Tratabilidade de Água e dos resíduos gerados em estações de tratamento de Água

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Tratabilidade de Água e dos Resíduos Gerados em Estações de Tratamento de Água

Luiz Di Bernardo Angela Di Bernardo Dantas Paulo Eduardo Nogueira Voltan

São Carlos – SP 2011


© 2011 Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte. Todos os direitos desta edição reservados à Editora LDiBe.

Di Bernardo, Luiz Tratabilidade de água e dos resíduos gerados em estações de tratamento de água / Luiz Di Bernardo / Angela Di Bernardo Dantas / Paulo Eduardo Nogueira Voltan – São Carlos: LDiBe, 2011. 454 p. ISBN 978-85-62324-03-1 1. Qualidade da água. 2. Fundamentos de química. 3. Noções de hidrobiologia. 4. Produtos químicos. 5. Tecnologias de tratamento de água, processos e operações. 6. Hidrodinâmica das unidades de tratamento e avaliação do seu desempenho. 7. Procedimentos para a realização dos ensaios de tratabilidade de água. 8. Procedimentos para a realização dos ensaios de tratabilidade dos resíduos gerados nas ETAs. I. Dantas, Angela Di Bernardo. II. Voltan, Paulo Eduardo Nogueira. III. Título.

Revisora da língua portuguesa Ruth de Gouvêa Duarte Tiragem 1500 exemplares Editoração eletrônica

www.editoraldibe.com.br Av. São Carlos 2205, sala 103 CEP 13560-900 São Carlos - SP, Brasil Fone: 55 (16) 33713466; Fax: 55 (16) 33710723


À Costancia, minha esposa que, espiritualmente, tem me apoiado em todos os momentos da minha vida. Aos meus filhos, Angela, Bruno, Mário e Laura e aos netos, Henrique e Daniel, dos quais espero que concordem que o maior tesouro que se pode acumular na vida é o saber. Luiz Di Bernardo

Ao meu pai, Luiz Di Bernardo, pelos preciosos ensinamentos e incentivo durante toda a minha vida. À minha mãe Costancia, pela ajuda, carinho e apoio. Ao meu marido Frederico e aos meus filhos Henrique e Daniel – amores da minha vida. Angela Di Bernardo Dantas

Ao meu pai, Eduardo, pelos conselhos e incentivo à busca contínua de novos conhecimentos. À minha mãe, Matilde, pelo apoio e carinho. À minha família, em especial: Júlia, Sandra e meu sobrinho Eduardo, aos meus meus avôs (in memoriam) e às minhas avós; à Vivi, meu amor; e aos meus amigos, por estarem presentes nos momentos de vitórias e, principalmente, nos momentos difíceis. Paulo Eduardo Nogueira Voltan


Sobre os Autores Luiz Di Bernardo Engenheiro civil, mestre e doutor em Hidráulica e Saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP) e Pós-doutorado pela Iowa State University – EUA. Foi professor de disciplinas de graduação em saneamento na Faculdade de Engenharia Civil de Araraquara e na Fundação Educacional de Barretos na década de 1970. Foi professor de disciplinas de pós-graduação na Faculdade de Engenharia Civil da UNICAMP na década de 1980. Foi professor de disciplinas de graduação nos cursos de Engenharia Civil e de Engenharia Ambiental e de pós-graduação em Hidráulica e Saneamento da EESC-USP de 1973 a 2009, tendo se aposentado como professor titular. Orientou 15 estudantes de iniciação científica, 55 de mestrado e 34 de doutorado na EESC-USP, desenvolveu mais de 100 trabalhos de assessoria e consultoria e elaborou aproximadamente 150 projetos de estações de tratamento de água. Publicou cerca de 60 trabalhos em periódicos nacionais e internacionais e apresentou, aproximadamente, 300 trabalhos em congressos, seminários e simpósios nacionais e internacionais. Autor principal de 6 livros em tratamento de água e de capítulos de 12 livros nacionais e internacionais. Detentor do prêmio Rudolph Hering Medal por trabalho publicado no Journal of Environmental Engineering Division – American Society of Civil Engineers (EUA); recebeu 4 prêmios Abel Wolman, outorgados pela Asociación Interamericana de Ingenieria Sanitaria y Ambiental [Argentina, Guatemala, Puerto Rico (2)]. Atualmente é diretor da Hidrosan Engenharia SS Ltda. e professor colaborador da UNAERP, universidade na qual coordena pesquisas no Programa de Mestrado em Tecnologia Ambiental.

Angela Di Bernardo Dantas Formada em 1997 no curso de Engenharia Civil da Escola de Engenharia de São Carlos – EESC-USP, fez mestrado (1998-2000), doutorado (2000-2004) e pós-doutorado (2005-2009) no Departamento de Hidráulica e Saneamento da EESC-USP na área de pesquisa de tratamento de água de abastecimento. Durante o doutorado, realizou estágio no Georgia Institute of Technology (Atlanta, EUA) sob orientação do Prof. Appiah Amirtharajah. Profissionalmente, teve oportunidade de participar de vários projetos de Estações de Tratamento de Água e de Estudos de Tratabilidade de Água. Autora de vários trabalhos científicos, publicados em revistas nacionais e internacionais, ou apresentados em congressos nacionais e internacionais. Co-autora dos livros Florações de Algas e de Cianobactérias: Suas Influências na Qualidade da Água e nas Tecnologias de Tratamento e da segunda edição do livro Métodos e Técnicas de Tratamento de Água. Atualmente é diretora técnica da Hidrosan Engenharia e professora do mestrado em Tecnologia Ambiental da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP).

