Manutenção de tamanduás em cativeiro

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Tamanduás em Cativeiro

“Este livro, cuidadosamente produzido e editado é um guia completo, didático, atualizado e útil a respeito destas famílias de animais, com esperança de alcançar o máximo de impacto acerca dos tamanduás em cativeiro e beneficiar aqueles que persistem em estado selvagem, apesar das pressões que exercem a perda de habitat, os efeitos das estradas, incêndios e a caça ilegal na sua população geral. Através deste volume, tem-se conseguido elaborar um verdadeiro resumo e guia de um grupo de animais tão interessantes como desafiadores... Não há melhor maneira de dizê-lo – este livro é essencial para qualquer pessoa que lide, trate, estude ou tenha interesse nestes animais fascinantes.” Roberto Aguilar

Manutenção de Tamanduás em Cativeiro

Manutenção de

Flávia Miranda

Manutenção de

Tamanduás em Cativeiro

Flávia Miranda

Flávia Miranda

Natural de Curitiba, trabalha na área de conservação, com ênfase nos táxons Cingulatas e Pilosas (Xenarthros), e Medicina da Conservação. Possui graduação em Medicina Veterinária, foi a primeira residente do Brasil em clínica médica e manejo de animais selvagens na Fundação Parque Zoológico de São Paulo – FPZSP. Pós-graduada em clínica médica pela Universidade Santo Amaro, diplomada em manejo de fauna selvagem pela Universidade de Tolima na Colômbia. Mestre em Ecologia pela Universidade de São Paulo – USP com a dissertação intitulada “Pesquisa de anticorpos contra bactérias do gênero Brucella spp, Leptospira spp, Chlamydophila spp em tamanduás-bandeira (Myrmecophaga tridactyla, Linnaeus, 1758), da RPPN SESC Pantanal, Parque Nacional da Serra da Canastra e Parque Nacional das Emas”. Doutoranda em Ecologia aplicada – USP. Com estudo de taxonomia e biogeografia de Tamanduaí (Cyclopes didactylus). Deputy-chair da IUCN Edentate. Coordena o Programa Global Health no Brasil pela WCS – Wildlife Conservation Society.




O Instituto de Pesquisa e Conservação de Tamanduás no Brasil - Projeto Tamanduá tem como objetivo promover ações que favoreçam a conservação das espécies de Cingulatas e Pilosas no Brasil (tamanduás, tatus e preguiças).

Manutenção de tamanduás em cativeiro / [organizado por] Flávia Miranda; Instituto de Pesquisa e Conservação de Tamanduás no Brasil : Projeto Tamanduá. - São Carlos : Cubo, 2012. 302 p. ISBN 978-85-60064-27-4 1. Tamanduá - Conservação. 2. Tamanduá – ex situ. 3. Zoológicos. I. Miranda, Flávia (Org). II. Instituto de Pesquisa e Conservação de Tamanduás no Brasil : Projeto Tamanduá.

Projeto Gráfico, Editoração e Capa


Dedicatória Este livro é dedicado a todos os tamanduás que morreram por erro médico e/ou de manejo.



Colaboradores Alessandra Bertassoni Mestre em Ecologia e Conservação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. Atualmente é técnica ambiental do Instituto Homem Pantaneiro.

Catia Dejuste de Paula Mestre em Epidemiologia Experimental aplicada às Zoonoses, doutora e em Patologia, ambos pela Universidade de São Paulo. Atualmente pela na Wildlife Conservation Society e é uma das fundadoras do Instituto de Pesquisa e Conservação de Tamanduás no Brasil.

Cynthia Fernandes Cipreste Atua na Fundação Zoo-Botânica de Belo Horizonte. Tem experiência na área de Zoologia, com ênfase em Comportamento Animal.

Christine Osmann Médica veterinária do Zoo Dortmund

Dália Rizel Atua na Fundação Zoo-Botânica de Belo Horizonte.

Eliana Reiko Matushima Mestre e Doutora em Patologia Experimental e Comparada pela Universidade de São Paulo (1988 e 1994). Professora Associada do Departamento de Patologia da FMVZ/USP.

Fernanda Góss Braga Mestre e Doutora em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná. Tem atuado em temas relacionados à conservação da fauna no Estado do Paraná.

Fernanda Vinci dos Santos Atualmente é médica veterinária autônoma.

Gianmarco Rojas Moreno Mestre. Atua como veterinário no Parque Zoológico de Huachipa no Peru, é membro da Wildlife Disease Association e do Crocodile Specialist Group.

