le fond à gauche déjà presque totalemment dans les ombres, l’autre soldat tient un enfant par la jambe et la mère clame inutilment pour la vie de son fils. De l’autre côté, dans la folie des corps que se battent et des corps morts, la suplique et la violence entrent en rapport avec l’indiference d’un soldat au fond, monté dans son cheval il n’attaque pas, simplement regard, bien qu’il mantien dans ce qu’on peut voir en son visage un air enragé prête à attaquer. La composition tout a fait triangulaire peut être mis à côté de la Cantique des cantiques. En detachant quelques figures, on peut percoit des semblences que sont par au-déla de la composition. on ne peut pas dire qu’un ait vu l’ouevre de l’autre, mais les similitudes sont directs, bien que le dessin ne maintien pas l’impressionant forme en circle de la toile de Moreau, a une dinamique équivalent, une sorte de force centripete que culmine dans le soldat avec son cheval en riste. Chez Moreau les figures ont certain légèreté, la chair terreuse n’est pas rugueuse et coupant comme chez le dessin qu’on a montré. Dans les figures de Le Cantique des cantiques on a pu noter un ensemble de references aux travaux
PRAT, louis-Antoine. Inventaire Général des dessins. École Française. Dessins de Théodore Chassériau. Paris: RMn, 1988, 979.
7
A presença de Chassériau em Moreau de Chassériau. Les figures masculins sont conçu de manière si proche de celles de Chassériau, les couleurs des personages orientaux et le traitement donné aux drapés de l’habillement sont sembables aux de Chassériau, surtout quand cettes figures sont posés côte à côte avec le travail realisé pour l’artiste dans l’eglise de Saint-Roch à Paris entre les années 1850-1853, ça veut dire, dans les mêmes années de la realisation du tableau de Moreau et dans lequel Chassériau a peint deux scènes de baptêmes, Saint Philippe baptise l’eunuque de la reine d’Éthiopie et Saint François Xavier baptise les Indiens. l’eunuque et les indiens et ses animaux couverts avec des bijoux et des divers elements decoratifs sont certes images très proches de celles de la toile de Moreau des ces années (Figures 3 e 4). Les positions des personnages ne possèdent pas beaucoup de ressemblances, néanmoins la forme, la manière de peindre l’oriental s’approche. la peau terreuse sur laquelle nous parlions dans Moreau se répète dans l’église de St. Roch plus évidemment, surtout dans les contrastes des couleurs des personnages le ton marronâtre se distingue. Dans le Baptême du Eunuque par Saint Philippe Xavier, Christine Peltre parle du caractère androgyne de l’ange comme annonciateur de ce qu’il ferait Moreau, néanmoins ce n’est pas seulement l’ange qui indique un pas vers Moreau en outre leurs oeuvres initiales, le caractère accentué en l’usage de l’ornement, les bijoux et, surtout une ailette qui tende au doré et à une luminosité intense, en résumée, quelque chose précieux qu’annonce dans ces oeuvres et qu’aura une importance singulière dans les oeuvres de Moreau (Figures 5-9). Dans les détails ci-dessus nous avons quelques aspects des oeuvres commentées. la position de la tête dans l’oeuvre de Moreau et dans le baptême des Indiens dans Chassériau. Le détail de l’oeuvre de Chassériau a été inversé dans cette étude pour approcher les similitudes entre elles. Plus que la position, la ligne, la bouche qui s’ouvre soigneusement, dans un cas par l’ivresse et dans l’autre l’épiphanie dans la conversion chrétienne. Les boucles d’oreille grandes, exotiques et qui brillent comme le casque dans la figure de Chassériau renforcent l’excellence latente chez Moreau, et ils déjà prédisent les ressemblances des peintres. Dans les figures inférieures, autres détails des oeuvres, dans ce cas seulement les dos des personnages. entre les oeuvres Invasions Barbares et Cantique des cantiques la ressemblance entre la position des figures est notoire, malgré la musculature masculine dans la toile de Moreau soit beaucoup plus délimité, la torsion est très proche. La ligne de ces figures montrent une conception diverse du dessin: dans le cas de l’Invasions la ligne est beaucoup plus proche de l’école ingresque. Il y a une régularité dans
masculinas são concebidas de maneira muito próxima às de Chassériau, as cores dos personagens orientais e o tratamento dado aos drapeados da vestimenta são semelhantes aos de Chassériau, especialmente quando estas figuras são postas lado a lado com o trabalho realizado pelo artista na Igreja de SaintRoch em Paris entre os anos de 1850-1853, ou seja, nos mesmos anos da realização do quadro de Moreau quando Chassériau pinta duas cenas de batismo, Saint Philippe baptise l’eunuque de la reine d’Éthiopie e Saint François Xavier baptise les Indiens. o eunuco e os indianos e seus animais cobertos com joias e diversos elementos decorativos são, certamente, imagens muito próximas às telas de Moreau destes anos (Figuras 3 e 4). As posições dos personagens não possuem muitas semelhanças, contudo a forma, a maneira de pintar o oriental aproxima-se muito. A carne terrosa da qual falávamos em Moreau se repete com mais evidência em St. Roch, quando no contraste das cores dos personagens o tom amarronzado se sobressai. No batismo do eunuco, por São Philippe Xavier, Christine Peltre indica o caráter andrógeno do anjo como anunciador do que faria Moreau. Entretanto, não é apenas o anjo que aponta para um Moreau além de suas obras iniciais, o caráter acentuado no uso do ornamento, joias e, sobretudo uma palheta que tende ao dourado e a um brilho intenso, em suma, algo de precioso que também se anuncia nessas obras e que terá uma importância singular nas obras de Moreau (Figuras 5-9). Nos detalhes acima temos alguns aspectos das obras comentadas: a posição da cabeça na obra de Moreau e no batismo dos indianos, em Chassériau. o detalhe da obra de Chassériau foi invertido neste estudo para destacar as semelhanças entre elas. Mais do que a posição, a linha, a boca que se abre cuidadosamente, em um caso, pela embriaguez; e em outro pela epifania na conversão cristã. Os brincos grandes, exóticos e brilhosos, como o elmo na figura de Chassériau, reforçam a preciosidade ainda latente em Moreau, e já prenunciam o segundo no primeiro. Nas figuras inferiores, outros detalhes das obras; neste caso apenas as costas dos personagens. Entre as obras Invasions Barbares e Cantique des cantiques a semelhança entre a posição das figuras é notória. Apesar de a musculatura masculina na tela de Moreau ser bastante demarcada, a torção é muito próxima. A linha dessas figuras mostra uma concepção diferente do desenho: no caso de Invasions a linha está muito mais próxima da escola ingresca. Há uma regularidade nessa linha que acompanha toda a figura. Já em Cantique, o jogo cromático ganha mais importância em relação à linha, os tons acobreados, vermelhos, negros e amarelados dão forma RHAA 14
11
Martinho Alves da Costa Junior à imagem. A imagem central – a do batismo de Chassériau, cujo desenho, de primeiro momento, não se enquadra em uma comparação na posição das outras duas imagens – mantém sua força no contraste entre o marrom-escuro (que passa pelo preto e pelo branco no sombreamento) da carne e o vermelho manchado do pano que cobre a parte traseira da figura. Esta pele com essas colorações e esse trabalho de sombreamento possuem um modulado e uma dinâmica – um molejo por assim dizer – que confere um aspecto vivo para a imagem que a difere das outras duas. É a partir de elementos formais de Chassériau (e também de Delacroix) que Moreau ensaia algo novo para suas primeiras obras. Entretanto, destaquemos desta vez apenas a figura feminina, e a semelhança e pontos de encontro com Chassériau ficam ainda mais claros. Os adereços de Sulamita, sobretudo seus braceletes, são facilmente postos lado a lado com os de Esther se parant pour être présentée au roi Assuérus de 1841 ou a primeira versão de Chassériau para Suzanne au bain, de 1839. Os braços grossos e divididos por tais espessos braceletes bem como a posição de Sulamita também nos lembram Chassériau. Se concentrarmos nossa atenção para essa figura, não hesitaremos em indicar uma colagem de posições e objetos (embora a figura de Moreau seja muito mais carregada nas joias: anéis em quase todos os dedos, um grosso colar, brincos e alguns adornos nos cabelos, além dos dois braceletes já referidos) usados anteriormente em muitas pinturas e desenhos de Chassériau. Como por exemplo a extrema semelhança – e me parece pertinente apontar essa aproximação – com o retrato de meio corpo da atriz e amante do pintor Alice Ozy,8 realizado em 1848, pelo artista são-dominguense. A leve torção do pescoço (evidente que na pintura ele inverte a posição para a composição) e mesmo o penteado escolhido por Moreau parecem ter sido realizados a partir deste retrato. Há também um grande parentesco com outro desenho de Chassériau, Portrait de Rachel, 1853. A posição da mulher desenhada é muito próxima à utilizada para o retrato de Alice Ozy. O rosto inclinado e mais uma vez o desenho do penteado do retrato são extremamente próximos à Sulamita, de Gustave Moreau. Há algo para além da forma da figura feminina que nos 8 Alice Ozy e Théodore Chassériau tiveram um relacionamento que aparentemente durou dois anos. Os traços de Ozy foram importantes para outras obras que Chassériau comporia. Há também a anedota contada por Victor Hugo em Choses vues, de 1887 na qual por meio de apelidos muito próximos aos nomes verdadeiros o narrador traça um perfil irônico de uma mulher dominadora e de um pintor extremamente feio e submisso.
12
RHAA 14
cette ligne qui accompagne toute la figure. Dans le Cantique, le jeu chromatique gagne plus d’importance par rapport la ligne, les tons cuivrés, rouges, noirs et jaunâtres donnent de la forme à l’image. Dans l’image centrale, celle du baptême de Chassériau, dont le dessin, dans un premier moment, ne s’encadre pas dans une comparaison de la position des autres deux images, maintient sa force dans le contraste entre le marron (qui passe par le noire et par le blanc dans les sombres) de la peau et du rouge taché du chiffon qui a chargé la partie arrière de la figure. Cette peau avec ces colorations et ce travail ombré possède un modulé et une dynamique - une manier pour ainsi dire - que confère un aspect vivant pour l’image qui la diffère des autres deux. C’est à partir d’éléments formels de Chassériau (et aussi de Delacroix) que Moreau essaye quelque chose nouveau pour leurs premières oeuvres. néanmoins, cette fois, on détache seulement la figure féminine et la similitude et les points de rencontre avec Chassériau sont encore plus clairs. les parures de sulamite (surtout leurs bracelets) facilement sont mises côte à côte avec l’Esther se parant pour être présentée au roi Assuérus, 1841 ou la première version de Chassériau pour Suzanne au bain de 1839. les bras épais et divisés par tels épais bracelets ainsi que la position de sulamite aussi nous rappellent Chassériau. si nous nous concentrons notre attention dans cette figure nous n’hésitions pas à indiquer un collage de positions et des objets (bien que la figure de Moreau est davantage chargée des bijoux : anneaux en presque tous les doigts, un épais coller, boucles d’oreille et quelques ornementations dans les cheveux, outre les deux bracelets déjà mentionnés) utilisés précédemment dans beaucoup de peintures et dessins de Chassériau. Comme, par exemple, l’extrême similitude - et il me semble pertinent d’indiquer cette approche - avec le portrait de demi corps de l’actrice et maîtresse du peintre Alice Ozy8 réalisé en 1848 par l’artiste de Saint Domingue. La légère torsion du cou (évident que dans la peinture il inverse la position pour la composition) et même la coiffure choisie par Moreau semblent avoir été réalisée à partir de ce portrait.
8 Alice Ozy et Théodore Chassériau ont eu des relations qu’a apparemment duré deux ans. les traces d’Ozy ont été importantes pour d’autres oeuvres que Chassériau compose. Il y a aussi l’anecdote comptée par Victor Hugo dans Choses vues, de 1887 dans lequel au moyen de noms très proches aux noms vrais le narrateur trace un profil ironique d’une femme dominateuse et d’un peintre extrêmement laid et soumis.
A presença de Chassériau em Moreau Il y a aussi une grande parentèle avec autre dessin de Chassériau, Portrait de Rachel, 1853, la position de la femme dessinée est très proche de celle utilisée pour le portrait d’Alice Ozy, le visage incliné et encore une fois le dessin de la coiffure du portrait sont extrêmement proche de la Sulamite de Gustave Moreau. Il y a quelque chose outre la forme de la figure féminine qui nous renvoie à Chassériau et que, de certaine manière Gustave Moreau conserve dans leurs oeuvres d’avenir. Plus que renforcer ces aspects formels, Moreau essaye de comprendre l’oeuvre de son ami et capter autres facteurs, comme l’introspection des figures et un air crépusculaire qui semble dominer les compositions et les figures féminines de tous les deux artistes, nous tournerons brièvement à ce point. Dans le dessin Étude de femme assise dans un intérieur, conservé au musée Gustave Moreau, l’artiste reprend la position pour la figure féminine, la légère torsion dans le cou qui collabore pour une vision d’introspection et mystère est présent (dans l’étude pour la sulamite, nous pouvons voir comme ces mêmes éléments gagnent encore plus de dramatisation). nous pouvons inférer aussi dans le traitement donnée au vêtement de cette femme. Avec des grandes motifs décoratives, la tenue possède une autonomie et en même temps il enveloppe la femme qui est en communion avec l’habillement. Élément de séduction, la tenue se lie aux autres ornements comme la voyante boucle d’oreille et l’anneau bien délimité dans la main droite de cette figure qui possède un bras aussi épais que dans les figures de Chassériau. Même la Sapho, de 1849, le fragment de la Cour de comptes, La paix, 1844-1848 et aussi Suzanne au bain de 1839, tous de Chassériau, semblent contenir tels éléments. les bras commentés sont présents dans diverses oeuvres, en étant presque une marque de Chassériau, surtout dans leur production des années 1840. la pose pour les jambes de sulamite obéissent aussi à une norme chasseriesque (Figures 10-17). Comme nous avons pu remarquer dans ces images, les similitudes entre d’innombrables détails dans l’oeuvre de Moreau se lient clairement avec de diverses oeuvres de Chassériau. Bien que beaucoup fait ressortir par la critique, l’approche entre les deux peintres - surtout dans les oeuvres de début de carrière de Gustave Moreau - encore manque d’une étude plus détaillée. Évidemment que la manière employée par Moreau dans leurs premiers toiles envoyée au salon ne sont simplement des références de Chassériau, comme cet article peut laisser transparaître, les imbrications sont plus complexes. Dans un court article sur le type héroïque et l’atmosphère introvertie des personnages de
remete a Chassériau e que, de certa maneira Gustave Moreau conserva em suas futuras obras. Mais do que resgatar esses aspectos formais, Moreau tenta compreender a obra de seu amigo e captar outros fatores, como a introspecção das figuras e um ar crepuscular que parece dominar as composições e as figuras femininas de ambos os artistas. voltaremos em breve a este ponto. no desenho Étude de femme assise dans un intérieur, conservado no museu Gustave Moreau, o artista retoma a posição para a figura feminina. A leve torção no pescoço que colabora para uma visão de introspecção e mistério está presente (no estudo para a Sulamita, podemos ver como esses mesmos elementos ganham maior dramaticidade). Podemos inferir também no tratamento dado à roupa desta mulher. Com grandes motivos decorativos, o vestido possui uma autonomia e ao mesmo tempo envolve a mulher que está em comunhão com a indumentária. Elemento de sedução, o vestido liga-se aos outros ornamentos como o vistoso brinco e o anel bem delimitado na mão direita desta figura que possui um braço tão espesso quanto nas figuras de Chassériau. Mesmo a Sapho, de 1849, o fragmento da Cour de comptes de La paix, 1844-1848 e também Suzanne au bain, de 1839, todos de Chassériau, parecem conter tais elementos. os braços comentados estão presentes em diversas obras, sendo quase uma marca de Chassériau, sobretudo em sua produção dos anos 1940. A pose para as pernas de sulamita obedece também a um padrão “chasseriesco” (Figuras 10-17). Como pudemos notar nessas imagens, as semelhanças entre inúmeros detalhes na obra de Moreau ligam-se claramente a diversas obras de Chassériau. embora muito salientada pela crítica, a aproximação entre os dois pintores – sobretudo nas obras de início de carreira de Gustave Moreau – ainda carece de um estudo mais detalhado. Claro que a maneira empregada por Moreau em suas primeiras telas enviadas ao salão não são simplesmente referências à Chassériau, e como este artigo deixa transparecer, as imbricações são mais complexas. Em um curto artigo sobre o tipo heroico e a atmosfera introvertida dos personagens de Chassériau, Jonathan P. Ribner apenas enuncia – sem se aprofundar – um elemento importante para a nossa perspectiva. Segundo ele, pensando exclusivamente em Le Jeune Homme et la mort, 1856-65, há um ponto de intersecção entre os pintores: RHAA 14
13
Martinho Alves da Costa Junior Aqui Chassériau está idealizado como um jovem pálido na frente de uma figura feminina retraída que poderia ser considerada como prima de Vénus Marine. o torpor melancólico e a imobilidade dessa pintura – tão apropriada para esse propósito elegíaco – são igualmente ressonantes com respeito para o silêncio sugestivo característico de muitos trabalhos de Chassériau.9
Mesmo não analisando ou pondo à prova o que escreveu, Ribner parece ir ao encontro de nossas expectativas. Há algo de Chassériau na obra subsequente de Moreau, algo que passa por características formais, sem dúvida, mas que está na maneira de conceber as figuras, sobretudo a feminina. O “torpor melancólico” e a introspecção das figuras fazem parte de toda a obra de Gustave Moreau, de forma mais acentuada nas obras posteriores, mas já inseridas nessas primeiras telas. o quadro a que se refere Ribner, Le Jeune Homme et la mort, foi realizado em homenagem ao amigo e pintor, morto precocemente. o Chassériau apresentado no quadro claramente não possui traços semelhantes com o modelo,10 contudo a forma heroica pela qual Moreau apresenta o pintor que tem atrás de si uma mulher sentada tranquilamente (a própria morte), já nos indica a grande admiração que Moreau nutria por Chassériau. A figura da morte está calma, já cumpriu a sua sina, introspectiva e inundada por um ar crepuscular, guarda poucos laços com a pintura de Chassériau, senão esses que acabamos de descrever. O seio de bico tão escuro quanto os cabelos também difere muito dos que havia feito Chassériau. o artista retratado de maneira pálida beira ao esverdeado, porém fortemente exaltando o pintor são-dominguense: como um herói, o próprio artista se coroa com os louros da glória. Neste período grande parte dos especialistas concentra suas análises numa chave distante da influência de Chassériau. Afirmam-se, por exemplo, os estudos debruçados sobre a obra de Rafael. Moreau também realizou diversas cópias de obras de leonardo da Vinci e de Michelangelo Buonarroti, e de fato essas referências também são capitais na obra de Moreau (Figura 18). Refletindo sobre a época em que Moreau inicia esta obra em homenagem a Chassériau (Moreau leva nove anos RiBneR, Jonathan. “Théodore Chassériau and the Anti-Heroic Mode under the July Monarchy”. In: GUÉGAN, Stéphane (Org.) Chassériau (1819-1856) Un autre romantisme. Paris: louvre, 2002, p. 14. 10 Além de dois autorretratos, temos o retrato de A. Ch. Masson, Portrait de Théodore Chassériau de 1887 e mesmo um desenho do próprio Gustave Moreau no qual há uma grande tentativa em retirar os traços são-dominguenses do pintor, afilando o nariz, deixando os cabelos sem ondulações etc., ao posso que, na referida obra, não há a preocupação em fazer um retrato semelhante. 9
14
RHAA 14
Chassériau, Jonathan P. Ribner seulement énonce - sans s’approfondir - un élément important pour notre perspective. selon lui, en pensant exclusivement dans Le Jeune Homme et la mort, 185665, Il y a un point d’intersection entre les peintres: Here Chassériau is idealized as a pale youth standing before a withdrawn female figure Who could be considered a cousin to the Vénus marine. The melancholy torpor and immobility of this painting – so appropriate to its elegiac purpose – are also resonant with respect for the evocative silence characteristic of much of Chassériau’s oeuvres.9
Même n’analysant pas ou en mettant en preuve ce qu’il a écrit, Ribner semble aller à la rencontre de nos attentes. Il y a quelque chose de Chassériau dans l’oeuvre ultérieure de Moreau, quelque chose qui passe par des caractéristiques formelles, sans aucun doute, mais qui est présent dans la manière de concevoir les figures, surtout la féminine. Le « torpeur mélancolique » et l’introspection des figures font partie de toute l’oeuvre de Gustave Moreau, de forme plus accentuée dans les oeuvres postérieures, mais déjà insérées dans celui-là de premiers toiles. le tableau duquel se rapporte Ribner, Le Jeune Homme et la mort, a été realisé pour rendre hommage au ami et peintre, mort précocement. le Chassériau présenté dans le tableau ne possède clairement pas de traces semblables avec le modèle,10 néanmoins la forme héroïque dans laquelle Moreau présente le peintre qui possède derrière lui une femme de places assises tranquillement (la mort lui-même), déjà nous indique la grande admiration que Moreau nourrissait par Chassériau. La figure de la mort est calme, a déjà accompli son destin, introspectif et inondé par un air crépusculaire, garde peu de lacets avec la peinture de Chassériau, autrement celui-là que nous finissons de décrire. le mamelon aussi foncé que les cheveux sont aussi beaucoup diffèrent de ce qu’il avait fait Chassériau. L’artiste présenté de manière pâle, presque vert, néanmoins fortement en exhalent le peintre : comme un héros, l’artiste lui-même si couronne avec les blonds de la gloire.
RiBneR, Jonathan. “Théodore Chassériau and the Anti-Heroic Mode under the July Monarchy”. In: GUÉGAN, Stéphane (Org.) Chassériau (1819-1856) Un autre romantisme. Paris: louvre, 2002, p. 14.
9
10 en outre les deux auto-portraits, nous avons le portrait de A. -Ch. Masson, Portrait de Théodore Chassériau, 1887 et même un dessin par Gustave Moreau lui-même dans lequel il y a une grande tentative à enlever les traces créoles du peintre, en effilant le nez, en laissant les cheveux sans ondulations etc., tant que, dans l’oeuvre citée, il n’y a pas la préoccupation à faire un portrait semblable.
A presença de Chassériau em Moreau Dans cette période grande partie des spécialistes se concentre leurs analyses sur une clé éloignée de la presence de Chassériau, s’affirme, par exemple, les études penchées sur l’oeuvre de Raphael. Moreau a aussi réalisé diverses copies d’oeuvres de leonardo da Vinci et de Michelangelo Buonaroti et en fait ces références aussi sont capitales dans l’oeuvre de Moreau. Christine Peltre en reflétant sur le temps où Moreau initie cette oeuvre pour rendre hommage à Chassériau (Moreau prend neuf ans pour la conclure), affirme que “Il a trente ans et ce jour est pour lui l’épilogue d’une amitié féconde qui décide de sa carrière, avant le voyage en Italie qui lui donnera une impulsion nouvelle”.11 Certes la carrière de Moreau gagne de nouveaux contours avec son voyage en Italie et avec l’influence reçue des maîtres Renaissances, je me fais attention encore sur l’importance de la période précédente (des primitifs comme ils alors étaient connus), copiés par Moreau - comme éclaircissent leurs copies conservées au Musée National Gustave Moreau (Figure 18). et aussi leurs persécutions vers le monde oriental, un monde dans lequel il n’a pas été excepté à travers de dessins, de photographies etc., en réalisant copies d’estampes japonaises ou statuaires Égyptiennes et bouddhistes. Tout cet univers se configure dans les oeuvres de Moreau dans un monde mystérieux et imaginaire, ludique, luxueux et précieux, mélancolique et décoratif, sans jamais abandonner les aspirations romantiques (bien que transfigurées dans quelque chose totalement nouveau) et les années de intimité avec Chassériau.
11 PelTRe, Christine. Théodore Chassériau. Paris: Gallimard, 2001, 219.
para concluí-la), Christine Peltre afirma que “ele tem trinta anos e este dia para ele é o epílogo de uma amizade fecunda que decidiu sua carreira, antes de viajar para a Itália, que lhe dará uma nova impulsão”.11 Por certo a carreira de Moreau ganha novos contornos com sua viagem à Itália e com a influência recebida dos mestres renascentistas, atendo-se ainda à importância do período anterior (dos primitivos, como eram então conhecidos), copiados por Moreau – como esclarecem suas cópias conservadas no Museu nacional Gustave Moreau. E também suas perseguições ao mundo oriental, um mundo no qual ele não foi senão por meio de desenhos, fotografias etc., realizando cópias de estampas japonesas ou estatuárias egípcias e budistas. Todo este universo configura-se nas obras de Moreau em um mundo misterioso e imaginário, lúdico, luxuoso e precioso, melancólico e decorativo, sem jamais abandonar as aspirações românticas (embora transfiguradas em algo totalmente novo) e os anos de convivência com Chassériau.
11
PelTRe, Christine. Théodore Chassériau. Paris: Gallimard, 2001, 219.
RHAA 14
15
Martinho Alves da Costa Junior 1 Gustave Moreau. Les cantique des cantiques, 1853. Dijon, musée des Beaux-Arts.
1
2 Théodore Chassériau? Invasions Barbares. Por volta de 1850. Musée du Louvre. 3 Théodore Chassériau. François Xavier baptise les Indiens, 1850-1853. Igreja de Saint Roch, Paris.
2
3
16
RHAA 14
A presença de Chassériau em Moreau 4
4 Théodore Chassériau. Saint Philippe baptise l’eunuque de la reine d’Éthiopie, 1850-1853. Igreja de Saint Roch, Paris. 5, 6 Detalhe do soldado em Cântico dos Cânticos, 1853, de Gustave Moreau, e detalhe de figura masculina em Saint François Xavier (invertida), 1850-53, de Théodore Chassériau. 7, 8 Detalhe de Cântico dos Cânticos, 1853, de Gustave Moreau. Detalhe de Saint François Xavier baptise les Indiens, 1850-53, de Théodore Chassériau.
5
6
8
7
RHAA 14
17
Martinho Alves da Costa Junior 12 Detalhe de Invasions Barbares, de Théodore Chassériau por volta de 1850.
9
10, 11, 12, 13, 14, 15 Detalhes da figura feminina das obras: Les cantiques de cantiques, 1853; Étude de femme assise dans un intérieur; Trois études dont La Sulamita, por volta de 1852, de Moreau; Vénus marine, 1838; Suzanne au bain, 1839 e Esther se parant pour être présentée au roi Assuérus, 1841, de Chassériau, respectivamente.
9
10
14
11 13
15
18
RHAA 14
A presença de Chassériau em Moreau 16, 17 Detalhes da figura feminina das obras: Alice Ozy, 1848 e Portrait de Rachel, 1853, de Chassériau, respectivamente. 18
16
Gustave Moreau. Le Jeune Homme et la mort, 1856-1865.
18
17
RHAA 14
19
Semiótica aplicada à Arqueologia – um estudo de caso na Área Andina Archaeological semiotics – a case study in the Andean Area
CássiA RodRigues BARs Mestre e Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação do Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, MAE-USP. E-mail: cassiabars@gmail.com Master degree in Archaeology, Phd student, Museum of Archaeology and etnology of The university of são Paulo, MAe-usP. e-mail: cassiabars@gmail.com
resumo o principal objetivo deste artigo é ressaltar a importância do método semiótico para a construção de conhecimento em arqueologia. Para tanto, será apresentado um estudo de caso relacionado à análise de um artefato mochica, cuja composição escultórica serve de base para uma iconografia complexa, intimamente ligada aos conceitos que formam a base da cosmovisão andina. PAlAvrAs-chAve
Cosmovisão Andina, Iconografia Mochica, Semiótica em Arqueologia.
This article intends to emphasize the importance of the semiotic method for the archaeological studies in general. in order to show the relevance of this methodology, we present a case study based on the analysis of a Mochica artifact, which serves as basis for a complex iconography, closely related to the principles that form the basis of the andean cosmology. AbstrAct
Keywords
Andean Cosmology, Mochica iconography, Archaeological semiotics.
RHAA 14
21
Cássia Rodrigues Bars Robert Preucel, autor do livro Semiótica em Arqueologia,1 ressalta que a relação da arqueologia com a semiótica data do início dos anos 1960, com a introdução de conceitos provenientes do estruturalismo nos trabalhos de arqueólogos como André Leroi-gourhan, Annette Laming-emperàire e James deetz. em 1980, ian Hodder teria reintroduzido o estruturalismo na arqueologia, como base teórica das diversas posturas assumidas pelo pós-processualismo.2 entretanto, Preucel também destaca o fato notável de que, apesar destes exemplos, até os dias de hoje muito poucos arqueólogos se dedicaram à compreensão e aplicação da semiótica em seus trabalhos. “o termo semiótica não aparece em nenhuma das recentes revisões de métodos e teorias arqueológicas”.3 de forma geral, o fato de a semiótica não ser adotada como ferramenta metodológica por muitos arqueólogos não implica na inadequação da metodologia em si, mas sim no fato de que muitos a consideram “complexa” e por demais “filosófica”, e não compreendem como ela poderia ser aplicada no estudo da cultura material de forma clara. outro fator citado por Preucel4 seria o de que a semiótica, de forma geral, tende a tratar a cultura material, ou a iconografia, como um “texto”, fato que incomoda muitos arqueólogos processualistas, como Binford. em sua crítica à arqueologia contextual de Hodder, Binford afirma que:
Robert Preucel, author of Archaeological Semiotics,1 tells us that the relation between archaeology and semiotics dates back to the beginning of the nineteen sixties, with the introduction of concepts from structuralism, as seen in the works of archaeologists like André Leroi-gourhan, Annette Laming-emperàire and James deetz. in 1980, ian Hodder would reintroduce structuralism in archaeology as a theoretical base for the numerous approaches assumed by the post-processualism.2 However, Preucel also stresses the fact that, besides these examples, today very few archaeologists attempt to apply semiotics to their work. “The term ‘semiotics’ appears in none of the recent overviews of archaeological method and theory”.3 The fact that semiotics is not adopted as a methodological tool by many archaeologists is not due to the inadequacy of the methodology itself, but to the fact that many consider it “complex” or “too philosophical”, and do not understand how could it be applied to studies of material culture as a whole. Another point, discussed by Preucel,4 would be that semiotics, in general, tends to treat material culture, or iconography, as a “text”, an approach that does not please many processualists. Binford, in his critics to Hodder’s contextual archaeology, argues that: [...] if we adopt the procedures advocated by the ‘textual contextualists’, interpretation of the archaeological record is dependent upon adequate and sufficient knowledge of human nature linked to and interpretative art in order to recreate the ‘codes’ or ‘masked expressions’ of ancient power negotiations […] in short, we simply translate the inferred past into our contemporary view of ourselves.5
[...] ao adotarmos os procedimentos ditados pela arqueologia contextual, assumimos que a interpretação do registro arqueológico depende tanto de um conhecimento sólido e suficiente sobre a natureza humana, como de um ato interpretativo, a fim de que seja possível recriar os “códigos” ou as “expressões mascaradas” relacionadas às antigas esferas de negociações de poder [...] em resumo, nós simplesmente traduzimos o que inferimos sobre o passado para nossa visão contemporânea.5
PReuCeL, Robert, W. Archaeological Semiotics. oxford: Blackwell Publishing, 2006. 2 PReuCeL, Op. cit., p. 8-9. Preucel also calls the attention to the fact that Hodder considered not only structuralism, but the post-structuralist reviews, in the development of the post-processual concepts in general. 3 PReuCeL, Op. cit., p. 3. As an example, the author mentions the works of BiNTLiFF, J. (ed.). A Companion to Archaeology. oxford: Blackwell, 2004.; HoddeR, i. The Archaeological Process, an Introduction. oxford: Blackwell, 1999, and o’BRiAN et al. Archaeology as a Process. Processualism and its Progenety. salt Lake City: university of utah Press, 2005, among others. 4 PReuCeL, Op. cit., p. 3. 5 BiNFoRd, L. R. “data, relativism, and archaeological science”. Man, New Series, v. 22, n. 3, sept. 1987, p. 391-404. 1
PReuCeL, Robert, W. Archaeological Semiotics. oxford: Blackwell Publishing, 2006. 2 PReuCeL, Op. cit., p. 8-9. Preucel também chama a atenção para o fato de que Hodder considerou tanto o estruturalismo, como também incorporou as críticas pós-estruturalistas na elaboração dos preceitos do pós-processualismo de forma geral. 3 PReuCeL, Op. cit., p. 3. Como exemplo, o autor cita os trabalhos de BiNTLiFF, J. (ed.). A Companion to Archaeology. oxford: Blackwell, 2004; HoddeR, i. The Archaeological Process, an Introduction. oxford: Blackwell, 1999; o’BRiAN et al. Archaeology as a Process. Processualism and its Progenety. salt Lake City: university of utah Press, 2005, entre outros. 4 PReuCeL, Op. cit., p. 3. 5 BiNFoRd, L. R. “data, relativism, and archaeological science”. Man, New Series, v. 22, n. 3, set. 1987, p. 391-404. 1
22
RHAA 14
semiótica aplicada à Arqueologia other archaeologists, like Tilley,6 for instance, also do not consider that material culture presents itself as a “text”. However, for the author, its structure can be regarded as analogous. Therefore, considering this aspect, semiotics could be an excellent methodological tool for archaeology. For Preucel, archaeology itself could be considered as a “semiotic enterprise”, because “it must attend to the linkages between their theories, data and social practices in the pursuit of meaning”.7 semiotics can be applied to the analysis of material culture as a whole, since it aims to the study of the signs, and these could take the form of words, images, gestures or objects. deetz, for example, has relied on semiotics for the structural analysis of artifacts such as arrowheads, which would be manufactured according to a series of “rules” that would control the distribution of different attributes in the weapons. This attributes were treated as material units of significance, named by the author as “factemes” and “formemes”.8 This broad field of semiotic application in archaeology, however, is often restricted today to the analysis of artifacts or structures that serve as basis for complex iconographies. iconographic analyses in archaeology are extremely important to the understanding of many different social and cultural aspects. According to Flannery and Marcus, “when archaeologists use the term ‘iconography’, they are usually referring to an analysis of the way ancient peoples represented religious, political, ideological or cosmological objects or concepts in their art”.9 Therefore, the semiotic method is certainly today more common in the works of archaeologists that assume theoretical positions that tend to consider aspects linked to symbolic issues. Consequently, the most conspicuous approaches that take the use of semiotics into consideration can be linked to the works made by the so called post-processualists, as well by the followers of
TiLLeY, C. Material Culture and Text: The Art of Ambiguity. London: Routledge, 1991. 7 PReuCeL, Op. cit., p. 2. 8 deeTZ, J. Invitation to Archaeology. garden City, New York: The Natural History Press, 1967.; PReuCeL, Op. cit., p. 102. 9 FLANNeRY, K. V.; MARCus, J. “Cognitive Archaeology”. in: WHiTLeY, d. s. (ed.) Reader in Archaeological Theory. Post-Processual and Cognitive Approaches. London: Routledge, 1998, p. 35-48
Já arqueólogos como Tilley,6 por exemplo, também não consideram que a cultura material se apresente como um “texto”. entretanto, para o autor, ela se estrutura de maneira análoga. dentro desta perspectiva, a semiótica poderia se tornar uma excelente ferramenta metodológica. Para Preucel, a arqueologia em si já seria um “ato semiótico”, pois “necessariamente tem que manter conectados todos os elos que fazem permanecer unidos a teoria, os dados e as práticas sociais na busca dos significados”.7 A semiótica poderia ser aplicada à análise da cultura material como um todo, já que seus objetos de estudo, os signos, podem ser compreendidos como palavras, imagens, sons, gestos ou objetos. deetz, por exemplo, utilizou a semiótica na análise estrutural de artefatos, como pontas de flechas, os quais seriam fabricados de acordo com uma série de “regras” que governariam a distribuição de diferentes atributos às armas. estes atributos foram tratados como unidades materiais de significado, as quais ele denominou “factemas” e “formemas”.8 Apesar de seu amplo campo de aplicação, nos dias de hoje a semiótica geralmente é utilizada de forma mais consistente, na análise de artefatos ou estruturas que servem como base para iconografias complexas. A análise iconográfica em arqueologia é de extrema importância para a compreensão de diversos aspectos que envolvem a sociedade como um todo. segundo Flannery e Marcus, “quando os arqueólogos, de maneira geral, utilizam o termo ‘iconografia’, eles se referem a uma análise do modo como os povos antigos representavam conceitos ligados à religião, à política, à cosmologia ou a ideologias vigentes, através de sua arte”.9 sendo assim, hoje o método semiótico certamente é mais utilizado por arqueólogos que assumem posturas teóricas que tendem a considerar aspectos ligados a questões simbólicas. As principais abordagens que levam em conta o uso da semiótica em arqueologia são, portanto, provenientes de correntes pós-processualistas e da arqueologia cognitiva. estas abordagens, de uma forma ou de outra, procuram geralmente se apoiar nos trabalhos de Ferdinand de saussure e nas várias
6
TiLLeY, C. Material Culture and Text: The Art of Ambiguity. London: Routledge, 1991. 7 PReuCeL, Op. cit., p. 2. 8 deeTZ, J. Invitation to Archaeology. garden City, New York: The Natural History Press, 1967; PReuCeL, Op. cit., p. 102. 9 FLANNeRY, K. V.; MARCus, J. “Cognitive Archaeology”. in: WHiTLeY, d. s. (ed.) Reader in Archaeological Theory. Post-Processual and Cognitive Approaches. London: Routledge, 1998, p. 35-48. 6
RHAA 14
23
Cássia Rodrigues Bars revisões feitas por seus seguidores estruturalistas e pósestruturalistas.10 segundo saussure, considerado o “criador” da semiologia11 (ou semiótica), a semiótica é uma ciência que estuda o papel dos signos como parte integrante da vida social. Já para o filósofo Charles Peirce (criador do termo “semiótica”, hoje amplamente mais utilizado), ela é uma “doutrina formal dos signos”, que possui um funcionamento lógico e racional.12 A semiótica saussuriana é estreitamente associada às teorias de Lévi-strauss, e pode ser compreendida como uma metodologia que procurou construir uma ponte entre a antropologia e a linguística.13 enquanto Lévi-strauss buscava compreender as estruturas que permeavam a organização e formação dos mitos, dos sistemas de parentesco e do totemismo, saussure procurava desvendar as estruturas que sustentavam a organização dos signos entre si. Ao longo do tempo, podemos dizer que os estudiosos de semiótica passaram a trabalhar com correntes teóricometodológicas que, de maneira geral, podem ser subdivididas em duas grandes tendências, conhecidas como semióticas “dura” e “suave”. segundo Barthes,14 a “semiótica dura” tem como base o conceito estruturalista de “pares de opostos” proposto por Lévi-strauss. sua metodologia de análise se baseia na montagem de quadros comparativos nos quais estes “pares de opostos” são dispostos e discutidos. Por vezes, estes quadros de análise eram baseados em modelos matemáticos e atingiam um alto grau de complexidade. esta “complexidade” tornava a “semiótica dura” desinteressante a diversas disciplinas, incluindo a arqueologia. A “semiótica suave”, por sua vez, surgiu como uma alternativa aos modelos ditados pela “semiótica dura”. No lugar de seus quadros de análise e das complexas descrições que os seguiam, a “semiótica suave” propunha a produção de um texto. “A única forma de comentar uma imagem é criar um texto PReuCeL, Op. cit., p. 3. 11 segundo saussure, o termo “semiologia” deriva do grego (semeîon), ou “signo”, e seria relativo à investigação da natureza dos signos e das leis que os governam. sAussuRe, F. (1916). Course in General Linguistics. London: Fontana/Collins, 1974, p. 16. 12 PeiRCe, Charles sanders. Collected Writings (8 Vols.). ed. Charles Hartshorne, Paul Weiss & Arthur W Burks. Cambridge, MA: Harvard university Press, 1931, p. 58. 13 A linguística, segundo saussure, constitui um “ramo” da semiótica. sAussuRe, Op. cit. 14 BARTHes, Roland. Système de la Mode. Paris: seuil, 1957. 10
24
RHAA 14
cognitive archaeology. such approaches, in their own ways, generally are supported by the theories of Ferdinand de saussure, as well as by the many reviews of his work made by his structuralist and post-structuralist followers.10 According to saussure, considered the “father” of semiology11 (or semiotics), this would be a science that studies the role of the signs as part of social life. For the philosopher Charles Peirce (responsible for the creation of the term “semiotics”), it would be a “formal doctrine of the signs”, that functions in a logical and rational manner.12 saussurian semiotics is strictly associated to the theories of Lévi-strauss, and can be understood as a methodology that intends to build a bridge between anthropology and linguistics.13 Alongside Lévi-strauss, that sought to understand the structures behind the configuration of myths, kinship systems and totemism, saussure sought to make clear the structures that sustain the organization of the signs in a discourse. Along its history, we could say that the semiotitians developed their works supported by theoretical-methodological positions that, in general, could be subdivided into two broad tendencies, known as “hard” and “soft” semiotics. According to Barthes,14 “hard semiotics” is based on the structuralist concept of the “pairs of opposites”, as proposed by Lévi-strauss. its methodology is based on the creation of comparative schemes, in which these “pairs of opposites” are placed and discussed. These schemes could be based on mathematical models and achieve a high degree of complexity. such “complexity” made the “hard semiotics” unattractive to several disciplines, including archaeology. “soft semiotics” appeared as an alternative to the models of inference dictated by the “hard semiotics”. in the place of the mathematical schemes, and the complex descriptions that followed, “soft semiotics” advised the production
PReuCeL, Op. cit., p. 3. According to saussure, the term “semiology” derives from the greek (semeîon), or “sign”, and is related to the investigation of the nature of the signs and of the laws that govern them. (sAussuRe, F. (1916). Course in General Linguistics. London: Fontana/Collins, 1974, p. 16). 12 PeiRCe, Charles sanders. Collected Writings (8 Vols.). ed. Charles Hartshorne, Paul Weiss & Arthur W Burks. Cambridge, MA: Harvard university Press, 1931, p. 58 13 Linguistics, according to saussure, should be considered a “branch” of semiotics. sAussuRe, Op. cit. 14 BARTHes, Roland. Système de la Mode. Paris: seuil, 1957. 10 11
semiótica aplicada à Arqueologia of a text. “ The only way to comment an image is to produce a text about it”.15 generally, this is the most common method applied to semiotic analyses in archaeology. According to Flannery and Marcus, when a previous knowledge about cosmology, religion, or ideological aspects of an ancient society is available (for example through history or ethnohistory), it is possible to achieve “truly scientific” iconographic studies.16 Specifically in relation to Andean archaeology, semiotics can rely on the knowledge about the cosmovision of these peoples, which allows us a better understanding of the context in which the images were created.17 The great cultural area known as “Andes” was the home of several societies that grew and developed during the pre-Columbian period. Besides the particularities inherent to each of them, there are some fundamental concepts shared by them. The combination of these concepts forms the basis of the “Andean cosmovision”. such fundamental concepts can be related to the relations among man, nature, and the invisible or supranatural forces.18 Knowledge about these concepts19 allows the iconographic studies to be coherent, in the sense that it is expected that one affirmation made for an isolated representation, parts of it, or a group of them, should be sustained and repeated in other similar situations. This would allow us to “read” the image, and to clarify the structural patterns that compose one or more images.20
BARTHes apud geRVeRAu, Laurent. Ver, Compreender, Analisar as Imagens. Lisboa: edições 70, 2004. 16 FLANNeRY, K.V.; MARCus, J., Op. cit., p. 43. 17 doNNAN, C. Moche Art and Iconography. Los Angeles: university of California, Latin American studies Publications, 1976; BouRgeT, s. Bestiaire Sacré et Flore Magique: Écologie Rituelle de Líconographie de la Culture Mochica, Côte Nord du Peru. Montreal: université de Móntreal- departemant d’Antrhopologie, Faculté des Arts et sciences, 1994. Tese (doutorado); goLTe, J. “Construcción de sentido en una cosmovisión o novela policíaca: la secuencia del entierro en la iconografía”. in: XiX Reunión anual de etnologia (Anales de la reunión anual de etnología): La Paz: Museo Nacional de etnografía y Folklore. MuseF, p. 757-806, 2006. 15
18 BRodA, J. “introducción”. in: BRodA, J.; BAÉZJoRge, F. Cosmovisión, Ritual e identidad de los pueblos Indígenas de México. México d.F: Fondo de Cultura económica, 2001, p. 15-45
The main sources of knowledge about the Andean cosmovision can be related to the literature produced during the period of the contact with the western world, as well as to ethnographic studies in general, since aspects of the Andean cosmovision can be noted in the material production of several Andean contemporary societies. 20 goLTe, J., Op. cit., p. 800. 19
sobre ela”.15 geralmente este é o método mais utilizado quando são aplicadas análises semióticas em arqueologia. segundo Flannery & Marcus, nos casos nos quais é atestado um conhecimento prévio sobre a cosmologia, a religião, ou aspectos ideológicos de uma sociedade antiga (por meio da história ou da etno-história, por exemplo), é possível a realização de estudos iconográficos “verdadeiramente científicos”.16 Especificamente em relação à arqueologia da área andina, a semiótica tem como aliados os conhecimentos acerca da cosmovisão destes povos, os quais permitem uma melhor compreensão dos contextos de construção das imagens.17 A grande área cultural conhecida como “Andes” abrigou diversas sociedades que tiveram seu desenvolvimento e ápice no chamado período pré-colombiano. Apesar das particularidades inerentes a cada uma delas, existem alguns conceitos fundamentais por elas partilhados, que nos permitem falar em termos de uma “cosmovisão andina”. estes conceitos fundamentais formam a base dos modos de relação entre o homem, a natureza e as forças invisíveis ou supranaturais.18 Conhecimentos acerca destes conceitos19 permitem que haja coerência no estudo da iconografia andina como um todo, no sentido de que se espera que uma afirmação feita para uma única representação, parte dela, ou conjunto delas, deva se sustentar e se repetir em outras situações semelhantes, possibilitando assim a realização de uma “leitura” da imagem, ou a compreensão de seus padrões estruturais.20 Para que haja a compreensão das estruturas internas que formam uma imagem ou um conjunto delas, é necessário BARTHes apud geRVeRAu, Laurent. Ver, Compreender, Analisar as Imagens. Lisboa: edições 70, 2004. 16 FLANNeRY, K. V.; MARCus, J., Op. cit., p. 43. 17 doNNAN, C. Moche Art and Iconography. Los Angeles: university of California, Latin American studies Publications, 1976; BouRgeT, s. Bestiaire Sacré et Flore Magique: Écologie Rituelle de Liconographie de la Culture Mochica, Côte Nord du Peru. Montréal: université de Montréal – départemant d’Antrhopologie, Faculté des Arts et sciences, 1994. Tese (doutorado); goLTe, J. “Construcción de sentido en una cosmovisión o novela policíaca: la secuencia del entierro en la iconografía”. in: XiX Reunión anual de etnologia (Anales de la reunión anual de etnología): La Paz: Museo Nacional de etnografía y Folklore. MuseF, p. 757-806, 2006. 18 BRodA, J. “introducción”. in: BRodA, J.; BAÉZ-JoRge, F. Cosmovisión, Ritual e identidad de los pueblos Indígenas de México. México d.F: Fondo de Cultura económica, 2001, p. 15-45. 19 As principais fontes de conhecimento sobre a cosmovisão andina provêm tanto da literatura produzida na época do contato, como os códices, como de estudos etnográficos em geral, já que, de certo modo, aspectos da cosmovisão andina podem ainda ser notados na produção material de diversas sociedades que hoje habitam a área. 20 goLTe, J., Op. cit., p. 800. 15
RHAA 14
25
Cássia Rodrigues Bars que se esclareçam, em primeiro lugar, os mecanismos de relacionamento entre suas unidades mínimas de significação. Estas unidades, ou sememas, possuem por si só significados próprios. Em conjunto, porém, formam um certo número de sintagmas (combinações de sememas) e fornecem informações de como a imagem deve ser “lida”, e de seus sentidos de “leitura”. informalmente, podemos dizer que a combinação dos sememas forma uma “frase”, ou um “texto” que pode ser compreendido até certo ponto. Para a arqueologia, é também de suma importância que a leitura destas imagens leve a uma compreensão do papel dos símbolos, ou dos sistemas simbólicos, em seu contexto social, e como seus mecanismos de funcionamento proporcionam a manutenção e a construção de padrões sociais e ideologias. segundo Renfrew,21 talvez esteja muito distante do alcance do arqueólogo a compreensão total dos significados a partir de uma leitura iconográfica. Entretanto, é possível compreender como os sistemas simbólicos vêm a existir e atuar dentro de um contexto específico; ou seja, nas palavras de Sturrock, compreender como “como os signos significam”.22 A base do método geralmente aplicado nos estudos iconográficos relacionados à área andina consiste na análise do “todo” que compõe uma dada representação, além da consideração do papel representado por cada um de seus respectivos sememas.23 segundo Ana Cláudia oliveira [...] o olhar vai e vem nessa perspectiva de ver o todo a partir das partes que o compõem e vice-versa [...] esse “o que” da imagem que o semioticista quer tornar visível são os processos de estruturação de seu todo a partir da compreensão das unidades... e do modo como estas são arranjadas na sua manifestação textual [...] (ou seja) o semioticista parte da obra iconográfica para, pelo verbal, delinear a cadeia de procedimentos constituintes da obra.24
Conforme comentado, as abordagens semióticas em arqueologia tendem a seguir uma linha saussuriana. Tal fato também se reflete na área andina. Pesquisadores como Golte, por exemplo, se baseiam fortemente nas ideias de saussure na medida em que dão grande ênfase aos conceitos de “pares de opostos” em suas análises. o conceito dos “pares de opostos”
To reach the understanding of the internal structures that form an image or a group of them, it is necessary to clarify the mechanisms of relationship among its minimal units of significance. These units, or sememes, carry their own specific meanings. In group, although, they can form a certain number of sintagms (combinations of sememes), and provide us information of how the image should be “read”. one could say that the combinations of sememes form a “sentence”, or a “text” that could be read and understood to some extent. it is extremely important to notice that, for archaeology, the reading of these images should also allow a better understanding of the role of the symbols, or the symbolic systems, in their social context, as well as how its mechanisms of functioning favor the maintenance and the construction of social patterns and ideologies. According to Renfrew,21 perhaps it is impossible for the archaeologist to understand completely the meanings of the symbols through an iconographic analysis. However, it is possible to understand how the symbolic systems come to exist and act inside a specific context. In the words of Sturrock, to understand “how the signs signify”.22 The basis of the methodology commonly applied to the iconographic studies related to the Andean area consists in the analysis of the “whole” that composes an image, in addition to the consideration of the role played by each of its respective sememes.23 According to Ana Cláudia oliveira [...] the gaze comes and goes in this perspective of seeing the whole from its minimal parts and vice-versa... what the semiotitian seeks to make visible are the processes of structuring of its whole, starting from the understanding of its units [...] and how such units are arranged in its textual manifestation [...] the semiotitian starts from the iconographic image to, through verbalization, delimitate the chain of procedures that forms the representation.24
As mentioned before, the semiotic approaches in archaeology tend to follow saussure. This is also true for the Andean area. Researchers as golte, for instance, rely on saussurian premises
ReNFReW, C.; BAHN, P. Archaeology – Theories, Methods and Practice, London: Thames & Hudson Ltd, 1991, p. 391. 22 sTuRRoCK, J. Structuralism. London: Paladin, 1986, p. 22. 23 doNNAN, C., Op. cit.; BouRgeT, s., Op. cit.; goLTe, J., Op. cit. 24 oLiVeiRA, A. C. (org.). Semiótica Plástica. são Paulo: Hacker editores, 2004, p. 116. 21
21 ReNFReW, C.; BAHN, P. Archaeology – Theories, Methods and Practice. London: Thames & Hudson Ltd., 1991, p. 391. 22 sTuRRoCK, J. Structuralism. London: Paladin,1986, p. 22. 23 doNNAN, C., Op. cit.; BouRgeT, s., Op. cit.; goLTe, J., Op. cit. 24 oLiVeiRA, A. C. (org.). Semiótica Plástica. são Paulo: Hacker editores, 2004, p. 116.
26
RHAA 14
semiótica aplicada à Arqueologia when emphasizes concepts like the “pairs of opposites” in his analyses. The concept of the “pairs of opposites” is broadly used in such cases, mostly because it seems to “fit” perfectly to numerous “pair” concepts that are inherent to the Andean cosmovision as a whole. The concepts of hanan (above) and hurin (below), for example, were used as parameters for questions associated to hierarchic organization, time, life and death.25 To hanan ideas of life, order and light were associated. on the other hand, were connected to hurin ideas such as death, disorder and darkness. Although apparently “opposites”, concepts like hanan and hurin cannot be understood as binary “fixed” oppositions. The “pairs of opposites” should be understood as in permanent movement, as everything else in the universe. Life and death, for example, cannot be understood simply as “opposites”. The passage from life to death is a transition that would have been initiated with the natural process of ageing. Viveiros de Castro analyzed the Amerindian mentality in his work “A Inconstância da Alma Selvagem”,26 and proposed the perspectivism as an alternative to structuralism, and its organization of the world in “pairs of opposites” that would carry a “fixed” meaning. According to the anthropologist, the Amerindian mentality does not apprehend the world through unchangeable concepts. each meaning could be reinterpreted according to the situation. “From the point of view of the spirits, humans and spirits share essential aspects; from the point of view of the animals, humans and spirits may be the same. There is, therefore, duality; but it is only the reduction of a richer structure”.27 Perspectivism can also be applied to the Andean case. golte, for instance, relies on the idea of the “pairs of opposites”, but at the same time, generally ends up concluding the inconsistency of the attempt to understand them in an inflexible manner. About the “pair of opposites” female/ male, golte wrote: “each complementary half is subdivided again into two subparts, feminine and masculine.28 Therefore, to base any Andean iconographic analysis only on
ARCuRi, M. et al. Por Ti América: Arte Pré-Colombiana. Rio de Janeiro: Pancron, 2005, p.56 26 ViVeiRos de CAsTRo, e. A Inconstância da Alma Selvagem e Outros Ensaios de Antropologia. são Paulo: Cosac & Naify, 2002. 27 ViVeiRos de CAsTRo, e., Op. cit., p. 85. 28 goLTe, Jürgen. “un universo oculto”. Baessler-Archiv. – Berlin. N.F. N. 52, p. 125-174, 2004, p.144. 25
é bastante utilizado nestes casos, pois parece se “encaixar” perfeitamente a diversos conceitos “pares” que permeiam a cosmovisão andina como um todo. os conceitos de hanan (acima) e hurin (abaixo), por exemplo, eram utilizados como parâmetro para questões como a organização hierárquica, o tempo, a vida e a morte.25 A hanan associavam-se ideias de vida, ordem e luz, enquanto que a hurin, eram ligadas as ideias de morte, desordem e trevas. Apesar de aparentemente “opostos”, conceitos como os de hanan e hurin não traduzem uma oposição binária “fixa”. A mentalidade andina compreende os “pares de opostos” ou a “dualidade” como em perpétuo movimento, assim como tudo o que há no universo. A “morte” e a “vida”, por exemplo, não podem ser compreendidas como “opostas” simplesmente. A passagem da vida para a morte é uma transição, que teria sido iniciada com o processo natural de envelhecimento. Ao analisar o pensamento ameríndio na obra “A Inconstância da Alma Selvagem”,26 Viveiros de Castro propõe o perspectivismo como alternativa ao estruturalismo e sua organização do mundo em pares de opostos de “significados fixos”. Segundo o antropólogo, a mentalidade ameríndia não compreende o mundo por meio de conceitos pares imutáveis. Cada significado estaria sujeito a uma nova interpretação, de acordo com o ponto de vista adotado. “do ponto de vista dos espíritos, humanos e animais comungam aspectos essenciais; do ponto de vista dos animais, humanos e espíritos quiçá sejam a mesma coisa. Há, portanto, talvez, dualidade; mas ela seria apenas a redução de uma estrutura mais rica.”27 Podemos transpor o perspectivismo também para o caso andino. o próprio golte, por exemplo, ao mesmo tempo em que trabalha com a noção de “pares de opostos”, geralmente acaba por concluir a inconsistência da tentativa de aplicar o conceito de forma rígida. Sobre o par de “significados fixos” feminino/ masculino, golte escreveu: “Cada metade complementar, por sua vez, é subdividida novamente em duas subpartes femininas e masculinas”.28 Desta forma, basear uma análise iconográfica somente sobre a questão da “dualidade” seria, assim como apontou Viveiros de Castro, uma “redução” de uma estrutura ARCuRi, M. et al. Por Ti América: Arte Pré-Colombiana. Rio de Janeiro: Pancron, 2005, p. 56. 26 ViVeiRos de CAsTRo, e. A Inconstância da Alma Selvagem e Outros Ensaios de Antropologia. são Paulo: Cosac & Naify, 2002. 27 ViVeiRos de CAsTRo, e., Op. cit., p. 85. 28 goLTe, Jürgen. “un universo oculto”. Baessler-Archiv. – Berlin. N.F. N. 52, p. 125-174, 2004, p. 144. 25
RHAA 14
27
Cássia Rodrigues Bars complexa. Não só o pensamento andino em geral se baseia no “dual”, mas exprime também a constante dinâmica do movimento que rege o funcionamento do universo, baseado em mecanismos cíclicos e lineares.
Estudo de Caso: Análise de um Artefato Mochica A cultura mochica (ou “moche”) se desenvolveu na costa norte peruana durante o chamado “Período Médio” (aproximadamente entre 100 a.C. e 800 d.C.). A iconografia presente em seus artefatos e estruturas arquitetônicas traduz, de modo geral, diversos conceitos fundamentais presentes na cosmovisão andina. o artefato escolhido para a análise consiste em um vaso escultórico cerâmico de alça estribo (Figuras 1 e 2) pertencente à coleção do Museu Arqueológico Rafael Larco Herrera, em Lima. A peça foi escolhida, dentre a vasta coleção mochica do museu, por apresentar uma quantidade significativa de sememas que permitem que seja feita uma análise profunda sobre diversos preceitos presentes na cosmovisão andina como um todo.29 Como é possível observar nas Figuras 1 e 2,30 o artefato consiste na imagem de um personagem masculino, ajoelhado, em uma postura aparentemente relaxada, tendo as mãos pousadas sobre as pernas. seu corpo está nu, desprovido de qualquer adorno, a não ser pela complexa pintura corporal. sua calma expressão facial contrasta com a condição atestada pela corda amarrada em seu pescoço, semema que indica seu destino como vítima sacrificial. o personagem em questão representa, certamente, um “guerreiro”. imagens de “guerreiros” são muito comuns na iconografia mochica. Geralmente, quando representados de forma tridimensional, assumem a mesma posição ajoelhada vista no artefato em questão. A vasta quantidade de representações 29 infelizmente, não há informação sobre o contexto arqueológico do achado. Apenas parte da coleção do museu foi formada por meio de achados em escavações realizadas por Larco Hoyle na primeira metade do século passado. A maioria dos artefatos do acervo é proveniente de diversas coleções particulares, adquiridas por Rafael Larco Herrera ao longo de sua vida. desta forma, pouquíssimas peças apresentam dados quanto ao contexto ou sítio de origem. 30 o desenho da peça foi concebido de modo a enfatizar apenas as linhas principais dos contornos escultóricos e da pintura bidimensional presentes no artefato original. geralmente, o padrão de desenho para peças arqueológicas inclui a representação de texturas, volumes e luminosidade, por meio de técnicas como a do pontilhismo (CoNNANT BRodRiBB, A.C. Drawing archaeological finds. New York: Association Press, 1971). entretanto, nesse caso, a representação de tais feições iria comprometer a visualização da complexa pintura bidimensional em análise.
28
RHAA 14
the concept of binary “fixed” concepts would be, as pointed out by Viveiros de Castro, a “reduction” of a far more complex structure. The Andean thinking, in general, is based on the “duality”, but this duality maintains, and is maintained, by the dynamic movement that governs the functioning of the universe, based upon the configuration of cyclic and linear mechanisms. A Case Study: The Analysis of a Mochica Artifact Mochica culture (also known as “Moche”) came to existence and had its development in the Peruvian north coast during the “Medium Period” (aprox. 100 B.C. - 800 A.d.). The iconography found in its artifacts and architectural structures expresses, in general, numerous fundamental concepts related to the Andean cosmovision. The artifact chosen for this analysis consists in a vasesculpture that belongs to the collection of the Museu Arqueológico Rafael Larco Herrera, located in Lima (Figures 1 e 2). The object was chosen, among many others of this vast collection, because of the significant quantity of sememes present in its iconographic representation, which allows a sound analysis on numerous concepts that can be related to the Andean cosmovision as a whole.29 As it can be seen in Figures 1 and 2,30 the artifact consists in the image of a male character, seated cross-legged, in an apparently relaxed posture, with his hands over his legs. He is naked, and the only thing that covers part of his body is a complex body painting. His calm expression contrasts with the condition attested by the rope around his neck, a sememe that indicates his destiny as a sacrificial victim.
29 unfortunately, there is no information about the archaeological context of this object. only part of the collection of the museum can be related to archaeological excavations carried out by Larco Hoyle, in the first half of the last century. Most artifacts come from numerous private collections, bought buy Rafael Larco Herrera. Therefore, context or origin information can be found only in the description of very few objects. 30 The drawing of the artifact was designed to emphasize only the main lines of the sculptural contours and of the two dimensional graphic representations found in the original artifact. generally, archaeological drawings of artifacts include the representation of textures, volumes and luminosity (CoNNANT BRodRiBB, A.C. Drawing archaeological finds. New York: Association Press, 1971). However, in this case the representation of such features would compromise the visualization of the complex painting that will be analyzed in detail.
semiótica aplicada à Arqueologia The character here represents, certainly, a “warrior”. images of “warriors” are very common in Mochica iconography. generally, when represented three dimensionally, they assume the same position as seen in the artifact here in analysis. The vast quantity of two dimensional representations of these characters, however, allows us to see these “warriors” in various complex scenes. such scenes form a narrative expressed in several ceramic vases that apparently portrait a series of connected rituals. Such rituals would culminate in the final sacrifice of the prisoners, all defeated in a “ritual battle”. According to the iconographic analyses of the archaeologist Jaime Castillo,31 the “ritual battle” would be fought by Mochica warriors, distinctly dressed, carrying symbols of high status.32 The combats were performed in pairs, and the defeated warrior would have his garments and jewelry taken away. He would be completely naked and tied up with ropes around the neck and hands, and would be carried, in a kind of parade, to the place of the sacrifice. The cross-legged posture is used to portray a great number of characters in Mochica iconography, ranging from images of great chiefs, to his closest “helpers”, warriors and priests. Workers, when represented performing their normal tasks, can also be portrayed in the same manner. even supranatural beings, like the “main deity” Ai Apaec, are occasionally represented assuming this position.33 To be cross-legged, therefore, indicates dignity. This is a representation of a warrior, a member of a privileged social class, who assumes a posture and a facial expression of calm and restraint, knowing that death is ahead of him. The very image of the warrior as a whole would represent a “pair of opposites” or the “duality” life/death. However, as pointed out, death cannot be reduced to a mere opposition in relation to life. death is a transition, a change of state, for this warrior will assume a new form in the infraworld (or “world of the dead”). The blood that flows
CAsTiLLo B. L. J. “La Cerimônia del sacrifício – Batalla y Muerte el Arte Mochica”. Catalogue of the exposition. Museu Arqueológico Rafael Larco Herrera, Feb to Aug 2000. Lima, 2000. 32 in rare occasions, the “enemies” portrayed in battle scenes can be considered “foreigners”. 33 Scenes known as “the sacrifice on the mountain” generally depict a cross-legged Ai Apaec watching the sacrifice being performed in his honor. 31
bidimensionais, entretanto, nos permite avistar esses guerreiros em meio a inúmeras cenas de temática complexa. Estas cenas, as quais estes “guerreiros” protagonizam, formam uma espécie de narrativa, exposta em diversos vasos cerâmicos, que retratam aparentemente uma série de rituais conectados entre si, cujo ápice seria o sacrifício final de prisioneiros, derrotados em uma “batalha ritual”. Segundo as análises iconográficas do arqueólogo Jaime Castillo,31 esta “batalha ritual” seria travada por guerreiros mochicas, ricamente vestidos e ornados com símbolos de alto status.32 estes combates eram realizados em pares, e o guerreiro derrotado seria destituído de suas ricas vestimentas e levado nu e amarrado, com cordas no pescoço e nas mãos, em uma espécie de procissão até o local do sacrifício. A postura ajoelhada é utilizada para retratar inúmeros personagens da iconografia mochica, desde grandes chefes, até seus “ajudantes” mais próximos, guerreiros e sacerdotisas. Trabalhadores, quando retratados em seus ofícios, também podem ser representados ajoelhados. Mesmo seres supranaturais, como a “divindade principal” Ai Apaec, são ocasionalmente também retratados desta forma.33 estar ajoelhado, portanto, denota dignidade. esta é uma representação de um guerreiro, membro de uma classe social privilegiada, que assume uma postura e uma feição facial de calma e compostura diante da morte iminente. Pode-se dizer que a própria imagem do guerreiro como um todo representaria um “par de opostos”, ou a “dualidade” morte-vida. entretanto, como comentado, a morte não pode ser reduzida a uma mera oposição em relação à vida. A morte é uma transição, uma mudança de estado, pois este guerreiro assumirá uma nova forma no inframundo (ou “mundo dos mortos”). o sangue derramado em seu sacrifício servirá à fertilidade da terra e assegurará a continuidade da vida. A própria postura assumida pelo guerreiro demonstra que a morte não deve ser compreendida imediatamente como um mal. ela serve ao restabelecimento da vida. CAsTiLLo B. L. J. “La Cerimónia del sacrifício – Batalla y Muerte el Arte Mochica”. Catálogo para exposição de mesmo nome. Museu Arqueológico Rafael Larco Herrera, Fevereiro a Agosto de 2000. Lima, 2000. 32 Raramente se encontra uma cena de batalha ritual na qual os “inimigos” são retratados como pertencentes a povos estrangeiros. 33 Cenas conhecidas como “o sacrifício da montanha” geralmente trazem a imagem de Ai Apaec em postura ajoelhada, observando a cena do sacrifício realizado em sua honra. 31
RHAA 14
29
Cássia Rodrigues Bars o corpo do guerreiro está repleto de sememas de significados complexos, que transmitem todo um conjunto de pensamentos sobre a interação dos pisos ecológicos e sobre os ciclos de vida e de morte. John Rowe,34 estudioso da iconografia chavín, denominou de “kennings” sememas semelhantes, que atuam de forma “metafórica”. derivado da poesia nórdica medieval, o termo expressa o uso de determinadas palavras que funcionariam como metáforas para ideias complexas, e que só seriam compreendidas por aqueles que pertenciam a um grupo seleto. Por exemplo, o termo “sea” poderia substituir a ideia de uma área ocupada por focas (“the seal’s field”). Rowe afirmava que as representações chavín empregavam uma técnica semelhante, apenas com a diferença de se utilizar de imagens em vez de palavras. dentre os sememas “metafóricos” representados sobre os braços do guerreiro estão as “volutas”, as “volutas escalonadas”, a “rede” e o “zigue-zague”.
o semema da “voluta”, indicado na Figura 3 pelos números 3 e 4, é a própria imagem do “tempo cíclico”, da movimentação dinâmica e da transformação. Já a “voluta escalonada” (Figura 3, número 1), é na realidade, composta pela combinação de dois sememas: o do “escalonado” e o da “voluta”. o escalonado, representado pelas linhas retas em forma de degraus, exprime ideias ligadas tanto à questão sacrificial, como às relações entre os diferentes pisos ecológicos andinos. As diferenças extremas de altitude na área andina criaram zonas com características distintas, que iam desde a costa desértica aos vales férteis, conhecidos como lomas, aos altos picos das montanhas e à região da selva. Cada um destes
from his sacrifice will assure the fertility of the earth, and reassure the continuity of life. The very own posture assumed by the warrior shows that death should not be understood as an unfortunate event. it serves the continuity of life. The body of the warrior is full of sememes that carry complex meanings related to the interaction of the different ecological zones of the Andes, and to the circles of life and death. John Rowe,34 when studying Chavin iconography, found similar sememes. He called them “kennings”. The term, that derives from medieval Nordic poetry, expresses the use of certain words that would function as metaphors for complex ideas, and could only be understood by the ones that belong to a selected group. For example, the term “sea” could replace the idea of an area occupied by seals (“the seal´s field”). Rowe says that Chavin representations would made use of a similar technique; the only difference would be the use of images instead of words. Among the “metaphorical” sememes represented over the arms of the warrior are the “volutes”, the “stepped volutes”, the “net” and the “zigzag”. The sacrifices, in the Andean world, were made under the perspective that death would provide a dynamic transformation that would allow new births. such transformations were regulated, according to the cosmovision, by a linear and a cyclic time. The linear time indicated the end of a period. The human “form” of the warrior would cease to exist. His “soul” or “spirit” would initiate a new “life” in the infraworld. The cyclic time indicated that the sacrificial blood would penetrate the earth, fertilizing it and maintaining “life” and “death” in endless movement. The sacrifices would act as a control mechanism for the maintenance of the perfect functioning of the universe, guaranteeing that both times, linear and cyclic, would maintain balance. The sememe of the “volute” (indicated in Figure 3 by the numbers 3 and 4), is the very own image of the “cyclic time”, of the dynamic movement of the transformations. The “stepped volute” (Figure 3, number 1), is in reality composed by the combination of two sememes: the “stepped motif ” and the “volute”. The “stepped motif ”, represented by the straight lines in the form of steps, depicts ideas related to the sacrifice, but also indicates the relations among the main ecological zones of the Andes. The differences among the
34 RoWe, J. H. Chavín Art: An Inquiry into its Form and Meaning. New York: Museum of Primitive Art, 1962.
34 RoWe, J. H. Chavín Art: An Inquiry into its Form and Meaning. New York: Museum of Primitive Art, 1962.
os sacrifícios, no mundo andino, eram realizados sob a perspectiva de que a morte promoveria uma transformação dinâmica que permitiria novos nascimentos. estas transformações eram reguladas, segundo preceitos da cosmovisão, por um tempo linear e um tempo cíclico. o tempo linear indicava o final de uma etapa. A forma “humana” do guerreiro deixaria de existir. sua “alma” ou “espírito” iniciaria uma nova etapa, uma nova “vida” no inframundo. o tempo cíclico indicava que o sangue sacrificial penetraria na terra e a fecundaria, mantendo a “morte” e a “vida” em perpétuo movimento. os sacrifícios atuariam como um mecanismo de controle e manutenção do bom funcionamento do universo, a fim de garantir que ambos os tempos, linear e cíclico, permanecessem em equilíbrio.
30
RHAA 14
semiótica aplicada à Arqueologia extreme altitudes in the Andean area propitiate ecological zones with very distinct characteristics, ranging from the desert coast, to the fertile valleys known as lomas, the high peaks of the mountains, and the forest regions located at east. each one of these environments would favor a certain type of agricultural practice, herding, and exploration of natural resources. Therefore, it was crucial for the population of any of these regions to establish commercial contacts with groups that inhabited different ecological zones. This peculiar geography, and these relations among the groups, were perceived as “vertical” (hanan/ hurin); the different ecological zones were represented by the steps of the “stepped motif ”. The architecture of the pyramids reflects, in its own way of construction, the “stepped motif ”. According to archaeological excavations,35 and to the Mochica iconography, in the tops of the pyramids and mountains sacrifices were performed. The symbol of the “stepped volute” represents, therefore, the maintenance of the cyclic time (and consequently, the linear time as well) through such rituals. in an analogous manner, it also expresses the dynamic movement of the transformations of the universe, and the movement of the above and the below (hanan/hurin), that could be inverted according to the point of view adopted. The universe is not a static environment, as indicated by the movement of the skies. The moon “rises” every night to the “world of the above”, at the same time that the sun goes down to the infraworld, inverting, in a cyclic manner, their positions. From the point of view of the inhabitants of the infraworld, “the above is the below, and the below is the above”, all is inverted. over the chest of the warrior, an inverted stepped pyramid is represented. it is depicted like this because the rope in the neck of the warrior indicates that soon this would be the point of view assumed by him. The “movement” itself is also expressed by the constant cadency of the lines that form the sememe of the “zigzag” (Figure 3, number 5). in many Mochica representations the zigzag is used as indicator of a “way to be followed”, generally from a lower point (represented by the basis of the ceramic vessel) till the top of a pyramid or mountain.
