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A queda de um chefe
Os piratas pareciam ter sofrido um ataque. Apenas Silver se recobrou do golpe quase de imediato. Passou apenas um breve segundo parecendo ter morrido ali, mas manteve a cabeça no lugar, recuperou os sentidos e mudou os planos antes que os demais pudessem entender o tamanho do desapontamento. — Jim — murmurou —, segure isso e prepare-se para encrenca.
E me passou uma das pistolas de dois canos. Seu olhar agora era bem amistoso, e fiquei tão revoltado com aquelas constantes mudanças que não pude me conter e cochichei: — Então mudou de lado mais uma vez. Não houve tempo para a resposta. Os piratas, entre pragas e gritos, entraram no buraco e puseram-se a cavar com as próprias mãos, jogando para o lado as tábuas que encontravam pela frente. Morgan encontrou uma moeda de ouro, que passou de mão em mão durante uns 15 segundos.
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— Dois guinéus! — rugiu Merry, mostrando a moeda para Silver. — Esse é o seu tesouro de 700 mil libras? Você é aquele que dizia nunca ter estragado coisa nenhuma, seu marujo de água doce!
Desta vez todos os demais estavam inteiramente a favor de Merry. Saíram da escavação, furiosos. Para nossa sorte, todos eles saíram do buraco no lado oposto ao de Silver.
Lá estávamos, dois de um lado, cinco do outro, o buraco entre nós, e ninguém com coragem para atacar primeiro.
Até que Merry decidiu que precisava falar alguma coisa: — Camaradas — disse —, são dois do outro lado. Um deles é um aleijado que nos trouxe até aqui para toda essa estupidez. O outro é aquele moleque que aprendi a detestar. Agora, amigos...
Quando ia fazer mira com sua pistola, vimos os clarões de três tiros de mosquete vindo da vegetação e ouvimos: “Crack! Crack! Crack!”.
Merry caiu de cabeça dentro da escavação. O homem com a bandagem rodopiou como um pião e caiu de lado, estrebuchando. Os outros três correram o mais rápido que podiam. Antes que fosse possível piscar, Long John já tinha disparado dois tiros de uma pistola em Merry, que ainda se debatia. Quando o homem virou os olhos em sua última agonia, ele disse: — Pois é, George, acho que acertamos as contas.
Nesse momento, o doutor, Gray e Ben Gunn, todos com mosquetes ainda fumegantes, saíram da mata e se juntaram a nós. — Rápido! — gritou o doutor. — Não podemos deixar que cheguem aos botes.
E disparamos a toda, algumas vezes atravessando moitas que vinham até a altura do peito. Silver tentava de tudo para manter-se próximo de nós, fazendo um esforço tremendo. Ainda assim, ele já tinha ficado umas 30 jardas para trás quando alcançamos o topo da colina. — Doutor! — chamou. — Veja lá! Não temos pressa! E pudemos ver, numa parte mais descampada do platô, os três sobreviventes correndo na mesma direção em que dispararam, direto para o Morro da Mezena. Já estávamos entre eles e os botes, então sentamos os quatro para respirar, enquanto Long John, enxugando o suor do rosto, veio devagar até onde estávamos. — Muito obrigado, doutor — disse. — A ajuda chegou bem na hora. E então, vejam só, é você mesmo, Ben Gunn! Essa é boa. — Sim, sou Ben Gunn, sou eu mesmo — respondeu o marinheiro abandonado, retorcendo-se como uma enguia em seu desconforto antes de continuar. — Como está você, senhor Silver? Muito bem, obrigado, você diz. — Ben, Ben! — murmurou Silver. — Nunca imaginei que podia me enganar!
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O doutor mandou que Gray buscasse uma das picaretas abandonadas pelos amotinados em sua fuga. Depois disso, enquanto prosseguíamos sem pressa morro abaixo até o lugar onde estavam os barcos, nos relatou, em poucas palavras, o que tinha acontecido. Era uma história que interessava profundamente a Silver. E Ben Gunn, o abandonado abobalhado, era o herói do começo ao fim.