João Stenghel Morgante Mestre e Doutor ambos pela Universidade de São Paulo. Desde 1990 é Professor Titular da Universidade de São Paulo- USP.

José Luiz Catão Dias Doutor em Patologia Experimental e Comparada pela Universidade de São Paulo. Foi Pesquisador Visitante junto ao Department of Pathology, National Zoological Park, Smithsonian Institution, Washington, DC, EUA. Livre-Docente junto à Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, atualmente é Professor Associado da Universidade de São Paulo.

Lizette Bermúdez Larrazabal Mestre. Curadora Geral do Parque Zoológico de Huachipa no Peru.

Maria Emília Bodini Santiago Mestre em Ciência animal. Veterinária responsável pelo Criadouro Conservacionista Ilha da Fantasia e Parque Zoológico de Bauru.

Mariana Labão Catapani Formada pela Universidade de São Carlos, UFSCAR. Pesquisadora Colaboradora do Instituto de Pesquisa e Conservação de Tamanduás no Brasil.


Mariella Superina Doutora em Medicina Veterinária (Universidade de Zurich, Suíça), Ph.D. em Biologia da Conservação (Universidade de New Orleans, EUA), Presidente do IUCN/ SSC Anteater, Sloth & Armadillo Specialist Group.

Nadia de Moraes-Barros Doutora em Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências, Pósdoutorada no Laboratório de Biologia Evolutiva e Conservação de Vertebrados (Labec, IB-USP).

Nicole Schauerte Médica veterinária do Zoológico de Frankfurt

Rodrigo Teixeira Mestre em Biologia Animal pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Atua como veterinário do Zoológico Municipal Quinzinho de Barros.

Tatiane Marchetti da Silva Residente do Diagnóstico por Imagem UNIFEOB.

Sandra da Costa Cuenca Mestre em Clínica Cirúrgica Veterinária pela Universidade de São Paulo. Atualmente é Professora Titular do Centro Universitário Monte Serrat.

Thaís Caroline Sanches Mestre pela Patologia Experimental e Comparada da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ/USP). Atua como veterinária do Departamento de Parques e Areas verdes de DEPAVE.

Tereza Cristina Castellano Margarido Mestre e doutora em Zoologia ambos pela Universidade Federal do Paraná. Atua no Departamento de Pesquisa e Conservação da Fauna, Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Curitiba.


Agradecimentos Em primeiro lugar, agradeço à minha instituição de origem, Wildlife Conservation Society, pelo apoio ao desenvolvimento deste livro. Em especial à Marcela Uhart. Agradeço ainda: Aos autores, que aceitaram o desafio de compor esta publicação e que muito contribuíram com seus conhecimentos. À Editora Cubo, por colaborar com a edição do livro, à Larissa Orlandi pela extrema dedicação por dias (e noites) a fio. Ao fotógrafo João Rosa, um agradecimento especial, por gentilmente ceder suas lindas imagens. E a todos os colegas e pesquisadores que colaboraram com todas as imagens inseridas no livro. Ao Dr. Roberto Aguilar e Dr. Kent Redford, pelos belíssimos prefácios. À Dra. Cláudia do Nascimento, por contribuir tecnicamente com o capítulo sobre imagens radiográficas de tamanduá-mirim e por disponibilizar material do CETAS UNIMONTE. Ao Ralph Streels, por gentilmente ceder o mapa para o capítulo I. Aos profissionais que contribuíram com as suas experiências nas correções dos capítulos, em especial à Dra. Carla Ghele e à Dra. Marina Bueno. À minha família e amigos, pelo incentivo. Sem eles, este sonho não teria se tornado realidade. Finalmente, agradeço a todos os que participaram, de forma direta ou indireta, na realização deste trabalho, especialmente à equipe do Projeto Tamanduá!


Sumário 11

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26

38

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Instalações (Recintos)

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Dados de Comportamento de Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) em Cativeiro