ALVA, W. Tesouros do Senhor de Sipán, Peru – O Esplendor da Cultura Mochica. são Paulo: stilgraf, 2006; BouRgeT, S. “Rituals of Sacrifice: its Practice at Huaca de la Luna and its Representation in Moche iconography”. in: PiLLsBuRY, (ed.). Moche Art and Archaeology in Ancient Peru. Washington: National gallery of Art, Washington, 1999, p. 111-125.
ambientes ecológicos propiciava um certo tipo de cultivo, de criação animal e de riquezas naturais. deste modo, era fundamental para a população de qualquer uma dessas regiões, que fossem estabelecidos contatos comerciais com grupos de ambientes ecológicos diferenciados. Esta geografia e estas relações eram percebidas como “verticais” (hanan/hurin); os diversos pisos ecológicos eram representados pelos degraus do escalonado. A arquitetura das pirâmides mochicas reflete, em seu próprio modo de construção, o escalonamento. segundo indicam escavações arqueológicas35 e a própria iconografia, tanto no topo das pirâmides como no das montanhas eram realizados sacrifícios. o símbolo da “voluta escalonada” representa, portanto, a manutenção do tempo cíclico (e por consequência, também do linear) por meio destes rituais. da mesma forma, está imbuído também em sua imagem a questão do movimento dinâmico das transformações do universo, e o movimento do acima e do abaixo (hanan/hurin), que pode se inverter de acordo com o ponto de vista adotado. o universo não se apresenta como um ambiente estático, como indica a própria movimentação do céu. A Lua sobe ao “mundo de cima” todas as noites, assim como o sol desce ao inframundo, invertendo, ciclicamente, suas posições. do ponto de vista dos habitantes do inframundo, “o acima é o abaixo, e o abaixo é o acima”, tudo está invertido. sobre o peito do guerreiro está representada uma pirâmide escalonada invertida, pois a corda em seu pescoço indica que em breve esta será a sua visão. A questão do “movimento” em si é também expressa pela cadência constante das linhas do semema do “zigue-zague” (Figura 3, número 5). Em muitas representações mochicas, o zigue-zague é utilizado como indicação de um “caminho a ser seguido”, geralmente de um local mais baixo (representado pela base do vaso cerâmico) até o topo de uma pirâmide ou montanha. Já o semema da “rede” (Figura 3, número 2) está relacionado com a cerimônia da “caça ao veado”. Recentemente, foi localizada uma das mais antigas cenas desse tipo em uma das paredes de um cômodo no interior da Huaca Ventarrón, em um contexto cerimonial datado em aproximadamente quatro
35
35 ALVA, W. Tesouros do Senhor de Sipán, Peru – O Esplendor da Cultura Mochica. são Paulo: Stilgraf, 2006; BOURGET, S. “Rituals of Sacrifice: its Practice at Huaca de la Luna and its Representation in Moche iconography”. in: PiLLsBuRY, (ed.). Moche Art and Archaeology in Ancient Peru. Washington: National gallery of Art, Washington, 1999, p. 111-125.
RHAA 14
31
Cássia Rodrigues Bars mil anos.36 A antiguidade deste mural atesta a importância simbólica da caça ao veado, um tema que ainda estava sendo representado, de maneira quase idêntica, em artefatos de culturas milênios depois, como a mochica. o tema retrata veados, geralmente machos, sendo apanhados em redes, representadas da mesma forma que o semema em questão – um padrão de linhas paralelas cruzadas. em muitas das representações deste tipo são retratados também os caçadores; senhores ricamente paramentados, acompanhados de seus cães. Larco Hoyle compara as cenas retratadas na iconografia mochica com as cerimônias de caça realizadas na época incaica. [...] indivíduos armados procuravam reduzir as presas em pequenos grupos, até que conseguissem que entrassem em uma grande rede previamente estendida [...] dentro dela... os chefes atacavam os veados [...] em todas as cenas de caça podemos comprovar que a maioria dos animais atacados são machos, fato que pode ser relacionado intimamente com o costume inca, no qual as feras eram exterminadas, os huanacos e vicunhas eram tranquilizados, e era dada liberdade às fêmeas.37
segundo Kuscher38 e Walter Alva,39 a cerimônia da caça ao veado estava ligada à celebração da ancestralidade. A caça, muito provavelmente, era realizada pelos grandes senhores em honra a seus ancestrais, a fim de legitimar sua linhagem. o estudioso Bawden40 aponta para o fato de que a ordem social andina, de forma geral, era submetida a uma tradição definida por laços de parentesco. Fatores como afinidades com fundadores míticos, o culto aos ancestrais e a ênfase dada à importância de ser membro de uma determinada sociedade definiam o status, reforçavam a coesão social e impediam a integração política entre certos grupos culturais. o poder supranatural dado à ancestralidade destas elites legitimaria a permanência delas no poder. A importância da ancestralidade na mentalidade andina também se refletia no tratamento aos parentes falecidos, ignácio Alva Meneses, comunicação pessoal – Arqueólogo responsável pelas escavações no complexo Ventarrón-Collud. 37 LARCo HoYLe, R. (1938). Los Mochicas. Tomo i. Lima: Metrocolor, 2001, p. 318. 38 KuTsCHeR, gerdt. Cerámica del Peru Septentrional. Berlin: Casa editora gerMann, 1954, p. 51. 39 ALVA, Op. cit., p. 40. 40 BAWdeN, g. “Moche Culture as Political ideology”. Latin American Antiquity, v. 6, n. 3, 1995, p. 255-273; p. 258. 36
32
RHAA 14
The “net” sememe (Figure 3, number 2), is related to the ceremony of the “deer hunting”. Recently, one of the most ancient scenes of this sort was found in one of the walls of a chamber in the interior of the Huaca Ventarrón, in a ceremonial context that dates back to approximately 4.000 years.36 The antiquity of this mural painting attests the symbolic importance of the deer hunting, a theme that was still being represented, in an almost identical manner, in artifacts of cultures that would rise and develop thousand years later, as the Mochica culture. This “theme” depicts deer, generally male, being caught in nets, represented as the sememe found in the body of the warrior – a pattern of parallel crossed lines. in many representations of this sort, the hunters are also depicted; very well dressed lords, accompanied by their dogs. Larco Hoyle compares these scenes, depicted in Mochica iconography, to the ceremonies of hunting performed during the inca times. [...] armed people sought to isolate the animals of prey in smaller groups, until they manage to lead them to a large net previously stretched [...] inside of it [...] the chiefs attacked the deer [...] in all scenes of hunting we can notice that the majority of the animals attacked are males, fact that could be closely related to the inca costume to exterminate the beasts, tranquilize the guanacos and the vicunas, and set the females free.37
According to Kuscher38 and Alva,39 the ceremony of the deer hunting could be connected to the celebration of the ancestrality. The hunt, very likely, was performed by the great chiefs in honor to their ancestrals, legitimizing their lineage. Bawden40 points out to the fact that the Andean social order, in general, was maintained by a tradition defined by kinship relations. Factors such as affinities with mythic founders, the cult to the ancestrals, and the emphasis given to the importance of being a member of a certain society, would establish the status, reinforce social cohesion and prevent the political integration among certain cultural groups. The supranatural power given to the ancestrality of the élites would legitimize their permanence in the spheres of power.
36 ignácio Alva Meneses, personal communication – Archaeologist responsible for the excavations at the Ventarrón-Collud complex. 37 LARCo HoYLe, R. (1938). Los Mochicas. Tomo i. Lima : Metrocolor, 2001, p. 318 38 KuTsCHeR, gerdt. Cerámica del Peru Septentrional. Berlin: Casa editora gerMann, 1954, p.51 39 ALVA, Op. cit., p. 40. 40 BAWdeN, g. “Moche Culture as Political ideology”. Latin American Antiquity, v. 6, n. 3, 1995, p. 255-273; p. 258.
semiótica aplicada à Arqueologia The importance of the ancestrality in the Andean mentality also could be noticed in the treatment given to the deceased relatives, considered as “active persons” in the present. As spirits, they would maintain, to a certain degree, their desires and feelings towards the living.41 if death is a transformation, the very own ancestrality is also part of a cyclic process, at the same time legitimizing the historic time (linear) and the political power. The deer, as soon as caught in the nets, were killed by the Mochica lords. in most representations, the blood that flows from the injury is depicted, as well as the erect phallus of the animal, in a clear allusion to the death/life cyclic process. The net itself, according to Alva Meneses,42 would be related to the webs of the spiders. spiders can be considered “creator” animals. in its nets, the prey is killed, and the same happens to the deer, during the hunting ceremony. in a way, the hunting ceremony resembles the sacrifice ceremony, in which the main goal is to offer the blood as a symbol of life regeneration. Besides this reference to the deer, there are other images and sememes present in the body of the warrior that are related to animals. over the legs of the warrior, a series of sememes in diamond shape with a dot in the center are represented. in Mochica iconography, this sememe refers to the stylized spots of the jaguar. The jaguars present a pattern of spots in round shape, with one or two dots in the center. it was observed that this pattern is represented, in Mochica iconography, by sememes composed by organic lines (Figure 4, numbers 1 and 2) or sememes stylized in a geometric pattern (Figure 4, number 3), as it is the case of the warrior body painting. The warriors were depicted not only as human beings that could wear garments, headdresses and other attributes linked to animals,43 but also as supranatural beings, which combined human and animal characteristics. one of the most studied scenes represented in Mochica iconography is the
41 RosTWoRoWsKi, M. d. C. Estructuras Andinas del Poder – Ideología Religiosa y política. Lima: instituto de estudios Peruanos, ieP, 1998, p. 15 42 ALVA MeNeses, N. i. “As imagens e os símbolos da Tumbas de sipán”. in: ALVA, Op. cit., p. 145-157; p. 150. 43 it is known, according to the results of many excavations in sipán, that some warriors were buried alongside with their headdresses and garments linked to animal imagery (ALVA, Op. cit). in an analogous manner, it is possible to find in the iconography many examples of completely anthropomorphic warriors with headdresses depicting birds, mammals, and other natural and supranatural beings.
considerados como sujeitos “atuantes” no presente. Como espíritos, eles manteriam, de certa forma, seus desejos e sentimentos em relação aos vivos.41 sendo a morte apenas uma transformação, a própria ancestralidade é também parte de um processo cíclico, ao mesmo tempo em que legitima o tempo histórico (linear) e o poder político. os veados, assim que pegos nas redes, são abatidos pelos senhores. Na maioria das representações, é retratado tanto o sangue que jorra do ferimento, como é enfatizado o falo ereto do animal, em uma clara alusão ao processo cíclico de mortevida. Já a rede pode ser relacionada, segundo Alva Meneses,42 às teias das aranhas. As aranhas podem ser consideradas animais “criadores”. em suas teias, a presa é abatida, assim como ocorre no caso das redes da caça ao veado. de certa forma, o ritual da caça se assemelha a um ritual de sacrifício, no qual o principal intuito é oferecer o sangue sacrificial como um símbolo da renovação da vida. Além da alusão ao veado, estão presentes sobre o corpo do guerreiro algumas imagens e sememas que retratam ou fazem alusão a outros animais. sobre as pernas do guerreiro, em visão frontal, está representada uma série de sememas com o formato de losangos com um pequeno círculo no centro. Na iconografia mochica, este semema se refere à estilização das manchas dos jaguares. os jaguares apresentam um padrão de pelagem com manchas em formato circular, com um ou mais pequenos pontos negros no centro (também conhecido como “padrão de roseta”). Foi observado que o “padrão de roseta” é representado na iconografia mochica por sememas compostos por linhas orgânicas (Figura 4, números 1 e 2) ou estilizados de forma mais geométrica (Figura 4, número 3), como é o caso da pintura corporal do guerreiro. os guerreiros eram retratados não só como seres humanos que portavam toucados e atributos de animais,43 mas também como seres supranaturais antropozoomorfos que combinavam características humanas a elementos de animais diversos. um dos “temas” mais conhecidos retratados pela RosTWoRoWsKi, M. d. C. Estructuras Andinas del Poder – Ideología Religiosa y política. Lima: instituto de estudios Peruanos, ieP, 1998. p. 15. 42 ALVA MeNeses, N. i. “As imagens e os símbolos das Tumbas de sipán”. in: ALVA, Op. cit., p. 145-157; p. 150. 43 É sabido, de acordo com os resultados obtidos com as escavações em sipán, que alguns guerreiros eram enterrados com toucados e ornamentos ligados a imagens de animais, como as raposas (ALVA, Op. cit.). da mesma forma, é possível encontrar na iconografia diversos exemplos de imagens de guerreiros totalmente antropomorfos, paramentados com toucados de aves, de diversos mamíferos e de seres supranaturais. 41
RHAA 14
33
Cássia Rodrigues Bars iconografia mochica é o “tema da apresentação da taça”. em cenas como estas, sacrifícios por degolação são dirigidos por quatro entidades da mais alta hierarquia, e a um destes grandes senhores é oferecido o sangue sacrificial em uma taça. O ato sacrificial em si é realizado por “guerreiros felinos”.44 Cenas nas quais personagens com características felínicas estão envolvidos no sacrifício de prisioneiros são recorrentes, conforme indicam as análises de donnan.45 É muito provável que haja uma associação direta entre o modo como os felinos em geral atacam suas presas, e o modo como o sacrifício é realizado, por degolação.46 Tanto jaguares, como pumas e jaguatiricas têm o costume de abater suas presas com uma mordida na região da nuca, pescoço ou garganta.47 A imagem do guerreiro, tanto como prisioneiro a ser degolado, como aquele que possivelmente, se tivesse vencido a batalha ritual, realizaria o sacrifício, representa com perfeição a união de aspectos aparentemente “antagônicos” no corpo de um só ser. Na lateral de seu corpo também estão as imagens de uma espécie de lagarto, e de uma serpente com cabeça de mamífero (Figura 2). A figura da “serpente mamífero” é extremamente comum, tanto na iconografia mochica, como na de muitos povos andinos, estando presente, por exemplo, nas estruturas arquitetônicas de Chavín de Huantar. A composição da serpente geralmente, os “guerreiros felinos” são representados com um corpo humano, cabeça e cauda de felino. em algumas representações, é possível também observar a combinação de sememas ligados a outros animais, como garras de aves de rapina no lugar dos pés humanos. 45 doNNAN, Christopher. Moche Art of Peru: Pre-Columbian Simbolic Communication. Los Angeles: Fowler Museum of Cultural History, uCLA, 1978. 46 Além das representações iconográficas, evidências arqueológicas atestam o ritual de sacrifício por degolação. escavações em Huaca de la Luna (realizadas por Bourget entre 1995 e 1996) identificaram diversos indivíduos vítimas de sacrifício na chamada “plaza A”, localizada na plataforma ii da pirâmide. Análises osteológicas destes achados mostram que as lesões perimortem mais comuns estão associadas a marcas na coluna cervical (pescoço) e fraturas na região do crânio. A localização dos cortes indica que o objetivo era cortar a garganta da vítima, e não decapitá-la. (VeRANo, J. W. “War and death in the Moche World. osteological evidence and Visual discourse.” in: PiLLsBuRY (ed.). Moche Art and Archaeology in Ancient Peru. Washington: National gallery of Art, Washington, 1999, p. 111-125.) 47 “Carcaças predadas por onça-pintada (jaguares) quase sempre apresentam uma mordida na base do crânio (atrás das orelhas) ou na área da nuca/pescoço, esmagando-o ou rompendo vértebras [...] Raramente a presa é morta por sufocamento, com uma mordida na garganta [...] As onças-pardas (pumas) tendem a matar suas presas com uma mordida na área dorsal do pescoço ou então por sufocamento, através de uma mordida na garganta.” (PiTMAN, M. L. et al. Manual de Identificação, Prevenção e Controle de Predação por Carnívoros. Brasília: edições iBAMA, 2002, p. 30-34.) um comportamento semelhante pode ser observado entre as jaguatiricas, as quais também geralmente atacam a presa com uma mordida na nuca, pescoço ou na parte de trás do crânio (ALiAgA-RosseL et. al. Ocelot [Leopardus pardalis] Predation on Agouti [Dasyprocta punctata]. Biotropica, v. 38, n. 5, 2006, p. 691-694. 44
34
RHAA 14
“presentation theme” scene. such scenes depict sacrifices in which the throats of the victims are cut. The ritual is commanded by four entities of the highest hierarchy, and to one of these lords the blood of the victims is offered in a goblet. “Feline warriors”44 are the responsible for cutting the throats of the victims. scenes in which characters with feline characteristics are involved in the sacrifice of prisoners are very common, according to the analysis of donnan.45 it is very likely that scenes like those indicate a direct association between the way that felines in general attack their preys, and the way that the sacrificial act is carried out, by cutting the throat of the victims.46 Jaguars, pumas and ocelots usually attack their preys with a bite around the back of the head, neck or throat area.47 in the artifact chosen for this analysis, the warrior can be seen as a prisoner, but warriors are also the ones that carry out the sacrificial acts. it all depends on the results of the ritual battle. The very image of the warrior itself, represents the perfect union of apparently opposite aspects, personalized in the body of a single being.
44 generally, the “feline warriors” are represented with a human body and a feline head and tail. in some representations, it is possible also to notice the combination of sememes linked to other animals, as claws of birds of prey in the place of the human feet. 45 doNNAN, Christopher. Moche Art of Peru: Pre- Columbian Simbolic Communication. Los Angeles: Fowler Museum of Cultural History, uCLA, 1978. 46 Besides the iconographic representations, archaeological evidence attests the practice of cutting the throat of the victims of sacrifice. Excavations in Huaca de la Luna (carried out by Bourget between 1995 and 1996) identified many individuals that were victims of sacrifice in the so called “plaza A”, located in the platform ii of the pyramid. osteological analyses of such finds show that the most common perimortem injuries were located in the cervical vertebrae (neck) and in the head area. The location of the cuts indicates that the goal was to cut the victims’ throats and not to decapitate them (VeRANo, J. W. “War and death in the Moche World. osteological evidence and Visual discourse”. in: PiLLsBuRY (ed.). Moche Art and Archaeology in Ancient Peru. Washington: National gallery of Art, Washington, 1999, p. 111-125.). 47 “Carcasses preyed by jaguars almost always present a bite in the basis of the head (behind the ears) or in the neck area, smashing and breaking the vertebrae […] Rarely the prey is killed by suffocation, with a bite in the throat […] Pumas tend to kill their preys with a bite in the dorsal proportion of the neck, or by suffocation, with a bite in the throat” (PiTMAN, M.L. et al. Manual de Identificação, Prevenção e Controle de Predação por Carnívoros. Brasília: edições iBAMA, 2002, p. 30-34). A similar behavior can be observed among the ocelots, which generally attack their preys with a bite in the neck, or behind the skull (ALiAgA-RosseL et al. Ocelot (Leopardus pardalis) Predation on Agouti (Dasyprocta punctata). Biotropica, Vol. 38, n.5, 2006. p. 691-694).
semiótica aplicada à Arqueologia images of animals are also found in both sides of the body of the warrior. one refers to a lizard, and on the other side, a “mammal serpent” is represented (Figure 2). The image of the “mammal serpent” is extremely common in Mochica iconography and in pre-Columbian Andean iconography in general. it can be found, for example, on the architectural structures of Chavin de Huantar. The composition of the “mammal serpent” can sometimes present some sememes related to other animals, like birds. However, its main characteristic is to indicate a “fusion” between mammals and reptiles. References to this “fusion” can be found in a number of representations, indicating a possible “close relation” between animals of this kind in the realm of the Andean cosmovision. According to Alva Meneses, “the Mochica ideology can explain the unity of the cosmos, integrated by interrelated levels, establishing parallelisms among the many different species”.48 The idea expressed by the image of the “mammal serpent” is reinforced by the presence of the image of the lizard, represented alongside with sememes that are related to the jaguar, found on the legs of the warrior. in just one Mochica artifact, we can observe a complex combination of the main principals of the Andean cosmovision; the cult to the ancestrals; the maintenance of the cyclic and linear times through the performance of sacrificial rituals; the understanding of nature as a truly net, integrated by numerous forms of life, and the structuring of all these concepts through duality, which should not be understood as “fixed” or “static”, but in permanent movement. The painting in the chest of the warrior, in a black and white pattern inside the inverted pyramid, is yet another reference to the same idea. The same idea can be observed in the painting of the handle of the vase. The two different colors applied in the painting “divide” the handle in two halves. The shape of the handle, commonly found in Mochica ceramic vases, can also be considered a sememe itself, or maybe in this case, following deetz,49 a formeme, but with a symbolic as well as a functional character. The two halves of the handle, frequently painted in two different colors, are united in a single tube at the top. if there was any liquid inside such vases, it would be “divided” and then “reunited” when poured. This “reunion” of these two parts can be understood as the tinku.
mamífero pode, por vezes, apresentar alguns sememas relativos a outros animais, como as aves. entretanto, sua principal característica é indicar uma espécie de “fusão” entre mamíferos e répteis. Em inúmeras representações há a alusão a este tipo de “fusão”, indicando uma possível “relação” estreita entre animais deste tipo, no âmbito da cosmovisão andina. segundo Alva Meneses, “ao estabelecer paralelismos entre os diferentes reinos animais, a ideologia mochica pode explicar a unidade do cosmos, integrada por níveis inter-relacionados”.48 A ideia expressa pela “serpente mamífero” é ressaltada pela presença da imagem do lagarto, representada juntamente com os sememas que indicam a presença do jaguar, sobre as pernas do guerreiro. Apenas em um artefato mochica observa-se uma mescla dos principais preceitos que regem a cosmovisão andina; o culto à ancestralidade; a manutenção dos tempos “cíclicos” e “lineares” por meio dos rituais de sacrifício; a visão da natureza como uma verdadeira rede integrada pelas diversas formas de vida; e principalmente, a estruturação destes conceitos através da dualidade, que não deve ser compreendida como imutável ou imediatamente “oposta”, mas sim como em constante movimentação. A pintura no peito do guerreiro, realizada em um padrão quadriculado claro-escuro dentro da pirâmide invertida, nada mais é do que mais uma referência à mesma questão. o mesmo ocorre na pintura da alça estribo, sendo esta “dividida” ao meio, também por duas cores diferentes. o formato da alça, comumente utilizado na confecção de artefatos cerâmicos mochicas, por si só também pode ser considerado um semema, ou, talvez nesse caso, utilizando a nomenclatura de deetz,49 um formema, porém com significado também simbólico além de funcional. As duas metades da alça, frequentemente pintadas de cores diferentes, se encontram em um único tubo. Se havia algum conteúdo líquido no interior desses vasos, ao ser vertido ele se “dividiria em dois”, para depois tornar-se “um” novamente. este “encontro” destas duas partes pode ser compreendido como o tinku. Na mentalidade andina, o tinku representa uma espécie de “ponto de encontro”. segundo golte,50 todos os “pares de opostos” complementariam um ao outro, e se encontrariam em tinku, criando novas situações, como nascimentos e mortes. 48
48 49
Alva Meneses, Op. cit., p. 148-149. deetz, Op. cit.
49 50
Alva Meneses, Op. cit., p. 148-149. deetz, Op. cit. golte, Op. cit. (2004 e 2006).
RHAA 14
35
Cássia Rodrigues Bars Assim como afirmou Viveiros de Castro,51 a “dualidade” é a redução de uma estrutura mais rica. Não só porque está em eterna movimentação, e porque seus significados podem “mudar” de acordo com a perspectiva adotada, mas porque não se detém apenas no “dual”. A “dualidade” também é a estrutura formadora da “unicidade” e da “multiplicidade”. No caso do artefato em questão, a “unicidade” é representada, como comentado, pelo próprio personagem, que contém em seu corpo todos os conceitos duais. A presença dos sememas ligados aos animais, entretanto, exprime a “multiplicidade” das formas de natureza. Todos os seres existentes estão submetidos à movimentação dinâmica dos “opostos complementares”. Preucel, ao afirmar que a “arqueologia é por si só um ato semiótico”,52 também chamou a atenção para o fato de que as implicações desta premissa seriam de que nossas interpretações são, e sempre serão, incompletas. A total objetividade é ilusória. entretanto, segundo o autor, isto não implica que haverá um total relativismo, ou que não há avanços no conhecimento em arqueologia. A semiótica é uma excelente ferramenta metodológica, e deve ser incorporada aos mais diversos estudos sobre a cultura material, sejam estes voltados aos aspectos funcionais ou simbólicos dos objetos e estruturas. Assim como afirma Gervereau, “uma explicação da imagem nunca pode dar conta de tudo aquilo que um documento contém. O único equivalente da imagem é sempre a própria imagem. Munidos desta lição de modéstia fundamental, devemos todos prepararnos então para lutar infatigavelmente contra a imperfeição”.53
in the Andean mentality, the tinku represents an “intersection point”. According to golte,50 all “pairs of opposites” would complement each other, and would meet in tinku, creating new situations, as births and deaths. As pointed out by Viveiros de Castro,51 “duality” is only the reduction of a far more complex structure. Not only because it is in eternal movement, and its meanings can “change” according to the perspective, but mainly because it cannot be reduced to the “dual”. duality is the structural basis that forms the “unity” and the “multiplicity”. in the artifact presented here, the “unity” is represented, as pointed out, by the image of character himself, which contain in his body all dual aspects discussed above. The presence of elements related to animals, however, expresses the “multiplicity” of the forms of life. All beings are governed by the dynamic movement of the “complementary opposites”. Preucel, admitting that “archaeology itself is a semiotic act”,52 also calls the attention to the fact that the implications of this premise would be that our interpretations are, and will always be, incomplete. Total objectivity is an illusion. However, this does not imply that we should accept a complete relativism, or that there are no advances in archaeological knowledge. semiotics is an excellent methodological tool, and should be incorporated to the studies of material culture in general, regarding pure functional or symbolic aspects of objects and structures. As pointed out by gervereau, “an explanation of the image can never express entirely all that an object contains. The only equivalent to the image is always the very own image itself. Aware of this fundamental modesty, we should be prepared to fight vigorously against imperfection”.53
golte, Op. cit. (2004 e 2006). Viveiros de Castro, Op. cit., p. 85. 52 PReuCeL, Op. cit., p. 2. 53 geRVeReAu, Laurent. Ver, Compreender, Analisar as Imagens. Lisboa: edições 70, 2004, p.10. 50
Viveiros de Castro, Op. cit., p. 85. 52 PReuCeL, Op. cit., p. 2. 53 geRVeReAu, Laurent. Ver, Compreender, Analisar as Imagens. Lisboa: edições 70, 2004, p. 10. 51
36
RHAA 14
51
semiótica aplicada à Arqueologia 2
1
3
1 Representação de “guerreiro mochica”. Peça pertencente ao acervo do Museu Arqueológico Rafael Larco Herrera. Fotografia da autora. 2 Ilustração da autora a partir do artefato apresentado na Figura 1. 3 Detalhe de sememas sobre o corpo do guerreiro apresentado nas Figuras 1 e 2. Ilustração da autora. 4 Representação gráfica de sememas referentes a padrões de pelagem vistos nos jaguares, encontradas em peças mochicas. (1- padrões representados conforme encontrados na peça ML003778; 2- padrão representado conforme encontrado na peça ML001175, pertencente ao acervo do Museu Larco. 3- padrão representado conforme encontrado na peça MAE 3562, pertencente ao acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP). Ilustração da autora.
4
RHAA 14
37
A cultura guarani em debate: o Sítio Arqueológico Córrego da Lagoa 2 Guarani culture in debate: the Archaeological Site of Corrego da Lagoa 2
GLAuCo ConSTAnTino PEREz Universidade Estadual de Maringá – UEM. E-mail: glauco1113@hotmail.com State university of Maringá – uEM. E-mail: glauco1113@hotmail.com
Este artigo pretende apresentar as últimas pesquisas realizadas com o acervo cerâmico do Sítio Arqueológico Córrego da Lagoa 2, localizado no município de Altônia (PR), relacionando os grafismos encontrados nestas cerâmicas a outros trabalhos que também buscaram compreender a arte entre os indígenas do tronco linguístico Tupi. Buscamos apresentar o histórico do sítio, a organização do acervo e por fim alguns apontamentos relacionando a arte indígena e os desenhos. resumo
PAlAvrAs-chAve
Cultura Guarani, Altônia, Arqueologia, Grafismos.
AbstrAct This article aims to present the latest research carried out with the Archaeological Site Córrego da Lagoa 2, located in the city Altônia (PR), relating artwork to pottery found in these other studies that also sought to understand the art among the indigenous Tupi language trunk. We seek to present the history of the site, the organization of the archives and some issues relating to indigenous art and designs. Key words
Guarani Culture, Altônia, Archeology, Grafism.
RHAA 14
39
Glauco Constantino Perez neste artigo apresentam-se estudos realizados com o acervo cerâmico guarani do Sítio Arqueológico Córrego da Lagoa 2, localizado no município de Altônia, no Estado do Paraná. Especificamente, pretende-se fazer apontamentos relativos aos grafismos, ao sítio arqueológico e algumas observações sobre a cerâmica guarani arqueológica. Assim, dispensamos qualquer tentativa de decifrar os desenhos guarani, apesar do conhecimento do esforço de antropólogos neste sentido. Para estudar este tipo de cultura material destacamos que a arqueologia teve grande relevância. André Prous1 entende a arqueologia como sendo uma das maneiras para que a história possa ser conhecida e entendida, mesmo sendo para o historiador uma forma auxiliar para se conseguir a documentação do período. Neste estudo pretende-se observar os vestígios cerâmicos arqueológicos da cultura guarani como sendo esta uma cultura arqueológica que recebeu um nome que lembra um grupo indígena conhecido historicamente. Segundo os pronapianos, chamou-se esta tradição “Tupiguarani”2 (sem hífen), para distinguir os achados arqueológicos dos grupos conhecidos etnograficamente.
O Histórico do Sítio Arqueológico Teve-se conhecimento do Sítio Arqueológico Córrego da Lagoa 2 (23° 51’ 16” S/53° 59’ 16” W),3 quando alguns professores do município de Altônia entraram em contato com a Equipe do Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etnohistória da universidade Estadual de Maringá, para que fosse feita uma identificação de algumas vasilhas desenterradas em meio à plantação de café. Constou que foram desenterradas duas vasilhas cerâmicas com enterramentos e materiais associados. PROUS, André. Arqueologia brasileira. Brasília, DF: Editora universidade de Brasília, 1992. 2 Para este estudo a abordagem do nome “Tupiguarani” fica em segundo plano. Dessa maneira, pretendo abordar esse grupo étnico de forma genérica fazendo referência ao nome Guarani. 3 A referência apresentada é subjetiva, este ponto geográfico foi retirado em campo durante os trabalhos em 1996 e é um ponto que marca a entrada da fazenda onde este sítio arqueológico está localizado. 1
40
RHAA 14
This paper presents studies of the ceramic collection of the Archaeological Guarani Córrego da Lagoa 2 located in the city of Altônia, in the State of Paraná. Specifically intended to make notes for the graphics, the archaeological site and some comments on the Guarani archaeological ceramics. So dispense any attempt to decipher the drawings Guaraní, despite knowledge of the effort of anthropologists in this regard. To study this kind of material culture point out that archeology has great relevance. André Prous1 understand archeology as one of the ways that history can be known and understood, even though for the historian a way to help get the documentation of the period. In this study is to observe the archaeological traces of ceramic culture and Guarani this is one archaeological culture which received a name that resembles an indigenous group known historically. According to the PRonAPA´s researchers, he called this tradition “Tupiguarani”2 (no hyphen), to distinguish the archaeological findings of the groups known ethnographically. The History of the Archaeological Site it was announced the Archaeological Site Córrego da Lagoa 2 (23° 51’ 16’’ S/53° 59’ 16” W),3 while some teachers in the city of Altônia came into contact with the organization of the the Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-histórida of the universidade Estadual de Maringá, so that an identification was made of some vessels unearthed in the midst of coffee plantation. Was reported that two vessels have been unearthed pottery with burials and associated materials. in view of the whole situation from the site and demonstrations by local people in trying to preserve the site, the team of the Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-histórida of the universidade Estadual de Maringá performed
PROUS, André. Arqueologia brasileira. Brasília, DF: Editora universidade de Brasília, 1992. 2 For this study the approach of the name “Tupiguarani” is in the background. Thus, I intend to address this ethnic group in a generic name referring to the Guarani. 3 The reference made is subjective, this port was dropped by geographic region over the jobs in 1996 and is a point that marks the entrance to the farm where this archaeological site is located. 1
Arqueologia e cultura Guarani several rescues archaeological surface. According to Ana Paula Simão4 still exists in the substrate material, since observations in regions of water erosion and excavated by local farmers have identified a single occupancy in a layer thickness of eight inches. on Figure 1 we can see the real location of municipality Altônia - PR and also the region where the Archaeological Site Córrego da Lagoa 2. in the archives of the Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (iPHAn) is put his musical integrity is between 25% and 75%, being the main factor of degradation of the intense agricultural activity, since the site is a region of coffee plantations. This region has the knowledge of other archaeological sites. in the 1970s, igor Chymz found another outstanding archaeological and less than two kilometers from the Córrego da Lagoa 2, researches found elsewhere Guarani.5 According to Simão (2002), the total number of fragments collected on this site, in two polls taken between January 1996 and January 1997 is 63,110 fragments that are stored above the laboratory and classified according to their surface finish. The Collection Fragments of the collection were separated by Simão (2002) in sets according to surface treatment: combinations of corrugated, ungulates, brushed, painted, flat sections, elongated and printed. They also separated the fragments from the edges of the containers in order to carry out the reconstruction graphics and try to distinguish and quantify the number of containers found. The analysis of the treatment applied to the plastic surface made by Simão (2002) was performed according to the model analysis proposed by Brochado (1989). The Table 1
SiMÃo, Ana Paula. Do caco ao fragmento: análise da coleção cerâmica guarani do sítio arqueológico Lagoa Xambrê - Altônia/PR. Dissertação de Mestrado, Maringá, 2002. 5 noELLi, F. S.; TRinDADE, J. A.; SiMÃo, A. P., “Primeiras análises sobre a funcionalidade e a freqüência da cerâmica de um sítio arqueológico Guarani da Lagoa Xambrê - Paraná.” In: Anais da IX SAB, 2001. 4
Perante toda a situação do sítio arqueológico e as manifestações dos habitantes da região em tentar preservar o local, a equipe do Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-história da universidade Estadual de Maringá realizou diversos salvamentos arqueológicos de superfície. Segundo Ana Paula Simão,4 ainda existe material sob o substrato, já que observações em regiões de erosão pluvial e locais escavados por agricultores locais identificaram uma única ocupação em uma camada de espessura média de oito centímetros. Na Figura 1, podemos observar a real localização do município de Altônia (PR) e também a região onde é o Sítio Arqueológico Córrego da Lagoa 2. nos arquivos do instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) é informado que seu grau de integridade está entre 25% e 75%, sendo o principal fator da degradação a intensa atividade agrícola, já que o sítio está numa região de plantação de café. nesta região tem-se o conhecimento de outros sítios arqueológicos. Na década de 1970, Igor Chymz encontrou outro remanescente arqueológico e a menos de dois quilômetros do Córrego da Lagoa 2, pesquisas realizadas encontraram outros sítios guarani.5 Segundo Simão (2002), o total de fragmentos recolhidos neste sítio, em duas sondagens feitas entre janeiro de 1996 e janeiro de 1997 é de 63.110 fragmentos que estão armazenados no referido laboratório e classificados conforme seu acabamento de superfície. O Acervo os fragmentos do acervo foram separados por Simão (2002) em conjuntos de acordo com o tratamento de superfície: conjuntos de corrugados, ungulados, escovados, pintados, lisos, incisos, repuxados e estampados. Também foram separados os fragmentos das bordas das vasilhas, com o objetivo de realizar as reconstruções gráficas e tentar distinguir e quantificar o número de vasilhas encontradas. SiMÃo, Ana Paula. Do caco ao fragmento: análise da coleção cerâmica guarani do sítio arqueológico Lagoa Xambrê - Altônia (PR). Dissertação de Mestrado, Maringá, 2002. 5 NOELLI, F. S.; TRINDADE, J. A.; SIMÃO, A. P., “Primeiras análises sobre a funcionalidade e a frequência da cerâmica de um sítio arqueológico Guarani da Lagoa Xambrê - Paraná.” In: Anais da IX SAB, 2001. 4
RHAA 14
41
Glauco Constantino Perez A análise do tratamento plástico aplicado à superfície, realizada por Simão (2002), foi feita de acordo com o modelo de análise proposto por Brochado. A Tabela 1 a seguir, apresenta dados da pesquisa de Ana Paula Simão (2002) quanto ao número de fragmentos e o tipo de tratamento de superfície utilizado.
presents data from research Ana Paula Simão (2002) as the number of fragments and the type of surface treatment used. Table 1 Type of surface finish.6
Tabela 1 Tipo de acabamento de superfície.6 Tratamento de superfície
Quantidade de fragmentos analisados
Corrugado ungulado inciso Escovado Liso Repuxado Pintado Total de fragmentos analisados
31.962 1.521 100 323 25.215 3 3.985 63.106
Assim, neste estudo com os fragmentos que foram separados em conjuntos levando em consideração os tipos de tratamentos de superfície, pôde-se distinguir e quantificar o número de vasilhas.
Nome guarani
Classe de vasilhas.
Panela – refere-se às panelas usadas para cozinhar (LA SALViA & BRoCHADo, 1989, p. 125) Talha – vaso, cântaro ou botija Cambuchi (LA SALVIA & BROCHADO, 1989, p. 132) Prato - coisa côncava (LA SALViA & Ñae BROCHADO, 1989, p. 142) Caçarola – vaso côncavo e de cozer Ñaetá (LA SALVIA & BROCHADO, 1989, p. 142) Cambuchi Vaso de beber (LA SALVIA & caguabã BROCHADO, 1989, p. 133) Yapepó
31.962
Hoofed
1.521
item
100
Flat
323
Brushed
25.215
Spun
3
Painted
3.985
Total fragments analyzed
63.106
Table 2
Class vessels.7
Guarani name
Type
Percentage (%)
Yapepó
Pot - refers to the pots used for cooking (LA SALViA & BROCHADO, 1989, p. 125)
41,71
Percentual (%)
Cambuchí
Pulley a - vase, pitcher or bottle (LA SALVIA & BROCHADO, 1989, p. 132)
25,71
41,71
Ñae
Dish - something concave (LA SALViA & ROCHADO, 1989, p. 142) B
13,81
25,71
Ñaetá
Casserole – pot for cooking (LA SALViA & BROCHADO, 1989, p. 142)
11,83
Cambuchi caguabã
drinking vessel (LA SALViA & ROCHADO, 1989, p. 133) B
7,02
13,81 11,83 7,02
In this separation, the surface finish on the most common class of yapepó, ñaetá and ñae says
SiMÃo, Ana Paula. Op. cit., p. 68. It should be clear that it was La Salvia & Brochado (1989) that relates to the classification of shapes ceramic vessels in their duties.
6
SiMÃo, Ana Paula. Op. cit., p. 68. 7 Deve ficar claro que foi La Salvia & Brochado (1989) responsáveis pela classificação que relaciona formatos das vasilhas cerâmicas às suas funções. 6
42
Corrugated
Simão (2002) noted that the classes identified from the separation of the fragments except fragments of edge appear as follows:
7
Tipo
Number of fragments analyzed
Thus, this study of the fragments were separated in groups taking into account the types of surface treatments, one might distinguish and quantify the number of containers.
Simão observou que as classes identificadas a partir da separação dos fragmentos, excetuando os fragmentos de borda, aparecem da seguinte maneira: Tabela 2
Surface treatment
RHAA 14
7
Arqueologia e cultura Guarani Simão (2002), was the corrugated. in the case of cambuchí caguabã and cambuchí, the finish was the most common painted.8 As this study is based on fragments and are painted in these two types, cambuchí and cambuchí caguabã, which are more applicants studied the artwork is just to emphasize, or at least a small approach to the literature addresses this class of vessel. This type classified as cambuchí by often comes with the idea of preparing, storing and serving liquids, particularly alcoholic beverages traditional Guarani, but it was this vessel a secondary function that is being buried.9 This type of pottery was not exposed to fire, although records of browning on the outer surface often marks soot or treatment esfumarado.10 its form is elliptical, vertical or double-cone, and the diameter is found in the cake, the base is usually conoid and the top of the vessel is restricted to form a neck. it is known that the bottles have considered small diameter ranging from 18 to 34 cm and is considered large diameter exceeding 36 cm.11 Since the type known as cambuchi-caguabã bottles are associated with serving and consuming liquids. it is known that the simplest and unpainted could be associated with water, as well as the most elaborate and finely decorated with painting would be associated with drinking during the rituals.12 The contours of the vessel have consensus on peripheral conoid or ellipsoid, which is the elements that differ from ñaembé. Their diameters can range as small vessels when between 12 and 16 cm and classified as averages between 18 to 26 cm.13 The Reorganization of the Collection for the Study of Graphics As the aim of the work was the study of representations of the pottery collection held that Simon was reassigned to the new research could take place. The collection was first separated in
SiMÃo, Ana Paula. Op. cit. p.121. LA SALViA, Fernando; BRoCHADo, J. P. Cerâmica Guarani. Porto Alegre: Posenato Arte e Cultura, 1989. 10 CoRRÊA, Ângelo Alves. Tatema nas matas mineiras: sítio Tupi na microrregião de Juiz de Fora (MG), Dissertação de mestrado, uSP, São Paulo, 2009. p. 206. 11 SiMÃo, Ana Paula, Op. cit., p. 63. 12 CoRREA, Ângelo, Op. cit., p. 220. 13 SiMÃo, Ana Paula, Op. cit., p. 64. 8 9
Nesta separação, o acabamento de superfície mais comum na classe dos yapepó, ñaetá e ñae, afirma Simão, foi o corrugado. Já no caso dos cambuchi caguabã e cambuchi, o acabamento mais encontrado foi o pintado.8 Como este estudo se baseia em fragmentos pintados e é nessas duas tipologias, cambuchi e cambuchi caguabã que são mais recorrentes os grafismos estudados, é justo dar ênfase, ou pelo menos fazer uma pequena abordagem sobre como a bibliografia estuda esta classe de vasilha. Esta tipologia classificada como cambuchi, por muitas vezes vem associada à ideia de preparar, armazenar e servir líquidos, principalmente as bebidas alcoólicas tradicionais guarani; porém, cabia a este vasilhame uma função secundária, que é a de enterramento.9 Essa tipologia de cerâmica não era exposta ao fogo, apesar de haver registros de escurecimento na superfície externa, muitas vezes marcas de fuligem ou tratamento esfumarado.10 Sua forma é elipsoidal, vertical ou duplo-cônica, e o diâmetro maior é encontrado no bojo; a base normalmente é conoidal e a parte superior do vasilhame é restringida, formando um pescoço. Sabe-se que os vasilhames considerados pequenos têm diâmetro variando entre 18 e 34 cm e os considerados grandes têm seu diâmetro superior a 36 cm.11 Já a tipologia conhecida como cambuchi-caguabã são vasilhames associados a servir e consumir líquidos. Sabe-se que os mais simples e sem pintura poderiam estar associados ao consumo de água, assim como os mais elaborados e finamente decorados com pintura estariam associados ao consumo de bebidas durante os rituais.12 os contornos desse vasilhame em consenso apresentam base periférica elipsoidal ou conoidal, sendo estes os elementos que o diferem do ñaembé. Seus diâmetros podem variar entre 12 e 16 cm quando consideradas vasilhas pequenas e 18 e 26 cm13 quando classificadas como médias. A Reorganização do Acervo para o Estudo dos Grafismos Como o intuito do trabalho foi o estudo dos grafismos da cerâmica, o acervo que Simão organizou foi remanejado SiMÃo, Ana Paula. Op. cit., p. 121. LA SALViA, Fernando; BRoCHADo, J. P. Cerâmica Guarani. Porto Alegre: Posenato Arte e Cultura, 1989. 10 CoRRÊA, Ângelo Alves. Tatema nas matas mineiras: sítio Tupi na microrregião de Juiz de Fora (MG), Dissertação de mestrado, uSP, São Paulo, 2009, p. 206. 11 SiMÃo, Ana Paula, Op. cit., p. 63. 12 CoRREA, Ângelo, Op. cit., p. 220. 13 SiMÃo, Ana Paula, Op. cit., p. 64. 8 9
RHAA 14
43
Glauco Constantino Perez para que as novas pesquisas pudessem acontecer. o acervo foi separado primeiramente em fragmentos que não eram pintados e os que apresentavam qualquer tipo de sinal da presença de tinta. o acervo com o material não pintado inclui peças de tipologia variada, entre as quais estão fragmentos de yapepó, ñaes, ñaetás, cambuchis e cambuchis caguabãs, e estes com acabamentos diversos, entre eles os corrugados, lisos, ungulados, escovados e incisos, como já foi especificado anteriormente. Já o material selecionado e identificado como pintado foi transportado para outra área do laboratório para que outra etapa da sistematização pudesse ser feita. Esta nova etapa consistiu em realizar a seleção de fragmentos de peças nos quais pudessem ser observados e analisados os grafismos. utilizando de metodologias desenvolvidas por La Salvia & Brochado (1989) e Noelli14 e posteriormente aplicadas por Ana Paula Simão (2002), os fragmentos foram sistematizados, associando sua tipologia com o grafismo desenhado. O gráfico a seguir mostra a quantidade de fragmentos selecionados, a porcentagem que esta quantidade significa e as subclasses criadas para o entendimento deste trabalho. No gráfico podemos entender que foram sistematizados 932 fragmentos cerâmicos distribuídos em quatro formas de classificação. Entende-se então, que dos quase quatro mil fragmentos, apenas um quarto deles preserva em uma de suas faces, ou em ambas, algum registro de grafismo arqueológico. A análise desses fragmentos com grafismo baseou-se em um método desenvolvido por La Salvia & Brochado (1989) e tem por base uma análise descritiva dos desenhos impressos. Para estes autores, a pintura parece estar sempre vinculada a um processo tradicional do grupo e acreditam que aspectos ecológicos não influenciariam na representação dos motivos, mas influenciariam na presença ou ausência de pintura, pela falta de matéria-prima para sua confecção. Neste método, por ser descritivo, leva-se em consideração o formato dos motivos: as linhas (retilínea, curvilínea, mistilínea), os desenhos (gregos, espiralados, quadrangulares, circulares, losangulares, retangulares etc.), os tracejados (contínuo, descontínuo, simples, duplo ou múltiplo), a largura da linha (fina, média, grossa, estreita ou muito fina), a posição do grafismo (vertical, horizontal, oblíquo, sinuoso
fragments that were not painted and those who showed any sign of the presence of paint. The collection of material includes unpainted pieces of varied typology, among which are fragments of yapepó, ñaes, ñaetás, cambuchis and cambuchis caguabãs and those with several finishes, including the corrugated, flat, ungulates, and brushed items as already mentioned above. Since the material selected and identified as painted was transported to another part of the lab to another stage of systematization could be made. This new step was to perform a selection of pieces of parts that could be observed and analyzed the graphics. Using methodology developed by La Salvia and Brochado (1989), Noelli14 and then implemented by Ana Paula Simão (2002), the fragments were systematically associating his typology with the graphics designed. The following chart shows the amount of selected fragments, the percentage that this amount means and subclasses created for the understanding of this work. in the chart we can understand that 932 were ordered ceramic fragments into four forms of classification. It is understood then that the nearly four thousand fragments, only a quarter of a preserve in their faces, or both, some form of archaeological record. The method of analysis of these fragments form was based on a method developed by La Salvia and Brochado (1989) and is based on a descriptive analysis of the printed drawings. For these authors, the painting seems to be always tied to a traditional group and believe that environmental aspects have no bearing on the representation of reasons, but influence the presence or absence of paint, lack of raw materials for producing them. In this method, to be descriptive, takes into account the format of reasons: the lines (straight, curved, mistilínea), drawings (Greeks, spiral, square, circular, diamond, rectangular, etc.), the dashed (continuous, discontinuous, single, double or multiple), the line width (thin, medium, coarse, close or too thin), the position of the form (vertical, horizontal, oblique, sinuous, etc.)
noELLi, Francisco Silva. Sem tekohá não há tekó (em busca de um modelo etnoarqueológico da aldeia e da subsistência Guarani e sua aplicação a uma área de domínio no Delta do Rio Jacuí-RS. 1993. Dissertação de Mestrado, PuCRS, Porto Alegre, 1993. 14
noELLi, Francisco Silva. Sem tekohá não há tekó (em busca de um modelo etnoarqueológico da aldeia e da subsistência Guarani e sua aplicação a uma área de domínio no Delta do Rio Jacuí (RS), Dissertação de Mestrado, PuCRS, Porto Alegre, 1993. 14
44
RHAA 14
Arqueologia e cultura Guarani and descriptions of the band formed by the graphics, taking into consideration that it can be located on the edge, shoulder or turning angles and the thickness of the same (fine, medium or coarse) depending on how many millimeters it presents. Moreover, this approach looks at how to apply the paint on pottery, ranging from three very specific forms and features (brush, stylus or finger). The results achieved in this work matches that approximately 70% of the parts has examined the painting compound and 30% of them have a uniform design. in addition, other 70% of the fragments present exterior paint, 20% have internal painting and only 10% of the fragments has prints on both sides. In these reviews also realize that 54% of the graphics are representations with straight lines, 41% of the designs are made up of mixed lines and only 5% of the designs are curved lines. These numbers could you suggest a greater preference for drawings of angular shapes with curved designs, or even that these drawings with curved shapes would be dedicated to a particular type of attire that would fit caricature of all containers produced in the daily lives of the community. We also observed that the drawings are distributed loved the shoulder, edges, angles and of inflections may occupy the entire space of the vessel and often occupy these spaces simultaneously, despite the few remains we have at those times. This type of work, almost cliometrics often show significant repulsion between the scholars in the field, since the fragments as they are extremely sensitive may break or even a lot of formats may or may not be considered in future research. For this reason we believe that research with this kind of support for indigenous artwork should not stop at simply the analysis of physical objects. We believe that from the detailed investigation of their own culture Guarani could come to an understanding of these drawings.
etc.) e descrições da faixa formada pelo grafismo; levando-se em consideração que ela pode estar localizada na borda, ombro ou ângulos de inflexão e a sua espessura (fina, média ou grossa) dependendo de quantos milímetros ela apresenta. Além disso, esta metodologia observa o modo de aplicação da tinta na cerâmica, podendo variar de três formas específicas e bastante características (pincel, estilete ou dedo). Os resultados alcançados nesse trabalho condizem que cerca de 70% das peças analisadas têm a pintura composta e 30% delas apresentam um desenho uniforme. Além disso, outros 70% dos fragmentos apresentam pintura externa, 20% apresentam pintura interna e apenas 10% dos fragmentos têm estampas em ambos os lados. Nessas análises também percebemos que 54% dos grafismos são representações com linhas retas, 41% dos desenhos são constituídos de linhas mistas e apenas 5% dos desenhos são linhas curvas. Estes números poderiam sugerir a maior preferência por desenhos com formatos angulares a desenhos curvos, ou mesmo que estes desenhos com formas curvas seriam dedicados a um tipo de adorno especial que caberia a poucas vasilhas entre todas as produzidas no dia a dia da comunidade. Observamos também que os desenhos se distribuem entre o ombro, bordas, ângulos de inflexões, bem como podem ocupar todo o espaço interno da vasilha e muitas vezes ocupam esses espaços simultaneamente, apesar dos poucos vestígios que temos nessas ocasiões. Esse tipo de trabalho, quase cliométrico, muitas vezes demonstra sensível repulsão entre os estudiosos da área, já que os fragmentos por serem de extrema sensibilidade, podem partir-se ou mesmo pela grande quantidade de formatos podem ou não ser considerados em futuras pesquisas. Por esse motivo acreditamos que as pesquisas com esse tipo de suporte para os grafismos indígenas não devem parar simplesmente nas análises físicas dos objetos. Pensamos que a partir da investigação minuciosa da própria cultura guarani poderíamos chegar ao entendimento desses desenhos.
Investigating Artwork Thinking of bias previously employed for our research investigated the general literature related to studies of form, we found a little for this kind of material. We can only master’s thesis and a doctoral thesis that is beginning to investigate this field that opens on to the archaeologist. The work listed for this study based on assumptions that could follow the lines of aesthetic anthropology, art and chronicled
Investigando os Grafismos Pensando no viés até então colocado, durante nossas pesquisas investigamos a bibliografia geral relacionada aos estudos de grafismo e constatamos a pouca existência desse tipo de material. Conseguimos apenas dissertações de mestrado e uma tese de doutorado que começa a investigar esse campo que se abre ao arqueólogo atual. RHAA 14
45
Glauco Constantino Perez Os trabalhos elencados para este estudo partiram de pressupostos que pudessem seguir as linhas da antropologia estética, história da arte e algumas definições importantes a respeito do que deve ser considerado arte, além de outras hipóteses de identificação do que poderiam sugerir esses traços representados nas cerâmicas arqueológicas dessa etnia. nesse sentido, acreditamos que a maneira para compreender os grafismos arqueológicos deveria partir de pressupostos expostos por Lux Vidal15 e companheiros na obra bastante conhecida entre os estudiosos dos desenhos indígenas. Para esta autora, especificamente, o processo estético está muito mais ligado à ação humana do que propriamente ao objeto.
some important definitions concerning the that should be considered art, in other instances of identification that might suggest these traits represented in the archaeological ceramics of ethnicity. We therefore believe that the way to understand the archaeological graphics should come from assumptions exposed by Lux Vidal15 and colleagues at work rather known among scholars of indigenous designs. For this author, specifically, the aesthetic process is much more connected to human action than the object itself. According to Vidal (1992), According to Western tradition, the arts are conceptually separate from other spheres of social and cultural life, though not always as much as you wish. in indigenous societies, the arts are an adornment to public demonstrations and talents manuals, even the most individual are shared by enough people: things are made by local artisans and through processes that everyone knows.16
Segundo Vidal (1992), [...] a tradição ocidental, as artes são conceitualmente separadas de outras esferas da vida social e cultural, ainda que nem sempre tanto quanto se pretenda. nas sociedades indígenas, as artes são uma ornamentação para as manifestações públicas e os talentos manuais, mesmo os mais individualizados, são bastante compartilhados pela população: as coisas são feitas por artesãos locais e por intermédio de processos que todos conhecem.16
Assim, podemos entender que o artista se comunica com os seus iguais e estes compreendem o que está sendo expresso. O artista e seu público possuem o mesmo cabedal de informações culturais que os permitem compreender as informações apresentadas. Para a compreensão desses fenômenos, os antropólogos utilizam desse cabedal de informações em comum a todos para poder descortinar as informações a respeito dos grafismos dos mais diversos grupos étnicos. A maneira pela qual os antropólogos conseguem entender todo esse processo de criação do fenômeno estético diz respeito à sua maneira de abordar as manifestações estéticas, afirma Vidal (1992). Com isso, indo diretamente ao significado imediato dos grafismos entre as populações indígenas, Vidal (1992) relata que uma arte gráfica indígena expressa, muitas vezes, conceitos abstratos que encontram interpretação em representações figurativas ou em desenhos geométricos e grafismos puros que dizem, ou melhor, grafam o que não é possível transmitir de
Thus, we can understand that the artist communicates with his peers and they understand what is being expressed. The artist and his audience have the same wealth of cultural information that enable them to understand the information presented. To understand these phenomena, anthropologists use this wealth of information common to all in order to uncover information about the artwork of many different ethnic groups. The manner in which anthropologists can understand this whole process of creation of aesthetics concerns in its own way of dealing with artistic manifestations, says Vidal (1992). With this, going directly to the immediate meaning of the artwork from indigenous peoples, Vidal (1992) reports that an indian artwork often expressed abstract concepts that are interpreted in figurative representations or geometric designs and graphics that say pure, or better, the spell can not be transmitted orally, making visible what is hidden or what is behind and dispersed, imperceptible to the individual. it is also exposes Vidal (1992), the graphics may correspond to the contents of cosmological order and settling attention on graphic forms of the cultures studied one can know that the
VIDAL, Lux. “Antropologia estética: enfoques teóricos e contribuições metodológicas”. In: VIDAL, Lux (org.). Grafismo indígena. São Paulo: EDuSP. 16 ViDAL, Lux, Op. cit., p. 281. 15
VIDAL, Lux. “Antropologia estética: enfoques teóricos e contribuições metodológicas”. in: ViDAL, Lux (org.). Grafismo indígena. São Paulo: EDuSP. 16 ViDAL, Lux. Op. cit., p. 281. 15
46
RHAA 14
Arqueologia e cultura Guarani message conveyed, as it is transmitted and to whom it is transmitted. So you can make a list of what is conveyed by the artwork with other spheres of society studied. This is the key to understanding, then, the artwork Guarani. Studying their culture more closely and watching rapporteurs who have had this ethnic group can identify the intent of the Guarani women when scribbling with his fingers, brushes or even stilettos the ceramics surface. Studying Florestan Fernandes (1693), responsible for the amazing description Tupinambá, we identified some recent reports point to possible connotations for the designs in ceramics. For Fernandes,17 Tupinambás women were responsible for household tasks, including the construction of vessels and their decoration, besides the Indian woman was responsible for all logistics that could happen during a period of wars, including the preparation of food for the warriors and also perform the burials of those who were to die during the battles. For Fernandes (1963), With the aid of information provided by various sources, i could organize a list of the activities of the distribution of main occupations by sex. Female activities: all jobs vegetables from planting and sowing, to the conservation of the gardens, gathering fruit and roots of cotton, the women swam with men - so participated in fishing, diving to catch fish arrowed by them; competing They are also catching oysters; participated in sports work, emptying the bottom of the boat with a gourd, some hunters took with them their wives. They had to transport the product of the game; took part in the hunting of winged ants, an activity that absorbed all the members of the local girls and women also were dedicated to the imprisonment of ants. Sang the edge of the cave, “Come, my friends, come and see a beautiful woman, she will give us nuts.” As they went out, grabbed them and drew them to their feet and wings. When they were two women, each singing in turn. Ants trapped belonged to the singer. All operations of the manufacture of flour should be held by women. The preparation of roots and corn to drink and salivation (this done by maidens, perhaps 10 to 12 years, cf. Thevet), were made by women. The production of palm oil, cotton spinning, weaving networks of simple strands of tie hair and bands to tie children, woven baskets, rush and wicker; also participated in the construction of the hut, as this work extended to all. The preparation of clay, making the containers (pots, pans, large pots for beer etc.), the ornamentation, the glazing and cooking,
FERnAnDES, Florestan. Organização social tupinambá. São Paulo: Corpo e alma do Brasil, 1963.
17
do
forma oral, tornando visível, o que é dissimulado ou o que está disperso e subjacente e imperceptível para os indivíduos. Acredita-se também, expõe Vidal (1992), que os grafismos podem corresponder a conteúdos de ordem cosmológica, e fixando-se a atenção nas formas gráficas das culturas estudadas pode-se conhecer qual a mensagem transmitida, como é transmitida e para quem é transmitida. Assim pode-se fazer uma relação do que é transmitido pelos grafismos com outras esferas da sociedade estudada. Esta é a chave para o entendimento dos grafismos guarani. Estudando sua cultura mais de perto e observando relatores que estiveram com esse grupo étnico podemos identificar a intencionalidade das mulheres guarani quando rabiscavam com seus dedos, pincéis ou mesmo estiletes a superfície das cerâmicas. Estudando Florestan Fernandes, responsável por incrível descrição dos Tupinambá, identificamos alguns relatos que nos apontariam para possíveis conotações para os desenhos nas cerâmicas. Para Fernandes,17 as mulheres tupinambá eram responsáveis por afazeres domésticos, incluindo a construção das vasilhas e seu adorno, além do mais a mulher indígena era responsável por toda a logística que poderia acontecer durante um período de guerras, até mesmo o preparo de comidas para os guerreiros e também por realizar os enterros dos que viessem a falecer durante as batalhas. Fernandes (1963) afirma que: Com auxílio das informações fornecidas pelas diversas fontes, pude organizar uma lista das atividades da distribuição das principais ocupações, segundo o sexo. Atividades femininas: todos os trabalhos hortícolas, desde o plantio e a semeadura, até a conservação das roças; coleta das raízes, frutas e algodão; as mulheres nadavam com os homens – por isso participavam da pesca, mergulhando para apanhar os peixes flechados por aqueles; competia-lhes também apanhar ostras; participavam dos trabalhos náuticos, esvaziando o fundo da canoa com uma cuia; alguns caçadores levavam consigo suas mulheres. Estas deviam transportar o produto das caçadas; tomavam parte da caça às formigas voadoras, atividade que absorvia todos os membros do grupo local; as moças e mulheres também se dedicavam ao aprisionamento de formigas. Cantavam na beira da caverna; “vinde, minhas amigas, vinde ver a mulher formosa, ela nos dará avelãs”. À medida que saíam, agarravam-nas e tiravam-lhes seus pés e asas. Quando eram duas mulheres, cada uma cantava por
FERnAnDES, Florestan. Organização social do tupinambá. São Paulo: Corpo e alma do Brasil, 1963.
17
RHAA 14
47
Glauco Constantino Perez sua vez. As formigas aprisionadas pertenciam à cantora. Todas as operações da fabricação das farinhas deviam ser realizadas pelas mulheres. A preparação das raízes e do milho para fazer bebida e a salivação (esta feita por donzelas, talvez de 10 a 12 anos, cf. Thevet) eram feitas pelas mulheres. A fabricação do azeite de coco; a fiação do algodão, a tecelagem das redes simples, das fitas de enastrar os cabelos e as faixas de amarrar as crianças; cestos trançados de junco e de vime; também participavam da construção da maloca, pois este trabalho se estendia a todos. A preparação do barro, a fatura dos vasilhames (panelas, alguidares, grandes potes para cauim etc.), a ornamentação, o envidramento e a cocção, tudo era feito pelas mulheres. A domesticação de aves, cachorros, galinhas, bem como o adestramento de papagaios, constituíam atividades femininas. os serviços domésticos cabiam exclusivamente às mulheres: deviam cuidar do arranjo do seu lar, o que consistia, segundo alguns cronistas, em fazer comida, manter acesos os dois fogos que ficavam ao lado da rede do chefe da família, e tratar do abastecimento de água. Nas cauinagens, ultimavam a preparação das bebidas, aquecendo-as ao fogo, e serviam-nas em pequenas cuias de coco. Entre os trabalhos domésticos, também estaria a lavagem das redes. Todavia Gabriel Soares afirma que isso era feito pelos próprios homens. Como padrão higiênico, deve ser mencionado o catamento de piolhos, que faziam nos homens e nas outras mulheres. no parto as mulheres entreajudavam-se. Todos os serviços relativos aos transportes eram feitos pelas mulheres. Elas carregavam os filhos e todo o equipamento, pois os homens precisavam ficar livres para se defenderem a si próprios e às famílias. Somente no período de gravidez evitavam os fardos muito pesados e as atividades árduas. A depilação e a tatuagem dos homens pertencentes ao próprio lar cabiam às mulheres que o constituíam. As companheiras ou parentes faziam-nas reciprocamente umas às outras. Participavam das expedições guerreiras, ajuntando-se em grande número aos guerreiros. Transportavam as redes e os víveres, preparavam as refeições, tratavam do abastecimento de água, e armavam as redes. Gandavo acrescenta às atividades das mulheres na guerra, a obrigação das velhas recolherem as flechas para os guerreiros. Nas festas de execução cabia-lhes a limpeza do corpo com água fervente. As velhas, além disso tratavam da moqueação da carne e aparavam a gordura em uma cuia. Corriam também em torno das malocas, mostrando os primeiros pedaços da vítima.18
nas palavras de Fernandes (1963), podemos entender a função da mulher dentro desta sociedade, e por meio de suas funções como mulher, esposa e progenitora pode-se entender que os desenhos que elas faziam na cerâmica, muitas vezes, poderiam constituir parte desse cotidiano. André Prous,19 importante arqueólogo que também pesquisa os grafismos em cerâmicas tupinambá, acredita que FERnAnDES, Florestan, Op. cit., p. 129. PROUS, André. “A pintura em cerâmica guarani.” Ciência Hoje, v. 36, n. 213, mar. 2005, p. 22-28.
everything was done by women. The domestication of birds, dogs, chickens, and the training of parrots were female activities. Domestic services exclusively to fit women, should take care of the arrangement of your home, which consists, according to some chroniclers, in making food, keep lighted the two fires that were next to the network of household head, and treat water supply. In ‘cauinagens’, finalizing the preparation of drinks, heating them to the fire, and served them in small bowls of coconut. Among the housework, would also be washing networks. However Gabriel Soares says this was done by men themselves. As standard toilet, we will see catch lice, which were in men and other women. At birth the women supporting each other. All services relating to transport were made by women They carried the children and all the equipment, because the men had to be free to defend themselves and their families. During the period of pregnancy avoided burdens too heavy and strenuous activities. The hair removal and tattoo men belonging to his own home to women who fit the concept. The companions and relatives made them mutually to each other. Participated in the raids, help to a large number of warriors. networks and transporting the food, cook their meals, treated water supply, and armed networks. Gandavo adds to the activities of women in war, the obligation of the old collect the arrows to the warriors. At parties running, fit them to clean the body with boiling water. The old also handle the burning meat and trim the fat in a bowl. Also ran around the huts, showing the first pieces of the victim.18
in the words of Fernandes (1963), we can understand the role of women within the company and through its role as woman, wife and dam, one can understand that the drawings they made in ceramics could often be part of everyday life. André Prous19 important archaeologist who is also researching the artwork in ceramics Tupinambá believes that among the traits could be made represented geometrized reasons that would hide accurate representations, particularly related to the ceremonies of death, and they are involved in the preparation of beer (caguâba) and the body of sacrificed at parties anthropophagic (Rio basins) as well as to receive the bodies of dead warriors. Prous (2005) reports that according, to chroniclers of the sixteenth century who had their first contact with the coastal Tupi reported that the pride of women Tupinambá was his ability to prepare the ceramics, decor and beer.
18
18
19
19
48
RHAA 14
FERnAnDES, Florestan, Op. cit., p. 129. PROUS, André. “A pintura em cerâmica guarani.” Ciência Hoje. V. 36, n° 213, p. 22-28, março 2005.
Arqueologia e cultura Guarani However, authors such as La Salvia and Brochado (1989) specifically researching archeology Guarani and has many publications on this topic, believe that the form would have its explanation focused on the time the coming of the dispersal center and the time to fix such a group who inhabited the region. These authors believe that the lines have suffered loss of memory characteristics during the long time and that there would be only the memory of the few artisans artwork before all those who have been in the minds of this group.
entre os traços feitos poderiam estar representados motivos geometrizados que esconderiam representações precisas; particularmente relacionados às cerimônias da morte, sendo elas ligadas à preparação do cauim (caguâba) e do corpo dos sacrificados nas festas antropofágicas (bacias cariocas), assim como destinadas a receber os corpos dos guerreiros mortos.
These authors think that it could influence more strongly the production of ceramics and as a result, the graphics would be the qualitative variation of material for production of the play. This variation was linked to the different ethnic regions that eventually inhabit. So, La Salvia and Brochado (1989) describe what really would be willing in the drawings would Guarani entities, animals and plants that would be strictly linked to the function that the play would when completed. Then culminating in a mythic-religious character of the parts produced the decorated ceramics have a ritual function in the celebrations held by the group. They meet the ideas of Lux Vidal (1992) when they believe that painting and decoration of the objects are linked to the presentation of the society, also in the same order to assert their culture.
Contudo, autores como La Salvia e Brochado (1989) – que pesquisam especificamente a arqueologia guarani e têm imensas publicações a respeito deste tema – acreditam que o grafismo teria sua explicação voltada para o tempo da vinda do centro dispersor e o momento de fixação desse grupo na região que habitou. Esses autores acreditam que as linhas teriam sofrido perdas características da memória durante o longo tempo e que apenas restariam na lembrança das artesãs poucos grafismos perante todos aqueles que já estiveram no imaginário desse grupo.
La Salvia and Brochado believe that the attempt to interpret the artwork should be observed and try to understand them in general, the set. “Painting is a set of parts of representations associated with reason and create a continuity of representation gives a decorative process. We can understand and distinguish between motives and his representation if the decoder.”20 Decoding authors point out that this is a method of separating the elements that make up the representative of the subject. This process ensures the authors draw a distinction between reasons that are apparently identical, but structurally, are close. La Salvia and Brochado (1989) descant that the same craftsman can repeat a subject and establish a small difference, but while the similarity in meaning and thus proving the relationship with the traditionally represented by the graphics within the group, making it very difficult access to the meaning real symbolized.
20 LA SALViA, Fernando; BRoCHADo, J. P., Op. cit. p. 99.
Prous (2005) relata que de acordo com cronistas do século 16, que tiveram o primeiro contato com os Tupi do litoral, o orgulho das mulheres tupinambá era sua capacidade de preparar a cerâmica, sua decoração e o cauim.
Esses autores pensam que o que poderia influenciar de maneira mais forte a produção das cerâmicas, e em consequência disso os grafismos, seria a variação qualitativa dos materiais de produção da peça. Esta variação estaria ligada às diferentes regiões que esta etnia acabou por habitar. Portanto, La Salvia e Brochado (1989) descrevem que o que realmente estaria disposto nos desenhos guarani seriam entidades, animais e vegetais que estariam ligados estritamente à função que a peça teria quando terminada. Culminando então em um caráter mítico-religioso, as peças produzidas, isto é, as cerâmicas decoradas, teriam uma função ritual nos festejos realizados pelo grupo. Eles vão ao encontro das ideias de Lux Vidal (1992) quando acreditam que a pintura e a ornamentação dos objetos estão ligadas à sua apresentação à sociedade, também no mesmo sentido de afirmar sua cultura. La Salvia e Brochado acreditam que na tentativa de interpretação dos grafismos deve-se observar e tentar compreendê-los de uma maneira geral, o conjunto. “A pintura é um conjunto de partes, de representações que associadas criam um motivo, e a continuidade de sua representação dá um processo decorativo. Só podemos entender e estabelecer uma diferença entre motivos e sua representação se o decodificarmos”.20 20
LA SALViA, Fernando; BRoCHADo, J. P. Op. cit., p. 99.
RHAA 14
49
Glauco Constantino Perez A decodificação que esses autores destacam é um método de separar os elementos que compõem o conjunto representativo do motivo. Este processo, asseguram os autores, estabelece uma diferença entre motivos que aparentemente são iguais, mas que estruturalmente apresentam semelhanças. La Salvia e Brochado (1989) dissertam que um mesmo artesão pode repetir um motivo e estabelecer uma pequena diferença, porém mantendo a semelhança no significado e assim comprovar a relação com a tradicionalidade representada pelo grafismo dentro do grupo, tornando muito complicado o acesso ao significado real simbolizado. Com isso, acredita-se que para realizar o entendimento do significado do grafismo pintado, eles devem ser observados em dois momentos: durante a decomposição do motivo e posteriormente com a análise do conjunto do desenho. Esses autores relatam que deve haver leis que permitem determinadas ações e conjunturas dentro do complexo social estudado. A partir destas leis, que regeriam as culturas, associadas aos usos compatíveis com instituições tradicionais, é que se permitiriam o acesso ao significado dos motivos representados. Kelly de oliveira,21 uma pesquisadora do Rio Grande do Sul, segue esse pensamento dos autores anteriores, e a partir dessa decomposição dos grafismos em elementos mínimos tenta encarar esses desenhos como formas de uma linguagem compartilhada pela etnia. Esta forma de encarar os grafismos tem gerado grande discussão, já que se for encarado como uma linguagem, ela deveria ter um fonema representante. Apesar disso, o principal argumento de Kelly de oliveira (2008) é que para as comunidades indígenas o belo tem sempre a função de perfeito; para eles não existe qualquer diferenciação tecnológica de arte, trabalho, lazer nem fazem distinções sobre a beleza e a qualidade. Dessa maneira, entende-se que o que foi bem feito, se a qualidade é boa, o objeto tem sua beleza. Assim, quando há um novo fator no processo de construção do objeto, este não é reprovado pelo grupo, desde que não fuja aos padrões tradicionais do grupo. O artista, então, é o indivíduo que consegue adaptar dentro dos padrões particulares já existentes da sua cultura, destaca Oliveira (2008). Kelly de Oliveira (2008) busca entender os grafismos guarani observando-os como signos com origens no sobrenatural dessa etnia, que foram transmitidos por seres 21 oLiVEiRA, Kelly. Estudando a cerâmica pintada da tradição Tupiguarani: a coleção Itapiranga, Santa Catarina. Dissertação de Mestrado, PUCRS, Porto Alegre, 2008.