Paulo Eduardo Nogueira Voltan Engenheiro Civil formado pela Escola de Engenharia de São Carlos EESC-USP, mestre em engenharia civil – Departamento de Hidráulica e Saneamento da EESC-USP, mesma instituição na qual atualmente cursa o doutorado. Participou de diversos trabalhos envolvendo projetos de Estações de Tratamento de Água (ETA) e dos resíduos gerados em ETA, análise de desempenho de ETA, estudos de tratabilidade de água e dos resíduos gerados no tratamento de água. Atualmente participa do corpo técnico da Hidrosan Engenharia SS Ltda. e é professor em cursos de graduação de engenharia civil e ambiental.


Nota dos Autores Os dois primeiros autores – juntos com o engenheiro civil e mestre Paulo Luiz Centurione Filho – em 2002 publicaram o livro intitulado Ensaios de Tratabilidade de Água e dos Resíduos Gerados em Estações de Tratamento de Água, no qual foram ressaltados diversos aspectos relacionados à qualidade da água, às tecnologias de tratamento e aos resíduos gerados nos processos e operações de tratamento, assim como aos tipos de ensaios recomendados para a obtenção de parâmetros de projeto e de operação das estações de tratamento de água e dos resíduos. Por motivos diversos como: o mais exigente padrão de qualidade de água de consumo no Brasil na atualidade; ao avanço do conhecimento sobre as tecnologias de tratamento de água e de resíduos; aos diversos trabalhos de pesquisa e de avaliação de unidades de tratamento de ETAs (estações de tratamento de água) e ETRs (estações de tratamento de resíduos gerados nas ETAs) levados a efeito pelos autores e, também, dado o aprimoramento de equipamentos para execução de ensaios de tratabilidade de água e de resíduos, eles se dedicaram com denodada persistência à preparação do presente livro visando contribuir para que o leitor venha a se beneficiar dos seus conhecimentos e experiências. No Capítulo 1 são apresentados os parâmetros de qualidade da água, enquanto nos Capítulos 2 e 3 são discutidos os fundamentos de química e de hidrobiologia, respectivamente. O Capítulo 4 contempla os principais produtos químicos usados nas ETAs e ETRs e no Capítulo 5 são apresentadas e discutidas as tecnologias de tratamento de água. O Capítulo 6 traz uma importante contribuição dos autores, referente ao uso de traçador para avaliar o comportamento hidrodinâmico das unidades de tratamento. Nos Capítulos 7 e 8 são apresentados e discutidos os procedimentos para a realização de ensaios de tratabilidade de água e dos resíduos gerados em ETAs, respectivamente.



Sumário

Capítulo 1 – Qualidade da Água 1.1. Estrutura e composição da molécula de água.................................................................................... 1 1.2. Propriedades físicas da água ................................................................................................................. 3 1.3. Características da água .......................................................................................................................... 4 1.3.1. Características físicas e organolépticas ................................................................................... 4 1.3.2. Características químicas – Inorgânicas ................................................................................13 1.3.3. Características químicas – Orgânicas ................................................................................... 18 1.3.4. Características biológicas........................................................................................................ 18 1.4. Amostras de água representativas do manancial ............................................................................21 1.5. Bibliografia ............................................................................................................................................. 23

Capítulo 2 – Fundamentos de Química 2.1. Solução, soluto e solvente .................................................................................................................... 25 2.2. Suspensão ............................................................................................................................................... 25 2.3. Classificação das soluções e suspensões............................................................................................ 25 2.3.1. Quanto ao tamanho das partículas ....................................................................................... 25 2.3.2. Quanto ao estado físico ........................................................................................................... 25 2.3.3. Quanto à proporção entre soluto e solvente ........................................................................ 25 2.3.4. Quanto à natureza das partículas de soluto ......................................................................... 26 2.4. Concentração das soluções ................................................................................................................. 26 2.4.1. Relação de massa ...................................................................................................................... 26 2.4.2. Relação massa/volume ............................................................................................................ 26 2.4.3. Relações entre as unidades ..................................................................................................... 27 2.5. Diluição e mistura de soluções ........................................................................................................... 27 2.5.1. Diluição das soluções .............................................................................................................. 27 2.5.2. Mistura de soluções ................................................................................................................. 28 2.6. Tabela periódica dos elementos ......................................................................................................... 28 2.7. Equilíbrio químico................................................................................................................................ 28


2.7.1. Conceituação ............................................................................................................................ 28 2.7.2. Constante de equilíbrio ........................................................................................................... 30 2.7.3. Equilíbrios ácido-base ............................................................................................................. 31 2.7.4. Hidrólise de íons....................................................................................................................... 33 2.7.5. pH de soluções de sais ............................................................................................................. 34 2.7.6. Efeito tampão ............................................................................................................................ 34 2.8. Produto de solubilidade ....................................................................................................................... 35 2.8.1. Definição.................................................................................................................................... 35 2.8.2. Diagramas de equilíbrio.......................................................................................................... 36 2.9. Bibliografia ............................................................................................................................................. 36