80

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120

Prefácio

O Papel da Genética na Preservação de Populações em Cativeiro

Dados de Comportamento de Tamanduaí (Cyclopes didactylus) em Cativeiro

Status de Conservação de Tamanduás no Brasil

Enriquecimento Ambiental para Tamanduás

Um Passeio pela Biologia dos Tamanduás

Manutenção de Tamanduaí (Cyclopes didactylus) em Cativeiro


134

Reprodução de Tamanduás em Cativeiro

146

156

168

186

212

240

256

262

286

Cuidados com Filhotes

Hematologia

Ixodofauna em Tamanduás

Contenção Físico-química em Tamanduás Cativos

Anatomia Radiográfica de Tamanduá-mirim

Necrópsia

Medicina de Tamanduaí

Principais Enfermidades em Tamanduás Cativos

Referências Bibliográficas



Prefácio I Eu nunca havia visto um tamanduá-bandeira antes e estava animado com a perspectiva de avistar um pela primeira vez. Em 1978, eu estava no Pantanal em visita a George Schaller em seu Projeto Jaguar, e nós estávamos viajando pela rodovia Transpantaneira. George me disse: ‘Procure por algo que pareça muito comprido’. Sem saber exatamente o que aquilo queria dizer, eu passei a vasculhar os campos na esperança de reconhecer algo ‘muito comprido’ quando o visse. Então, em um momento que nunca esquecerei, avistei algo escuro na margem de uma das ilhas da floresta, uma sombra negra que era definitivamente algo ‘muito comprido’ – era um tamanduá-gigante, correndo do modo desajeitado que lhes é peculiar. Eu tamanduás-bandeira. Embora eu estivesse pensando em fazer minha disser-

Prefácio

fiquei encantado, e ali começou a minha paixão pelos

mente caçado e só se viam ossos e carcaças secas. Eu visitava George na esperança de que ele me sugerisse um lugar que não o Chaco. Ele havia feito pesquisas no Parque Nacional das Emas e sugeriu que eu estendesse minha viagem e visitasse o local. Eu nunca tinha ouvido falar do Parque das Emas, mas estava pronto a experimentar qualquer coisa, então, fui a Brasília para conseguir uma permissão do IBDF (que era o órgão responsável pelos parques nacionais naquela época). Com a conhecida generosidade beneditina do padre Eric Deitchman do mosteiro de Mineiros, passei dois dias no parque – tempo longo o suficiente para que eu decidisse fazer minha dissertação lá. Acabei focando a interação entre mamíferos como predadores e insetos sociais como presas. Passei os dias, no Parque Nacional das Emas, durante um ano e meio, seguindo tamanduás-bandeira através do cerrado e registrando seus hábitos alimentares. Eu vi tamanduás dormindo sobre montes de cupins Syntermes, vi-os carregando seus filhotes nas costas – mesmo quando estes eram tão grandes que suas mães quase não conseguiam carregá-los, e os vi, ainda, correndo através da grama em chamas. Nos zoológicos de Brasília e de Goiânia, alimentei tamanduás-gigantes com

Manutenção de Tamanduás em Cativeiro

de tatus, aconteceu que tudo por lá estava sendo intensa-

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tação sobre o Chaco do Paraguai com suas inúmeras espécies


diferentes espécies de cupins e formigas, e até mesmo experimentei ver se eles gostavam de ratos – que eles adoram, desde que encontrem uma forma de engoli-los. Algum tempo depois, quando estava trabalhando com caça de subsistência na Amazônia, chorei por dentro quando vi pessoas trazendo tamanduás mortos, que eles haviam caçado. Mas, acreditando que se deve saber tudo a respeito do animal estudado, não recusei um pedaço de sua carne quando me foi oferecido. Eu até mesmo iniciei uma coleção de tamanduás empalhados. É pequena, mas decora meu escritório e me traz lembranças dos bons tempos em que eu os estudava em vida livre. Resumindo, desde a visão daquele primeiro tamanduábandeira no Pantanal, tenho sido um estudioso e um fã destes animais. Apesar de sua fascinante história evolucionária, de seu aspecto e hábitos maravilhosamente excêntricos, e da preocupação com sua preservação, esta espécie foi, e ainda Prefácio

é, muito pouco estudada. Portanto, foi um imenso prazer ver esta compilação de estudos sobre Myrmecophaga, a qual aumentará substancialmente o conhecimento que

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possuímos desta espécie. Espero que este volume inspire jovens brasileiros a visitar campos e jardins zoológicos para

Manutenção de Tamanduás em Cativeiro

aprender mais sobre biologia e a necessidade de preservação desta magnífica espécie.

Kent H. Redford Director, Wildlife Conservation Society Institute Vice-President, Conservation Strategy


Prefácio II Que classe de mamífero tem um metabolismo que funciona a três quartas partes da velocidade dos demais mamíferos? Qual animal é essencialmente carnívoro, mas não possui dentes? Que grupo de animais está entre os menos estudados, mas entre os mais bem conhecidos dentro da cultura popular do mundo todo? Em resumo poderíamos dizer os tamanduás, ou membros da subordem Vermilingua dentro da superordem dos Xenartros. Historicamente, os membros das Famílias Cyclopedidae e Myrmecophaga não só têm sido difíceis de estudar e preservar senão também de entendê-los como entidades biológicas e como animais em cativeiro. Sua popularidade