50
RHAA 14
Thus, it is believed that to achieve an understanding of the meaning of painted artwork, they must be seen in two phases: during the breakdown of reason and later with the analysis of the whole design. These authors report that there should be laws that allow certain actions and situations within the complex social study. From these laws that would govern the cultures associated with uses compatible with the traditional institutions that would allow access to the meaning of motifs. A researcher from Rio Grande do Sul, Kelly de oliveira21 follows this thought of earlier authors, and from that decomposition of dreamed of minimum elements try to face these types of drawings as a language shared by ethnicity. This way of viewing the artwork has generated much discussion since it is seen as a language, it should have a representative phoneme. nevertheless, the main argument of Kelly de Oliveira (2008) is that for indigenous communities is beautiful has always perfect function, for they existed to any technological differentiation of art, work, leisure or make distinctions about the beauty and quality. Thus, it is understood that what was done well, if the quality is good, the object has its beauty. So, when a new factor in the construction of the object, this is not disapproved by the group, since they do not flee to traditional standards of the group. The artist, then, is the individual who can adapt to the standards existing individuals of their culture, highlighted by Oliveira (2008). Kelly de Oliveira (2008) seeks to understand the graphics Guarani watching them as signs of the supernatural origins of ethnicity, which were transmitted by mythical beings and eventually adopted by the community. This bias point is used in studies conducted by Denise Pahl Schaan22 when considering the ceramics marajoaras of northern Brazil. Thus, for an individual who is not inserted in this society, the minimum that can be seen in the graphics may seem overly simplified or similar to the object, but Oliveira (2008) believes this is because, for not belonging to this cultural system, the icon becomes weak or simply null, contrary to
oLiVEiRA, Kelly. Estudando a cerâmica pintada da tradição Tupiguarani: a coleção itapiranga, Santa Catarina. Dissertação de Mestrado, PUCRS, Porto Alegre, 2008. 22 SCHAAn, Denise Pahl. A linguagem iconográfica da cerâmica Marajoara. Dissertação de Mestrado, PuCRS, Porto Alegre, 1996. 21
Arqueologia e cultura Guarani what happens with the integrated individual, who would be perfectly understandable. From this perspective, therefore, oliveira (2008) believes that restricting the study of graphics Guarani, studies of the minimum elements and their possible combinations, would be the best way to understand the graphics of this group and its intricate system of visual communication. This author believes that the ceramic decoration should not be seen only by its functionality and aesthetics, as an artifact that holds only ceremonial adornments only aesthetic, she believes that the form contains within it an ability to convey information society, and thus such information are no longer accessible in their actual meanings, but the chances of being raised questions in this regard are not ruled out and that is the proposal that it believes these graphics systems to function as socially shared meanings. Sergio Batista da Silva,23 a respected anthropologist, also from Rio Grande do Sul, believes that this trend of studies of the artwork building on the minimum elements is a way outdated and prone to many errors in identifying the meaning of the drawings. it carries out cultural similarities between the prehistoric cultures and the Guarani groups actually identified as Guarani, inhabitants of the south of Brazil, Argentina and Paraguay, observing what was described by first making contact with these populations and ethnographies taken by him same and other scholars of the subject. in his work the author makes an interface between ethnology and archeology in the search for data on this population. His work stands for symbolic analysis, that is, understand the symbolism of the artwork for the population. The work of Silva (2001) field is divided into two stages - firstly, the indigenous people he worked with formal pointed categories or generic and a second time, with ethnographic research, this researcher had the opportunity of understanding these categories - companies with understanding the present understanding of the artwork Guarani, regardless of the medium, varying both baskets (ajaká) and in ceramics, or
SiLVA, Sergio Baptista da. Etnoarqueologia dos grafismos Kaingang: um modelo para a compreensão das sociedades Proto-Jê meridionais. 2001. Tese de Doutorado, Departamento de Antropologia, universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. 23
míticos e que acabaram adotados pela comunidade. Este viés de observação é utilizado nos estudos realizados por Denise Pahl Schaan22 quando analisa as cerâmicas marajoaras do norte do Brasil. Assim, para um indivíduo que não está inserido nessa sociedade, os elementos mínimos que podem ser observados nos grafismos podem parecer demasiadamente simplificados ou análogos em relação ao objeto, porém Oliveira (2008) acredita que isto ocorre porque, para os não pertencentes a este sistema cultural, o ícone torna-se fraco ou simplesmente nulo; ao contrário do que acontece com o indivíduo integrado, para quem seria perfeitamente compreensível. Sob essa perspectiva, portanto, Oliveira (2008) acredita que restringir o estudo dos grafismos guarani aos estudos dos elementos mínimos e suas possíveis combinações seria a melhor maneira de entender a arte gráfica desse grupo e seu intrincado sistema de comunicação visual. Esta autora pensa que a decoração cerâmica não deve ser vista somente por sua capacidade funcional e estética, enquanto um artefato cerimonial que comporta adornos apenas estéticos; ela acredita que o grafismo encerra em si uma capacidade de veicular informações da sociedade, e assim tais informações não estão mais acessíveis nos seus reais significados. Porém, as possibilidades de serem levantados questionamentos a esse propósito não são descartadas e é nessa proposta que ela acredita que esses grafismos funcionem como sistemas de significações socialmente compartilhados. Sérgio Batista da Silva,23 respeitado antropólogo, também do Rio Grande do Sul, acredita que esse viés de estudos dos grafismos partindo dos elementos mínimos é uma forma superada e suscetível a muitos erros na identificação do significado dos desenhos. Ele realiza trabalhos de analogias culturais entre as culturas pré-históricas guarani e os grupos atualmente identificados como Guarani, habitantes da região Sul do Brasil, Argentina e Paraguai, observando o que foi descrito pelos primeiros a fazer contatos com essas populações e etnografias colhidas por ele mesmo e outros estudiosos da temática. Em seu trabalho, o autor faz uma interface entre a etnologia indígena e a arqueologia na busca de dados referentes SCHAAn, Denise Pahl. A linguagem iconográfica da cerâmica Marajoara. 1996. Dissertação de Mestrado, PuCRS, Porto Alegre, 1996. 23 SiLVA, Sergio Baptista da. Etnoarqueologia dos grafismos Kaingang: um modelo para a compreensão das sociedades Proto-Jê meridionais. Tese de Doutorado, Departamento de Antropologia, universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. 22
RHAA 14
51
Glauco Constantino Perez a essa população. Seu trabalho preza pela análise simbólica, isto é, entender o significado simbólico do grafismo para a população. Em campo, o trabalho de Silva (2001) divide-se em duas etapas: em um primeiro momento os indígenas com quem trabalhou apontavam as categorias formais ou genéricas, e em um segundo momento, com pesquisas etnográficas, este pesquisador teve a possibilidade do entendimento dessas categorias, isto é, entender junto às sociedades do presente a compreensão dos grafismos guarani, independentemente do seu suporte, podendo variar tanto da cestaria (ajaká) quanto em cerâmicas, ou na madeira, como os objetos que imitam animais da fauna da região. Explicando melhor, temos que: o primeiro deles daria conta de categorias genéricas da forma, isto é, que não expressariam sentidos, como um fechado, enfileirado, zigue-zague simples, duplo zigue-zague ou mais; cruzado; fechado-comprido-enfileirado etc. Já o segundo sistema de classificação apresentado estabeleceria categorias de sentido aos grafismos e apontaria para significados subjacentes aos padrões gráficos. Assim, destaca o autor, dois desenhos poderiam ser denominados de duas formas diferentes; tanto poderiam ser simples formas geométricas, angulares ou curvas, quanto poderiam estar carregados de sentido, como o desenho das “asas da mariposa” ou mesmo o desenho “do casco do jabuti”, que são os mais representativos. Assim, como a nossa intenção a princípio não é selecionar uma perspectiva para o entendimento dos grafismos e sim mostrar as diversas formas de compreensão e entendimento perante as últimas publicações referentes à temática, a oportunidade diante disso é podermos perceber que o grafismo, seja da etnia guarani ou qualquer outra, perpassa muito mais do que pela simples esfera da cultura, absorvendo influências de todos os campos dessa sociedade.
Considerações Finais Este artigo teve como objetivo principal apresentar as últimas pesquisas com o acervo cerâmico de um sítio arqueológico do Estado do Paraná, o Córrego da Lagoa 2. Apesar de as pesquisas terem sido direcionadas de forma descritiva, esta temática nos permitiu que pesquisas bibliográficas fossem feitas e assim descortinar uma série de outras novas pesquisas que tiveram a intencionalidade de desvendar ou pelo menos 52
RHAA 14
wood as the objects that mimic animal fauna of the region. Explain, we have: the first one would realize generic categories of form, ie not express senses, like a closed, rowed, simple zigzag, double zigzag-zag or more; crossover open-long-queued, etc.. The second classification system presented establish categories of meaning to the graphics and point to underlying meanings to chart patterns. Thus, the author highlights two designs could be called in two different ways, both would be simple geometric shapes, angular or curved as it could be loaded with meaning, as the design of the “butterfly wings” or even the design “of the hull of tortoise” which are more representative. So, as our intention at first, not selecting a perspective for understanding the artwork, but, to show the different ways of understanding and view of the recent publications concerning the subject, the opportunity before it is that we can see that the styling of either the Guarani tribe or another, pervades much more than the simple realm of culture, absorbing influences from all fields of society. Final Considerations This article aimed to present the latest research on the ceramic collection of the archaeological site of the State of Paraná, the Córrego da Lagoa 2. Although the surveys were targeted in a descriptive way, this issue has allowed us to literature searches were made and thus unveil a host of other new research that had the intention of revealing or at least to understand the meanings of the motifs painted on ceramics. First, categorically characterize the archaeological site featuring quickly made the first contacts with local residents of the Archaeological site and the results of initial surveys of the collected material; studies by Ana Paula Simão (2002). After that, we present the new cut made for the current research and soon after, try to make notes that would indicate the various ways that have, in recent decades, seen the Guarani ceramic artwork by authors who are working in this field. We procedures analysis of ceramic material based on the methodology and concepts of La Salvia and Brochado (1989). Assuming, therefore, these concepts might explain behaviors and knowledge of the production of objects, whose behavior was transmitted between generations
Arqueologia e cultura Guarani and thus understanding the social construction of the group. The study of the ceramics made it possible to be raised and understood issues relating to the painting, such as understanding the distribution of artwork by the ceramic surface, the relationship between the type of artwork and its location in the fragment and even the format of the form, without being drawn geometrically. Still, we seek to group data on the artistic manifestations in order to study the relationship people have with their output, thus creating an information base about the range of views that art has in the academy. These show that is part of human nature to need to speak from experience, to conceptualize perceptions and exchange these concepts with others. Virtually all human societies, from the neolithic said Schaan (1996) refer to the explanation for these issues to the creation myths that tell stories about the origin of the group. They are myths that refer to a time when man did not exist as a human being, just as a group. From this, we believe that art permeates all social spheres: it can manifest in theater, body painting, or decoration of objects. Everything is connected to a sense that we call cosmological said Schaan (1996) again understanding that art enters the human world in which he lives. This view is the origin of man and how he should behave in the world and said ways of human behavior among their peers and thus, art is intertwined with the very culture of the group. The diversity of human manifestations is a feature peculiar cultures and highlight the elements of a common humanity between the groups. To Schaan (1996), human nature is not a common denominator that all cultures are included, but must be sought in the differences that enrich the vision of a common nature. Thus, despite the immense diversity of forms that have made adaptations to the environment of man, they have always been given to demonstrate an internal logic, from which are revealed similarities in seemingly different societies. indigenous culture represented in the form Guarani should be seen as a form of internal border to the group, but even so, exposes the uniqueness of ethnic groups before the permeate and who are in constant contact. Thus, this article sought corroborate with the publication of studies on the indigenous Guarani
de compreender os significados dos motivos pintados nas cerâmicas. Primeiramente, caracterizamos categoricamente o sítio arqueológico apresentando de maneira rápida os primeiros contatos feitos com os moradores da região do sítio arqueológico e os resultados das primeiras pesquisas feitas com o material recolhido, estudos feitos por Ana Paula Simão (2002). Após isso, apresentamos o novo recorte feito para a atual pesquisa e logo a seguir tentamos realizar apontamentos que pudessem indicar as diversas maneiras com que se tem, nas últimas décadas, encarado o grafismo cerâmico guarani pelos autores que realizam pesquisas nesse campo. Realizamos os procedimentos de análise do material cerâmico, tomando por base a metodologia e conceitos de La Salvia e Brochado (1989). Assim, partindo desses conceitos pudemos esclarecer comportamentos e conhecimentos da produção de objetos, sendo este comportamento transmitido entre gerações e assim entendendo a construção social do grupo. O estudo com as cerâmicas possibilitou que fossem levantadas e entendidas algumas questões relativas à pintura, como o entendimento da distribuição dos grafismos pela superfície cerâmica, as relações entre o tipo do grafismo e sua localização no fragmento e até mesmo o formato do grafismo, sem que fossem desenhados geometricamente. Buscamos, ainda, agrupar dados sobre as manifestações estéticas para poder conhecer as relações que os povos estabelecem com a produção artística, criando assim uma base de informações a respeito da gama de visões que a arte tem no meio acadêmico. Estes dados demonstram que faz parte da natureza humana a necessidade de narrar experiências, de conceitualizar percepções e de trocar esses conceitos com os outros. Praticamente todas as sociedades humanas, desde o neolítico, afirma Schaan (1996), remetem a explicação para essas questões aos mitos de criação, que narram histórias a respeito da origem do grupo. São mitos que se referem a um tempo em que o homem ainda não existia como ser humano, apenas como um grupo. A partir disso, entendemos que a arte permeia todas as esferas do social: ela pode se manifestar no teatro, na pintura corporal ou na decoração de objetos. Tudo está ligado a um sentido a que chamamos cosmológico, afirma Schaan (1996), mais uma vez entendendo que a arte insere o ser humano no mundo em que vive. Essa visão trata da origem do homem e de como ele deve comportar-se no mundo e dita maneiras do RHAA 14
53
Glauco Constantino Perez comportamento humano entre os seus semelhantes, e assim a arte confunde-se com a própria cultura do grupo. A diversidade das manifestações humanas é uma característica peculiar das culturas e nos evidencia os elementos de uma natureza humana comum entre os grupos. Para Schaan (1996), a natureza humana não é um denominador comum em que todas as culturas se incluem, mas deve ser buscada nas diferenças que enriquecem a visão de uma natureza comum. Assim, apesar da imensa diversidade de formas que assumiram as adaptações do homem ao ambiente, elas têm se dado sempre no sentido de demonstrar uma lógica interna, a partir da qual se revelam similaridades em sociedades aparentemente diferentes. A cultura indígena representada no grafismo guarani deve ser encarada como uma forma de fronteira interna ao grupo, mas que, mesmo assim, expõe a singularidade deste grupo perante os grupos étnicos que o permeiam e com quem estão em constante contato. Dessa maneira, esse artigo buscou corroborar com a divulgação dos estudos feitos sobre o grafismo indígena guarani, numa tentativa de coagular pesquisas que estão a se desenvolver no território brasileiro, dando um panorama geral sobre as visões de vários autores e a partir disso, também caracterizar e apresentar o acervo que é considerado o maior acervo cerâmico arqueológico guarani recolhido em um único sítio arqueológico e disponível para pesquisas. Este trabalho buscou contribuir para uma caracterização pormenorizada dos grafismos cerâmicos arqueológicos, podendo ampliar o conhecimento a respeito desses vestígios regionais, inovando e ampliando os modelos de ocupação nacional e entendimento sobre cada população.
54
RHAA 14
form in an attempt to clot searches that are being developed in the Brazilian territory, giving an overview of the views of various authors and from there, to characterize and present the collection that is considered the largest collection Guarani archaeological ceramics collected in one site and available for research. This study aimed to contribute to a detailed characterization of archaeological ceramic artwork could expand the knowledge about these traces regional innovating and expanding the types of occupation and national understanding of a population.
Arqueologia e cultura Guarani 1
2
3
1 Mapa Político do Estado do Paraná, retirado do site oficial do Município de Altônia, com um ponto em vermelho localizando a região do Sítio arqueológico Córrego da Lagoa 2. 2 Representações gráficas de Cambuchí e Cambuchí Caguabã respectivamente. (LA SALVIA & BROCHADO, 1989). 3
Números totais de fragmentos analisados.
RHAA 14
55
A Virgem amamentando o Menino e São João Batista criança em adoração, do Museu de Arte de São Paulo The Virgin nursing the Child and Saint John the Baptist in adoration of the Art Museum of São Paulo - MASP
FeRnAndA MARinHo Doutoranda em História da Arte pelo IFCH, Unicamp. Bolsista CNPq. E-mail: fernandamarinhoc@yahoo.com.br Phd student in Art History, iFCH, Unicamp. CnPq Sponsorship. e-mail: fernandamarinhoc@yahoo.com.br
ReSUMo A pintura Virgem amamentando o Menino e São João Batista criança em adoração, do Museu de Arte de São Paulo, atribuída a Giovanni Pietro Rizzoli, conhecido como Giampietrino, aponta relações com o cenário produtivo do Cinquecento lombardo caracterizado pela presença de Leonardo da Vinci. no entanto, a partir desta pintura podemos ampliar as possibilidades de diálogos artísticos traçados por este autor, enriquecendo a sua trajetória ainda pouco conhecida. PAlAvRAS-ChAve
Giampietrino, Renascimento Lombardo, Leonardo da Vinci.
The painting Virgin Nursing Child and Saint John the Baptist in adoration, of the Museum of Modern Art in Sao Paulo – MASP, attributed to Giovanni Pietro Rizzoli, known as Giampietrino points out the relations with the productive scenario of the Lombard Cinquecento characterized by the presence of Leonardo da Vinci. However, by this painting we can widen the possibilities of the artistic dialogs traced by this author, enriching his still obscure journey. ABSTRACT
KeywoRdS
Giampietrino, Lombard Renaissance, Leonardo da Vinci.
RHAA 14
57
Fernanda Marinho A pintura Virgem amamentando o Menino e São João Batista criança em adoração (Figura 1), proveniente da Coleção Simonetti e do Studio d’Arte Palma de Roma, foi doada ao Museu de Arte de São Paulo (MASP) por Tereza Bandeira de Mello e Silvério Ceglia, em 1947. Sua autoria foi atribuída a Giovanni Pietro Rizzoli, conhecido como Giampietrino, primeiramente por ettore Camesasca1 e mantida posteriormente por Luiz Marques,2 não suscitando, portanto, até o presente momento opiniões divergentes a este respeito. A polêmica está mais voltada à identificação de Giampietrino do que às obras a ele relacionadas, ou seja, apesar de encontrarmos muitas atribuições a este pintor, pouco se sabe a seu respeito. Para melhor compreendermos o cenário no qual este artista se insere, considerando o impacto causado pela presença de Leonardo da Vinci em Milão no final do Quattrocento, cabe-nos entender o perfil da arte lombarda do início deste século. Venturi3 analisa o percurso formal quattrocentesco lombardo a partir dos irmãos Benedetto e Bonifácio Bembo, destacando do primeiro a minúcia caligráfica, e do segundo o preciosismo da forma do políptico de Torrechiara e a rigidez das vestes nos retratos de Bianca Maria Visconti e Francesco Sforza (ambas conservadas na Pinacoteca de Brera, Milão). Caracteriza a arte lombarda pelos seus aspectos consideravelmente mais próximos dos resquícios da forma gótica do que pelos anseios renascentistas que já despontavam nos centros artísticos da itália. esta forte ligação mantida com as esquematizações medievais, mesmo no período do Renascimento, pode ser a razão das constantes associações da Lombardia à periferia italiana. A história da arte tende a estabelecer uma divisão territorial entre o centro produtivo e as suas margens, diferenciando-os principalmente a partir de uma suposta capacidade de originalidade inventiva. Roma, Florença e Veneza são frequentemente denominadas como o berço do Renascimento, enquanto que a Lombardia se caracterizaria por um anacronismo e dependência destes centros.
The painting Virgin nursing the Child and St. John the Baptist in adoration (Figure 1) from the Simonetti Collection and Studio d’Arte Palma in Rome, was donated to the Museu de Arte de São Paulo (MASP) by Teresa Bandeira de Mello and Silverio Ceglia in 1947. its authorship was attributed to Giovanni Pietro Rizzoli, known as Giampietrino, first by Ettore Camesasca1 and maintained thereafter by Luiz Marques,2 not raising, therefore, different opinions about it. The controversy is more focused on Giampietrino´s identity than the works attributed to him, that is, although we can find many references to this painter, little is known about him. To better understand the scenario in which this artist was part of, considering the impact caused by Leonardo da Vinci´s presence in Milan at the end of the Quattrocento, we must understand the profile of this century´s Lombard art. Venturi3 analyzes the formal path of the quattrocentesco Lombard through the brothers Bonifacio and Benedetto Bembo. Bonifacio known by the detail and preciousness of the calligraphic form of the altarpiece Torrechiara and, Benedetto by the rigidities of the dress in the pictures of Bianca Maria Visconti and Francesco Sforza (both kept in the Pinacoteca Brera, Milan). The Lombard art was characterized by its aspects considerably closer to the remnants of the Gothic than the Renaissance desires that were coming up in the artistic centers of italy. This strong link maintained, even during the Renaissance, with the medieval schematics, may be the reason why Lombardy was constantly associated to the outskirts of italy. Art history tends to establish a territorial division between the production center and its outskirts, differentiating them mostly from an alleged ability of inventive originality. Rome, Florence and Venice are often referred to as the cradle of Renaissance, while Lombardy is characterized by an anachronism and dependence of these centers.
CAMeSASCA, ettore. Trésors du Musée d’Art de São Paulo: de Raphael a Corot (I). Martigny: Fondation Pierre Gianadda, 1988. / CAMeSASCA, ettore. Da Raffaello a Goya...da Van Gogh a Picasso - 50 dipinti dal Museu de Arte di San Paolo del Brasile. Milano: Gabriele Mazzotta edizioni, 1987. 2 Catálogo Raisonné da Arte italiana do Museu de Arte de São Paulo, which is an upgrade of previous publications, the catalog and summary of 1963 and the inventory of 1982, both the PM Bardi. 3 VenTURi, A. Storia dell’arte italiana. (1915) Vii La Pittura del Quattrocento Parte iV. Milano: Ulrico Hoepli, 1983. 1
CAMeSASCA, ettore. Trésors du Musée d’Art de São Paulo: de Raphael a Corot (I). Martigny: Fondation Pierre Gianadda, 1988. / CAMeSASCA, ettore. Da Raffaello a Goya... da Van Gogh a Picasso – 50 dipinti dal Museu de Arte di San Paolo del Brasile. Milano: Gabriele Mazzotta edizioni, 1987. 2 Catálogo Raisonné da Arte italiana no Museu de Arte de São Paulo, que consiste em uma atualização de publicações anteriores, o catálogo e sumário de 1963 e o inventário de 1982, ambos de P. M. Bardi. 3 VenTURi, A. Storia dell’arte italiana. (1915) Vii La Pittura del Quattrocento Parte iV. Milano: Ulrico Hoepli, 1983. 1
58
RHAA 14
A Virgem de Giampietrino no MASP Berenson4 weaves rigid criticism towards the Lombard culture regarding the relationship established with these referral centers throughout the Renaissance, adopting them as a productive model. in other words, he seems to suggest that the Lombard Renaissance art was characterized, among other things, by a lack of identity, based on very prosperous artistic productions of the cities named above. This trial is justified by the intense practice of copying works from the great masters, which, according to the author, is mainly due to the absence of a “genius in Milan”.5 Copying for him was directly related to the lack of creative ability:
Berenson4 tece rígidas críticas à cultura lombarda no que diz respeito à relação que estabeleceu com tais centros de referência ao longo do Renascimento, adotando-os como modelo produtivo. em outras palavras, parece sugerir que a arte do Renascimento lombardo caracterizou-se, entre outras questões, por uma falta de identidade própria, muito baseada nas prósperas produções artísticas das cidades acima citadas. Tal julgamento justifica-se pela intensa prática da cópia de trabalhos de grandes mestres, que segundo o autor, deve-se principalmente à ausência de um “gênio em Milão”.5 A cópia para ele estava diretamente relacionada à ausência de capacidade criativa:
[...] mas a imitação, por parte do artista inábil será vazia e infecunda. na realidade, se este artista pudesse criar qualquer coisa de vivo e substancial, não precisaria imitar. Será uma imitação que nos mostrará a epiderme da beleza morta.6
[...] mas a imitação, por parte do artista inábil será vazia e infecunda. na realidade, se este artista pudesse criar qualquer coisa de vivo e substancial, não precisaria imitar. Será uma imitação que nos mostrará a epiderme da beleza morta.6
The connection between the identity of Lombard art, especially after Leonardo da Vinci, and the practice of copying is present since Vasari, who, writing about this region of italy, also mentioned that aspect, as shown below: [...] ma tornando ai pittori milanese, poichè Lionardo da Vinci vi ebbe lavorato il cenacolo sopra detto, molti cercarono d’imitarlo, e questi furono Marco Uggioni et altri, de’ qualli si è ragionato nella vitta di lui. et oltre quelli lo imitò molto bene Cesare da Sesto, anche’egli milanese, e fece, più di quel che s’è detto nella vita di dosso, un gran quadro che è nelle case della Zecca di Milano...7
However, while Berenson criticizes this lack of identity in the Milanese art, for Venturi its development was precisely connected to the increasing contacts established with such productive
4 BeRenSon, Bernhard. I Pittori Italiani del Rinascimento. (1932) Traduzione di emilio Cecchi. Milano: Ulrico Hoepli editore, 1935. 5 BeRenSon, 1935, p. 219. 6 “But the imitation, by the artist will be awkward empty and barren. in fact, if the artist could create something substantial and alive he would not need to imitate. it will be an imitation that will show us the skin of dead beauty”. BeRenSon, 1935, p. 220. 7 “But back to the Milanese painters, after Leonardo da Vinci worked on the dining room above, many began to imitate him, and these were Marco d’oggiono and others, whom are associated with him. Another one of those who followed his example, Cesare da Sesto, also from Milan, made more than those referred to in the life of Dosso, a big painting that is in the houses of Zecca from Milan [...]”. in: VASARi, Giorgio. Le Vite dei più eccellenti pittori, scultori e architetti. Grandi Tascabili economici newton, 2007, p. 1095.
A conexão entre a identidade da arte lombarda, principalmente pós Leonardo da Vinci, e a prática da cópia se faz presente desde Vasari, que ao escrever sobre esta região italiana, mesmo resumidamente, não deixa de citar tal aspecto, como vemos a seguir: [...] ma tornando ai pittori milanese, poichè Lionardo da Vinci vi ebbe lavorato il cenacolo sopra detto, molti cercarono d’imitarlo, e questi furono Marco Uggioni et altri, de’ qualli si è ragionato nella vitta di lui. et oltre quelli lo imitò molto bene Cesare da Sesto, anche’egli milanese, e fece, più di quel che s’è detto nella vita di dosso, un gran quadro che è nelle case della Zecca di Milano...7
no entanto, ao mesmo tempo em que Berenson critica esta dita falta de identidade própria da arte milanesa, o seu desenvolvimento, para Venturi, estava atrelado justamente aos crescentes contatos estabelecidos com tais centros produtivos. elege a decoração da Capela Portinari na igreja de San eustorgio, em Milão, como uma das maiores manifestações da pintura setentrional da época, pintada por Michelozzo entre 1462 e 1468, artista lombardo, mas formado em escola florentina. 4 BeRenSon, Bernhard. I Pittori Italiani del Rinascimento. (1932) Traduzione di emilio Cecchi. Milano: Ulrico Hoepli editore, 1935. 5 BeRenSon, 1935, p. 219. 6 BeRenSon, 1935, p. 220. 7 “Mas voltando aos pintores milaneses, depois que Leonardo da Vinci trabalhou no refeitório supracitado, muitos passaram a imitá-lo, e estes foram Marco d’oggiono e outros, dos quais se associaram a ele. outro daqueles que o imitou, Cesare da Sesto, também milanês, e fez mais do que aqueles referidos na vida de dosso, um grande quadro que está nas casas de Zecca de Milão [...]”. in: VASARi, Giorgio. Le Vite dei più eccellenti pittori, scultori e architetti. Grandi Tascabili economici newton, 2007, p. 1095.
RHAA 14
59
Fernanda Marinho Outra importante figura é Vincenzo Foppa (1427/30-1515/16), que segundo o autor interpreta as formas bembianas, mantendo assim o traço característico da tradição gótica, como nas suas representações da Virgem que apresentam um ar de austeridade e severidade. Mas ao mesmo tempo já mostra interesse nas novidades formais trazidas pelo Renascimento, como na sua pintura Crucifixão (Accademia Carrara, Bergamo) onde introduz a noção de espaço perspéctico a partir do efeito de afunilamento da paisagem. As obras de Foppa parecem ser as que mais denunciam a transição formal lombarda de reestruturação dos enrijecidos esquemas góticos a partir das novas experimentações renascentistas que fizeram das sólidas formas representações mais fluidas. Percebemos tais assimilações nas obras deste artista, principalmente devido ao contato com a arte de Bramante, evidenciada no afresco Virgem com Menino, São João Batista e São João Evangelista (Pinacoteca de Brera, Milão) e no investimento arquitetônico de sua composição. A presença de Leonardo e Bramante, incontestavelmente, suscitou uma “transformação radical, de estrutura da cultura figurativa lombarda na segunda metade do Quattrocento”, como bem assinalado por Argan.8 no entanto, para Berenson tais mudanças não pareciam indicar outro caráter artístico diferente daquele caracterizado pela cópia e pela graça, como se refere à “tonalidade de gentileza e sentimentalismo”,9 como características principais desta escola milanesa. Segundo o autor, Leonardo apenas teria contribuído indispensavelmente para que a esta graça10 fosse acrescida beleza. entretanto, muitos historiadores da arte destacam apenas aspectos negativos em relação à presença de Leonardo em Milão, devido a esta pressuposta uniformidade formal. Pietro Carlo Marani11 expõe tais questões focalizadas na recepção dos leonardescos pela crítica moderna de arte. Afirma que excetuando Solário (1460-1524), para Berenson; Marco d’oggiono (c. 1467-1524), Ambrogio de Predis (c. 1455-1508), Bernardino Luini (1480-1532), Andrea Solário e Bartolomeu
centers. He elected the decoration of the Portinari Chapel in the Church of San eustorgio, in Milan, one of the largest demonstrations of northern painting at that time. it was painted by Michelozzo between 1462 and 1468, Lombard artist, but trained in the Florentine school. Another important name is Vincenzo Foppa (1427/30 - 1515/16) who, according to the author, interpreted the bembians forms, thus maintaining the Gothic tradition characteristics, as in his depictions of the Virgin that present an air of austerity and severity. At the same time he showed interest in formal novelties brought by the Renaissance, as in his painting Crucifixion (Accademia Carrara, Bergamo) which introduces a perspective space by the narrowing effect in the landscape. Foppa’s works seem to be the pieces that show the most the formal Lombard transition of restructuring the stiff Gothic schemes based on new renaissance experiments that turned the solid forms into more fluid representations. We see such assimilations in the works of this artist, primarily due to the contact with Bramante´s art, shown in the fresco Madonna with Child, St. John the Baptist and Saint John the Baptist (Pinacoteca di Brera, Milan) and at the architectural investment of its composition. The presence of Leonardo and Bramante undoubtedly raised a “radical transformation of the structure of the Lombard figurative culture in the second half of the Quattrocento”, as well detected by Argan.8 However, for Berenson such changes did not seem to indicate another artistic aspect than that characterized by copy and grace, as he refers to as the “tone of kindness and sentimentality”,9 as the main characteristics of this Milanese school. According to the author, Leonardo would only have contributed indispensably to add a greater beauty to this grace.10 However many art historians highlight only the negative aspects related to the presence of Leonardo in Milan because of this assumed formal uniformity. Pietro Carlo Marani11 exposes these
ARGAn, Giulio Carlo. História da arte Italiana: de Giotto a Leonardo. vol. 2. São Paulo: Cosac & naify, 2003, p. 372. 9 BeRenSon, 1935; p. 220. 10 BeRnSon, 1935; p. 220, better explains the concept of grace by stating that this interpretation has two sides and may be synonymous of both inferiority and success, because while giving formal characteristics, as seen above, related to the “tone of kindness and sentimentality,” the grace would be what remains of beauty. 11 Pietro C. Marani at his article “The Question of Leonardo’s Bottega: Practices and the Transmissions of Leonardo’s ideas on Art and Painting”. in: The Legacy of Leonardo – Painters in Lombardy 1490-1530; Milano: Skira, 1998. 8
ARGAn, Giulio Carlo. História da arte Italiana: de Giotto a Leonardo. vol. 2. São Paulo: Cosac & naify, 2003, p. 372. 9 BeRenSon, 1935, p. 220. 10 BeRenSon, 1935, p. 220, explica melhor o conceito de graça afirmando que este possui dois lados interpretativos, podendo ser sinônimo tanto de inferioridade quanto de sucesso, pois apesar de conferir características formais, como vistas mais acima, relacionadas à “tonalidade de gentileza e sentimentalismo”, a graça seria aquilo que resta da beleza. 11 Pietro C. Marani em seu artigo “The Question of Leonardo’s Bottega: Practices and the Transmissions of Leonardo’s ideas on Art and Painting”. in: The Legacy of Leonardo – Painters in Lombardy 1490-1530; Milano: Skira, 1998. 8
60
RHAA 14
A Virgem de Giampietrino no MASP aspects focusing on how the critics of modern art received the Leonardesques. He states that except Solarium (1460-1524), for Berenson, Marco d’oggiono (c. 1467 to 1524), Ambrogio de Predis (c. 1455 to 1508), Bernardino Luini (1480-1532), Solarium and Andrea Bartolomeo Veneto (active between 1502-1531), for Geddo; Giovanni Antonio Boltraffio (c. 1467 to 1515) and Luini, for Longhi, is often said that the influence was detrimental to leonardesque Milanese painting. However, he says this critical trend has been tempered particularly after the latest compilation of inventories of works from this historical period, more reliable than those of the past, which allowed the identification of other Leonardesque, such as Master of the Pala Sforzesca (active from 1490-1520), Giampietrino, Boltraffio, Cesare da Sesto (1477-1523) and to a greater extent Marco d’oggiono. At the same time these new studies have expanded the scope of Leonardo´s influence in the Lombard capital, they have helped to determine the specificity of each of these artists related to the master. We can thus say that lately there has been a gradual renewal of studies on the Milan school of Leonardo, caused mainly by such recent inventory of old collections and also the analysis of new documents discovered, that enable us to study the prism of their more autonomous careers, and not necessarily always linked to the Florentine master. The anonymity of Giampietrino is mainly due to the lack of documentation that can brings us closer to a confirmation of his identity and the several variations of his name on the already known documents. it is known, however, that he is inserted in the art scene of the Cinquecento Lombard12 and worked for the workbench by Leonardo da Vinci in Milan between 1497 and 1500. The application of the technique demonstrates a close relation with the master´s work, that changed the course of art in Lombardy, creating a large school of followers, like Marco d’oggiono, Cesare da Sesto (c. 1477 to 1523), Bernardino Luini, Boltraffio, among others that would set a new artistic life in this region.
“With Milan at its Center, present-day Lombardy includes Varese and Como to the northwest; Pavia, Cremona, Brescia, Bergamo, and Mantua are its other major cities. in the sixteenth century, Mantua was an independent state ruled by the Gonzaga family, while Bergamo and Brescia were both part of Venice’s western terraferma. The proximity of the latter two to Milan, however, is deeply significant for the development of their artistic schools, and their painters are frequently grouped with other Lombard artists […]” BAYeR, Andrea. “Sixteenth-Century italian Painting in Lombardy and emilia-Romagna”. The Metropolitan Museum of Art Bulletin, new Series, v. 60, n. 4, 2003, p. 5.
12
Veneto (ativo entre 1502 e 1531), para Geddo; Giovanni Antonio Boltraffio (c. 1467-1515) e Luini, para Longhi, é de costume dizer que a influência leonardesca foi prejudicial à pintura milanesa. no entanto, diz ter sido esta tendência crítica amenizada, principalmente depois das últimas compilações de inventários das obras deste recorte histórico, mais confiável que as do passado, que possibilitaram a identificação de outros leonardescos, como Mestre da Pala Sforzesca (ativo entre 1490 e 1520), Giampietrino, Boltraffio, Cesare da Sesto (1477-1523) e em maior extensão Marco d’oggiono. estes novos estudos, ao mesmo tempo em que teriam ampliado o alcance das influências de Leonardo na capital lombarda, teriam ajudado a determinar a especificidade de cada um destes artistas relacionados ao mestre. desta forma, podemos dizer que ultimamente tem ocorrido uma gradativa renovação dos estudos sobre a escola milanesa de Leonardo, causada principalmente por tais recentes inventariados de antigos acervos e também pelas análises de novos documentos descobertos, que possibilitam que os estudemos sob o prisma de suas trajetórias artísticas mais autônomas, não necessariamente sempre atreladas ao mestre florentino. o anonimato de Giampietrino deve-se, principalmente, à falta de documentações mais consistentes, isto é, que nos aproximem de uma confirmação da sua identidade e à série de derivações de seu nome naqueles documentos já conhecidos. Sabe-se, entretanto, que está inserido no cenário artístico do Cinquecento lombardo12 e que trabalhou para a oficina instalada por Leonardo da Vinci em Milão entre 1497 e 1500. A aplicação da sua técnica mostra intensa relação com as produções do mestre que mudou o curso artístico da Lombardia, formando assim, uma grande escola de seguidores, como Marco d’oggiono, Cesare da Sesto (c. 1477-1523), Bernardino Luini, Boltraffio, entre outros que viriam definir uma nova trajetória artística nessa região. 12 “With Milan at its Center, present-day Lombardy includes Varese and Como to the northwest; Pavia, Cremona, Brescia, Bergamo, and Mantua are its other major cities. in the sixteenth century, Mantua was an independent state ruled by the Gonzaga family, while Bergamo and Brescia were both part of Venice’s western terraferma. The proximity of the latter two to Milan, however, is deeply significant for the development of their artistic schools, and their painters are frequently grouped with other Lombard artists […]” BAYeR, Andrea. Sixteenth-Century italian Painting in Lombardy and emilia-Romagna. The Metropolitan Museum of Art Bulletin, new Series, v. 60, n. 4, 2003, p. 5. / “Com Milão em seu centro, hoje em dia a Lombardia inclui Varese e Como no nordeste; Pavia, Cremona, Brescia, Bergamo e Mantua são as suas maiores cidades. no século 16, Mantua era um estado independente governado pela família Gonzaga, enquanto Bergamo e Brescia eram ambas parte da terra firme de Veneza. A proximidade das duas últimas a Milão, entretanto, é profundamente significante para o desenvolvimento de suas escolas artísticas, e seus pintores são frequentemente agrupados com outros artistas lombardos [...]” (Tradução livre da autora).
RHAA 14
61
Fernanda Marinho Pretende-se aqui examinar a pintura em questão sob um ponto de vista distinto daquele que estabelece a conexão entre Giampietrino e Leonardo da Vinci, ampliando os possíveis diálogos traçados pelo pintor, estabelecidos principalmente com artistas do norte europeu13 ou mesmo do ativo cenário veneziano seja a partir de contatos diretos ou indiretos.
A Identidade de Giampietrino
The Identity of Giampietrino
Para uma análise mais efetiva da pintura Virgem amamentando o Menino e São João Batista criança em adoração, procurando compreendê-la dentro do léxico produtivo de Giampietrino e de seu meio atuante, pensa-se ser importante a elaboração de uma ordem cronológica de sua vida ativa como pintor. no entanto, ao mesmo tempo em que este objetivo é traçado, deparamos com uma clara dificuldade que repousa em uma questão preliminar: quem foi Giampietrino? os documentos atualmente a ele relacionados apontam derivações de seu nome, nos levando a cogitar, sem maiores precisões, que as aproximações formais tratam de uma mesma pessoa. Seja referido como “Gioanpietro”, no Códice Atlântico, por Leonardo da Vinci; “Pietro Rizzo Milanese”, no Tratado da Pintura, de 13 Tal determinação geográfica vale ser aqui compreendida segundo as considerações de Bernard Aikema e Beverly Louise Brown (“Venice: Where North meets South”. in: Renaissance Venice and the north. editores: Thomes and Hudson, 1999) que entendem as divisões europeias segundo os aspectos geográficos e políticos da época: “The fifteenth and the sixteenth centuries were extremely varied and changing periods throughout all of europe. Generally speaking during this time europe was divided not only into constantly shifting local political units, but also into a larger geographic regions – determined by physical barriers such as rivers, seas and mountains – that more or less maintained homogeneous cultural identities. The magnificent peaks and precipices of Alps, for example, divided Europe north and south, presenting at times as much of a psychological barrier between climates and cultures as they did a physical one. But thanks to human endeavor what divides often also unites and the political, social, economic and cultural contact back and forth across the Alps in this period was prodigious unflagging. It therefore comes as something as a surprise to find that historical studies have usually clung to strict regional divisions separating the north from the South” (página 19). “os séculos 15 e 16 foram períodos extremamente variados e mutantes em toda a europa. Grosso modo, durante esta época a europa estava dividida não apenas em unidades políticas constantemente variantes, mas também em largas regiões geográficas – determinadas por barreiras físicas como rios, mares e montanhas – que mais ou menos mantiveram identidades culturais homogêneas. os mais altos picos e precipícios dos Alpes, por exemplo, dividiram a europa de norte a sul, presentes na época muito mais como barreira psicológica entre climas e culturas do que barreira física. Mas graças ao esforço humano, o que divide frequentemente também une, e o contato político, social, econômico e cultural antes e depois de cruzar os Alpes neste período era prodigiosamente incessante. isto, portanto, vem como algo surpreendente de achar que os estudos históricos têm normalmente se agregado em função de definir as divisões regionais separando o norte do Sul”.
62
The intention of this article is to examine the painting in question by a different point of view than the one that establishes the connection between Giampietrino and Leonardo da Vinci, expanding the possible dialogues drawn by the painter, set primarily with artists from northern europe 13 or even the active Venetian scenario through direct and indirect contacts.
RHAA 14
For a more effective analysis of the painting Virgin nursing the child and St. John the Baptist in adoration, seeking to understand it within the productive lexicon of Giampietrino and its active environment, is thought to be important to draw up a chronological order of his active life as a painter. However, while this goal is outlined, we face a clear difficulty that lies in a preliminary question: who was Giampietrino? The documents that currently refer to him point to variations of his name, leading us to wonder, without further detail than the formal approaches, that it is the same person. Referred to as “Gioanpietro” in the Atlantic Codex, by Leonardo da Vinci; “Pietro Rizzo Milanese” in the Treatise of Painting, by Lomazzo; “Gio Pedrini” in Memories, by Ambrogio Mazenta; or even as “Rizzo” in the documental quotes done for the Duomo of Milan. We may be talking about Giampietrino in all these cases.
This geographical determination is worth being understood according to considerations of Bernard Aikema e Beverly Louise Brown (“Venice: Where North meets South”. in: Renaissance Venice and the north. editores: Thomes and Hudson, 1999) who understand the european divisions by the geographic and politic aspects of that time: “The fifteenth and the sixteenth centuries were extremely varied and changing periods throughout all of europe. Generally speaking during this time europe was divided not only into constantly shifting local political units, but also into a larger geographic regions – determined by physical barriers such as rivers, seas and mountains – that more or less maintained homogeneous cultural identities. The magnificent peaks and precipices of Alps, for example, divided europe north and south, presenting at times as much of a psychological barrier between climates and cultures as they did a physical one. But thanks to human endeavor what divides often also unites and the political, social, economic and cultural contact back and forth across the Alps in this period was prodigious unflagging. It therefore comes as something as a surprise to find that historical studies have usually clung to strict regional divisions separating the north from the South” (page 19).
13
A Virgem de Giampietrino no MASP Shell and Sironi14 organized a compendium of documents possibly related to this artist.15 We say “possibly” due to the absence of a main document or other evidence that aggregates information already found, and thus confirm that the names indicated above refer or not to the same person. The article is devoted mainly to the analysis of possible connections between Giampietrino and allusions to Giovanni Pietro Rizzoli. However, on the first notes the authors mention the existence of data about Pietro Rizzo, documented between 1481 and 1500,16 which shows links with the Scuola di San Luca and the duomo in Milan. Because of the early dating of these activities, Shell and Sironi decisively exclude the possibility of identification with Giampietrino, whose work, according to them, is certainly dated during the Cinquecento. on the other hand, they state in their article that “Gio. Pedrini” quoted by Ambrogio Mazenta17 as one of the disciples of Leonardo da Vinci could be a variation of Giovanni Pietro, a name pretty close to Giovanni Pietro Rizzoli. The documents examined regarding Rizzoli are dated later-between 1508 and 1547, which for Shell and Sironi could point to a stronger connection to Giampietrino. The first report documented, dated 1508, mentions his apprentice Ugo da Faiate, for whom he paid 15 scudi and to whom he provided accommodation and food during one year of work (a price above the average, which could lead us to wonder that his pupil had had experience as a painter before). There are also records of another disciple, Giovanni Francesco Boccaldoli, who in 1517 complaint to his master about the delay on his payment and on having to provide the master with six
14 SHeLL, Janice; SiRoni, Grazioso. “Some documents for Giovanni Pietro Rizzoli: il Giampietrino?” in: Raccolta Vinciana. Fascicolo XXV. Milano: Castelo Sforzesco, 1993. 15 See: MoTTA, e. “L’Università dei pittori milanese nel 1481”. in: Archivo Storico Lombardo, 1895, p. 413. / SHeLL, Janice. “The Scuola di San Luca, or Universitas Pictorum, in Renaissance Milan”. in: Arte Lombarda, 104, 1993/1, p. 89-91. / Archivo di Stato di Milano, Fondo notoriale, not. Benino Cairati, f. 2186, 15 February, 1489. / Annali del duomo di Milano, iii, Milan, 1880, p. 75. 16 “There was a ‘real’ painter named Giovanni Pietro Rizzo, who can be documented between 1481 and 1500 or thereabouts. Rizzo’s name appears in a procura executed for the Scuola di San Luca in 1481; in 1489 he took an apprentice; in 1493 did work for the fabbrica of the Milan duomo”. in: SHeLL, Janice; SiRoni, Grazioso. “Some documents for Giovanni Pietro Rizzoli: il Giampietrino?” in: Raccolta Vinciana. Fascicolo XXV. Milano: Castelo Sforzesco, 1993, p. 132. 17 Le Memories su Leonardi da Vinci di don Ambrogio Mazenta ripubblicate ed illustrate da d. Luigi Gramatica, Milan, 1919, p. 18.
Lomazzo; “Gio Pedrino”, em Memories, de Ambrogio Mazenta; ou mesmo como “Rizzo”, nas citações documentais como as dos trabalhos feitos para o duomo de Milão, por exemplo, podemos estar falando de Giampietrino em todos estes casos. Tratemos, portanto, destas evidências a ele relacionadas como um ponto de partida para a análise da pintura em questão. Shell e Sironi14 organizaram um compêndio dos documentos possivelmente relacionados ao nosso artista de interesse.15 diz-se “possivelmente” devido ao fato da ausência de um documento principal ou outro tipo de evidência que agregue as informações já encontradas, podendo assim confirmar que os nomes apontados acima se refiram ou não a uma mesma pessoa. o artigo dedica-se basicamente à análise das possíveis relações entre Giampietrino e as alusões a Giovanni Pietro Rizzoli. no entanto, já nas primeiras notas os autores mencionam a existência de dados referentes a um Giovanni Pietro Rizzo, documentado entre 1481 e 1500,16 que teria ligações com a Scuola de San Luca e o duomo de Milão. devido à precoce datação de suas atividades, neste caso Shell e Sironi excluem decisivamente a possibilidade de identificação com Giampietrino, cujos trabalhos, segundo eles, são seguramente datados do Cinquecento. no entanto, por outro lado consideram que o “Gio Pedrino” citado por Ambrogio Mazenta17 como um dos discípulos de Leonardo da Vinci possa ser uma derivação de Giovanni Pietro, uma designação consideravelmente próxima à de Giovanni Pietro Rizzoli. os documentos analisados, referentes a Rizzoli, apresentam datações mais tardias, compreendidas entre 1508 e 1547, o que para Shell e Sironi poderia acusar uma relação maior 14 SHeLL, Janice; SiRoni, Grazioso. “Some documents for Giovanni Pietro Rizzoli: il Giampietrino?” in: Raccolta Vinciana. Fascicolo XXV. Milano: Castelo Sforzesco, 1993. 15 Para os documentos mais relevantes ver: MoTTA, e. “L’Università dei pittori milanese nel 1481”. in: Archivo Storico Lombardo, 1895, p. 413. / SHeLL, Janice. “The Scuola di San Luca, or Universitas Pictorum, in Renaissance Milan”. in: Arte Lombarda, 104, 1993/1, p. 89-91. / Archivo di Stato di Milano, Fondo notoriale, not. Benino Cairati, f. 2.186, 15 February, 1489. / Annali del duomo di Milano, iii, Milan, 1880, p. 75. 16 “There was a ‘real’ painter named Giovanni Pietro Rizzo, who can be documented between 1481 and 1500 or thereabouts. Rizzo’s name appears in a procura executed for the Scuola di San Luca in 1481; in 1489 he took an apprentice; in 1493 did work for the fabbrica of the Milan duomo”. in: SHeLL, Janice; SiRoni, Grazioso. “Some documents for Giovanni Pietro Rizzoli: il Giampietrino?” in: Raccolta Vinciana. Fascicolo XXV. Milano: Castelo Sforzesco, 1993, p. 132. / “existiu um pintor ‘de verdade’ nomeado Giovanni Pietro Rizzo, que pode ser documentado entre 1481 e 1500 aproximadamente. o nome Rizzo aparece na procura da fabbrica do duomo de Milão”. (Tradução livre da autora) 17 Le Memories su Leonardi da Vinci di don Ambrogio Mazenta ripubblicate ed illustrate da d. Luigi Gramatica, Milan, 1919, p. 18.
RHAA 14
63
Fernanda Marinho com Giampietrino. A primeira notícia documentada, datada de 1508, menciona o seu aprendiz Ugo da Faiate, para quem pagava 15 scudi, além de fornecer hospedagem e alimentação, durante um ano de trabalho (um preço acima da média, o que poderia nos levar a cogitar que seu discípulo já havia tido experiências como pintor anteriormente). Há registros também de outro discípulo, Giovanni Francesco Boccaldoli, que em 1517 teria efetuado uma queixa ao seu mestre a respeito do atraso de seu pagamento, além de ter que lhe fornecer seis tonéis de vinho regularmente. os documentos, de modo geral, nos dão a impressão de que Giampietrino possa ter tido uma vida economicamente confortável, pois além da presença de dois discípulos, em 1509 teria comprado dos monges de San Pietro em Gessate a paróquia de San Protásio pelo custo de 2.350 liras, apesar de ter morado com seu pai, Galeazzo, na paróquia de São Tommaso, em Porta Cumana até pelo menos 1511. desse mesmo ano existe um protesto assinado por ele contra a Scuola di San Luca. Há, portanto, aqui uma primeira coincidência entre os nomes de Giovanni Pietro Rizzo e Rizzoli: ambos mostram relações com a Scuola. e junto a esta evidência soma-se o contrato da oficina do Duomo de Milão em 1533, que encomendaria a Rizzoli uma série de cartões para a execução de tapeçarias destinadas à representação da vida da Virgem, o que seria uma segunda coincidência, se lembrarmos da participação de Giovanni Pietro Rizzo nesta oficina em 1493. Shell e Sironi também apontam um vínculo entre Rizzoli e a ordem dos Hieronimitas da igreja de San Cosmo e damiano, corroborado por dois testemunhos dados por ele a respeito da comprovação de pagamentos efetuados pelo monastério, segundo os autores datados de 1515 e 1517. Sabe-se que para esta ordem trabalhou em duas encomendas: o retábulo da Virgem com Menino com São Jerônimo e São João Batista, para a igreja de San Marino em Pavia (Figura 2); e um tríptico Virgem com Menino, São Jerônimo, São João Batista, São Pedro e São Paulo, em ospedaleto Lodigiano (Figura 3). Possivelmente Giampietrino era contratado pela ordem, o que leva Shell e Sironi a cogitarem uma ligação com Angelico Marliani, um dos monges do Castellazo, em cujo refeitório se encontrava a Última Ceia, destruída em 1943 e atribuída hoje a Giampietrino (relacionando-o desta vez a Rizzoli). no entanto, como Motta nos descreve abaixo, a relação entre a ordem Hieronimita e Giampietrino pode ampliar nossas considerações a respeito da identificação de Rizzoli com Rizzo, o primeiro nome descartado pelos autores como possibilidade de aproximação ao nosso artista de interesse: 64
RHAA 14
barrels of wine regularly. The documents generally give us an overall impression that Giampietrino may have had a financially comfortable life. Beyond the presence of two students, in 1509 he bought the parish of San Protásio from the monks of San Pietro in Gessate, for 2350 liras, despite having lived with his father Galeazzo in the parish of San Tommaso, in Porta Cumana, until at least 1511. in the same year there was a protest signed by Giampietrino against the Scuola di San Luca. That being said, we can see here a first match between the names of Rizzo and Giovanni Pietro Rizzoli: both show a connection with the Scuola. Add to this evidence an agreement, made in 1533, between the Milan´s Cathedral workshop and Rizzoli, in which the Cathedral ordered a series of cards for the production of tapestries for the representation of the Virgin´s life. That would be a second coincidence, if we remember Giovanni Pietro Rizzo was part of this workshop in 1493. Shell and Sironi also show a link between Rizzoli and the Hieronymites order of the church of San Cosmo e damiano corroborated by two statements given by Rizzoli about the proof of payments made by the monastery, according to the authors dated of 1515 and 1517. it is known that he worked for the order of the Hieronymites in two projects: the altarpiece of the Virgin and Child with St. Jerome and St. John the Baptist, for the church of San Marino in Pavia (Figure 2) and a triptych Madonna and Child, St. Jerome, St. John the Baptist, St. Peter and St. Paul, in ospedaleto Lodigiano (Figure 3). Giampietrino was possibly hired by the order, which leads Shell and Sironi to wonder about a link with Marliani Angelico, one of the monks of Castellaz, in which dining room was the Last Supper, destroyed in 1943 and attributed today to Giampietrino (now relating his name to Rizzoli´s). However, as Motta described below, the relationship between the Hieronymite order and Giampietrino can expand our considerations about the identification of Rizzoli with Rizzo, the first name disregarded by the authors as a possible connection with the artist of interest: L’università o scuola de Milano, come quelle di Cremona e d’altre città d’italia, era sotto la protezione di San Luca evangelista e radunavansi e di lei affigliati nella chiesa dei SS. Cosma e damiano, dappoi
A Virgem de Giampietrino no MASP trasformata in teatro, e nota ancora più per la belissima porta verso via Filodramatici.18
Given the proximity between the school and the order, we can ponder that Rizzo of the end of the fifteenth century would not be far from Rizzoli of the beginning of the next century, since according to the documents examined by the two authors the the church of San Cosmo e damiano was the church of the order of the Hieronymites. That is where, as we see in the quote above, the Scuola di San Luca was situated. The connection between these names gets narrower, making it difficult to deny any identification between them. despite the fact that such references are at least twenty-six years distant from each other (between the first date related to Rizzo, 1482, and the first date related to Rizzoli, 1508), we are more and more inclined to approach them. Although she does not mention Rizzo, Cristina Geddo presents us with a document that can help argue for this reason: the annual income record of residents of Milan, created by a Senate´s decree between 1524 and 1529, where is written “Porta Cumana Holy Protasio the Monacho / Jo Magistro. Pietro Rizzoli depentore - ducati 250”19, without any reference to any other painter of similar name. Shell and Sironi point out that the latest documentation reviewed indicates a positive career, because Rizzoli in 1537 would have been part of a group of consultants from the duomo, among two other artists, niccolò Appiani and Cristoforo Bossi. in the same year Rizzoli assessed in 25 to 30 scudi the commission payment of the fellowship of the church Santa Maria in Savona, to the sculptor Andrea Corbetta and in 1543, he partnered with the merchant Alessandro Bizozeri in order to buy goods
18 MoTTA, emilio. “L’università dei pittori Milanese nel 1481 con alter documenti d’arte del Quattrocento”. in: Archivo Storico, 1895, p. 409. / “The University and School of Milan, like that of Cremona and other cities in italy, was under the protection of the Saint Luke and it was located next to the church of San Cosmo e damiano, which was transformed into a theater and then got even more distinct by the beautiful gate at Filodramatici Street”. 19 Archivo Storico Cívico di Milano. Famiglie, cart 1629: estimo. Rubrica de’ S.S.Reddituarii Abitanti nelle Parrocchie di Milano e loro entrate in ragione di ducati annui, 1524-1529, f. 224 v. Publicado e comentado em: Geddo, Cristina. “La Madonna di Castel Vitone del Giampietrino”. in: PedReTTi, Carlo. (org.) Achademia Leonardi Vinci. Journal of Leonardo Studies & Bibliography of Vinciana. Vol. Vii. Florença: Giunti, 1994, p. 57-67. / “Porta Cumana Sam Protásio at Mônaco / Master Jo. Pietro Rizzoli painter – 250 ducados”.
L’università o scuola de Milano, come quelle di Cremona e d’altre città d’italia, era sotto la protezione di San Luca evangelista e radunavansi e di lei affigliati nella chiesa dei SS. Cosma e Damiano, dappoi trasformata in teatro, e nota ancora più per la belissima porta verso via Filodramatici.18
Sabendo desta proximidade entre a escola e a ordem, ponderamos cada vez mais ser possível pensar que Rizzo do final do século 15 não estaria muito distante de Rizzoli do início do século seguinte, uma vez que segundo os documentos analisados pelos dois autores em questão a igreja da ordem Hieronimita era a de San Cosmo e damiano, onde, como percebemos na citação acima, localizava-se a Scuola de San Luca. Cada vez mais as relações entre estes nomes se estreitam, dificultando que neguemos alguma identificação entre eles. Apesar de se tratar de referências de pelo menos 26 anos de diferença (entre a primeira data relativa a Rizzo, 1482, e a primeira a Rizzoli, 1508), estamos cada vez mais inclinados a aproximá-los. Apesar de não mencionar Rizzo, Cristina Geddo nos apresenta um documento que pode nos ajudar a argumentar a este favor: o registro de renda anual dos residentes de Milão, compilado pelo decreto do Senado entre 1524 e 1529, onde se escreve “Porta Cumana Santo Protasio a Monacho / Magistro Jo. Pietro Rizzoli depentore – ducati 250”,19 não mencionando outro pintor de nome parecido. Shell e Sironi destacam que as últimas documentações analisadas indicam uma positiva carreira profissional, pois em 1537 Rizzoli teria feito parte de um grupo de consultores do duomo, entre outros dois artistas, niccolò Appiani e Cristoforo Bossi. nesse mesmo ano teria avaliado entre 25 e 30 scudi o pagamento de uma encomenda da confraternidade da igreja de Santa Maria, em Savona, ao escultor Andrea Corbetta e em 1543, se associado ao comerciante Alessandro Bizozeri com a intenção de comprarem bens a serem vendidos fora da 18 MoTTA, emilio. “L’università dei pittori Milanese nel 1481 con alter documenti d’arte del Quattrocento”. in: Archivo Storico, 1895, p. 409. / “A Universidade ou escola de Milão, como aquela de Cremona e de outras cidades da itália, estava sobre a proteção de São Lucas evangelista e se localizava junto à igreja de São Cosme e damião, depois transformada em teatro, e distinta ainda mais pela belíssima porta da rua Filodramatici”. (Tradução livre da autora) 19 Archivo Storico Cívico di Milano. Famiglie, cart 1629: estimo. Rubrica de’ S.S. Reddituarii Abitanti nelle Parrocchie di Milano e loro entrate in ragione di ducati annui, 1524-1529, f. 224 v. Publicado e comentado em: Geddo, Cristina. “La Madonna di Castel Vitone del Giampietrino”. in: PedReTTi, Carlo. (org.) Achademia Leonardi Vinci. Journal of Leonardo Studies & Bibliography of Vinciana. Vol. Vii. Florença: Giunti, 1994, p. 57-67. / “Porta Cumana São Protásio em Mônaco / Mestre Jo. Pietro Rizzoli pintor – 250 ducados”. (Tradução livre da autora)
RHAA 14
65
Fernanda Marinho itália, principalmente na espanha.20 E por fim, em 1547, doaria a generosa quantia de 2.500 liras à sua filha Angélica em razão de seu casamento com Giovanni Francesco Sormani.
to be sold out of italy, mainly in Spain.20 Finally, in 1547, Rizzoli donated a generous 2500 lire to his daughter Angelica in reason of her wedding to Giovanni Francesco Sormani.
A maioria dos documentos existentes, como visto aqui, refere-se mais a Giovanni Pietro Rizzoli do que a Giovanni Pietro Rizzo. no entanto, ainda que escassas as evidências de um ponto comum entre eles, foi possível destacar algumas considerações, que pelo menos não descartam a possibilidade de estarmos nos referindo à mesma pessoa. Para nos ajudar a acreditar que nestes casos analisados nos referíamos a Giampietrino somam-se a estes documentos outras evidências, como o Codice Atlantico, de Leonardo da Vinci, no qual se encontra uma inscrição sua, datada entre 1497 e 1500, na qual podemos observar uma lista de cinco nomes, possivelmente relacionados à sua primeira oficina de Milão, onde entre eles encontramos o de “Gianpietro”.21 em 1584, em seu livro Vii do Tratado da Pintura22 Lomazzo refere-se a “Giovanni Pietro Rizzoli” como um dos discípulos mais famosos de Leonardo, e no apêndice deste mesmo livro – “tavola dei nomi de gl’artefici” – especifica que este é um “Pietro Riccio”, pintor milanês. Nesta referência percebemos que pareciam comuns tais variações do nome do artista, o que nos leva a cogitar que Pietro Riccio e Giovanni Pietro Rizzoli se tratavam de Gianpietro mencionado por Leonardo, uma designação muito mais próxima à de Giampietrino.
Most of the existing documents, as seen here, refer more to Giovanni Pietro Rizzoli than Pietro Rizzo. However, even limited evidence of a common point between them, it was possible to highlight some considerations, at least not disregard the possibility that we are referring to the same person. To help us believe that in the analyzed cases we are referring to Giampietrino, there are other evidence that can be added to the already existing documents. evidences like the Codice Atlantico of Leonardo da Vinci, where we can see a list of five names, dated between 1497 and 1500, possibly related to his first workshop in Milan, where we can find the name “Gianpietro”.21 in 1584, Lomazzo in his book Vii of the Treatise on painting22 refers to “Giovanni Pietro Rizzoli,” as one of the most famous disciples of Leonardo and in the appendix of the same book - “tavola dei nomi of gl’artefici” – he specifies that he is “Pietro Riccio,” a Milanese painter. This reference shows that these variations of the name of the artist were common, which leads us to wonder that Pietro Riccio and Giovanni Pietro Rizzoli were the Gianpietro, mentioned by Leonardo, a much closer variation to Giampietrino.
Levando em conta tais considerações, poderíamos assumir que a sua vida ativa teria sido iniciada pelo menos em 1481, por meio de alguma ligação com a Scuola di San Luca e que tenha permanecido vivo pelo menos até 1547, em razão do mais recente documento conhecido, o que compreenderia só neste período 66 anos de vida, sem contar com aproximadamente dez anos antes deste primeiro documento (uma faixa etária possível para um início de carreira). Se a data dos documentos realmente corresponder à época dos eventos que trata, este cálculo é razoável e podemos considerar que Giovanni Pietro Rizzo, Rizzoli ou Giampietrino tenha tido uma vida ativa bastante intensa e produtiva, de abundâncias econômicas e fama dentro de seu meio artístico. Segundo estes autores, no documento lê-se que Rizzoli teria investido 300 liras e Bizozeri 1.500. Além deste acordo, menciona-se também que o comerciante deveria treinar o filho de Rizzoli, Gerolamo, por cinco anos. 21 dA VinCi, Leonardo. Codice Atlantico. Volume iii; 264 rb, p. 713. Firenze: Giunti, 1973-80 (facsimile). 22 LoMAZZo, Giovanni Paolo. Tratatto dell’arte della pittura, scultura et architettura. Milão: P. G. Ponzio, 1585. 20
66
RHAA 14
Taking into account these considerations, one would assume that his active life would have started at least in 1481, through some connection with the Scuola di San Luca and that he remained alive at least until 1547. That is based on the latest known document totalizing until this time 66 years of life not counting about ten years before the first document (a reasonable age to start a career). if the date on the documents actually correspond to the time of the events in question, the calculation is reasonable and we can consider that Pietro Rizzo, Rizzoli or Giampietrino had a very intense and productive life with financial abundance and fame within his artistic milieu. it is important, however, to clarify that to take this connection to be true is still a dangerous position in the context of studies of this painter. Although we consider Shell´s opinion to be radical when he eliminates any possibility of identification of Rizzo with Giampietrino (leading us towards
20 According to those authors, in this document is read that Rizzoli would had invested 300 liras and Bizozeri 1500. Beyond this deal, it mentions also that the trader had to teach Rizzoli’s son during 5 years. 21 dA VinCi, Leonardo. Codice Atlantico. Volume iii; 264 rb, pg 713. Firenze: Giunti, 1973-80 (facsimile) 22 LoMAZZo, Giovanni Paolo. Tratatto dell’arte della pittura, scultura et architettura. Milão: P.G. Ponzio, 1585.
A Virgem de Giampietrino no MASP Pietro Marani´s opinion),23 we cannot adopt the exact opposite as a starting point for this research. However, it was possible to expand the field of research about this artist from the data so far uncontested. Let us start with the analysis of the painting of the church of Pavia. This work has been attributed to Bernardino Lanino (c. 1512 to 1581),24 Cesare da Sesto25 and Salai26 (c. 1480-1524) before Giampietrino, only in 1879,27 when studies about him began to grow. in its epigraph it can be seen an inscription about the request for the painting by Lodovica Colletti, in reason of the death of her husband, the hieronymite knight Giovanni Simone Fornari, who died in 1506, an early date for the painting (dated on the epigraph 1521). The involvement of Giampietrino with that family leads us to contemplate another possible relationship of the artist: Simone Fornari (the late Giovanni´s grandfather) was Galeazzo Maria Sforza´s adviser and he financed a considerable amount to Sforza, in 1475. in return for this service Fornari received
23 Marani in his article Per il Giampietrino: nuove analisi nella Pinacoteca di Brera e un grande inedito. in: Raccolta Vinciana, Facículo XXiii. Milano, Castelo Sforzesco, 1989, pg 33 a 55: “La Shell è scettica sulla possibilità di far concidere il ‘Gianpietrino’ citato da Leonardo com il Giovanni Pietro Rizzi di cui parla il Lomazzo e di collegare a questo le opere pittoriche che vanno sotto al nome del Giampietrino. Giovanni Pietro Rizzi è infatti l’artista che stipula un contratto nel 1481 con la Scuola di San Luca e che lavora per la Fabbrica del duomo di Milano nel 1493, date che sembrano troppo precocci rispetto alla cronologia tradizionalmente assunta per i dipinti del cosidetto Giampietrino. Tuttavia, l’appunto di Leonardo citato nella nota precedente, riferisce di un ‘Gianpietro’ vivente verso il 1497-1500 e che potrebbe proprio alludere, piu che al fantomatico Giampietrino, a Giovanni Pietro Rizzi”. (pg 34). / “Shell is skeptical about the possibility of matching ‘Gianpietro’ mentioned by Leonardo, with Pietro Rizzi mentioned by Lomazzo and to attribute to Lomazzo the pictorial works that are linked to the name of Giampietrino. Pietro Rizzi is actually the artist who stipulates a contract in 1481 with the Scuola di San Luca and who worked for the Fabbrica del duomo in Milan in 1493, date that seems too early regarding the traditional chronology related to the paintings of the so called Giampietrino. However, the indication of Leonardo cited in previous note refers to a Gianpietro who lived between 1497 and 1500 and could refer to, rather than the imaginary Giampietrino, to Giovanni Pietro Rizzi. (Free translation by the author) 24 Attribution firstly sugested by Franceco Bartoli, in 1777 and after registered in MALASPinA, Luigi. Guida di Pavia. Pavia, 1819. 25 MoRBio, Carlo. Storie dei municipi italiani illustrate com documenti inediti, notizie biobibliographiche e di Belle Arte, I, Milano, 1836, p. 128. 26 SACCHI, Defendente. “Appendice. Bibliografia”. Gazzetta Privilegiata di Mliano, v. 213, n. 31, jul. 1836, p. 837. 27 LÜBKE, W. Geschichte der Italienischen Malerei vom vierten bis ins sechzehnte Jahrhundert, II, Stuttgart, 1879, p. 448.
É importante, no entanto, esclarecermos desde já que assumir esta relação como verdadeira é ainda uma posição perigosa no âmbito dos estudos relativos a este pintor. Apesar de considerarmos a opinião de Shell radical quando elimina qualquer possibilidade de identificação de Rizzo com Giampietrino (nos aproximando assim mais a Pietro Marani),23 também não podemos adotar o radicalismo oposto como ponto de partida desta pesquisa. Contudo, foi possível ampliar o campo de investigação a respeito deste artista a partir de dados até agora não contestados. Comecemos, portanto, pela pintura da igreja de Pavia. esta obra já foi atribuída a Bernardino Lanino (c. 1512-1581),24 a Cesare da Sesto25 e Salai26 (c. 1480-1524), antes de Giampietrino, apenas em 1879,27 quando os estudos a seu respeito começaram a ser ampliados. A pintura de Pavia registra em sua epígrafe a inscrição a respeito de sua encomenda por Lodovica Colletti, em razão da morte de seu marido, o cavaleiro heronimitano Giovanni Simone Fornari, falecido em 1506, data precoce para a pintura (datada na epígrafe de 1521). o envolvimento de Giampietrino com esta família nos leva a cogitar uma outra possível relação do artista: Simone Fornari (avô paterno do falecido Giovanni) era conselheiro de Galeazzo Maria Sforza, tendo ainda Fornari Marani expõe sua opinião a respeito na segunda nota de seu artigo Per il Giampietrino: nuove analisi nella Pinacoteca di Brera e un grande inedito. in: Raccolta Vinciana, Fascículo XXiii. Milano, Castelo Sforzesco, 1989, pp. 33 a 55: “La Shell è scettica sulla possibilità di far concidere il ‘Gianpietrino’ citato da Leonardo com il Giovanni Pietro Rizzi di cui parla il Lomazzo e di collegare a questo le opere pittoriche che vanno sotto al nome del Giampietrino. Giovanni Pietro Rizzi è infatti l’artista che stipula un contratto nel 1481 con la Scuola di San Luca e che lavora per la Fabbrica del duomo di Milano nel 1493, date che sembrano troppo precocci rispetto alla cronologia tradizionalmente assunta per i dipinti del cosidetto Giampietrino. Tuttavia, l’appunto di Leonardo citato nella nota precedente, riferisce di un ‘Gianpietro’ vivente verso il 1497-1500 e che potrebbe proprio alludere, piu che al fantomatico Giampietrino, a Giovanni Pietro Rizzi”. (p. 34). / “A Shell é cética quanto à possibilidade de coincidir o ‘Gianpietro’ citado por Leonardo, com Giovanni Pietro Rizzi mencionado por Lomazzo e de relacionar a este as obras pictóricas que estão ligadas ao nome de Giampietrino. Giovanni Pietro Rizzi é na realidade o artista que estipula um contrato em 1481 com a Scuola di San Luca e que trabalhava para a Fabbrica do duomo de Milão em 1493, data que parece muito precoce em relação à cronologia tradicionalmente relativa às pinturas do chamado Giampietrino. Todavia, o apontamento de Leonardo, citado na nota precedente, refere-se a um Gianpietro vivo entre 1497 e 1500 e que poderia propriamente aludir, mais que ao imaginário Giampietrino, a Giovanni Pietro Rizzi.” (Tradução livre da autora) 24 Atribuição primeiramente sugerida por Francesco Bartoli, em 1777 e depois registrada em MALASPinA, Luigi. Guida di Pavia. Pavia, 1819. 25 MoRBio, Carlo. Storie dei municipi italiani illustrate com documenti inediti, notizie biobibliographiche e di Belle Arte, I, Milano, 1836, p. 128. 26 SACCHI, Defendente. “Appendice. Bibliografia”. Gazzetta Privilegiata di Milano, v. 213, n. 31, jul. 1836, p. 837. 27 LÜBKE, W. Geschichte der Italienischen Malerei vom vierten bis ins sechzehnte Jahrhundert, II, Stuttgart, 1879, p. 448. 23
RHAA 14
67
Fernanda Marinho lhe financiado uma considerável quantia em 1475. Em troca desse serviço, recebia proteção do governo Sforza, que foi estendida à sua família, e depois corroborada por Luís Xii, em 1500 durante o governo francês. Giovanni foi proclamado cavaleiro da ordem Hierosolimitana28 em 1494, na igreja de San Sepolcro em Jerusalém, na ocasião de uma viagem à Terra Santa, e posteriormente, em 1499, torna-se embaixador do rei francês.29 Cabe-nos questionar a razão do atraso registrado entre a morte do cavaleiro e a encomenda da pintura. Podemos considerar duas possibilidades: a ausência de Giampietrino para a sua execução, visto que no ano de 1506 muitos leonardescos milaneses ainda circulavam por outras rotas (o que também lhe conferiria considerável destaque entre os artistas da ordem Hierosolimita) ou então a probabilidade de a pintura ter sido destinada a outro artista, que por razões desconhecidas não a tenha executado, sendo assim transferida a Giampietrino. Shell30 analisou as corporações acadêmicas milanesas durante o Renascimento, especificamente aquela à qual o nome de Rizzo aparece atrelado nas documentações anteriormente mencionadas e também analisadas pela mesma autora. devido às escassas evidências que nos ajudem a entender o funcionamento da Scuola di San Luca, Shell amplia sua pesquisa por meio de estudos comparativos com outras organizações acadêmicas da época. Sabe-se que havia quatro tipos de corporações: Collegio, Scuole, Università e Paratico, que se diferenciavam por vezes a partir de suas representações diretivas, podendo estar mais coligadas ao governo ou à igreja. da Scuola di San Luca tem-se notícia de um processo datado de 1481,31 que sugere o encontro dos membros de sua corporação (contexto no qual se insere a primeira referência conhecida ao nome Giovanni Pietro Rizzo) para submeterem o status da Scuola ao duque, podendo desta forma, elevá-la ao status de Università. A respeito das regras Vale observar que esta ordem Hierosolimitana não é aquela anteriormente mencionada – ordem Hieronimita – da qual Rizzoli fez parte e que era sediada na igreja de San Cosma e damiano, como esclarecido por Luiz Motta. A primeira diz respeito aos fiéis naturais de Jerusalém, tendo São João Batista como seu principal protetor. Já a segunda representa os eremitas de São Jerônimo. Provavelmente Giampietrino também traçou vínculo com a Hierosolimitana, pelo que determinadas pinturas indicam, como esta de Pavia. 29 Geddo, Cristina. “La Pala de Pavia del Giampietrino: documenti sulla Committenza”. Bollettino della Società Pavese di Storia Patria. Como – Litografia. New Press, v. XLVii, n. XCV, 1995. 30 SHeLL, Janice. “The Scuola di San Luca, or Universitas Pictorum, in Renaissance Milan”. Arte Lombarda. Unione Stampa, Periódica Italiana, n. 104, 1993. 31 Ver documento 3, publicado em: SHeLL, Janice. “The Scuola di San Luca, or Universitas Pictorum, in Renaissance Milan”. Arte Lombarda. Unione Stampa, Periódica Italiana, n. 104, 1993, p. 89. 28
68
RHAA 14
protection from the Sforza government, favor that was extended to his family, and then confirmed by Louis Xii in 1500 during the French government. Giovanni was proclaimed a Knight of Jerusalemite28 in 1494, at the church of San Sepolcro in Jerusalem during a trip to the Holy Land, and later, in 1499, became ambassador of the French king.29 We must question the reason for the delay recorded between the death of the knight and the commission of the painting. We consider two possibilities: the absence of Giampietrino for its implementation, since the year 1506 many Leonardesque Milanese still circulated in other routes (which also would give him considerable prominence among the artists of the order of Jerusalemites) or the probability that the painting had been intended for another artist, who, for unknown reasons, did not do the work transferring the responsibility to Giampietrino. Shell30 reviewed academic Milanese corporations during the Renaissance, specifically the one to which the name of Rizzo had become associated in the documents previously mentioned. Because of little evidence to help us understand how the Scuola di San Luca was organized, Shell had to widen her research through comparative studies with other academic organizations of that time. it is known that there were four types of corporations: Collegio, Scuole, Università e Paratico, which sometimes differed from their representation policies and could be more related to the government or the church. The Scuola di San Luca is known about process dated 148131 that suggests a meeting of the members of this corporation (the context in which falls the first known reference to the name Pietro Rizzo) to submit the status of the Scuola to the duke and thus elevate it to the status of Università. Regarding the academic rules little is known, but according to the author, the workshops of the Scuola San Giuseppe
28 it is worth noticing that this order of Jerusalemite is not the one previously mentioned - order Hieronymite - which was part of Rizzoli and was based in the Church of San Cosma e damiano, as highlighted by Luiz Motta. The first one concerns to the true nature of Jerusalem, and St. John the Baptist as their main protector. The second one represents the Hermits of St. Jerome. Giampietrino probably also drew a link with Jerusalemite as the paintings indicate, like this of Pavia. 29 Geddo, Cristina. “La Pala de Pavia del Giampietrino: documenti sulla Committenza”. Bollettino della Società Pavese di Storia Patria. Como – Litografia. New Press, v. XLVii, n. XCV, 1995. 30 SHeLL, Janice. “The Scuola di San Luca, or Universitas Pictorum, in Renaissance Milan”. Arte Lombarda. Unione Stampa, Periódica Italiana, n. 104, 1993. 31 Ver documento 3, publicado em: SHeLL, Janice. “The Scuola di San Luca, or Universitas Pictorum, in Renaissance Milan”. Arte Lombarda. Unione Stampa, Periódica Italiana, n. 104, 1993, p. 89.
