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HIGH-TECH

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POR LUÍS COSTA

O sertão é todo lugar

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Depois de oito anos longe do teatro, Bia Lessa ganha prêmio por sua adaptação, ou transposição, como ela prefere dizer, da obra-prima de Guimarães Rosa

“P ara mim, teatro é muito sagrado. Pode ser até que eu monte três peças em um ano, mas tem que ser uma coisa que eu precise muito dizer.” A dona dessa fala é a diretora de cinema e de teatro Bia Lessa. Talvez isso explique a ausência de oito anos dos palcos, período em que não fez nenhum tipo de trabalho nessa linha. Ano passado, o “assunto” reapareceu com a peça-instalaçãoGrande Sertão: Veredas. Os paulistanos puderam ver a montagem primeiro (a peça ficou em cartaz em setembro e outubro no Sesc Consolação). Agora, quem quiser assistir ao espetáculo tem até o dia 29 de março para ir ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro. A montagem rendeu a Bia o prêmio de melhor direção teatral do ano da Associação Paulista de Críticos de Arte

(APCA). A relação com a obra de Guimarães Rosa não é de agora. Em 2006, Bia foi convidada para montar uma sala na inauguração do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. A história narrada pelo jagunço Riobaldo foi seu alicerce. “Quando li, me deparei com a dificuldade de colocar imagens na exposição. O lindo de Grande Sertão é que ele diz que o sertão está em toda a parte, está dentro da gente. O sertão não é o sertão de Minas ou do interior da Bahia. É Paris, é Tóquio, é Londres. O sertão é o vazio, o metafísico, a questão humana”, diz ela.

Feita a exposição, Bia entendeu que tinha terminado de “traduzir” o grande escritor mineiro. Acontece que a obraprima do gênio de Cordisburgo não a deixava sossegada. “Era um livro que ficava me atormentando, até pela dificuldade de montá-lo no teatro”, lembra. A diretora – que já havia adaptado grandes obras literárias, caso de Virginia Woolf e de Graciliano Ramos – voltou a ler Grande Sertão e resolveu que era hora de transformá-lo em cena. “Fui muito mais mobilizada pelo processo e pelo desafio do que pela certeza de conseguir fazer essa transposição.”

Bia é da geração teatral que, nos anos 1980, fez incursões na arte visual da montagem. No desenho conceitual da nova peça, ela se viu diante de um “problema gigante”: afinal, como representar em cena um sertão que não é visual, mas metafísico? “Teatro é imagem pura. Ao mesmo tempo, o teatro é algo tão generoso, tão metafórico, que optei por não criar imagens, mas evocá-las.”

No espetáculo, não há cenário nem figurino sertanejo. Não há sotaque nem representação gráfica da geografia da seca. No palco, atores experientes – como Caio Blat, que faz Riobaldo – dividem a cena com estreantes, estratégia para multiplicar interpretações e sentidos. O espectador é provocado a decifrar seu próprio sertão. Com fones de ouvido, ouve-se a trilha sonora de Egberto Gismonti enquanto se desenrola o enredo visceral de violência e de paixão. “Meu desejo era criar uma encenação que permitisse ao espectador ter várias leituras”, conta Bia.

ARTE

VALE A PENA VER DE NOVO Beatriz Milhazes, que está entre os artistas vivos mais caros do mundo, fala do livro da Taschen sobre seu trabalho e conta como se reinventa depois de três décadas de carreira

Lançado no fim do ano passado, e com edição limitada, o livro da alemã Taschen percorre as diferentes fases do trabalho de Beatriz Milhazes. São mais de 280 peças criadas entre 1981 e 2016 com técnicas como pintura, colagem sobre papel, além de instalações, esculturas e obras para espaços públicos com a profusão de cores, ritmos e formas exuberantes que são marcas registradas de Beatriz.

Uma mostra panorâmica da artista no Brasil está em projeto para 2019/2020. Até lá, ela prepara uma exposição com peças inéditas na White Cube, em Londres, com abertura prevista para abril, e ainda assina dois murais para o novo prédio do Hospital Presbiteriano de Nova York, que deve abrir este ano. Em entrevista a PODER, Beatriz fala sobre a carreira, o prestígio dos artistas brasileiros lá fora e os recentes episódios de censura às artes por aqui [ano passado, um vídeo que viralizou na internet gerou polêmica ao mostrar uma criança tocando os pés de um artista nu durante performance no Museu de Arte Moderna, MAM, em São Paulo].

PODER: Como foi o processo de preparação do livro?