Capítulo 3 – Noções de Hidrobiologia 3.1. Introdução.............................................................................................................................................. 37 3.2. Classificação dos microrganismos .....................................................................................................37 3.3. Características principais dos microrganismos ............................................................................... 38 3.3.1. Bactérias..................................................................................................................................... 39 3.3.2. Protozoários .............................................................................................................................. 42 3.3.3. Vírus ........................................................................................................................................... 43 3.3.4. Algas e cianobactérias ............................................................................................................. 45 3.3.5. Helmintos .................................................................................................................................. 50 3.4. O papel dos organismos aquáticos no ambiente ............................................................................. 51 3.5. Bibliografia ............................................................................................................................................. 53

Capítulo 4 – Produtos Químicos 4.1. Características dos produtos químicos ............................................................................................. 65 4.2. Preparação em laboratório de soluções e suspensões..................................................................... 72 4.2.1. Acidificantes .............................................................................................................................. 72 4.2.2. Adsorventes............................................................................................................................... 73 4.2.3. Alcalinizantes ............................................................................................................................ 74 4.2.4. Algicida ...................................................................................................................................... 75 4.2.5. Auxiliares de coagulação, floculação e filtração .................................................................. 76 4.2.6. Coagulantes ............................................................................................................................... 76 4.2.7. Desinfetantes e oxidantes........................................................................................................ 87 4.3. Bibliografia ............................................................................................................................................. 94


Capítulo 5 – Tecnologias de Tratamento, Processos e Operações 5.1. Considerações gerais ............................................................................................................................ 97 5.2. Tecnologias gerais de tratamento de água ........................................................................................ 97 5.3. Processos e operações no tratamento de água ...............................................................................104 5.3.1. Oxidação e desinfecção .........................................................................................................105 5.3.2. Adsorção em carvão ativado ................................................................................................111 5.3.3. Coagulação ..............................................................................................................................116 5.3.4. Mistura rápida e floculação ..................................................................................................124 5.3.5. Clarificação por decantação e flotação ...............................................................................128 5.3.6. Filtração em meio granular ..................................................................................................134 5.3.7. Micropeneiramento ...............................................................................................................143 5.3.8. Filtração em membranas ......................................................................................................144 5.4. Bibliografia ..........................................................................................................................................153

Capítulo 6 – Hidrodinâmica das Unidades de Tratamento e Avaliação do Seu Funcionamento 6.1. Introdução............................................................................................................................................155 6.2. Características dos traçadores .........................................................................................................155 6.3. Ensaios com aplicação de traçadores na forma contínua ............................................................158 6.3.1. Características dos ensaios ...................................................................................................158 6.3.2. Determinação de vazão ........................................................................................................160 6.3.3. Programação de um ensaio de aplicação contínua ..........................................................160 6.3.4. Estudos de caso de aplicação de traçador na forma contínua ........................................162 6.4. Ensaios com aplicação de traçadores na forma de pulso .............................................................167 6.4.1. Características dos ensaios ...................................................................................................167 6.4.2. Divisão de vazão entre módulos de tratamento da ETA .................................................173 6.4.3. Características hidrodinâmicas das unidades ...................................................................173 6.4.4. Interpretação de resultados dos ensaios .............................................................................180 6.4.5. Efeitos que invalidam um ensaio com traçador................................................................184 6.4.6. Programação de um ensaio com aplicação de traçador na forma de pulso.................185 6.4.7. Estudos de casos de aplicação de traçador na forma de pulso .......................................187 6.5. Relação hidrodinâmica entre a aplicação contínua e aplicação na forma de pulso ................208 6.6. Avaliação da unidade de filtração ...................................................................................................209 6.6.1. Perda de carga no meio filtrante e qualidade da água filtrada durante a carreira de filtração ..............................................................................210 6.6.2. Perda de carga no meio filtrante limpo em função da taxa de filtração ......................213 6.6.3. Transpasse ...............................................................................................................................215


6.6.4. Lavagem do filtro ...................................................................................................................217 6.6.5. Granulometria do meio filtrante e bolas de lodo..............................................................222 6.6.6. Batimetria do topo do meio filtrante ..................................................................................224 6.7. Bibliografia .........................................................................................................................................227

Capítulo 7 – Procedimentos para Realização de Ensaios de Tratabilidade de Água 7.1. Equipamentos......................................................................................................................................229 7.1.1. Jarteste ......................................................................................................................................229 7.1.2. Floteste .....................................................................................................................................231 7.1.3. Filtros de laboratório .............................................................................................................234 7.1.4. Coletor especial para reprodução da floculação ...............................................................235 7.2. Parâmetros de controle e métodos de medição .............................................................................236 7.3. Procedimentos preliminares .............................................................................................................239 7.3.1. Preparação das soluções dos produtos químicos..............................................................239 7.3.2. Coleta e armazenamento da água de estudo .....................................................................241 7.3.3. Ajuste da temperatura da água de estudo e enchimento dos jarros ..............................241 7.3.4. Rotação das paletas do equipamento..................................................................................242 7.3.5. Água de recirculação (Flotação) ..........................................................................................245 7.3.6. Coleta de água decantada e flotada .....................................................................................246 7.3.7. Escolha do meio filtrante e coleta de água nos filtros de laboratório ............................248 7.4. Ensaios de tratabilidade .....................................................................................................................252 7.4.1. Ensaio típico em ciclo completo com sedimentação .......................................................253 7.4.2. Ensaios específicos em ciclo completo com sedimentação.............................................254 7.4.3. Ensaio típico em ciclo completo com flotação ..................................................................274 7.4.4. Ensaios específicos em ciclo completo com flotação .......................................................278 7.4.5. Ensaio típico de filtração direta ...........................................................................................302 7.4.6. Ensaios específicos de filtração direta.................................................................................303 7.4.7. Uso de carvão ativado granular ...........................................................................................308 7.4.8. Determinação do consumo de oxidante na pré-oxidação ..............................................310 7.4.9. Estabilização final...................................................................................................................313 7.5. Obtenção de parâmetros para projeto de ETA nova ....................................................................316 7.5.1. Dados de qualidade da água bruta e seleção da tecnologia de tratamento ..................316 7.5.2. Ensaios e parâmetros de controle recomendados ............................................................317 7.6. Obtenção de parâmetros de projeto para reforma/ampliação de ETA existente de ciclo completo com sedimentação ...............................................................318 7.6.1. Dados operacionais da ETA .................................................................................................319 7.6.2. Reprodução da ETA em Jarteste ..........................................................................................320 7.7. Estudos de caso ...................................................................................................................................324