Portanto, é imperativo resumir, condensar e separar a informação obtida não só através do estudo de tamanduás em cativeiro, senão a informação gerada através de estudos sérios e abrangentes destes animais de vida livre, com uma abordagem científica, atualizada, prática e pragmática. Este livro, cuidadosamente produzido e editado pela Dra. Flávia Miranda, nos proporciona exatamente isso: um guia completo, didático atualizado e útil a respeito destas famílias de animais, com a esperança de alcançar o máximo impacto acerca dos tamanduás em cativeiro e beneficiar aqueles que persistem em estado selvagem, apesar das pressões que exercem a perda de hábitat, os efeitos das estradas, incêndios e a caça ilegal na sua população geral. A Dra. Miranda, através deste volume, tem conseguido elaborar um verdadeiro resumo e guia de um grupo de animais tão interessantes como desafiadores e difíceis. Não há melhor maneira de dizê-lo – este livro é essencial para qualquer pessoa que lide, trate, estude ou tenha interesse nestes animais fascinantes.

Roberto F. Aguilar, DVM Veterinary Advisor - Xenarthra Taxon Advisory Group Member of the IUCN/SSC Anteater, Sloth and Armadillo Specialist Group

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ou nenhuma reprodução e vida extremamente curta.

Manutenção de Tamanduás em Cativeiro

quado, problemas graves quanto ao manuseio físico, pouca

Prefácio

em coleções zoológicas tem envolvido manuseio inade-


Manutenção de Tamanduás em Cativeiro

14 Status de Conservação de Tamanduás no Brasil

Status de Conservação de Tamanduás

no Brasil


Flรกvia Miranda

Delba Baraldi


O

Brasil é o primeiro país em diversidade biológica do mundo, acolhendo cerca de 14% da biota mundial (LEWINSOHN; PRADO, 2002). No entanto, à medida que a humanidade aumenta sua capacidade de intervir na natureza para satisfação de necessidades e desejos crescentes, surgem tensões e conflitos com outras espécies quanto ao uso do espaço e dos recursos. O homem vem aumentando progressivamente seu poder de influir na constituição e equilíbrio do ecossistema, de alterar os padrões de distribuição biogeográfica de macro e micro-organismos e de alterar os ritmos dos processos evolutivos.

Status de Conservação de Tamanduás no Brasil

A intensidade da exploração dos recursos naturais tem posto em risco as possibilidades de renovação natural. A perda, a degradação e a fragmentação de habitats, resultantes de atividades humanas, constituem as maiores ameaças aos mamíferos terrestres existentes no País (COSTA et al., 2005). A perda e a degradação de habitat são as principais causas de ameaça à biodiversidade brasileira. A expansão agrícola e o desmatamento são fatores importantes con-

Geografia Socioeconômica no Brasil: Densidade Populacional e Desenvolvimento Humano

Habitantes por km2 0–1 2–6 6 – 10 11 – 20 21 – 50 51 – 200 201 – 10000 Regiões geoeconômicas

Ralph Vanstreals

Manutenção de Tamanduás em Cativeiro

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tribuindo para esse cenário, particularmente quando

Índice de Desenvolvimento Humano 0,798 – 0,919 0,757 – 0,797 0,714 – 0,756 0,665 – 0,713 0,617 – 0,664 0,569 – 0,616 0,467 – 0,568 Regiões geoeconômicas Fonte: IBGE (2010).


para limpar terrenos; e a poluição e contaminação da água e do solo. O desenvolvimento econômico gera aumento da densidade populacional humana, elevando a quantidade de fatores extrínsecos que levam ao declínio populacional de grande parte das populações de nossa fauna e flora. Por sua vez, o impacto imediato da degradação ambiental gera a perda da biodiversidade, consequentemente aumentando o número de espécies ameaçadas de extinção.