Ben, em suas longas e solitárias caminhadas pela ilha, acabou achando o esqueleto. Depois de despojar os restos dos objetos de valor, como a faca e os botões, acabou encontrando o tesouro e o desenterrando. A picareta quebrada foi deixada ali por ele. Carregou o tesouro nas costas, em várias viagens cansativas, até uma caverna que ocupava no lado nordeste da ilha. Isso tinha acontecido dois meses antes da chegada da Hispaniola. O doutor arrancou esse segredo dele na tarde do ataque. Na manhã seguinte, quando viu o ancoradouro vazio, deu o mapa, que se tornara inútil, a Silver e cedeu os mantimentos, pois a caverna de Ben Gunn estava bem suprida de carne de cabra salgada. Tudo era parte do plano para chegar são e salvo ao morro dos dois picos, onde estariam a salvo da malária e mantendo guarda sobre o dinheiro.
Naquela manhã, ao descobrir que eu estaria envolvido na terrível decepção preparada para os amotinados, correu até a caverna e, deixando apenas o barão a tomar conta do capitão, levou Gray e Ben Gunn até perto do pinheiro alto. Porém, logo
descobriu que nosso grupo se adiantava. Ben Gunn, o mais veloz de todos, foi enviado na frente para tentar algo sozinho. Foi quando lhe ocorreu assustar seus antigos colegas de tripulação. E foi tão bem-sucedido que Gray e o doutor conseguiram chegar a tempo. — Ora — disse Silver —, foi muita sorte ter Hawkins ao meu lado. Eu teria sido cortado em pedacinhos, se não fosse por isso.
Quando chegamos aos escaleres, o doutor, com uma picareta, destruiu um deles e, a bordo do outro, partimos para contornar a ilha pelo mar até a Enseada do Norte.
Foi uma travessia de umas 8 ou 9 milhas. Deslizávamos com suavidade sobre um mar liso e num instante passamos pelo estreito e dobramos a ponta a sudeste da ilha. A mesma que quatro dias antes tínhamos contornado rebocando a Hispaniola. Quando passamos pelo morro com os dois picos, pudemos ver a entrada da caverna de Ben Gunn e o barão, de vigília. Agitamos um lenço e gritamos três vivas. Silver participou tão entusiasmado como todos nós.
Três milhas adiante, já na entrada da Enseada do Norte, qual não foi nossa surpresa ao encontrarmos a Hispaniola navegando por conta própria? A última maré cheia tinha suspendido a embarcação e, se houvesse soprado um vento mais forte ou existisse uma corrente forte como no ancoradouro ao sul, nunca a teríamos visto novamente ou a encontraríamos indomável
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além do nosso alcance. Para nossa sorte, a escuna quase não tinha sofrido danos, além da vela principal arriada. Outra âncora foi providenciada e jogada em uma profundidade de uma braça e meia. Remamos de novo até a Baía do Rum, o ponto de desembarque mais próximo da casa do tesouro de Ben Gunn. Depois disso, Gray voltou, remando sozinho até a escuna, onde passaria a noite montando guarda.
Fomos recebidos pelo barão à entrada da caverna. Comigo foi cordial e gentil, não fazendo referência à minha escapada. Ficou vermelho diante da saudação polida de Silver: — John Silver — disse —, já fui informado que não poderei processá-lo. Que assim seja, não o farei. Mas o senhor carrega nas costas o peso de vários homens mortos. — Agradeço sinceramente, senhor — respondeu Long John, fazendo outra saudação. — Não ouse me agradecer! — gritou o barão. — É um grande desvio na minha conduta. Afaste-se.
A caverna era ampla e arejada, com uma pequena fonte. Em frente a uma grande fogueira, estava deitado o capitão Smollett e, no canto mais distante, percebi grandes pilhas de moedas e quadriláteros feitos de barras de ouro. Era o tesouro de Flint que nos trouxe tão longe e que já tinha custado a vida de 17 homens da Hispaniola. — Entre, Jim — disse o capitão. — Você é um bom garoto, do seu jeito. Mas não acho que nós dois vamos navegar juntos
mais uma vez depois disso tudo. Tem mais sorte que juízo para o meu gosto. É você, John Silver? Que ventos o trazem? — Voltei para cumprir meu dever, senhor — respondeu Silver. — Ah! — foi tudo o que o capitão disse. Tive um ótimo jantar naquela noite, cercado por amigos. Foi uma refeição de verdade, com a carne de cabra salgada de Ben Gunn, algumas iguarias e uma garrafa de vinho da Hispaniola. Sentado longe da luz da fogueira, mas comendo com apetite, estava Silver, pronto para servir quem precisasse, até mesmo rindo conosco. Era novamente aquele marinheiro polido e obediente que partiu de Bristol.