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CRER PARA VER
Mesmo depois de um ano desafiador, em que a saúde mental se tornou tão incerta quanto o nosso futuro, o psiquiatra Rodrigo Bressan, presidente do Instituto Ame Sua Mente, responde as questões que não saem da nossa cabeça com esperança para 2021. “Temos que procurar cenários positivos e ter objetivos claros de como persegui-los”
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POR FERNANDA GRILO
As doenças mentais devem atingir até 25% da população mundial em um horizonte próximo. Apesar disso, o entendimento e a normalização dessas patologias ainda estão longe do ideal, tanto pela classe médica quanto pela sociedade. Em um momento tão desafiador, ainda é possível ser uma pessoa esperançosa e manter a cabeça em ordem? O psiquiatra Rodrigo Bressan, Ph.D. pelo King’s College London, professor da Escola Paulista de Medicina (Unifesp) e presidente do Instituto Ame Sua Mente, que estuda como a esperança atua na prevenção, tratamento e até cura de transtornos mentais, conta qual a diferença entre ter otimismo e esperança, ainda mais agora com as questões que nos rodeiam como pandemia, vacina, crise econômica, instabilidade política, trabalho, família, administração do tempo e saúde mental – nunca nos preocupamos tanto com ela.
Isso tudo somado à mudança radical na rotina e nos hábitos – imposta pela proliferação da Covid-19 – que fez com que o mundo tivesse que aprender a lidar com situações completamente desconhecidas, o que aumentou a pressão diante da dúvida. “A saúde mental entrou pela porta da frente na pandemia porque 100% das pessoas tiveram que lidar com a ameaça à vida, incerteza do que vai acontecer e muito mais. Os hábitos e a rotina foram tirados de nós, e isso é o que mais protege a saúde mental, pois não precisamos ficar gastando cérebro, ele já vai no automático”, explica o psiquiatra, e afirma que, por outro lado, são nesses casos que a criatividade floresce: “As pessoas se veem sem saída e aí vem a criatividade para mudar isso, a racionalidade permite a criatividade”, diz.
Outro ponto importante do trabalho realizado por Bressan é levar o conhecimento para diminuir o preconceito contra as enfermidades do cérebro, tanto que recebeu a medalha do Mérito Legislativo (a mais alta comenda da Câmara do Deputados) pelo projeto de educação em saúde mental
nas escolas. “Muitos médicos ainda têm preconceito com doenças mentais e isso leva, mesmo que sem querer, uma desesperança aos pacientes, que não falam, mas enxergam e percebem”, explica o psiquiatra, que ressalta: “O corpo fala”.
Para esclarecer os temas da atualidade que não saem da nossa cabeça, como um futuro melhor, o fim da pandemia, doenças mentais, gatilhos, redes sociais e até Síndrome de Burnout, o médico responde a PODER que é possível manter a esperança, mesmo diante do cenário catastrófico.
PODER: EXISTE DIFERENÇA ENTRE OTIMISMO E ESPERANÇA? RODRIGO BRESSAN: O otimista tem a crença de que vai dar tudo certo, já o esperançoso sabe que tudo pode dar certo, mas também pode dar errado, e porque tem esperança procura caminhos para que dê certo e mantém a tenacidade para chegar lá. Para diferenciar:
o que tem muito otimismo é aquele que corre o risco de achar que não vai chover e tomar chuva, já quem tem esperança pensa que não vai chover, mas leva o guarda-chuva para caso apareça uma situação difícil. Para lidar com a realidade, uma atitude esperançosa é muito mais inteligente e com melhores desfechos do que simplesmente ser otimista de “oba-oba”. E o que acontece com relação às doenças psiquiátricas é que muitos médicos ainda têm preconceito e isso leva, mesmo que sem querer, uma desesperança aos pacientes, que não falam, mas enxergam as reações.
PODER: É POSSÍVEL COBRAR ESPERANÇA NESTE MOMENTO QUE A HUMANIDADE ATRAVESSA?
RB: Agora é a hora de cobrar esperança. Temos que procurar cenários positivos e ter objetivos claros de como persegui-los. Lógico que para ter esperança não basta acreditar que não será infectado pelo coronavírus e sair por aí achando que está tudo bem. É preciso saber que você pode pegar o vírus e saber como lidar da melhor maneira com essa possibilidade.