Biomas Brasileiros O Brasil tem cinco biomas principais, além das áreas marinhas e costeiras. Hoje o País é mais conhecido internacionalmente pelas questões da Amazônia discutidas nos artigos que tratam da biogeografia, dos modelos de endemismo amazônico e das dinâmicas do desmatamento (BRANDON et al., 2005). A Amazônia possui enclaves de campos limpos e cerrados, que correspondem a algumas áreas contínuas de campos limpos e campos cerrados no ambiente de floresta. A maior extensão de campos limpos está representada pela vegetação denominada campinarana ou campos limpos de Roraima, que ocupa uma vasta área do Estado (ROSS, 2006). Os tamanduás-bandeira são frequentemente avistados na região de campos limpos de Roraima (Observação pessoal). Os tamanduás-mirins e tamanduaís também podem ser avistados nas florestas Amazônicas. Ao norte do País, é possível visualizar tamanduás-mirins com coloração e morfometria bastante distintas da população central e sul. Os animais são enegrecidos e com orelhas maiores e corpos alongados. Esta espécie precisa de estudo de taxonomia e sistemática. A expansão agrícola e o desmatamento vêm crescendo continuamente na Amazônia, e a avaliação do impacto destas ameaças nas populações de tamanduás ainda não foi estudada. Também área de distribuição dos tamanduás-bandeira e tamanduás-mirim, a Caatinga é marcada pelo clima tropical semiárido, a vegetação xerófila, dominantemente arbustiva e com forte presença das cactáceas, que perdem totalmente as folhas no período seco. Os solos são rasos e pedregosos e ocupam a maior extensão da área, ocorrendo manchas com solos pouco espessos (ROSS, 2006). A perda de

Status de Conservação de Tamanduás no Brasil

e a propagação de espécies exóticas invasoras; o uso do fogo

O homem vem aumentando progressivamente seu poder de influir na constituição e equilíbrio do ecossistema, de alterar os padrões de distribuição biogeográfica de macro e microorganismos e de alterar os ritmos dos processos evolutivos.

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versidade, tais como a introdução voluntária e involuntária

Manutenção de Tamanduás em Cativeiro

combinados com outras causas principais da perda de biodi-


habitat e caça são as principais ameaças para os tamanduás nestes biomas. Poucos estudos foram conduzidos com estas espécies na caatinga. A conservação da Mata Atlântica enfrenta grandes desafios. Sua área geográfica inicial cobria 12% do território brasileiro. Hoje, restam menos de 8% de sua extensão original que, mesmo encontrando-se em situação crítica, ainda abriga altos índices de diversidade e endemismo (NEGRÃO;

PÁDUA-VALLADARES,

2006).

O

tamanduaí

(Cyclopes didactylus) é um grande exemplo; a população do Status de Conservação de Tamanduás no Brasil

nordeste se encontra na Mata Atlântica. Apesar de a maioria dos remanescentes da Mata Atlântica ser de pequenos e dos mamíferos de maior porte estarem entre os grupos mais susceptíveis à extinção em paisagens fragmentadas, são poucos os estudos que abordam este tema (NEGRÃO; PÁDUA-VALLADARES, 2006). Recentemente, a população de tamanduaí na Mata Atlântica nordestina foi separada pela IUCN como uma subpopulação. A elaboração de um plano de conservação desta subpopulação se faz necessária, uma vez que as ameaças acometidas neste bioma são diferentes das ocorridas nas populações da Amazônia. Ultimamente

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os relatos de ocorrência de tamanduás-bandeira na Mata Atlântica de São Paulo vêm aumentando, este fato pode

Manutenção de Tamanduás em Cativeiro

estar ligado ao aumento de estudo da fauna nestas reservas e/ou o aumento da população de tamanduás-bandeira. O Pantanal mato-grossense está situado nos Estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, ocupando, ainda, parte da Bolívia e do Paraguai. É formado por uma planície sedimentar banhada pelas águas do Rio Paraguai e de seus tributários, como São Lourenço, Cuiabá, Taquari, Negro e Miranda, entre outros (ITO et al., 1998). A fauna e flora do Pantanal brasileiro são extremamente dependentes das regiões adjacentes, principalmente do

A fauna e flora do Pantanal brasileiro são extremamente dependentes das regiões adjacentes, principalmente do Cerrado, ocorrendo nas bordas norte, leste e sul da planície pantaneira.

Cerrado, ocorrendo nas bordas norte, leste e sul da planície pantaneira. As populações silvestres no Pantanal são dinâmicas e têm seus deslocamentos fortemente influenciados pelas oscilações climático-hidrológicas que ocorrem anualmente na região (HARRIS et al., 2005). Dados de levantamentos aéreos no Pantanal indicam que os tamanduás-bandeira foram avistados quase sempre em baixa densidade (0,035 indivíduos/km2) e foi estimado um índice de abundância de cerca de 5 mil tamanduásbandeira em todo o Pantanal (COUTINHO; CAMPOS; MOURÃO, 1997). Muitos estudos foram realizados neste bioma com essas espécies.


