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DE CONVERSA EM CONVERSA
POR ANTONIO BIVAR
MAIS NOVIDADE NO ANO QUE VEM
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O papo neste mês é sobre o presidenciável Beto O’Rourke, político que quer transformar os EUA
Aqui no Brasil as novidades não param de acontecer, mas a grande expectativa para o ano que vem são as eleições presidenciais lá nos Estados Unidos. Quem, eventualmente, poderá vir a ser o sucessor de Trump? Os pré-candidatos democratas de esquerda e centro-esquerda são muitos e vêm de descendências várias. Do sangue latino ao caribenho, do hindu ao all american. Suas agendas estão carregadas de temas ambientais, preocupação com a assustadora desigualdade social etc. Lá não se pode fugir ao capitalismo, mas clamam por um capitalismo mais justo, mais humano, um capitalismo, digamos, socialista. Dos democratas em disputa à escolha do partido, o que tem mais pinta de vencedor é Beto O’Rourke. Texano de El Paso, ex- -deputado, ano passado perdeu, por pouco é verdade, para o republicano Ted Cruz, a vaga para o Senado.
Em abril, fotografado por Annie Leibovitz, Beto O’Rourke ganhou a capa e muitas páginas, na revista Vanity Fair. No perfil, escrito por Joe Hagen, a gente fica sabendo quase tudo dele. Aos 46 anos, vem da Geração X, cresceu frente à MTV, foi punk radical, teve treta com o pai e fala palavrão tipo “motherfucker”. A mãe tentou aliviar
Beto O’Rourke, 46 anos, é democrata, tem três filhos, tinha banda de punk rock e conta com todo o apoio de Barack Obama
a tensão. Beto frequentou shows punk e ficou amigo do fundador da gravadora Dischord, especializada no gênero. Dele aprendeu que “o ethos punk é para os que não se ajustam à sociedade”. Sentiu que os punks estavam certos. Tinha de escapar da sombra do pai. “Sou um filho raivoso”, disse na época. O pai, político de direita, andou envolvido num imbróglio quando, em 1983, no seu Toyota Land Cruiser foi encontrado um preservativo cheio de cocaína. O escândalo ganhou primeiras páginas e ficou conhecido como Rubbergate (rubber, pela borracha da camisinha). E ainda veio com lição de moral pra cima do filho. Reprovado em matemática, o pai se recusou a falar com ele. E queria que o filho estudasse para ser astrofísico, contador ou médico. Nem pensar. Beto ouviu a voz interior aconselhar “saia de casa, vá para a universidade de Columbia”. E foi pra Nova York. Provou cerveja pela primeira vez aos 19 anos no
FOTOS ARQUIVO PESSOAL; GETTY IMAGES; REPRODUÇÃO FACEBOOK; REPRODUÇÃO
apartamento de um colega no Brooklyn, ao mesmo tempo em que formou sua banda punk, a Foss, (cachoeira, em islandês) e com a grana da mesada gravou um disco independente, The El Paso Pussycats. Num show em São Francisco a banda abriu para uma famosa, mas, de tão ruim, foi expulsa do palco na segunda música. Mas continuou fiel ao ethos punk. Aos 25 ano, passou a gostar de Bob Dylan e Nina Simone.
E casou. A mulher, Amy, filha de um magnata do ramo imobiliário, é professora e nove anos mais moça que ele. Conheceram-se assim que ele entrou na política. Beto e Amy se casaram em 2005, no rancho do sogro, em Santa Fé. O casal tem três filhos, de 12, 10 e 8 anos.
Com o tempo, mesmo nas divergências, Beto passou a se entender com o pai. Aquela coisa americana de vencer mais e mais na vida, fazer dinheiro e ter poder. Inclusive poder político. Boas conversas, na revista on-line do filho o pai escrevia um diário sobre sua viagem de bicicleta pelo país quando foi atropelado por um caminhão e morreu. Aos poucos Beto O’Rourke foi se tornando uma cara nova inspiradora. Otimista, confiante, complacente com o povo downtown, atraindo mais pessoas para o seu eleitorado. Considera os mexicanos amigos. Chegou a atravessar a fronteira para ir assistir um filme que estava passando num cinema em Juárez. Fluente em espanhol, foi de porta em porta convencer os possíveis eleitores que ele, sim, melhoraria a vida do povo. Mas David Romo, historiador ativista, acusou Beto e aliados de destruidores de prédios de significado histórico para mexicanos pobres da zona central de El Paso para construir um Walmart, e que o sogro é que lucraria com a coisa. Assim que Trump lançou a ideia do muro, Beto foi radicalmente contra. Mas a oposição logo disse que seu sogro iria lucrar com o muro. Susie Byrd, conselheira do grupo de Beto, publicou um tratado político, Dealing Drugs and Death, argumentando que a legalização das drogas acabaria com a guerra dos cartéis que desestabilizara a fronteira. E por aí as coisas seguiram, uns a favor, outros contra. E Beto O’Rourke não era de todo invulnerável. Por sua ligação com o sogro foi atacado por democratas apoiadores de Obama e Hillary Clinton, que lançaram um vídeo provocativo, Billionaires for Beto. Houve contra-ataque e Beto venceu a convenção para o Senado, contando mesmo com larga adesão de republicanos, o que aprofundou a desconfiança da esquerda ativista chicana, cismada da ligação de Beto O’Rourke com os republicanos. Mas ele fez questão de se mostrar independente, mesmo nem sempre em união com os democratas. E continuou na defesa da legalização da maconha, ao menos para os f lagrados em posse da erva.