PODER: E ESPERANÇA EM UM MUNDO MELHOR, NÓS PODEMOS TER?
FOTO MARCELO HALLIT/DIVULGAÇÃO CASA DO SABER
RB: Certamente. A gente se levanta pela manhã para construir alguma coisa melhor, não simplesmente para sobreviver. Todos nós podemos contribuir. A principal literatura de esperança está em pessoas com câncer terminal, que mesmo sabendo da finitude entendem que podem acrescentar algo no mundo e deixar uma contribuição. É absolutamente chave ter esperança.
PODER: QUAIS SÃO AS DOENÇAS PSIQUIÁTRICAS HOJE MAIS DESAFIADORAS PARA A MEDICINA?
RB: Certamente, os transtornos bipolares são muitos desafiadores, principalmente a depressão bipolar em que existe o risco de suicídio. A esquizofrenia também representa muito obstáculos, o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) quando grave e as depressões agudas que, dependendo do grau, podem ser muito difíceis de tratar.
PODER: COMO É POSSÍVEL PERCEBER A CHEGADA DE UMA CRISE DE ANSIEDADE?
RB: A grande definição de transtorno é a incapacidade de superar uma situação. Porque é preciso explicar que alguns momentos do nosso cotidiano naturalmente nos deixam mais ansiosos, ou mais para baixo, mais down. Eles fazem parte. Mas, quando são proporcionais ao estímulo está tudo bem, não é crise. Porém, quando a situação se estende e você não consegue sair dela, aí sim é preciso buscar ajuda de um profissional e fazer um diagnóstico mais preciso.
PODER: QUE TIPO DE GATILHO DEVEMOS EVITAR PARA MANTER A SAÚDE MENTAL?
RB: Não evitamos os gatilhos por definição, o que existe são situações de estresse que vêm por aí. O autoconhecimento é o principal aliado para entender onde a pessoa vai bem ou mal, que situações estressam muito e assim conseguir entender o próprio caso e criar uma estratégia individual de defesa.
PODER: SOBRE O USO DAS REDES SOCIAIS: QUAIS SÃO OS PROBLEMAS CAUSADOS NO BEM-ESTAR DA HUMANIDADE?
RB: São muitos. Aumento do consumo de tempo, com a diminuição de tempo ocioso, dependência e, como consequência, piora da autoestima e redução do espectro de pessoas com quem convive. Ainda não está claro para a ciência se as mídias sociais levam à depressão ou são resultado da depressão. Um estudo do qual eu participo sugere que quem está deprimido usa mais rede social e não que a rede social causa mais depressão, pelo menos é o que apontam os dados iniciais.
PODER: COMO SERÁ A PÓS-PANDEMIA COM RELAÇÃO À SAÚDE MENTAL?
RB: Teremos uma pandemia de saúde mental, que já começou. O que acontece é que entramos nela ao mesmo tempo em que estamos vendo aumentar a onda infecciosa da Covid-19. Lá na frente, certamente essa pandemia será um dos nossos maiores desafios.
Pelo trabalho de educação e combate ao estigma, Rodrigo Bressan recebeu recentemente a medalha do Mérito Legislativo – a mais alta comenda da Câmara dos Deputados do Brasil –com a publicação deSaúde Mental na Escola – O que os Educadores Devem Saber. Como diferenciar transtornos mentais, como o transtorno de déficit de atenção, de características do desenvolvimento normal, como agitação? Essa e outras questões são respondidas por Bressan no livro escrito em parceria com o também psiquiatra Gustavo M. Estanislau. “O objetivo não é fazer com que os professores deem um diagnóstico psiquiátrico, mas que estejam bem informados”, explica Bressan.
PODER: E COMO MANTER A MENTE SAUDÁVEL NESTE MOMENTO TÃO DIFÍCIL?
RB: Cuidar da mente é como cuidar do coração. Você precisa se alimentar bem, fazer atividades físicas – 100% dos meus pacientes saem do consultório com prescrição de atividade física cinco vezes por semana –, cultivar os relacionamentos e dormir bem. E mais: desfrutar de momentos fora do trabalho; é legal trabalhar com o que a gente gosta, mas a vida não pode se resumir a isso. E, para finalizar, evitar álcool e drogas. Essas são algumas das chaves para manter a mente saudável. n