Outro Bioma de grande importância para conservação de tamanduás-bandeira e tamanduás-mirim é o Cerrado, sendo este o segundo maior Bioma brasileiro, superado em área apenas pela Amazônia. O termo cerrado é comumente utilizado para designar o conjunto de ecossistemas (savanas, matas, campos e matas de galeria) do Brasil central (RIBEIRO; SANO; SILVA, 1981). A vegetação arbustiva de cerrados estende-se sobre os terrenos dos Estados de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Distrito Federal, Piauí e Maranhão (ROSS, 2006). Representa (23% do território nacional). Localiza-se na porção central do continente sul-americano e no sentido sudeste-nordeste do Brasil (PAGOTTO et al., 2006). O cerrado é um dos hotspots mundiais de biodiversidade (MYERS et al., 2000). Pelo menos 137 espécies de animais que ocorrem no cerrado estão ameaçadas de extinção, em função da grande expansão agrícola e intensa exploração local de produtos nativos (FUNDAÇÃO BIODIVERSITAS, 2003). A biodiversidade do cerrado é bastante elevada, porém geralmente menosprezada (KLINK; MACHADO, 2005).

Status de Conservação de Tamanduás no Brasil

30% da diversidade do País, ocupando 1,8 milhões de km2

Cerrado tem sido alterado para atender objetivos com fins

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Devido à utilização antrópica desde o século XIII, o

monoculturas. Todos estes fatores têm restringido as áreas protegidas de cerrado e, consequentemente, há grandes perdas da biodiversidade deste bioma (HORTA et al., 1999). Neste contexto, diversos fatores podem contribuir para que as populações de tamanduás entrem em declínio populacional, incluindo provável alteração pela perda de habitat, atropelamentos, queimadas, caça predatória e doenças infecciosas. Sendo assim, um breve relato sobre a historia natural e o status de conservação dessas espécies se torna de suma importância para entendermos a necessidade de um bom manejo em cativeiro e o real papel da conservação ex situ.

Tamanduá-bandeira: Myrmecophaga tridactyla Nome comum: tamanduá-bandeira, tamanduá-gigante, labareda (pantanal). O tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) é classificado como “vulnerável” no Brasil, de acordo com a Lista Oficial das Espécies Ameaçadas (BRASIL, 2003), como espécie “Vulnerável – (VUA2c) pela IUCN Red List of Threatened Species – 2010, e também está incluso no Apêndice II da Convention on International Trade

Manutenção de Tamanduás em Cativeiro

econômicos como: agricultura, criação extensiva de gado e


Endagered Species of Wild Fauna and Flora – CITES, desde 2003. Encontra-se classificado como ameaçado de extinção em várias listas regionais (São Paulo, Pará, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná). No Rio Grande do Sul, já se encontra praticamente extinto e está classificado na lista regional como criticamente em perigo. No Paraná, a situação das populações em vida livre é bastante preocupante e a Categoria proposta: CR A2c; C2a.

»» Distribuição Geográfica no Brasil

Manutenção de Tamanduás em Cativeiro

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Status de Conservação de Tamanduás no Brasil

Os tamanduás-bandeira utilizam uma grande variedade de habitat, como florestas úmidas, cerrados, pantanais e mata decídua, a diferentes altitudes. No Brasil, ocorrem em todos os biomas, desde a Amazônia aos campos sulinos. Esta espécie é comumente vista nos campos de cerrados do Parque Nacional Serra da Canastra em Minas Gerais e no Parque Nacional das Emas em Goiás.

»» Principais Ameaças A ocupação de extensas áreas do Brasil com atividades agropecuárias provavelmente contribuiu para o desaparecimento de Myrmecophaga em várias regiões. A perda de habitat, atropelamentos e incêndios afetam significativamente as populações selvagens e levam a um declínio populacional constante. • Destruição dos Ambientes Naturais: É a principal ameaça à espécie, ao longo de toda a sua área de ocorrência, a conversão de campos e cerrados para o desenvolvimento de atividades agrossilvipastoris (DRUMOND, 1992; FONSECA et al., 1994). Embora sejam usualmente relacionados a áreas abertas, são dependentes de áreas florestadas devido à limitada habilidade termorregulatória (RODRIGUES et al., 2008). No sul do Brasil, as áreas de campos estão sendo convertidas em reflorestamentos com espécies exóticas, favorecidas pela ausência de fatores como remoção da cobertura florestal nativa, o que viabiliza a obtenção de licenças ambientais e reduz os custos de estabelecimento de plantios (ZILLER, 2000). • Atropelamento: São comumente atropelados na região central do Brasil. Esta ameaça é facilitada pelo comportamento lento da espécie que acaba se tornando um alvo fácil para os motoristas desavisados e em alta velocidade. Muitas fêmeas são acometidas e, por possuírem longo tempo de gestação, cuidado parental prolongado, esta ameaça se torna extremamente preocupante.