7.7.1. Etapa 1: Reprodução das condições de mistura rápida e floculação da ETA ....................................................................................324 7.7.2. Etapa 2: Estudo estatístico com os dados operacionais da ETA no período de 1 ano e definição das águas de estudo........................................326 7.7.3. Etapa 3: Ensaios de tratabilidade .........................................................................................328 7.8. Bibliografia ...........................................................................................................................................340

Capítulo 8 – Procedimentos para Realização de Ensaios de Tratabilidade dos Resíduos Gerados nas ETAs 8.1. Considerações iniciais........................................................................................................................341 8.2. Origem e caracterização qualitativa e quantitativa .......................................................................341 8.3. Classificação dos resíduos a partir da execução de ensaios .........................................................349 8.3.1. Classificação ............................................................................................................................349 8.3.2. Ensaios para obtenção e caracterização de resíduos .......................................................354 8.4. Tratamento dos resíduos ...................................................................................................................359 8.4.1. Considerações gerais .............................................................................................................359 8.4.2. Regularização de vazão e equalização dos resíduos da ETA ..........................................359 8.4.3. Clarificação e adensamento por gravidade e por flotação ..............................................361 8.4.4. Desaguamento ........................................................................................................................371 8.4.5. Fabricação de artefatos de cimento, concreto, tijolos e blocos cerâmicos ....................395 8.4.6. Disposição de resíduos de ETAs em ETEs.........................................................................405 8.4.7. Recuperação de coagulante ..................................................................................................445 8.5. Bibliografia ...........................................................................................................................................450



Qualidade da Água

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1.1. Estrutura e composição da molécula de água A molécula da água “pura” é composta por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, com massa molecular igual a 18 g (1 mol ou 6,023.1023 moléculas tem massa de 18 g). Na verdade, a água é uma mistura de diversas espécies químicas, diferindo em massa molecular – uma vez que são conhecidos três isótopos de hidrogênio e seis de oxigênio, dos quais somente três são estáveis – resultando, portanto, dezoito combinações isotópicas para a água. Essas combinações dependem da origem da água natural, porém, além de H16 O (em maior porcentagem) ocorrem outras, tais como H17 O (0,04 %) e H18 O (0,2 %). 2 2 2 Daqui em diante, o termo água é utilizado para referir a mistura natural das várias formas isotópicas. Na formação da água, a partir de seus elementos, a reação é isotérmica (calor de formação igual a – 68,317 Kcal/mol a 25 °C e 1 atm), o produto (água) contém menos energia que os reagentes (hidrogênio e oxigênio) e a energia de ligação O-H apresenta valor igual a 109,7 Kcal/mol a 273 °C. As moléculas de água, atraídas umas às outras, formam agregados com propriedades estruturais distintas – é o caso da estrutura do gelo. Quando a temperatura é reduzida, a maioria das substâncias diminui de volume com consequente aumento da massa específica. A água é exceção, pois sua massa específica é máxima a 4 °C; abaixo dessa temperatura, há aumento do volume. As ligações de hidrogênio são responsáveis pelas principais propriedades da água, como massa específica, viscosidade, tensão superficial etc. A temperatura de solidificação da água saturada de ar e à pressão de 1 atm é, por definição, igual a 0 °C; enquanto a de ebulição é de 100 °C à pressão de 1 atm. Na Tabela 1.1 são apresentados os valores da pressão de vapor da água, massa específica, peso específico, viscosidade cinemática e viscosidade absoluta. As dimensões da molécula são mostradas na Figura 1.1a, na qual pode ser notada a formação de um triângulo isósceles, cujo ângulo da ligação HOH vale 105°. Outras dimensões também são mostradas nessa figura. A molécula de água, que é assimétrica, contém desigual distribuição de elétrons; o oxigênio, que é negativo, exerce maior influência nos elétrons compartilhados e, como possui dois pares de elétrons não compartilhados, resulta uma pequena separação das cargas, com formação de um dipolo. Devido à sua polaridade, existem forças atrativas entre as moléculas, então estas tendem a se orientar, com o hidrogênio de uma ligando-se ao oxigênio da outra, como pode ser visto na Figura 1.1b. A interação atrativa entre um átomo de hidrogênio de uma molécula de água e os elétrons não compartilhados do átomo de oxigênio de outra molécula de água é denominada ligação de hidrogênio. Devido à natureza das ligações químicas, a estrutura da molécula de água tem forma de um tetraedro no espaço, com o oxigênio no centro (ver Figura 1.1c). Diz-se que a molécula de água é polar, pois tem um pólo positivo formado pelos hidrogênios e um pólo negativo formado pelo oxigênio. Essa polaridade está relacionada às propriedades físicas da água, como Ponto de Fusão (PF), Ponto de Ebulição (PE), que são mais altos do que os previstos pela teoria e, também, à capacidade de dissolver sólidos iônicos. As moléculas de água, atraídas umas às outras, formam agregados com propriedades estruturais distintas, como é o caso da estrutura do gelo. Quando a temperatura é reduzida, a maioria das substâncias diminui de volume com consequente aumento da massa específica. A água é exceção, pois sua massa específica é máxima a 4 °C; abaixo dessa temperatura, há aumento do volume, como visto na Figura 1.2. No estado sólido, a massa específica diminui até 0,92 g/cm3, mas são conhecidos gelos formados sob pressão mais pesados que a água líquida.