A Virgem de Giampietrino no MASP determined that the wood carvers were to meet at least five years prior experience with a master before enrolling at Scuola and the artists could only be hired under contract if they were enrolled. With this assumption, in order to consider that Giampietrino really worked for the order of Jerusalemites or other orders, we must believe that he graduated in some Scuola in Milan; and recalling the documents shown here, the relations between Giampietrino and the controversial Rizzo, linked to the Scuola di San Luca become narrower. Besides these evidences we can add a question: in the article Some documents for Giovanni Pietro Rizzoli, Shell and Sironi, when referring to the first document related thereto, dated 1508, stated: “At this time Rizzoli was unemancipated, and living with his father Galeazzo in the parish of San Tommaso in cruce sicariorum in Porta Cumana”.32 if we recall, this information about the address of the artist was first published by Motta in the 1481 list of claim of forty-eight names of artists of the Scuola, referring to it, as follows: “Mag Ioh. Petrus de Rixijs fil. Domini Autonij, P. Cum., paer S. Thomae in terra Mara. Lavorò al duomo di Milano nel 1492”.33 We realize that despite his radicalism in identifying both names, even Shell suggests an approach. We are about to consider, in this way, how such information, no matter how few they are, can
32 SHeLL, Janice; SiRoni, Grazioso. “Some documents for Giovanni Pietro Rizzoli: il Giampietrino?” in: Raccolta Vinciana. Fascicolo XXV. Milano: Castelo Sforzesco, 1993, p. 122. / “At this time Rizzoli was not yet independent, and lived with his father Galeazzo in the parish of San Tommaso in cruce sicaroirum in Port Cumana ‘. (Free translation by the author). in Shell and Sironi´s translation of the document in question (Archivi di Stato di Milano, fondo notarile, not. Battista Bossi, f. 3151), we find the term “emancipated”. Here we can consider the use of the term in relation to the connection between the artist and his father, once he does not have a home address, and not necessarily in relation to his age or professional reasons. The paper that follows (translated in note 35) suggests that Petrus Rixijs worked for the Cathedral of Milan in 1492, prior to the document that refers to his emancipation (1508). The document dated 1509 (see page 9) shows a reference to the purchase of the parish in Monaco, and it also states that even then the painter continued to live with his father until 1511. Finally, between the years 1524 and 1529 he is introduced Magistro. Jo Pietro Rizzoli (translated in note 21), giving him greater autonomy. 33 Annali, appen. ii, 218. Publicado e comentado em: MoTTA, emilio. “L’università dei pitori milanese nel 1481 con altri documenti d’arte del Quattrocento”. Archivo Storico Civico di Milano / “Mag. Ioh. Petrus de Rixijs, filho de domini Autonij, Porta Cumana, paer S. Thomae em terra Mara. Trabalhou no duomo de Milão em 1492”. (Tradução livre da autora).
acadêmicas pouco se sabe, mas segundo a autora, as oficinas da Scuola de San Giuseppe determinavam que os entalhadores de madeira devessem cumprir o mínimo de cinco anos de experiência prévia com algum mestre à sua matrícula na Scuola, e os artistas só poderiam ser contratados para um trabalho por encomenda caso estivessem matriculados. Partindo desse princípio, para que ponderemos que Giampietrino tenha realmente trabalhado para a ordem Hierosolimita ou mesmo em outras encomendas, devemos considerar que ele tenha se formado em alguma Scuola milanesa, e relembrando os documentos aqui expostos, estreitam-se as relações entre nosso artista de interesse e o polêmico Rizzo, atrelado à Scuola di San Luca. Além destas evidências, podemos adicionar um questionamento: no artigo Some documents for Giovanni Pietro Rizzoli, Shell e Sironi ao se referirem ao primeiro documento a ele relacionado, datado de 1508, declaram: “At this time Rizzoli was unemancipated, and living with his father Galeazzo in the parish of San Tommaso in cruce sicariorum in Porta Cumana”.32 Se recordarmos, esta informação a respeito do endereço do artista foi primeiramente publicada por Motta na lista de reivindicação de 1481, dos 48 nomes de artistas ligados à Scuola, referindo-se da seguinte forma: “Mag Ioh. Petrus de Rixijs fil. Domini Autonij, P. Cum., paer S. Thomae in terra Mara. Lavorò al duomo di Milano nel 1492”.33 SHeLL, Janice; SiRoni, Grazioso. “Some documents for Giovanni Pietro Rizzoli: il Giampietrino?” in: Raccolta Vinciana. Fascicolo XXV. Milano: Castelo Sforzesco, 1993, p. 122. / “nesta época Rizzoli ainda não era independente, e morava com seu pai, Galeazzo, na paróquia de San Tommaso in cruce sicaroirum em Porta Cumana.” (Tradução livre da autora). na tradução de Shell e Sironi do documento mencionado (Archivi di Stato di Milano, fondo notarile, not. Battista Bossi, f. 3.151), encontramos o termo “emancipado”. Podemos aqui considerar o emprego desta expressão em relação à ligação do artista com seu pai, por ainda não possuir um endereço próprio e não necessariamente em relação à sua idade, tampouco por razões profissionais. No documento que segue (traduzido na nota 35) sugere que Petrus de Rixijs trabalhou para o duomo de Milão em 1492, data anterior ao documento que se refere à sua emancipação (1508). no documento datado de 1509 (ver página 9) já encontramos a menção da compra da paróquia em Mônaco, onde também afirma que ainda assim o pintor continuou a morar com seu pai até 1511. E por fim, entre os anos de 1524 e 1529 é apresentado como Magistro Jo. Pietro Rizzoli (traduzido na nota 21), o que lhe confere maior autonomia. 33 Annali, appen. ii, 218. Publicado e comentado em: MoTTA, emilio. “L’università dei pitori milanese nel 1481 con altri documenti d’arte del Quattrocento”. Archivo Storico Civico di Milano / “Mag. Ioh. Petrus de Rixijs, filho de Domini Autonij, Porta Cumana, paer S. Thomae em terra Mara. Trabalhou no duomo de Milão em 1492”. (Tradução livre da autora) 32
RHAA 14
69
Fernanda Marinho Percebemos que apesar de seu radicalismo em identificar ambos os nomes, até mesmo Shell sugere uma aproximação dos dois. Vejamos, desta maneira, como tais informações a seu respeito, por mais escassas que sejam, podem ajudar a estudar a obra conservada no MASP.
A Virgem Amamentando o Menino e São João Batista em Adoração para Além do Leonardismo Lombardo A datação da pintura Virgem amamentando o Menino e São João Batista criança em adoração, apontada entre 1500 e 1520 por Luiz Marques no Catálogo do MASP,34 é justificada pelo motivo desta obra não se tratar de uma “derivação stricto sensu” de Leonardo da Vinci. este arco temporal abarca um período milanês menos intenso na vida do mestre florentino, uma vez que depois de ter deixado a cidade em 1499, seus regressos tornaram-se mais esporádicos a partir de 1506, levantando assim a possibilidade de se tratar de uma época de contato menos efetivo entre o mestre e seu discípulo. Tal datação implica duas principais questões: o leonardismo evidente no qual a figura de Giampietrino é sempre pautada, adicionado a uma possível expansão das fronteiras pictóricas que considera novas articulações simbólico-formais traçadas pelo artista. os personagens da pintura do MASP parecem consistir em derivações de determinadas composições de Leonardo, principalmente da Virgem das Rochas (Louvre) que segundo Michael W. Kwakkelstein35 teria sido pintada a partir de modelos escultóricos de argila que possivelmente tornaram-se objetos de estudo de seu ateliê. A feição da Virgem, a posição de São João Batista e o gesto do Menino da pintura de Leonardo traçam fortes semelhanças com a do MASP. esta mesma proximidade formal aparece entre os demais leonardescos. nas representações do modelo do Menino, variando por vezes apenas o ângulo de seu posicionamento de acordo com a harmonia compositiva, podemos destacar a Madona com Menino, de Bernardino de’ Conti (Pinacoteca do Castelo Sforzesco); Madona com Menino, São João Batista e São Sebastião, de Boltraffio (Louvre); outra de mesmo tema e autoria, conservada em MARQUeS, Luiz. (coordenação geral). Catálogo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand. Arte italiana, 1998. 35 KWAKKELSTEIN, Michael W. “The use of sculptural models by Italian renaissance painters: Leonardo da Vinci’s Madonna of the Rocks reconsidered in light of his working procedures”. Gazette des Beaux-Arts. 6ème Période, Tome CXXXiii, 1999. 34
70
RHAA 14
help us study the work stored at the Art Museum of Sao Paulo - MASP.
The Virgin Nursing the Child and Saint John the Baptist in Adoration Beyond the Lombard Leonardism The dating of the painting Virgin nursing the child and St. John the Baptist in adoration between 1500 and 1520 indicated by Luiz Marques in the MASP Catalog34 is justified by the fact that the painting is not a “stricto sensu derivation” of Leonardo da Vinci´s work. This temporal arch covers a Milanese period less intense in the life of the Florentine master, since after leaving the city in 1499, his returns became more sporadic starting in 1506, raising the possibility that this is a time of less effective contact between the master and his disciple. The dating in question then implies two main issues: the clear leonardism where Giampietrino’s images are always based on, added to a possible expansion of pictorial borders that considers new symbolicformal articulations drawn by the artist. The characters in the painting at the MASP seem to consist of derivations of certain compositions of Leonardo, especially the Virgin of the Rocks (Louvre) that according to Michael W. Kwakkelstein35 was painted from models of clay sculptures that possibly became objects of study in his studio. The Virgin´s face, the position of St. John the Baptist and the Child´s gesture in Leonardo’s painting draw strong similarities with the one at the MASP. This same formal proximity appears among the other Leonardesque painters. in the model representations of the child, sometimes only varying the angle of his position according to the compositional harmony, we can highlight the Madonna with Child, by Bernardino de’Conti (Pinacoteca the Castle), Madonna with Child, St. John the Baptist and San Sebastian, by Boltraffio (Louvre), another of the same subject and author kept in Budapest (Szépmüvészti Múzeum), and also the Madonna and Child and St. John the Baptist, by Cesare da Sesto (national Museum of Ancient Art in Lisbon). The same formal allusion occurs with the Virgin, however, it seems to be limited to her facial features and hair, as noted in a study on silver tip from a woman’s head, attributed to Boltraffio
MARQUeS, Luiz. (coordenação geral). Catálogo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand. Arte italiana, 1998. 35 KWAKKELSTEIN, Michael W. “The use of sculptural models by italian renaissance painters: Leonardo da Vinci’s Madonna of the Rocks reconsidered in light of his working procedures”. Gazette des Beaux-Arts. 6° Période, Tome CXXXiii, 1999. 34
A Virgem de Giampietrino no MASP (Windsor Castle); in Study of head of a young woman, by Giampietrino (Gabinetto disegni and stampe degli Uffizi); or in two Madonnas by Boltraffio (national Gallery in London and Chatsworth). About the similarities found in the image of St. John the Baptist, it can be pointed Bernardino Luini´s work (national Gallery, London) and the painting in question here, attributed to Giampietrino. This painting gathers three models mentioned here: the feature of the Virgin and the design of her hair draw a direct reference to the Virgin of the Rocks (Louvre), by Leonardo, as well as the twisted gesture of the Child, despite being a little more laying down and the kneeling position of John the Baptist; describing a compilation of trends experimented by Leonardesques once the impact generated by this pictorial reference in Milan was established. Such similarities are in agreement with the dating by Luiz Marques as this painting presents an aesthetic aspect post 1480, since it already has considerable familiarity with the artistic novelties announced by Leonardo in the Milanese scene. What formal qualities, therefore, would approach the painting in question to the period from the turn of the century and the early decades of the Cinquecento? To help answer this question, it is worth drawing a comparison between the painting and a group of works attributed to Giampietrino and dated the same period: three of pagan themes - Leda (Staatliche Museen, Kassel - Figure 4); Ninfa Hegéria (Brive Sforza, Milan - Figure 5) and Sophonisba (Collection Borromeo, isola Bella), and two of religious themes - Madonna of the cherries (Rob Smeets Collection, Milan) and Madonna and Child (Galleria Borghese, Rome). From the first group we have strong references to Leonardo, starting with Leda, dated between 1505 and 1510,36 that does not deny being a variation of Ledas on their knees, by Leonardo (devonshire Collection, Chatsworth and Museum Boijmans Van Beuningen, Rotterdam), which showed similarities with compositional lines of Ninfa Hegéria, dated the same period. The female features of all four paintings discussed here (including in this first group the painting from the MASP) show strong similarity, as well as the brightness of the pigmentation of the flesh. The image of St. John the Baptist (MASP) could be replaced by any of Leda´s sons and the silver lining of the painting´s landscape suggests the setting where Leda and ninfa Hegéria meet. embedded in these compositions there is a clear knowledge of the expressive power of the characters´ looks proven in both the vector paths of the compositions of
36 SHeLL, Janice. “Marco d’oggiono”. in: The Legacy of Leonardo – Painters in Lombardy 1490-1530. Milano: Skira editore, 1998.
Budapeste (Szépmüvészti Múzeum); e também Madona com Menino e São João Batista, de Cesare da Sesto (Museu nacional de Arte Antiga de Lisboa). A mesma alusão formal ocorre com a figura da Virgem, no entanto, esta parece limitar-se mais aos seus traços faciais e seu cabelo, como notamos em um estudo em ponta de prata de uma cabeça de mulher, atribuído a Boltraffio (Windsor Castle). No Estudo de cabeça de uma jovem, de Giampietrino (Gabinetto disegni e stampe degli Uffizi); ou então em duas Madonas, de Boltraffio (National Gallery de Londres e Chatsworth). Quanto às semelhanças encontradas na figura de São João Batista, pode-se apontar a de Bernardino Luini (national Gallery, Londres) e a pintura atribuída a Giampietrino que aqui analisamos. esta, por sua vez, reúne os três modelos aqui mencionados: a feição da Virgem e o desenho de seu cabelo traçam uma referência direta à Virgem das Rochas (Louvre), de Leonardo, assim como a torção gestual do Menino, apesar de se encontrar um pouco mais deitado, e a posição ajoelhada de São João Batista, tratando-se, portanto, de uma compilação das tendências formais experimentadas pelos leonardescos depois de estabelecido o impacto gerado por esta referência pictórica em Milão. Tais semelhanças vão ao encontro da datação de Luiz Marques, uma vez que tal pintura apresenta uma carga estética pós 1480, uma vez que já possui uma considerável familiaridade com as novidades artísticas anunciadas por Leonardo no cenário milanês. Que qualidades formais, portanto, aproximariam a pintura em análise ao período compreendido entre a virada do século e as primeiras décadas do Cinquecento? Para ajudar a responder esta pergunta, vale traçar uma análise comparativa entre ela e um grupo de obras atribuídas a Giampietrino e datadas do mesmo período: três de motivos pagãos – Leda (Staatliche Museen, Kassel – Figura 4); Ninfa Hegéria (Brivo Sforza, Milão – Figura 5) e Sophonisba (Borromeo Collection, isola Bella); e duas de motivos religiosos – Madona das cerejas (Rob Smeets Collection, Milão) e Madona com Menino (Galeria Borghese, Roma). do primeiro grupo temos fortes referências a Leonardo a começar por Leda, datada entre 1505 e 1510,36 que não nega ser uma derivação das Ledas ajoelhadas de Leonardo (devonshire Collection, Chatsworth e Museum Boijmans Van Beuningen, Rotterdam), que também apontam semelhanças com os traços compositivos da Ninfa Hegéria, datada da mesma época. As feições femininas de todas as quatro pinturas aqui analisadas (incluindo neste primeiro grupo a pintura do 36 SHeLL, Janice. “Marco d’oggiono”. in: The Legacy of Leonardo – Painters in Lombardy 1490-1530. Milano: Skira editore, 1998.
RHAA 14
71
Fernanda Marinho MASP) apresentam forte semelhança, assim como o brilho da pigmentação da carne. A figura de São João Batista (MASP) poderia ser substituída por qualquer um dos filhos de Leda, assim como a fresta de paisagem desta mesma pintura parece anunciar a ambientação onde Leda e a ninfa Hegéria se encontram. Há embutido nestas composições um claro conhecimento da força expressiva dos olhares de seus personagens evidenciados tanto nos vetores traçados das composições de Kassel e do MASP, quanto na determinação do fixo olhar para nós, espectadores, notada também na de Kassel e da Brivo Sforza. enquanto deste primeiro grupo pudemos destacar relações mais ligadas às escolhas formais da composição, no segundo grupo vamos um pouco além principalmente por se tratar de obras religiosas de temáticas coincidentes. Todas as três demonstram elevada familiaridade com a simbologia do hortus conclusus,37 destacando a oposição das ambientações interna e externa por meio não apenas da presença da paisagem revelada pela janela ao fundo, mas sobretudo no investimento de uma interioridade quase uterina, marcada pela relação materna entre a Madona e o Menino envoltos por pesados drapejamentos do cortinado e de suas vestimentas. nas pinturas da Galeria Borghese e do MASP a representação da amamentação reforça esta ideia. em ambas o seio materno exposto por uma fenda do vestido introduz a temática da Virgo Lactans, extensamente explorada entre os leonardescos. no entanto, a paisagem da primeira em muito se difere da segunda, uma vez que aponta maiores referências à cultura figurativa do norte europeu devido a uma maior definição linear de suas formas, diferenciando com clareza cada elemento da paisagem, enquanto que a outra ainda está mais atrelada às úmidas perspectivas leonardescas. duas 37 A virgindade de Maria já consistiu em um tema bastante polêmico. nos evangelhos de Mateus, Marcos e João existem menções aos “irmãos” de Cristo, exemplificando como um deles o apóstolo Paulo. Poderíamos deduzir que Maria e José tiveram outros filhos depois da concepção de Jesus. No entanto, os evangelhos de Lucas e Mateus frisam a sua virgindade e a concepção espiritual de Cristo, o que levou a maioria dos primeiros mestres cristãos a concluir ser verdadeira a sua eterna castidade. Mas este argumento ainda não bastava, o que os levou a elaborar aprofundados estudos. Mas tal suporte bíblico não foi achado no novo Testamento, apenas no livro do Cântico dos Cânticos na seguinte passagem: “Hortus conclusus soror me sponsa, hortus conclusu fons signatus” . Tal versículo foi encontrado por São Jerônimo, um dos maiores estudiosos da bíblia, que rapidamente relacionou a ideia do jardim fechado à eterna virgindade de Maria. Santo Ambrósio também dedicou vários de seus escritos a este estudo, possuindo até mesmo um tratado chamado De Virginibus onde considera as seguintes virtudes da Virgem: “o segredo da modéstia, a bandeira da fé, o silêncio da devoção, a Virgem dentro de casa, a companheira para o mistério [de Cristo], a Mãe no templo”. Sabemos que este santo é o padroeiro da cidade de Milão, o que pode justificar as inúmeras pinturas que retratam a Virgem mais em ambientação interna do que externa, ou mesmo sugerindo a exterioridade deixando ainda mais fortalecida a simbologia do hortus conclusus, como na pintura do MASP.
72
RHAA 14
Kassel and the one at the MASP, and in determining the stare also noticed in Kassel and Brivo Sforza compositions. While in this first group we might highlight closer links to the choices of formal composition, in the second group we will go a bit further, especially as they are religious works of overlapping themes. All three showed a high familiarity with the symbolism of hortus conclusus37 highlighting the opposition of the internal and external environments not only through the presence of the landscape revealed by the window in the background, but especially on the investment of an almost uterine intimacy, marked by the maternal relationship between the Madonna and Child surrounded by heavy draperies from the curtains and their clothing. in paintings found at the Borghese Gallery and at the MASP the breastfeeding representation reinforces this idea. in both the mother’s breast exposed by a slit in her dress introduces the theme of Virgo Lactans, widely exploited among Leonardesque. However, the landscape of the first painting is very different from the second one, as it points to references of figurative culture in northern Europe due to a higher linear resolution of its forms, clearly differentiating each element of the landscape, while the painting found at the MASP is still tied to the humid leonardesque perspectives. Two other paintings of this artist help us further corroborate this dating: Madonna with Child, St. Jerome and St. John the Baptist (ospedaletto Lodigiano) and one of same theme found in the Church of San Marino in Pavia. The idea of interiority is further strengthened in the first
37 The virginity of Mary has already consisted a very controversial topic. in the Gospels of Matthew, Mark and John mention the existence of “brothers” of Christ, exemplifying Apostle Paul. We could deduce that Mary and Joseph had other children after Jesus’ conception. However, the Gospels of Matthew and Luke emphasize her virginity and spiritual conception of Christ, which led most of the early Christian masters to the conclusion to be true her eternal chastity. But this argument was not suffice, which led them to develop in-depth studies. But this biblical support was not found in the new Testament, only in the book Song of Songs in the following passage: “Hortus conclusus soror me sponsa, hortus conclusu fons signatus. This verse was found by St. Jerome, one of the greatest scholars of the Bible, which quickly linked the idea of the enclosed garden to the eternal virginity of Mary. St. Ambrose also devoted some of his writings in this study, including having a treatise called de Virginibus which considers the following virtues of the Virgin: “The secret of modesty, the flag of faith, the silence of devotion, the Virgin in the house, the companion to the mystery [of Christ], the Mother in the temple”. We know that this saint is the patron saint of Milan, which may explain the many paintings that depict the Virgin in ambiance more internal than external, or even suggesting the exterior surface further strengthened the symbolism of hortus conclusus, as in the MASP’s painting.
A Virgem de Giampietrino no MASP work mainly because of the scenic spatiality that is not limited to the polarity of inside vs. outside, highlighted by the investment on the tiles and the centralization of the window that announces the landscape composition, but also introduces an intermediary plan between these poles where it represents a ladder to the left and a tabernacle to the right. in the second work the scene is located on an external environment, however, there is an element of great importance: the curtain, that at the same time seems to protect the sacred characters and creates a more intimate and less exposed setting, hides the ruins of the pagan temple invaded by the Christian saints. in the ospedaletto Lodigiano painting the same green mantle involves the columns of the tabernacle, alluding to the idea of protection, a symbolism that is repeated in the painting at the MASP. it is known that the altarpiece of San Marino is dated 152138 and david Alan Brown approached ospedaletto Lodigiano in 1520,39 the same time as the painting of the MASP was inserted. Therefore, considering such issues and emphasizing the formal qualities of the painting in question, that presents relations focused on the experience accumulated from the novelties raised by the presence of Leonardo in Milan, as well as an announcement of the expansion of his artistic dialogues encouraged by the arising migration originated from the French invasion, we could say that the dating that seems more appropriate would be included in the final period of the temporal arch of the dating suggested by Luiz Marques, from 1520.
38 There is an inscription about the commission and its date in the epigraph at the bottom of the painting: “Quod vivis cedens and Joe (hannes) Simon Furnarius eques hierosol (imitanus) / extreme iniunxit vote piiss (iMo) eius coniux Lodovico Colleta / AC obsequentissimus filius Autonicus erect hoc sacello dicatoque / i for Virginia hac icona feliciter sacrosanctu (m) debitum / persolvebant / factum vides / 1521 die 21 december (ris)”. in: PReLLini, C. La chiesa di San Marino in Pavia. note storiche and descrittive. Appendice all’Almanacco Holy Pavese per l’anno 1882, page 30. According to Geddo, the epigraph explains that the painting was commissioned to absolve a testamentary provision of the knight Giovanni Simone Fornari, his wife Ludovica Colletti and their son Autonico, and put in place on december 21, 1521. 39 BROWN, David Alan. “Leonardo e i leonardeschi a Brera”. The Burlington magazine. Milan, 1987. Geddo, Cristina. “Le pale d’altare di Giampietrino: ipotesi per um percorso stilistico”. in: Arte Lombarda, 1992, 2, dates the same painting between 1516 and 1520, because according to the author the parish of ospedaletto Lodiginao, where the work is located, was built by the Balbi family between these years. The importance of this research is that this painting was probably executed before that of MASP, but not with too many years difference.
outras pinturas do artista nos ajudam ainda mais a corroborar essa datação: Madona com Menino, São Jerônimo e São João Batista (ospedaletto Lodigiano) e uma de mesmo tema da igreja de San Marino, em Pavia. A ideia de interioridade é ainda mais fortalecida na primeira obra, principalmente devido à espacialidade cênica que não se limita à polaridade do dentro × fora, marcada pelo investimento no ladrilhado e na centralização da janela que anuncia a paisagem na composição, mas introduz também um plano intermediário entre estes polos onde representa uma escada à esquerda e um tabernáculo à direita. na segunda obra a cena localiza-se em ambientação externa, no entanto, há um elemento de elevada importância: o cortinado, que ao mesmo tempo em que parece proteger os personagens sagrados criando uma ambientação mais intimista e menos exposta, esconde as ruínas do templo pagão invadidas pelos santos cristãos. na pintura de ospedaletto Lodigiano esta mesma cortina verde envolve as colunas do tabernáculo, aludindo à ideia de proteção, uma simbologia que se repete na pintura do MASP. Sabe-se que o retábulo de San Marino está datado de 1521,38 e david Alan Brown aproximou a pintura de ospedaletto Lodigiano à década de 1520,39 a mesma época que a pintura do MASP foi inserida. Considerando, portanto, tais questões e relevando as qualidades formais da pintura analisada, que apresenta tanto relações voltadas às experiências acumuladas a partir das novidades suscitadas pela presença de Leonardo em Milão, quanto um anúncio da expansão de seus diálogos artísticos incitados pelas migrações advindas com a invasão francesa, poderíamos dizer que a datação que nos parece mais apropriada estaria compreendida no período final do arco temporal de sua datação sugerida por Luiz Marques, isto é, a partir de 1520. 38 Há uma inscrição a respeito da encomenda e sua data na epígrafe na base da pintura: “Quod e vivis cedens Jô(hannes) Simon Furnarius eques hierosol(imitanus) / extremo iniunxit voto piiss(imo) eius coniux Lodovica Colleta / AC obsequentissimus filius Autonicus erecto hoc sacello dicatoque / dei parae Virgini hac icona feliciter sacrosanctu(m) debitum / persolvebant / factum vides / 1521 die 21 decemb(ris)”. in: PReLLini, C. La chiesa di San Marino in Pavia. note storiche e descrittive. Appendice all’Almanacco Sacro Pavese per l’anno 1882; p. 30. Segundo Geddo, a epígrafe explica que a pintura foi encomendada para absolver uma disposição testamentária do cavaleiro Giovanni Simone Fornari de sua mulher Ludovica Colletti e do filho Autonico, e posta no local em 21 de dezembro de 1521. 39 BROWN, David Alan. “Leonardo e i leonardeschi a Brera”. The Burlington magazine. Milan, 1987. Geddo, Cristina. “Le pale d’altare di Giampietrino: ipotesi per um percorso stilistico”. in: Arte Lombarda, 1992, 2, data a mesma pintura entre 1516 e 1520, pois segundo a autora a paróquia de ospedaletto Lodigiano, onde a obra se encontra, foi construída pela família Balbi entre estes mesmos anos. o que nos vale nesta pesquisa é ter em mente que esta pintura provavelmente foi executada antes daquela do MASP, mas sem muitos anos de diferença.
RHAA 14
73
Fernanda Marinho Mapeando mais cuidadosamente o contexto no qual a pintura do MASP se insere podemos perceber as mudanças que as qualidades formais de sua produção sofreram nesta época. Pretende-se aqui entender o enriquecimento da forma de Giampietrino a partir da crescente elaboração de uma maniera mais individual, menos pautada nas diretrizes de Leonardo da Vinci, naquela suposta padronização formal, já muito criticada entre os historiadores da arte modernos, provocada pelo impacto das novidades apresentadas pelo mestre florentino no meio milanês. É tentador assumir uma interpretação romântica desta vontade de superação da forma, de alargamento das fronteiras artísticas para além daquelas introduzidas pelo mestre, procurando referências externas ao seu cenário nativo. entretanto, não podemos esquecer que muitos dos diálogos traçados por Giampietrino, principalmente depois das invasões francesas, já haviam sido estabelecidos por Leonardo, e em virtude disso, ao se mudar para Milão levara consigo os resquícios desses contatos entranhados em suas obras. Paul Hills afirma em seu artigo Leonardo and Flemish Painting40 que desde as suas produções no ateliê de Verrocchio, da Vinci já havia estabelecido contato com outras culturas, exemplificando por meio da pintura Estigmatização de São Francisco (Philadelphia Museum of Art, Filadélfia), de Jan van Eyck (c. 1395-1441), cujas estratificações rochosas da paisagem teriam influenciado o Batismo de Cristo (Galleria degli Uffizi, Florença), ou então a assombrosa expressão de Lázaro (Gallerie degli Uffizi, Florença), de Nicolas Froment (c. 1435-1486) e a clara antecedência nórdica de seus estudos grotescos. esta obra, segundo Hills, teria sido levada à itália em 1462, como presente a Cosimo de Médici, possível ocasião em que Leonardo a teria visto. outra possível razão desta expansão formal de Giampietrino pode estar ligada às determinações dos encomendantes de suas pinturas, informações estas que desconhecemos por falta de documentações. no entanto, sabemos que as encomendas são destinadas a determinados artistas de acordo com suas habilidades, e por mais que Giampietrino tenha sido contratado a pintar novas temáticas e técnicas variadas das quais era acostumado a executar, provavelmente buscou modelos inspiradores às suas produções. e é nesta busca que repousa o interesse desta pesquisa, que permitiu a expansão da sua forma, e o colocou diante de tais novidades que aqui tratamos. 40 HiLLS, Paul. “Leonardo and Flemish Painting”. The Burlington Magazine, v. 122, n. 930, set. 1980, p. 608-615.
74
RHAA 14
Mapping more carefully the context in which the painting of the MASP is part of we can perceive the changes that the formal qualities of his production suffered in the period in question. This is to understand the enrichment of Giampietrino´s form, from the increasing development of a more individual maniera, less ruled by guidelines of Leonardo da Vinci, in that alleged formal standardization, highly criticized by the modern art historians, caused by the impact of novelties introduced by the Florentine master in the Milanese milieu. it is tempting to take a romantic interpretation of this desire to overcome the form of extension of the artistic boundaries beyond those introduced by the master, looking for references outside their native landscape. We must not forget, however, that many of the dialogues drawn by Giampietrino, particularly after the French invasion, had already been established by Leonardo and, for that reason, when he moved to Milan he took with him the remnants of these contacts ingrained in his works. Paul Hills in his article Leonardo and the Flemish Painting40 says that since his productions in the Verrocchio’ studio, Leonardo had already established contact with other cultures, which is exemplified by the painting Stigmatization of St. Francis (Philadelphia Museum of Art, Philadelphia), by Jan van eyck (c. 1395 to 1441). The rock strata of the landscape would have influenced the Baptism of Christ (Galleria degli Uffizi, Florence), or the haunting expression of Lazarus (Gallerie degli Uffizi, Florence), by Nicolas Froment (c. 1435 - c. 1486) and Leonardo´s clear nordic anticipation of grotesque studies. Jan van eyck’s work, according to Hills, would have been taken to italy in 1462 as a gift to Cosimo de Medici, possible occasion when Leonardo would have seen it. Another possible reason for this formal expansion of Giampietrino may be linked to the determinations of the commissioners of his paintings. information unknown, due to lack of documentation. However, we know that the commissions were destined for a number of certain artists according to their abilities and, as much as Giampietrino was hired to paint new themes and various techniques rather than the ones he was accustomed to, he probably sought inspiring models to his productions. it is in this quest that
40 HiLLS, Paul. “Leonardo and Flemish Painting”. The Burlington Magazine, v. 122, n. 930, set. 1980, p. 608-615.
A Virgem de Giampietrino no MASP lays the interest of this research, which allowed the expansion of his form and that put him in connection with those novelties. The flow of artistic languages between northern and southern europe was more intense since the fifteenth century, as well noticed by Maria Berbara about the huge impact that the production of Memling (ca. 1440 to 1494), Rogier van der Weyden, and Petrus Christus (c. 1410/20 - 1475/76) caused even “in an italy more deeply convinced of the firmness of its classical vocation”.41 it seems, therefore, that it was in accordance with this cultural climate that Giampietrino traced his formal choices, trying not to revolutionize the art scene in Milan, but to extract the most out of the contacts he had established. We can observe aspects of Nordic culture absorbed by Giampietrino probably not only from his own contacts, but mainly from Leonardo da Vinci´s works, already entrenched in the transit of these cultural languages. According to Shell to look at this formal nordic confluence in Lombard art, we can even go back to a period prior to the arrival of the Florentine master. She points out connections not only between artists from Milan and northern europe, but perceives that the court – then still under the Sforza dynasty -, was interested in the nordic culture: [...] flemish painting was far from unknown in Milan and Zanetto Bugatto, renowned as a portraitist, had studied in Brussels with Rogier van der Weyden. Some years earlier, around 1444, Francesco Sforza’s half brother Alessandro, Signore di Pesaro, had in fact commissioned a painting from the shop of van der Weyden. In the central panel of the Sforza Altarpiece are depicted Christ on the cross flanked by the Virgin and Saint John the evangelist; keeling in the foreground are Alessandro, Alessandro’s first wife Costanza, and Costanza’s brother Rodolfo Varamo. […] Antonello da Messina, who had a strong Flemish orientation, was highly regarded in Milan as well, so much so that an attempt was made to lure him to the city to replace Zanetto upon the latter’s death in 1475.42
41 BeRBARA, Maria. “Para enganar a vista exterior: um aspecto das relações artísticas entre itália, Portugal e os Países Baixos durante o Renascimento”. in: Anais ANPAP, 2007. Access in: <http://ppgartes.files.wordpress. com/2007/10/anpap.pdf>. 42 SHeLL, Janice. “Leonardo and the Lombard Traditionalists”. in: The Legacy of Leonardo – Painters in Lombardy 1490-1530. Milano: Skira editore, 1998, p. 83.
O fluxo das linguagens artísticas entre o norte e o sul da Europa intensificava-se desde o século 15, como bem reparado por Maria Berbara a respeito do enorme impacto que as produções de Memling (c. 1440-1494), Rogier van der Weyden e Petrus Christus (c. 1410/20-1475/76) causavam mesmo “em uma Itália cada vez mais profundamente convencida da solidez de sua vocação clássica”.41 Parece-nos ser, portanto, mais de acordo com este clima cultural que Giampietrino buscava traçar suas escolhas formais, procurando não revolucionar o cenário artístico milanês, mas sim extrair ao máximo dos contatos que estabelecia. Percebemos os aspectos desta cultura nórdica absorvidos por Giampietrino, provavelmente não apenas a partir de seus próprios contatos, mas principalmente das obras de Leonardo da Vinci, já entranhadas no trânsito destas linguagens culturais. Segundo Shell, para analisarmos esta confluência formal nórdica na arte lombarda, podemos remontar até mesmo a um período anterior à chegada do mestre florentino. Shell aponta vínculos não apenas entre artistas milaneses e do norte europeu, mas assinala o interesse da própria corte, na época ainda sob dinastia dos Sforza, pela cultura nórdica: [...] flemish painting was far from unknown in Milan and Zanetto Bugatto, renowned as a portraitist, had studied in Brussels with Rogier van der Weyden. Some years earlier, around 1444, Francesco Sforza’s half brother Alessandro, Signore di Pesaro, had in fact commissioned a painting from the shop of van der Weyden. In the central panel of the Sforza Altarpiece are depicted Christ on the cross flanked by the Virgin and Saint John the Evangelist; keeling in the foreground are Alessandro, Alessandro’s first wife Costanza, and Costanza’s brother Rodolfo Varamo. […] Antonello da Messina, who had a strong Flemish orientation, was highly regarded in Milan as well, so much so that an attempt was made to lure him to the city to replace Zanetto upon the latter’s death in 1475.42
BeRBARA, Maria. “Para enganar a vista exterior: um aspecto das relações artísticas entre itália, Portugal e os Países Baixos durante o Renascimento”. in: Anais ANPAP, 2007. Disponível em: <http://ppgartes.files.wordpress.com/2007/10/ anpap.pdf>. 42 “... a pintura flamenga estava longe de ser desconhecida em Milão e Zanetto Bugatto, famoso como retratista, estudou em Bruxelas com Rogier van der Weyden. Alguns anos antes, cerca de 1440, o meio irmão de Francesco Sforza, Alessandro, Senhor de Pesaro, encomendou uma pintura do ateliê de van der Weyden. No painel central do Retábulo Sforza estão retratados Cristo na cruz, ao seu lado, a Virgem e São João evangelista; ajoelhados em primeiro plano estão Alessandro, sua primeira mulher Costanza com seu irmão Rodolfo Varamo. “[...] Antonello da Messina que teve uma forte orientação flamenga, foi tão altamente estimado em Milão também, que tentaram seduzi-lo à cidade para substituir Zanetto até sua morte em 1475”. (Tradução livre da autora). SHeLL, Janice. “Leonardo and the Lombard Traditionalists”. in: The Legacy of Leonardo – Painters in Lombardy 1490-1530. Milano: Skira editore, 1998, p. 83. 41
RHAA 14
75
Fernanda Marinho Hills43 repara uma modificação da estrutura perspéctica de Leonardo, em Adoração dos pastores (Galleria degli Uffizi, Florença). os preceitos de Alberti44 de fixação do horizonte na altura dos olhos são abandonados, dando lugar a uma nova perspectiva mais panorâmica, permitindo-nos observar a Madona ao centro de corpo inteiro. A pintura do MASP repete esta estrutura, apesar de mais tímida, mas ainda assim retratando a Virgem da cabeça aos pés. no entanto, nesta pintura há um elemento que pode aproximar ainda mais seu autor às produções nórdicas. Sem assimilações precedentes a Leonardo, este elemento é quase como uma citação literal desta referência cultural, sendo executado com poucas modificações: a fresta da janela que introduz a paisagem do quadro. Sabemos que a controvérsia entre a prevalência da cor ou do desenho, como discutido acima, apareceu no Cinquecento sob diversos binômios, como mão × cérebro; matéria × intelecto; mundano × divino; e paisagem × figura. Dentro desta última os críticos da época dividiam os italianos como os mestres da representação de figuras, sendo a paisagem uma vocação flamenga, podendo ilustrar esta noção a seguinte frase de Lampsonius: “Própria Belgarum laus est bene pingere rura; Ausoniorum, homines pingere, sine deos. Nec mirum in capite Ausonius, sed Belga cerebrum, Non temere in gnaua sertur habere manu”.45 A importância da paisagem é inegavelmente considerável, e mesmo nesta aparente rivalidade com a figura, Giampietrino consegue investir em ambas as tradições: na pintura Sagrada Família (Pinacoteca Ambrosiana) há uma evidente alusão à Virgem das Rochas, de Leonardo e ao mesmo tempo uma experimentação desta paisagística nórdica de ricas cores e detalhes, assim como a Sagrada Família com São Roque e Anjos
Hills43 notices a change in the perspective structure of Leonardo in Adoration of the Shepherds (Galleria degli Uffizi, Florence). Alberti’s precepts44 of fixing the horizon at eye level are abandoned resulting in a new panoramic perspective, allowing us to see the Madonna in the center of the entire body. The painting of the MASP repeats this structure, although slightly, but still portraying the Virgin from head to toe. There is, however, one element in this painting that can approach its author to the nordic productions. no previous assimilations to Leonardo, this element is almost a verbatim quotation of cultural reference, running with a few modifications: a crack in the window that introduces the landscape of the picture. We know that the controversy between the prevalence of color or design, as discussed above, appeared in the Cinquecento in various binomials, such as hand × brain; material × intellect; mundane × divine and landscape × picture. Within the latter the critics of that time divided the italians as masters of image representation, being the landscape a Flemish vocation. illustrate this concept we can read the following phrase of Lampsonius: “Própria Belgarum laus est bene pingere rura; Ausoniorum, homines pingere, sine deos. Nec mirum in capite Ausonius, sed Belga cerebrum, Non temere in gnaua sertur habere manu”.45 The importance of the landscape is undeniable, and even with this apparent rivalry with the figure, Giampietrino invested in both traditions: the Holy Family painting (Pinacoteca Ambrosiana ) is an obvious allusion to the Virgin of the Rocks of Leonardo and at the same time an experimentation of this northern landscape of rich color and detail, as well as the Holy Family with St. Roque and Angels Musicians (Pinacoteca
HiLLS, Paul. 1980. These precepts are related to the foundation of linear perspective, as explained by BLUnT, Anthony. Artistic Theory in italy from 1450 to 1600. Translation: John Jr. Sao Paulo Moura: Cosac & naify, 2001, p. 26. “He even invented a device to record the appearance of such an intersection, that means, a connection that the painter situated between him and the object itself to be painted, and in which he could trace the precise contours that appeared through it. This idea of the pyramid that leads the eye to the object seen is the foundation of linear perspective, so much so that the connection of Alberti is just a method to register the right view of an object according to the linear perspective...” 45 “The glory of the Belgians is painting the fields, the italians, men and gods, which is why it is said, rightly, that the italian has a brain in his head, and the Belgian in their hands”. (Tradução Maria Berbara) in: BeRBARA, Maria. Anais AnPAP, 2007. 43
44
HiLLS, Paul. 1980. Tais preceitos referem-se ao fundamento da perspectiva linear, como explicado por BLUnT, Anthony. Teoria artística na itália 1450-1600. Tradução: João Moura Jr. São Paulo: Cosac & naify, 2001, p. 26. “ele até inventou um estratagema para registrar a aparência de uma tal interseção, ou seja, uma rede que o pintor situava entre ele e o próprio objeto a ser pintado, e na qual poderia traçar com precisão os contornos que surgiam através dela. essa ideia da pirâmide que conduz o objeto visto ao olho é o fundamento da perspectiva linear, de tal modo que a rede de Alberti é apenas um método para registrar a visão correta de um objeto de acordo com a perspectiva linear...” 45 “A glória própria dos belgas é bem pintar os campos; a dos italianos, homens ou deuses; é por isso que se diz, com razão, que o italiano tem o cérebro em sua cabeça, e o belga, em sua mão”: (Tradução Maria Berbara) in: BeRBARA, Maria. Anais AnPAP, 2007. 43 44
76
RHAA 14
A Virgem de Giampietrino no MASP Ambrosiana, Milan – 8) and the paintings of ospedaletto Lodigiano. in these instances, we can perceive Giampietrino familiarity with this subject, sometimes ranging between the investment of the Leonardesque sfumato applying a fading color to demarcate the distance of the plans, and this more typical technique of the nordic culture that seems not to differentiate the application of color according with the depth of the scene.
Músicos (Pinacoteca Ambrosiana, Milão) e na pintura de ospedaletto Lodigiano. nestes exemplos, percebemos a familiaridade de Giampietrino com o tema, variando por vezes entre o investimento do sfumato leonardesco que aplica um esmaecimento cromático ao demarcar o distanciamento dos planos e esta técnica mais própria da cultura nórdica, que parece não diferenciar a aplicação da cor de acordo com a profundidade da cena.
Although we believe that the career of Giampietrino has begun even before its activities with Leonardo da Vinci, probably around the 1480s, the first productions attributed to him are those that already indicate the contact between them. As seen, it is probable that the reason why his first known works date back only from the early sixteenth century was the teaching method used by his master. The relentless graphic productions were closer to consist of a moto mentale than simple schizzi,46 that is the drawings, most of them drawn in a point of silver, were not aimed solely to the refinement of the trace and calculation of proportions, but to the extent of the intrinsic form.47 These first activities of the workshop, therefore, were much focused on the studies of the charts that preceded any contact with brush on canvas. Thus, we can imagine that Giampietrino may have obtained at this early stage more contact with the drawing than with the color application techniques, by inserting it in the context of the Tuscan Vasarian idea of disegno as an intellectual practice. However, we see that the chromaticism in his productions will receive a new place, making the controversy between artists and theorists of the time, to coexist in the same work,
Apesar de considerarmos que a carreira de Giampietrino tenha começado antes mesmo de suas atividades com Leonardo da Vinci, provavelmente por volta da década de 1480, as primeiras produções a ele relacionadas são aquelas que já indicam o contato entre ambos. Como visto, é provável que a razão de suas primeiras obras conhecidas datarem apenas a partir do início do século 16 tenha sido o método de ensino aplicado pelo seu mestre. As incansáveis produções gráficas estavam mais próximas de consistirem em moto mentale do que em simples schizzi,46 ou seja, os desenhos, a grande maioria em ponta de prata, não se destinavam apenas ao refinamento do traço e do cálculo de suas proporções, mas sim, ao alcance da intrínseca forma.47 estas primeiras atividades do ateliê, portanto, estavam muito voltadas aos estudos gráficos que antecediam qualquer contato com pincel sobre tela. desta maneira, ponderamos que Giampietrino possa ter obtido nesta fase inicial um contato maior com o desenho do que com as técnicas de aplicação cromática, se inserindo mais no contexto toscano da ideia vasariana de disegno como prática intelectual. no entanto, perceberemos que o cromatismo receberá em suas produções um novo lugar, fazendo conviver na mesma obra a polêmica discutida entre artistas e teóricos do tempo, como
46 At the chapter “Leonardo’s Method for Working out Compositions”. In: Richard Woodfield (Ed.). The Essential Gombrich. London: Phaidon, 1996, Gombrich explains the compositional technique of Leonardo da Vinci from this fundamental concept of the moto mentale that prioritizes the outline of the form (schizzi) as creative incitation rather than aiming to achieve the perfect line, as shown in the folowing: “one can see that what matters to Leonardo is the moto mentale, and that even he occasionally resorts to a plain scrawl because his attention is not on the bellezza and bontà delle [...] membra. (GoMBRiCH, 1996, p. 215) / “it may be noted that what is important to Leonardo is the mental movement and that he still occasionally uses a full draft because his attention is not on the beauty and goodness of the members.” (Free translation by the author) 47 Gombrich, 1996, p. 220, introduces us to the concept of intrinsic form as a compromise that Leonardo determines between a good painter and forms of nature, and therefore, not considering that such drafts (schizzi) are sufficient as a source of inspiration in the creation, being combined with the knowledge of size and proportion from examples provided by nature.
46 No capítulo “Leonardo’s Method for Working out Compositions”. In: Richard Woodfield (Ed.). The Essencial Gombrich. London: Phaidon, 1996, Gombrich explica a técnica compositiva de Leonardo da Vinci a partir deste conceito fundamental do moto mentale que prioriza o esboço da forma (schizzi) como incitação criativa em vez de objetivar o alcance da linha perfeita, como segue no trecho: “one can see that matters for Leonardo is the moto mentale, and that he occasionally even resorts to a plain scrawl because his attention is not on the bellezza e bontà delle [...] membra”. (GoMBRiCH, 1996, p. 215) / “Pode-se notar que o que importa para Leonardo é o movimento mental e aquilo que ele ocasionalmente ainda recorre a um pleno rascunho porque sua atenção não está na beleza e bondade dos membros”. (Tradução livre da autora) 47 Gombrich, 1996, p. 220, nos apresenta o conceito da intrínseca forma como um compromisso que Leonardo determina entre um bom pintor e as formas da natureza, não considerando, portanto, que os tais rascunhos (schizzi) bastem como fonte inspiradora na criação, devendo ser, portanto, combinados ao conhecimento do tamanho e proporção dos exemplos que a natureza nos fornece.
RHAA 14
77
Fernanda Marinho Vasari,48 que dizia ser o desenho o pai das três artes, nomeando Michelangelo (1475-1564) seu maior realizador; e Lodovico dolce (1508-1568)49 um dos que defendiam a superioridade da cor devido à sua aproximação às nuances da natureza, elevando Ticiano à suprema expressão desta forma. Cristina Geddo50 esquematiza o desenvolvimento da forma de Giampietrino em três momentos fundamentais: o primeiro representado pelo tríptico de ospedaletto Lodigiano, situado até o segundo decênio do Cinquecento e ainda muito conectado a Leonardo e Marco d’oggiono; o segundo, pela pintura do altar da igreja de San Marino, em Pavia, a única obra datada do pintor, 1521, marcando o seu interesse pelas novidades trazidas por Cesare da Sesto; e o terceiro momento que se estende até o final da metade do século, apresentando uma volta às raízes leonardescas. o tríptico da primeira fase, atribuído a Giampietrino por Suida,51 é datado por Geddo entre os anos de 1516, quando a família Balbi construiu a VASARi, Giorgio. Le Vite dei più eccellenti pittori, scultori e architetti. edizione Giuntina, Capítulo XV, Volume V, p. 111. “Perchè il disegno, padre delle ter arti nostre architettura, scultura e pittura, procedendo dall’intelletto cava di molte cose un giudizio universale simile a una forma overo idea di tutte le cose della natura, la quale è singolarissima nelle sue misure, di qui è che non solo nei corpi umani e degli animali, ma nelle piante ancora e nelle fabriche e sculture e pitture, cognosce la proporzione che ha il tutto con le parti e che hanno le parti fra loro e col tutto insieme; e perchè da questa cognizione nasce un certo concetto e giudizio, che si chiama disegno, si può conchiudere che esso disegno altro non sia che una apparente espressione e dichiarazione del concetto che si ha nell’animo, e di quello che altri si è nella mente imaginato e fabricato nell’idea”. / “Porque o desenho, pai das nossas três artes, arquitetura, escultura e pintura, procedendo do intelecto extrai de muitas coisas um juízo universal parecido a uma forma, pode-se dizer de todas as coisas da natureza, a qual é muito semelhante nos seus tamanhos, do qual está não apenas nos corpos humanos e nos animais, mas nas plantas ainda e nas construções, esculturas e pinturas, conhece a proporção de tudo com as partes e das partes com o todo e tudo junto; e porque desta cognição nasce um certo conceito e juízo, que se chama desenho, se pode concluir que esse desenho não seja outra coisa que não uma aparente expressão e declaração do conceito que existe no ânimo, e daquele que outros se fazem na mente imaginados e fabricados na ideia.” Vasari, nesta parte do livro, analisa a importância do desenho nas três formas artísticas, argumentando que para a arquitetura é utilizado no projeto de construção, e por causa disso não é nada além de linhas, uma vez que a execução do projeto consiste em trabalho de carpinteiros e pedreiros e não de arquitetos; na escultura, o desenho permite a visualização dos diversos ângulos antes de iniciar a modelagem; e na pintura serve principalmente para contornar as figuras, dando-lhes relevo. 49 Lodovico dolce escreveu em 1557 O Aretino, um diálogo sobre a pintura considerado um dos primeiros textos a abordar os fundamentos da doutrina colorista, no qual explicitaria sua ideia a respeito da arte do colorido como o maior responsável pela expressão da carne, uma das mais difíceis representações. Ver A Pintura. Textos essenciais. Vol. 9: o desenho e a cor. Jacqueline Lichtenstein (direção). São Paulo: editora 34, 2006. 50 Geddo, in: Arte Lombarda, 1992. 51 SUIDA, W. E. Leonardo und sein Kreis. München, 1929, p. 213, 214, 301. 48
78
RHAA 14
like Vasari48 who said that drawing was the father of three arts, naming Michelangelo (1475-1564) its greatest director, and Lodovico dolce (1508-1568)49 one of those who defended the superiority of color due to its closeness to nature´s nuances, elevating Titian to the supreme expression of this form. Cristina Geddo50 outlines the development of Giampietrino´s form in three key moments: the first one represented by the triptych of Ospedaletto Lodigiano, situated up to the second decade of the Cinquecento and still very connected to Leonardo and Marco d’oggiono, the second one by the painting of the altar of Church of San Marino in Pavia, the only dated work of the painter, in 1521, marking his interest in the novelties brought by Cesare da Sesto, and the third moment that extends
VASARi, Giorgio. Le Vite dei Most Excellent Painters, Sculptors, and architetti. edizione Giuntina, Chapter XV, Volume V, p. 111. “Perchè il disegno, padre delle ter arti nostre architettura, scultura e pittura, procedendo dall’intelletto cava di molte cose un giudizio universale simile a una forma overo idea di tutte le cose della natura, la quale è singolarissima nelle sue misure, di qui è che non solo nei corpi umani e degli animali, ma nelle piante ancora e nelle fabriche e sculture e pitture, cognosce la proporzione che ha il tutto con le parti e che hanno le parti fra loro e col tutto insieme; e perchè da questa cognizione nasce un certo concetto e giudizio, che si chiama disegno, si può conchiudere che esso disegno altro non sia che una apparente espressione e dichiarazione del concetto che si ha nell’animo, e di quello che altri si è nella mente imaginato e fabricato nell’idea”... / “Because the design, the father of three arts, architecture, sculpture and painting, originating from the intellect extracts from several things a judgment similar to a form, you can say of all things in nature, which are very similar in their sizes, which are not only in human bodies and animals, but also in plants and buildings, sculptures and paintings, know the proportion of all parts and the parts with the whole and all together, and because of this cognition a certain concept and judgment are born, which are called drawing, one can conclude that this drawing is nothing but an apparent expression and declaration of the concept that exists in the mind, and that others are made in the mind conceived and manufactured in the idea”. Vasari, in this part of the book examines the importance of drawing in three artistic forms, arguing that for the architecture it is used in the construction project, and that makes it nothing but lines, since the implementation of the project is the work of carpenters and builders, not architects; in sculpture, the design allows the visualization of different angles before the artist starts modeling; in painting it serves mainly to contour the images, giving them relief. 49 Lodovico dolce wrote in 1557 The Aretino, a dialogue about painting considered one of the first texts about the fundamentals of the colorist doctrine, where he would explain his idea of coloring art as the biggest responsible for the expression of the flesh, one of the hardest representations a painter can do. See Painting. essential texts. Vol 9: The design and color. Jacqueline Lichtenstein (direction). São Paulo: editora 34, 2006. 50 Geddo, in: Arte Lombarda, 1992. 48
A Virgem de Giampietrino no MASP to the end of the half of the century, with his return to the leonardesque roots. The triptych of the first stage, attributed to Giampietrino by Suida,51 is dated by Geddo between the years 1516, when the Balbi family built the parish where the painting is,52 and in 1520, a year before the date of the painting of San Marino, in similar thematics. His leonardism, seconded by the author, is corroborated when we think of the feature of the Virgin of the Rocks and the playful relationship between the Madonna and child as noted in the Santa Ana studies (national Gallery, London). The central composition of the triptych still looks attached to a formal didacticism, as if the artist did not seek his examples in nature, but in his studio´s productive legacy. The landscape of the window detects that naive application of the technique, the deepness plans are excessively demarcated by different textures and linear settings, moving from the curly bush to the winding path that leads our eyes to a first sharper architecture than the second at the top culminating in the representation of the last mountain that emphasizes the Leonardesque sfumato. This landscape can be compared to Marco d’oggiono’s Crespi altarpiece, Madonna with Child, Angels Musicians, Saints and Donors, at Musée de Beaux-Arts (now loaned to the Louvre). The same ingenuity noticed at Giampietrino’s painting is perceived here. its natural or architectural components would appear to be consist more of pictorial exercises than elements that add narrative importance to the scene, besides its atmospheric perspective being still primary, with abrupt application not smooth. The second phase, represented by the Pavia’s painting shifts Giampietrino´s focus, according to Geddo, to Cesare da Sesto, to whose painting Madonna and Child, St. John the Baptist and St. George (Fine Arts Museums, Samuel H. Kress Collection, San Francisco) he establishes a direct dialogue. its landscapes are more integrated into the narrative of the scene and a maturity of his forms as well as the use of symbolism in his compositions are noticed. The third phase, called by the author as a time characterized by a return to the Leonardo roots, is also commented in Geddo´s article, which presents a new work attributed to Giampietrino, The entry into Jerusalem (private collection, last seen in an antiques market in Prato), about which she highlights: Il dipinto appare infatti sintomatico della difficoltà del pittore di innovare gli schemi di streto leonardismo
51 SUIDA, W.E. Leonardo und sein Kreis. München, 1929, p. 213, 214, 301. 52 AGneLLi, G. Lodi e il suo territorio nella storia, nella geografia e nell’arte. Lodi, 1917, p. 792.
paróquia onde a pintura se encontra,52 e 1520, um ano antes da datação da pintura de San Marino, de temáticas coincidentes. o seu leonardismo, destacado pela autora, é corroborado quando pensamos na feição da Virgem das Rochas e na relação lúdica entre a Madona e seu filho como notado nos estudos para a Santa Ana (National Gallery, Londres). A composição central do tríptico ainda se mostra presa a um didatismo formal, como se o artista não procurasse na natureza seus exemplos, mas sim no legado produtivo de seu mestre e ateliê. A paisagem da janela denuncia esta ingenuidade da aplicação da técnica, os planos de profundidade são excessivamente demarcados por diferentes texturas e definições lineares, passando do crespo arbusto, ao caminho sinuoso que conduz nossos olhares a uma primeira arquitetura mais definida que a segunda ao topo, culminando na representação da última montanha que enfatiza o sfumato leonardesco. A esta paisagem podemos comparar aquela do políptico de Crespi de Marco d’oggiono, Madona com Menino, Anjos Músicos, Santos e doadores, do Musée de Beaux-Arts (emprestada hoje ao Louvre). A mesma ingenuidade notada na pintura de Giampietrino é aqui percebida. Seus componentes naturais ou arquitetônicos parecem consistir mais em exercícios pictóricos do que em elementos que acrescentem importância narrativa à cena, além de sua perspectiva atmosférica ser ainda primária, de aplicação abrupta, pouco suave. A segunda fase, representada pela pintura de Pavia, desloca seu foco de atenção, segundo Geddo, para Cesare da Sesto, com cuja pintura Madona com Menino, São João Batista e São Jorge (Fine Arts Museums, Samuel H. Kress Collection, San Francisco) estabelece diálogo direto. Suas paisagens são mais integradas à narrativa da cena e percebemos um amadurecimento tanto da forma de Giampietrino quanto do uso da simbologia em suas composições. A terceira fase, assinalada pela autora como um momento caracterizado por uma volta às raízes de Leonardo, é comentada também em seu artigo que nos apresenta uma nova obra atribuída a Giampietrino, o ingresso em Jerusalém (acervo particular, vista pela última vez em um mercado de antiguidades em Prato), a respeito da qual destaca: Il dipinto appare infatti sintomatico della difficoltà del pittore di innovare gli schemi di streto leonardismo in cui se era formato,
52 AGneLLi, G. Lodi e il suo territorio nella storia, nella geografia e nell’arte. Lodi, 1917, p. 792.
RHAA 14
79
Fernanda Marinho ormai in via di superamento in una data che non devrebbe precedere il quarto decennio del Cinquecento, non potendo egli attingere alla cultura lombrada preleonardesca, evidentemente avvertita come arcaica per chi era cresciuto alla scuola del maestro fiorentino, e mantenendosi a distanza tanto dalla sintesi operata da Bernadino Luini quanto delle novità di Gaudenzio Ferrari.53
Segundo Geddo, esta dita falta de inovações, característica deste período, poderia ser identificada nesta pintura a partir da repetição de diversos elementos já conhecidos, como por exemplo, os gestuais e posições dos apóstolos da Última Ceia e a feição de Maria na pintura Adoração do Menino com São Roque em relação à mulher de chapéu vermelho. outro motivo da crítica da autora refere-se também à sua dificuldade em elaborar composições articuladas com muitas figuras. A grande maioria das pinturas de Giampietrino consiste em narrativas de poucos personagens, cenas mais íntimas e de interiores. nesta, entretanto, o confuso esquema de distribuição de personagens do qual Geddo se refere parece denunciar mais uma ansiedade do artista em capturar as grandes tendências pictóricas do que em fechar-se em um retorno dos esquemas de Leonardo, como assinalado pela autora. Podemos ponderar que Giampietrino pretendia compilar em uma mesma pintura tanto as práticas desenvolvidas junto ao mestre florentino, quanto absorver as novidades advindas com as composições do norte europeu, que agregam um grande número de personagens em um único foco narrativo cênico. Como exemplo, podemos pensar na produção de Hugo van der Goes, que Leonardo conheceu como Lamentação da morte de Cristo (Kunsthistorisches Museum, Viena) e Morte da Virgem (Groeninge Museum, Bruges), que organizam seus personagens voltados ao mesmo foco, o centro narrativo da obra, mas fornecendo a cada um deles uma importância rítmica na leitura da composição, diferentemente da organização apresentada nesta composição de Giampietrino. Tal esquematização da trajetória do pintor elaborada por Geddo nos ajuda a pensar melhor a localização temporal Geddo, Cristina. “Um inédito ‘ingresso a Gerusalemme’ del Giampietrino”. in: PedReTTi, Carlo. (ed.). Achademia Leonardi Vinci. Journal of Leonardo Studies & Bibliography of Vinciana. Volume X. Firenze: Giunyi Publishing Group, 1997, p. 215. / “A pintura parece de fato sintomática da dificuldade do pintor de inovar os esquemas de estreito leonardismo no qual se formou, já em via de superação em uma data que não deveria preceder o quarto decênio do Cinquecento, não podendo atingir a cultura lombarda pré-leonardesca, evidentemente percebida como arcaica por quem cresceu na escola do mestre florentino, e mantendo-se distante tanto da síntese operada por Bernardino Luini quando da novidade de Gaudenzio Ferrari”. (Tradução livre da autora)
53
80
RHAA 14
in cui se era formato, ormai in via di superamento in una data che non devrebbe precedere il quarto decennio del Cinquecento, non potendo egli attingere alla cultura lombrada preleonardesca, evidentemente avvertita come arcaica per chi era cresciuto alla scuola del maestro fiorentino, e mantenendosi a distanza tanto dalla sintesi operata da Bernadino Luini quanto delle novità di Gaudenzio Ferrari.53
This so-called lack of innovation, characteristic of this period, according to Geddo, could be identified in this painting from the repetition of many familiar elements, such as the gestures and positions of the apostles in the Last Supper and Mary´s feature in the painting Adoration of the Child with San Roque in relation to the woman in the red hat. Another reason for the author criticism refers also to the difficulty of elaborating compositions combined with many images. The vast majority of Giampietrino’s paintings consist of narratives with few characters, more intimate scenes and interiors. in this picture, however, the confusing distribution pattern of the characters which Geddo refers to, seem to denounce the anxiety of the artist to capture the major pictorial trends than closing on a return to Leonardo´s forms, as pointed by the author. We may speculate that Giampietrino intended to gather on the same painting the practices developed by the Florentine master, as well as to absorb the novelties arising with the compositions of northern europe, which add a large number of characters in a single scenic narrative focus. As an example, we can consider the production of Hugo van der Goes, known by Leonardo as Lamentation of the death of Christ (Kunsthistorisches Museum, Vienna) and The Virgin’s death (Groeninge Museum, Bruges), that organize the characters facing the same focus, the center of the narrative work, but giving each one an important rhythmic reading of the composition, unlike the organization presented in Giampietrino´s composition. This outline of the painter´s journey drawn by Geddo helps us think about the temporal location of the painting of the MASP. We have already
53 Geddo, Cristina. “Um inédito ‘ingresso a Gerusalemme’ del Giampietrino”. in: PedReTTi, Carlo. (ed.). Achademia Leonardi Vinci. Journal of Leonardo Studies & Bibliography of Vinciana. Volume X. Firenze: Giunyi Publishing Group, 1997, p. 215. / “The painting appears in fact symptomatic of the difficulty of the artist to innovate the Leonardim schemes in which he graduated, difficulty being overcome in a date that should not precede the fourth decade of the Cinquecento, not being able to achieve the pre-crop leonardesque, clearly perceived as archaic by who grew up in the Florentine´s master school, and staying away from both the synthesis powered by Bernardino Luini and the novelty of Gaudenzio Ferrari. (Free translation by the author)
A Virgem de Giampietrino no MASP discussed its characteristics after 1520 and here we see that the year 1540, approximate date of Entrance in Jerusalem, suggested by the author, would be advanced to the MASP painting. The restlessness of Giampietrino´s forms was not so pronounced, the assimilation of new art was still percolating in his compositions more smoothly through a controlled absorption of the technique and a more flexible improvement, an elaboration of graphic shape combined with the chromatic enrichment and the constant symbolic search beyond the boundaries set by Leonardo in Milan.
da pintura do MASP. Já analisamos suas características pós 1520, e aqui percebemos que o ano de 1540, data aproximada de ingresso a Jerusalém sugerida pela autora, seria avançada para a pintura conservada no acervo nacional. A inquietação das formas de Giampietrino ainda não estava tão acentuada, a assimilação das novidades artísticas ainda se infiltrava em suas composições de maneira mais suave por meio de uma absorção controlada da técnica e do seu aprimoramento mais flexível, uma elaboração gráfica da forma combinada ao seu enriquecimento cromático e às constantes buscas simbólicas para além das fronteiras estabelecidas por Leonardo em Milão.
As much as we feel that the MASP painting could be better placed in context from the second decade of the Cinquecento, this was not distant of the echoes of the cultural restructuring of the turn of the century. About Giampietrino we have no documentation that suggests he moved to another city or even traveled, accompanying his master or due to commissions. The only experiences outside Milan we know of are only in ospedaletto Lodigiano and in Pavia, where he did the paintings mentioned earlier; Savona when he supervised Andrea Corbetta´s work and Como, when, in 1517 he established contact with the abbot niccolò Lampugnano. However, to consider the possibility that he actually circulated on routes further away would not be an incoherent idea, since he does not deny strong influences of different visual sources and has probably enjoyed a rich and intense professional life. Add to these reasons the constant movement of Leonardesques, mainly during this phase of redefinition of the formal boundaries of Lombard artists in the new cultural scene which was being organized in Milan. We know, for example, that Boltraffio went to Bologna, Marco d’oggiono moved to his hometown Lecco and after to Savona, having worked before with Giovanni Agostino da Lodi (active from c. 1467 to 1524) in Venice between the years 1495 and 1504, Francesco napoletano (active between c. 1490 and 1520) also moved to the Venetian capital in 1501, besides Andrea Solarium who during the years 1507 and 1508 lived in France.54
Por mais que consideremos que a nossa pintura de interesse esteja mais bem inserida no contexto a partir da segunda década do Cinquecento, esta não estava distante dos ecos da então reestruturação cultural lombarda da virada do século. de Giampietrino não temos nenhum documento que sugira ter se mudado para outra cidade ou mesmo viajado, seja acompanhando seu mestre, seja por encomenda de trabalhos. Suas únicas experiências fora de Milão que se tem notícia são apenas em ospedaletto Lodigiano e na cidade de Pavia, onde executou as pinturas aqui referidas; Savona, quando supervisionou o trabalho de Andrea Corbetta; e Como, quando em 1517 estabeleceu contato com o abade niccolò Lampugnano. no entanto, ponderar a possibilidade de ter circulado por rotas mais distantes não seria uma ideia incoerente, uma vez que além de não negar uma forte influência de diversas fontes visuais, como aqui veremos, é provável que tenha usufruído uma rica e intensa vida profissional. A tais razões soma-se a constante circulação dos leonardescos, principalmente durante esta fase de redefinição das fronteiras formais dos artistas lombardos no novo cenário cultural que se organizava em Milão. Sabemos que Boltraffio, por exemplo, foi para Bologna; Marco d’oggiono mudou-se para sua cidade natal, Lecco, e posteriormente Savona, tendo antes disso trabalhado com Giovani Agostino da Lodi (ativo entre c. 1467-1524) em Veneza entre os anos de 1495 e 1504; Francesco napoletano (ativo entre c. 1490 e 1520) também se deslocou para a capital vêneta em 1501; além de Andrea Solário, que durante os anos de 1507 e 1508 encontrava-se na França.54
54 informations found at: BoRA, Giulio. “i leonardeschi a Veneza: verso la ‘maniera moderna’”. in: Leonardo e Venezia. Bonpiani, 1992.; MATTHEW, Louisa C. Esperienze veneziane si artisti nordici: annotazioni. in: Il Rinascimento a Venezia e la pittura del Nord ai tempi di Bellini, Dürer, Tiziano. A cura di Bernard Aikema, Beverly Louise Brown. Bonpiani, 1999.
Percebemos uma predileção destes artistas por Veneza, e esta escolha pode ser justificada pelo clima cosmopolita da 54 informações retiradas de: BoRA, Giulio. “i leonardeschi a Veneza: verso la ‘maniera moderna’”. in: Leonardo e Venezia. Bonpiani, 1992.; MATTHEW, Louisa C. Esperienze veneziane si artisti nordici: annotazioni. in: Il Rinascimento a Venezia e la pittura del Nord ai tempi di Bellini, Dürer, Tiziano. A cura di Bernard Aikema, Beverly Louise Brown. Bonpiani, 1999.