Flávia Miranda

mais afetado pelas queimadas. Devido aos seus longos pelos facilmente inflamáveis e à baixa mobilidade, os tamanduás-bandeira são atingidos com frequência por grandes incêndios florestais, que podem causar a morte desses indivíduos. Este é um importante fator de impacto em pequenas populações na região central do Brasil. • Caça: Ao longo de sua distribuição original, autores sugerem que a caça tenha sido um dos fatores responsáveis pelo declínio de suas populações. Nas regiões Norte e Nordeste, o animal é abatido com fins de alimentação e uso do couro. Em outras regiões brasileiras, a perseguição e o abate de tamanduás-bandeira parecem estar mais vinculados ao ataque de cães domésticos. Esta ameaça também é facilitada pelo comportamento da espécie, não agressivo e lento. • Ataques de Cães: Citada como uma das grandes ameaças da espécie ao longo de sua área de distribuição em todo o estado brasileiro. Relatos de ataques de cães a tamanduás em áreas rurais, bem como a perseguição à espécie por ter atacado cães, são bastante comuns em sua área de ocorrência. • Enfermidades: O estudo do papel das doenças nesse aspecto constitui um eixo importante das estratégias para conservação dessa espécie, principalmente considerando-se que estudos ecológicos reconhecem as doenças como o mecanismo regulatório de populações naturais. Por se tratar de uma espécie que possui baixo potencial reprodutivo, apresentando cuidado parental prolongado, longos períodos de gestação e somente

Por se tratar de uma espécie que possui baixo potencial reprodutivo, apresentando cuidado parental prolongado, longos períodos de gestação e somente uma cria por ano, patógenos que possam afetar o sucesso reprodutivo, podem ser extremamente nocivos para populações de tamanduás-bandeira em vida livre (MIRANDA et al., 2007).

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tamanduá-bandeira é o mamífero de grande porte

Manutenção de Tamanduás em Cativeiro

• Queimadas: Muitos pesquisadores afirmam que o

Status de Conservação de Tamanduás no Brasil

Tamanduá-bandeira atropelado na BR 262.


uma cria por ano, patógenos que possam afetar o sucesso reprodutivo, podem ser extremamente nocivos para populações de tamanduás-bandeira em vida livre (MIRANDA et al., 2007). • Conservação: O tamanduá-bandeira vem desaparecendo em várias regiões brasileiras e encontra-se classificado como ameaçado de extinções em diversas listas de espécies ameaçadas estaduais. Está classificado como Criticamente em Perigo, no Rio Grande do Sul (FONTANA; BENCKE; REIS, 2003) e encontra-se extinto Status de Conservação de Tamanduás no Brasil

segundo a lista de Santa Catarina (CHEREM et al., 2004).

Tamanduaí: Cyclopes didactylus Nome comum: tamanduaí, tamanduá-sedoso, tamanduácigarra, tamanduá-macumbeiro. Recentemente as populações de tamanduaí da Amazônia e nordeste brasileiro foram separadas por estarem em regiões geográficas bastantes distintas e possuírem ameaças distintas. A população principal de tamanduaí (Cyclopes didactylus), que se encontra no bioma Amazônico, está

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classificada como Least Concern (LC) pela IUCN Red List of Threatened Species –2010. Já a subpopulação nordestina está

Manutenção de Tamanduás em Cativeiro

classificada como Dados Deficientes (DD). Esta espécie não faz parte de nenhum Anexo da CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies em Perigo).

»» Distribuição Geográfica no Brasil O tamanduaí (Cyclopes didactylus) é o menor dos tamanduás, sua distribuição original abrange as florestas tropicais do centro e sul da América, porém a baixa taxa metabólica, baixa temperatura corporal (em torno de 33 ºC) e baixa capacidade termorregulatória limitam a ocorrência da espécie em regiões abaixo de 1500 m, de maneira que os Andes constituem uma barreira entre as populações ao norte e ao sul da Cordilheira.

»» Principais Ameaças Recentemente a população de tamanduaí foi dividida em uma população amazônica e uma subpopulação nordestina (MIRANDA, 2008; MIRANDA; SUPERINA, 2010; SUPERINA et al., 2010) e pouco se sabe sobre as ameaças que acometem esta espécie. As mais significativas até o presente momento são: • Perda de Habitat: Embora o desmatamento em geral esteja ocorrendo em muitas partes de seu habitat,


C.

didactylus

permanece

generalizado

na

Bacia

Amazônica e atualmente não há grandes ameaças para a sobrevivência deste pequeno tamanduá. Em algumas áreas ele é capturado e mantido como uma espécie bicho de estimação, embora geralmente não sobrevivam por muito tempo em cativeiro. • Uso como Pet: Em algumas áreas da Amazônia e Mata Atlântica, este animal é capturado e mantido como bicho de estimação, por ser um animal pequeno e dócil e que se assemelha com um filhote de tamanduá-mirim.

