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ENTRE LENÇÓIS
POR ROBERTA SENDACZ
Como a técnica da bondage pode revelar um erótico que vai muito além do sexo em si
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A bondage, uma técnica ligada ao tradicional sadomasoquismo, possui tarefa inexata nas artes e, naquela que escolhemos como exemplo deste texto, o cinema da francesa Catherine Breillat. Batizada de “suspensão”, serve para erguer os sentidos. Levá-los para cima e, numa radicalidade, derrubá- -los para se aproximar de uma ligação de si consigo. Isso nos remete ao século 18. É a amarração da personagem com ela mesma, colocando-a assim em questão. As ataduras da bondage são feitas como instrumental para então atar a pessoa a si mesma. De forma a brotar esquisitices.
Como protagonista da técnica bondage temos a personagem Marie, de Romance (1999), filme de Breillat, em que o sexo aparece como destruidor e transformador. “Marie está participando de uma jornada que a permite ser construída aos poucos”, analisa Robert Sklar, historiador americano especializado em história do cinema. O erotismo foi escalado para tal: ligar uma coisa na outra, com dor dentro e fora de si. A amarração externa ativa o atarse a si provocando como um sistema da física.
Na história, uma professora disléxica é convidada a ir à casa do diretor de sua escola, que lhe propõe um tratamento meio esquisito. Uma espécie de galã do charme, ela começa a se derreter e entregar-se a ele. Não fazem sexo, o diretor não quer isso dela, porém pede para amarrá-la na forma da bondage. Aí faz brotar uma porção de sentimentos íntimos e fortes. A personagem dá uma choradinha, desnecessária para caracterizá-la, e depois passa. O desnudarse desse si consigo está relacionado com o fim da consciência racional. E assim, no desfalecer, pode haver um parentesco com o surrealismo e os sentimentos acontecendo lá na hora da novidade, no exemplo claro do filme. Ela passa por todos os sentimentos e os deixa aparecer. É possível olhar para a cena como sendo o retorno à animalidade.
Ligar-se a si no terreno das ataduras. Um encontro com a beleza e a sujeira dentro do homem.
Nossa personagem Marie retorna algumas vezes à casa do diretor. Numa das noites, aparece de vestido de festa e pede para atar-lhe com mais força que na sessão anterior. Ela se mostra total entregue às ataduras e até passa a dar menos importância para o seu namoradinho que não a quer como “mulher”.
Não precisamos ir longe no si consigo. Não precisa ser apenas com sessões de bondage. Às vezes nos chegam informações curiosas que cintilam em nossa cabeça e pensamos: “Nossa, pensei nisso ontem”. “Nossa, essa música me faz pensar naquilo.” São encontros pulverizados de uma coisa com outra. Certa magia que tem a ver com esse si consigo, como confronto ou apaziguamento.
Breillat sabe utilizar como ninguém o recurso do “voice-over”, que é dar voz ao pensamento não materializado pela fala. Nesses, estão as farpas do si consigo, o grande encontro ao qual temos de ouvir. De forma geral, a cineasta gosta muito do colocar para fora. E isso pode ser de forma a expandir a violência do personagem, da paixão não correspondida, do mal-entendido e do sexo devastador. Tudo aparece: estamos na pornografia.
ROBERTA SENDACZ é jornalista, mas se encontrou na filosofia. gosta de experimentar tudo com o que fica velado