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Tratabilidade de água e dos resíduos gerados em estações de tratamento de água

Figura 1.1. Dimensões da molécula da água (a), Ligações de hidrogênio entre moléculas (b) e Arranjo tetraédrico da estrutura eletrônica (c).

Figura 1.2. Variação do volume do gelo e da água em função da temperatura.

A água dissolve muitos corpos sólidos, líquidos e gasosos, especialmente ácidos e sólidos iônicos. Alguns compostos de carbono também se dissolvem na água, como o álcool, o açúcar e a uréia, mas a maioria dos outros compostos é insolúvel em água – é o caso do benzeno, das graxas, do petróleo e da borracha. Por ser polar, a água aproxima-se dos íons que formam um composto iônico (sólido) pelo pólo de sinal contrário à carga do íon e, assim, ela consegue anular sua carga e desprendê-lo do resto do sólido. Uma vez separado do sólido, o íon é rodeado pela água, evitando que ele regresse ao sólido. Um exemplo claro é a ação da água sobre o NaCl (cloreto de sódio), conforme Figura 1.3. Esse exemplo caracteriza a água como solvente de substâncias iônicas. O volume de água existente na Terra é praticamente constante, mas está em contínuo movimento graças à ação do calor do sol e da força da gravidade. As águas evaporam com o calor. O vapor sobe às alturas onde, por ação das baixas temperaturas, se condensa em finíssimas gotas ou cristais de gelo, formando as nuvens, as quais são levadas pelo vento. Se no percurso, as nuvens passarem por zonas mais frias, suas gotas ou os cristais unir-se-ão e cairão, por ação da gravidade, na forma de chuva, neve ou granizo. No chão, a maior parte da água precipitada forma os rios, retornando ao mar. As águas doces são as águas terrestres que têm salinidade muito baixa. Sua principal fonte é a chuva, que é água quase “pura”, pois contém pequena quantidade de oxigênio e de dióxido de carbono (CO2) em solução. As quantidades de sal que as águas terrestres podem conter variam muito, conforme os terrenos que tenham atravessado. Os sais mais comuns são: sulfatos, nitratos, cloretos e bicarbonatos de sódio, potássio, cálcio, ferro e magnésio.


Capítulo 1 – Qualidade da Água

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Figura 1.3. Esquema de ação da água sobre o cloreto de sódio.

As águas que possuem quantidades apreciáveis de sais de cálcio e de magnésio são denominadas águas duras. Esses sais provocam uma reação, chamada precipitação, nos sabões e detergentes, que ficam “duros”. A formação dos precipitados provoca redução do tempo de vida de eletrodomésticos, tais como chuveiro, lavadora de roupas ou de pratos, se não forem tomadas as precauções adequadas (tratamento de água). Em comparação com a água doce, a água dos mares e oceanos contém grandes quantidades de sais. A salinidade não é igual em todos eles. A maior é a do Mar Vermelho, com 39 g/L, e a menor, a do Mar Báltico, com 30 g/L. O cloreto de sódio (NaCl) corresponde a 77 % dos sais contidos na água do mar, dando-lhe sabor salgado. Por sua vez, os 11 % de cloreto de magnésio (MgCl2) são responsáveis por seu sabor amargo. A massa específica da água do mar é superior à da água pura. No interior da Terra também são encontrados depósitos de água salgada, provenientes de antigos mares, cuja salinidade costuma ser superior a 40 g/L. Nos mares polares podem ser encontradas grandes massas de água doce gelada provenientes de geleiras que desembocam no mar. Como o gelo tem massa específica ligeiramente inferior à da água do mar, os blocos de gelo flutuam (do inglês, icebergs) e apenas um nono de seu volume emerge na superfície. A poluição do meio aquático pode causar alterações das características físicas (turbidez, cor, número e tamanho de partículas, temperatura, condutividade, viscosidade, tensão superficial etc.), químicas (DQO, DBO, pH, toxicidade etc.) ou biológicas (espécies do fitoplâncton e do zooplâncton). As principais doenças associadas à contaminação biológica dos recursos hídricos são cólera, febre tifóide, febre paratifóide, salmoneloses, disenteria bacilar, amebíase, giardíase, criptosporidiose, esquistossomíase, viroses etc. Para os ecólogos em geral, a poluição decorre de qualquer alteração da natureza física, química, biológica ou mesmo de regime hidrológico que produza desequilíbrios no ciclo biológico normal e altere a composição da fauna e da flora do meio. Para os sanitaristas, a poluição de um recurso hídrico resulta, principalmente, do lançamento de águas oriundas de atividades industriais, agrícolas ou humanas. A contaminação é a denominação específica das consequências da poluição, tais como os efeitos da introdução de substâncias tóxicas ou de organismos nocivos no recurso hídrico, causando doenças no ser humano. Nos ítens a seguir são apresentadas e comentadas as principais características das águas segundo Di Bernardo e Dantas (2005) e Di Bernardo et al. (2009).