• Conservação: A fragilidade da espécie e seu visível desaparecimento em áreas degradadas fazem com que a população do Nordeste se torne extremamente vulnerável. Medidas de conservação como plano de manejo, criação de novas unidades de conservação são de suma importância para a conservação desta população. A população amazônica encontra-se abundante, mas é de grande importância um mapeamento da sua distribuição neste bioma.

Tamanduá-mirim: Tamandua tetradactyla Nomes comuns: tamanduá-mirim, tamanduá-de-colete, mambira, coleteiro. O tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla) está incluso no Apêndice III da Convention on International Trade Endagered Species of Wild Fauna and Flora – CITES desde 2003, e como “Least Concern (LC) pela IUCN Red List of Threatened Species – 2010. No Brasil, esta espécie não está listada na lista nacional, mas está presente em várias listas locais como São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

»» Distribuição Geográfica no Brasil O tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla) é encontrado a leste dos Andes, na Colômbia, Venezuela e nas Guianas (Guiana Francesa, Guiana, Suriname), ao norte do Uruguai e ao norte da Argentina (SUPERINA; MIRANDA; ABBA, 2010). No Brasil, esta espécie é geralmente encontrada em todos os biomas, e é nítida a sua diferença morfológica nas diferentes populações. Animais ao norte do Brasil possuem coloração mais escura e o corpo mais alongado, assim como seu focinho e orelhas. Os animais da Mata Atlântica são mais claros e com o colete bastante definido. Já os animais do

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mentar (MIRANDA et al., 2009).

Manutenção de Tamanduás em Cativeiro

em cativeiro, pois pouco se sabe sobre seu hábito ali-

Status de Conservação de Tamanduás no Brasil

Infelizmente o animal não sobrevive por muito tempo


Cerrado são mais robustos e com coloração mais dourada. Estudo para elucidar a taxonomia desta espécie deve ser realizado no Brasil.

»» Principais Ameaças As ameaças são similares as dos Myrmecophagas, também pela ocupação de extensas áreas com atividades agropecuárias, é visível o desaparecimento de Tetradactylaem várias regiões do Brasil. Os atropelamentos e incêndios afetam significativamente as populações selvagens e levam a um Status de Conservação de Tamanduás no Brasil

declínio populacional constante. • Perda de Habitat: Pouco se sabe sobre o impacto da perda de habitat na população de tamanduá-mirim. É fato que esta ameaça atinge grande parte das espécies de mamíferos, principalmente arborícolas como é o caso do tamanduá-mirim. • Atropelamento: Esta espécie tem sido muito acometida nos últimos anos. Relatos de atropelamento de tamanduá-mirim vêm ocorrendo em todos os Estados. • Caça: Semelhante ao que acontece com os tamanduásbandeira, na região Norte e Nordeste, o animal é abatido

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para fins de alimentação. Em outras regiões brasileiras, a perseguição e abate podem também estar ligados a

Manutenção de Tamanduás em Cativeiro

este fim, uma vez que esta espécie é fonte alimentar para diferentes tribos indígenas. Esta ameaça também é facilitada pelo comportamento da espécie, não agressivo e lento. • Ataques de Cães: Citada como uma das grandes ameaças à espécie ao longo de sua área de distribuição em todo o estado brasileiro. Relatos de ataques de cães a tamanduás em áreas rurais, bem como a perseguição à espécie por ter atacado cães, são bastante comuns em sua área de

T. tetradactyla está presente num número de áreas protegidas. Porém, estudos sistemáticos devem ser realizados para elucidar as diferenças de espécimes ao longo de sua distribuição.

ocorrência. • Conservação: T. tetradactyla está presente num número de áreas protegidas. Porém, estudos sistemáticos devem ser realizados para elucidar as diferenças de espécimes ao longo de sua distribuição. Nos últimos anos, o Brasil realizou um esforço notável e obteve avanços em publicações que abordam os Cingulatas e Pilosas. Embora o País não tenha elaborado um documento único para o plano de ação, o governo vem lentamente investindo na identificação de áreas e ações prioritárias para a conservação dessas espécies e em fóruns, necessários para tornar viável sua implementação.


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