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para enfrentar a pandemia
MEU PRESI DENTE
INESQUECÍVEL
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POR NEY FIGUEIREDO ILUSTRAÇÃO DAVID NEFUSSI
Dois dias após a posse de Itamar Franco em substituição a Fernando Collor, recebi um telefonema do senador Albano Franco, então presidente da CNI (Conf. Nac. da Indústria), pedindo que procurasse Henrique Hargreaves, chefe da Casa Civil da Presidência da República, um velho conhecido.
Como consultor da CNI cabia a mim coordenar as pesquisas de opinião realizadas pela entidade para seu uso próprio e, também, servir aos poderosos de plantão.
Assim que comecei a ler o esboço do questionário, Augusto Marzagão, secretário de Comunicação da Presidência, conhecido pelos Festivais Internacionais da Canção, interrompeu-me: “Pode parar. Itamar vai achar esse questionário um desrespeito”. Tentei argumentar que havia seguido um caráter absolutamente técnico, a exemplo do que havia feito para outros ocupantes do Planalto. Marzagão, de quem me tornei amigo, disse que não duvidava da minha competência profissional, mas que precisávamos fazer duas pesquisas: uma contendo as perguntas aceitáveis para Itamar e outra com as questões corretas. Depois do susto, vi que teria uma pedreira pela frente.
De outra feita quem me acionou foi Mario Amato, presidente da Fiesp. Queria que, na qualidade de secretário-geral do Fórum Informal de Empresários, eu reunisse um grupo representativo para uma audiência com o presidente. Convoquei figuras de diferentes setores da economia. A missão era sugerir o nome do presidente Albano Franco para um ministério. Itamar, após ouvir a exposição de Mario Amato, respondeu: “Gosto muito do Albano, mas a família Franco já está representada no meu governo”. Surpreso Albano perguntou: “Mas como, presidente?”. “Acabei de nomear sua mulher, Leonor, para o Ministério do Bem-Estar Social”, respondeu Itamar. Albano quase caiu da cadeira.
Gestos como esse se multiplicavam no dia a dia. Uma vez fui incumbido de convidar para o Ministério da Cultura o empresário e intelectual José Mindlin, que declinou do convite. Itamar era totalmente imprevisível. Certa feita participei de um almoço em Portugal a convite de Jorge Bornhausen, então embaixador do Brasil em terras lusitanas. Presentes, entre outros, Almeida Braga, o Braguinha, e um oficial do Exército português, que servia de assessor e motorista na embaixada. Lá para as tantas, depois de algumas garrafas de vinho, o sujeito começou a contar histórias de Itamar quando embaixador. Uma delas dava conta que um dia Itamar faltou a um compromisso oficial sem dar explicações. Foi uma correria na embaixada e só mais tarde descobriu-se que tinha ido ao cinema com a namorada.
Por diversas vezes FHC disse-me que lhe tinha grande respeito, mas achava que os amigos tratavam-no como se fosse uma criança mimada, o que as vezes ele era, como quando cismou que a Volkswagen tinha que trazer o “fusquinha” de volta.
Itamar Franco talvez tenha sido o nosso presidente mais desequilibrado, mas não podemos esquecer suas virtudes de homem simples, honesto e bem intencionado. O Brasil lhe deve parte dos méritos na criação do Plano Real, que derrubou a nossa inflação secular. n
Ney Figueiredo é consultor político e cientista social. Escreveu diversos livros, entre eles Diálogos com o Poder (ed. Cultura).