RHAA 14
81
Fernanda Marinho cidade,55 que fez Aikema e Louise Brown destacarem-na dentre as demais cidades italianas que também expandiram suas fronteiras culturais em relação aos contatos estabelecidos com os países do norte da europa: it is obvious that the interest in northern art was not a Venetian phenomenon [...] Throughout italy – Ferrara, Florence, Milan, Genoa and naples were the most important centers [...] All of the italian cities mentioned above had important economic ties with the major northern centers of commerce such as Bruges and Augsburg [...] during the Renaissance Venice was one of the largest city in europe and consequently one of the busiest centers for all levels of exchange, be they economic, cultural, or artistic. its strategic position between the north and the South as well the east and the West, made it a cosmopolitan center open to influences of the most varied kind.56
Tendo Milão se libertado havia dois séculos da dinastia dos Visconti seguida da dos Sforza, este destino parecia tentador. Tal migração, contudo, já despontava mesmo antes de Leonardo abandonar a capital lombarda. Uma das primeiras viagens que se tem notícia é a de Andrea Solário, que em 1490 acompanhou seu irmão Cristoforo (ativo entre c. 1489-1520), onde lá permaneceram durante alguns anos, quando Andrea deixou trabalhos datados entre 1495 e 1496. este artista mostra uma experiência veneziana bastante intensa e, portanto, é a ele que a fase de amadurecimento de Giampietrino é constantemente associada, principalmente no que se refere ao crescente investimento cromático de suas composições, como percebemos ao aproximar Salomé (coleção privada de Londres) e Salomé com a cabeça de São João Batista (national Gallery, Londres) àquela de mesmo tema de autoria de Solário (Kunsthistorisches Museum, Viena). Uma relação ainda mais direta entre o nosso artista de interesse e Veneza é estabelecida a partir das pinturas 55 Este clima é justificado em LUCCO, Mauro. “La pittura a Venezia nel primo Cinquecento”. in: La Pittura in Italia. Il Cinquecento. Gregori Mina (cura). ed. electa. San Paolo, 1997, p. 149; quando caracteriza a cidade tanto por ser um importante polo comercial, quanto um centro de intensas circulações de artistas viajantes, exemplificando com o caso de Dürer. 56 AIKEMA; BROWN, 1999, p. 20 e 21 / “É óbvio que o interesse na arte do norte não foi um fenômeno veneziano [...] em toda itália – Ferrara, Florença, Milão, Genova e nápoles eram os centros mais importantes [...] Todas as cidades italianas citadas acima tiveram importância econômica ligada aos maiores centros de comércio do norte como Bruges e Augsburg [...] durante o Renascimento Veneza foi uma das maiores cidades na europa e consequentemente um dos centros mais ativos para todos os níveis de troca, seja econômico, cultural ou artístico. Sua posição estratégica entre o norte e o Sul como o oriente e ocidente, a tornou um centro cosmopolita aberto a influências dos mais variados tipos.” (Tradução livre da autora)
82
RHAA 14
We notice a predilection of these artists for Venice and the choice can be justified by the cosmopolitan atmosphere of the city55 that made Aikema and Louise Brown to highlight it among the other italian cities that also expanded their cultural boundaries in relation to established contacts with the countries of northern europe: it is obvious that the interest in northern art was not a Venetian phenomenon [...] Throughout italy – Ferrara, Florence, Milan, Genoa and naples were the most important centers […] All of the italian cities mentioned above had important economic ties with the major northern centers of commerce such as Bruges and Augsburg [...] during the Renaissance Venice was one of the largest city in europe and consequently one of the busiest centers for all levels of exchange, be they economic, cultural, or artistic. its strategic position between the north and the South as well the East and the West, made it a cosmopolitan center open to influences of the most varied kind.56
Since Milan had been released after two centuries of dynasties of Visconti and Sforza this destiny seemed tempting. This migration, however, began to dawn even before Leonardo abandoned the Lombard capital. One of the first known trips was Andrea Solarium’s, who in 1490 accompanied his brother Cristoforo (active from c. 1489 to 1520). They stayed for a few years and Andrea produced works dating from 1495 to 1496. This artist shows quite an intense Venetian experience and, therefore, Giampietrino´s maturity phase is constantly associated with Andrea´s work, regarding to the increasing investment in color of his compositions, as we see when approaching Salomé (private collection in London) and Salome with the head of John the Baptist (national Gallery, London) to the one of the same theme painted by Solario (Kunsthistorisches Museum, Vienna). An even more direct relation between Giampietrino and Venice is drawn on the paintings Sophonisba of his authorship (Museo Castelvecchio, Verona) and the one of Caroto (Isola Bella, Borromeo Collection). The influence is quite clear, what can differentiate them is the Lombard artist´s fascination in representing the nude, whether through nuances, more so for religious paintings, such as scenes of the Virgin
This city atmosphere is justified in LUCCO, Mauro. “La pittura a Venezia nel primo Cinquecento”. in: La Pittura in Italia. Il Cinquecento. Gregori Mina (cura). ed. electa. San Paolo, 1997, p. 149; when characterizes the city as an important industrial pole, and a center of intense circulations of travelers artists, exemplifying dürer. 56 AIKEMA; BROWN, 1999, p. 20 e 21. 55
A Virgem de Giampietrino no MASP breastfeeding the Child, as the one in the MASP, or even in profane themes, as in Leda (Staatliche Museen, Kassel), Ninfa Hegéria (Brive Sforza Collection, Milan) and Dido (Collection Borromeo, isola Bella). We know that in 1507 Caroto was in Milan, when the contact between them was probably established, however, Giampietrino´s painting is dated by art historians to the second decade of the Cinquecento, a distant period for a possible contact between these artists. That being said, we can contemplate two possibilities: even if he was in Milan at the same time, Giampietrino may have had a belated knowledge of the Venetian´s painting, or, more likely, only from 1520 he would begin to show a greater interest in other formal sources, other artistic natures, just when we consider the expansion of his artistic dialogues. The comparison between the two works helps us better understand how Giampietrino would be placed in the theoretical discussion of disegno and color once he combined the skills brought from Leonardo’ studio with these new absorptions. The intense draperies of Caroto share the scene with the character, they only suggest the body form denounced by Giampietrino. The color application of the Venetian composition helps getting the volumes, textures, depth, while the Lombard composition seems to invest more in developing graphical forms, the weight of the drapery, the limits of the images are still more highlighted by stronger lines than the brush. We observe here that Giampietrino’s interest in the Venetians palettes, although shy at execution, appeared to be in the process of assimilation. Let us draw a second comparison that can perhaps suggest an improvement: we will take as a reference a Venetian work, but an engraving, Diana the huntress (Fine Arts Museum, San Francisco), by Jacopo Veronesi (c. 1505-1565) dated 1526, which initially does not seem appropriate for the debate in question, since our focus is on the application of color. However, this comparative combination can help us understand the progress of Giampietrino’s color that seemed to have found in the engraving a creative stimulus for the implementation of his new palette, as shown in the painting displayed at the Metropolitan Museum of Art, new York. That strong linear outline present on Sophonisba is here diluted with a thicker brush, already investing in the rich details of the Venetian red, as in the not shy chromatic employment of color experienced by Bernardino Luini in the church of San Giorgio al Palazzo in Milan. The nude remains a characteristic, but if we compare it with those
Sophonisba, de Giampietrino (Museu Castelvecchio, Verona) e de Caroto (isola Bela, Borromeo Collection). A influência é bastante clara, no entanto o que a diferencia é este fascínio do artista lombardo pela representação do nu, seja ele por meio de nuances, mais no caso das pinturas religiosas, como as cenas de amamentação da Virgem, vide a do MASP que aqui estudamos, ou mesmo nos temas profanos, como em Leda (Staatliche Museen, Kassel), ninfa Hegéria (Brivo Sforza Collection, Milão) e dido (Borromeo Collection, isola Bella). Sabemos que em 1507 Caroto encontrava-se em Milão, quando provavelmente o contato entre ambos foi estabelecido. no entanto, a pintura de Giampietrino é datada pelos historiadores da arte à segunda década do Cinquecento, um período já distante deste possível contato entre tais artistas. Podemos, desta forma, cogitar duas possibilidades: ainda que estivesse em Milão na mesma época, Giampietrino pode ter tido um conhecimento tardio da pintura do veneziano, ou, mais provavelmente, apenas a partir de 1520 é que começaria a apresentar maior interesse por outras fontes formais, outras naturezas artísticas, justamente nesta época em que consideramos a expansão de seus diálogos artísticos. A comparação entre ambas as obras nos ajuda a melhor perceber como Giampietrino se situaria na discussão teórica do disegno e da cor, uma vez que passava a combinar os conhecimentos que trazia do ateliê de Leonardo a estas novas absorções. os intensos drapejamentos de Caroto dividem o protagonismo da cena com a personagem; eles apenas sugerem a forma corporal denunciada por Giampietrino. A aplicação cromática da composição veneziana ajuda na obtenção da volumetria, das texturas e da profundidade, enquanto que a lombarda parece investir mais na elaboração gráfica de suas formas e no peso do panejamento; os limites das figuras ainda são marcados mais por um reforço linear do que pela pincelada. Percebemos aqui que o interesse de Giampietrino nos intensos investimentos das paletas venezianas, ainda que tímido na execução, parecia encontrar-se em fase de assimilação na prática. Tracemos, portanto, uma segunda comparação que possa talvez sugerir um avanço: tomemos como ponto de referência ainda uma obra veneziana, no entanto uma gravura, diana caçadora (Fine Arts Museum, São Francisco), de Jacopo Veronesis (c. 1505-1565) datada de 1526, que inicialmente parece não ser apropriada para o debate em questão, já que estamos focalizados na aplicação da cor. no entanto, esta combinação comparativa pode nos ajudar a perceber os RHAA 14
83
Fernanda Marinho progressos cromáticos de Giampietrino, que pareceu ter visto na gravura um estímulo criativo para a aplicação de sua nova paleta, na pintura do Metropolitan Museum of Art, de nova iorque. Aquele forte esquema linear marcado na Sophonisba é aqui diluído em uma pincelada mais densa, já investindo nos ricos detalhes do vermelho veneziano, como naquele nada tímido emprego cromático experimentado por Bernardino Luini na igreja de San Giorgio al Palazzo, em Milão. o nu permanece característico, mas se compararmos este com aquelas demais representações profanas do início da carreira, ainda muito imbuídas no universo de Leonardo, notamos a abertura formal que Giampietrino se permitiu experimentar, que explora novas texturas, novas tonalidades da pigmentação da carne e uma renovada gama de cores vivas. Um novo interesse formal que o artista viria explorar de maneira peculiar como dito por Marani: A distanza di um secolo, quando sembra che tale attenzione per il “movimento” leonardesco nel suo complesso stia ravvivandosi ulteriormente, si va sottolinando anche l’alta qualità pittorica delle opere che vanno sotto al nome del Giampietrino, cercando di definirne le peculiarità: essa appare fondarsi sulla qualità diafana degli incarnati, stesi per finissime velature, sui tocchi evanescenti di rosa, sui riverbi che i panneggi rossi producono su mani e incarnati, recuperando una particolarità che già era stata del Bramantino, sulla constitenza trasparente della materia quando descrive rocce e paesaggi; questo stile pittorico, che s’avvale, nella scelta delle sue tipologie, di modeli vinciani, trova equivalente in certa produzione del Luini e di Giovanni Agostino da Lodi, che forse, talvolta supera, e nell’impostazione spaziale di Cesare da Sesto, cui talora il Giampietrino ricorre.57
devido a toda efervescência cultural que dominava Milão e a estas mudanças que despontavam na forma artística de Giampietrino, não podemos negar a sua inserção no quadro da polêmica discussão localizada entre as tradições florentinas,
other profane representations of the beginning of his career, still very much linked with Leonardo, we notice the novelties that Giampietrino was experimenting, by exploring new textures, new shades of the flesh´s pigmentation and a renewed range of colors. A new formal interest that the artist would explore in a peculiar way, as said by Marani: A distanza di um secolo, quando sembra che tale attenzione per il ‘movimento’ leonardesco nel suo complesso stia ravvivandosi ulteriormente, si va sottolinando anche l’alta qualità pittorica delle opere che vanno sotto al nome del Giampietrino, cercando di definirne le peculiarità: essa appare fondarsi sulla qualità diafana degli incarnati, stesi per finissime velature, sui tocchi evanescenti di rosa, sui riverbi che i panneggi rossi producono su mani e incarnati, recuperando una particolarità che già era stata del Bramantino, sulla constitenza trasparente della materia quando descrive rocce e paesaggi; questo stile pittorico, che s’avvale, nella scelta delle sue tipologie, di modeli vinciani, trova equivalente in certa produzione del Luini e di Giovanni Agostino da Lodi, che forse, talvolta supera, e nell’impostazione spaziale di Cesare da Sesto, cui talora il Giampietrino ricorre.57
Because of all the cultural effervescence which dominated Milan and all these formal changes that started to appear in Giampietrino’s art, we cannot deny his inclusion under the controversial discussion between the Florentine traditions, closer to his native school of thought, and the Venitian traditions that were presented as possibilities for renewal and expansion of their cultural boundaries. Giampietrino did both, trying to take from each of them the formal aspects that would enrich his productions. These dialogues seem to have yielded
MARAni, Pietro Carlo. “Per il Giampietrino: nuove analisi nella Pinacoteca di Brera e un grande inedito”. in: Raccolta Vinciana. Fasciculo XXiii. Milano: Castelo Sforzesco, 1989, pg. 35. / “distancing a century, when it seems that such attention given to the Leonardian movement is being revived, the high quality of pictorial works attributed to Giampietrino is also demonstrated trying to define his style: that appears to be based on the diaphanous quality achieved with the embodiment of a thin veiling of an evanescent touch of pink on the reverberations that red drapery produce in the hands and in flesh color, retrieving a feature that once was Bramantino´s on the transparent consistency of the matter when depicting rocks and landscapes; this pictorial style, which uses, in its choice of types of Vinciani models, is similar to certain productions of Luini and Giovanni Agostino da Lodi, perhaps surpassed time or another, and in the spatial placement of Cesare da Sesto, to which Giampietrino occasionally resorts to”. (Free translation by the author)
57
57 MARAni, Pietro Carlo. “Per il Giampietrino: nuove analisi nella Pinacoteca di Brera e un grande inedito”. in: Raccolta Vinciana. Fascículo XXiii. Milano: Castelo Sforzesco, 1989, p. 35. / “À distância de um século, quando parece que tal atenção pelo movimento leonardesco na sua totalidade estivesse se reavivando novamente, vai sendo evidenciada também a alta qualidade pictórica das obras atribuídas a Giampietrino, procurando definir sua peculiaridade: essa parece fundar-se sobre a qualidade diáfana dos encarnados alcançados com a finíssima veladura sobre o toque evanescente de rosa, sobre as reverberações que os panejamentos vermelhos produzem nas mãos e na cor da carne, recuperando uma particularidade que já foi de Bramantino, sobre a consistência transparente da matéria quando retrata rochas e paisagens; este estilo pictórico, que utiliza, na escolha das suas tipologias, dos modelos vincianos, encontra equivalência em certas produções de Luini e de Giovanni Agostino da Lodi, que talvez seja superada vez ou outra, e na impostação espacial de Cesare da Sesto, a que de vez em quando Giampietrino recorre.” (Tradução livre da autora)
84
RHAA 14
A Virgem de Giampietrino no MASP good results, since according to Bernard Aikema,58 Titian himself, the anchor of this aesthetic bias59 sought formal references in Giampietrino´s work, as pointed out here by the author, such as Mary Magdalene (Titian at the Palazzo Pitti, in Florence and Giampietrino from a Florentine private collection, but which copy, executed by the same author can be seen in the Hermitage Museum). The relation between these paintings, proposed by Aikema, is even more evident if we consider the one of same theme by Giampietrino, at the Mansi Collection, in Lucca. This tag provides a stronger bond with Titian’s, especially regarding what david Rosand calls “special genre that the artist (Titian) created for his contemporaries: a religious image, in the overt sensuality of its appeal, that devotional at once inspires and sustains delection”.60 The representation of the nude shows an increasingly solid feature tied to Giampietrino. The nudity of Hermitage’s Magdalenes and the ones in the Florentine´s private collection is more evident, more exposed. Her long hair has an important stage presence, but is still seen as a separate element of the body. on the other hand, the paintings of Titian (Palazzo Pitti) and Mansi Collection represent the naked body linked to the hair avoiding the exposure of the saint, almost like a blend of the flesh with her hair clusters, as seen in the representations of daphne when she turns into a laurel to escape Apollo. Aikema associates the work of the private collection to Santa Catarina also by Giampietrino, where the hair does not have the same role but the body expression is represented in the same fragile way with her hands covering her breasts alluding
AiKeMA, Bernard. “Titian’s Mary Magdalen in the Palazzo Pitti: an ambiguous painting and its Critics”. in: Journal of the Warburg and Courtauld Institutes, v. 57, 1994, p. 43. “its nature becomes clear when we compare Titian’s figure with another half-length representation of Mary Magdalen, usually attributed to Leonardo da Vinci’s follower Giampietrino, wich may have served as Titian’s compositional prototype”. 59 This capital importance given to Titian as a representative color application in the discussion between disegno and color is very well explained in Painting. essential texts. Vol 9: The design and color. Jacqueline Lichtenstein (direction). São Paulo: editora 34, 2006, p. 23, as in the passage that follows, when referring to Aretino, by Lodovico Dolce: “When dolce exalts the color of Titian, he does so always praising his unique way of painting the flesh, of representing the tenderness and softness of a carnation to the point that their bodies give the impression to be moving, breathing, in short, to be alive: ‘This leg’, he writes about a subject on a Titian’s picture, ‘seems to be real flesh, not a painting’.”. 60 RoSAnd, david. Titian. new York, 1978, p. 106. 58
mais próximas à sua escola nativa, ao terreno mais conhecido e dominado, e as tradições venezianas, que se apresentaram como possibilidades de renovação, de expansão de suas fronteiras culturais. Giampietrino fez conviver ambas, procurando extrair de cada uma delas os aspectos formais que mais enriqueceriam suas produções. os diálogos que estabeleceu parecem ter-lhe rendido bons frutos, uma vez que segundo Bernard Aikema,58 o próprio Ticiano, âncora desta polarização estética,59 teria buscado referências formais nas produções de Giampietrino, como aquela que o autor destaca Maria Madalena (de Ticiano no Palazzo Pitti, em Florença e de Giampietrino em coleção privada florentina, mas cuja cópia executada pelo mesmo autor pode ser vista no Hermitage Museum). A relação que Aikema propõe entre estas pinturas é ainda mais evidente se pensarmos naquela de mesmo tema de Giampietrino, mas da Mansi Collection, de Lucca. esta sim, estabelece um vínculo mais intenso com a de Ticiano, principalmente no que diz respeito àquilo que david Rosand chama de “special genre that the artist (Ticiano) created for his contemporaries: a religious image, over in the sensuality of its appeal, that at once inspires devotional and sustains delection”.60 A representação do nu mostra-se cada vez mais uma sólida característica atrelada a Giampietrino. A nudez das Madalenas do Hermitage e da coleção privada de Florença é mais evidente, mais exposta. o seu longo cabelo assume uma importante presença cênica, mas ainda é visto como um elemento separado do corpo. Já nas pinturas de Ticiano (Palazzo 58 AiKeMA, Bernard. Titian’s Mary Magdalen in the Palazzo Pitti: an ambiguous painting and its Critics. In: Journal of the Warburg and Courtauld Institutes, Vol. 57, 1994, p. 48. “Its nature becomes clear when we compare Titian’s figure with another half-length representation of Mary Magdalen, usually attributed to Leonardo da Vinci’s follower Giampietrino, wich may have served as Titian’s compositional prototype”. / “Sua natureza fica clara quando comparamos a figura de Ticiano com outra representação do busto de Maria Madalena, normalmente atribuída ao seguidor de Leonardo da Vinci, Giampietrino, que deve ter servido de protótipo compositivo a Ticiano.” (Tradução livre da autora) 59 Esta capital importância dada à figura de Ticiano como representante da aplicação cromática na discussão entre disegno e cor é muito bem explicada em A Pintura. Textos essenciais. Vol. 9: o desenho e a cor. Jacqueline Lichtenstein (direção). São Paulo: editora 34, 2006, p. 23; como no trecho que segue, quando se refere ao Aretino, de Lodovico dolce: “Quando dolce exalta o colorido de Ticiano, o faz sempre elogiando sua maneira incomparável de pintar as carnes, de representar a delicadeza e a suavidade de uma carnação, a ponto de os corpos darem a impressão de se moverem, de respirarem, em suma, de estarem vivos: ‘essa perna’, escreve ele a propósito de uma figura de Ticiano, ‘parece ser de carne verdadeira, e não uma pintura’”. 60 RoSAnd, david. Titian. new York, 1978, p. 106. / “[...] gênero especial que o artista criou para seus contemporâneos: uma imagem religiosa, que evidencia sensualidade em sua aparência, inspirando devoção e deleite”. (Tradução livre da autora)
RHAA 14
85
Fernanda Marinho Pitti) e da Mansi Collection representam o corpo nu interligado aos cabelos que evitam a exposição da santa, quase como uma simbiose da carne com seus cachos, como nas representações de dafne quando se transforma em loureiro ao fugir de Apolo. Aikema associa a obra da coleção particular à Santa Catarina, também de Giampietrino, na qual os cabelos não cumprem o mesmo papel, mas a expressão do corpo aparece da mesma maneira frágil devido às suas mãos que tapam os seios, aludindo à busca de proteção. o brilho da carne nestas pinturas de Giampietrino já aponta um possível conhecimento do artista pela acurada técnica da aplicação cromática. Poderíamos, ainda, cogitar ter sido o seu gosto pela representação do nu um dos maiores fatores que o tenham levado a investigar as produções venezianas e seu detalhamento na construção pictórica dos corpos. este emprego cromático leva-nos a estabelecer outro vínculo formal, deslocando os diálogos de Giampietrino de Veneza para Ferrara, especificamente para o centro artístico no qual Garofalo (1481-1559) era atuante. Suas aproximações são bastante evidentes. Tomemos como exemplos iniciais duas pinturas, a Madona com Menino, de Garofalo (Louvre) e outra do mesmo tema de Giampietrino (Pinacoteca di Brera). nota-se que retratam momentos diferentes, mas a ambientação da cena é extremamente parecida, tanto na parte interna, demarcada pela presença do cortinado verde, quanto na paisagem construída por diferentes planos e cores que muito bem definem seus detalhes, como a vegetação, os personagens que se distanciam da cena principal, a presença de água e a úmida atmosfera empregada pelo típico sfumato de Leonardo. o desenho Virgem com Menino, São José e Santos (Museè Conde, Chantilly) do mesmo ferrarense aplica também o elemento da cortina sendo suspensa por anjos e atrelada ao cenário da paisagem, assim como vemos naquela de San Marino, de Giampietrino. não temos nenhuma pista a respeito de qualquer viagem do milanês a Ferrara. Mas sabemos, graças a Vasari, que Garofalo circulou bastante pela itália, tendo até residido em Roma por um tempo, onde entrou em contato com Rafael (1483-1520) e Michelangelo: Mandando poi l’anno 1505 per lui Messer ieronimo Sagrato, gentiluomo ferrarese, il quale stava in Roma, Benvenuto vi tornò di bonissima voglia e massimamente per vedere i miracoli che si predicavano di Raffaello da Urbino e della cappella di Giulio stata dipinta da Buonarroto. Ma giunto Benvenuto in Roma, restò quasi disperato, non che stupito nel vedere la grazia e la vivezza che avevano le pitture di Raffaello e la profondità del disegno di
86
RHAA 14
to a search for protection. The brightness of the flesh in these Giampietrino’s paintings already points to a possible knowledge of the artist about the technique of applying accurate color. We could even contemplate that his taste for the nude representation is one of the major factors that led him to investigate the Venetian productions and their pictorial detail of the construction of the bodies. This use of color leads us to make another formal dialogue shifting Giampietrino from Venice to Ferrara, specifically to the art center in which Garofalo (1481 - 1559) was active. Their similarities are quite obvious. Let us use first as examples two paintings, the Madonna with Child, by Garofalo (Louvre) and another of same theme by Giampietrino (Pinacoteca di Brera). note that they depict different moments, but the ambience of the scene is extremely similar, both on the inside, marked by the presence of the green curtain, and on the outside with the landscape built by different levels and colors that define their fine details, such as vegetation, characters that are distant from the main scene, the presence of water and the damp atmosphere employed by typical Leonardo´s sfumato. The drawing Virgin and Child, St. Joseph and Saints (Musee Conde, Chantilly – image 25) by the same Ferrarese artist also shows the curtain element being suspended by angels and tied to the landscape as we see in the San Marino’s painting by Giampietrino. There is no evidence about any trip the Milanese took to Ferrara. But we know, thanks to Vasari, that Garofalo circulated widely in italy, having lived in Rome for a while, where he made contact with Raphael (1483 - 1520) and Michelangelo: Mandando poi l’anno 1505 per lui Messer ieronimo Sagrato, gentiluomo ferrarese, il quale stava in Roma, Benvenuto vi tornò di bonissima voglia e massimamente per vedere i miracoli che si predicavano di Raffaello da Urbino e della cappella di Giulio stata dipinta da Buonarroto. Ma giunto Benvenuto in Roma, restò quasi disperato, non che stupito nel vedere la grazia e la vivezza che avevano le pitture di Raffaello e la profondità del disegno di Michelagnolo, onde malediva le maniere
A Virgem de Giampietrino no MASP di Lombardia e quella che avea con tanto stidio e stento imparato a Mantoa [...]61
in this passage Vasari relates the return of Garofalo to Rome, but his first visit to the city is also commented by him, which occurred in 1500. This elevation towards the art forms seen in Rome, raising in him a feeling of regret for not graduating from that school, earned him the nickname, according to Pouncey,62 “Rafael Ferrarese”. The raphaelesque’s memories were not limited to his experience from living in Rome, but remained rooted in his style throughout his career. in the painting Circumcision (Capitoline Museums, Rome) we can highlight the two images on the right side and one on the left side and compare them to the ones of same location in the painting School of Athens, at the Stanza della Segnatura, by Raphael (Vatican Museum, Rome). When we trace such art links we realize that even if Giampietrino did not have a direct professional relation with Garofalo or Raphael, or even with the nordic artists that were circulating in italy, among others possibly linked to his work, he was inserted in a time when the Lombard art was expanding its horizons, re-discovering new frontiers. A cultural opening that may have started with the Sforza dynasty itself by showing interest in Nordic art, but which was heavily influenced by the French invasion, leading to a much greater cultural contact with other parts of europe, and encouraging the artists to circulate by routes never explored. We must understand here not only how Giampietrino fit into this context but also, and mainly, how he acted in this scenario leading to new discoveries in his production and in the Milanese art in general.
Michelagnolo, onde malediva le maniere di Lombardia e quella che avea con tanto stidio e stento imparato a Mantoa [...]61
neste trecho Vasari relata a volta de Garofalo a Roma, mas a sua primeira visita à cidade também é comentada por ele, tendo ocorrido em 1500. esta exaltação com as manifestações artísticas lá vistas, suscitando-lhe ainda o referido sentimento de arrependimento por não ter se formado em tal escola, rendeu-lhe o apelido, segundo Pouncey,62 de “Rafael ferrarense”. As lembranças rafaelescas não se limitaram ao tempo de experiência de sua estada romana, mas permaneceram entranhadas em sua forma ao longo de sua carreira artística. na pintura Circuncisão (Museus Capitolinos, Roma) podemos destacar as duas figuras da lateral direita e outra da lateral esquerda em relação às da mesma localização da Escola de Atenas, da Stanza della Segnatura, de Rafael (Museu do Vaticano, Roma). Ao traçarmos tais vínculos artísticos percebemos que mesmo que Giampietrino não tenha tido uma relação direta de produção com Garofalo, Rafael ou com os artistas nórdicos que pela itália circulavam, entre outros possivelmente vinculados aos seus trabalhos, ele está inserido em um momento no qual a arte lombarda ampliava seus horizontes, redescobrindo novas fronteiras. Uma abertura cultural que talvez tenha começado com a própria dinastia dos Sforza ao demonstrar interesse pela arte nórdica, mas que foi profundamente influenciada pelas consequências da invasão francesa, suscitando tanto um maior contato cultural com outras partes da europa, quanto fazendo seus artistas circularem por rotas nunca exploradas. e cabe-nos perceber aqui não apenas como Giampietrino se inseriu neste contexto, mas também e principalmente, como atuou nele, provocando novas descobertas à sua produção e à arte milanesa em geral.
Translation: Fernanda Marinho Review: Carolina Felicissimo (carolinafelicissimo@gmail.com)
61 “Called after the year 1505 by Messer ieronimo Sagrat, Ferrarese noble, who was in Rome, Benvenuto returns especially to see the miracles that were announced about Raphael of Urbino and the Giulio Chapel painted by Michelangelo. When arrived in Rome, Benvenuto was almost desperate and surprised to see the grace and vivacity that the paintings of Raphael and the depth of the drawing by Michelangelo had, at that moment he regretted having learned from the Mantovani and Lombard school […]” in: Vasari, 2007, p. 1077. 62 PoUnCeY, Philip. “drawings by Garofalo”. in: The Burlignton Magazine, v. 97, n. 628, jul. 1995, p. 196.
61 “Convocado depois do ano de 1505 por Messer ieronimo Sagrato, nobre ferrarense, que estava em Roma, Benvenuto retorna de boa vontade e principalmente para ver os milagres que se anunciavam sobre Rafael de Urbino e da Capela de Giulio pintada por Buonarroti. Quando Benvenuto chegou a Roma, ficou quase desesperado e surpreso ao ver a graça e a vivacidade que haviam nas pinturas de Rafael e a profundidade do desenho de Michelangelo; naquele momento arrependeuse de ter aprendido na escola lombarda e mantovana [...]”. in: Vasari, 2007, p. 1077. 62 PoUnCeY, Philip. “drawings by Garofalo”. in: The Burlignton Magazine, v. 97, n. 628, jul. 1995, p. 196.
RHAA 14
87
Fernanda Marinho 1 Virgem amamentando o Menino e São João Batista criança em adoração / Giampietrino / Museu de Arte de São Paulo (MASP - SP). Óleo sobre tela: 86 × 88 cm. 2 Madona com Menino, São Jerônimo e São João Batista / Giampietrino / San Marino (Pavia). 3 Madona com Menino, São Jerônimo e São João Batista / Giampietrino / Ospedaletto Lodigiano.
3
1
2 88
RHAA 14
A Virgem de Giampietrino no MASP 4 Leda / Giampietrino / Staatliche Museen (Kassel). Óleo sobre tela: 128 × 106 cm. 5
Ninfa Hegéria / Giampietrino / Brivo Sforza (Milão).
4
5 RHAA 14
89
Apresentação da indústria lítica do sítio arqueológico Caconde 6 Presentation of the lithic industry of the Caconde 6 archaeological site
GAbRIELLA bARbOSA RODRIGUES Universidade Estadual de Campinas. E-mail: gab.rodrigues@gmail.com State University of Campinas. E-mail: gab.rodrigues@gmail.com
bRUNO SANCHES RANzANI DA SILvA Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: brunorzn@gmail.com Federal University of Minas Gerais. E-mail: brunorzn@gmail.com
FERNANDO ALExANDRE SOLTyS Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: fbyller@yahoo.com.br Federal University of Minas Gerais. E-mail: fbyller@yahoo.com.br
resumo O propósito deste artigo é apresentar a indústria lítica do sítio Caconde 6, um dos sítios identificados no Projeto de Resgate Arqueológico UHE Caconde, na cidade de mesmo nome, nordeste do Estado de São Paulo. O Projeto de Resgate é responsabilidade da empresa de consultoria arqueológica Documento: Patrimônio cultural, Antropologia e Arqueologia Ltda. A análise desse material inaugura, também, a parceria entre a Documento e o Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Estadual de Campinas, formando assim o NEE – Arqueologia Pública. O material do presente artigo foi analisado por estudantes da universidade, no laboratório recém-aberto no campus pela parceria. PAlAvrAs-chAve
Indústria Lítica, Projeto de Resgate Arqueológico UHE Caconde, Caconde 6.
AbstrAct The main goal of this article is to present the lithic industry of the Caconde 6 archaeological site, identified by the Projeto de Resgate Arqueológico UHE Caconde (Archaeological Rescue Project UHE Caconde), located in the city of Caconde, in the northeast of São Paulo State, Brazil. This rescue project was undertaken by the archaeological consultancy company Documento: Patrimônio cultural, Antropologia e Arqueologia Ltda (Document: Cultural patrimony, Anthropology and Archaeology Ltd.). The present analysis also marks the beginning of a partnership between Documento and the Núcleo de Estudos Estratégicos / NEE (Centre of Strategic Studies) of the Universidade Estadual de Campinas (Campinas State University), forming NEE – Arqueologia Pública (NEE – Public Archaeology). The material was analyzed by students of the university, in a newly opened laboratory at the campus. Keywords
Lithic Industry, Archeological Rescue Project UHE Caconde, Caconde 6.
RHAA 14
91
Gabriella Barbosa Rodrigues, Bruno Sanches Ranzani da Silva, Fernando Alexandre Soltys Introdução
Introduction
Este artigo pretende apresentar o material proveniente do sítio Caconde 6, localizado no município de Caconde (SP), em uma das margens da usina hidrelétrica que tem o nome da cidade. A pesquisa no sítio Caconde 6 está inserida no “Projeto de Resgate Arqueológico da Usina Hidrelétrica Caconde”, sob coordenação geral da Profª Dra. Erika M. Robrahn-González, em parceria entre a empresa Documento Patrimônio Cultural, Arqueologia e Antropologia Ltda. e a AES Tietê, empresa responsável pela usina.
This article intends to present the material recovered from the Caconde 6 site, located in the Caconde / SP municipality, on one of the margins of the Caconde hydroelectric station. The research at the Caconde 6 site was undertaken as part of the Projeto de Resgate Arqueológico UHE Caconde (Archaeological rescue project of the Caconde Hydroeletric Station), coordinated by Professor Erika M. Robrahn-González, and in partnership between Documento Patrimônio Cultural, Arqueologia e Antropologia Ltda. and AES Tietê, who are responsible for the hydroelectric station.
O registro arqueológico da indústria lítica de Caconde 6 será apresentado de acordo com suas propriedades tecnológicas, que se mostraram, prima facie, bastante diversas. Como poderá ser observado adiante, há artefatos mais trabalhados e outros que podem ser considerados mais brutos, sugerindo diferentes tratamentos com o material. O estudo do material arqueológico através de atributos tecnológicos e morfológicos não é a única metodologia aplicável, entretanto, foi aqui adotada por evidenciar o “gesto técnico” que produziu o vestígio. Apesar de nosso objetivo ser apenas de apresentar a indústria e não trabalhar o sítio arqueológico num contexto cultural, a abordagem permite correlacionar as peças a etapas do processo de lascamento.1 Para caracterizar as peças usamos como base bibliográfica, além de autores nacionais como Bueno e Silva-Méndes, alguns livros que fazem descrições de material lítico de sítios europeus. Como não são comprovadas no brasil certas técnicas de manejo do lítico encontradas em sítios do velho mundo, muitos dos atributos que evocariam certa tecnologia foram considerados por um aspecto morfológico. É o caso das lâminas e lascas siret. Ainda assim, optamos por manter essas definições para não descartar a possibilidade de que tais técnicas possam ter sido usadas aqui.2 Sabemos também que o uso de quantificações é representativo somente a partir de determinado número de dados. Em muitos casos deste trabalho, as quantificações e gráficos foram utilizados, antes de tudo, para efeito de exposição do registro.
The archaeological register of the lithic industry of Caconde 6 will be presented according to its technological characteristics, which were, from initial impressions, very diverse. As it will be observed, the artifacts range from well worked to little worked, suggesting different treatments of the material. The study of the archaeological materials based on their technical and morphological attributes is not the only applicable method. However, it was implemented here since it evidences the “technical gestures” that produced these pieces. Even though our objective is to only present the industry and not to study the archaeological site in a cultural context, this approach allows the correlation of the artifacts to the various processes of flake knapping.1 In order to characterize the lithics, we used a bibliographical database consisting of Brazilian works by authors such as Bueno and SilvaMéndes as well as books describing lithic material from European sites. Since some techniques of lithic working at sites of the old world have not been proven to have taken place in Brazil, many of the attributes that have in old world instances been taken to imply a certain technology, were, in our work, considered solely for their morphological aspects. However, in the case of the blades and siret flakes we have chosen to maintain these definitions so that the possibility that such techniques might have been used is not discarded.2 We also acknowledge that the use of quantifications can only be considered as
BUENO, Lucas de Melo Reis. “Variabilidade Tecnológica nos Sítios Líticos da Região do Lajeado, Médio Rio Tocantins”. Revista do MAE/ USP, 2007 p. 49. 2 INIzAN, M. L.; REDURON, M.; ROCHE, H.; TIxIER, J. Technologie de la pierre taillée. Meudon: CREP, 1995.
1
BUENO, Lucas de Melo Reis. “Variabilidade Tecnológica nos Sítios Líticos da Região do Lajeado, Médio Rio Tocantins”. Revista do MAE/ USP, 2007 p. 49. 2 INIzAN, M. L.; REDURON, M.; ROCHE, H.; TIxIER, J. Technologie de la pierre taillée. Meudon: CREP, 1995. 1
92
RHAA 14
Sítio arqueológico Caconde 6 representative when derived from assemblages providing an adequate amount of data. Therefore, in many instances the quantifications and graphs used in this study are included only in order to present the register. The material was recovered during two seasons of field work – the first occurred in June 2007 and the second between November and December of the same year – this allowed the observation of the site during times with different rates of flow over the dam. After the field work seasons, all material was taken to the archaeology laboratory of the Universidade Estadual de Campinas / UNICAMP (Campinas State University): Laboratório de Arqueologia da Universidade Estadual de Campinas, situated in the Núcleo de Estudos Estratégicos / NEE (Center of Strategic Studies), at the Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCH (Institute of Philosophy and Human Sciences) and under the care of Prof. Dr. Pedro Paulo Funari and of Dr. Erika Robrahn-González. This was the first work undertaken at the laboratory and was begun in October 2007. Three student trainees participated in the laboratory analyses: Bruno da Silva, Fernando Soltys and Gabriella Rodrigues; who, at the time, were all undergraduate students in the fourth year of a History degree course and had participated of the first season of field works in Caconde.
O material provém de duas etapas de campo — a primeira ocorreu em junho de 2007 e a segunda etapa entre novembro e dezembro do mesmo ano — que permitiram observar o sítio em diferentes níveis de vazão da represa. Após a etapa de campo, todo o material foi levado ao Laboratório de Arqueologia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), situado no Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE), no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), sob a responsabilidade do Prof. Dr. Pedro Paulo Funari e da Dra. Erika RobrahnGonzález. Tratou-se do primeiro trabalho desse Laboratório, iniciado no mês de outubro de 2007. Participaram da análise laboratorial três estagiários, a saber: Bruno da Silva, Fernando Soltys e Gabriella Rodrigues, todos, à época, alunos do quarto ano de graduação do curso de História e que haviam participado da primeira etapa do trabalho de campo em Caconde.
First Contact with the Material and Initial Information
Cada vestígio foi analisado, tendo os menores de 20 mm recebido tratamento especial, ou seja: foram agrupados em lotes e analisados em conjunto. Assim, os demais receberam um número individual sequencial, acompanhado da sigla do sítio arqueológico — neste caso, Ca6.
The material was, to a great extent, already cleaned and sorted. It had been separated from non-archaeological materials and had already been processed, during which time the pieces were numbered and organized according to their distribution at the site. Each piece was processed, in a way that artifacts smaller then 20 mm received special treatment – they were grouped in batches, and analyzed conjointly. The pieces larger than 20 mm received individual and sequential numbers, followed by the site’s code – which is in this case is Ca6. The numbered pieces total 566 and the batches add up to 141, in which there are 663 microflakes, micro-blades and other smaller materials. All flaked material added up to 415 pieces (73%) and there is only 1 (0.18%) polished lithic artifact. With regard to their original locations at the site, the distribution of the pieces was reasonably even. In the sondages, the largest quantities of materials were concentrated in the first levels and
Primeiro Contato com o Material e Informações Iniciais O material, que em grande parte já estava lavado e triado — ou seja, já havia sido separado de peças não-arqueológicas — passou pelo processo de curadoria, que corresponde à numeração e organização das peças de acordo com sua distribuição no sítio.
As peças numeradas correspondem a um universo de 566 vestígios líticos, e os lotes, num total de 141, correspondem a 663 microlascas, microlâminas e outros materiais menores. Os líticos lascados somam 415 peças (73%) e há apenas um (0,18%) lítico polido. Quanto à proveniência, a distribuição dos vestígios é razoavelmente equitativa. Nas sondagens, a maior quantidade de material estava concentrada logo nos primeiros níveis diminuindo vertiginosamente conforme aumentava a profundidade. No Setor de escavação A, a maior concentração de vestígios deu-se a partir do segundo nível (de 5 a 10 cm) até o quarto nível (de 15 a 20 cm) e dentre eles, especialmente as quadrículas de número 3. RHAA 14
93
Gabriella Barbosa Rodrigues, Bruno Sanches Ranzani da Silva, Fernando Alexandre Soltys Análise Lítica Para a etapa de análise, foi preparada uma ficha na qual cada peça era identificada e tinha seus atributos classificados. Cada peça foi identificada quanto à classe, ao tipo, à matériaprima, à presença ou ausência de córtex, quanto a marcas de queima, sinais de uso, quanto ao tipo de talão (no caso das lascas) e quanto ao tamanho (comprimento, largura e espessura) medido em milímetros. Para este trabalho, “classe” foi definido a partir de características técnicas e morfológicas, nas seguintes categorias: 1. lasca; 2. artefato; 3. núcleo; 4. detrito; 5. instrumento; 6. seixo ou fragmento de seixo; 7. bloco ou fragmento de bloco; 8. fragmento térmico; 9. fragmento de lasca. As classes 1, 2, 3 e 5 poderiam apresentar subdivisões, que correspondem ao atributo “tipo”. Cada um desses tipos serão definidos adiante. Na sequência todas as peças foram classificadas quanto à matéria-prima a partir da qual se deu sua confecção. A identificação da matéria-prima e o estudo de suas propriedades são de grande importância para pesquisas acerca da indústria lítica. A escolha do material a ser trabalhado era parte do processo de fabricação do artefato e, portanto, era baseada em conhecimento adquirido pelo trato com a rocha, por sua observação. Em muitos casos, a matéria-prima era trazida de longe, para ser trabalhada na comunidade; ou rochas menos próprias eram trabalhadas pela urgência de determinada situação. Além disso, há a possibilidade de uma matéria-prima ter sido preparada para o trabalho, por exemplo, por meio do aquecimento pelo fogo. Por isso, classificamos também o material quanto à presença ou ausência de marcas de queima. Os sinais de queima, no entanto, podem significar apenas que a peça queimou-se de forma acidental, ou que era uma rocha que servia de base para uma fogueira, por exemplo, pois estudos em arqueologia experimental demonstram que a possibilidade dessa prática de trabalhar o material lítico controlando a temperatura ser comum é muito baixa, visto que sua praticidade é praticamente nula. No entanto, julgamos prudente separar por queima para obter uma descrição mais completa do registro. Ainda na análise mais geral, todo material foi classificado quanto à presença ou ausência de córtex. Grosso modo, o córtex seria a parte externa de uma rocha (neste caso), que está em contato com o ambiente. Segundo alguns autores, no processo 94
RHAA 14
decreased rapidly with the increase in depth. In excavation Sector A, the grater concentrations of pieces were recovered from the second level (from 5 to 10 cm) to the fourth level (from 15 to 20 cm), especially in quadrant number 3. Analysis of Lithic Materials To aid analysis, a record sheet was prepared for identifying each piece and classifying their attributes. Each piece was identified according to class, type, raw material, presence or absence of cortex, evidence of burning, use ware evidence, butt type (in the case of flakes) and size (length, width and thickness) measured in millimeters. For this study, “class” was defined due to technical and morphological characteristics in the following categories: 1. flake; 2. artifact; 3. core; 4. detritus; 5. tool; 6. cobble or cobble fragment; 7. block or block fragment; 8. thermic fragment; 9. flake fragment. The classes 1, 2, 3 and 5 could present subdivisions, corresponding to the attribute “type”. Each of these types will be defined bellow. All pieces were classified according to their raw materials. The identification of raw material and the study of their properties are of great importance in researches in lithic industries. The choice of material to be worked on was part of the process of the artifact’s manufacture and was, therefore, based on knowledge acquired from handling the rock and by observing its properties. In many cases, the raw material was acquired from sources situated some distances away to be worked in the community; while in other cases less adequate rocks were used due to the urgency of some situations. Furthermore, there is a possibility of raw materials being pre-treated, for example, through fire heating. Therefore, we also analyzed the material noting the presence or absence of burning evidence. However, evidence of burning might most likely indicate that the piece was burned accidentally or that it was used as a base for a hearth, since experimental archaeology has demonstrated that the practice of working lithic materials by controlling their temperature is very unlikely, given that it affords very little practical advantage. In any case, we deemed the recording of burning evidence prudent, in order to obtain a more complete description of the material. Regarding the more general analyses, all materials were classified according to the presence or absence of cortex. The cortex is the external part of a natural rock, which has been in contact
Sítio arqueológico Caconde 6 with the environment. According to some authors, during the knapping process, eliminating the cortex would be the first objective.3 The proportion of cortex on each piece was not ascertained, unless when it determines the type of flake found – as will be described below. On the other hand, in some cases it was possible to identify the origin of the raw materials based or the nature of the cortex – whether the raw material came from a vein or a cobble. We also looked for use ware evidence on the pieces. In certain cases, such in the case of tools, the presence of use ware evidence is a condition sine qua non for a pieces inclusion in this class. Each of these attributes will be specified along with the individual presentation of classes. beforehand, however, we present a graph (Graph 1) illustrating the proportion of pieces according to class. Characterization of Classes
de lascamento, eliminar o córtex seria o primeiro objetivo.3 A quantidade de córtex em cada peça não foi determinada, a não ser quando determina o tipo de lasca encontrada — como será descrito abaixo. Por outro lado, em alguns casos foi possível identificar a qualidade desse córtex, se de veio ou de seixo. Ainda verificamos também marcas de uso em cada uma das peças. Em certos casos, como por exemplo nos instrumentos, o sinal de uso é condição sine qua non para sua adequação nessa classe. Cada um desses atributos será especificado, conforme se der a apresentação individual das classes. Antes disso, entretanto, apresentamos o gráfico que distribui o material quanto à classe (Gráfico 1).
Especificação das Classes
1. Flakes
1. Lascas
“Flakes are formed by removals from a block of raw material” though percussion or pressure “and have in common a certain number of characteristics formed by the propagation of waves of fracture, on hard rocks”. 4 Within this assemblage, 335 (59%) are flakes, subdivided according to the sub-groups illustrated in graph (Graph 2). With flake analyses, it is also usual to classify the butt, the “platform of impact” that is formed during the flaking process.5 It is on the butt that the “point of impact” (which is the exact location where force is applied in the removal of the flake6) is located. For this study, we subdivided the butt
“As lascas provêm de retiradas sobre todo bloco de matéria-prima” através de percussão ou pressão “e têm em comum um número determinado de características pela propagação de ondas de fratura, nas rochas duras”.4 Dentre todas as peças da coleção, 59% (335) são lascas, subdivididas de acordo com o gráfico (Gráfico 2).
3 See ANDREFSKY Jr., William. Lithics: macroscopic approach to analysis. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p. 101. JOHNSON, Jay K. “The utility of production: trajectory modeling as a framework for regional analysis”. In: DONALD H.; GEORGE O. (Eds.) Alternative approaches to lithic analysis. Washington: Archaeological Papers of the American Anthropological Association, 1989, p. 119-138. 4 INIzAN, M. L.; REDURON, M.; ROCHE, H.; TIxIER, J., Op. cit., p. 34. 5 SILVA-MÉNDES, Gerson Levi da. Caçadores-coletores na serra de Paranapiacaba durante a transição do holoceno médio para o tardio (5920-1000 anos AP). Masters dissertation for the post-graduation program of the Museu de Arqueologia e Etnologia (Museum of Archaeology and Ethnology) of the Universidade de São Paulo (São Paulo University), tutored by Paulo De Blasis, São Paulo: MAE-USP, 2007, p. 296. 6 ANDREFSKY Jr., William, Op. cit., p. xxv.
Na análise das lascas, convenciona-se também classificar seu talão, a “plataforma de impacto” que se forma durante a retirada de uma lasca.5 É no talão que se encontra o “ponto de impacto”, local exato onde se aplica força para retirada da lasca.6 Para este estudo, subdividimos a categoria talão da seguinte maneira: 1 – cortical; 2 – liso; 3 – diedro; 4 – facetado; 5 – linear; 6 – esmigalhado; 7 – puntiforme; 8 – retocado; 3 Sobre isto, ver ANDREFSKY Jr., William. Lithics: macroscopic approach to analysis. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p. 101. JOHNSON, Jay K. “The utility of production: trajectory modeling as a framework for regional analysis”. In: DONALD H.; GEORGE, O. (Eds.) Alternative approaches to lithic analysis. Washington: Archaeological Papers of the American Anthropological Association, 1989, p. 119-138. 4 INIzAN, M. L.; REDURON, M.; ROCHE, H.; TIxIER, J., Op. cit., p. 34. 5 SILVA-MÉNDES, Gerson Levi da. Caçadores-coletores na serra de Paranapiacaba durante a transição do holoceno médio para o tardio (5920-1000 anos AP). Dissertação de mestrado do Programa de Pós-graduação do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, sob a orientação de Paulo De Blasis, São Paulo: MAEUSP, 2007, p. 296. 6 ANDREFSKY Jr., William., Op. cit., p. xxv.
RHAA 14
95
Gabriella Barbosa Rodrigues, Bruno Sanches Ranzani da Silva, Fernando Alexandre Soltys 9 – preparo de talão; 10 – asa de pássaro. O terceiro gráfico apresenta sua distribuição na coleção (Gráfico 3). Quanto à matéria-prima, as lascas são predominantemente de quartzo — hialino e leitoso —, mas há também um grande número de lascas de sílex, especialmente o marrom (Gráfico 4). A presença de córtex é minoritária, correspondendo a 104 lascas ou 31%. Predomina o córtex de veio. Os indícios de queima aparecem em 27% (89) das lascas. Os sinais de uso não são frequentes, equivalendo a 3% (10) de todas as lascas. As lascas desta coleção variam muito em tamanho, tendo a menor delas 3 mm de comprimento, a maior 108 mm. A média é de 29 mm. 2. Artefatos e instrumentos Artefatos são objetos produzidos pela ação humana,7 resultantes de um lascamento que define sua função. Já os instrumentos são peças utilizadas sem terem sido previamente preparadas, ou seja, foram utilizadas em estado bruto. Os artefatos em Caconde 6 somam 38 peças, correspondem a 6,7% da coleção, enquanto os instrumentos equivalem a 2,8%, ou 16 peças. Artefatos e instrumentos foram classificados de acordo com as seguintes categorias: 1. raspadores; 2. furadores; 3. plainas; 4. percutores; 5. almofarizes; 6. pontas-projéteis; 7. lasca retocada; 8. lesma; 9. polido; 10. artefato fragmentado; 11. bifacial; e 12. batedor (Gráfico 5 e Gráfico 6). Afora critérios estabelecidos para a análise de todo o material, como matéria-prima, presença ou ausência de córtex e sinais de uso e de queima, os artefatos e instrumentos também foram analisados de acordo com novos critérios, a saber: o suporte, que caracteriza a peça a partir da qual o artefato foi confeccionado e o bordo ativo, ou seja, o gume. A caracterização do bordo ativo de cada artefato se deu a partir da medida de seu ângulo, pela delineação do gume e pelo tipo de retoque presente no bordo. Além disso, os artefatos foram analisados de acordo com a presença de lascamento nas faces interna e externa, caracterizando-os como unifaciais ou bifaciais. 2.1. Raspadores
Os artefatos classificados como raspadores equivalem a 13 ou 34% de todos os artefatos, e podem ser divididos em duas subcategorias. A primeira delas compreende peças de 7
ANDREFSKY Jr., William, Op. cit., p. xxi.
96
category in the following manner: 1 – cortical; 2 – flat; 3 – dihedral; 4 – facetted; 5 – linear; 6 – crushed; 7 – punctiform; 8 – retouched; 9 – prepared butt; 10 – winged. Graph three presents the distribution of butt subdivisions within the assemblage (Graph 3). Regarding raw materials, the flakes are pronominally quartz – hyaline and milky –, but there is also a large number of chert flakes, especially brown (Graph 4). The presence of cortex is minor, corresponding to 104 flakes or 31%. The cortex evidencing raw materials coming from veins is predominant. Evidence of burning is present on 89 (27%) of the flakes. Use ware evidence is not frequent, only being present on 10 flakes (3%). The flakes in this assemblage vary greatly in size, the smaller measuring 3 mm in length and the larger, 108 mm. The mean is 29 mm. 2. Artifacts and tools Artifacts are objects produced by human action,7 resulting from deliberate flaking which defines its function. Conversely, tools are pieces used without being previously prepared, meaning, they were used in their natural form. The artifacts in Caconde 6 total 38 pieces, corresponding to 6.7% of the assemblage, while tools total 16 pieces (2.8%). Artifacts and tools were classified according to the following categories: 1. scraper; 2. awl; 3. plain scraper (plaina); 4. percussor; 5. mortar; 6. projectile point; 7. retouched flake; 8. slug-shaped scraper; 9. polished; 10. fragmentary artifact; 11. bifacial artifact; and 12. hammer stone (Graph 5 and Graph 6). Other then the criteria used for the analyses of all material, such as raw material type, presence or absence of cortex, use ware marks and evidence of burning, the artifacts and tools were also analyzed according to the following criteria: the source material, which characterizes the piece from which the artifact was made, and the working edge, meaning, the cutting edge. The characterization of the working edge of each artifact was achieved by measuring each angle, the delineation of the cutting edge and by the type of retouch present in the edge. Furthermore, the artifacts where analyzed according to the presence of flaking on the internal and external faces, charactering them as a unifacial or bifacial.
7
RHAA 14
ANDREFSKY Jr., William, Op. cit., p. xxi.
Sítio arqueológico Caconde 6 2.1. Scraper
The artifacts classified as scrapers total 13 (34% of all artifacts) and can be sub-divided into two subcategories. The first subcategory consists of pieces of quartz and chert and they are all of medium sizes, with the smallest measuring 23 mm in length and the largest 80 mm, with an average length of 49 mm. These pieces are relatively heavy, which along with their sizes, suggest that their source material – which may have been a thick flake or fragment of a block or cobble – naturally exhibited the shape and size desired for making the scraper. From that, through retouches to the edges (expedient technology) cutting edges were formed, which in this assemblage may be rectilinear, denticulated rectilinear, convex or convex with a beak. These scrapers are all unifacial and present use ware evidence on the working edges. Cortex is present on 85 (7%) of them; there are signs of burning on 42 (9%) and all of them exhibit use ware evidence. Still in quartz, there is another piece, of a multifunctional nature, maybe utilized as a scraper or as an awl. It was formed by the application of peripheral marginal retouches; it is unifacial, exhibits cortex and use ware evidence. It measures 48 × 33 × 20 mm. The second subcategory of scrapers corresponds to 2 pieces (15.4%) in chert, one of them complete and the other fragmentary. The complete piece was classified as a discoidal mini-scraper (Figure 1), made from a flake with dimensions of 15 × 32 × 31.5 mm, unifacial, with invasive retouches that cross the entire piece in order to mold its discoidal form, complemented by peripheral retouches on the cutting edge, or on the working edge, that corresponds to the totality of the circumference. The quantity of retouches throughout the piece suggests that this is a worn-out artifact. There is use ware evidence along the entire cutting edge. There is no cortex present or evidence of burning. The fragmented piece, also made from a flake, presents a portion of existing edge that indicates, in a similar way to the previous example, the presence of invasive retouches, complemented by peripheral ones, forming a convex and denticulated working edge. The piece not only exhibits no cortex or signs of burning, there is also no use ware evidence, which all suggest that the piece had been broken during the manufacturing process. 2.2. Awl
Awls “present a point, with retouched edges. The pieces are triangular; some are long and thin,
quartzo e sílex, todas de porte mediano, sendo a menor de 23 mm de comprimento, a maior de 80 mm e o comprimento médio de 49 mm. Essas peças são relativamente pesadas, o que, juntamente com seus tamanhos, sugerem que seu suporte — que pode ser fragmento de bloco, fragmento de seixo ou lasca espessa — já possuía forma e tamanho natural desejáveis para a fabricação do raspador. A partir disso, através de bordos com retoques (tecnologia expedita) foram confeccionados os gumes, podendo ser, neste caso, retilíneo, retilíneo denticulado, convexo, ou convexo com bico. Esses raspadores são todos unifaciais e possuem marcas de uso nos bordos ativos. Há presença de córtex em 85,7% deles; há sinais de queima em 42,9% e todos possuem marcas de uso. Ainda de quartzo, há uma outra peça, de caráter multifuncional, podendo ter sido usada como um raspador ou como um furador. Sua fabricação se deu por meio de retoques periféricos marginais; é unifacial, possui córtex e marcas de uso. Mede 48 × 33 × 20 mm. A segunda subcategoria de raspadores corresponde a 2 peças (15,4%) de sílex, sendo uma inteira e uma fragmentada. A peça inteira foi classificada como um minirraspador circular (Figura 1), confeccionado a partir de lasca, de 15 × 32 × 31,5 mm, unifacial, com retoques invadentes que atravessam toda a peça para moldar sua forma circular, complementados por retoques periféricos no gume, ou bordo ativo, que corresponde a toda a sua circunferência. A quantidade de retoques em toda a peça sugere tratar-se de um artefato esgotado. Há marcas de uso em todo o gume. Não há córtex nem sinal de queima. Na peça fragmentada, também confeccionada sobre uma lasca, a porção de bordo existente indica, assim como na anterior, a presença de retoques invadentes, complementados por periféricos, formando um bordo ativo convexo denticulado. Além de não apresentar córtex nem sinal de queima, não há marcas de uso, o que sugere que a peça tenha sido quebrada ainda durante o processo de confecção. 2.2. Furadores
Furadores “apresentam uma ponta, sendo as arestas retocadas. As peças são triédricas, podendo ser longas e delgadas, com uma ponta fina, ou grossas e curtas, com ponta RHAA 14
97
Gabriella Barbosa Rodrigues, Bruno Sanches Ranzani da Silva, Fernando Alexandre Soltys em ângulo mais aberto”8. Os furadores desta coleção (Figura 2) são todos unifaciais, com grande variação de tamanho: o menor possui 28 mm de comprimento, o maior 78 mm e a média de tamanho é de 49 mm. Foram confeccionados sobre lasca, detrito, fragmento de bloco ou de seixo que já apresentavam pontas triédricas. Nos bordos laterais próximos à ponta ocorrem retoques periféricos paralelos e marginais isolados. Em apenas uma peça há retoques invadentes, caracterizando uma tecnologia mais refinada. Apresentam marcas de uso (desgaste) nas pontas, 29% (2) apresentam córtex e nenhum apresenta marca de queima. 2.3. Plainas
A plaina é um artefato com função de raspador, mas diferencia-se do que classificamos acima como raspadores pelo fato de seus bordos formarem ângulos maiores de 90º. Nesta coleção há 2 (5%) plainas (Figura 3), todas confeccionadas a partir de suportes naturalmente altos, como seixos, blocos e fragmentos de bloco. Retoques periféricos profundos e marginais caracterizam seus bordos como abruptos, de tipo retilíneo denticulado, convexo ou convexo denticulado. São todos unifaciais, de quartzo, com marcas de uso nos bordos ativos. Ambas apresentam córtex e 1 (50%) apresenta sinais de queima.
with a thin point, while others are thick and short, with their points forming a more open angle”.8 The awls of this assemblage (Figure 2) are all unifacial, and exhibit a great range in sizes: the smallest measures 28 mm in length, the largest 78 mm, and the mean length is 49 mm. They were fabricated from flakes, detritus, and fragments of blocks or cobbles that already presented triangular points. On the lateral edges near the point, peripheral parallel and isolated marginal retouches occur. In only one piece are there invasive retouches, characterizing a more refined technology. They exhibit use ware evidence on the points, 2 (29%) present cortex and none presents burning evidence. 2.3. Plain scraper (plaina)
Plain scrapers are artifacts with the same function as scrapers, but differ physically from those pieces we classified as scrapers above in the fact that their edges form angles larger then 90º. In this assemblage, there are 2 (5%) plain scraper (Figure 3), both of them made from naturally high source materials, such as cobbles, blocks and block fragments. Deep marginal peripheral retouches characterize their edges as abrupt, of the denticulated rectilinear type, convex or denticulated convex. They are all unifacial, made of quartz, with use ware evidence on the working edges. Both present cortex and 1 (50%) presents evidence of burning.
2.4. Percutores
2.4. Percussor
O percutor é a ferramenta que viabiliza o lascamento por percussão, ou seja, a retirada de lascas por meio de batidas. Nem sempre o percutor entra em contato direto com a pedra a ser lascada, podendo bater numa peça intermediária, técnica determinada lascamento por percussão indireto.9
A percussor is a tool that is used to achieve flaking, meaning, the removal of flakes through hits. The percussor does not always make direct contact with the stone to be flaked – maybe hitting an intermediate piece of material – which is a technique called flaking by indirect percursion.9 The percussors of this assemblage are all tools, meaning that they consist, in this case, of cobbles used in their raw state, i.e. without being processed by way of flaking, even though some of them are fragmented. The use ware evidence (resulting from percussion) might be concentrated on only
Os percutores desta coleção são todos instrumentos, ou seja, correspondem, neste caso, a seixos utilizados em estado bruto, i.e., sem terem sido lascados, embora alguns encontremse fragmentados. As marcas de uso (percussão) podem se concentrar em apenas uma porção do seixo, como em toda a sua circunferência. São todos de quartzo, totalmente revestidos pelo córtex, sem marcas de queima. 8 ROBRAHN-GONZÁLEZ, Erika. Marion. A ocupação pré-colonial do vale do rio Ribeira de Iguape, São Paulo: os grupos ceramistas do médio curso. Dissertação de mestrado em Antropologia Social do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, sob a orientação de Ulpiano Bezerra de Meneses, São Paulo: FFLCH-USP, 1989, p. 100. 9 ANDREFSKY Jr., William, Op. cit., p. 11.
98
RHAA 14
ROBRAHN-GONZÁLEZ, Erika. Marion. A ocupação pré-colonial do vale do rio Ribeira de Iguape, São Paulo: os grupos ceramistas do médio curso. Masters dissertation in Social Anthtropology for the post-graduation program of the Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (Faculty of Philosophy, Letters and Human Sciences) of the Universidade de São Paulo (São Paulo University), tutored by Ulpiano Bezerra de Meneses, São Paulo: FFLCH-USP, 1989, p. 100.
8
9
ANDREFSKY Jr., William, Op. cit., p. 11.
Sítio arqueológico Caconde 6 a portion of the cobble or on its entire surface. They are all of quartz, completely covered by cortex and with no evidence of burning. 2.5. Projectile point
These are specific artifacts, generally bifacial, with working edges that converge in a point. by definition, they are composed of a “triangular shaped base (almost always)”, fins, that contribute to the “projectile’s aerodynamics and to the formation of its edges”, a tang, “the area where the butt is retouched, as well as an area for hafting the projectile to a shaft” and a pointed profile, by which the distal portion serves to perforate.10 There are three examples of projectile points in this assemblage (Figure 4). Two are complete and one is a distal fragment of a point. All of them where made from flakes, are bifacial and of quartz. The complete pieces present a rectilinear tang with fins larger then 90º and the lateral edges are rectilinear. both are very asymmetric. One of them exhibits a broken point end. In both cases, the tang’s size is disproportional to the body of the projectile point, suggesting extensive reworking of the pieces. Their lengths are 31 mm and 51 mm, none of the examples include cortex, 1 (33%) exhibits evidence of burning and all three demonstrate use ware evidence. 2.6. Retouched flake
Retouched flakes are artifacts derived from unifacial flakes, for which the working edges – either rectilinear or convex – are located at the lateral or distal portion of the piece, delineated by invasive retouches and marginal peripheral retouches, with the function of accentuating the cutting edge. One example exhibits retouches on the opposite edge to the working edge. The lengths vary from 42 mm to 117 mm, with a mean length of 70 mm. There are 3 retouched flakes among the assemblage, 1 (33%) includes cortex, 1 (33%) shows evidence of burning and 2 (67%) exhibit use ware evidence. 2.7. Slug-shaped scraper
Slug-shaped scrapers are plane-convex artifacts, bifacial and made from retouched flakes. “[…] objects with direct peripheral retouching, an oblong shape, generally with a pointed extremity while the other is more rounded”.11 Prous attributes the robust shape of slug-shaped scrapers
SILVA-MÉNDES, Gerson Levi da, Op. cit., p. 305-7. 11 PROUS, André Pierre. Arqueologia Brasileira. brasília: Unb, 1992, p. 74. 10
2.5. Pontas-projéteis
São artefatos específicos, geralmente bifaciais, com bordos ativos que convergem em ponta. Por definição, são compostas de uma “base (quase sempre) triangular”, as aletas, que contribuem para a “aerodinâmica do projétil e na formação dos bordos”, um pedúnculo, “setor onde se registra o talão retocado, assim como setor de encabamento em haste da mesma” e uma extremidade aguda, ou seja, a parte distal cuja função é perfurar.10 Há três exemplares de pontas de projétil na coleção (Figura 4). Dois estão inteiros e um corresponde ao fragmento distal de uma ponta. Todos foram confeccionados a partir de lascas, são bifaciais, de quartzo. As peças inteiras apresentam pedúnculo retilíneo com aletas maiores que 90º e os bordos laterais são retilíneos. Ambas são bastante assimétricas. Uma delas apresenta a extremidade aguda fragmentada. Em ambos os casos, o tamanho do pedúnculo é desproporcional ao corpo da ponta-projétil, sugerindo intenso reavivamento das peças. Seus comprimentos equivalem a 31 e 51 mm, nenhuma possui córtex, 1 (33%) apresenta sinais de queima e as 3 possuem marcas de uso. 2.6. Lascas retocadas
As lascas retocadas são artefatos sobre lasca, unifaciais, cujos bordos ativos, retilíneo ou convexo, encontram-se na porção lateral ou distal, delineados por retoques invadentes e periféricos marginais, com a função de aguçar o gume. Em um dos exemplares também há retoques no bordo oposto ao ativo. Os comprimentos variam entre 42 e 117 mm, sendo a média igual a 70 mm. Há 3 lascas retocadas entre os artefatos, 33% (1) apresenta córtex, 33% (1) tem sinais de queima e 67% (2) possuem marcas de uso. 2.7. Lesma
As lesmas são artefatos plano-convexos, bifaciais, feitos em base de lasca retocada. “[...] objetos com retoque direto periférico, de forma oblonga, com uma extremidade geralmente pontuada e a outra mais arredondada”.11 Prous atribui sua forma robusta à aplicação na confecção de objetos de madeira,12 mas acredita-se que sua função possa ir mais além. Há duas lesmas 10 11 12
SILVA-MÉNDES, Gerson Levi da, Op. cit., p. 305-7. PROUS, André Pierre. Arqueologia Brasileira. brasília: Unb, 1992, p. 74. Ibid.
RHAA 14
99
Gabriella Barbosa Rodrigues, Bruno Sanches Ranzani da Silva, Fernando Alexandre Soltys na coleção, ambas são unifaciais, confeccionadas sobre lasca espessa, de sílex marrom e com dimensões bem distintas: a menor com 52 × 22 × 16 mm e a maior com 96,5 × 40 × 22 mm (Figura 6). Os bordos laterais plano-convexos possuem retoques invadentes e periféricos marginais que convergem em ponta. A menor delas apresenta retoques invadentes interrompidos e não sequenciados, o que sugere tratar-se de um artefato esgotado. Ambas possuem marcas de uso ao longo dos bordos ativos e sinais de queima. Nenhuma delas possui córtex. 2.8. Polido
A técnica do polimento consiste num processo de “abrasão de uma rocha por meio de outra — dura e granulosa — geralmente com a intervenção de uma pasta abrasiva intermediária (areia + água)”.13 Há apenas 1 artefato polido neste material. Trata-se de uma peça de rocha básica, semicircular chata, com 138 × 99 × 33 mm. Possui marcas de polimento em duas faces laterais opostas, sendo que numa delas o polimento resultou numa reentrância. Na lateral oposta a essa reentrância existem três superfícies retilíneas em sequência, e numa delas há marcas de batida/percussão. As faces polidas, tanto pela quantidade como pela diversidade de características, sugerem um instrumento multifuncional. 2.9. Artefato fragmentado
Os artefatos fragmentados são “todo e qualquer fragmento que apresente morfologia completa e diagnóstica de um artefato de origem lítica lascada”.14 Correspondem a 16% (6) dos artefatos da coleção. Por apresentarem-se fragmentados, ou seja, não estão completos, não podem ser analisados como os demais artefatos e instrumentos. O que pode ser dito sobre eles é que, nos fragmentos que temos em mãos, 33% (2) apresentam marcas de queima e 67% (4) apresentam córtex. 2.10. bifacial
Os artefatos bifaciais são peças “amplamente modificadas e têm dois lados ou faces que se encontram para formar um único bordo que circunscreve o artefato inteiro; ambas as faces mostram evidências de retiradas anteriores”.15 Três artefatos 13 PROUS, André Pierre. Apuntes para el análisis de industrias líticas. Noia: Fundación Frederico Maciñeira, 2004, p. 11. 14 SILVA-MÉNDES, Gerson Levi da, Op. cit., p. 310. 15 ANDREFSKY Jr., William, Op. cit., p. 76.
100
RHAA 14
to their use in fabricating wooden objects,12 but believes that their function could be wider. The assemblage has two slug-shaped scrapers. Both are unifacial, made from a thick flake of brown chert and have very different sizes: the smaller measuring 52 × 22 × 16 mm and the larger measuring 96.5 × 40 × 22 mm (Figure 6). The plane-convex lateral edges exhibit invasive and peripheral marginal retouching, that converge in a point. The smaller of them presents interrupted and non-sequenced invasive retouching, that suggests that it is a worn out artifact. Both exhibit use ware evidence all along the working edges and evidence of burning. None of them have cortex. 2.8. Polished artifact
The technique of polishing consists of a process of “abrasion of a rock by another – hard and granular – generally with the addition of an intermediate abrasive paste (sand + water)”.13 There is only one polished artifact in this assemblage. It is a basic rock piece, semi-circular and flat, measuring 138 × 99 × 33 mm. The piece exhibits marks resulting from polishing on two opposite lateral faces. The polishing on one face resulted in a groove. On the opposite lateral to this groove there are three rectilinear surfaces, in sequence, and one of them shows marks of percussion. The polished faces, due to the quantity and diversity of characteristics, suggest a multifunctional object. 2.9. Fragmented artifact
Fragmented artifacts are “each and every fragment that suggests the complete morphology and can diagnose an artifact of flaked lithic origin”.14 They are represented by 6 (16%) of the assemblage’s artifacts. Since these artifacts are fragmentary they cannot be analyzed along with the other artifacts and tools. But what can be said about them is that 2 (33%) exhibit evidence of burning and 4 (67%) include cortex. 2.10. bifacial artifact
Bifacial artifacts are pieces “widely modified, with two sides or faces meeting to form a single edge that defines the entire artifact; both faces
Ibid. PROUS, André Pierre. Apuntes para el análisis de industrias líticas. Noia: Fundación Frederico Maciñeira, 2004, p. 11. 14 SILVA-MÉNDES, Gerson Levi da, Op. cit., p. 310.
12 13
Sítio arqueológico Caconde 6 show evidence of previous removals”.15 Three artifacts in the assemblage were identified as bifacial and they differ very much from each other. One of them is fragmentary but we suggest that it is a pre-shaped piece of a projectile point, made from a flake of quartz. Both of its faces present only invasive retouching, which cross the entire piece, defining its morphology and thickness, and no peripheral retouching. Also, there is no use ware evidence, which may suggest a breakage during the process of debitage. It does not include cortex or evidence of burning. Another piece was classified as a scraper with parallel working edges, with one being denticulated and the other convex with a beak. On the internal face it exhibits three thin and invasive retouches, which led to its classification as bifacial. However, in contrast to the previous piece, this bifacial retouching does not result in a morphological definition of the piece, but in an adaptation in its internal face. Its source material is also a flake made of chert, including cortex, showing evidence of burning but no use ware evidence. The third piece was classified as a longitudinal plane-convex scraper, with one convex lateral and one concave lateral (boomerang shape) (Figure 5). It presents two retouched edges, but only one of them is a working edge. On the concave lateral, it presents unifacial invasive and peripheral marginal retouching; on the convex lateral it presents bifacial retouches, both invasive and peripheral marginal. Its morphology suggests that the face with bifacial removals had a function of grasping and the retouches have been executed to thin the cutting edge, making its use easier. Its source material is a thick flake, without cortex or evidence of burning. Use ware evidence is evident right along the working edge. 2.11. Hammer stone
Also an instrument, the hammer stone is an unworked fragment of basic rock. It presents intense marks of percussion, on the inferior face. It presents cortex on its entire surface and no evidence of burning. 3. Cores A core is “a mass of homogeneous lithic material that has had flakes removed from its
15
ANDREFSKY Jr., William, Op. cit., p. 76.
foram caracterizados apenas como bifaciais na coleção e eles são muito diferentes entre si. Um deles está fragmentado e sugere ser uma pré-forma de ponta-projétil, confeccionado sobre lasca, de quartzo. Em ambas as faces apresenta apenas retoques invadentes, que atravessam toda a peça para definir sua morfologia e espessura, e nenhum tipo de retoque periférico. Também não há sinais de uso, o que pode sugerir quebra durante o processo de debitagem. Não apresenta córtex nem marca de queima. A outra peça pode ser classificada como um raspador com bordos ativos paralelos, sendo um denticulado e outro convexo com bico. Na face interna apresenta três retoques finos e invadentes, o que motivou sua inclusão na categoria bifacial. Todavia, ao contrário da peça anterior, esse retoque bifacial não resulta numa definição morfológica da peça, trata-se apenas de uma adequação em sua face interna. Seu suporte também é uma lasca, de sílex, com córtex, com queima e sem marcas de uso. A terceira peça também pode ser classificada como um raspador longitudinal plano-convexo, com uma lateral convexa e outra côncava (formato de “bumerangue”) (Figura 5). Possui dois bordos retocados, mas apenas um deles é o bordo ativo. Na lateral côncava possui retoque unifacial invadente e periférico marginal; na convexa possui retoques bifaciais tanto invadentes quanto periféricos marginais. A morfologia sugere que a face com retiradas bifaciais tenha função de preensão e os retoques tenham sido executados para desbastar o gume, facilitando o manuseio. Seu suporte é uma lasca espessa, sem córtex e sem queima. As marcas de uso encontram-se ao longo do bordo ativo. 2.11. batedor
Também um instrumento, o batedor desta coleção é um fragmento bruto de rocha básica. Possui marcas intensas de batida, ou percussão, na face inferior. Possui córtex em todo o seu entorno e não tem marcas de queima. 3. Núcleos Um núcleo é “uma massa de material lítico homogêneo que teve lascas removidas de sua superfície”. Sua função é “fornecer lascas que possam ser usadas para produção de ferramentas”.16 16
ANDREFSKY Jr., William, Op. cit., p. 12.
