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Peças de oito

Peças de oito

A mancha negra novamente

O conselho dos piratas durou algum tempo, até que um deles voltou e, repetindo a mesma saudação, pediu a tocha emprestada. Silver concordou e o emissário retirou-se, nos deixando na escuridão. — Sinto uma brisa começando a soprar, Jim — disse Silver, com um tom cúmplice e amigável.

Virei em direção ao buraco na parede mais próxima e olhei para fora. O grupo estava reunido mais ou menos na metade da descida até a paliçada. Um segurava a luz, outro estava de joelhos no meio deles, e eu podia ver o brilho de uma faca em sua mão, refletindo as cores diferentes da lua e da tocha. Os demais se inclinavam em volta, observando, até que aquele que estava ajoelhado se levantou, e todo o grupo começou a se mover em direção à casa.

A porta se abriu, os cinco homens se agruparam logo na entrada e um deles se adiantou, empurrado pelos demais. Em outra situação, teria sido cômico observá-lo, hesitando, andando lentamente, com a mão direita fechada e estendida à sua frente.

— Anda, rapaz — gritou Silver. — Entrega logo isso, esfregador de convés. Conheço as regras, não vou ferir um emissário. Encorajado dessa forma, o marujo avançou com destemor e, depois de entregar algo na mão de Silver, voltou para junto dos demais.

O cozinheiro olhou o que tinha lhe sido entregue. — A mancha negra! Já imaginava — observou. — Onde conseguiram o papel? Vejam só! Vocês cortaram um pedaço de uma Bíblia. Quem é tolo o bastante para cortar uma Bíblia? — Que foi que eu disse? — comentou Morgan, com os marujos. — Isso não é nada bom! — Vão todos balançar na ponta de uma forca, imagino — continuou Silver. — Qual marujo de miolo mole era dono dessa Bíblia? — Dick tinha uma Bíblia — disse um deles. — Então Dick pode começar a rezar — disse Silver. Mas, nesse momento, o homem alto de olhos amarelados o interrompeu. — Devagar com essa conversa, John Silver — disse. — A tripulação resolveu lhe entregar a mancha negra num conselho completo, como mandam as regras. Agora, você deve olhar o verso do papel e ler o que está escrito ali. Depois você pode falar o que quiser. — Muito obrigado, George — respondeu Long John. — Bem, vejamos, o que temos aqui? Ora! “Deposto.” É isso, não é?

Muito bem escrito, com certeza. É a sua letra, George? Bem, você já vinha se destacando como líder nessa tripulação. Será o próximo capitão, não me espantaria com isso. — Pode se achar muito divertido, mas acabou a brincadeira — disse George. — Você não vai continuar tapeando essa tripulação. É melhor descer desse barril e participar da votação. — Pensei que tinha ouvido você falar que conhecia as regras — retrucou Silver com desdém. — Pois eu conheço. Ficarei aqui onde estou e lembro a todos que ainda sou seu capitão, até que desembuchem suas queixas e eu as responda. Enquanto isso, sua mancha negra não vale um biscoito. Depois, veremos! — Sabemos muito bem o que temos a reclamar — replicou George. — Primeiro, transformou essa viagem em uma enorme confusão, não pode negar. Segundo, deixou o inimigo sair dessa armadilha a troco de nada. Por que eles queriam sair? Não sei. Mas é bem claro que queriam. Terceiro, não nos deixa ir atrás deles do outro lado do pântano. Ora, está bem claro para nós, John Silver, você quer fazer um jogo duplo, é isso que está errado. E, quarto, para terminar, temos esse garoto. — Isso é tudo? — perguntou Silver, com calma. — É o que basta — retrucou George. — Todos nós iremos balançar na forca e secar ao sol por causa das suas trapalhadas. — Bem, agora vejam, vou falar sobre esses quatro pontos. Transformei a viagem em uma confusão, foi? Mas todos sabem como eu queria que tudo acontecesse. Se tivessem me escutado,

estaríamos todos nós a bordo da Hispaniola, todos bem vivos e em boa forma, com comida e bebida, e o tesouro no porão da embarcação, com mil raios! E quem atravessou o meu caminho? Quem começou a dança, me entregando a mancha negra no dia em que desembarcamos? Ora, foram Anderson, Hands e você, George Merry! E só sobrou você. Você, que nos afundou, agora quer ser o capitão! Essa é a história mais sem pé nem cabeça que já se viu.