1.2. Propriedades físicas da água As ligações de hidrogênio são responsáveis pelas principais propriedades da água, como massa específica, viscosidade, tensão superficial, etc. A temperatura de solidificação da água saturada de ar e à pressão de 1 atm é, por definição, igual a 0 °C, enquanto, a de ebulição é de 100 °C à pressão de 1 atm. Na Tabela 1.1 são apresentados os valores da pressão de vapor da água, massa específica, peso específico, viscosidade cinemática e viscosidade absoluta. Em tratamento de água, outras propriedades podem ter interesse, tais como: condutividade elétrica = 0,7 µS/cm; tensão superficial a 25 °C = 72,75.10-5 N/cm; calor de fusão a 0 °C = 80 cal/g; calor de evaporação a 100 °C = 540 cal/g.


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Tratabilidade de água e dos resíduos gerados em estações de tratamento de água

Tabela 1.1. Principais propriedades físicas da água. Pressão de Peso Temperatura vapor específico (°C) (mm Hg) (N/m3) 9805 4,58 0 9806 – 5 9803 9,21 10 9798 – 15 9789 17,54 20 9779 – 25 9767 31,82 30 9752 – 35 9737 55,32 40 9720 – 45 9697 92,51 50 9658 149,38 60 9600 233,70 70 9557 355,10 80 9469 – 90 9438 760,00 100

Massa específica (kg/m3) 999,9 1000,0 999,7 999,1 998,2 997,1 995,7 994,1 992,2 990,2 988,1 983,2 977,8 971,8 961,9 958,4

Viscosidade absoluta 10-3 (N s/m2) 1,792 1,519 1,308 1,140 1,005 0,894 0,801 0,723 0,656 0,599 0,549 0,469 0,406 0,357 0,299 0,284

Viscosidade cinemática 10-6 (m2/s) 1,792 1,519 1,308 1,141 1,007 0,897 0,804 0,727 0,661 0,605 0,556 0,477 0,415 0,367 0,311 0,296

1.3. Características da água Tanto para a seleção da tecnologia de tratamento de água quanto para a operação de uma ETA, é desejável o profundo conhecimento das características da água bruta, além da realização de estudos de tratabilidade para a obtenção de parâmetros de projeto. No caso de ETAs existentes, a consulta aos registros operacionais pode fornecer informações sobre a variação da qualidade da água do manancial que, após a realização de estudos estatísticos, permitirá a preparação de amostras de água representativas de diferentes épocas do ano, a partir dos estudos dos registros de operação, correspondentes ao período de pelo menos um ano, da água do manancial que abastece uma determinada comunidade, é possível fixar o número de amostras de água, para as quais são otimizados os parâmetros de operação; podem ser escolhidas várias amostras de água visando a automação do processo de tratamento. Após a preparação das amostras de água a serem estudadas, são realizados ensaios para serem obtidas as dosagens de produtos químicos; tipo de coagulante; alcalinizante (ou acidificante) apropriado; oxidantes e adsorventes; velocidade de sedimentação ou de flotação em função da eficiência de remoção da(s) características(s) selecionadas; massa seca de sólidos gerados na decantação, flotação e filtração; gradientes de velocidade e tempos de agitação na mistura rápida e floculação; condições de estabilização etc, como será visto em capítulos subsequentes. A Portaria 357 do MMA-CONAMA (Brasil, 2005), além de outras providências, dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento e fixa os limites dos parâmetros de qualidade correspondentes a cada classe, e pode ser consultada visando à caracterização da água.

1.3.1. Características físicas e organolépticas 1.3.1.1. Turbidez, tamanho e distribuição de tamanho de partículas As Figuras 1.4a e 1.4b apresentam os tamanhos de partículas suspensas e coloidais, dos microrganismos, das moléculas e dos átomos, comumente presentes nas águas. A medida da turbidez é decorrente da dispersão da luz que elas causam e pode ser provocada principalmente por silte e argila (ver Figura 1.5), partículas coloidais, microrganismos, plâncton e matéria orgânica particulada. Águas com turbidez similares podem apresentar partículas suspensas com características (tamanho, composição e forma) diferentes. A turbidez pode resultar diferente por fatores como: i) comprimento de onda da luz