RHAA 14
101
Gabriella Barbosa Rodrigues, Bruno Sanches Ranzani da Silva, Fernando Alexandre Soltys Nas escavações em Caconde 6, foram encontrados 7 núcleos (1,24% dentre todos os vestígios), sendo 6 deles globulares (tipo 1) e apenas 1 discoidal (tipo 2). Os núcleos globulares são assim chamados, pois sofrem retiradas de diferentes direções tendendo a adquirir um formato globular.17 Por outro lado, o núcleo discoidal, também multidirecional, sofre retiradas “de forma centrípeta ou centrífuga, formando uma secção biconvexa”.18 Quanto à matéria-prima, os núcleos estão distribuídos da seguinte maneira: dois são de sílex, quatro de quartzo e um de quartzito. Há córtex em 3 deles (43%), 2 apresentam sinais de queima (29%) e todos foram utilizados. 4. Detritos
surface”. Its function is to “provide flakes that may be used for the production of tools”.16 During the excavations at Caconde 6, 7 cores were found (1.24% of all pieces), 6 of them being globular (type 1) and only 1 discoidal (type 2). Globular cores are named after the shape they tend to get after flake removals in several different directions.17 Conversely, the flake removals from discoidal cores, while also multidirectional, are carried out “in centripetal or centrifuge movements, forming a biconvex section”.18 As for the raw materials, the cores are present in the following materials: two are made of chert, four of quartz and one of quartzite. There is cortex on 3 (43%) of them, 2 (29%) present evidence of burning and all exhibit use ware evidence. 4. Detritus
Os detritos, ou fragmentos de matéria-prima,
The detritus, or fragments of raw material,
[...] correspondem a um agrupamento de vestígios líticos em que não há possibilidade de leitura adequada de sua morfologia por apresentar duas ou mais faces de fratura sem elementos diagnósticos precisos. Entram nessa classe fragmentos de lasca com mais de três secções fraturadas, assim como porções de fragmentos de núcleo em que não está clara a origem do impacto. Acidentes de lascamento, técnicas de espatifamento, testes de matéria-prima e retirada de arestas do núcleo com percutores duros cuja força aplicada é maior que a resistência média do material ou difratada em linhas determinadas por impurezas internas correspondem à maior parte desta classe de vestígios.19
No sítio Caconde 6 somam 112 líticos, cuja matériaprima distribui-se conforme o gráfico (Gráfico 7). Há presença de córtex em 30% dos detritos. Quinze por cento deles apresentam marcas de queima e nenhum apresenta sinal de uso.
[...] correspond to a grouping of lithic material for which there is no possibility of adequately reading morphology or which present no precise diagnostic elements on two or more of their faces of fracture. In this category are placed fragments of flake with more then three fractured faces, as well as portions of core fragments, for which the origin of the impact is not clear. Flaking accidents, fracturing techniques, tests of raw materials and also the removals from core edges with hard percussors where the force applied is either greater then the average resistance of the material or is diffracted by internal impurities, correspond to the majority of this class of vestiges.19
Within the lithic assemblage form the Caconde 6 site, 112 pieces of detritus were identified, with the following distribution of raw material (Graph 7). There is cortex present on 30% of the detritus. 15% of the pieces exhibit evidence of burning and none present use ware evidence.
5. Seixos e fragmentos de seixo
5. Cobbles and fragments of cobble´s
Os seixos são geralmente utilizados como suportes de núcleos.20 Foram encontrados quatro seixos ou fragmentos de seixo que não foram utilizados. Quanto à matéria-prima, eles dividem-se em: dois de quartzito, um de arenito silicificado e um cuja matéria-prima não foi identificada.
Cobbles are generally used as the source material for cores.20 Four un-worked cobbles or fragments of cobbles were found. Two are of quartzite, one is of silicificated sandstone and one is of an un-identified material.
16
17 18 19 20
SILVA-MÉNDES, Gerson Levi da, Op. cit., p. 303. Ibid. SILVA-MÉNDES, Gerson Levi da, Op. cit., p. 308. Ibid.
102
17 18 19 20
RHAA 14
ANDREFSKY Jr., William, Op. cit., p. 12. SILVA-MÉNDES, Gerson Levi da, Op. cit., p. 303. Ibid. SILVA-MÉNDES, Gerson Levi da, Op. cit., p. 308. Ibid.
Sítio arqueológico Caconde 6 Since they are raw stones, they all present cortex (cobble). One of them exhibits evidence of burning and none exhibit use ware evidence. 6. Blocks and block fragments Blocks, or pieces of them, can be associated with the extraction of raw on a large scale. It is possible that blocks were transported to the site and there they were broken up.21 Ten blocks or block fragments were identified, two of them being of parent-rock. The raw materials are quartz (4) and “green stone” (3) – a rock with green coloring which if it comes into contact with a persons skin leaves green marks – and three where of un-identifiable materials. All include cortex and none exhibit evidence of burning or use ware evidence. 7. Thermic fragments Thermic fragments can result from direct exposure to heat, generally unintentional, that transforms the raw material, “deforming it and creating ridges, altering the natural morphological state of the source material”.22 Conversely, when it comes to preparing the raw material, the heat may not be applied directly, but instead surround the source material or else the source material might be placed over layers of sediments that are directly placed on a fire. There are 8 thermic fragments in the assemblage. 2 (25%) include cortex (1 evidencing the raw material was a cobble and 1 demonstrating the raw material was from a vein) and none show use ware evidence. Seven pieces (87%) are of chert and one (13%) is of quartz. 8. Flake fragments Flake fragments differ from fragmented flake since they represent the distal portion of flakes, meaning that they do not exhibit the information that could allow its characterization as butt, point of impact, or bulb of percussion. Therefore, it is not possible to classify the flake. There are 34 such pieces in the assemblage, of the following raw materials (Graph 8). Cortex is a present on 8 (24%) of them, 7 (21%) exhibit evidence of burning and 2 (6%) present use ware evidence.
21 22
SILVA-MÉNDES, Gerson Levi da, Op. cit., p. 309. SILVA-MÉNDES, Gerson Levi da, Op. cit., p. 310.
Visto que são pedras brutas, todos possuem córtex (de seixo). Um deles apresenta sinais de queima e nenhum possui marcas de uso. 6. Blocos, fragmentos de bloco Os blocos, ou pedaços deles, podem estar associados à extração de matéria-prima em profusão. É possível que os blocos fossem transportados para o sítio, e lá debitados.21 Foram coletados dez blocos ou fragmentos, sendo dois deles amostras de rocha-mãe. As matérias-primas variam entre o quartzo (4), a “pedra verde” (3) — uma rocha de coloração esverdeada que deixa marcas dessa cor quando em contato com a pele — e três não tiveram a matéria-prima identificada. Todos possuem córtex, nenhum apresenta sinais de queima nem de uso. 7. Fragmentos térmicos Os fragmentos térmicos podem ser de duas naturezas. Podem ser resultado de exposição direta ao calor, geralmente não intencional, que transforma a matéria-prima, “deformando-a e criando enrugamentos, alterando o estado morfológico natural do suporte”.22 Por outro lado, quando se trata de preparo de matéria-prima, o calor não era aplicado diretamente, mas circundava o suporte ou este era colocado sobre outras camadas de sedimentos que estavam, por sua vez, postas sobre o fogo. Há 8 fragmentos térmicos na coleção. Dois (25%) possuem córtex (1 de seixo e 1 de veio), nenhum possui marcas de uso. A maioria é de sílex (87%), e um é de quartzo (13%). 8. Fragmentos de lasca Os fragmentos de lascas diferenciam-se das lascas fragmentadas por tratarem-se da parte distal da lasca, ou seja, não conservam as informações que permitem caracterizá-la como talão, ponto de impacto, bulbo. Dessa forma, não é possível classificar a lasca. São 34 na coleção, das seguintes matérias-primas (Gráfico 8). Há presença de córtex em 24% delas (8), 21% (7) possuem marcas de queima e 2 (6%) apresentam sinais de uso. 21 22
SILVA-MÉNDES, Gerson Levi da, Op. cit., p. 309. SILVA-MÉNDES, Gerson Levi da, Op. cit., p. 310.
RHAA 14
103
Gabriella Barbosa Rodrigues, Bruno Sanches Ranzani da Silva, Fernando Alexandre Soltys Conclusão
Conclusion
Como foi indicado ao longo do artigo, dada a diferença de características morfológicas, tecnológicas e estilísticas entre alguns artefatos e instrumentos produzidos, sugerimos a existência de duas indústrias líticas diversas em Caconde 6. A partir disso, podemos supor que se trataria de dois momentos diferentes de ocupação do sítio, ou ainda, dois grupos humanos distintos, embora não haja indícios de tal situação na estratigrafia. No entanto, essa diferença pode ter se perdido devido ao mau estado de conservação em que se encontrava Caconde 6. Por outro lado, como o trabalho de campo ainda não está encerrado, pois trata-se de um projeto que continua em andamento, tal hipótese pode vir a ser desenvolvida, com o surgimento de mais informações e escavações em outros sítios arqueológicos da área, quando esta hipótese poderá ser testada e ampliada.
As indicated throughout this work, given the morphological, technological and stylistic differences between some of the artifacts and tools analyzed, we suggest the existence of two distinct lithic industries at Caconde 6. From this, we can speculate that there may have been two different moments of occupation at the site, or possibly, two distinct population groups, although there is no evidence of such a situation in the stratigraphy. The relevant evidence could have been lost due to the preservation conditions of site Caconde 6. However, as the field works are not yet completed, this hypothesis may still be refined with the aid of new excavations at this and other archaeological sites in the area and this hypothesis might be tested.
104
RHAA 14
Translation: Sarah Hissa (sarahhissa@hotmail.com)
Sítio arqueológico Caconde 6
1 2
3
4
5 1
Minirraspador circular de sílex.
2
Exemplos de Furadores da coleção Caconde 6.
3
Exemplo de Plaina da coleção Caconde 6.
5
Exemplo de Biface “Bumerangue”.
4
Pontas-projéteis da coleção Caconde 6.
6
Exemplo de Lesma da coleção Caconde 6.
6
RHAA 14
105
Gabriella Barbosa Rodrigues, Bruno Sanches Ranzani da Silva, Fernando Alexandre Soltys 1
Distribuição dos vestígios quanto à classe em Caconde 6.
2
Distribuição das lascas quanto ao tipo em Caconde 6.
3
Distribuição das lascas quanto ao talão em Caconde 6.
4
Distribuição das lascas quanto à matéria-prima em Caconde 6.
1 2
Tipos de talão 4; 1% 27; 8% Preparo de talão Talão asa de pássaro 1; 0% Talão retocado 9; 3% Talão puntiforme
22; 7% Talão cortical
5; 1% Talão esmigalhando 39;12% Talão linear 12; 4% Talão facetado 4; 1% Talão diedro
210; 63% Talão liso
3
106
4
RHAA 14
Sítio arqueológico Caconde 6 5
Distribuição dos artefatos quanto ao tipo em Caconde 6.
6
Distribuição dos instrumentos quanto ao tipo em Caconde 6.
7
Distribuição dos detritos quanto à matéria-prima em Caconde 6.
8
Distribuição dos fragmentos de lasca quanto à matéria-prima em Caconde 6.
7 5
8 6
RHAA 14
107
Dez lesenas renascimentais na Villa Zeri: origem e contexto Dieci lesene rinascimentali a Villa Zeri: origine e contesto
PAtRícIA DALcAnALE MEnESES Mestre em História da Arte pela Unicamp e Doutora em História da Arte Moderna pela Università degli Studi di Pisa, Itália. E-mail: pdmeneses@yahoo.com Laureata presso l’Università di campinas e Dottore di ricerca in Storia dell’Arte Moderna presso l’Università degli Studi di Pisa. E-mail: pdmeneses@yahoo.com
A sede da Fundação Federico Zeri em Mentana, próximo a Roma, abriga, como se sabe, diversas obras de arte, entre as quais dez lesenas renascimentais, ligadas ao cardeal Giuliano Della Rovere, futuro papa Júlio II. Este artigo pretende analisar a sua proveniência e a provável autoria, a ser situada no círculo do escultor Andrea Bregno. Resumo
PalavRas-chave
Federico Zeri.
Renascimento, Escultura, Andrea Bregno, Giuliano Della Rovere,
Riassunto La sede della Fondazione Federico Zeri a Mentana ospita, com’è noto, diverse opere d’arte, tra le quali dieci lesene rinascimentali, forse collegabili al cardinale Giuliano Della Rovere, futuro papa Giulio II. Questo articolo intende analizzare la loro provenienza e probabile paternità, da collocarsi intorno alla cerchia dello scultore Andrea Bregno. PaRole chiave
Federico Zeri.
Rinascimento, Scultura, Andrea Bregno, Giuliano Della Rovere,
RHAA 14
109
Patrícia Dalcanale Meneses A sede da Fundação Federico Zeri, em Mentana, próximo a Roma, abriga, como se sabe, diversas obras de arte, elementos de ornamentação arquitetônica, além de uma coleção de epígrafes antigas. Zeri construiu a Villa durante os anos 1960, com um projeto do arquiteto romano Andrea Busiri Vici (1903-1989). A obra começou em 1963, e o projeto misturou formas clássicas com artefatos históricos inseridos no edifício. De acordo com o próprio Zeri:
La sede della Fondazione Federico Zeri a Mentana ospita, com’è noto, diverse opere d’arte, pezzi di ornamento architettonico e anche un’importante collezione di epigrafi antiche. Lo Zeri si fece costruire la villa negli anni 60 dall’architetto romano Andrea Busiri Vici (1903-1989). La costruzione fu cominciata nel 1963 e il progetto mischiò forme classiche con pezzi storici inseriti nell’edificio. Secondo lo stesso Zeri:
Muitos anos antes de começar a obra da casa, eu tinha acumulado pacientemente lesenas, pedaços de teto, tijolos romanos, telhas, molduras de portas de mármore e fragmentos de pedra. A casa foi, por assim dizer, elaborada em torno desses elementos, cada um dos quais foi inserido no seu lugar certo e adaptado ao conjunto.1
Molti anni prima di iniziare i lavori per la casa avevo accumulato pazientemente colonne, pezzi di soffitto, mattoni romani, tegole, cornici di porte in marmo e frammenti di pietre. La casa fu per così dire elaborata intorno a questi elementi, ciascuno dei quali fu inserito nel suo posto giusto e fuso nell’insieme.1
Entre os objetos recolhidos por Zeri, estão dez lesenas de mármore entalhado, aqui numeradas de acordo com a sua disposição atual (Figura 11), usadas para decorar as estantes da parte superior da biblioteca (à qual se tem acesso através de uma pequena escada em caracol no salão principal). trata-se de peças muito belas que, ainda que não sejam de todo desconhecidas, jamais foram estudadas. Isto porque estavam conservadas em uma parte mais ou menos íntima da casa do grande historiador. Ele recebia os colegas e os estudantes quase sempre no térreo da sua biblioteca, indo buscar de vez em quando algum livro pessoalmente no primeiro andar. Assim, as lesenas permaneceram praticamente inéditas. Após a sua morte e a criação da fundação em sua homenagem, a Villa de Mentana foi utilizada raramente por ocasião de alguns eventos e cursos restritos. Em tempos mais recentes, a sede da fundação, juntamente com a coleção inteira de livros de Zeri, foi transferida para Bolonha, e a Villa, que já era pouco frequentada, agora está completamente fechada ao público. Dada a excepcional qualidade dessas dez obras, este artigo se propõe a investigar sua origem e proveniência. Das dez lesenas, cinco podem ser ligadas a um contexto específico, como veremos mais adiante. Destas cinco, quatro (Figuras 1-4) são claramente interligáveis, estilisticamente falando, e têm uma particularidade que nos permite intuir a sua proveniência: elas seguem uma simetria, uma certa ordem nos motivos, intercalando maços de frutas e motivos da arte da guerra, ou seja, armas, instrumentos, troféus e brasões. Mais importante, porém, é que duas contêm o brasão cardinalício dos Della Rovere, e duas apresentam a seguinte inscrição: IUL 1
ZERI, F. Confesso che ho sbagliato. Milão, 1995, p. 148.
110
tra gli oggetti raccolti da Zeri si trovano dieci lesene in marmo lavorato, qui numerate d’accordo con la loro disposizione attuale (Figura 11), usate per decorare le mensole della parte superiore della biblioteca (alla quale si accede attraverso una piccola scala a chiocciola dal salone principale). Si trattano di pezzi molto belli che, anche se non del tutto sconosciuti, non sono mai stati studiati. Questo perché erano rinchiuse in una parte più o meno intima della dimora del grande storico. Egli riceveva i colleghi, gli studenti quasi sempre al pianterreno della sua biblioteca, andando a prendere di persona qualche libro al primo piano. così le lesene sono rimaste pressoché inedite. Dopo la sua morte e la creazione della fondazione in suo onore, la villa a Mentana fu utilizzata di rado per alcuni eventi e corsi ristretti. In tempi più recenti, la sede della fondazione, insieme all’intera biblioteca Zeri, fu trasferita a Bologna, e la villa, che era già poco frequentata, adesso è completamente chiusa al pubblico. Data l’eccezionale qualità di queste opere, quest’articolo si propone ad investigare la loro origine e provenienza. Delle dieci lesene, cinque sono collegabili ad un contesto specifico, come vedremo. Di queste cinque, quattro, in particolare, sono stilisticamente collegabili fra loro: hanno una particolarità che lascia intuire la loro provenienza (Figure 1-4): seguono una simmetria, un certo ordine dei motivi, intercalando un fastello di frutti con motivi dell’arte della guerra, ossia, armi, strumenti, trofei e stemmi. Più importante, però, è che due recano lo stemma cardinalizio dei Della Rovere, e due presentano delle targhe
1
RHAA 14
F. Zeri, Confesso che ho sbagliato. Milano, 1995, p. 148.
Dez Lesenas na Villa Zeri con l’iscrizione IUL cAR / S P / AD VInc. Per convenienza d’ora in poi chiameremo questi quattro pezzi lesene Della Rovere. Ora, a Roma e dintorni, furono cinque le sedi amministrate dal cardinale Giuliano Della Rovere: San Pietro in Vincoli, SS. Apostoli, Sant’Agnese Fuori le Mura, Sant’Aurea in Ostia Antica e Santa Maria in Grottaferrata. La scritta ci permette già di escludere dalla lista dei possibili luoghi di origine almeno due posti: Ostia e Grottaferrata, dove il cardinale si fa sempre nominare IUL CARD OSTIEN nelle epigrafi. Nelle altre chiese, prevale il titolo con cui era maggiormente conosciuto, ossia, cardinale di San Pietro in Vincoli. Ed inizialmente è proprio alla chiesa titolare che viene subito da pensare. Quella, però, non era ancora fornita di un palazzo annesso alla basilica,2 dove ospitare decorazioni tanto signorili, e il convento di San Pietro in Vincoli fu terminato soltanto quando il cardinale era già diventato Papa Giulio II. La chiesa, anche se sede cardinalizia, era collocata in un posto piuttosto isolato della città,3 e dunque non era tanto in vista da meritare un investimento di tale portata. Guardando i pezzi, così belli e raffinati, viene da pensare che queste suppellettili provengano proprio dal palazzo e convento dei SS. Apostoli, che ricevette in commenda dopo la morte del cugino Pietro Riario. È ovvio che Giuliano Della Rovere aveva altre chiese e palazzi a Roma che poteva abbellire, ma il complesso di SS. Apostoli era quello principale, dove decise di stabilire la sua abitazione e sistemare la sua collezione di marmi antichi,4 e dove ospitare anche tutti i ricevimenti ufficiali. San Pietro in Vincoli non fu mai la sede dove i Della Rovere fecero le loro dimostrazioni di potere più importanti.5 neanche la chiesa di Sant’Agnese fuori le Mura, che fu ristrutturata dal cardinale, ricevette particolari attenzioni e decorazioni araldiche elaborate, come sono queste lesene.6
cfr. A. IPPOLItI. Il complesso di San Pietro in Vincoli e la committenza Della Rovere (1467-1520). Roma, 1999. 3 G. cAStI e G. ZAnDRI. Le chiese di Roma illustrate. San Pietro in Vincoli. Roma, 1999, p. 97. 4 Per la collezione di antichità di Giuliano Della Rovere, cfr. S. MAGIStER. Arte e politica: la collezione di antichità del cardinale Giuliano Della Rovere nei palazzi ai Santi Apostoli. Roma, 2002. 5 cfr. P. MEnESES. “O complexo de San Pietro in Vincoli e a atividade de Baccio Pontelli a Roma”, RHAA, v. 13, 2010, p. 5-16. 6 cfr. P. MEnESES. Baccio Pontelli a Roma: l’attività dell’architetto fiorentino per Giuliano Della Rovere. Pisa, 2010.
cARD / S P / AD VInc. Por conveniência, de agora em diante, chamaremos estas quatro peças de lesenas Della Rovere. Ora, em Roma e arredores, foram cinco as sedes administradas pelo cardeal Giuliano Della Rovere: San Pietro in Vincoli; SS. Apostoli; Sant’Agnese fuori le mura; Sant’Aurea, em Ostia antica; e Santa Maria, em Grottaferrata. A escrita nos permite já excluir da lista dois possíveis lugares de origem: Ostia e Grottaferrata, onde o cardeal se faz sempre chamar por IUL cARD OStIEn, nas epígrafes. nas outras igrejas prevalece o título com o qual era mais conhecido, isto é, cardeal de San Pietro in Vincoli. E, inicialmente, é logo na igreja titular que pensamos. Mas esta não contava ainda com um palácio cardinalício anexo à basílica,2 onde fosse possível abrigar decorações tão senhoris, e o convento de San Pietro in Vincoli foi terminado somente quando o cardeal havia já se tornado o Papa Júlio II. A igreja, ainda que fosse uma sede cardinalícia, encontrava-se em um lugar bastante isolado da cidade,3 não muito à vista, e dificilmente mereceria um tal investimento. As peças, tão belas e refinadas, de fato nos fazem pensar que provêm justamente do palácio e convento de SS. Apostoli, que ele recebeu em comenda após a morte do primo Pietro Riario. É óbvio que Giuliano Della Rovere tinha outras igrejas e palácios em Roma que podia ornar, mas o complexo de SS. Apostoli era o principal, onde ele decidiu estabelecer a sua residência e organizar a sua coleção de mármores antigos,4 onde sediou todas as recepções oficiais. San Pietro in Vincoli nunca foi a sede onde os Della Rovere fizeram suas principais demonstrações de poder.5 nem a igreja de Sant’Agnese fuori le mura, que foi reformada pelo cardeal, recebeu particular atenção ou decorações heráldicas elaboradas, como estas lesenas.6 Penso, então, que as lesenas de Zeri fizeram parte da decoração do palácio de SS. Apostoli, iniciada em torno dos
2
cf. IPPOLItI, A. Il complesso di San Pietro in Vincoli e la committenza Della Rovere (1467-1520). Roma, 1999. 3 cAStI, G. e ZAnDRI, G. Le chiese di Roma illustrate. San Pietro in Vincoli. Roma, 1999, p. 97. 4 Para a coleção de antiguidades de Giuliano Della Rovere, vide MAGIStER, S. Arte e politica: la collezione di antichità del cardinale Giuliano Della Rovere nei palazzi ai Santi Apostoli. Roma, 2002. 5 cf. MEnESES, P. “O complexo de San Pietro in Vincoli e a atividade de Baccio Pontelli a Roma”, RHAA, v. 13, 2010, p. 5-16. 6 cf. MEnESES, P. Baccio Pontelli a Roma: l’attività dell’architetto fiorentino per Giuliano Della Rovere. Pisa, 2010. 2
RHAA 14
111
Patrícia Dalcanale Meneses anos 1481-1482.7 Diversos motivos das quatro lesenas Della Rovere, que contêm os referimentos diretos a Giuliano, são muito parecidos com motivos presentes na decoração do palácio, como nos bancos marmóreos de inspiração urbinate, espalhados por vários cômodos, seja à direita seja à esquerda da basílica. Um bom exemplo é este detalhe de vaso/troféu pendurado, que decora o segundo cômodo do andar nobre do palácio Del Vaso, hoje convento de SS. Apostoli (Figura 12). Um vaso muito similar a esse aparece nesta peça da Villa Zeri, pendurado do mesmo modo, mas diante de prato (Figura 13). Mas é a lesena no 6 (Figura 6), que não contém brasão nem inscrições, a que nos fornece o ponto de contato mais claro e seguro com SS. Apostoli. Em um cômodo da Palazzina Della Rovere, o chamado Salão turco, ainda é conservada uma lareira decorada com belíssimos relevos marmóreos quatrocentescos. A relação com a lesena de Mentana não poderia ser mais clara (Figura 14a). Podemos notar um motivo em particular, uma mão que segura um chapéu sacerdotal, presente de maneira idêntica nos dois casos, na mesma posição, embaixo, e que faz pensar numa mais que provável origem no palácio de SS. Apostoli. Mas este não é o único ponto em comum. Elas têm a mesma conformação com os motivos sobre algum elemento que pende para baixo: tecidos e fios de pérolas, para as pilastras do Salão turco; e pêndulos com pingentes variados, para a lesena de Villa Zeri. Infelizmente o Salão turco não é aberto ao público nem aos estudiosos, e uma análise direta das obras não foi possível.8 tive acesso, todavia, às medidas dessas duas peças laterais, e elas correspondem, de fato, à lesena de Villa Zeri. Elas têm a mesma largura, que oscila entre 22 e 23 cm. com relação à altura, há uma discrepância de seis centímetros, mas que é perfeitamente explicável se observarmos bem as peças. As lesenas do Salão turco têm uma moldura mais larga na parte inferior, e por isso medem 130 cm. na obra da Villa Zeri, cuja 7 Para a decoração do palácio de SS. Apostoli, vide: SAntILLI, F. Chiese di Roma illustrate: La Basilica dei SS. Apostoli. Roma, 1925; GAttI, I. “Il convento dei SS. Apostoli a Roma”. In Miscellanea francescana, n. 79, II, 1972, p. 390-440; FInOccHI GHERSI, L. “Ornamenti all’antica in alcune fabbriche commissionate dal cardinale Giuliano Della Rovere”. In Quaderni dell’Istituto di Storia dell’Architettura, n. 15/20, 1992, p. 355-366; Id. “Il Palazzo Riario – Della Rovere ai SS. Apostoli”. In F. Benzi (a cura di), Sisto IV: le arti a Roma nel primo Rinascimento. Atti del convegno. Roma, 2000, p. 445-457; SAFARIK, E. Palazzo Colonna. Roma, 1999; MAGIStER, S. Arte e politica: la collezione di antichità del cardinale Giuliano Della Rovere nei palazzi ai Santi Apostoli. Roma, 2002; MEnESES, P. Baccio Pontelli a Roma: l’attività dell’architetto fiorentino per Giuliano Della Rovere. Pisa, 2010. 8 Agradeço a dott.sa Patrizia Piergiovanni que, a meu pedido, gentilmente mediu a lareira.
112
RHAA 14
credo che le lesene di Zeri risalgano, dunque, alla decorazione del palazzo ai SS. Apostoli, iniziata intorno agli anni 1481-1482.7 Diversi motivi delle quattro lesene Della Rovere, che presentano i riferimenti a Giuliano, sono molto simili a dei motivi presenti nella decorazione del palazzo, come nei sedili marmorei di ispirazione urbinate sparsi le diverse stanze, sia a destra che a sinistra della Basilica. Un bell’esempio è questo dettaglio di un vaso/trofeo appeso, che decora la seconda stanza del piano nobile del detto palazzo del Vaso, oggi convento dei SS. Apostoli (Figura 12). Un vaso molto simile a questo compare nella lesena di Villa Zeri, appeso allo stesso modo, ma davanti ad un vassoio (Figura 13). È la lesena n. 6 (Figura 6), però, che non reca stemmi né iscrizioni, a fornirci il punto di contatto più chiaro e sicuro con SS. Apostoli. In una stanza della Palazzina, il cosiddetto Salone turco, è tuttora presente un camino decorato da bellissimi rilievi marmorei quattrocenteschi. Il legame con la lesena di Mentana, non potrebbe essere più palese (Figura 14a). Possiamo notare un motivo in particolare, un cappello sacerdotale teso da una mano, che è presente in ambedue i casi, nella stessa posizione, in basso, e che fa pensare ad una più che probabile appartenenza al Palazzo ai SS. Apostoli. Ma questo non è l’unico punto in comune; tutte hanno la stessa conformazione, con i motivi che sovrastano qualcosa che pende verso il basso: drappeggi e fili di perline per i pilastri del Salone turco e pendenti con ciondoli vari alla punta per la lesena di Villa Zeri. Purtroppo il Salone turco non è aperto né al pubblico, né agli studiosi, ed un’analisi diretta dei pezzi del camino non fu possibile. tuttavia, ho avuto accesso alle misure di questi due pezzi,8 ed
Per la decorazione del palazzo dei SS. Apostoli, si veda: F. Santilli. Chiese di Roma illustrate: La Basilica dei SS. Apostoli. Roma, 1925; I. Gatti. “Il convento dei SS. Apostoli a Roma”. In Miscellanea francescana, n. 79, II, 1972, p. 390-440; L. Finocchi Ghersi. “Ornamenti all’antica in alcune fabbriche commissionate dal cardinale Giuliano Della Rovere”. In Quaderni dell’Istituto di Storia dell’Architettura, n. 15/20, 1992, p. 355-366; Id. “Il Palazzo Riario - Della Rovere ai SS. Apostoli”. In F. Benzi (a cura di), Sisto IV: le arti a Roma nel primo Rinascimento. Atti del convegno. Roma, 2000, p. 445-457; S. Magister. Arte e politica: la collezione di antichità del cardinale Giuliano Della Rovere ai palazzi ai Santi Apostoli. Roma, 2002; E. Safarik. Palazzo Colonna. Roma, 1999; e P. Meneses. Baccio Pontelli a Roma: l’attività dell’architetto fiorentino per Giuliano Della Rovere. Pisa 2010. 8 Ringrazio la dott.sa Patrizia Piergiovanni per, in seguito alla mia richiesta, aver gentilmente fatto misurare il camino. 7
Dez Lesenas na Villa Zeri esse corrispondono, di fatto, alla lesena di Villa Zeri. Hanno la stessa larghezza, che oscilla fra 22 e 23 cm. Per quanto riguarda l’altezza, c’è un divario di sei centimetri, ma che è perfettamente spiegabile se guardiamo bene i pezzi. Le lesene del camino del Salone turco hanno una cornice più larga nella parte bassa (Figura 14b), e per questo misurano 130 cm. nel pezzo di Villa Zeri, che di superficie visibile misura 124 cm, non si vede questo prolungamento della cornice verso il basso, che o fu tagliato o rimane coperto dalla struttura in legno delle mensole della biblioteca. tutto indica, quindi, che questa lesena faccia parte della decorazione originale della Palazzina di Giuliano Della Rovere, e che ornasse, come le sue simili, un camino. ce n’erano tanti nel palazzo, ma le numerose modifiche fatte nell’edificio ne hanno causato la dispersione. nel palazzo del Vaso, per fare un esempio, i camini che ornavano ognuna delle tre stanze del piano nobile erano ancora in opera nel 1925.9 Oggi, di questi arredi resta soltanto uno stipite marmoreo decorato con rilievi vegetali, esposto nella prima stanza, ma che purtroppo non sappiamo a quale ambiente appartenesse. Dello stesso modo che i rilievi dal palazzo testimoniano l’attività di più scultori, i pezzi di Villa Zeri si presentano come il risultato del lavoro di mani diverse: le lesene Della Rovere, simili fra loro, a quanto pare non furono scolpite dalla stessa mano che eseguì la lesena n. 6, che richiama il camino del Salone turco. Per quanto riguarda il responsabile di queste decorazioni, l’esecuzione delle lesene fin qui analizzate sembra essere dovuta alla bottega dello scultore Andrea Bregno. L’artista aveva già lavorato per i Della Rovere nella decorazione della chiesa di Santa Maria del Popolo e pure nella tomba di Pietro Riario a SS. Apostoli. L’ideazione del programma decorativo, tuttavia, pone qualche dubbio. Anche se troviamo motivi tipici della cerchia dello scultore, sono presenti anche certe panoplie che hanno armi diverse, e una cura particolare nei loro dettagli, che fanno pensare all’ambiente urbinate.
superfície visível mede 124 cm, não se vê esse prolongamento da moldura, que, ou foi cortado, ou permanece coberto pela estrutura de madeira das estantes da biblioteca. tudo indica, dessa forma, que esta lesena fazia parte da decoração original da Palazzina de Giuliano Della Rovere e que ornava, como as suas similares, uma lareira. Existiam tantas no palácio, mas as numerosas modificações feitas no edifício causaram a sua dispersão. no palácio Del Vaso, por exemplo, as lareiras que ornavam cada uma das três salas do andar nobre estavam ainda em seu lugar em 1925.9 Hoje, dessas lareiras, resta somente uma pequena pilastra decorada com relevos vegetais, exposta na primeira sala, mas que não sabemos à qual cômodo pertenceu. Do mesmo modo que os relevos do palácio testemunham a atividade de diversos escultores, as peças da Villa Zeri se apresentam como o resultado do trabalho de várias mãos: as lesenas Della Rovere, semelhantes entre si, aparentemente não foram trabalhadas pela mesma mão que realizou a lesena no 6, que recorda a lareira do Salão turco. no que diz respeito ao responsável por essas decorações, a execução das lesenas até aqui analisadas parece proceder da oficina do escultor Andrea Bregno. O artista já havia trabalhado para os Della Rovere na ornamentação da igreja de Santa Maria Del Popolo, como também no monumento fúnebre de Pietro Riario, em SS. Apostoli. A idealização do programa decorativo, contudo, deixa algumas dúvidas. Apesar de encontrarmos motivos típicos do círculo artístico do escultor, também estão presentes certas panóplias que contêm armas muito variadas, e podemos notar um cuidado muito particular dos detalhes, que faz pensar no ambiente cultural de Urbino.
Il palazzo ducale di Urbino rappresenta, infatti, un modello fondamentale da seguire per i Della Rovere, essendo la sede di una corte umanistica esemplare e un’abitazione modernissima. E Federico da Montefeltro era pure alleato del
O palácio ducal de Urbino representa, de fato, um modelo fundamental a ser seguido pelos Della Rovere, sendo ele sede de uma corte humanista exemplar, além de uma habitação moderníssima. Federico da Montefeltro era, ainda por cima, aliado do papa, figurando assim como uma válida alternativa ao modelo cultural florentino durante um período como aquele, de guerra contra os Médici. E o único artista proveniente de Urbino que estava em Roma naquela época era o arquiteto Baccio Pontelli, mas não conhecemos nenhum indício que prove uma sua participação direta no canteiro de SS. Apostoli. no mínimo, podemos dizer que a escolha dos motivos decorativos foi inspirada nos relevos e artefatos marmóreos do palácio de Urbino.
9 crf. F. SAntILLI. Chiese di Roma illustrate: La Basilica dei SS. Apostoli. Roma, 1925, p. 100.
9 cf. SAntILLI. F. Chiese di Roma illustrate: La Basilica dei SS. Apostoli. Roma, 1925, p. 100.
RHAA 14
113
Patrícia Dalcanale Meneses As primeiras quatro lesenas têm um estilo muito semelhante àquele da balaustrada das capelas Della Rovere e Montemirabile, em Santa Maria Del Popolo. Os maços de pera da capela Montemirabile estão amarrados e pendem, em ambos os casos, de um nó muito particular, e não de uma fita, como é comum ver em tantos relevos do período, como por exemplo no portal do Paraíso do hospital de Santo Spirito in Sassia, sempre atribuído a Bregno. Além disso, as armas nessas balaustradas são muito próximas àquelas presentes nos quatro exemplares da Villa Zeri. Já a quinta pilastra (no 6) tem um estilo completamente diferente, com os relevos muitos altos, menos refinados que os das lesenas Della Rovere. Também iconograficamente ela se diferencia das outras peças de decoração do palácio de SS. Apostoli, com a única exceção da lareira do Salão turco. Ambas as obras lembram claramente o antigo altar de Santa Maria Del Popolo, um dos poucos trabalhos assinados de Bregno, hoje conservado na sacristia da igreja. Essas diferenças apresentam um problema de solução não simples. nós falamos inicialmente de dez lesenas que decoram a Villa Zeri e até aqui foram analisadas somente cinco. O que acontece é que não temos como saber, com certeza, se todas as dez lesenas são procedentes do mesmo lugar, ou se pertencem a contextos diferentes. como vimos, não é possível basear-se unicamente nas variações estilísticas para excluir as outras cinco que, com efeito, têm alguma afinidade iconográfica com as primeiras; mas ao mesmo tempo não temos nenhum indício conclusivo que possa indicar a sua origem. Estas peças (Figuras 5, 7, 8, 9 e 10), muito diferentes entre si, seja no estilo, seja nas medidas, não têm nenhuma característica que nos permite identificar com segurança a sua proveniência. Podemos falar somente de semelhanças pontuais e afinidades e formular hipóteses. Aquela que parece ter mais pontos em comum com a decoração do palácio é a pilastra no 8 (Figura 8). Apresenta medidas muito próximas àquelas da lesena no 6 (20-22 × 125 cm) e os relevos são similares a algumas decorações de âmbito bregnesco. também os dois fragmentos de lesena (Figuras 9 e 10), que seguramente formam um par coerente, poderiam vir do complexo de SS. Apostoli. Essas duas peças parecem cortadas, mas poderiam também fazer parte de uma moldura de porta ou janela com um motivo decorativo contínuo formado por diversos pedaços de mármore adjacentes, como se via na antiga janela (não mais existente) da terceira sala do palácio Del Vaso. Ainda que o estilo não seja tão refinado como o das lesenas 114
RHAA 14
papa, figurando così come una valida alternativa al modello culturale fiorentino, durante questo periodo di guerra contro i Medici. E l’unico artista proveniente da Urbino presente a Roma in quell’epoca era l’architetto Baccio Pontelli, ma non conosciamo nessun indizio che provi una sua partecipazione diretta nel cantiere di SS. Apostoli. come minimo, possiamo dire che la scelta dei motivi decorativi è stata ispirata nei rilievi e infissi marmorei del palazzo urbinate. Le prime quattro lesene hanno uno stile molto simile a quello delle balaustre delle cappelle Della Rovere e Montemirabile a Santa Maria del Popolo. I mazzi di pere della cappella Montemirabile sono raccolti e pendono, in entrambi i casi, da un nodo molto particolare, e non da una fascia com’è solito vedere in tanti rilievi del periodo, come per esempio nel portale del Paradiso dell’Ospedale di Santo Spirito, sempre attribuito al Bregno. Inoltre, le armi che pendono nelle due balaustre sono anche molto somiglianti a quelle presenti nei quattro esemplari di Villa Zeri. Già il quinto pilastro (n. 6) presenta uno stile completamente diverso, con i rilievi molto sporgenti, meno raffinati di quelli delle lesene Della Rovere. Anche iconograficamente questa si differenzia di altri pezzi della decorazione del palazzo dei SS. Apostoli, trovando i suoi unici riscontri nel citato camino del Salone turco. Entrambi richiamano chiaramente l’antico altare di S. Maria del Popolo, una delle poche opere firmate dal Bregno, oggi conservato nella sagrestia della chiesa (Figura 15). Queste differenze pongono un problema di non facile soluzione. Abbiamo parlato inizialmente di dieci lesene che decorano Villa Zeri e finora sono state analizzate soltanto cinque. Si dà il caso che non abbiamo modo di sapere con certezza se tutte le dieci lesene provengono dallo stesso luogo, o se sono appartenenti a contesti diversi. come abbiamo visto, non è possibile basarsi unicamente sulle differenze stilistiche per escludere le altre cinque, che hanno, infatti, una certa affinità iconografica con le prime, ma allo stesso tempo non abbiamo trovato nessun indizio conclusivo che possa indicare la loro origine. Questi pezzi (Figuras 5, 7, 8, 9 e 10), molto diversi fra loro sia nello stile come nella misura, non hanno nessun tratto che permetta di identificare con sicurezza la loro provenienza. È possibile parlare soltanto di somiglianze puntuali e affinità, e formulare delle ipotesi. Quello che sembra avere più punti in comune con la decorazione bregnesca del palazzo sarebbe
Dez Lesenas na Villa Zeri il pilastro n. 8 (Figura 8). Ha misure molto vicine a quelle della lesena n. 6 (circa 20/22 × 125 cm) e i rilievi sono collegabili ad alcuni decorazioni di ambito bregnesco. Anche questi due frammenti di lesene (Figuras 9 e 10), che sicuramente formano una coppia coerente, potrebbero provenire dal complesso dei SS. Apostoli. Questi due pezzi sembrano tagliati, ma potrebbero anche far parte di una cornice di porta o finestra con un motivo decorativo continuo, però formata da diversi pezzi di marmo messi insieme, come si vedeva nell’antica finestra (non più esistente come tale) della terza sala del Palazzo del Vaso. Anche se lo stile non sembra raffinato come quello delle lesene Della Rovere, l’iconografia si accorda a quella che si vede in generale nel palazzo. Molto probabilmente Federico Zeri trovò queste lesene sul mercato antiquario, anche se aveva, in effetti, rapporti con la famiglia colonna, in particolare con la principessa Isabelle Sursock colonna come si apprende dalla sua autobiografia.10 È molto improbabile che questi pezzi siano stati tolti dal complesso in tempi recenti: i (pochi) frammenti lapidei trovati sciolti nel palazzo furono gelosamente conservati e murati nel giardino e in una stanza annessa alla Sala del Mascherone, formando il lapidario. Devono essere stati dispersi dopo uno dei tanti riadattamenti fatti lungo i secoli. nonostante questa dispersione, queste suppellettili rimasero insieme e molto probabilmente furono acquistati dallo storico come un gruppo. Lo stesso Zeri doveva avere le sue idee sui pezzi che decoravano la sua biblioteca: se guardiamo la loro disposizione negli ambienti, è possibile percepire che furono distribuiti secondo una logica molto chiara che distingueva lo stile, le dimensioni, e le diverse affinità delle lesene (Figura 11). Salendo la scala a chiocciola che porta alla parte superiore della biblioteca si arriva in un ambiente decorato da un’unica lesena, la n. 5, non a caso quella più diversa dalle altre sia come stile, in certi punti molto piatto, senza profondità, sia come misura (20 × 105 cm) (Figura 5). Forse questa è l’unica vera eccezione del gruppo, perché, in effetti, tutti gli altri pezzi potrebbero benissimo provenire dal palazzo ai SS. Apostoli. Questo, invece, lascia molti dubbi, sia perché questo horror vacui presente nella lesena non esiste nell’opera del
10
F. Zeri. Confesso che ho sbagliato. Milano, 1995, p. 117-8.
Della Rovere, a iconografia concorda com aquela que se vê em geral no palácio. Muito provavelmente Federico Zeri encontrou estas lesenas no mercado antiquário, apesar de ter mantido relações com a família colonna, em particular com a princesa Isabelle Sursock Colonna, como se lê em sua autobiografia.10 É bastante improvável que estas peças tenham sido retiradas do complexo em tempos recentes: os (poucos) fragmentos lapídeos encontrados no palácio foram cuidadosamente conservados e murados no jardim e em um cômodo anexo à Sala Del Mascherone, formando o chamado lapidário. Eles devem ter sido dispersos depois de uma das tantas reformas feitas ao longo dos séculos. Apesar desta dispersão, estas obras permaneceram unidas e muito possivelmente foram compradas em conjunto pelo historiador. O próprio Zeri deveria ter suas ideias sobre as peças que decoravam a sua biblioteca: se observarmos a disposição delas no ambiente, podemos perceber que foram distribuídas segundo uma certa lógica muito clara que distingue o estilo, as dimensões e as diversas afinidades entre elas (Figura 11). Subindo a escada em caracol que leva à parte superior da biblioteca, chega-se a um ambiente decorado por uma única lesena, a no 5 (Figura 5), não por acaso aquela que apresenta mais diferenças, seja como estilo, em certo ponto muito plano, sem profundidade, seja no que diz respeito às medidas (20 × 105 cm). Esta é, talvez, a única verdadeira exceção do grupo, porque, para todos os efeitos, todas as outras peças poderiam vir do palácio de SS. Apostoli. Esta, ao contrário, deixa muitas dúvidas, seja porque o horror vacui presente nesta lesena não existe na obra de Andrea Bregno, seja por causa do estado de conservação muito pior do que o das outras. As lesenas aqui denominadas Della Rovere, por outro lado, ornam a primeira sala à direita, e têm uma inegável afinidade entre si, já ilustrada acima. O cômodo à extrema esquerda é decorado com o par de fragmentos de lesenas com o motivo interrompido (Figuras 9 e 10). Finalmente, as últimas três pilastras ficam no ambiente à esquerda da escada, e as suas dimensões são bastante semelhantes (em particular as medidas das lesenas 6 e 8). também a moldura é a mesma nas três peças. É possível que, frequentando e conhecendo o palácio colonna, Federico Zeri tenha percebido que essas obras, mas particularmente a lesena no 6 que lembra fortemente a lareira 10
ZERI, F. Confesso che ho sbagliato. Milão, 1995, p. 117-8.
RHAA 14
115
Patrícia Dalcanale Meneses do Salão turco, formavam um grupo originário do complexo – talvez com a exceção da pilastra no 5. Estas obras dão a ideia do quão rico era o esquema decorativo do palácio, comparável, naquela época, só ao seu modelo urbinate. O artista responsável foi muito hábil ao adaptar os motivos e valores feltrescos a um novo contexto político, aquele romano, aproveitando, quando possível, as semelhanças entre os dois personagens. como Federico da Montefeltro, Giuliano Della Rovere era muito ligado à atividade militar. Além de participar ativamente nas questões políticas do estado pontifício, a fim de defender o território e os interesses da Santa Sé, ele se envolvia também na ação real, participando de várias campanhas militares, como por exemplo o assédio de Osimo em 1486-1487. nem a tiara papal o fará abandonar a atividade bélica, como demonstra a campanha de 1506 contra os Bentivoglio de Bolonha.11 Apesar de seu empenho militar, ele continuava a ser um religioso na corte papal, e como tal construiu os seus palácios romanos. Foi criado, então, um programa decorativo para SS. Apostoli que retomasse a sofisticação do palácio de Federico e aproveitasse todos os espaços disponíveis para ressaltar essa dupla característica do mecenas, alternando panóplias e símbolos religiosos. Foi considerada também a destinação do edifício, ou seja, um palácio privado inserido em um ambiente religioso, pois os dois aspectos, que poderíamos até definir como vida ativa e vida contemplativa, estão bem equilibrados. O lado guerreiro do cardeal é mais bem sublinhado, por outro lado, nos ambientes de relevância militar, como Ostia e Grottaferrata, onde o elemento sacro quase desaparece.
11
cf. SHAW, c. Giulio II. torino, 1995, p. 156-7.
116
Bregno, sia a causa dello stato di conservazione molto peggiore rispetto agli altri pezzi. Le lesene qui nominate Della Rovere, invece, ornano la prima stanza a destra, e hanno un’innegabile affinità fra loro, già illustrata sopra. Il vano all’estrema sinistra è decorato con il paio di frammenti di lesene con il motivo interrotto (n 9 e 10). Infine, gli ultimi tre pilastri sono nell’ambiente al lato sinistro dalla scala, e le loro dimensioni sono abbastanza simili (in particolare le misure delle lesene 6 e 8, come abbiamo visto). Anche la cornice è la stessa in tutti e tre pezzi. È possibile che, frequentando e conoscendo il Palazzo colonna, Federico Zeri abbia capito che queste suppellettili, ma particolarmente la lesena n. 6 che richiama fortemente il camino del Salone turco, formavano un gruppo proveniente dal complesso – forse con l’eccezione del pilastro n. 5. Questi pezzi danno l’idea di quanto ricco fosse lo schema decorativo del palazzo, paragonabile, a quell’epoca, soltanto al suo modello urbinate. L’artista responsabile fu molto abile nel adattare i motivi e i valori feltreschi a un nuovo contesto politico, quello romano, approfittando, quando possibile, le somiglianze fra i due personaggi. come Federico da Montefeltro, Giuliano Della Rovere era molto legato all’attività militare. Oltre a partecipare attivamente alle questioni politiche dello stato pontificio, per difendere il territorio e gli interessi della Santa Sede egli si impegnava anche nell’azione vera e propria, prendendo parte a diverse campagne militari, come per esempio l’assedio di Osimo nel 1486-1487. neanche la tiara papale gli farà abbandonare l’attività di condottiero, come dimostra la campagna del 1506 contro i Bentivoglio di Bologna.11 nonostante il suo impegno militare, restava sempre un religioso alla corte papale, e come tale costruì i suoi palazzi romani. Si creò, dunque, un programma decorativo per SS. Apostoli che riprendeva la sofisticazione del palazzo di Federico, e approfittava di tutti gli spazi disponibili per risaltare questa doppia caratteristica del committente, alternando panoplie e simboli religiosi. Si è considerata anche la destinazione dell’edificio, ossia, un palazzo privato inserito in un ambiente religioso, perché i due aspetti, che possiamo pure definire vita attiva e contemplativa, sono abbastanza equilibrati. Il lato guerriero del cardinale è più sottolineato, invece, negli ambienti di rilevanza militare come Ostia e Grottaferrata, dove l’elemento sacro quasi scompare.
11
RHAA 14
cfr. c. Shaw. Giulio II. torino, 1995, p. 156-7.
Dez Lesenas na Villa Zeri 1
2
3
4
1
Lesena n. 1, Villa Zeri, Mentana.
2
Lesena n. 2, Villa Zeri, Mentana.
3
Lesena n. 3, Villa Zeri, Mentana.
4
Lesena n. 4, Villa Zeri, Mentana.
RHAA 14
117
PatrĂcia Dalcanale Meneses 5
6
7
5
Lesena n. 5, Villa Zeri, Mentana.
6
Lesena n. 6, Villa Zeri, Mentana.
7
Lesena n. 7, Villa Zeri, Mentana.
118
RHAA 14
Dez Lesenas na Villa Zeri 8
8
Lesena n. 8, Villa Zeri, Mentana.
9
Lesena n. 9, Villa Zeri, Mentana.
10
Lesena n. 10, Villa Zeri, Mentana.
11 Esquema da parte superior da biblioteca Zeri, com distribuição das obras. Reconstituição gráfica: Daniele Giardina.
9
10
11
RHAA 14
119
Patr铆cia Dalcanale Meneses 12
12 Detalhe de banco marm贸reo, segunda sala do andar nobre, Convento de SS. Apostoli, Roma. 13
13
120
RHAA 14
Detalhe da lesena n. 1, Villa Zeri, Mentana.
Dez Lesenas na Villa Zeri
14a
14b
14a e 14b Lareira, Salão Turco, Palazzo Colonna, Roma (retirado de Safarik, 1999).
RHAA 14
121
PatrĂcia Dalcanale Meneses
15 Andrea Bregno. Detalhe do antigo altar maior, Santa Maria Del Popolo, Roma.
15
122
RHAA 14
Caracterização de crostas de origem biológica em sítios arqueológicos no Vale do Rio Peruaçu – MG Characterization of crusts of biological origin in archaeological sites in the Peruaçu River Valley - MG
LUÍZA MARIA DE MELO PINHEIRO
Doutoranda em Química, Departamento de Química, Instituto de Ciências Exatas – ICEx, UFMG. E-mail: luizaquim@yahoo.com.br PhD Student in Chemistry, Chemistry Department, Institute of Mathematical Sciences – ICEx, UFMG. E-mail: luizaquim@yahoo.com.br
MARIA IRENE YOSHIDA
Doutora em Química, Professora Associada II, Departamento de Química, Instituto de Ciências Exatas – ICEx, UFMG, Bolsista de Produtividade do CNPq. E-mail: mirene@qui.ufmg.br PhD in Chemistry, Associate Professor II, Chemistry Department, Institute of Mathematical Sciences – ICEx, UFMG. Researcher of CNPq Productivity. E-mail: mirene@ufmg.br
LUIZ ANTÔNIO CRUZ SOUZA
Doutor em Química, Professor Associado II, Laboratório de Ciência da Conservação – LACICOR, Escola de Belas Artes, UFMG, Bolsista de Produtividade do CNPq. E-mail: luiz-souza@ufmg.br PhD in Chemistry, Associate Professor II, Laboratory of Conservation Science – LACICOR, School of Fine Arts, UFMG. Researcher of CNPq Productivity. E-mail: luiz-souza@ufmg.br
Resumo A presença de crostas de diferentes composições é uma ameaça para o patrimônio cultural. No Brasil, a maioria das pinturas pré-históricas se encontra em paredões expostos às intempéries. Para esta pesquisa, foram coletadas amostras no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, em Minas Gerais. A caracterização físico-química foi feita por análise térmica, EDS, DRX e FTIR. As análises indicaram a presença de carbonato de cálcio (CaCO3 ), como um produto de degradação da rocha, e de oxalato de cálcio (CaC2O4·2H2O) e sulfato de cálcio (CaSO4·2H2O) em áreas onde cresce um micro-organismo. Este micro-organismo é provavelmente o líquen Aspicilia calcarea, que já foi encontrado em alguns sítios arqueológicos em outros países. PalavRas-chave
Arqueologia Brasileira, Arte Rupestre, Análise Térmica, Oxalato de Cálcio, Líquen.
abstRact The presence of crusts of different composition and origin is a threat to cultural heritage. In Brazil, most of the prehistoric paintings are found on rock walls exposed to atmospheric weathering. For this research, samples were taken in the Cavernas do Peruaçu National Park, located in Minas Gerais. The physico-chemical characterization was carried out using thermal analysis, EDS, XRD and FTIR. The analyses indicated the presence of calcium carbonate (CaCO3 ), as a degradation product and showed calcium oxalate (CaC2O4·2H2O) and calcium sulfate (CaSO4·2H2O) in areas where a microorganism grows. This microorganism, probably the lichen Aspicilia calcarea, has already been found in archaeological sites around the globe. KeywoRds
Brazilian Archaeology, Rock Paintings, Thermal Analysis, Calcium Oxalate, Lichen.
RHAA 14
123
Luíza Maria de Melo Pinheiro, Maria Irene Yoshida, Luiz Antônio Cruz Souza Introdução
Introduction
A ocupação do território brasileiro desde os tempos pré-históricos é evidenciada pela existência de sítios arqueológicos em todas as regiões. Apenas no Estado de Minas Gerais, os pesquisadores já relataram muitas centenas deles. Branco e Souza1 descreveram as principais causas de degradação num abrigo no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu. O Rio Peruaçu corre em uma região de rocha calcária e acredita-se ter sido no passado um rio subterrâneo, e as várias cavernas hoje existentes em seu curso são o resultado de grandes desabamentos de rochas.2 O Parque Nacional Cavernas do Peruaçu localiza-se no norte de Minas Gerais, a 620 quilômetros de Belo Horizonte. Tem uma área de 56.800 ha e concentra um grande número de sítios espeleológicos e arqueológicos. Nessa região, o clima é quente e seco, com uma estação chuvosa no período de novembro a abril. A passagem de povos pré-históricos é atestada por restos de fogueiras, sepultamentos, peças de cerâmica, pinturas e gravuras, havendo evidência de ocupação humana de 12.000 anos B.P.3 Em relação às pinturas rupestres, foram identificados diferentes estilos pictóricos. A tradição pictórica mais antiga é denominada Nordeste, típica desta região brasileira, que se espalhou para outras áreas.4 A tradição pictórica típica do Vale do Rio Peruaçu denomina-se São Francisco, e encontram-se também exemplos da tradição Nordeste.5
The occupation of the Brazilian territory since prehistoric times is evidenced by the existence of archaeological sites in all the regions. In the State of Minas Gerais alone, researchers have already reported many hundreds of them. Branco and Souza1 have described the main causes of degradation in a shelter in the Cavernas do Peruaçu National Park. The Peruaçu River runs through an area of calcareous rock and it was believed it was once a subterranean river, and the several caves now existing are the result of massive rock falls.2 The Cavernas do Peruaçu National Park is located in the North of Minas Gerais, 620 km from the capital, Belo Horizonte. It has an area of 56,800 ha, and concentrates a large number of speleological and archaeological sites. In this region, the climate typically is hot and dry, with a rainy season in the period from November through April. The passage of prehistoric peoples is attested by fire remains, burial sites, pottery, pictographs and petroglyphs, with evidence of human occupation since 12,000 years B.P.3 Regarding the rock paintings, different pictorial styles were identified. The oldest pictorial tradition found in Brazil is called Nordeste predominantly in the northeastern Brazilian region, which spread for other areas.4 The pictorial tradition typical of the Peruaçu River valley is denominated São Francisco, and a few examples of the Nordeste tradition are also present.5
O foco desta pesquisa é a análise físico-química de uma crosta branca encontrada em diferentes áreas no parque. Foram escolhidos três sítios: Malhador, Janelão e Toca Vermelha. Os primeiros são paredões rochosos com pinturas expostas à luz solar direta e à chuva, e são conhecidos e visitados há muito tempo, antes da criação do parque em 1999. O terceiro sítio é pouco conhecido e propiciou uma oportunidade para comparação. As pinturas estão em melhor estado de conservação e, embora também tenham sido executadas sobre paredões de rocha, estão abrigadas da luz solar direta e da chuva. A escolha dos sítios se 1 BRANCO, H. D. O. C.; SOUZA, L. A. C. “Rock art conservation in the Peruaçu valley, Minas Gerais, Brazil”. In: Preprints of the 13th Triennial Meeting of the ICOM Committee for Conservation. Rio de Janeiro, 2002, p. 556-559. 2 AULER, A.; RUBBIOLI, E.; BRANDI, R. 2001. “As Grandes Cavernas do Brasil”. In: Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas, Belo Horizonte, 2001. 3 PROUS, A.; BAETA, A. M. “Arte rupestre no vale do Rio Peruaçu. Aspectos gerais”, O Carste, v. 13, n. 3, 2001, p. 152-158. 4 MARTIN, G.; ASÓN, I. “Arte rupestre pré-histórico en Brasil: la tradición Nordeste”, Revista de História da Arte e Arqueologia, n. 4, 2000, p. 7-26. 5 RIBEIRO, L.; ISNARDIS, A. “Os conjuntos gráficos do Alto-médio São Francisco (Vale do Peruaçu e Montalvânia) – Caracterização e sequências sucessórias”. In: Arquivos do Museu de História Natural – UFMG, Belo Horizonte, v. XVII/XVIII, 1996/1997, p. 243-285.
124
RHAA 14
The focus of this research is the physicochemical analysis of a white crust found in different areas within the park. Three shelters were chosen: Malhador, Janelão and Toca Vermelha.
BRANCO, H. D. O. C.; SOUZA, L. A. C. “Rock art conservation in the Peruaçu valley, Minas Gerais, Brazil”. In: Preprints of the 13th Triennial Meeting of the ICOM Committee for Conservation. Rio de Janeiro, 2002, p. 556-559. 2 AULER, A.; RUBBIOLI, E.; BRANDI, R. 2001. “As Grandes Cavernas do Brasil”. In: Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas, Belo Horizonte, 2001. 3 PROUS, A.; BAETA, A. M. “Arte rupestre no vale do Rio Peruaçu. Aspectos gerais”, O Carste, v. 13, n. 3, 2001, p. 152-158. 4 MARTIN, G.; ASÓN, I. “Arte rupestre prehistórico en Brasil: la tradición Nordeste”, Revista de História da Arte e Arqueologia, n. 4, 2000, p. 7-26. 5 RIBEIRO, L.; ISNARDIS, A. “Os conjuntos gráficos do Alto-médio São Francisco (Vale do Peruaçu e Moltalvânia) – Caracterização e seqüências sucessórias”. In: Arquivos do Museu de História Natural – UFMG, Belo Horizonte, v. XVII/XVIII, 1996/1997, p. 243-285. 1
Sítios arqueológicos do Peruaçu The first two are rock walls with paintings exposed to direct sunlight and rain, known and visited for many years before the creation of the park in 1999. The third shelter is not widely known and provided an opportunity for comparison. The paintings are in a better state of preservation and, although they were executed on walls, these are sheltered from direct sunlight and rain. The choice of the shelters was based mostly on the presence of the white crust, covering areas with or without paintings. In the Malhador shelter, a large wall is almost totally covered with it, which has brought about the destruction of the rock art. It is possible to see remains of the paint under the crust (Figure 1) (Figure 2). In the Janelão Shelter the crusts are not so large or so thick and there is lesser damage to the paintings related to them. In Toca Vermelha the crust is restricted to a very small area. There are several works that describe the presence of crusts and films caused by microorganisms on monuments and rock paintings in many countries. Special attention has been given to films of oxalate salts, in two symposia held in Milan, Italy, in 1989 and 1996 (International Symposia on Oxalate Films in the Conservation of Works of Art). This is the first study of such a crust on an archaeological site in Brazil. At first sight, the crust seems to originate from the action of a lichen upon the rock, which is dissolved by the acids secreted by the lichen. The reaction produces thus calcium salts, one of which is calcium oxalate, since oxalic acid is a very common lichen acid. Materials and Methods The photographic documentation of the damaged areas, with or without paintings, was carried out prior to sampling. The samples were taken from the Malhador and the Janelão shelters. The existence of the crusts in the Malhador shelter has been known for some years and, due to their size and thickness, it was easier to photograph and sample. The samples were taken mostly with the use of instruments for microscopic surgery, but in the most damaged areas it was possible to take larger ones. Some samples are small fragments scraped off the rock wall and contain layers of the rock substrate, pigments and the crust. A large, thin fragment, about 7 × 4 cm, was taken from an area without paintings. It was covered by the lichen and provided material for the analysis of the degradation products. The description of the samples is shown in Table 1.
baseou, principalmente, na presença da crosta branca, cobrindo áreas com ou sem pinturas. No Abrigo do Malhador, um grande paredão se encontra quase completamente coberto por ela, o que causou a destruição das pinturas. É possível ver restos do pigmento sob a crosta (Figura 1) e (Figura 2). No Abrigo do Janelão as crostas não são tão grandes ou tão espessas, e o dano causado por elas é menor. Na Toca Vermelha a crosta se restringe a uma área muito pequena. Vários trabalhos na literatura descrevem a presença de crostas e filmes causados por micro-organismos em monumentos e pinturas rupestres em vários países. Foi dada especial atenção aos filmes de oxalato de cálcio, em dois simpósios ocorridos em Milão, na Itália, em 1989 e em 1996 (Simpósios Internacionais sobre Filmes de Oxalato na Conservação de Obras de Arte). Este é o primeiro estudo de uma crosta desse tipo em sítio arqueológico no Brasil. À primeira vista, a crosta parece ter origem na ação de um líquen sobre a rocha calcária, que é dissolvida pelos ácidos secretados pelo líquen. A reação produz sais de cálcio, sendo um deles o oxalato de cálcio, uma vez que o ácido oxálico é um ácido liquênico muito comum. Materiais e Métodos Foi feita a documentação fotográfica das áreas degradadas, com ou sem pinturas, antes da coleta de amostras. As amostras foram retiradas dos Abrigos do Malhador e do Janelão. A existência das crostas no Abrigo do Malhador já é conhecida há muitos anos e, devido a seu tamanho e espessura, foi mais fácil fotografá-las e coletar o material. As amostras foram retiradas, em sua maioria, com instrumentos para microcirurgia, mas nas áreas mais danificadas foi possível retirar amostras maiores. Algumas delas são pequenos fragmentos raspados do paredão e contêm camadas do substrato, do pigmento e da crosta. Um fragmento maior da rocha, de cerca de 7 × 4 cm, foi retirado de uma área sem pinturas. Estava coberto pelo micro-organismo e forneceu material para a análise dos produtos de degradação. A descrição das amostras está na Tabela 1. Tabela 1 Descrição das amostras coletadas nos sítios arqueológicos do Vale do Peruaçu. Amostra
Abrigo
Descrição
1912T
Malhador
1915T
Malhador
1919T
Janelão
Material raspado da crosta Fragmento coberto pela crosta (7 × 4 cm) Fragmento da rocha suporte
RHAA 14
125
Luíza Maria de Melo Pinheiro, Maria Irene Yoshida, Luiz Antônio Cruz Souza No laboratório, as amostras foram observadas e fotografadas com um microscópio estereoscópico Olympus, modelo SZ-CTV, equipado com uma câmera digital Roper Scientific Photometrics. Foram realizadas as seguintes análises e usados os instrumentos a seguir descritos. A análise térmica: termogravimetria (TG) e a análise térmica diferencial (DTA) foram realizadas com um aparelho Netzsch STA 409EP, com fluxo de ar de 100 mL min–1 e razão de aquecimento de 10 °C min–1 até 950 °C, num cadinho de alumina; difração de raios X (DRX): difratômetro Rigaku, radiação Cu Kα, operando a 30 mA e 40 kV, a 4° min–1; espectroscopia por energia dispersiva (EDS): aparelho Shimadzu modelo EDX-800, com tubo de ródio, intervalo de detecção: Na-U; espectroscopia no infravermelho com transformada de Fourier (FTIR): espectrômetro Bomem MB-series Michelson (4000-400 cm–1, resolução de 4 cm–1).
Resultados e Discussão O micro-organismo cresce sobre a rocha, originando-se numa pequena área e formando um padrão circular (Figura 3). Após a morte, o micro-organismo se desprende do substrato, deixando sobre a rocha uma massa branca de sais e matéria orgânica. Uma foto tirada do fragmento 1915T (Figura 4) mostra características similares às do líquen Aspicilia calcarea, uma espécie que cresce em rochas em áreas de clima quente e semiárido.6,7 Retirou-se material de um fragmento de rocha (amostra 1919T), e o resultado de EDS (Ca: 96%) indicou a composição da rocha (CaCO3, carbonato de cálcio). A análise por EDS para a crosta branca (amostra 1915T) revela um alto teor de Ca (64%), atribuído à produção de sulfato de cálcio e de oxalato de cálcio pelo micro-organismo. A presença de sulfato de cálcio é também atestada por um alto teor de S (33%). Mantendo-se em mente o intervalo de detecção do aparelho (Na-U), outra explicação para o alto teor de cálcio é o fato de que C e O da calcita não são detectados. Na Tabela 2 estão descritos os minerais identificados por DRX, incluindo os resultados para os resíduos da análise térmica. Os resultados de DRX mostram
Table 1 Description of the samples taken from the archaeological shelters of Peruaçu Valley.
126
RHAA 14
Shelter
Description
1912T
Malhador
Rock substrate with white crust
1915T
Malhador
Thin fragment (7 cm large, 4 cm wide) with white crust
1919T
Janelão
Fragment of rock substrate
In the laboratory, the samples were observed and photographed using a model SZ-CTV Olympus stereomicroscope equipped with a Roper Scientific Photometrics digital camera. The following analytical methods and instruments were used: thermal analysis: thermogravimetry (TG) and differential thermal analysis (DTA) were carried out on a Netzsch STA 409EP instrument, with air flow rate of 100 mL min-1 and heating rate of 10 °C min-1 up to 950 °C, in an alumina crucible; X-ray diffraction (XRD): Rigaku instrument, Cu Kα radiation, operating at 30 mA and 40 kV, at 4° min-1; energy dispersive spectroscopy (EDS): EDX-800 model Shimadzu instrument, with a rhodium tube, detection interval: Na-U; Fourier-transform infrared spectroscopy (FTIR): spectra recorded by a Bomem MB-series Michelson spectrophotometer in the transmission mode (4000-400 cm-1, 4 cm-1 resolution). Results and Discussion The lichen grows on the rock originating from a small spot and forming a circular pattern (Figure 3). After death, it falls off the substrate, leaving upon it a white mass of salts and organic material. A picture taken from fragment 1915T (Figure 4) shows features similar to those of the lichen Aspicilia calcarea, a species that grows on rocks in dry and hot semiarid climates.6,7 Material was taken from a rock fragment (sample 1919T) and the EDS result (Ca: 96 %)
RUSS, J.; KALUARACHCHI, W. D.; DRUMMOND, L.; EDWARDS, H. G. M. “The nature of a whewellite-rich rock crust associated with pictographs in southwestern Texas”, Studies in Conservation, v. 44, 1999, p. 91-103. 7 RUSS, J.; PALMA, R. L.; LOYD, D. H.; BOUTTON, T. W.; COY, M. A. “Origin of the whewellite-rich rock crust in the lower Pecos region of Southwest Texas and its significance to paleoclimate reconstructions”, Quaternary Research, v. 46, n. 1, 1996, p. 27-36. 6
6 RUSS, J.; KALUARACHCHI, W. D.; DRUMMOND, L.; EDWARDS, H. G. M. “The nature of a whewellite-rich rock crust associated with pictographs in southwestern Texas”, Studies in Conservation, v. 44, 1999, p. 91-103. 7 RUSS, J.; PALMA, R. L.; LOYD, D. H.; BOUTTON, T. W.; COY, M. A. “Origin of the whewellite-rich rock crust in the lower Pecos region of Southwest Texas and its significance to paleoclimate reconstructions”, Quaternary Research, v. 46, n. 1, 1996, p. 27-36.
Sample
Sítios arqueológicos do Peruaçu indicates the rock composition (CaCO3, calcium carbonate). The EDS analysis for the white crust (sample 1915T) shows high Ca and S contents (Ca: 64 %; S: 33 %), which are attributed to the production of calcium sulfate and calcium oxalate by the microorganism. It must be kept in mind the detection interval of the equipment (Na-U), thus C and O of calcite are excluded, which accounts for the very high calcium content. Table 2 shows the mineral phases identified by X-ray powder diffraction (XRD), including the results for the sample residues after the thermal analyses. The XRD results show the minerals formed by the weathering of the rock or the action of the microorganism. Thus, aragonite (CaCO3) is a product of rock weathering and gypsum (CaSO4.2H2O) and weddellite (CaC2O4.2H2O) are the products formed by the microbiological action. Table 2 X-ray powder diffraction results for the samples taken from the archaeological shelters. Sample
Identified minerals
Identified minerals (residues from TG/ DTA analyses)
1912T
gypsum, weddellite
calcite, aragonite, portlandite
1915T
gypsum, weddellite
portlandite, anhydrite
1919T
calcite
Portlandite
os minerais formados pela intemperização da rocha ou pela ação do micro-organismo. Assim, a aragonita (CaCO3) é um produto de intemperização e a gipsita (CaSO4·2H2O) e a wedelita (CaC2O4·2H2O) são os produtos formados pela ação microbiológica. Tabela 2 Resultados de difração de raios X das amostras coletadas nos sítios arqueológicos.
Weddellite
1912T
1915T
TG (% mass)
TG (% mass)
Tpeak DTA/°C
TG (% mass)
Tpeak DTA/°C
22.0
17.5
140.9 endo 178.1 endo
18.4
143.8 endo 196.6 endo
17.1
23.3
466.1 exo
22.8
468.5 exo
26.8
16.4
719.8 endo
23.2
739.7 endo
It is possible to identify three mass loss steps in the curves, which agree with the thermal
Minerais identificados
1912T
Gipsita, wedelita
1915T 1919T
Gipsita, wedelita Calcita
Minerais identificados nos resíduos Calcita, aragonita, portlandita Portlandita, anidrita Portlandita
Embora algumas amostras contenham pigmentos, o limite de detecção não foi suficiente para sua identificação. Os resultados da análise térmica confirmam a presença desses minerais, conforme se vê a seguir (Tabela 3), para as amostras 1912T e 1915T, comparados com os valores teóricos para a decomposição térmica da wedelita. Tabela 3 Resultados de termogravimetria (TG) e análise térmica diferencial (DTA) para as amostras 1912T e 1915T – Comparação com a wedelita.