Silver fez uma pausa e, pela cara de George e seus camaradas, pude ver que suas palavras não foram em vão. — Olhem, juro que já estou cansado de falar com vocês — gritou o acusado, secando o suor da testa. — Não têm um pingo de juízo nem memória. Não consigo entender como suas mães deixaram vocês virem para o mar. Mar! Cavalheiros bem-afortunados! Acho que servem mais para alfaiates. — Continue, John — disse Morgan. — Fale logo o que tem a dizer. — Dizem que a viagem está estragada — devolveu John. — Se pudessem entender o quanto ela está estragada, aí eu queria ver! Estamos tão perto da forca que meu pescoço endurece só de pensar. Talvez vocês já tenham visto como são os corpos pendurados em correntes, com os pássaros bicando seus corpos. Agora, estamos nessa posição, cada um de nós, porque fomos trazidos até aqui por ele, por Hands e por Anderson, e os demais tolos da perdição. Se quiserem saber sobre o número quatro, o garoto,

ora, podem arrebentar meu costado, não é um refém? E pode ser que nenhum de vocês saiba que um navio de resgate vai chegar. Pois é, e não vai demorar muito, e quando ele chegar vai valer a pena ter um refém. Então vamos desperdiçar um refém? Matar o garoto? Não contem comigo, camaradas! Sobre o número três? Ora, tenho algo a dizer sobre o número três. Pode ser que não enxerguem o valor de termos um médico de verdade vindo todos os dias para olhar como estão. John, com sua cabeça quebrada. Ou você, George Merry, que estava com tremores de malária não faz nem 6 horas, com os olhos da cor de casca de limão. Quanto ao número dois, e por que eu fiz um acordo, bem, foram vocês que pediram de joelhos para que eu o fizesse. Vieram ajoelhados, de tão desanimados e famintos que estavam. Mas isso agora não importa. Pois, vejam só, essa foi a minha razão! E jogou no chão um papel que eu reconheci de imediato. Nada menos que o mapa amarelado, com as três cruzes vermelhas, que eu tinha achado dentro do pacote de oleado que estava no fundo do baú do capitão.

Os piratas nem podiam acreditar. Pularam sobre o mapa como um gato ataca um rato. O mapa passou de mão em mão, entre gritos e risos. Parecia até que já estavam navegando de volta para casa, sãos e salvos, de posse do tesouro. — Sim — disse um deles —, é a assinatura de Flint, com certeza. As letras jota e efe com um traço embaixo, e uma volta do fiel desenhada, como ele sempre fazia.

— Excelente — disse George. — Mas como vamos fazer para fugir com o tesouro, se não temos navio?

De repente, Silver deu um pulo para a frente, apoiando-se com uma mão na parede: — Vou dar um aviso, George! — gritou. — Basta mais uma palavra atrevida e vou lhe chamar para uma briga de verdade. Como vamos fugir? E sou eu que tenho que saber? Você é que devia me dizer. Você e o resto, que perderam minha escuna. Se mantiver o respeito, pode falar comigo, George Merry. — Justo o bastante — disse o velho Morgan. — Justo! Penso que sim — disse Long John. — Vocês perderam a escuna, eu encontrei o tesouro. Quem se saiu melhor? Não tenho mais nada a dizer, pelo trovão! Elejam quem quiserem para ser seu capitão agora, já estou farto disso. — Silver! — gritaram. — Long John Silver para capitão! — Então é assim? — gritou Silver. — George, ainda não foi desta vez. Sorte sua eu não ser um homem vingativo. Quanto à mancha negra? Não serve de nada, não é? Só serviu para Dick estragar sua Bíblia. — Mas ainda vai servir para beijar o livro, não é? — resmungou Dick, um tanto incomodado com a maldição. — Uma Bíblia com um pedacinho arrancado! — devolveu Silver, com ironia. — Claro que não. Vale menos que um livro de aventuras.

E virando-se para mim:

— Tome, Jim. Aqui está uma curiosidade para você — e me jogou o pedaço de papel.

Era um pedaço redondo de papel, do tamanho de uma moeda de coroa. Um lado estava em branco, pois fora arrancado da última folha, o outro continha alguns versículos do Apocalipse. Umas palavras ficaram bem gravadas na minha mente: “Mas ficarão de fora os cães e os homicidas”. O lado impresso tinha sido escurecido com cinza da fogueira. No lado em branco, havia a palavra “Deposto”.

Esse foi o final das negociações da noite. Logo depois, todos se deitaram, e a vingança de Silver começou a aparecer. George Merry ficou encarregado da sentinela, com ameaças de morte caso cometesse alguma falha.

Com todas as emoções do dia, demorei a pegar no sono. Mas, acima de tudo, pensava no jogo admirável que tinha visto Silver dominar, mantendo os amotinados unidos com uma mão e se agarrando, com a outra, a qualquer possibilidade de conseguir uma trégua e salvar sua vida miserável. Ele dormia serenamente, roncando alto. Sentia pena dele, mesmo sendo malvado como era, ao pensar nos perigos sombrios que já tinha enfrentado, e no cadafalso vergonhoso que esperava por ele.

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