Capítulo 1 – Qualidade da Água

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incidente e ii) variações nos equipamentos, tais como: tipo de lâmpada, lentes, células para amostragem, orientação da fonte de luz e do detector, número de detectores, limpeza interna do medidor, deterioração da fonte de luz, susceptibilidade a vibrações e a interferências eletrônicas. Assim, equipamentos com diferentes princípios de funcionamento fornecem distintos valores de turbidez. Vale ressaltar que águas que apresentam mesma turbidez podem conter partículas de tamanhos e quantidades diferentes (Figura 1.6) o que altera as condições da coagulação, motivo pelo qual não é recomendável comparar águas de mananciais diferentes. Observa-se, na Figura 1.6, que o número de partículas com tamanho médio de 10,08 μm é mil vezes menor que o número de partículas com tamanho entre 0,5 e 40 μm para valores de turbidez maior que 10 uT. As amostras de água para a execução de ensaios de tratabilidade, visando à obtenção de parâmetros de projeto ou de operação de ETAs, não devem se basear somente na turbidez – é desejável a distribuição de tamanhos das partículas na água. A Figura 1.7 apresenta a foto dos rios Negro (com cor elevada) e Solimões (com turbidez relativamente alta) correspondente à época de estiagem. A Figura 1.8 mostra fotos (a – época de estiagem; b – época de chuvas intensas) do curso de água 1 que apresenta variações acentuadas de turbidez ao longo do ano (com picos de turbidez de 500 uT), dos cursos de água 2 e 3 com turbidez geralmente elevada (com picos de até 1500 uT) e de reservatórios de água com turbidez relativamente baixa durante o ano.

Figura 1.4. Tamanhos das partículas suspensas, colóides, microrganismos, moléculas e átomos presentes na água (Di Bernardo; Dantas, 2005).


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Tratabilidade de água e dos resíduos gerados em estações de tratamento de água

Figura 1.5. Curva de distribuição granulométrica de solo argiloso.

Figura 1.6. Relação entre número de partículas de turbidez da água bruta proveniente de um manancial superficial em diferentes épocas do ano (Alcócer, 1993).

Figura 1.7. Encontro dos rios Negro e Solimões.


Capítulo 1 – Qualidade da Água

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Figura 1.8. Fotos de cursos de água com variações acentuadas de turbidez e fotos de reservatórios.

1.3.1.2. Sólidos dissolvidos e suspensos totais Os sólidos dissolvidos totais – SDT são devidos a sais inorgânicos e pequenas quantidades de matéria orgânica dissolvida na água. Os principais constituintes são cálcio, magnésio, sódio, potássio, carbonato, cloreto, sulfato e nitrato, que aparecem na água devido ao seu contato com rochas desses elementos e ao escoamento superficial em áreas agrícolas e à descarga de águas residuais. Alguns componentes dos SDT provocam corrosão ou incrustação das tubulações da rede de distribuição e valores elevados de SDT aumentam a solubilidade dos precipitados de alumínio e de ferro, e influenciam a cinética da coagulação. Os sólidos suspensos totais – SST são devido às partículas que têm mais de 1,0 μm. Esse parâmetro pode influir no desempenho de algumas tecnologias de tratamento como a filtração direta descendente –


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Tratabilidade de água e dos resíduos gerados em estações de tratamento de água

FDD (dependendo da concentração, pode ou não ser necessária a floculação antes da filtração) e a FiME (na filtração lenta pode obstruir o filtro, limitando os mecanismos biológicos e físicos de remoção). A massa total de lodo gerado nas ETAs pode ser calculada a partir da medida da concentração de SST na água coagulada ou estimada com o uso de equações empíricas, as quais requerem o conhecimento deste parâmetro para a programação dos ciclos de funcionamento de removedores de lodo, de decantadores e flotadores, e de unidades de adensamento e desaguamento. Devido ao tempo necessário para a determinação da concentração de SST da água, em muitas ETAs tem sido pesquisada a relação entre turbidez e SST, uma vez que a turbidez pode ser continuamente medida na água coagulada. De modo geral, tem sido encontrada uma relação do tipo SST = a.Tb (SST em mg/L e T em uT), embora a AWWA sugira uma equação do tipo SST = a.T. Como visto no item 2.4.3.1, a turbidez é influenciada por diversos fatores, além do tipo de coagulante, razão pela qual não se deve extrapolar os dados obtidos com a água coagulada em uma ETA para outras situações, pois os valores dos coeficientes “a” e “b” podem resultar muito diferentes. A Tabela 1.2 apresenta os valores de “a” e “b” obtidos por diferentes pesquisadores. Tabela 1.2. Relação entre concentração de SST e turbidez de água bruta. Autor

Característica principal da água bruta

Coeficientes

Di Bernardo (1977)

1 < turbidez < 25 uT ; 5 <cor verdadeira < 10 uH

a = 10,2; b = 0,515

Castro et al. (1997)

Turbidez variável e cor verdadeira baixa

a = 0,66 ; b = 1,14

AWWA (1999)

Baixa cor verdadeira

0,7 < a < 2,2 e b = 1

AWWA (1999)

Baixa turbidez e elevada concentração de COT

“a” pode resultar da ordem de 20

Fernandes et al. (2003)

Eutrofizada

0,5 < a < 1,5 ; b = 1 (amed = 0,98)

1.3.1.3. Cor verdadeira, cor aparente e matéria orgânica dissolvida A cor verdadeira (real) nas águas superficiais geralmente é devida à presença de matéria orgânica dissolvida ou de ferro. É importante a medição da concentração de ferro e de algum parâmetro relacionado com a concentração de matéria orgânica, para conhecer a causa da coloração da água, pois o tratamento a que será submetida depende desse conhecimento. Define-se como cor verdadeira aquela que não sofre interferência de partículas suspensas na água, sendo obtida após a centrifugação ou filtração da amostra. A cor aparente é aquela medida sem a remoção de partículas suspensas da água. A cor aparente é um parâmetro muito usado para quantificar a eficiência de remoção de cor quando a água é coagulada, pois a cor verdadeira é medida ao se filtrar a amostra de água em membrana de 0,40 a 0,45 µm. A Figura 1.9 mostra dois mananciais com cor elevada, um deles com presença elevada de matéria orgânica dissolvida – MOD e o outro, com ferro.