Although some of the samples contain pigments, the detection limit was not sufficient for the identification of these phases. The thermal analyses results confirm the presence of these minerals. Table 3 shows the results for samples 1912T and 1915T, compared to the theoretical values for the thermal decomposition of weddellite. Table 3 Thermogravimetry (TG) and differential thermal analysis (DTA) results for samples 1912T and 1915T – Comparison with weddellite.
Amostra
Wedelita
1912T
TG (% perda de massa)
TG (% perda de massa)
22.0
17.5
17.1 26.8
23.3 16.4
Tpico DTA/°C 140.9 endo 178.1 endo 466.1 exo 719.8 endo
1915T TG (% perda de massa) 18.4 22.8 23.2
Tpico DTA/°C 143.8 endo 196.6 endo 468.5 exo 739.7 endo
É possível identificar três etapas de perda de massa nas curvas, o que está de acordo com a decomposição térmica de CaC2O4·2H2O.8,9 A diferença nos valores percentuais, quando KUTAISH, N.; AGGARWAL, P.; DOLLIMORE, D. “Thermal analysis of calcium oxalate samples obtained by various preparative routes”, Thermochimica Acta, v. 297, 1997, p. 131-137. 9 FROST, R. L.; WEIER, M. L. “Thermal treatment of whewellite – a thermal analysis and Raman spectroscopic study”, Thermochimica Acta, v. 409, 2004, p.79-85. 8
RHAA 14
127
Luíza Maria de Melo Pinheiro, Maria Irene Yoshida, Luiz Antônio Cruz Souza se compara com o produto puro, deve-se ao fato de que há outras substâncias nas amostras, incluindo material orgânico do micro-organismo, o que resultou numa porcentagem mais alta de perda na segunda etapa. O material orgânico é completamente decomposto na faixa de 450-500 °C. O pico exotérmico pronunciado na curva DTA (464-468 °C) é devido à liberação de CO(g) pelo CaC2O4 anidro e a reação do gás com a atmosfera do forno, gerando CO2(g). As diferenças nas outras etapas devem-se à presença da gipsita (CaSO4·2H2O), que perde água junto com o oxalato na mesma etapa, causando um teor menor de perda de massa na terceira etapa. Na Tabela 4 tem-se a comparação entre as curvas TG/ DTA para as amostras e a gipsita (produto comercial). A desidratação ocorre em duas etapas (valores encontrados na literatura: 162 e 174 °C),10 e outro fenômeno é a cristalização de CaSO4 anidro (378 °C).10 Os resultados de DRX para os resíduos da análise térmica, vistos na Tabela 2, confirmam os minerais identificados. Para as amostras contendo gipsita e wedelita, verificou-se que os resíduos continham portlandita (Ca(OH)2) e anidrita (CaSO4), e até mesmo calcita e aragonita em pequenas quantidades.
decomposition of CaC2O4.2H2O8,9. The differences in the percentage values, when one compares with the pure product, are due to the fact that the samples contain other substances, including the organic material from the microorganism, which accounts for a higher percentage of mass loss in the second step. This organic material is completely decomposed around 450-500 °C. The pronounced exothermic peak in the DTA curve (at 464-468 °C) is due to the liberation of CO(g) by anhydrous CaC2O4 and the reaction of the gas with the oven atmosphere, producing CO2(g). The differences in the other steps is accounted for by the presence of gypsum (CaSO4.2H2O), which loses water at the same step with the oxalate, causing a lower overall mass loss percentage in the third step. A comparison between the TG/DTA curves for the samples and gypsum (commercial product) is shown in Table 4. The dehydration occurs in two steps (values found in the literature: 162 e 174 °C)10 and the other feature is the crystallization of anhydrous CaSO4 (378 °C).10 Table 4 Thermogravimetry (TG) and differential thermal analysis (DTA) results for samples 1912T and 1915T – Comparison with gypsum.
Tabela 4 Resultados de termogravimetria (TG) e análise térmica diferencial (DTA) para as amostras 1912T e 1915T – Comparação com a gipsita. Gipsita
TG (% perda de massa)
22.1 –
Tpico DTA/°C
151.7 endo 162.2 endo 375.0 exo
1912T
TG (% perda de massa)
17.5 –
Tpico DTA/°C
140.9 endo 178.1 endo 354.7 exo
1915T
TG (% perda de massa)
18.4 –
Tpico DTA/°C
143.8 endo 196.6 endo 365.0 exo
O resíduo da decomposição do oxalato de cálcio é CaO, que absorve água rapidamente e transforma-se em Ca(OH)2. Se a amostra não for analisada imediatamente, absorverá também CO2, daí a presença de carbonato de cálcio. A evidência dos espectros de FTIR confirma a presença desses minerais nas amostras. A banda a 3550-3200 cm–1 (Figura 5) corresponde a estiramentos (simétrico e assimétrico) das moléculas de água da gipsita e da wedelita. A banda 10 HATAKEYAMA, T.; LIU, Z. Handbook of thermal analysis. Chichester: John Wiley & Sons, 1998.
128
RHAA 14
Gypsum
1912T
1915T
TG Tpeak (% mass DTA/°C loss)
TG Tpeak (% mass DTA/°C loss)
TG Tpeak (% mass DTA/°C loss)
22.1
151.7 endo 162.2 endo
17.5
140.9 endo 178.1 endo
18.4
143.8 endo 196.6 endo
–
375.0 exo
–
354.7 exo
–
360,0 exo
The XRD results for the thermal analysis residues showed in Table 2 confirm the minerals identified so far. For the samples containing gypsum and weddellite, the residues were found to contain portlandite (Ca(OH)2) and anhydrite (CaSO4), and even calcite and aragonite in small amounts. The residue for the thermal decomposition of calcium oxalate is CaO, which rapidly absorbs water and becomes Ca(OH)2. If the sample is not very soon analyzed, it
KUTAISH, N.; AGGARWAL, P.; DOLLIMORE, D. “Thermal analysis of calcium oxalate samples obtained by various preparative routes”, Thermochimica Acta, v. 297, 1997, p. 131-137. 9 FROST, R. L.; WEIER, M. L. “Thermal treatment of whewellite – a thermal analysis and Raman spectroscopic study”, Thermochimica Acta, v. 409, 2004, p. 79-85. 10 HATAKEYAMA, T.; LIU, Z. Handbook of thermal analysis. Chichester: John Wiley & Sons, 1998.
8
Sítios arqueológicos do Peruaçu absorbs also CO2, hence the presence of calcium carbonate. The evidence provided by the FTIR spectra also confirms the presence of these minerals in the samples. The band at 3550-3200 cm-1 (Figure 5) corresponds to stretching (symmetric and asymmetric) of the water molecules in gypsum and weddellite. The band at 16681612 cm-1 is attributed to the presence of CaSO4.2H2O (HOH bending) and CaC2O4.2H2O (CO asymmetric stretching).11 Other bands from the oxalate are at 1316 cm-1 (CO symmetric stretching) and at 781 cm-1 (OCO bending).12 The bands at 1118, 671 and 603 cm-1 are also attributed to CaSO4.2H2O12. Sample 1919T, a fragment of the substrate, is mainly composed by calcite (Figure 6), with typical bands at 1796, 1432, 877 and 712 cm-1 11. Also present is a very small amount of gypsum, confirmed by the small bands at 1146, 670 and 604 cm-1. Conclusions The analyses showed that the main components of the white crust are calcium oxalate dihydrate (CaC2O4.2H2O, weddellite) and calcium sulfate dihydrate (CaSO4.2H2O, gypsum). The microorganism takes micronutrients from the calcareous rock and eliminates the excess calcium in the form of these minerals. Oxalic acid is known to be eliminated by different specimens of microorganisms, which accounts for the formation of weddellite. The observation of the physical features of the microorganism and the existence of a typically hot and dry climate in the region have led to its identification as Aspicilia calcarea, already found in other countries under the same environmental conditions. The differences in damage to the paintings is associated to the exposure to sunlight: in the Malhador shelter the exposure is greater and also the damages. In Toca Vermelha, the recent presence of the lichen may be attributed to increasing dryness of the climate. Many species of algae, fungi, lichens and bacteria are known to colonize all kinds of rocks, which is the natural path to soil formation,
NAKAMOTO, K. Infrared and Raman Spectra of Inorganic and Coordination Compounds. 5th ed. New York: John Wiley & Sons, 1997. 12 DEI, L.; MAURO, M.; BITOSSI, G. “Characterization of salt efflorescences in cultural heritage conservation by thermal analysis”, Thermochimica Acta, v. 317, 1998, p. 133-140.
a 1668-1612 cm–1 é atribuída à presença de CaSO4·2H2O (deformação HOH) e de CaC2O4·2H2O (estiramento assimétrico CO).11 Outras bandas do oxalato estão a 1316 cm–1 (estiramento simétrico CO) e a 781 cm–1 (deformação OCO)12. As bandas a 1118, 671 e 603 cm–1 são também atribuídas a CaSO4·2H2O.12 A amostra 1919T, um fragmento do substrato, é composta principalmente por calcita (Figura 6), com as bandas típicas a 1796, 1432, 877 e 712 cm–1. Há também uma pequena quantidade de gipsita, o que se confirma pelas pequenas bandas a 1146, 670 e 604 cm–1.
Conclusões As análises mostraram que os componentes principais da crosta branca são o oxalato de cálcio diidratado (CaC2O4·2H2O, wedelita) e o sulfato de cálcio diidratado (CaSO4·2H2O, gipsita). O micro-organismo retira micronutrientes da rocha calcária e elimina o excesso de cálcio sob a forma desses minerais. O ácido oxálico é eliminado por várias espécies de micro-organismos, o que explica a formação da wedelita. A observação das características físicas do micro-organismo e o clima tipicamente quente e seco da região levam à suspeita de que pode tratar-se do líquen Aspicilia calcarea, encontrado em outros países com as mesmas condições climáticas. As diferenças nos danos às pinturas estão associadas à exposição à luz solar: no Abrigo do Malhador a exposição é maior e também os danos. Na Toca Vermelha, a presença recente do líquen pode ser atribuída à diminuição da umidade. Muitas espécies de algas, fungos, liquens e bactérias colonizam todo tipo de rochas, o que leva à formação dos solos, mas não é um processo desejável nos sítios arqueológicos. Por causa de sua grande variedade, esses micro-organismos possuem diferentes estratégias de sobrevivência e são encontrados em todos os tipos de ambiente. Embora a existência das crostas produzidas pelo líquen seja conhecida há muitos anos, apenas recentemente deu-se a devida atenção ao problema. A informação a respeito das crostas servirá para auxiliar os trabalhos de conservação em outros sítios arqueológicos no Brasil.
11
NAKAMOTO, K. Infrared and Raman Spectra of Inorganic and Coordination Compounds. 5th ed., New York: John Wiley & Sons, 1997. 12 DEI, L.; MAURO, M.; BITOSSI, G. “Characterization of salt efflorescences in cultural heritage conservation by thermal analysis”, Thermochimica Acta, v. 317, 1998, p. 133-140. 11
RHAA 14
129
Luíza Maria de Melo Pinheiro, Maria Irene Yoshida, Luiz Antônio Cruz Souza Agradecimentos Os autores agradecem o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a FINEP (Projeto RestauraBR Finep 1330/04) o financiamento; e o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), órgão ambiental responsável pela manutenção dos parques nacionais.
but it is not a desirable process in archaeological sites. Because of their variety and different survival strategies, these microorganisms are found in sites all around the globe. Although the presence of the white crusts produced by the lichen has been detected for many years ago, only recently has the issue been granted the necessary attention. The information concerning these crusts will help in works of conservation in other archaeological sites in Brazil. Acknowledgements The authors acknowledge the Brazilian agency CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) and FINEP (Project RestauraBR Finep 1330/04) for financial support, and the national environmental authority IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), responsible for national parks maintenance.
130
RHAA 14
Sítios arqueológicos do Peruaçu 1
2
1 Crosta branca num paredão rochoso no Abrigo do Malhador. 2 Detalhe da crosta: o pigmento vermelho é visível. 3
Forma de crescimento do micro-organismo.
3
RHAA 14
131
Luíza Maria de Melo Pinheiro, Maria Irene Yoshida, Luiz Antônio Cruz Souza 4
5
4 Amostra 1915T: detalhe da crosta branca associada à ação do micro-organismo sobre a rocha. 5 Espectro FTIR para a amostra 1915T. Bandas características da gipsita (g) e wedelita (o). 6 Espectro FTIR para a amostra 1919T. Bandas características da calcita (c) e gipsita (g).
6
132
RHAA 14
La primera crónica religiosa del Caribe: la “Relación acerca de las antigüedades de los Indios” (c.1496), del jerónimo Ramón Pané The first Caribbean religious chronicle: the “Account of the Antiquities of the Indians” (c.1496), by the hieronymite Ramón Pané
LouRdES doMíNguEz Investigadora titular y asesora del Gabinete de Arqueología de la Oficina del Historiador de la Ciudad de La Habana, Profesora titular adjunta de la Facultad de Filosofía e Historia, del Instituto Superior de Arte y del Colegio Universitario San Gerónimo de la Habana. E-mail: chinopelon36@gmail.com Research supervisor and Advisor to the Archaeology Cabinet of the Historians office in Havana, Professor at the Philosophy and History Faculty, at the Superior Institute of Art and at the St Jerome College at Havana. E-mail: chinopelon36@gmail.com
LuIz ESTEvAM dE oLIvEIRA FERNANdES Profesor adjunto de la Universidad Federal de Ouro Preto, Investigador titular del Núcleo de Estudios en Historia de la Historiografía y Modernidad (UFOP), Investigador colaborador del IFCH-Unicamp. E-mail: leof79@gmail.com Professor at Federal university of ouro Preto, Research supervisor of the Study group in History of Historiography and Modernity (uFoP), Research Fellow at IFCH-unicamp. E-mail: leof79@gmail.com
resumen
El documento que presentamos es uno de los primeros relatos hechos por europeos sobre los indígenas en el Nuevo Mundo, pocos años después de la llegada de Cristóbal Colón. Su autor, Ramón Pané, era fraile de la orden de los Jerónimos, ha permanecido algunos años entre los indios Taino e ha producido el primer relato hecho por un religioso sobre eses pueblos. Además de presentar algunas noticias sobre la obra y su autor, ofrecemos al lector una clave de lectura para el documento. PAlAbrAs clAves
Crónica, América, Alteridad, Ramón Pané.
AbstrAct The document here presented is one of the first accounts made by Europeans about the Indians in the New World, just a few years after the arrival of Christopher Columbus. The author, Ramón Pané, was a hieronymite friar and stayed for a couple of years among the Taino Indians, producing the first account made by a religious writer about these people. Besides presenting some notices about the author and his work, we offer a key to the reading of the document. Keywords
Chronicle, America, Alterity, Ramón Pané.
RHAA 14
133
Lourdes domínguez, Luiz Estevam de oliveira Fernandes En 1492 llega a las tierras que después se conocerían con el nombre de América, el marino genovés Cristóbal Colón; este primer viaje marcó el destino de dos pueblos, una buena parte del mundo conocido en Europa hasta ese momento y a otro, el no conocido aún y del cual no se tenía noticia aparentemente. Si en el primer viaje que efectuó Colón había escasamente tres embarcaciones y un pequeño número de marineros, en el segundo, hubo un 90% más de barcos y qué decir de la cantidad de hombres que llegaron. EI Almirante, como ya era llamado, tenía ideas muy concretas para el emplazamiento en estas tierras de una asentamiento español y para lograr ese objetivo necesitaba conocer muy bien el grupo humano que vivía en ellas; por este motivo realiza una serie de actividades para lograr conocerlos, entre las cuales fue la más importante, la observación de su modo de vida, por diferentes vías. EI llamado descubridor ya se había percatado de algunas de sus regularidades, pero necesitaba saber cómo pensaban esos hombres y cuáles eran sus intereses, por tal razón en la segunda viaje, le encomienda a un joven clérigo, de su confianza, que parta desde la Isabela a otro cacicazgo cercano y permanezca seguidamente durante un largo tiempo en esa aldea para que le confeccione una relación de cómo vivían, cuáles eran sus formas de vida y sobre todo de sus pensamientos y su religión. de esta manera el religioso de la orden de los Jerónimos llamado Fray Ramón Pané parte hacia el pueblo de un cacique llamado guarionex siguiendo la orden de Colón, teniendo algunas alteraciones en el derrotero cambiando después al cacicazgo de Mabiatué en donde se mantuvo hasta 1496.
In 1492, the genoese sailor Christopher Columbus arrived in the lands that would be known as America; this first voyage marked the fate of two populations: a great deal of European known world until that moment and another, one still unknown of which, apparently, no one had ever heard of before. If in Columbus first voyage there were scarcely three vessels and a small number of sailors, the second one had about 90% more ships and an enhanced number of man that came along. The Admiral, as he was already called, had solid concrete ideas for the establishment of a Spanish settlement and, to make sure his project would turn out right, he needed to well acknowledge the human groups that lived in the area; that is why he realized a series of activities that were intended to make contact and get to know them, among all the most significant one was to observe, in a variety of manners, their way of living. The so-called discoverer had already taken notice of some of their peculiarities, but he still needed to understand how those men thought and what their interests were. Therefore, he commissioned a young cleric of his trust to depart from Isabela, go to a near cacicazgo, stay there for a long time, and write an account about how they lived, which were there habits, and moreover, their thought and beliefs. Thus, following Columbus orders, the hieronymite friar Ramón Pané went to the Indian settlement of the cacique named guarionex. Having to change his itinerary, he latter stayed in the Mabiatué cacicazgo, where he lived until 1496.
durante todas estas mudanzas Pané intercambió con los moradores de aquellas zonas de la Isla y sobre todo convivió con ellos, de ambos grupos tomó sus ideas y conformó su relación en aquel mismo año o dos años después.
In the meantime, Pané interacted with the people who inhabited in those areas of the island, living among them, collecting their ideas. He may have written his account in the same year he left this experience or even two years after.
EI documento llamado “Relación acerca de las antigüedades de los Indios” presenta una claridad de expresión en lo que concierne a la vida cotidiana de estos grupos humanos, lo que ha permitido, a partir de él un estudio etnohistórico y una ayuda inmensa a la arqueología. Por ser una información de primera mano insustituible, y de gran valor, es que este documento representa, como diría el Profesor José Juan Arrom, en la primer pagina de la introducción que hice sobre Pané, que “marca un hito en la historia cultural de América”, además de “constituir la piedra angular de los estudios etnológicos en este hemisferio”.
The document called “An account of the Antiquities of the Indians” reveals a crystal clear expression in what concerns the ordinary life of those human groups, allowing us to realize some ethno-historic studies and offering a great deal of help to Archaeology. Being of such significance, this account, as Professor José Juan Arrom said in the first page of his introduction to Pané’s work, “establishes a division mark in American Cultural History” and “constitutes the angle stone of the ethnologic studies in this hemisphere”.
134
RHAA 14
The original text is lost. Little is known about the friar’s life, though it is likely that he was
La primera crónica religiosa del Caribe Catalan because Las Casas, in Apologética, chapter CXX, asseverates that Pané was “a Catalan who had taken the hermit orders […], he was a simple man, of good intuition who knew something of the Indians idiom”. The dominican also stated, in chapter CLXvII, that Friar Ramon “came [to Española] five years before me”. other chroniclers used Pané’s opuscule: Pedro Mártir de Anglería in his Década I, book IX, chapters Iv to vII, and Las Casas, Apologética, chapters CXX, CLXvI and CLXvII, for instance. In more recent times, there were some Spanish editions of the “Account”, from which of them we reproduce the one we think to be the best. Thirty-five years after the edition made by Professor Arrom, with a new and refined translation of the document in Italian, under the auspices of the Mexican Editorial Siglo XXI, and after more than 50 years since it has been made, we found this opportunity to reproduce the text in these pages. We think this will considerably help the American historiography, and also give a new life to the text, as well as enormously contribute to the Taino Archaeology. We have only reproduced the document, not Arrom footnotes because we understand that is the result of such a profound research that it constitutes another book. Therefore, we have attained to the “Account” itself. The English translation is kindly offered by Professor Peter Bakewell, to whom we would like to thank. About the document’s significance and matter contained it is little to be said, only that this is the first chronicle written in Spanish America regarding the men found in these first encounters that are known as discovery. We offer, nonetheless, a reading key to Pané’s original as an interpretative suggestion. His text follows a traditional line of the medieval religious chronicle in which the exact measure of time has no great important. So, Pané’s account draws a biblical argumentation line, beginning with the world’s creation, passing through the men and women creation (according to Indians’ reports), to the native relation with the supernatural and with death. The issue of the creation of the world is written after the Fall of men narrated right at the beginning of the text. But he justifies: “I fear that I am telling last things first and first last; but I put it down just as I had it from the natives of the country”.
El original de su texto está perdido. Tampoco se conoce mucho de la vida del fraile, pero es muy probable que Pané fuese catalán, pues Las Casas, en la Apologética, cap. CXX, dice de Fr. Ramón que era “un catalán que había tomado hábito de ermitaño [...], hombre simple y de buena intuición que sabía algo de la lengua de los indios”. El mismo dominico, en el cap. CLXvII, dice de Fray Ramón que él “vino a ella [a Española] cinco años antes que yo”. otros cronistas se aprovecharan de este opúsculo de Pané: Pedro Mártir de Anglería en su Década I, lib. IX, caps. Iv a vII, y Las Casas en su Apologética, Caps. CXX, CLXvI y CLXvII, por ejemplo. En los tiempos más contemporáneos, hube algunas ediciones en castellano de esta “Relación”, de las cuales reproduciremos la que consideramos la mejor. A 35 años de la edición realizada por el Profesor Arrom, con una nueva traducción acotada y refinada del documento en italiano y auspiciada por la Editorial Siglo XXI de México, y a más de 50 años de hecha, encontramos la razón para reproducirla en estas páginas. Lo consideramos una ayuda a la historiografía americana, y una revitalización de esta literatura, así como una imprescindible colaboración a la Arqueología de los Tainos. Solo hemos reproducido el documento traducido sin las acotaciones de Arrom porque entendemos que este aspecto es de su autoría y es el resultado de una investigación tan profunda que en si es otro libro, por eso solo nos remitimos a la obra principal. La traducción al inglés fue muy gentilmente cedida por el Profesor Peter Bakewell, a quien somos muy agradecidos. Que trata el documento y cuál es su importancia, es breve lo que podríamos decir, solo en decir que es la primera crónica escrita en América Hispana sobre los hombres encontrados en este primer encuentro que se llama descubrimiento, le da un valor inestimable. ofrecemos, todavía, una clave de lectura del original de Pané como sugerencia interpretativa. Su texto sigue una línea de tradición de la crónica medieval religiosa, en la cual el tiempo, medido en términos exactos, no es importante. Luego, la narración de Pané sigue una línea argumentativa bíblica, comenzando con la creación del mundo, después la creación de los hombres y mujeres (de acuerdo con su visión acerca de los relatos indígenas) hasta la relación de los nativos con el sobrenatural y con la muerte. El problema de la creación del mundo lo pone en el texto después de la del hombre, que abre la narración. Pero lo justifica: “creo que pongo primero lo que debiera ser último y lo último primero” o RHAA 14
135
Lourdes domínguez, Luiz Estevam de oliveira Fernandes “volvamos ahora a lo que debíamos haber puesto primero, esto es, a la opinión que tienen sobre el origen y principio del mar”. La gran novedad de la relación de Pané es la presencia de la alteridad americana. No se sabía al cierto si se trataba de un Nuevo Mundo (como después le llamaran los europeos a América) o de un antiguo, aunque igualmente desconocido. de esta forma, nos queda la pregunta: ¿Cómo Pané retrató la nueva realidad cerca de él teniendo como base las ideas que traía de la vieja Europa? Es lícito suponer que el religioso preguntaba lo que bien entendía a los indios e interpretaba las contestaciones conforme su formación religiosa e intelectual. El Jerónimo dice: “todo lo que escribo así lo narran ellos, como lo escribo, y así lo pongo como lo he entendido de los del resto del país”. Por eso, Pané expone cuestiones cruciales para el pensamiento católico del fin del siglo 15: la creación, la universalidad del mensaje de dios, la naturaleza aristotélica de los hombres, entre otros. La forma con que hace creíble su texto es consonante a los demás cronistas de su generación. Lo que el autor fue testigo es digno de fe. En segundo lugar, lo que el autor ha oído de fuente considerada confiable. Es posible leer, cuando narra las creencias indígenas: “Porque yo lo he visto en parte con mis ojos, bien que de las otras cosas conté solamente lo que había oído a muchos, en especial a los principales, con quienes he tratado más que con otros”. Todo lo que saca de novedoso lo compara a su mundo de referencias: una guayaba tiene sabor de membrillo para el religioso así como el “cazabe es el pan que se come en el país”. La religión indígena, por no encontrar mucho de similar al cristianismo, lo tacha de “hechicería”, cosa del diablo o demonio. Lo más de los asuntos espirituales, lo expone, como afirmamos, en una lógica bíblica, capaz de encontrar mártires entre los indígenas conversos muertos por otros aun infieles o milagros, como en el episodio del aparecimiento de la cruz. Además, Pané inaugura lugares comunes en la tradición de la crónica del Nuevo Mundo, cómo la presencia de augurios indígenas previendo la Conquista, la persistencia de las costumbres indias después de la catequesis, la posible y deseable separación de los neófitos nativos de los demás colonos (para evitar que se confundiesen acerca del verdadero cristianismo) y el debate sobre el uso de la violencia en el esfuerzo catequético. Conforme lo hemos expuesto, se ha cuidado de reproducir la traducción del Prof. Arrom en toda su plenitud y se ha mantenido la sintaxis y la ortografía por la planteada en 136
RHAA 14
The greatest novelty about Pané’s account is the presence of the American alterity. No one was really sure if that was a New World (as the Europeans latter called America) or an old one, though entirely unknown. Thus, there is left a question: how did Pané pictured the new reality around him having only the tools he brought from the old Europe with him? It is allowed to wonder if the religious asked whatever he wanted to the Indians and translated the answers organizing them in his intellectual and religious framework, though the anchorite said: “I put it down just as I had it from the natives of the country”. That is why Pané exposes crucial subjects to the catholic thinking of the 15th century: the creation, the universality of god’s message, the Aristotelian nature of men etc. The way in which he justifies and turns it into a credible text is consonant to others chroniclers of his generation. What the author testified is worthy of faith. In second place, what the author heard is a trustable source. This is possible to be apprehended when he writes about the Indians’ beliefs: “These deceptions I have seen with my own eyes, whereas the other things I told about I heard of only from others, especially from their principal men--because these men believe these fables more firmly than the others”. Everything new he compares with his world of reverences: one guava tastes like quince to the religious, as the “cassava, which is the bread of that country”. The Indian religion, as it did not well matched with Christianity, is called “sorceries”, devil’s or demon’s thing. other spiritual matters are exposed, as we have said before, in a biblical logic, one that is able to find martyrs among the converted Indians who were killed by others still infidel, or miracles, as in the episode of the appearance of the Cross. Pané also inaugurates commonplaces in the tradition of the New World’s chronicle, such as the presence of Indians’ presages foretelling the Conquest, the persistence of Indian’s habits after they were already been christened, a possible and desirable separation between the neophytes and the other colonists (in order to avoid a confusion about the real Christianity) and the debate about the use of violence in the catechesis effort. As we have assured, we have taken care of reproducing the Professor Arrom translation in its fullness, keeping the original 1974 edition’s
La primera crónica religiosa del Caribe syntaxes and orthography, always with his approval. The same is made with Professor’s Bakewell English translation.
la edición de 1974, siempre con su consentimiento. Lo mismo se pasa con la traducción para el inglés hecha por el Profesor Bakewell.
***
THE RELACIóN oF FRAy RAMóN PANE I, Fray Ramón, a poor anchorite of the order of St. Jerome, write by order of the illustrious Lord Admiral, viceroy, and governor of the islands and mainland of the Indies what I have been able to learn concerning the beliefs and idolatry of the Indians, and the manner in which they worship their gods. of these matters I shall give an account in the present treatise. Each one adores the idols or cemies that he has in his house in some special way and with some special rites. They believe that there is an immortal being in the sky whom none can see and who has a mother but no beginning. They call him yocahu vagua Maorocoti, and his mother Atabex, yermaoguacar, Apito, and zuimaco, which are five different names. I write only of the Indians of the island of Española, for I know nothing about the other islands and have never seen them. These Indians also know whence they came and where the sun and moon had their beginning, and how the sea was made, and of the place to which the dead go. They believe that the dead people appear on the roads to one who walks alone, but when many go together, the dead do not appear. All this they were taught by their forebears, for they cannot read or count above ten.
I. Of the Place from Which the Indians Came, and How They Came In Española there is a province called Caonao, in which is found a mountain called Canta, having two caves named Cacibayagua and Amayauba. From Cacibayagua came the majority of the people who settled the island. When they lived in that cave, they posted a guard at night, and they intrusted that charge to a man named Marocael; they say that one day the sun carried him off because he was late in coming to the door. Seeing that the sun had carried away this man for neglecting his duties, they closed the door to him, and so he was changed into a stone near that door. They say
*** RELACIóN dE FRAy RAMóN PANé ACERCA dE LAS ANTIgüEdAdES dE LoS INdIoS, LAS CuALES, CoN dILIgENCIA, CoMo HoMBRE QuE SABE LA LENguA dE ELLoS, LAS HA RECogIdo PoR MANdATo dEL ALMIRANTE yo, fray Ramón, pobre ermitaño de la orden de San Jerónimo, por mandato del ilustre señor Almirante y virrey y gobernador de las Islas y de la Tierra Firme de las Indias, escribo lo que he podido aprender y saber de las creencias e idolatrías de los indios, y de como veneran a sus dioses. de lo cual ahora trataré en la presente relación. Cada uno, al adorar los ídolos que tienen en casa, llamados por ellos cemíes, observa un particular modo y superstición. Creen que está en el cielo y es inmortal, y que nadie puede verlo, y que tiene madre, mas no tiene principio, y a este llaman yúcahu Bagua Maórocoti, y a su madre llaman Atabey, yermao, guacar, Apito y zuimaco, que son cinco nombres. Estos de los que escribo son de la isla Española, porque de las otras islas no se cosa alguna por no haberlas visto jamás. Saben asimismo de que parte vinieron, y de donde tuvieron origen el sol y la luna, y como se hizo el mar y donde van los muertos.y creen que los muertos se les aparecen por los caminos cuando alguno va solo, porque, cuando van muchos juntos, no se les aparecen. Todo esto les han hecho creer sus antepasados, porque ellos no saben leer, ni contar sino hasta diez.
Capitulo I: De que Parte Han Venido los Indios y en Modo La Española tiene una provincia llamada Caonao, en la que está una montaña, que se llama Cauta, que tiene dos cuevas nombradas Cacibajagua una y Amayaúna la otra. de Cacibajagua salió la mayor parte de la gente que pobló la isla. Esta gente, estando en aquellas cuevas, hacia guardia de noche, y se había encomendado este cuidado a uno que se llamaba Mácocael, el cual, porque un día tardó en volver a la puerta, dicen que se lo llevó el Sol. visto, pues, que el Sol se había RHAA 14
137
Lourdes domínguez, Luiz Estevam de oliveira Fernandes llevado a éste por su mala guardia, le cerraron la puerta y así fue transformado en piedra cerca de la puerta. después dicen que otros, habiendo ido a pescar, fueron presos por el Sol, y se convirtieron en árboles que ellos llaman jobos, y de otro modo se llaman mirobálanos. El motivo por el cual Mácocael velaba y hacia la guardia era para ver a que parte mandaría o repartiría la gente, y parece que se tardó para su mayor mal.
that others who had gone fishing were caught by the sun and changed into the trees call jobos or myrobalans. The reason why Marocael kept guard was to see in what direction he should send or distribute the people; and his lateness was his undoing.
II. How the Women Were Separated from the Men
Capitulo II: Como se Separaron los Hombres de las Mujeres Sucedió que uno, que tenía por nombre guahayona, dijo a otro que se llamaba yahubaba, que fuese a coger una hierba llamada digo, con la que se limpian el cuerpo cuando van a lavarse. Este salió antes de amanecer, y le cogió el Sol por el camino, y se convirtió en pájaro que canta por la mañana, como el ruiseñor, y se llama yahubabayael. guahayona, viendo que no volvía el que había a enviado a coger digo, resolvió salir de la dicha cueva Cacibajagua.
It once happened that guaguyona told another man named yadruvava to go to pick the herb called digo with which they clean their bodies when they bathe. He went out before dawn, and the sun caught him on the road and changed him into a bird which sings in the morning, like the nightingale; it is called yahuba Bayael. guaguyona, seeing that the man he had sent to look for digo did not return, decided to come out of the cave Cacibayagua.
III.
Capitulo III: Que Guahayona, Indignado, Resolvió Marcharse, Viendo que no Volvían Aquellos que Había Mandado a Coger el Dilo para Lavarse y dijo a las mujeres “dejad a vuestros maridos, y vámonos a otras tierras y llevemos mucho güeyo. dejad a vuestros hijos y llevemos solamente la hierba con nosotros, que después volveremos por ellos.
Then guaguyona, angry because the men he had sent to pick digo for his bath did not return, decided to go away and said to the women, “Leave your husbands, and we shall go to other lands and take much digo with us. Leave your children, for we shall take only the herb with us; later we shall return for the children.
IV.
Capitulo IV guahayona partió con todas las mujeres, y se fue en busca de otros países, y llego a Matininó, donde enseguida dejó a las mujeres, y se fue a otra region, llamada guanín, y habían dejado a los niños pequeños junto a un arroyo. después, cuando el hambre comenzó a molestarles, dicen que lloraban y llamaban a sus madres que se habían ido y los padres no podían dar remedio a los hijos, que llamaban con hambre a las madres, diciendo “mama” para hablar, pero verdaderamente para pedir la teta. y llorando así, y pidiendo teta, diciendo “toa, toa”como quien pide una cosa con gran deseo y muy despacio, fueron transformados en pequeños animales, a manera de ranas, que 138
RHAA 14
guaguyona left with all the women, and went in search of other lands, and came to Matininó, where he soon left the women and departed for another region called guanín. The women had left their little children by a brook, and when the latter began to grow hungry, they wept and called on their mothers who had gone away. The fathers could not help their children, and in their hunger the children called out “mama”; they were really asking for the breast. So, weeping and asking for the breast, and saying too, too like one who insistently asks for something, they were changed into little animals like frogs, called tona, because they had asked for the breast. That is how the men were left without women.
La primera crónica religiosa del Caribe V. How the Women Returned from the Island of Española, Which Was Formerly Called Haiti, that Being the Name of Its Inhabitants; and this and the Other Islands Are Called Bouhí As these Indians have no alphabet or writing, they cannot give a coherent account of these matters, but they have them from their forebears. Therefore their accounts do not agree, nor is it possible to write down in an orderly fashion what they say. When guaguyona (he who carried off all the women) went away, he also took with him the wives of his cacique Anacacuya, deceiving these women as he had done the others. There also went a brother-in-law of guaguyona’s, named Anacacuya, who entered the sea with him; and when they were in the canoe, guaguyona said to his brother-in-law, “See the beautiful cobo in the water.” This cobo is the periwinkle. When Anacacuya looked into the water, his brother-inlaw guaguyona grabbed his feet and threw him in the water; thus guaguyona had all the women to himself and left those of Matininó; it is said that today there are only women on that island. And he departed for another island, called guanin because of what he took away from there. VI. How Guaguyona Returned to the Island of Canta, Whence He Had Brought the Women They say that when guaguyona was in the land to which he had gone, he saw that he had left a woman in the sea. He had great pleasure with her, but soon had to look for many bath-houses in which to wash himself because he was full of those sores that we call the French Sickness. She placed him in a guanara, which means a place apart; there he was cured of his sores. Afterwards she asked permission to continue on her way, which he granted. This woman was named guabonito. And guaguyona changed his name, henceforth calling himself Biberoci guahayona. And guabonito gave to Biberoci guahayona many guanines and many cibas to wear tied on their arms; these cibas are stones which much resemble marble and which they wear about their necks and arms; they wear the guanines in their ears, which they perforate when they are small; these guanines are made of a metal like that of which florins are made. They say that these guanines began with guabonito, Albeborael, guahayona, and the father of Alberborael. guahayona stayed in that country with his father,
se llaman tona, por la petición que hacían de la teta, y de esta manera quedaron todos los hombres sin mujeres.
Capitulo V: Que Después Hubo Mujeres Otra Vez en la Dicha Isla Española, que Antes se Llamaba Haití, y Así la Llaman los Habitantes de Ella; y Aquella y las Otras Islas las Llamaban Bohío y puesto que ellos no tienen escritura ni letras, no pueden dar buena cuenta de cómo han oído esto de sus antepasados, y por eso no concuerdan en lo que dicen, ni aún se puede escribir ordenadamente lo que refieren. Cuando se marchó guahayona, el que se llevo todas las mujeres, asimismo se llevo las mujeres de su cacique, que se llamaba Anacacuya, engañándolo como engañó a los otros. y además un cuñado de guahayona, Anacacuya, que se iba con el, entró en el mar; y dijo dicho guahayona a su cuñado, estando en la canoa: “Mira que hermosos cobo hay en el agua”, el cual cobo es el caracol de mar. y cuando éste miraba al agua para ver el cobo, su cuñado guahayona lo tomo por los pies y lo tiró al mar; y así tomó todas las mujeres para sí, y las dejó en Matininó, donde se dice que hoy día no hay más que mujeres. y el se fue a otra isla, que se llama guanín, y se llamó así por lo que se llevó de ella, cuando fue a allá.
Capitulo VI: Que Guahayona Volvió a la Dicha Cauta, de donde Había Sacado las Mujeres dicen que estando guahayona en la tierra adonde había ido, vió que había dejado en el mar una mujer, de lo cual tuvo gran placer, y al instante buscó muchos lavatorios para lavarse, por estar lleno de aquellas llagas que nosotros llamamos mal francés. Ella le puso entonces en una guanara, que quiere decir lugar apartado, y así, estando allí, sanó de sus llagas. después le pidió licencia para seguir su camino y el se la dió. Llamábase esta mujer guabonito. y guahayona se cambió el nombre, llamándose de ahí en adelante Albeborael guahayona. y la mujer guabonito le dió a Albeborael guahayona muchos guanines y muchas cibas, para que las llevase atadas a los brazos, pues en aquellas tierras aquellas cibas son de piedras que se asemejan mucho al mármol, y las llevan atadas a los brazos y al cuellos, y los guanines los llevan en las orejas, haciéndose agujeros cuando son pequeños, y son de metal casi como de florín. El origen de estos guanines dicen que fueron guabonito, Albeborael RHAA 14
139
Lourdes domínguez, Luiz Estevam de oliveira Fernandes guahayona y el padre de Albeborael. guahayona se quedó en la tierra con su padre, que se llamaba Hiauna. Su hijo por parte de padre se llamaba Hiaguali guanín, que quiere decir hijo de Hiauna, y desde entonces se llamo guanín, y así se llama hoy día. y como no tienen letras ni escrituras, no saben contar bien tales fábulas, ni yo puedo escribirlas bien. Por lo cual creo que pongo primero lo que debiera ser último y lo último primero. Pero todo lo que escribo así lo narran ellos, como lo escribo, y así lo pongo como lo he entendido de los del país.
Capitulo VII: Como Hubo De Nuevo Mujeres En La Dicha Isla De Haití, Que Ahora Se Llama La Española dicen que un día fueron a lavarse los hombres, y estando en el agua, llovía mucho, y que estaban muy deseosos de tener mujeres; y que muchas veces, cuando llovía, habían ido a buscar las huellas de sus mujeres; más no pudieron encontrar alguna nueva de ellas. Pero aquel día, lavándose, dicen que vieron caer de algunos árboles, bajándose por entre las ramas, una cierta forma de personas, que no eran hombres ni mujeres, ni tenían sexo de varón ni de hembra, las cuales fueron a cogerlas; pero huyeron como si fueran anguilas. Por lo cual llamaron a dos o tres hombres por mandato de su cacique, puesto que ellos no podían cogerlas, para que viesen cuantas eran, y buscasen para cada una un hombre que fuera caracaracol, porque tenían las manos ásperas y que así estrechamente las sujetasen. dijeron al cacique que eran cuatro; y así llevaron cuatro hombres, que eran caracaracoles. El cual caracaracol es una enfermedad como sarna, que hace al cuerpo muy áspero. después que las hubieron cogido, tuvieron consejo sobre como podían hacer que fuesen mujeres, puesto que no tenían sexo de varón ni de hembra.
Capitulo VIII: Como Hallaron Remedio para que Fuesen Mujeres Buscaron un pájaro que se llama inriri, antiguamente llamado inriri cahubabayael, el cual agujerea los árboles, y en nuestra lengua llámase pico. E igualmente tomaron a aquellas mujeres sin sexo de varón ni de hembra, y les ataron los pies y las manos, y trajeron el pájaro mencionado, y se lo ataron al cuerpo. y este, creyendo que eran maderos, comenzó la obra que acostumbra, picando y agujereando en el lugar donde ordinariamente suele estar el sexo de las mujeres. y de ese modo 140
RHAA 14
named yauna. His son took from his father the name Hía guaili guanín, which means the son of yauna; later he called himself guanin, and is called that today. As the Indians have no alphabet or writing, they do not tell their myths well, nor can I write them down accurately, and I fear that I am telling last things first and first last; but I put it down just as I had it from the natives of the country. VII. How the Women Returned from the Island of Haiti, Which is Now Called Española They say that one day the men went to wash themselves; and while they were in the water, it rained hard, and they felt great desire for women; frequently when it rained they sought traces of their wives, but could not find them. However, that day, as they were washing themselves they saw falling from the trees, sliding down the branches, some creatures that were neither men nor women, and had neither male nor female genitals. They tried to catch them, but they slipped away like eels. So by orders of their cacique they summoned two or three men who should see how many of these creatures there were, and who should bring as many men of the kind called caracaracol, because they had rough hands, who would be able to catch them and tie them down. They told the cacique there were four of these creatures; so they brought four men who were caracaracoles. This caracaracol is a sickness like the scab that makes the body very rough. When they had caught them, they considered how they could make women out of them, since they had neither male nor female genitals. VIII. How They Devised a Way of Making Women of Them They found a bird now called inrim, and in ancient times inrire cahuvayal, that is, a woodpecker, which bores holes in trees. Then, seizing those women without male or female genitals, they bound their hands and feet, and tied that bird to the body of each. The bird, thinking they were trees, began his accustomed work, pecking and hollowing out the place where women’s genitals are wont to be. The Indians say that is the manner in which they acquired women, as told by their oldest men. As I wrote in haste and had not enough paper, I could not put everything where it belonged, yet I have made no
La primera crónica religiosa del Caribe mistake, for they believe everything that is written here. Turning now to what I should have related first, I shall tell their beliefs concerning the origin of the sea. IX. How the Sea Was Made There was a man called yaya, whose name they do not know; his son was called yayael, which means son of yaya. This yayael wishing to kill his father, the latter banished him, and he was banished for four months; after that his father killed him and put his bones in a calabash which he hung from the ceiling of his hut, where it hung for some time. one day, wishing to see his son, yaya said to his wife, “I want to see our son yayael.” She was content and, taking the calabash, turned it over to see the bones of their son. out of it came many large and small fish. Perceiving that the bones had been changed into fish, they decided to eat them. one day, when yaya had gone to his maize fields, that were his inheritance, there came four sons of a woman named Itiba Tahuvava, all born at a single birth; for this woman having died in childbirth, they cut her open and took out these four sons. And the first one they took out was caracaracol, which means scabby, and his name was...; the others had no name. X. The four twin sons of Itiba Tahuvava, who died in childbirth, went together to get the calabash in which yaya kept the bones of his son yayael who had been changed into a fish; but none of them dared to get it except dimivan Caracaracol, who took it down; and they all had their fill of fish. While they were eating, they heard yaya coming back from his fields; and in their haste to hang the calabash up again they did not do it right, so that it fell to earth and broke. They say so much water came out of the calabash that it filled the whole earth, and with it came many fish. They say this was how the sea began. After they had left this place they met a man named Conel, who was dumb. XI. What Happened to the Four Brothers When They Were Fleeing from Yaya The brothers, coming to the door of Basamanaco’s house, noticed that he had cassava, and said, “Ayacavo guarocoel,” which
dicen los indios que tuvieron mujeres, según cuentan los más viejos. Puesto que escribí de prisa, y no tenía papel bastante, no pude poner en su lugar lo que por error trasladé a otro; pero con todo y eso, no he errado, porque ellos lo creen todo tal como como lo he escrito. volvamos ahora a lo que debíamos haber puesto primero, esto es, a la opinión que tienen sobre el origen y principio del mar.
Capitulo IX: Cómo Dicen que Fue Hecho el Mar Hubo un hombre llamado yaya, del que no saben el nombre, y su hijo se llamaba yayael, que quiere decir hijo de yaya. El cual yayael, queriendo matar a su padre, éste lo desterró, y así estuvo desterrado cuatro meses; y después su padre lo mató, y puso los huesos en una calabaza, y la colgó del techo de su casa, donde estuvo colgada algún tiempo. Sucedió que un día, con deseo de ver a su hijo, yaya dijo a su mujer:”Quiero ver a nuestro hijo yayael”. y ella se alegró, y bajando la calabaza, la volcó para ver los huesos de su hijo, de la cual salieron muchos peces grandes y chicos. de donde, viendo que aquellos huesos se habían transformado en peces, resolvieron comerlos. dicen, pues, que un día, habiendo ido yaya a sus conucos, que quiere decir posesiones, que eran de su herencia, llegaron cuatro hijos de una mujer, que se llamaba Itiba Cahubaba, todos de un vientre y gemelos; la cual mujer, habiendo muerto de parto, la abrieron y sacaron fuera los cuatro dichos hijos, y el primero que sacaron era caracaracol, que quiere decir sarnoso, el cual caracaracol tuvo por nombre (deminán); los otros no tenían nombre.
Capitulo X: Como los Cuatro Hijos Gemelos de Itiba Cahubaba, que Murió de Parto, Fueron Juntos a Coger La Calabaza de Yaya, Donde Estaba su Hijo Yayael, que se Había Transformado en Peces, y Ninguno se Atrevió a Cogerla, Excepto Deminán Caracaracol, que la Descolgó, y Todos se Hartaron de Peces y mientras comían, sintieron que venía yaya de sus posesiones, y queriendo en aquel apuro colgar la calabaza, no la colgaron bien, de modo que cayó en tierra y se rompió. dicen que fue tanta el agua que salió de aquella calabaza, que lleno toda la tierra, y con ella salieron muchos peces; y de aquí dicen que haya tenido origen el mar. Partieron después estos de allí, y encontraron un hombre, llamado Conel, el cual era mudo. RHAA 14
141
Lourdes domínguez, Luiz Estevam de oliveira Fernandes Capitulo XI: De las Cosas que Pasaron los Cuatro Hermanos Cuando Iban Huyendo de Yaya Estos, tan pronto como llegaron a la puerta de Bayamaco, y notaron que llevaba cazabe, dijeron: “Ahiacabo guárocoel”, que quiere decir: “Conozcamos a nuestro abuelo”. del mismo modo deminán Caracaracol, viendo delante de si a sus hermanos, entró para ver si podía conseguir algún cazabe, el cual cazabe es el pan que se come en el país. Caracaracol, entrando en casa de Bayamaco, le pidió cazabe, que es el pan susodicho. y este se puso la mano en la nariz, y le tiro un guanguayo a la espalda; el cual guanyuayo estaba lleno de cohoba, que había hecho hacer aquel día; la cual cohoba es un cierto polvo, que ellos toman a veces para purgarse y para otros efectos que después se dirán. Esta la toman con una caña de medio brazo de largo, y ponen un extremo en la nariz y el otro en el polvo; así lo aspiran por la nariz y esto les hace purgar grandemente. y así les dio por pan aquel guanguayo, en vez del pan que hacía; y se fue muy indignado por que se lo pedían. Caracaracol, después de esto, volvió junto a sus hermanos, y les contó lo que le había sucedido con Bayamanacoel, y del golpe que le había dado con el guanguayo en la espalda, y que le dolía fuertemente. Entonces sus hermanos le miraron la espalda, y vieron que la tenía muy hinchada; y creció tanto aquella hinchazón, que estuvo a punto de morir. Entonces procuraron cortarla, y no pudieron; y tomando un hacha de piedra se la abrieron, y salió una tortuga viva, hembra; y así se fabricaron su casa y criaron la tortuga. de esto no he sabido más; y poco ayuda lo que llevo escrito. y también dicen que el Sol y la Luna salieron de una cueva, que está en el país de un cacique llamado Mautiatihuel, la cual cueva se llama Iguanaboina; y ellos la tienen en mucha estimación, y la tienen toda pintada a su modo, sin figura alguna con muchos follajes y otras cosas semejantes. y en dicha cueva había dos cemíes, hechos de piedra, pequeños del tamaño de medio brazo. Con las manos atadas, y parecían que sudaban. Los cuales cemíes estimaban mucho; y cuando no llovía, dicen que entraban alli a visitarlos y enseguida llovía. y de dichos cemíes, al uno llamaban Boinayel y al otro Márohu.
They also say that the sun and moon came out of a cave in the country of a cacique named Maucia Tivuel; this cave is called yovovava, and they feel great reverence for it. It is all painted in their fashion, without any figure, but with many leaves and the like. In this cave there were two stone cemies, about half a man’s arm in size, their hands tied; they seemed to be sweating. They held these cemies in much regard; they say that when they needed rain they would visit these cemies, and the rain would immediately come. one of these cemies was called Boinayol, and the other Maroya. XII. Their Beliefs Concerning the Wanderings of the Dead, of Their Appearance, and What They Do
Capitulo XII: De lo que Piensan Acerca de Andar Vagando los Muertos, y de que Manera Son, y qué Cosa Hacen Creen que hay un lugar al que van los muertos, que se llama Coaybay, y se encuentra a un lado de la isla, que se llama 142
means “Let us make the acquaintance of our grandfather”. Then demivan Caracaracol, going ahead of his brothers, entered the house to see if he could find some cassava, which is the bread of that country. Caracaracol, entering the house of Ayamanaco, asked him for some cassava. At this Ayamanaco put his hand to his nose, took out a guanguayo, and threw it at Caracaracol’s shoulder; this guanguayo was full of cohoba which he had had made that day and is a powder that they sometimes take as purge and for other purposes which will be told hereafter. They take it by means of the cane half an ell long, putting one end of this cane in the nose and the other in the powder; they snuff this powder into the nose, and it purges them greatly. So he gave them that guanguayo instead of bread, and he went away very angry because they had asked him for it. Caracaracol then returned to his brothers and told them what had happened with Bayamanicoel, of the blow that he had given him on the shoulder with the guanguayo, and that it hurt him sorely. His brothers looked at his shoulder and saw that it was much swollen, and that swelling grew so that he was about to die. They tried to cut it, without success, but taking a stone hatchet, they managed to open it, and out came a live female turtle; so they built their hut and fed the turtle. I could not learn any more about this, and what I have written is of little worth.
RHAA 14
They believe the dead go to a place called Coaybay, on one side of an island called Soraya. They say that the first to live there was one Maquetaurie guayava, who was lord of Coaybay, home and dwelling place of the dead.
La primera crónica religiosa del Caribe XIII. Of the Forms Which They Assign to the Dead They say that during the day the dead live in seclusion, but at night walk about for recreation and eat of fruit called guabaxa, which has the flavor of [the quince B.K.] and during the day is... but at night is changed into fruit; and they have festivities and keep company with the living. The Indians have this method of identifying dead people: They touch the belly of a person with the hand, and if they do not find a navel, they say that person is operito, which means dead; for they say that dead persons have no navels. Sometimes one who does not take this precaution and lies with a woman of Coaybay is mocked; for when he holds her in his arms, she suddenly disappears and his arms are empty. They still believe this. When a person is alive, they call his spirit goeiz; when he is dead, opia. They say that this goeiz appears to them often, now in the shape of a man, now of a woman. They say there was a man who wished to fight with a spirit; but when he closed with it, it disappeared, and the man flung his arms about a tree from whose branches he hung. All of them, young and old, believe this; they also believe that the spirits appear to them in the shape of their father, mother, brothers, relatives, or in some other shape. The fruit that they believe the dead eat is the size of a peach. The dead do not appear to them by day, but only by night, and therefore one who walks about at night feels great fear. XIV. Whence Come these Beliefs and Why They Persist in Them There are certain men among them, called bohutís, who practice great frauds upon the Indians, as shall be explained hereafter, to make them believe that they, the bohutis, speak with the dead and that they know all their deeds and secrets, and that when the Indians are ill they cure them. These deceptions I have seen with my own eyes, whereas the other things I told about I heard of only from others, especially from their principal men--because these men believe these fables more firmly than the others. Like the Moors, they have their religion set forth in ancient chants by which they are governed, as the Moors are by their Scripture. When they sing their chants, they play an instrument called mayohavau that is made of wood and is hollow, strong, yet very thin, an ell long and half as wide; the part which is played has the shape of a blacksmith’s tongs, and the other end is like a club, so that it looks like a gourd
Soraya. El primero que estuvo en Coaybay dicen que fue uno que se llamaba Maquetaurie guayaba, que era señor del dicho Coaybay, casa y habitación de los muertos.
Capitulo XIII: De la Forma que Dicen Tener los Muertos dicen que durante el día están recluidos, y por la noche salen a pasearse, y que comen de un cierto fruto, que se llama guayaba, que tiene sabor de (membrillo), y que de día son… y por la noche se convertían en fruta y que hacían fiesta, y van juntos con los vivos. y para conocerlos observan esta regla: que con la mano le tocan el vientre, y si no les encuentran el ombligo, dicen que es operito, que quiere decir muerto: por eso dicen que los muertos no tienen ombligo. y así quedan engañados algunas veces, que no reparan en esto, y yacen con alguna mujer de las de Coaybay, y cuando piensan tenerlas en los brazos, no tienen nada, porque desaparecen en un instante. Esto lo creen hasta hoy. Estando viva la persona, llaman al espíritu goeíza, y después de muerta, le llaman opía, la cual goeíza dicen que les aparece muchas veces tanto en forma de hombre como de mujer, y dicen que ha habido hombre que ha querido combatir con ella, y que, viniendo a las manos, desaparecía, y que el hombre metía los brazos en otra parte sobre algunos árboles, de los cuales quedaba colgado. y esto lo creen todos en general, tanto chicos como grandes; y que se les aparece en forma de padre, madre, hermanos o parientes, y en otras formas. El fruto del cual dicen que comen los muertos es del tamaño de un membrillo. y los sobredichos muertos no se le aparecen de día, sino siempre de noche; y por eso con gran miedo se atreve alguno a andar solo de noche.
Capitulo XIV: De Donde Sacan esto y Quienes les Hacen Estar en tal Creencia Hay algunos hombres, que practican entre ellos, y se les dice behiques, los cuales hacen muchos engaños, como mas adelante diremos, para hacerles creer que hablan con esos (los muertos), y que saben todos sus hechos y secretos; y que, cuando están enfermos, les quitan el mal, y así los engañan. Porque yo lo he visto en parte con mis ojos, bien que de las otras cosas conté solamente lo que había oído a muchos, en especial a los principales, con quienes he tratado mas que con otros; pues estos creen en estas fábulas con mayor certidumbre que los otros. Pues, lo mismo que los moros, tiene su ley RHAA 14
143
Lourdes domínguez, Luiz Estevam de oliveira Fernandes compendiada en canciones antiguas, por las cuales se rigen, como los moros por la escritura. y, cuando quieren cantar sus canciones, tocan cierto instrumento, que se llama mayohabao, que es de madera, hueco, fuerte y muy delgado, de un brazo de largo y medio de ancho. La parte donde se toca está hecha en forma de tenazas de herrador y la otra parte semeja una maza, de manera que parece una calabaza con el cuello largo. y este instrumento tocan, el cual tiene tanta voz que se oye a legua y media de distancia. Así son cantan las canciones, que aprenden de memoria; y lo tocan los hombres principales, que aprenden a tañerlo desde niños y a cantar con él, según su costumbre. Pasemos ahora a tratar de otras muchas cosas acerca de otras ceremonias y costumbres de estos gentiles.
Capitulo XV: De las Observaciones de Estos Indios Behiques, y Cómo Profesan la Medicina, y Enseñan a las Gentes, y en sus Curas Medicinales Muchas Veces se Engañan Todos, o la mayor parte de los de la isla Española, tienen muchos cemíes de diversas suertes. unos contienen los huesos de su padre, y de su madre, y parientes, y de sus antepasados; los cuales están hechos de piedra o de madera. y de ambas clases tienen muchos; algunos que hablan, y otros que hacen nacer las cosas que comen, y otros que hacen llover, y otros que hacen soplar los vientos. Las cuales cosas creen aquellos simples ignorantes que hacen aquellos ídolos, o por hablar más apropiadamente, aquellos demonios, no teniendo conocimiento de nuestra santa fe. Cuando alguno esta enfermo, le llevan el behique, que es el médico sobredicho. El médico está obligado a guardar dieta, lo mismo que el paciente, y a poner cara de enfermo. Lo cual se hace de este modo que ahora sabréis. Es preciso que también se purgue como el enfermo; y para purgarse toman cierto polvo, llamado cohoba, aspirándolo por la nariz, el cual les embriaga de tal modo que no saben lo que se hacen; y así dicen muchas cosas fuera de juicio, en las cuales afirman que hablan con los cemíes, y que estos les dicen que de ellos les ha venido la enfermedad.
Capitulo XVI: De lo que Hacen Dichos Behiques Cuando van a visitar a algún enfermo, antes de salir de casa toman hollín de las ollas o carbón molido, y se ponen la cara toda negra, para hacer creer al enfermo lo que les parece 144
RHAA 14
with a long neck; this instrument is so sonorous that it can be heard a league and a half away. To its accompaniment they sing their chants, which they know by heart; and their principal men learn from infancy to play it and sing to it, according to their custom. Now I shall tell many other things concerning the ceremonies and customs of these heathen. XV. Of How the Buhuitihus Practice Medicine, and What They Teach the People, and of the Deceintions They Practice in Their Cures All the Indians of the island of Española have many different kinds of cemíes. In some they keep the bones of their father, mother, relations, and forebears; these cemíes are made of stone or wood. They have many of both kinds. There are some that speak, others that cause food plants to grow, others that bring rain, and others that make the winds blow. These simple, ignorant people, who know not our holy faith, believe that these idols or rather demons do all these things. When an Indian falls ill, they bring the buhuitihu to him. This doctor must observe a diet just like his patient and must assume the suffering expression of a sick man. He must also purge himself just as the sick man does, by snuffing a powder called cohoba up his nose. This produces such intoxication that they do not know what they are doing; and they say many senseless things, declaring that they are speaking with the cemíes and that the latter are telling him the cause of the illness. XVI. What these Buhuitihus Do When a buhuitihu goes to call upon a patient, before leaving his hut he takes some soot from a cooking pot, or some charcoal, and blackens his face in order to make the sick man believe whatever he may say about his sickness; then he takes some small bones and a little meat, wraps the whole in something so it will not fall out, and puts it in his mouth. Meanwhile the patient has been purged in the manner described above. Entering the sick man’s hut, the doctor sits down, and all fall silent; if there are any children in the hut, they are put out so they will not interfere with the buhuitihu’s work; only one or two of the principal men remain. Then the buhuitihu takes some giieyo herb,...wide, and another herb, wrapped in an onion leaf four inches long (but
La primera crónica religiosa del Caribe the giieyo herb is what they all generally use), and taking it between his hands, he mashes it into a pulp; and then he puts it into his mouth at night so as to vomit anything harmful that he may have eaten. Then he begins to sing his chant and, taking up a torch, drinks the juice of that herb. This done, he is quiet for a time; then he rises, goes toward the sick man, who lies alone in the middle of the hut, and walks about him twice or as many times as he thinks proper. Then he stands in front of him and takes him by the legs, feeling of his body from the thighs to the feet, after which he draws his hands away forcefully, as if pulling something out. Then he goes to the door, shuts it, and speaks to it, saying: “Begone to the mountain, or the sea, or where you will” then after he has blown like one who blows chaff from his hand, he turns around, joins his hands together as if he were very cold, blows on his hands, and sucks in his breath as if sucking marrow from a bone, then sucks at the sick man’s neck, or stomach, or shoulder, or cheeks, or the belly or some other part of the body. Having done this, he begins to cough and make a face as if he had eaten something bitter; then he spits into his hand the stone or bone or piece of meat that he put in his mouth at home or on the road. And if it is a piece of food, he tells the sick man, “you must know that you have eaten something that caused the sickness from which you suffer. See how I have taken it out of your body, where your cemi lodged it because you did not pray to him or build him a shrine or give him some land.” If it is a stone, he says, “Take good care of it.” Sometimes they believe these stones are good and help women in childbirth, and they take good care of them, wrapping them in cotton, placing them in small baskets, and putting food before them; they do the same with the cemies they have in their houses. on a holiday, when they have much food--fish, meat, or bread--they put some of each food in the house of the cemi, and next day they carry this food back to their huts after the cemi has eaten. But it would truly be a miracle if the cemí ate of that or anything else, for the cemi is a dead thing of stone or wood. XVII. How these Physicians Are Sometimes Paid Back for their Deceptions If the sick man should die in spite of having done all these things, and if he has many relations or one who is lord over a village and so can stand up to the buhuitihu or doctor (for men of small influence dare not contend with them), then
acerca de su enfermedad; y luego cogen algunos huesecillos y un poco de carne. y envolviendo todo eso en alguna cosa para que no se caigan, se lo meten en la boca, estando ya el enfermo purgado con el polvo que hemos dicho. Entrado el médico en casa del enfermo, se sienta, y callan todos; y si hay niños los mandan fuera, para que ni impidan su oficio de behique, ni queda en la casa sino uno o dos de los más principales. y estando así solos, toman algunas hierbas de güeyo… anchas, y otra hierba, envuelta en una hoja de cebolla, media cuarta larga; y una de los dichos güeyos es la que toman todos comúnmente, y trituradas con las manos las amasan; y luego se la ponen en la boca para vomitar lo que han comido, a fin de que no les haga daño. Entonces comienzan a entonar el canto susodicho; y encendiendo una antorcha toman aquel jugo. Hecho esto primero, después de estar algún tiempo quieto, se levanta el behique, y va hacia el enfermo que esta sentado solo en medio de la casa, como se ha dicho, y da dos vueltas alrededor de el, como le parece; y luego se le pone delante, y lo toma por las piernas, palpándolo por los muslos y siguiendo hasta los pies; después tira de el fuertemente, como si quisiera arrancar alguna cosa. de ahí va a la salida de la casa y cierra la puerta, y le habla diciendo: “vete a la montaña, o al mar, o adonde quieras”. y con un soplo, como quien sopla una paja, se vuelve una vez mas, junta las manos y cierra la boca; y le tiemblan las manos, como cuando se tiene mucho frío, y se sopla las manos, y aspira el aliento, como cuando se sorbe el tuétano de un hueso, y chupa al enfermo por el cuello, o por el estomago, o por la espalda, o por las mejillas, o por el pecho, o por el vientre o por muchas partes del cuerpo. Hecho esto, comienza a toser y a hacer feos visajes, como si hubiera comido una cosa amarga, y escupe en la mano y saca lo que ya hemos dicho que en su casa, o por el camino, se había metido en la boca, sea piedra, o hueso, o carne, como ya se ha dicho. y si es cosa de comer, le dice al enfermo: “Has de saber que has comido una cosa que te ha producido el mal que padeces; mira como te lo he sacado del cuerpo, que tu cemí te lo había puesto en el cuerpo porque no le hiciste oración, o no le fabricaste algún templo, o no le diste alguna heredad”. y si es piedra, le dicen “guárdala muy bien”. y algunas veces tienen por cierto que aquellas piedras son buenas, y ayudan a hacer parir a las mujeres, y las guardan con mucho cuidado, envueltas en algodón, metiéndolas en pequeñas cestas, y le dan de comer de lo que ellos comen; y lo mismo hacen con los cemíes que tienen en casa. Algún día solemne, en que llevan mucho de comer, pescado, carne, o pan, o cualquier otra cosa, ponen de todo en la casa del cemi, para que coma de aquello el dicho ídolo. Al día siguiente llevan todas RHAA 14
145
Lourdes domínguez, Luiz Estevam de oliveira Fernandes estas viandas a sus casas, después que ha comido el cemí. y así les ayuda dios como el cemí come de aquello, ni de otra cosa, siendo el cemí cosa muerta, formada de piedra o hecha de madera.
Capitulo XVII: Cómo Algunas Veces los Sobredichos Médicos se Han Engañado Cuando, después de haber hecho las cosas mencionadas, de todos modos el enfermo se muere, si el muerto tiene muchos parientes, o es señor de un pueblo, y puede enfrentarse con dicho behique, que quiere decir medico – pues los que poco pueden no se atreven a contender con estos médicos--; el que le quiere hacer daño hace lo siguiente: queriendo saber si el enfermo ha muerto por culpa del médico, o porque no guardó la dieta como este lo ordenó, toman una hierba que se llama güeyo, que tiene las hojas semejantes a la albahaca, gruesa y larga, y por nombre llamase zacón. Sacan, pues, el jugo de la hoja, y le cortan al muerto las uñas y los cabellos que tiene encima de la frente, y lo reducen a polvo entre dos piedras, lo cual mezclan con el jugo de dicha hierba y lo dan a beber al muerto por la boca o por la nariz y, haciendo esto, preguntan al muerto si el medico fue ocasión de su muerte y si guardó la dieta. y esto se lo preguntan muchas veces, hasta que al fin habla tan claramente como si estuviese vivo; de modo que viene a responder a todo aquello que le preguntan, diciendo que el behique no guardó la dieta, o fue causante de su muerte aquella vez. y dicen que le pregunta el médico si esta vivo, y como habla tan claramente; y el responde que esta muerto. y, después que han sabido lo que querían, lo vuelven a la sepultura de donde lo sacaron para saber de el lo que hemos dicho. Hacen también de otro modo los mencionados hechizos para saber lo que quieren: toman al muerto, y hacen un gran fuego, semejante a aquel con que el carbonero hace carbón, y cuando los leños se han convertido en brasas, echan al muerto en aquella gran hoguera, y después lo cubren de tierra, como el carbonero cubre el carbón, y allí lo dejan estar cuanto les parece. y estando así, lo interrogan como ya se ha dicho antes: el cual responde que no sabe nada. y esto se lo preguntan diez veces y de allí en adelante ya no habla más. Le preguntan si esta muerto; pero él no habla más que estas diez veces. 146
RHAA 14
those who wish to do the buhuitihu mischief do the following: First, in order to learn if the sick man died through the doctor’s fault, or because he did not observe the diet that the doctor prescribed for him, these relations take an herb which is called gueyo, whose leaves resemble those of the sweet basil, being thick and long; this herb is also called zacón. They squeeze the juice from the leaf, then cut the dead man’s nails and the hair above his forehead, pound the nails and hair to a powder between two stones, mix this powder with the juice of the herb, and pour the mixture between the dead man’s lips to find out from him if the doctor was the cause of his death and whether he observed his diet. They ask this of him many times, until at least he speaks as distinctly as if he were alive and answers all their questions, saying that the buhuitihu did not observe the diet, or was the cause of his death. They say that the doctor asks him if he is alive, and that he can speak very clearly; he replies that he is dead. After they have learned from him what they want to know, they return him to the grave from which they took him. They perform this sorcery in still another way. They take the dead man and make a great fire like that used for making charcoal, and when the wood has turned to live coals, they throw the body into that fierce blaze; then they cover it with earth, as the charcoal-burner does the charcoal, and leave it there as long as they think advisable. Then they ask him the same question as above. The dead man replies that he knows nothing. This they ask of him ten times, and ten times he replies in the same way. Again they ask him if he is dead, but he will speak only those ten times. XVIII. How the Dead Man’s Relatives Avenge themselves When They Have Had a Reply Through the Sorcery of the Potions The dead man’s relations assemble on a certain day and lie in wait for the said buhuitihu, give him such a thrashing that they break his legs, arms, and head, and leave him for dead. At night, they say, there come many different kinds of snakes-white, black, green, and many other colors--that lick the face and whole body of the physician whom the Indians have left for dead. This they do two or three nights in succession; and presently, they say, the bones of his body knit together again and mend. And he rises and walks rather slowly to his home. Those who meet him on the road say, “Were you not dead?” He replies that the cemies came to his aid in the shape of snakes.