As coisas melhoraram quando, em 2015, viajou com Obama para a Ásia, para a transa Trans-Pacific Partnership. Beto testemunhou centena de milhares de pessoas no ato favorável ao, então, presidente ame
ricano, na Ho Chi Minh City, a maior manifestação na história do país. Barack Obama declarou que nessa viagem a integridade de Beto O’Rourke o fez ver, nele, a possibilidade de se tornar presidente. Depois disso, a lição da derrota de Hillary Clinton para Donald Trump, em 2016.
Beto O’Rourke acredita que sua posição política não é apenas ser contra Trump, mas dar ao povo aquilo que o povo precisa. Já ao tentar o Senado contra Ted Cruz, sua munição foi: nada de dinheiro de corporações, nada de publicidade negativa, só coisa positiva focada na mensagem esquerdista, como que de volta à atitude punk eliminando artifícios. Postura franca, honesta e direta, sem interferência marqueteira, só ele e o celular. E partiu para a maratona confiante no carisma, Beto sendo simplesmente Beto. Mas rolou entrave: a mãe transferira para o nome do filho metade de sua parcela no shopping center de El Paso, antes de fechar a loja de móveis e decoração. Vazou que a parte que coube a ele somava cerca de US$ 9 milhões, e outros rolos que Beto botou a culpa no contador, já que a mãe não admitiu culpa. E Ted Cruz, não se sabe se fake ou fato, o acusou de estar envolvido num imbróglio de US$ 640 mil em cartéis de droga. No dia da eleição para decidir a vaga para o Senado, no estádio de El Paso lotado, perdeu para Ted Cruz. Só teve 25% dos votos. Amy, sua mulher, arrasada, chorou. Depois, em casa com a família, em vez de punk, era Stan Getz e todo aquele jazz na vitrola. Beto, em depressão, perdeu peso, as juntas doíam, o estresse. Mas Obama o chamou em seu escritório em Washington para uma conversa. Mesmo com a perda, Obama o parabenizou e Beto manifestou o desejo de se candidatar a presidente. Ao voltar de Washington para El Paso, Amy ao abraçar o marido, excitada, falou “you fucker!”. Bem assim, bem punk. Com o apoio da Oprah, no começo de março já estava decidido: ele saía como pré-candidato democrata e em abril ganhou a capa da Vanity Fair. Vivemos, e não é de hoje, tempos de culto à personalidade. Beto não foge à regra. E se põe como o herói Davi contra o gigante Golias (Trump). Seu charme está de acordo com o charme da época. Se parece ingênuo para político, não teme a crucificação. E se perder na competição para a escolha de candidato do partido, pra ele também tudo bem. “Mas quero.” Dizem que quanto ele mais fala, mais gosta do som da própria voz. “Cara, nasci para estar nessa, nasci pra isso. Nasci e quero fazer tudo que posso, para este país, neste momento. O que me estimula é que os Estados Unidos lidere o mundo. Que as próximas gerações possam viver bem, aqui.” A preocupação com as mudanças climáticas; saúde para todos, que qualquer cidadão possa consultar um médico. Se o acusam de socialista, ele retruca ser um capitalista consciente. Quanto à imigração, cuidar de vistos para trabalho, cidadania para imigrantes ilegais, todos pagando as taxas, tudo na lei, atenção ao trabalho escravo, coisa que afeta milhões nos Estados Unidos. Questionado se é progressista, Beto diz que deixa os outros decidirem por ele. “Não estou interessado em
rótulos.” E dizem que Amy, sua mulher, já tem como livro de cabeceira o Becoming, de
Michelle Obama.
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ANTONIO BIVAR, escritor e dramaturgo, acredita que devagar e sempre, nesse passo, vai até honolulu
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