BEATRIZ MILHAZES: Tudo começou em 2007, quando Hans Werner Holzwarth, editor contratado pela Taschen, iniciou uma pesquisa no arquivo do meu ateliê. Em paralelo, fez uma ampla leitura de textos, de artigos e de críticas. Foi preciso fotografar novamente várias obras, o que exigiu descobrir peças desaparecidas e uma logística que envolveu colecionadores, galerias e marchands em diversos países no mundo. Foi um trabalho muito interessante de revisão de minha obra e carreira, um repensar sobre todo esse processo e a evolução de 1981 a 2016. Foi um aprendizado.

PODER: Depois de mais de três décadas de carreira, o que você faz para se reinventar?

BM: Meu processo é sempre evolutivo. Digo que trabalho meio como cientista: a cada período introduzo novas questões para a pintura, que iniciam uma reação em cadeia, ideias que, depois, provocam uma mudança no resultado plástico. A descoberta da possibilidade de desenvolver obras importantes em outros meios como colagem sobre papel, serigrafia, instalações, cenografia, obras para espaços públicos e, mais recentemente, esculturas, me deram a chance de pensar e de dialogar com a minha linguagem em arte.

PODER: Você acha que, atualmente, o cenário internacional está mais favorável para os artistas brasileiros?

BM: O fato mais recente e que considero um grande avanço é o interesse pela história da arte brasileira. Retrospectivas de artistas como Lygia Clark, Lygia Pape, Hélio Oiticica e, em 2018, Tarsila do Amaral no MoMA, em Nova York. Isso é fantástico! Quando iniciei minha carreira no exterior, nos anos 1990, era muito difícil falar sobre o nosso modernismo, especialmente de Tarsila do Amaral, uma referência importante para a minha obra, e perceber o desconhecimento sobre a nossa história da arte.

PODER:Qual é sua avaliação dos recentes episódios de censura às artes no país?

BM: A liberdade de expressão na arte é fundamental e esses episódios não são novos. Márcia X [Márcia Pinheiro de Oliveira], artista de minha geração, sempre teve manifestações agressivas como resposta as suas exposições. Em 2005, uma obra sua foi retirada de uma mostra no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, por “agredir a moral e a Igreja Católica” [a obra mostrava o contorno de dois pênis feito com terços]. Nelson Leirner foi processado por pedofilia em uma mostra de 1998, no Rio [o artista fez um grafite com conotações sexuais sobre uma foto de Anne Geddes, australiana conhecida por seus retratos de bebês]. Esses episódios tiveram ampla cobertura da imprensa, mas não estávamos na era das redes sociais. Hoje, é preciso ter cuidado com possíveis manipulações políticas por trás dos fatos, tanto da chamada “direita” quanto da chamada “esquerda”. A arte sempre incomoda, a liberdade de pensamento não é controlável e o artista é um ativista em si.

CINEMA

INDEX Arte Degenerada. Esse foi o nome que o governo alemão escolheu para uma mostra de arte moderna de 1937, em Munique. Foram exibidas cerca de 650 obras confiscadas dos principais museus públicos do país para servir de exemplo de arte condenada pelo regime nazista. Lasar Segall estava entre os 112 artistas “degenerados”. Oito décadas depois, o museu paulistano que leva o nome do pintor, gravurista e escultor lituano que se mudou para o Brasil em 1923 , traz a mostra Arte Degenerada de Lasar Segall. Até 30 de abril, é possível ver 35 obras de Segall que fizeram parte do evento de Munique.

MINISTRO HISTÓRICO Gary Oldman faz uma extraordinária interpretação do primeiro-ministro do Reino Unido Winston Churchill em O Destino de uma Nação. O filme retrata o momento em que o líder britânico toma posse no cargo em plena Segunda Guerra. Oldman, uma “força da natureza”, para usar a expressão publicada em reportagem na Variety, revista semanal norte-americana de entretenimento, é um dos indicados ao Oscar de melhor ator este ano.

LITERATURA

BODA DIVIDIDA

Uma das mais celebradas cantoras líricas contemporâneas, a soprano alemã Diana Damrau é a Condessa de Almaviva na ópera As Bodas de Fígaro, de Mozart. Gravada no lendário La Scala de Milão e considerada uma das obras-primas de Mozart, a ópera-bufa está disponível em DVD e Blu-ray na Amazon.

DE COLECIONADOR Páginas retiradas do diário do poeta Carlos Drummond de Andrade, recolhidas por sua filha Maria Julieta [que faleceu antes do pai], compõem Uma Forma de Saudade (Companhia das Letras). No livro, Drummond escreve sobre familiares e amigos, como o também poeta Manuel Bandeira. A edição também traz fotos do arquivo da família e reproduções de anotações do poeta.

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