La primera crónica religiosa del Caribe And the dead man’s relations, very angry and desperate because they thought they had avenged the death of their kinsman, again try to lay hands on him; and if they catch him a second time, they pluck out his eyes and smash his testicles, for they say no amount of beating will kill one of these physicians if they do not first tear out his testicles. How the dead man whom they have burned reveals what they wish to know, and how they take their vengeance. When they uncover the fire, the smoke rises until it is lost from sight, and when it leaves the furnace, it makes a chirping noise. Then it descends and enters the hut of the buhuitihu or doctor. If he did not observe the diet, he falls sick that very moment, is covered with sores, and his whole body peels. This they take for a sign that he did not observe his diet, and so they try to kill him in the manner described above. These are the sorceries they perform. XIX. How They Make and Keep their Wooden or Stone Cemies They make the wooden cemies in this fashion. If a man walking along the way sees a tree moving its roots, he stops, filled with fear, and asks who it is. The tree replies, “Summon a buhuitihu, and he will tell you who I am.” Then that man goes in search of a physician and tells him what he has seen. The sorcerer or warlock immediately runs toward that tree, sits down by it, and prepares a cohoba for it, as described in the story of the four brothers. And having made the cohoba, he rises, and pronounces all its titles as ifit were a great lord, and says to it: “Tell me who you are and what you are doing here, and what you want of me and why you summoned me. Tell me if you want me to cut you down, and if you wish to come with me, and how you want me to carry you; for I shall build a house for you and endow it with land.” Then that cemi or tree, become an idol or devil, tells him the shape in which it wants to be made. And the sorcerer cuts it down and carves it into the shape that it has ordered, builds a house for it and endows it with land; and many times a year he makes cohoba for it. This cohoba is their means of praying to the idol and also of asking it for riches. When they wish to know if they will gain a victory over their enemies, they enter a hut to which only the principal men are admitted. And the lord is the first to make the cohoba and plays an instrument; and while he makes the cohoba none may speak. After he has finished his prayer he remains for some time with bowed head and arms resting
Capitulo XVIII: Cómo se Vengan los Parientes del Muerto Cuando Han Tenido Respuesta por El Hechizo de las Bebidas Se reúnen un día los parientes del muerto, y esperan al susodicho behique, y le dan tantos palos que le rompen las piernas y los brazos y la cabeza, moliéndolo todo, y lo dejan así creyendo haberlo matado. y por la noche dicen que vienen muchas culebras de diversas clases, blancas, negras y verdes, y de otros muchos colores, las cuales lamen la cara y todo el cuerpo del dicho medico que dejaron por muerto como hemos dicho. El cual se esta así dos o tres días, y mientras esta así, dicen que los huesos de las piernas y de los brazos vuelven a unirse y se sueldan, y que se levanta, y camina poco y se vuelve a su casa. y los que lo ven le preguntan diciendo “¿Tu no estabas muerto? Pero él responde que los cemíes fueron en su ayuda en forma de culebras. y los parientes del muerto, muy irritados porque creían haber vengado la muerte de su pariente, viéndolo vivo, se desesperan y procuran echarle mano para darle muerte; y si lo pueden coger otra vez, le sacan los ojos y le rompen los testículos; porque dicen que ninguno de estos médicos puede morir por muchos palos y golpes que se le den si no le sacan los testículos. Capitulo XVIII BIS: Como Saben lo que Quieren de Aquel que Han Quemado, y Cómo se Vengan Cuando descubren el fuego, el humo que se levanta sube hacia arriba hasta que lo pierden de vista, y da un chirrido al salir del horno. vuelve luego abajo y entra en casa del behique medico, y este se enferma en ese mismo instante si no guardó la dieta, y se llena de llagas y se le pela todo el cuerpo. y esto tienen por señal de que no la ha guardado, y que por eso murió el enfermo. Por lo cual procuran matarlo, como ya se ha dicho. Estas son pues las hechicerías que suelen hacer. Capitulo XIX: Cómo Hacen y Guardan los Cemíes de Madera o de Piedra Los de madera se hacen de este modo: cuando alguno va de camino dice que ve un árbol, el cual mueve la raíz; y el hombre con gran miedo se detiene y le pregunta quien es. y el le responde: “Llámame a un behique y el te dirá quien soy”. y aquel hombre, ido al susodicho médico, le dice lo que ha visto. y el hechicero o brujo corre en seguida a ver el árbol de que el otro le ha hablado, se sientan junto a él, y le hace la cohoba, como RHAA 14
147
Lourdes domínguez, Luiz Estevam de oliveira Fernandes antes hemos dicho en la historia de los cuatro hermanos. Hecha la cohoba, se pone de pie, y le dice todos sus títulos, como si fueran de un gran señor, y le pregunta: “dime quien eres, y que haces aquí, y que quieres de mi y por que me has hecho llamar. dime si quieres que te corte, o si quieres venir conmigo, y como quieres que te lleve, que yo te construiré una casa con heredad”. Entonces aquel árbol o cemí, hecho ídolo o diablo, le responde diciéndole la forma en que quiere que lo haga. y el lo corta y lo hace del modo que le ha ordenado; le fabrica su casa con heredad, y muchas veces al año le hace la cohoba. La cual cohoba es para hacerle oración, y para complacerlo y para preguntar y saber del dicho cemí las cosas malas y buenas también para pedirle riquezas. y, cuando quieren saber si alcanzaran victoria contra sus enemigos, entran en una casa en la que no entra nadie más que los hombres principales. y el señor de ellos es el primero que comienza a hacer la cohoba y toca un instrumento; y mientras hace la cohoba, ninguno de los que están en su compañía habla hasta que el señor ha concluido. después que ha terminado su oración, esta un rato con la cabeza baja y los brazos sobre las rodillas; luego alza la cabeza, mirando al cielo, y habla. Entonces todos le responden a un tiempo en alta voz; y habiendo hablado todos, dan gracias, y el narra la visión que ha tenido, ebrio con la cohoba que ha sorbido por la nariz y se le subió a la cabeza. y dice haber hablado con el cemí, y que conseguirán la victoria, o que sus enemigos huirán, o que habrá gran mortandad, o guerras, o hambre u otra cosa tal, según que el, que esta borracho, dice lo que recuerda. Juzguen como estará el cerebro, pues dicen que les parece ver que las casas se voltean con los cimientos para arriba, y que los hombres caminan con los pies hacia el cielo. y esta cohoba se la hacen no solo a los cemíes de piedra y de madera, sino también a los cuerpos de los muertos, según arriba hemos dicho. Los cemíes de piedra son de diversas hechuras. Hay algunos que dicen que los médicos sacan del cuerpo, y los enfermos tienen que aquellos son los mejores para hacer parir a las mujeres preñadas. Hay otros que hablan, los cuales tienen forma de un nabo grueso, con las hojas extendidas por tierra y largas como las de las alcaparras; las cuales hojas, por lo general, se parecen a las del olmo; otros tienen tres puntas, y creen que hacen nacer la yuca. Tienen la raíz semejante al rábano. La hoja de la yuca tiene cuando más seis o siete puntas; no se a que cosa pueda compararla, porque no he visto ninguna que se le parezca en España ni en otro país. El tallo de la yuca es de la altura de un hombre. digamos ahora de la creencia que tienen en lo que toca a sus ídolos y cemíes, y de los grandes engaños que de estos reciben. 148
RHAA 14
on his knees; then he lifts his head, looks up to the sky, and speaks. All respond to him in a loud voice, and having spoken, they all give thanks; and he relates the vision he had while stupefied with the cohoba that he snuffed up his nose and that went to his head. He tells that he has spoken with the cemi and that they will gain the victory, or that their enemies will flee, or that there will be many deaths, or wars, or famines, or the like. or whatever comes to his addled head to say. one can imagine the state he is in, for they say the house appears to him to be turned upside-down and the people to be walking with their feet in the air. This cohoba they make not only for the cemíes of stone and wood but also for the bodies of the dead, as told above. There are different kinds of stone cemíes. Some the doctors extract from bodies of sick people, and it is believed these are the best to induce childbirth in pregnant women. There are other cemíes that speak; these have the shape of a large turnip with leaves that trail over the ground and are as long as the leaves of the caper bush; these leaves generally resemble those of the elm, others have three points: The natives believe they help the yucca grow. The root resembles that of the radish, and the leaf generally has six or seven points. I know not with what to compare it, because I have seen no plant like it in Spain or in any other country. The stalk of the yucca is a high as a man. Now I shall tell of their beliefs concerning their idols and cemíes, and how they are greatly deluded by them. XX. Concerning the Cemí Buyabá, Which Was Burned in Time of War, and Aftemoards, Being Washed With the Juice of the Yucca, Its Arms, Eyes, and Body Grew Back Because the yucca plant was stunted, they washed [this cemi B.K.] With wilter and the aforesaid juice in order to make it large; they say this cemi made ill those who had made it because they had not brought it cassava to eat. The name of this cemi was vaibrama. And if someone fell ill, they called the buhuitihu and asked him the cause of that sick ness. The buhuitihu replied that vaibrama had caused it because food had not been sent to the caretakers of that cemi’s house. XXI. Concerning the Cemí of Guamorete They say that when they built the house of guamorete, who was a principal man, they put in it a cemí, which he kept on top of his house;
La primera crónica religiosa del Caribe the name of this cemi was Corocote. once in time of war the enemies of guamorete set fire to his house. Then, they say, Corocote got up and walked a crossbow shot from that place, next to the water. They further say that while he lived on the top of that house he would come down at night and lie with the women. After guamorete died this cemi fell into the hands of another cacique, and continued to lie with women. They also say that two crowns grew on his head, and that is why they used to say [of someone B.K.], “since he has two crowns he is certainly the son of Corocote.” All this they believed without question. This cemí later fell into the hands of another cacique named guatabanex, and the place where he lived was named yacabá. XXII. Concerning Another Cemí Named Opiyelguovircán, Who Belonged to a Principal Man Named Cavavaniovavcá, Who Had Many Vassals They say this cemí opiyelguovircán had four legs, like a dog, and was made of wood, and frequently left his house by night and went into the woods. They would go in search of him, and bring him back to the house tied with cords, but he always returned to the woods. They say that when the Spaniards arrived on the island of Española, this cemi fled and went to a lagoon; they followed him there by his tracks, but never saw him again, and know nothing more of him. That is the story they tell, and faithfully do I tell it again. XXIII. Concerning Another Cemí Named Guabancex This cemi lived in the land of a principal cacique, named Aumatex. It is a woman, and they say she has two other cemíes for companions; one is a herald and the other is the collector and governor of the waters. They say that when guabancex is angry, she raises the winds and water, throws down houses, and tears up the trees. They say this cemi is a woman and is made of stones of that country. Her herald, named guatauba, carries out her orders by making the other cemies of the province help in raising wind and rain. Her other companion is named Coatrisquié of him they say that he collects the waters in the valleys between the mountains and then lets them loose to destroy the countryside. The people hold this to be gospel truth.
Capitulo XX: Del Cemí Buya y Aiba, del que Dicen que, Cuando Hubo Guerra, lo Quemaron, y Después, Lavándolo con el Jugo de la Yuca, le Crecieron los Brazos, y le Nacieron de Nuevo los Ojos y le Creció el Cuerpo La yuca era pequeña, y con el agua y el jugo mencionado le lavaban para que fuese grande; y afirman que causaba enfermedades a los que habían hecho dicho cemí, por no haberle llevado yuca que comer. Este cemi se llamaba Baibrama. y cuando alguno se enfermaba, llamaban al behique, y le preguntaban de que procedería su enfermedad, y el respondía que Baibrama se la había enviado, porque no le había mandado de comer por conducto de los que tenían cuidado de su casa. y esto decía el behique que le había dicho el cemí Baibrama. Capitulo XXI: Del Cemí de Guamorete dicen que cuando hicieron la casa de guamorete, el cual era un hombre principal, pusieron allí un cemí, que el tenia en lo alto de su casa, el cual cemi se llamaba Corocote, y una vez que tuvieron guerra entre ellos, los enemigos de guamorete quemaron la casa en que estaba dicho cemi Corocote. dicen que entonces este se levanto y se marcho de aquel lugar a distancia de un tiro de ballesta, junto a unas aguas. y dicen que estando encima de la casa, de noche bajaba y yacía con las mujeres; y que después guamorete murió, y que dicho cemí vino a parar a manos de otro cacique, y que seguía yaciendo con las mujeres. y dicen además que en la cabeza le nacieron dos coronas, por lo que solían decir: “ Puesto que tiene dos coronas, ciertamente es hijo de Corocote.” y esto lo tenían certísimo. Este cemí lo tuvo luego otro cacique, llamado guatabanex, y su lugar se llamaba Jacagua. Capitulo XXII: Del otro Cemi, que se Llamaba Opiyelguobirán, y lo Tenía un Hombre Principal, que se Llamaba Sabananiobabo, que Tenia Muchos Vasallos Bajo su Mando El cual cemí opiyelguobirán dicen que tiene cuatro pies, como de perro, y es de madera, y que muchas veces por la noche salía de casa y se iba a las selvas. Allí iban a buscarlo, y vuelto a casa lo ataban con cuerdas; pero él se volvía a las selvas. y cuando los cristianos llegaron a la dicha isla Española, cuentan que este escapó y se fue a una laguna; y que aquellos lo siguieron hasta allí por sus huellas, pero que nunca mas lo vieron, ni saben nada de él. Como lo compré, así también lo vendo. RHAA 14
149
Lourdes domínguez, Luiz Estevam de oliveira Fernandes Capitulo XXIII: Del otro Cemí que se Llamaba Guabancex
XXIV. Their Beliefs Conceming the Cemi Named Faraguvaol
Este cemí guabancex estaba en un país de un gran cacique de los principales, llamado Aumatex. El cual cemí es mujer, y dicen que hay otros dos en su compañía; el uno es pregonero y el otro recogedor y gobernador de las aguas. y dicen que cuando guabancex se encoleriza hace mover el viento y el agua y echa por tierra las casas y arranca los árboles. Este cemí dicen que es mujer, y esta hecho de piedras de aquel país; y los otros dos cemíes que están en su compañía se llaman el uno guataúba, y es pregonero o heraldo, que por mandato de guabancex ordena que todos los otros cemíes de aquella provincia ayuden a hacer mucho viento y lluvia. El otro se llama Coatrisquie, el cual dicen que recoge las aguas de los valles entre las montañas, y después las deja correr para que destruyan el país. y esto lo tienen ellos por cierto.
Capitulo XXIV: De lo que Creen de otro Cemí, que se Llama Baraguabael Este cemí es de un cacique principal de la isla Española, y es un ídolo, y le atribuyen diversos nombres, y fue hallado del modo que ahora oiréis. dicen que un día, antes de que la isla fuese descubierta, en el tiempo pasado, no saben cuanto tiempo hace, andando de caza, hallaron un cierto animal, tras del cual corrieron, y él huyó a un hoyo; y mirando por él, vieron un leño que parecía cosa viva. de donde el cazador, al ver esto, corrió a su señor, que era cacique y padre de guaraionel, y le dijo lo que había visto. Luego fueron allá y encontraron la cosa como el cazador decía; y cogido aquel tronco, le edificaron una casa. dicen que de aquella casa salio varias veces, y se iba al lugar de donde lo habían traído, pero no ya al mismo lugar, sino cerca. Por lo cual el señor sobredicho, o su hijo guaraionel, lo mandó a buscar y lo hallaron escondido; y lo ataron de nuevo y lo metieron en un saco. y con todo esto, así atado, se iba como antes. y esto tiene por cosa ciertísima aquella gente ignorante.
Capitulo XXV: De las Cosas que Afirman Haber Dicho dos Caciques Principales de la Isla Española, Uno Llamado Cacibaquel, Padre del Mencionado Guarionex, y el Otro Guamanacoel y a aquel gran señor, que dicen está en el cielo, según esta escrito en el principio de este libro, hizo Cáicihu un ayuno, el cual 150
RHAA 14
This cemi is an idol who belongs to a principal cacique of the island of Española and goes by various names. He was found in a manner that I shall now relate. They say that one day in the past, before the island was discovered [by the Spaniards B.K.], but they do not know how long ago, some Indians while hunting found an animal which they pursued; it threw itself into a ditch, and when they looked for it, they saw a log that seemed alive. At sight of this the hunter immediately ran to his lord, who was a cacique and the father of guarayonel, and told him what he had seen. They went there and found it to be as the hunter had said, so they took that log and built a house for it. They say the cemi left that house several times and returned to a place near that place whence they had brought him. The aforesaid lord or his son guarayonel sent men to search for the cemi, and they found him hiding; they tied him up again and put him in a sack; yet, tied as he was, he got away as before. These ignorant people hold this to be most certain truth. XXV. Concerning What Is Alleged to Have Been Said by Two Principal Caciques of the Island of Española, One of them Cacivaquel, Father of the Aforesaid Guarayonel, and the Other, Gamanacoel The great lord who they believe is in heaven (as I wrote at the beginning of this book) ordered Cacivaquel to fast, which they all generally do, staying in seclusion six or seven days at a time without eating or drinking anything except the juice of the herbs with which they also wash themselves. When the fasting period is finished, they begin to take nourishment. during the time of their fast their bodily and mental weakness causes them to see things that they perhaps wanted to see. They all fast in honor of their cemíes, in order to learn from them if they will gain a victory over their enemies, to acquire riches, or to satisfy some other desire. And they say this cacique claimed to have spoken with yiocavugama, who had announced to the cacique that those who succeeded to his power would enjoy it only a short time because there would come to his country a people wearing clothes who would conquer and kill the Indians, and that they would die from hunger. At first they thought he referred to the cannibals; later, reflecting that the cannibals only robbed and then went away,
La primera crónica religiosa del Caribe they decided he must have meant some other people. That is why they now believe that the idol prophesied the coming of the Admiral and the people who came with him. Now I shall tell what I have seen and experienced. When I and other brothers were about to depart for Castile, I, Fray Ram6n, a poor anchorite [was ordered B.K.] to remain, and I went to the fortress of La Magdalena, which was built by don Christopher Columbus, Admiral, viceroy, and governor of the islands and mainland of the Indies, by order of King Ferdinand and Queen Isabella our masters. While I was in that fort, in the company of its captain, Arteaga, god was pleased to enlighten with the light of the Holy Catholic Faith the entire household of the principal chief of the province in which stands the fortress of Magdalena. This province was called Macorix, and its lord is named guavaoconel, which means “son of guavaenequín.” In that house were his servants and favorites, who are called yahu naboriu; there were sixteen persons in all, all relations of his, including five grown brothers. one of them died, and the other four received the water of holy baptism, and I believe they died martyrs, as is shown by their constancy and the manner of their death. The first to be killed after baptism was an Indian named guaticavá, who received the baptismal name of Juan. He was the first Christian to suffer a cruel death, and certain am I that he died a martyr’s death. I learned from some who were present when he died that he repeatedly said, dios naboria daca, dios naboria daca, which means, “I am the servant of god.” His brother Antonio and another who was with him died in the same manner, uttering the same words. The people of this household always were attentive to my wishes. All those who have survived are still Christians, thanks to the work of the aforesaid Christopher Columbus, viceroy and governor of the Indies; and now, through god’s favor, there are many more Christians. Now I shall tell what happened in the fortress of La Magdalena. While I was there, the Lord Admiral came to relieve Arteaga and some other Christians who were besieged by their enemies, the subjects of a principal cacique named Caonabó. At that time the Lord Admiral told me that the province of Magdalena had a language that was different from any other and was not understood elsewhere on the island, and that I should go to live with another principal cacique named guarionex, a lord over many vassals, as his language was understood throughout the country. By his order, then, I went to live with
hacen comúnmente todos ellos. Para lo que están recluidos seis o siete días sin comer cosa alguna, excepto jugo de las hierbas con que también se lavan. Acabado este tiempo. Comienzan a comer alguna cosa que les da sustento. y en el tiempo que han estado sin comer, por la debilidad que sienten en el cuerpo y en la cabeza, dicen haber visto alguna cosa quizá deseada por ellos. Por lo cual todos hacen aquel ayuno en honor de los cemíes que tienen, para saber si alcanzaran victoria de sus enemigos, para adquirir riquezas o por cualquier otra cosa que desean. y dicen que este cacique afirmó haber hablado con yucahuguamá, quien le había dicho que cuantos después de su muerte quedasen vivos, gozarían poco tiempo de su dominio, porque vendría a su país una gente vestida, que los habría de dominar y matar, y que se morirían de hambre. Pero ellos pensaron primero que estos habrían de ser los caníbales, mas luego, considerando que estos no hacían sino robar y huir, creyeron que otra gente habría de ser aquella que decía el cemí. de donde ahora creen que se trata del Almirante y de la gente que lleva consigo. Ahora quiero contar lo que he visto y pasado, cuando yo y otros hermanos íbamos a ir a Castilla. y yo, fray Ramón, pobre ermitaño, me quede, y fui a la Magdalena, a una fortaleza que hizo construir don Cristóbal Colón, almirante, virrey y gobernador de las Islas y de la Tierra Firme de las Indias, por mandato del rey don Fernando y de la reina doña Isabel, nuestros señores. Estando yo, pues, en aquella fortaleza en compañía de Arteaga, capitán de ella, por mandato del susodicho gobernador don Cristóbal Colón, plugo a dios iluminar con la luz de la santa fe católica toda una casa de la gente principal de la sobredicha provincia de Magdalena, cuya provincia se llamaba ya Macorís, y el señor de ella se llama guanaoboconel, que quiere decir hijo de guanaoboconel, que quiere decir hijo de guanaobocón. En dicha casa estaban sus servidores y favoritos, que son llamados naborías; y eran en total dieciséis personas, todos parientes, entre los cuales había cinco hermanos varones. de estos murió uno, y los otros cuatro recibieron el agua del santo bautismo; y creo que murieron mártires, por lo que en su muerte y constancia se vio. El primero que recibió la muerte, y el agua del santo bautismo, fue un indio llamado guaticaba, que después tuvo el nombre de Juan. Este fue el primer cristiano que padeció muerte cruel, y tengo cierto que tuvo muerte de mártir. Por que he sabido por algunos que estuvieron presentes a su muerte, que decía: “dios naboría daca, dios naboría daca, que quiere decir “yo soy siervo de dios”. y así murió su hermano Antón, y con el otro, diciendo lo mismo que el. Los de esta casa y RHAA 14
151
Lourdes domínguez, Luiz Estevam de oliveira Fernandes gente todos estuvieron en mi compañía para hacer cuanto me agradaba. Los que quedaron vivos y todavía viven hoy, son cristianos por obra del susodicho don Cristóbal Colón, virrey y gobernador de las Indias; y ahora hay muchos mas cristianos por la gracia de dios. digamos ahora lo que nos sucedió en la Provincia de Magdalena. Hallándome en la mencionada Magdalena, vino el dicho señor Almirante en socorro de Arteaga y de algunos cristianos asediados por los enemigos, súbditos de un cacique principal llamado Canoabo. El señor Almirante me dijo entonces que la provincia de Magdalena (o) Macorís tenía lengua distinta de la otra, y que no se entendía su habla por todo el país. Pero que yo me fuese a vivir con otro cacique principal, llamado guarionex, señor de mucha gente, pues la lengua de este se entendía por toda la tierra. Así, por su mandato, me fui a vivir con el dicho guarionex. y bien es verdad que le dije al señor gobernador don Cristóbal Colon: “Señor.? Como quiere vuestra Señoría que yo vaya a vivir con guarionex, no sabiendo mas lengua que la de Macorís? déme licencia vuestra Señoría para que venga conmigo alguno de los de Nuhuirey, que después fueron cristianos, y sabían ambas lenguas”. Lo cual me concedió, y me dijo que llevase conmigo a quien mas me agradase. y dios por su bondad me dio por compañía al mejor de los indios, y el más entendido en la santa fe católica; y después me lo quito. Alabado sea dios que me lo dio y luego me lo quito. verdaderamente yo lo tenia por buen hijo y hermano; era guatícanabu, que después fue cristiano y se llamo Juan. de las cosas que allí nos pasaron, yo, pobre ermitaño, diré alguna, y de cómo salimos yo y guatícabanu y fuimos a la Isabela, y allí esperamos al señor Almirante hasta que volvió del socorro que dio a la magdalena. y tan pronto como llego, nos fuimos adonde el señor gobernador nos había mandado, en compañía de uno que se llamaba Juan de Ayala, que tuvo a su cargo una fortaleza que dicho gobernador don Cristóbal Colón hizo fabricar a media legua del lugar donde nosotros habíamos de residir. y el señor Almirante mando a dicho Juan de Ayala que nos diese de comer de todo lo que había en la fortaleza, la cual fortaleza se llamaba Concepción. Nosotros estuvimos por consiguiente con aquel cacique guarionex casi dos años, enseñándole siempre nuestra santa fe y las costumbres de los cristianos. Al principio mostró buena voluntad y dio esperanza de hacer cuanto nosotros quisiéramos y de querer ser cristiano, diciendo que le enseñásemos el Padre Nuestro, el Ave Maria y el Credo y e todas las otras oraciones y cosas propias de un cristiano. y así aprendió el Padre Nuestro y el Ave Maria y el 152
RHAA 14
guarionex. However, I said to the governor, don Christopher Columbus, “Sir, how can your Lordship ask me to stay with guarionex, when the only language I know is that of Macorix? Let your Lordship permit to come with me one of the Nuhuirci” (these people later became Christians) “who know both languages.” He granted my wish, and said I might take along anyone I wished. And god was pleased to give me for companion the best of all the Indians, and the best instructed in the Holy Catholic Faith; afterwards He took him from me: Praised be god who gave him to me and then took him away. Truly I looked upon him as my own good son and brother. He was guaicavanú, who afterwards became a Christian under the name of Juan. I, a poor anchorite, shall tell some of the things that befell us there, beginning with how I and guaicavanú departed for Isabela and there waited for the Lord Admiral until his return from the relief of Magdalena. As soon as he returned, we set out for the place where the Lord governor had sent us, accompanied by Juan de Ayala, who had command of the fortress of La Concepci6n that the governor Christopher Columbus had built half a league from the place where we were going to reside. The Lord Admiral ordered Juan de Ayala to provide us with food from the stores of the fortress. We stayed with the cacique guarionex almost two years, during which time we instructed him in our holy faith and the customs of the Christians. At first he appeared well disposed toward us, causing us to believe that he would do all we wished and wanted to become a Christian, for he asked us to teach him the Pater Noster, the Ave Maria, the Credo, and all the other prayers and things that are proper for a Christian to know. He learned the Pater Noster, the Ave Maria, and the Credo, as did many other persons of his household; he said his prayers every morning and made the people of his household say them twice a day. But he later grew angry with us and backslid from his good purposes on account of the principal men of that country, who scolded him for obeying the Christian law. They said the Christians were cruel and had taken their lands away by force; therefore they advised him to pay no heed to the Christians; instead they should take counsel together how they might best kill the Christians, since these were insatiable and there was no way of placating them. So he gave up his good ways and we, seeing that he was drawing away from us and abandoning our teachings, decided to go where we might have more success in indoctrinating
La primera crónica religiosa del Caribe the Indians in our holy faith. So we left for the country of another principal chief who seemed well disposed toward us and said he wanted to be a Christian. This cacique was named Maviatué. How we departed for the country of Maviatué, being I, Fray Ramón Pane, a poor anchorite, Fray Juan de Borgoña, of the order of St. Francis, and Juan Matthew, who was the first to receive baptism on the island of Española. The day after we left the village and dwelling of guarionex for the land of the cacique Maviatué, the people of guarionex built a hut next to the chapel, where we had left some images before which the neophytes could kneel and pray and I find comfort; these neophytes were the mother, brothers, and relatives of Juan Matthew; afterwards seven others joined them. Eventually all the members of his household became Christians and remained loyal to our holy faith, keeping watch over that chapel and some fields that I had caused to be tilled. on the second day after our departure for Maviatué’s village, by orders of guarionex six men came to the chapel and told the seven neophytes who had it in charge to take the sacred images that I had left in their care and destroy them, because Fray Ramón and his companions had gone away and would not know who I had done it. The seven boys who guarded the chapel tried to prevent them from entering; but they forced their way in, took the sacred images, and carried them away. XXVI. What Happened to the Images, and of the Miracle That God Caused to Pass in Order to Show His Power After leaving the chapel those men threw the images to the ground, heaped earth on them, and pissed on top, saying, “Now will you yield good and abundant fruit”; they offered this insult because they had buried the images in a tilled field. Seeing this, the lads who watched over the chapel ran to their elders, who were in the fields, and told them that guarionex’s people had desecrated the images and had jeered at them. The Indians immediately left what they were doing and ran crying to tell what had happened to don Bartholomew Columbus, then governing for his brother the Admiral, who had sailed for Castile. As the viceroy’s lieutenant and governor of the islands, he brought those wicked men to trial, and their crime having been established, he caused them to be publicly burned at the stake. However, guarionex and his people persisted in their evil design of killing all the Christians on the
Credo, y lo mismo aprendieron muchos de su casa; y todas las mañanas decía sus oraciones y hacia que las dijesen dos veces al día los de su casa. Pero después se enojo y abandono su buen propósito, por culpa de otros principales de aquella tierra, los cuales le reprendían porque deseaba obedecer la ley de los cristianos, siendo así que los cristianos eran malvados y se habían apoderado de sus tierras por la fuerza. Por eso le aconsejaban que no se ocupara más de las cosas de los cristianos, sino que se concertasen y conjurasen para matarlos, puesto que no podían satisfacerlos y habían resuelto no hacer en modo alguno lo que ellos quieren. debido a que se aparto de su buen propósito, nosotros, viendo que se apartaba y dejaba lo que le habíamos enseñado, resolvimos marcharnos e ir donde mejor fruto pudiéramos obtener, enseñando a los indios y adoctrinándolos en las cosas de la fe. y así nos fuimos a otro cacique principal, que nos mostraba buena voluntad diciendo que quería ser cristiano. El cual cacique se llamaba Mabiatué.
Capitulo XXV {BIS}: Como Partimos para Ir al País de Dicho Mabiatué, Esto Es, Yo, Fray Ramón Pané, Pobre Ermitaño, Fray Juan de Borgoña, de la Orden de San Francisco, y Juan Mateo, el Primero que Recibió El Agua del Santo Bautismo en la Isla Española Al segundo día que partimos del pueblo y residencia de guarionex para ir a otro cacique llamado Mabiatué, la gente de guarionex edificaba una casa junto al adoratorio, el cual dejamos algunas imágenes ante las cuales se arrodillasen y orasen y se consolasen los catecúmenos, que eran la madre, los hermanos y los parientes del mencionado Juan Mateo, el primer cristiano, a los que se juntaron otros siete; y después todos los de su casa se hicieron cristianos, y preservaron en su buen propósito según nuestra fe. de modo que toda la referida familia quedaba para guardar dicho adoratorio y algunas heredades que yo había labrado o hecho labrar. y, habiendo quedado aquellos en custodia de dicho adoratorio, al segundo día después de que hubimos partido para ir al sobredicho Mabiatué, fueron seis hombres al adoratorio, que dichos catecúmenos, en numero de siete, tenían bajo custodia, y por mandato de guarionex les dijeron que tomasen aquellas imágenes que fray Ramón había dejado al cuidado de los sobredichos catecúmenos, las destrozasen y rompiesen, pues fray Ramón y sus compañeros se habían marchado, y no sabrían quien lo había hecho. Por que los seis criados de guarionex que fueron allí, encontraron a los seis muchachos que custodiaban el oratorio, temiendo lo que RHAA 14
153
Lourdes domínguez, Luiz Estevam de oliveira Fernandes después sucedió. y los muchachos, así adoctrinados, dijeron que no querían que entrasen; mas ellos entraron a la fuerza, y tomaron las imágenes y se las llevaron.
Capitulo XXVI: De lo que Sucedió con las Imágenes, y del Milagro que Hizo Dios para Mostrar Su Poder Salidos aquéllos del adoratorio, tiraron las imágenes al suelo y las cubrieron de tierra y después orinaron encima, diciendo: “Ahora serán buenos y grandes tus frutos”. y esto porque las enterraron en un campo de labranza, diciendo que seria bueno el fruto que allí se había plantado; y todo esto por vituperio. Lo cual visto por los muchachos que guardaban el adoratorio, por orden de los susodichos catecúmenos, corrieron a sus mayores, que estaban en sus heredades, y les dijeron que la gente de guarionex había destrozado y escarnecido las imágenes. Lo cual sabido de ellos, dejaron lo que hacían y corrieron gritando a darle conocimiento a don Bartolomé Colon, que tenia aquel gobierno por el Almirante su hermano, que se había ido a Castilla. Este, como lugarteniente del virrey y gobernador de las islas, formo proceso contra los malhechores y, sabida la verdad, los hizo quemar públicamente. Pero con esto guarionex y sus vasallos no se apartaron del mal propósito que tenían de matar a los cristianos en el día designado para llevarles el tributo de oro que pagaban. Pero su conjuración fue descubierta, y así fueron presos aquel mismo día que querían llevarla a efecto. y no obstante todo esto, perseveraron en su perverso propósito, y poniéndolo por obra mataron a cuatro hombres, y a Juan Mateo, principal cristiano, y a su hermano Antón, que había recibido el santo bautismo. y corrieron adonde habían escondido las imágenes y las hicieron pedazos. Pasados algunos días, el señor de aquel campo fue a sacar los ajes, los cuales ajes son ciertas raíces semejantes a los nabos, y otras parecidas a rábanos; y en el lugar donde habían estado enterradas las imágenes, habían nacido dos o tres ajes, como si hubiesen puesto el uno por medio del otro, en forma de cruz. No era posible que nadie encontrase tal cruz, y sin embargo la hallo la madre de guarionex, que es la peor mujer que he conocido en aquellas partes, la cual tuvo esto por gran milagro, y dijo al alcalde de la fortaleza de la Concepción: “Este milagro ha sido mostrado por dios dónde fueron halladas las imágenes. dios sabe por que”. digamos ahora como se hicieron cristianos los primeros que recibieron el santo bautismo y lo que es necesario hacer para que se hagan todos cristianos. y verdaderamente que la 154
RHAA 14
day assigned for them to pay their tribute of gold. The conspiracy being discovered, they were made prisoners on the very day set for their revolt. yet some persevered in their design, killing four men and Juan Matthew, the chief clerk, and his brother Antonio, who had been baptized. Then those rebels ran to the place where they had hidden the images and broke them to pieces. Several days later the owner of the field went to dig up some yams (which are roots that look like turnips or radishes), and in the place where the images had been buried two or three yams had grown together in the shape of a cross. This cross was found by the mother of guarionex -- the worst woman I ever knew in those parts. She regarded it as a great miracle, saying to the governor of the fort of Concepción, “god caused this wonder to appear in the place where the images were found, for reasons known only to Himself.” Let me now tell how the first Indians to receive baptism were made Christians, and what is required to make them all Christians. Truly, this a island has great need of men who will punish those Indian lords who will not let their people receive instruction in the Holy Catholic Faith; for those people cannot stand up to their lords. I speak with authority, for I have worn myself out in seeking to learn the truth about this matter. But all this is clear from what I have already said: A word to the wise is sufficient. The first Christians on Española, then, were those I have mentioned, namely, yavauvariú and seventeen persons of his household, all of whom became Christians merely by being taught that there was a god who made all things and created Heaven and earth. There was no need for further discussion or instruction, so well disposed were they to the faith. But with others force and craft are necessary, for we are not all of the same nature. Whereas those I spoke of made a good beginning and a better end, there are others who begin well and afterwards mock what was taught them: Such require the use of force and punishment. The first Indian to receive baptism on Española was Juan Matthew, baptized on the feast day of St. Matthew the Evangelist in the year of 1496, and followed in baptism by all the members of his household. More progress would be made if there were clergy to instruct them in the Holy Catholic Faith, and people to hold them in check. And if I am asked why I think this business so easy, I shall say that I know it by experience, especially in the person of the principal cacique, named Mahuviativiré, who for three years now has continued to be a
La primera crónica religiosa del Caribe good Christian, keeping only one wife, although the Indians are accustomed to have two or three wives, and the principal men up to ten, fifteen, and twenty. This is what I have been able to learn through diligent inquiry of the customs and rites of the Indians of Española, and I seek neither spiritual nor temporal benefit from it. If it redound to the praise and service of our Lord, may He be pleased to give me strength to persevere; if not, may He deprive me of my understanding. End of the work of the poor anchorite Ramón Pane. Translation: Peter Bakewell
isla tiene gran necesidad de gente para castigar a los señores cuando son merecedores de ello (y) dar a conocer a aquellos pueblos cosas de la santa fe católica y adoctrinarlos en ella; porque no pueden y no saben oponerse. y yo puedo decirlo con verdad, pues me he fatigado para saber todo esto, y estoy cierto de que se habrá comprendido por lo que hasta ahora hemos dicho; y a buen entendedor, bastan pocas palabras. Los primeros cristianos en la isla Española fueron, pues, los que arriba hemos dicho, a saber, Naboría, en cuya casa había diecisiete personas, que todas se hicieron cristianas, con darles solo a conocer que hay un dios, que ha hecho todas las cosas, y creo el cielo y la tierra, sin que otra cosa se discutiese ni se les diese a entender, porque eran propensos a creer fácilmente. Pedro con los otros hay necesidad de fuerza y de ingenio, porque no todos somos de una misma naturaleza. Como aquellos tuvieron buen principio y mejor fin, habrá otros que comenzaran bien y se reirán después de los que se les ha enseñado; con los cuales hay necesidad de fuerza y castigo. El primero que recibió el santo bautismo en la isla Española fue Juan Mateo, el cual se bautizo el día de evangelista San Mateo el año 1496, y después toda su casa, en la que hubo muchos cristianos. y más adelante se iría, si hubiese quien los adoctrinase y les enseñase la santa fe católica, y gente que los refrenase. y si alguien me preguntase por que yo creo tan fácil este negocio, diré que lo he visto por experiencia, y especialmente en un cacique principal llamado Mahubiatíbire, el cual hace ya tres años que continua con buena voluntad, diciendo que quiere ser cristiano, y que no quiere tener más que una mujer, aunque suelen tener dos o tres, y los principales diez, quince y veinte. Esto es lo que yo he podido saber y entender acerca de las costumbres y los ritos de los indios de la Española, por la diligencia que en ellos he puesto. En lo cual no pretendo ninguna utilidad espiritual ni temporal. Plegue a Nuestro Señor, si esto redunda en beneficio y servicio suyo, darme gracia para poder perseverar; y si ha de ser de otra manera, que me quite el entendimiento. Fin de la obra del pobre ermitaño Ramón Pané.
RHAA 14
155
Resenhas
Kenneth Bendiner Food in paiting: from the Renaissance to the present Londres: Reaktion Books, 2004, 238 p. ISBN 86189-213-6
[…] [este livro] examina a comida e sua história apenas como aparecem em pinturas desde o século 15; e é tanto sobre arte como é sobre cozinha.1
Kenneth Bendiner, professor de História da Arte da Universidade de Milwaukee, finaliza o primeiro parágrafo de seu livro com esta frase. Nesta, ele explicita seu objetivo, ou seja, escrever sobre a relação entre arte e comida e, de modo quase inevitável, pensar como aqueles contextos sociais que produziram tais obras valoravam o ato da alimentação. O autor se utiliza de uma via de mão dupla, comentando as relações que são dadas pelo viés da história da arte, mas não deixando de lado aquelas que podem ser estabelecidas pela história da alimentação. Como seu título aponta, sua pesquisa está voltada apenas para o campo da pintura. Referências à escultura, à gravura e ao desenho, por exemplo, não são estabelecidas. Se esta opção é interessante pelo fato de termos um estudo com um alvo preciso, por outro lado algumas problematizações como, por exemplo, a do desenho científico e a da relação entre comida e imagem pelo viés da ciência e da história natural, que poderiam ser de grande interesse, são deixadas de lado. Esta empreitada acadêmica também tenta dar conta de um longo período, “do Renascimento ao presente”, como consta também em seu título. Para tal, ele cria quatro eixos conceituais e 1 BENDINER, Kenneth. Food in paiting: from the Renaissance to the present. Londres: Reaktion Books, 2004, p. 7.
RHAA 14
157
Resenhas a partir deles pensa as relações cabíveis entre pinturas de diversos recortes histórico-artísticos. Esta opção é louvável por não ler as imagens de modo estanque, como se estivessem trancadas em seus contextos, contribuindo com a “abertura” delas e sem deixar de lado suas particularidades históricas e sociais. Bendiner tende a construir seu texto de modo cronológico, ou seja, ele inicia suas análises pelas obras mais antigas, do século 15, e pensa na permanência daquelas formas e questões em outros períodos até chegar ao “presente” e nas modificações dadas naqueles modos de representar a comida. O primeiro eixo do livro é sobre a representação do mercado na História da Arte. Partindo de uma imagem da colheita do Maná (Figura 1), Bendiner analisa como as pinturas representam o ato de se dar, trocar, vender e expor alimentos. Dos troféus de caça à serialização da sopa industrializada, feita por Andy Warhol; dos restaurantes aos mercados medievais, ele analisa a questão da abundância alimentar nas representações de seus espaços de venda: comida é igual a fartura e esta última conota uma situação econômica favorável daquele que é representado – seja este o padeiro, o caçador ou o consumidor contemporâneo. Gula e luxúria, comida e sexo são itens que caminham lado a lado. Seria aleatório o fato de em algumas representações de mercados fartos observarmos ali ao lado a presença de uma figura feminina que desafia o espectador (Figura 2)? Haveria certo sexismo neste modo de representar? E os duplos sentidos que envolvem as palavras do campo semântico da comida e do comer? Como o autor esclarece, não só em português eles se fazem presentes, mas em diversas línguas ocidentais. Seu segundo capítulo, “Preparando a refeição”, analisa as representações de cozinhas. Em qual momento da história da arte aquele que cozinha deixou de ser visto como um mero serviçal e ganhou o estatuto de chef? Seria possível distinguir a classe social daquele que encomendou uma pintura a partir da comida que naquela tela foi pintada? Qual a dimensão desse “cozinhar artesanal” nas representações, por exemplo, da pop art (Figura 3)? Que significados poderíamos atribuir ao aparente apagamento daquele que tocava nos alimentos, substituído pela constante monumentalização dos ditos aparelhos eletrodomésticos? Estas questões que surgem no decorrer da leitura do livro de Bendiner são interpretadas, aos poucos, no decorrer de seu maior capítulo, o terceiro, simplesmente intitulado “Refeições”. Dividido em diversos subcapítulos, o autor reflete sobre os significados possíveis do poder de reunir pessoas em torno de um fim, o comer. Seria a refeição nobre, ou seja, dada 158
RHAA 14
Resenhas entre pessoas de alta classe social e, talvez por consequência, mediada por regras de etiqueta, ou a informalidade a dominaria? Que tipos de refeição permitem esta informalidade visual (Figura 4)? Os restaurantes, os piqueniques, o café, o chocolate, o chá; poderíamos ler as imagens de espaços, modos e objetos alimentares como um reflexo dos recortes históricos em que foram produzidos? Imagem, comer e cultura são coisas inseparáveis. Dependendo do lugar de onde advém a imagem analisada, as comidas representadas na pintura recebem significados diferentes. Podem ser interpretadas como uma manifestação nacionalista, ou podem ser resultado também de um intercâmbio cultural, como quando há a inclusão de especiarias mexicanas em pinturas espanholas do século 17, por exemplo. E, em um caso como este, o campo da dominação também se faz presente. Como o autor analisa muito bem, “[...] pinturas de refeições afirmam nossa maestria sobre o mundo e sobre nossos destinos”.2 O último momento do livro, o menor, porém mais crítico, chama-se “Comida decorativa e simbólica”. Bendiner aqui lança luz para a representação da comida em que não há a intenção de que esta seja vista enquanto alimento. Aqui, portanto, a dimensão social do ato da refeição é apagada, e o que salta aos olhos é ou o seu caráter meramente decorativo, ou o seu simbolismo objetivo. Exemplos do primeiro são as grotescas, pinturas com cunho decorativo e domiciliar, muito em voga durante o Renascimento, em que as frutas pintadas ali estão para ser organizadas visualmente, sem um significado transcendente a isso. No campo do simbolismo, o autor cita a associação iconográfica entre Jesus Cristo e a maçã, que remete ao pecado original cometido por Eva ao ingeri-la (Figura 5). Neste caso o que interessa é esta associação direta e não uma reflexão por parte do espectador sobre os costumes alimentares que perpassam aquele ato. Três me parecem, porém, os pontos negativos desta publicação. O primeiro é a utilização ligeiramente desenfreada dos termos referentes aos estilos históricos, como “maneirista”, “barroco”, “renascentista” e, acima de tudo, “pós-moderno”. Mesmo que toda a sua argumentação seja baseada na análise de imagens específicas e geralmente incluídas no texto, não é raro perceber uma tendência a ler o Renascimento como um período artístico permeado pela “calma” e “confiança”, ao passo que a Pós-Modernidade é “cáustica”.3 Se a estrutura do livro tende BENDINER, Kenneth. Op. cit., p. 204. Tradução nossa. “Esse livro inclui arte da era confiante do Renascimento ao período cáustico do Pós-modernismo”. In BENDINER, Kenneth. Op. cit., p. 7. Tradução nossa. 2 3
RHAA 14
159
Resenhas a uma interessante heterogeneização dos problemas temáticos que o autor propõe, ao se utilizar dos estilos artísticos e, ainda mais, usar destes para atribuir características homogeneizantes às pinturas, uma contradição fica aparente. Desta questão nasce outra: a relação que o autor vê entre diversas obras e a “natureza-morta holandesa”. É sabida a influência que pintores como Frans Hals e Rembrandt exerceram nas gerações posteriores, como as relações que podem ser estabelecidas, por exemplo, com Delacroix ou mesmo com Manet. O problema da abordagem do autor, porém, diz respeito ao fato de ele reconhecer esta relação, mas não destrinchá-la. Ele indica esta “influência holandesa”, mas não esclarece quais as diferenças que podemos encontrar nas obras em confronto. Em vez da ideia de influência, talvez ele devesse utilizar o termo “recepção” ou mesmo “intercâmbio” entre as pinturas. A via aqui acaba por ser, infelizmente, a de mão única. Esta abordagem também pode ser interpretada como consequência do excesso de imagens analisadas. Na tentativa de dar conta de um largo período histórico-artístico e pelo viés dos eixos conceituais, Bendiner acaba dando muitos exemplos e, vez ou outra, minimiza a sua leitura. Se ele optasse por enfocar suas análises em menor número de imagens, mas mantivesse seu interesse pelos confrontos anacrônicos, seu texto seria mais rico e o leitor se veria na posição prazerosa de realizar a sua própria pesquisa, expandindo os exemplos do livro. Há certa ansiedade de informação na sua escrita e esta prejudica o aspecto crítico do texto. De qualquer modo, porém, esta publicação parece essencial para o ainda incipiente campo da pesquisa das relações entre arte e alimentação. Devido ao seu próprio excesso de informação imagética e textual, o livro de Kenneth Bendiner se torna essencial como obra introdutória para o interessado nestes tópicos. Além do mais, este livro é um dos poucos encontrados no mercado editorial que explicitam que seu objeto de estudo é a representação imagética da comida e, ainda mais, pelos instrumentos oferecidos pela disciplina da História da Arte. Trata-se de um monumento ao “comer, beber, viver” e pintar, e apenas podemos seguir a esperar que este trabalho auxilie pesquisas futuras.
RAPHAEL FONSECA
Bacharel e Licenciado em História da Arte pela UERJ Mestre em História da Arte pela UNICAMP Professor de Artes Visuais do Colégio Pedro II 160
RHAA 14
Resenhas 1
1 Mestre do Maná – “A colheita do Maná” – 1470.
Vincenzo Campi – “A vendedora de frutas” – 1580. 2
2
RHAA 14
161
Resenhas
4 3
3
5
Roy Lichtenstein – “Fogão de cozinha” – 1962.
4 Frans Hals – “Banquete dos oficiais da Guarda Cívica de São Jorge” – 1616. 5
Hans Baldung Grien – “Adão e Eva” – 1531.
162
RHAA 14
Resenhas
Richard Hingley The Recovery of Roman Britain 1586‑1906, a colony so fertile Oxford: Oxford University Press, 2008, 390 p. ISBN 9780199237029
Richard Hingley, livre-docente da Universidade de Durham, Inglaterra, destaca-se no cenário dos estudos sobre a Antiguidade e sobre a Arqueologia, por sua preocupação com a inserção da pesquisa no seu ambiente histórico e social. Neste volume, recém-lançado na prestigiosa coleção Oxford Studies in the History of Archaeology (Coleção de Oxford de Estudos sobre a História da Arqueologia), Hingley volta-se para os estudos sobre a Bretanha romana por cerca de dois séculos. Procura mostrar como os vestígios materiais contribuíram para informar, desenvolver e contradizer o conhecimento advindo dos textos clássicos. Demonstra como a colonização inglesa da Escócia, da Irlanda e de outros territórios, como a Nova Inglaterra e a Índia, moldou as interpretações sobre a atuação dos romanos na Bretanha. O livro inicia-se com uma introdução, na qual se enfatiza que os objetos possuem um poder de agenciamento, na medida em que influenciam os modos de pensar e agir dos seres humanos. Quatro temas aparecem como recorrentes: • A ideia de que a civilização foi introduzida aos bretões nativos por meio de sua incorporação ao império romano; • Os modos pelos quais a separação de civilizados e incivilizados, por meio de muros romanos na fronteira norte, foram interpretados; • O tratamento das construções identitárias de romanos e bretões, em relação com as identidades modernas; • O papel das ruínas romanas nas propostas relativas à atuação imperial britânica. O primeiro capítulo volta-se para os reinados de Isabel I e Jaime I e a publicação do livro Britannia, de Camden, com sua RHAA 14
163
Resenhas coleção de inscrições latinas encontradas na Ilha. John Speed (1551-1629) publicou uma História da Grã-Bretanha, na qual aparecem pintados os nativos bretões e pictos. O período romano foi considerado particularmente relevante por Camden e Speed, entre outros autores da época, por ter introduzido a civilização, assim como o Cristianismo e a ideia de unidade da Grã-Bretanha. Perscruta a literatura do período, que ressalta como os romanos levaram a ordem para complementar a coragem dos bárbaros. Como colonizadores da Irlanda e do Novo Mundo, os ingleses percebiam analogias entre seu próprio poder civil e militar e o dos romanos. O segundo capítulo volta-se para o muro de separação de bárbaros e romanos, título retirado de passagem de uma fonte romana, Scriptores Historiae Augustae, De Vita Hadriani, 11, 2 (“Adriano foi o primeiro a construir um muro, com oitenta milhas de comprimento, para separar bárbaros e romanos”). Diversos autores tentaram mostrar a importância da ocupação romana na Escócia, embora outros enfatizassem a independência dos antigos pictos. As narrativas dos autores clássicos sobre a Bretanha foram usadas, no século 18, para conceituar a colonização interna e externa àquela época. O terceiro capítulo mostra como uma visão militar da ocupação romana contrastava com interpretações civis, disputa que, de alguma forma, continua até os dias de hoje. A ordem Georgiana (Georgian order), tão bem conhecida na Arqueologia Histórica do mundo americano, aparece em toda sua utilização dos motivos romanos. O controle imperial britânico ronda sempre a maneira de encarar as evidências materiais romanas encontradas na Grã-Bretanha. Em seguida, Hingley intitula o quarto capítulo com uma citação: “A ocupação romana da Bretanha e a nossa ocupação da Índia” (B. Windle, 1897). Em meados do século 19, muitos antiquários continuavam a lutar com a ideia de que a cultura romana pudesse ter se espalhado para os bretões, por analogia com o que ocorria com os britânicos na Índia. A escavação de fazendas romanas (uillae) foi incentivada pela aristocracia rural. O conceito de raça, tão presente na vida social da época, foi também transposto para o entendimento do mundo antigo, assim como pulularam as buscas por origens cristãs. São Paulo teria convertido a bretã Cláudia Rufina, filha do rei nativo Cogidubnus, e assim teria começado a evangelização da Ilha, já no século 1. Como descrevia Grover, em 1870: “a civilização, com suas bênçãos e pragas, atraía o morador comum da Ilha britânica. Um longo ciclo de imperialismo magnífico, por quatrocentos 164
RHAA 14
Resenhas anos, tinha que ocorrer”. O General Pitt Rivers, um dos fundadores da Arqueologia moderna, fundou seus primeiros estudos e métodos na busca dos bretões romanizados. A romanização, tradução do alemão Romanisierung, termo criado por Mommsen, inseria-se na perspectiva da aculturação, com a passagem implícita de uma cultura inferior para outra superior. Francis Haverfield foi responsável por tentar reconciliar as vertentes civis e militares na explicação do domínio romano da província, por meio do conceito de romanização. Na conclusão, Hingley ressalta que artefatos, depósitos e monumentos foram importantes para a forja de narrativas históricas, que davam sustentação ao domínio britânico das áreas colonizadas na Irlanda, na América, Índia e África. Há diversos aspectos que devem ser ressaltados nos argumentos de Hingley. Em primeiro lugar, demonstra como o estudo de um tema tem muito a ganhar com uma reflexão sobre sua inserção nas circunstâncias históricas. A Arqueologia do século 21 apresenta rupturas, mas também continuidades insuspeitadas com as pesquisas antiquárias dos últimos quatro séculos. Em seguida, fica também claro que os modelos interpretativos usados pela Arqueologia faziam sentido como respostas aos problemas políticos de suas épocas, aos desígnios de dominação moderna. Não é possível, portanto, desvencilhar a maneira de encarar os romanos, das situações e interesses das épocas posteriores. Em termos arqueológicos, o uso da cultura material romana, em época moderna, serviu a diversos propósitos, tanto na Grã-Bretanha, como em áreas muito distantes. Não se pode considerar a moderna ordem georgiana, levada para a América do Norte, sem entender como fazia parte de uma narrativa da materialidade romana, ainda que para usos modernos e burgueses. A leitura desta obra será, portanto, de grande interesse não apenas para os que se interessam pelo mundo antigo, como pela modernidade e pela epistemologia da disciplina arqueológica.
PEDRO PAUlO ABREU FUNARI Professor Titular do Departamento de História e Coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos, Universidade Estadual de Campinas. RHAA 14
165
Resenhas
Charles Batteux As belas-artes reduzidas a um mesmo princípio Tradução do francês: Natalia Maruyama Tradução de trechos em latim: Adriano Ribeiro Revisão Técnica: Victor Knoll Apresentação e Notas: Marco Aurélio Werle São Paulo: Humanitas & Imprensa Oficial, 2009, 168 p. As doutrinas artísticas antigas, refundadas em algum neoaristotelismo, assim como em obras poéticas também pertencentes à Antiguidade – a aristotélica e a horaciana, principalmente – serviram à composição do ensaio intitulado “as belas artes reduzidas a um mesmo princípio”, de Charles Batteux, professor de retórica, filosofia e poesia grega e latina no Collège Royal de Paris, em fins do século 18. Sucedem o Les beaux-arts outras obras fundamentais escritas por Batteux ao longo do tempo em que desempenhou as referidas funções de professor e reitor, como Cours de Belles-Lettres ou Principes de la Littérature, de 1753, ou o Les Quatre Poétiques, d’Aristote, d’Horace, de Vida, de Despreáux, avec les traductions & des remarques, de 1771, além de outros. Não se trata aquele, no entanto, de um tratado de execução para as artes nem tampouco pode ser proposto como obra precursora quanto à emergência de estéticas que fundamentam o fazer artístico segundo a noção de vida subjetiva do artista, principal critério, conforme aquelas, para o desenvolvimento das artes na chave do progresso e do devir. Convertido ao conceito de “princípio unificador” das artes, o princípio a que se refere o título da obra não é redutor quanto à implicação das técnicas e dos modelos de imitação ao mesmo tempo em que se amplifica a atuação da subjetividade RHAA 14
167
Resenhas e da individualidade como principais móveis da criação poética e artística. Não pertence, caso se queira dizer de outro modo, à Estética ou à Filosofia da Arte, mas às doutrinas poético‑retóricas que pensam as artes, em termos de comparação, paragone, na chave da imitação e do decoro, conforme, preceito aristotélico. Confirma‑o a própria exposição feita por Batteux no prólogo do “as belas‑artes”: Após tantas buscas inúteis e não ousando entrar sozinho em uma matéria que, vista de perto, parecia tão obscura, atrevia‑me a abrir Aristóteles, do qual eu havia escutado exaltarem a Poética. [...] A máxima de Horácio se achou verificada pelo exame: ut pictura poesis. Constatou‑se que a poesia era em tudo uma imitação, assim como a pintura. Eu ia mais longe: tentava aplicar o mesmo princípio à música e à arte do gesto, e espantou‑me a justeza com a qual lhes convinha. Foi isso que produziu esta pequena obra, onde se pressente que a poesia deve ocupar a posição principal, tanto por causa de sua dignidade, quanto por ter sido sua ocasião.
Ao invocar o kairos, a ocasião, ou “o momento oportuno”, para a poesia, Batteux subordina a imitação operante em todas as artes àquela produzida pela poesia, construindo o seu discurso, mediante outros princípios, embora não declarados no ensaio, advindos da retórica aristotélica. Apta menos a persuadir do que a desenvolver os meios exigidos para cada caso, com vistas à persuasão, esta retórica provê para Batteux as provas inartísticas, fornecidas pela leitura de Aristóteles, Horácio e outros, assim como as artísticas, com as quais o autor informa o leitor sobre a motivação do ensaio para o esclarecimento de suas ideias sobre as belas‑artes e a poesia, ou para prestação de contas a si mesmo, conforme o que ele relata, encontrada por método ou inventada por cogitação própria. De acordo com Batteux, a natureza fornece o melhor modelo a ser imitado para quem saiba imitá‑la bem, quer dizer, convenientemente, sendo, por outro lado, um despropósito imitá‑la “servilmente”, tal como ela é. O conveniente é o bom que, por sua vez, é “digno de ser escolhido em si e por si”, segundo Aristóteles, ou aquilo que, “pela sua presença, outorga bem‑estar e autossuficiência, [...] ou o que produz e conserva esses bens” (Retórica, I,7). O bom é belo, e é útil, sendo conveniente, por exemplo, que o mais fácil seja maior que o mais difícil porquanto sendo em geral o mais difícil maior que o mais fácil, todavia, é a este último que sempre desejamos. Reduzir as artes a um mesmo princípio implica simplificar as regras, tendendo‑se à conveniência do mais fácil ou do mais simples, uma vez que o modelo a ser imitado por todas as artes é sempre o mesmo, ou seja, a natureza, em si, bela, boa e útil. 168
RHAA 14
Resenhas Para Batteux, o “juiz nato de todas as belas‑artes é o gosto”, uma vez que o bom gosto nas artes, a par da imitação da bela natureza é regrado pelo sentimento, ou pelo gênio, sendo este o sentimento em conformidade com as coisas naturais. Agradar, levar ao prazer, sempre foi o seu objeto, constituindo‑ se as artes os seus “novos objetos”, embora o gosto sempre permaneça constantemente o mesmo, uma vez que procede da imitação do modelo da natureza. Os objetos apresentados pelas artes, segundo Batteux, devem ter “uma relação íntima conosco”, despertando o nosso interesse à medida que nosso espírito prova da variedade, assim, multiplicando em nós os sentimentos e as ideias. À arte cabe a função de dotar as diferentes partes desses objetos de um “grau requintado de força e de elegância”, fazendo‑os parecer como novos, porquanto apresentados de maneira singularíssima, para a audiência ou espectadores, que, por sua vez, compartilham das mesmas doutrinas do legislador, e julgam o êxito da ficção. As definições de Batteux sobre o gosto coincidem também com as de Montesquieu, que foi incumbido de escrever um verbete sobre este conceito para a Enciclopédia de D’Alembert e Diderot, iniciada em 1753. Para Montesquieu, o “gosto é aquilo que nos liga a uma coisa por meio do sentimento”. O gosto, adquirido, cultivado, dá a conhecer, para o sentimento, as regras particulares que o gênio do artista utilizará na invenção e disposição de seu discurso, comportando‑se todas as artes particulares como formas discursivas consoantes à poesia, que é exemplo para Batteux de imitação do belo natural, estendido ao gosto, e, assim, a todas as artes. Sendo o gênio uma aptidão e uma disposição do ethos do artista na contrafação do modelo natural, por meio da imitação, o gosto, para Batteux, consequentemente está subordinado ao mesmo princípio, sendo em relação a este princípio não uma aptidão produtiva, como o gênio, mas somente apreciativa e legislativa. O gênio, por sua vez, é uma tópica que também corresponde às doutrinas, não investido ainda da subjetividade psicologizada que o projetará no romantismo como principal expoente de arte que se apresente como expressão autônoma e intimista. Para Batteux, a sua função consiste “não em imaginar o que pode ser, mas encontrar o que é”, inventando, isto é, achando um objeto já existente com o propósito de imitá‑lo. Trata‑se de uma aptidão apropriada ao exercício, principal, de reconhecimento, feito também pelo gosto, uma vez que na natureza, onde tudo existe, pode ser encontrado o modelo prototípico para as artes que nunca sobrevêm do nada. Ao servir como meios de transporte dos “traços que estão na natureza e apresentá‑los em objetos que não são naturais”, as artes assumem a direção da produção do verossímil, e não RHAA 14
169
Resenhas da busca pelo verdadeiro, servindo‑se da matéria que a natureza efetivamente lhe oferece. Tal tópica se apresenta em muitos outros lugares, por exemplo, em Kant, na terceira crítica, obra do final do século 18, quando ele analisa a relação entre “bela‑arte, gênio e gosto”. Divergem os dois autores, Kant e Batteux, quanto à direção determinada para o conceito de gênio, aptidão natural para ambos, porém, voltada mais à invenção de “ideias estéticas” ou daquelas “ricas em imaginação”, segundo Kant, do que algo que se apresenta como uma acurada capacidade investigativa, segundo o autor francês. Propõe‑se aqui a captura do conceito de gênio pela filosofia do final do século 18, pelo que Kant determina como a “disposição natural inata” ativa no sujeito, de onde provém toda regra necessária à produção da bela‑arte. Contingentes, as leituras que se fizeram, sobretudo no século 19 e início do século 20, destas e de outras proposições kantianas, serviram às definições mais recentes de arte para as quais a expressão e a criação, principais chaves de entendimento destas, rondam subterraneamente o autor subjetivo. Batteux deve ser lido, porém, ainda em concordância com as doutrinas neoaristotélicas circulantes à época. Para estas doutrinas, é o gênio uma aptidão que imita, emula e aperfeiçoa, pelo composto imitado, o modelo da natureza, sem deixar o referido composto de ser natural. Em outras palavras, o gênio escolhe e organiza entre os inúmeros objetos naturais, aqueles que são convenientes à invenção e à imitação, na composição das partes da arte à qual o artista se dedica. Servindo‑lhe de apoio e alimento, a natureza dispõe a ele as suas riquezas, encarecendo a imitação como operação de reconhecimento destas, “naquilo que é propriamente arte”, ou como construção de um “fundo de verdade” misturado habilmente à ilusão. Lendo Aristóteles, possivelmente a partir da edição comentada da Poética, publicada por André Dacier, em 1692, Batteux reedita a comparação entre poesia e história, esta ligada ao verdadeiro, aquela, ao verossímil: “O historiador dá os exemplos tais como são, frequentemente imperfeitos. O poeta os dá tais como deveriam ser”. A imitação prevê a seleção das partes da natureza e também dos fatos assim ditos verdadeiros na efetuação de uma ficção baseada no verdadeiro, vera fictio, associada à composição do pleno artifício, falsa fictio, operação também retórica que, para o autor, é exemplificada pela tópica inscrição de similitudes. Operante em Plínio, o Velho, que é referência para Batteux e todos os outros autores do período, esta tópica é reapresentada pelo nosso autor no exemplo da seleção de belezas, feita por 170
RHAA 14
Resenhas Zêuxis para a pintura de uma deusa, ou pela pintura das batalhas de Alexandre, por Le Brun. A imitação, contudo, somente se completa como perfeição de arte se o estado do gênio, excitando‑se, no momento em que se completa a composição, preenche‑o como se fosse uma “ideia viva”, que o faz esquecer‑se de si mesmo. Extasiado, o gênio tem, na chave do entusiasmo platônico, condições de se unir ao seu objeto, vivendo pelo sentimento os artistas os personagens de suas invenções, “colocando‑se no meio das coisas que queiram representar”. Divididas em três espécies, as “artes mecânicas”, as “belas‑artes”, e as da “eloquência e arquitetura”, são as de segunda espécie a receber tratamento que as articula em torno do princípio de imitação poética. Assim, logo após tratar da natureza do gênio e do gosto, Batteux lança‑se a analisar a operação do “mesmo princípio” à poesia, suas divisões e gêneros, “à pintura, à música e à dança”. Homólogas à poesia, estas artes estão destinadas a se mostrarem juntas ou reunidas, principalmente a primeira, seguida das duas últimas, porquanto a elas cabe a tarefa de “apresentar a imagem das ações e paixões humanas”, aristotelicamente. Uma vez que a natureza criou os seus princípios, com o fim de mantê‑los unidos, este é o princípio fundamental ou o primeiro princípio. À arquitetura, escultura e pintura, por outro lado, caberia a missão de armar a cena para o espetáculo ou para a exposição do composto imitado. Para tanto, Batteux propõe para esta última, a pintura, também uma homologia com a poesia, extensível às demais artes. Basta, segundo ele, que se substituam os nomes “poesia, fábula, versificação” pelos nomes “pintura, desenho, colorido”. Vistos hierarquicamente como partes da pintura, “desenho e colorido”, neste último incluso o claro‑escuro, são remissivos à divisão da pintura que circula pelos tratados a ela dirigidos desde pelo menos meados do século 15. Pense‑se, por exemplo, na articulação “desenho/ claro‑escuro/cor”, operante em Alberti, depois vigente nas academias de Bologna, Roma e França, e alhures. Articulação que também se instalaria, mais tarde, na instituição acadêmica brasileira, do século 19, à luz de reflexão quase sempre estatutária, legível em decretos de nossa burocracia oficial.
LuIz ARMANDO BAgOLIN
Professor do Instituto de Estudos Brasileiros – IEB/USP RHAA 14
171
Referências das imagens
A presença de Chassériau em Moreau 1
Gustave Moreau. Les cantique des cantiques, 1853. Dijon, musée des Beaux-Arts.
2
Théodore Chassériau? Invasions Barbares. Por volta de 1850. Musée du Louvre.
3
Théodore Chassériau. François Xavier baptise les Indiens, 1850-1853. Igreja de Saint Roch, Paris.
4
Théodore Chassériau. Saint Philippe baptise l’eunuque de la reine d’Éthiopie, 1850-1853. Igreja de Saint Roch, Paris.
5
Detalhe do soldado em Cântico dos Cânticos, 1853, de Gustave Moreau.
6
Detalhe de figura masculina em Saint François Xavier (invertida), 1850-53, de Théodore Chassériau.
7
Detalhe de Cântico dos Cânticos, 1853, de Gustave Moreau.
8
Detalhe de Saint François Xavier baptise les Indiens, 1850-53, de Théodore Chassériau.
9
Detalhe de Invasions Barbares, de Théodore Chassériau por volta de 1850.
10
Detalhes da figura feminina. Les cantiques de cantiques, 1853, de Moreau.
11
Detalhes da figura feminina. Étude de femme assise dans un intérieur, por volta de 1852, de Moreau.
12
Detalhes da figura feminina. Trois études dont La Sulamita, por volta de 1852, de Moreau.
13
Detalhes da figura feminina. Vénus marine, 1838, de Chassériau.
14
Detalhes da figura feminina. Suzanne au bain, 1839, de Chassériau.
15
Detalhes da figura feminina. Esther se parant pour être présentée au roi Assuérus, 1841, de Chassériau.
16
Detalhes da figura feminina. Alice Ozy, 1848, de Chassériau.
17
Detalhes da figura feminina. Portrait de Rachel, 1853, de Chassériau.
18
Gustave Moreau. Le Jeune Homme et la mort, 1856-1865.
Semiótica aplicada à Arqueologia – um estudo de caso na Área Andina 1
Representação de “guerreiro mochica”. Peça pertencente ao acervo do Museu Arqueológico Rafael Larco Herrera. Fotografia da autora.
2
Ilustração da autora a partir do artefato apresentado na Figura 1.
3
Detalhe de sememas sobre o corpo do guerreiro apresentado nas Figuras 1 e 2. Ilustração da autora.
4
Representação gráfica de sememas referentes a padrões de pelagem vistos nos jaguares, encontrados em peças mochicas. (1- padrões representados conforme encontrados na peça ML003778; 2- padrão representado conforme encontrado na peça ML001175, pertencente ao acervo do Museu Larco. 3- padrão representado conforme encontrado na peça MAE 3562, pertencente ao acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP). Ilustração da autora.
A cultura guarani em debate: o Sítio Arqueológico Córrego da Lagoa 2 1
Mapa Político do Estado do Paraná, retirado do site oficial do Município de Altônia, com um ponto em vermelho localizando a região do Sítio arqueológico Córrego da Lagoa 2.
2
Representações gráficas de Cambuchí e Cambuchí Caguabã respectivamente. (LA SALVIA & BROCHADO, 1989).
3
Números totais de fragmentos analisados.
A Virgem amamentando o Menino e São João Batista criança em adoração, do Museu de Arte de São Paulo 1
Virgem amamentando o Menino e São João Batista criança em adoração / Giampietrino / Museu de Arte de São Paulo (MASP - SP). Óleo sobre tela: 86 × 88 cm.
RHAA 14
2
Madona com Menino, São Jerônimo e São João Batista / Giampietrino / San Marino (Pavia).
3
Madona com Menino, São Jerônimo e São João Batista / Giampietrino / Ospedaletto Lodigiano.
4
Leda / Giampietrino / Staatliche Museen (Kassel). Óleo sobre tela: 128 × 106 cm.
5
Ninfa Hegéria / Giampietrino / Brivo Sforza (Milão).
Apresentação da indústria lítica do sítio arqueológico Caconde 6 Figuras 1
Minirraspador circular de sílex.
2
Exemplos de Caconde 6.
3
Exemplo de Plaina da coleção Caconde 6.
4
Pontas-projéteis da coleção Caconde 6.
5
Exemplo de Biface “Bumerangue”.
6
Exemplo de Lesma da coleção Caconde 6.
Furadores
da
coleção
Gráficos 1
Distribuição dos vestígios quanto à classe em Caconde 6.
2
Distribuição das lascas quanto ao tipo em Caconde 6.
3
Distribuição das lascas quanto ao talão em Caconde 6.
4
Distribuição das lascas quanto à matériaprima em Caconde 6.
5
Distribuição dos artefatos quanto ao tipo em Caconde 6.
6
Distribuição dos instrumentos quanto ao tipo em Caconde 6.
7
Distribuição dos detritos quanto à matériaprima em Caconde 6.
8
Distribuição dos fragmentos de lasca quanto à matéria-prima em Caconde 6.
173
Dez lesenas renascimentais na Villa Zeri: origem e contexto
13
Detalhe da lesena n. 1, Villa Zeri, Mentana.
14
a) Lareira, Salão Turco, b) Palazzo Colonna, Roma (retirado de Safarik, 1999).
1
Lesena n. 1, Villa Zeri, Mentana.
2
Lesena n. 2, Villa Zeri, Mentana.
3
Lesena n. 3, Villa Zeri, Mentana.
4
Lesena n. 4, Villa Zeri, Mentana.
5
Lesena n. 5, Villa Zeri, Mentana.
6
Lesena n. 6, Villa Zeri, Mentana.
Caracterização de crostas de origem biológica em sítios arqueológicos no Vale do Rio Peruaçu – MG
7
Lesena n. 7, Villa Zeri, Mentana.
1
8
Lesena n. 8, Villa Zeri, Mentana.
Crosta branca num paredão rochoso no Abrigo do Malhador.
9
Lesena n. 9, Villa Zeri, Mentana.
2
10
Lesena n. 10, Villa Zeri, Mentana.
Detalhe da crosta: o pigmento vermelho é visível.
11
Esquema da parte superior da biblioteca Zeri, com distribuição das obras. Reconstituição gráfica: Daniele Giardina.
3
Forma de crescimento do micro-organismo.
4
Amostra 1915T: detalhe da crosta branca associada à ação do micro-organismo sobre a rocha.
5
Espectro FTIR para a amostra 1915T. Bandas características da gipsita (g) e wedelita (o).
12
Detalhe de banco marmóreo, segunda sala do andar nobre, Convento de SS. Apostoli, Roma.
174
RHAA 14
6
Espectro FTIR para a amostra 1919T. Bandas características da calcita (c) e gipsita (g).
BENDINER, Kenneth. Food in paiting: from the Renaissance to the present 1
Mestre do Maná – “A colheita do Maná” – 1470.
2
Vincenzo Campi – “A vendedora de frutas” – 1580.
3
Roy Lichtenstein – “Fogão de cozinha” – 1962.
4
Frans Hals – “Banquete dos oficiais da Guarda Cívica de São Jorge” – 1616.
5
Hans Baldung Grien – “Adão e Eva” 1531.
Normas para Publicação Os interessados em publicar na RHAA, em qualquer uma das seções temáticas, deverão enviar os seus textos de acordo com as Normas para publicação e os Parâmetros de formatação disponíveis em www.unicamp.br/chaa/rhaa. O mérito dos textos propostos será julgado pelos editores da RHAA e por dois ou mais pareceristas da área, tendo como critérios mais relevantes a originalidade do conteúdo e a sua compatibilidade com os estudos de História da Arte e de Arqueologia. Para contatos por e-mail: rhaaunicamp@gmail.com.
Permuta, Intercâmbios O Centro de História da Arte e Arqueologia aceita fazer permuta e intercâmbios com universidades, escolas, centros de pesquisa, bibliotecas, fundações, editoras e demais periódicos, se comprometendo a enviar os volumes da RHAA regularmente. As propostas de permuta deverão ser encaminhadas à Secretaria do Departamento de História do nosso Instituto pelo email rhaaunicamp@gmail. com, ou no seguinte endereço:
Estatuto dos Conselheiros Os conselheiros devem acompanhar a política editorial da RHAA, sugerindo colaboradores, referências e avaliando a qualidade dos trabalhos publicados. Todos os conselheiros devem possuir no mínimo a titulação de “doutor” e ser pesquisadores reconhecidos nas devidas áreas e especialidades da História da Arte e da Arqueologia. Não há prazo determinado para o período de participação dos membros no Conselho, e os novos membros serão escolhidos e convidados sob os critérios e necessidades estabelecidos pelos editores da RHAA.
Revista de História da Arte e Arqueologia IFCH - Secretaria do Departamento de História UNICAMP - Cidade Universitária “Zeferino Vaz” Caixa Postal 6110 CEP 13.081-970
Publication Norms
Exchange, Interchange
Chairmen Status
Those interested in publishing at RHAA, on any of the thematic sections, should submit texts in accordance to the Publication Norms and to the Formatting Parameters available at www.unicamp.br/chaa/rhaa.
The Art History and Archaeology Center accepts exchanging and interchanging with universities, schools, research centers, libraries, foundations, publishing houses and periodicals committing itself to sending the RHAA volumes regularly.
Chairmen should follow the RHAA editorial policy by suggesting collaborators, references, and evaluating the quality of the published works. All chairmen should be at least “doctors” and also be renowned researchers on the respective areas and specialties of Art History and Archaeology.
The merit of the proposed texts will be judged by the RHAA editors as well as by two or more specialists in the area, considering being most relevant criteria the originality of content and its compatibility to the studies in Art History and Archaeology. For e-mail contacts: rhaaunicamp@ gmail.com.
The exchange proposals should be forwarded to our “Secretaria do Departamento de História”, through the following e-mail address rhaaunicamp@ gmail.com, or to the address above.
There is no defining limit for the participation period of the members of the Council, and the new ones will be chosen and invited under the established criteria and necessities of the RHAA editors.
Proibida a reprodução total ou parcial de qualquer artigo sem a prévia autorização dos editores.
Todos os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores, não cabendo qualquer responsabilidade legal sobre seu conteúdo à revista ou à gráfica do IFCH.
Revista de História da Arte e Arqueologia / Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. n. 1 (1994) Campinas : UNICAMP/IFCH/CHAA, 1994. 176p. 2010 (14) ISSN 1413-0874 (impresso) ISSN 2179-2305 (online) 1. Arte - História. 2. Arqueologia. I. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Centro de História da Arte e Arqueologia. II. Título. CDD – 709.01
Catalogação na Fonte – Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – UNICAMP CRB nº 08/ 3387 / Cecília Maria Jorge Nicolau Consul
Partial or full reproduction of any article is expressly forbidden without the editor’s previous authorization.
All signed articles are of the entire responsibility of its authors, not having any legal responsibility over its contents the Journal or the IFCH press.
A REVISTA DE HISTÓRIA DA ARTE E ARQUEOLOGIA (1994-)
www.unicamp.br/chaa/rhaa
REVISTA DE HISTÓRIA DA ARTE E ARQUEOLOGIA
é uma publicação do Centro de História da Arte e Arqueologia com o apoio do Programa de Pós-graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas.
N. 14 / JUL / DEZ DE 2010 ISSN 1413-0874 BRASIL
A presença de Chassériau em Moreau Semiótica aplicada à Arqueologia Arqueologia e cultura Guarani
Sítio arqueológico Caconde 6 Dez Lesenas na Villa Zeri Sítios arqueológicos do Peruaçu La primera crónica religiosa del Caribe
N. 14 JUL/DEZ DE 2010
A Virgem de Giampietrino no MASP