Figura 1.9. Águas coloridas com concentração elevada de ferro ou de matéria orgânica dissolvida.


Capítulo 1 – Qualidade da Água

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A cor medida depende, principalmente, do pH e tamanho das moléculas. Na Figura 1.10 são mostrados os resultados de cor verdadeira em função da absorvância no comprimento de onda 254 nm para diferentes valores de pH de amostras de água preparadas com concentrações distintas de substâncias húmicas. Segundo Croué et al. (1999), os ácidos hidrofóbicos (ácidos húmicos e fúlvicos, denominados substâncias húmicas aquáticas) e os ácidos transfílicos representam de 50 a 90 % da MOD nas águas, enquanto que a parcela hidrofílica representa de 20 a 30 %. da MOD. Chow et al. (2005) mostraram que a fonte da MOD das águas é o principal fator que determina a composição da MOD nas diversas frações químicas e que essa composição varia durante o ano. Em algumas pesquisas relatadas pelos autores, foram encontradas baixas porcentagens de ácidos hidrofóbicos (15 a 30 %) em rios com MOD devido à biota presente (algas, bactérias e macrófitas). Santos (2009) e Sloboda et al. (2010) fizeram o fracionamento químico da água do rio Itapanhaú (curso de água superficial localizado no município de Bertioga, SP – Brasil, com COD da ordem de 17 mg/L e cor verdadeira de 300 uH) usando as resinas macroporosas XAD-8 e XAD-4). As seguintes porcentagens foram obtidas na amostra desse rio fracionada quimicamente: 46 % de ácidos hidrofóbicos (com predominância de ácidos fúlvicos); 10 % de hidrofóbicos neutros, 15 % de ácidos transfílicos, 11 % de transfílicos neutros e 18 % de compostos hidrofílicos.

Figura 1.10. Variação da cor verdadeira em função da absorvância para diferentes valores de pH.

A concentração de SH pode ser estimada ou pela cor verdadeira ou absorvância (λ = 254 nm), ou medida por meio da concentração de oxigênio consumido ou pela concentração de carbono orgânico total (COT)/dissolvido (COD). As substâncias húmicas são as principais responsáveis pela matéria orgânica natural – MON da água. Apesar da similaridade entre as SH presentes no solo e na água, as extraídas de turfa (SHT) apresentam predominância de ácidos húmicos – AH com tamanho molecular aparente geralmente superior a 10 kDa (Dalton – Da, unidade de massa atômica, igual a 1,66.10–24 g), enquanto nas aquáticas (SHA), cerca de 80 % são ácidos fúlvicos – AF com tamanho molecular aparente menor que 10 kDa. Embora existam diversas estruturas moleculares dos ácidos húmicos e fúlvicos, propostas por diferentes pesquisadores, são apresentadas na Figura 1.11 aquelas consagradas na literatura internacional. Algumas técnicas de análise em relação ao carbono, hidrogênio, nitrogênio, oxigênio, absorvância, ultra-filtração, ressonância magnética nuclear, infravermelho, entre outras, são de grande importância para o conhecimento das propriedades das substâncias húmicas. Estas técnicas são úteis para o entendimento dos resultados encontrados na prática quando são realizadas a coagulação e a oxidação. Como a densidade de carga negativa é maior nos AF que nos AH, a dosagem de coagulante para obter coagulação eficiente de águas com a mesma cor verdadeira e contendo AH, é menor que aquela requerida quando se tem AF. A Figura 1.12 apresenta as quantidades de AH e de AF em água coletada no


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Tratabilidade de água e dos resíduos gerados em estações de tratamento de água

manancial mostrado na Figura 1.6a; observa-se que, na fração de água filtrada em membrana 0,45 μm e com tamanho molecular aparente de 100 KDa, prevaleceram os ácidos húmicos (92,4 %), enquanto para as frações abaixo de 30 kDa, predominaram os ácidos fúlvicos (100 %). A remoção de cor verdadeira na água não é facilmente conseguida com algumas tecnologias de tratamento e, na maioria dos casos, há necessidade de processos oxidativos que podem gerar compostos perigosos à saúde pública. Quando as substâncias húmicas reagem com alguns oxidantes, podem produzir compostos orgânicos halogenados potencialmente cancerígenos, destacando-se, entre outros, trialometanos, ácidos haloacéticos, haloaldeídos, haloacetonas, cloropicrina e cloro hidrato. A partir da década de 1970, a medida da cor verdadeira e, mais recentemente, o tamanho aparente das moléculas de SH, passaram a ser considerados parâmetros importantes do ponto de vista sanitário, pois tem sido comprovado que o tamanho das moléculas de MOD exerce influência na eficiência do tratamento. Assim, mesmo que a cor verdadeira usualmente medidas nas águas sejam aproximadamente iguais, dependendo do tamanho aparente das moléculas, sua remoção pode ou não ser realizada com sucesso (Di Bernardo; Dantas, 2005).

Figura 1.11. Estruturas moleculares propostas para os ácidos húmicos e fúlvicos.


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