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PARA FAZER DOS LIMÕES UMA LIMONADA É PRECISO OTIMISMO. ENTENDA A IMPORTÂNCIA DE PENSAR POSITIVO E VEJA COMO INCORPORAR ESSA ATITUDE À SUA ROTINA
#70
nov/dez
2019
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© Foto: Dylan Ellis / GettyImages
PRAZERES SIMPLES
12 REVISTA SORRIA
Amor que se sente na pele texto AMANDA PÉCHY
A
palavra “herança” tem muitos significados. No juridiquês, é o mesmo que “adquirir por sucessão”. Já em genética, é “o que se transmite por hereditariedade”, os genes. Para mim, herança é um potinho de creme para o corpo. Minha mãe cresceu nos anos 60 e 70, quando ainda não havia protetor solar. Afora as consequências mais graves, como o câncer de pele, não aplicar o filtro pode ressecar o maior órgão de nosso corpo. Abrigando-se sob grandes chapéus e guarda-sóis, mamãe também desenvolveu um hábito religioso: hidratar-se todos os dias. Quando criança, além de me lambuzar de protetor solar, fui ensinada a cuidar da pele com cremes e óleos. No início, era uma tarefa árdua e entediante – mal suportava a sensação daquela substância pegajosa no corpo –, mas confiava na recomendação materna. Conforme o tempo passou, a tarefa ficou, progressivamente, com menos cara de tarefa. Além de sentir menos incômodo, comecei a notar minha pele mais viçosa e macia. Passei não apenas a usar hidratantes, mas a experimentá-los. De repente, me peguei investida no ritual noturno do creme pósbanho, e me entretendo com suas possíveis finalidades. Depois, com o aumento crescente de responsabilidades e de estresse, minha relação com esse ritual mudou de novo. Ele se tornou o fim em si, um respiro no meio dos afazeres. Mesmo com o tempo limitado, dedico uns minutinhos a isso todas as noites. O termo “bem-estar” não raro está associado a elementos que são, no fundo, negativos, como uma rotina extenuante de exercícios e dietas restritivas. Há pouco tempo, começou a circular a expressão “autocuidado”. Apesar de semelhante a “bem-estar”, “autocuidado” tem uma conotação diferente, relacionada não a um autoaperfeiçoamento, mas a uma preservação de si. Vejo que antes estava presa à lógica do bem-estar, procurando uma maneira de ser “melhor” (sem estrias, sem celulite, sem espinhas). Hoje, passo meus cremes por autocuidado, para honrar e apreciar o meu corpo, para sentir os perfumes de lavanda e algodão, para descansar, para meditar, para parar. Vejo, também, que a herança de minha mãe é, na verdade, um lembrete para que eu sempre volte a me amar – tudo isso escondido dentro do potinho de creme. NOV/DEZ 2019 13
PRAZERES SIMPLES
TÁ NA MESA
Um doce presente Bonito e delicioso, o bolo inglês é ótima pedida para alegrar a própria mesa – ou o coração de quem se quer bem texto ISABELA NORONHA
© Foto: Sheila Oliveira / Empório Fotográfico. Produção culinária: Paula Belleza. Produção de objetos: Marcia Asnis
O
uvi em algum lugar que o destino do bolo inglês é ser presente. Se isso é verdade, estou no time dos que adoram recebê-lo. Gosto da densidade das fatias, do dulçor sutil, elegante. E do cheiro! Ah, o cheiro do bolo inglês me leva direto às festas de fim de ano. É nessa época que ele aparece com mais frequência, trazido pelas mãos de amigos e parentes, em visitas e encontros, alegrando as mesas: o bolo inglês é lindo. Coberto por açúcar ou enfeitado com delicadas frutinhas, pode até dispensar o embrulho. E, como convém a um presente, nada tem de comum. Por dentro, é a própria fartura a que nos remete o Natal. Em sua massa, tem um bocado de tudo. E tudo são algum tipo de noz e frutas cristalizadas que, invariavelmente, devem ser variadas. Além disso, o bolo inglês dura. Bastante. A ideia é, durante as festas, presentar com ele alguém de quem se gosta, para essa pessoa comê-lo depois, sem pressa. Não é mágica, ou talvez seja, a mágica da cristalização: trocando-se a água por açúcar em abundância, a resistência das frutas aumenta. Algumas receitas ainda levam álcool, que mata boa parte das bactérias que deterioram os alimentos. Li uma reportagem sobre uma família de Michigan, nos Estados Unidos, por exemplo, que guardava um bolo inglês havia mais de 130 anos. O atual cuidador dessa joia estava então com 92 anos e, na foto, mostrava, orgulhoso, o quitute feito por sua tataravó nos idos de 1870. Mas a receita vem de épocas ainda mais remotas. Consta que tenha surgido há mais de 2000 anos, na Roma antiga, onde o bolo levava sementes de romã, pinhões e passas misturadas em uma massa de cevada. Mudam as frutas e as nozes do bolo, mudam os tempos. Mas ele segue cumprindo, com brilho, seu belo destino, esse, de ser presente (ainda que para o próprio cozinheiro). E em uma só fôrma condensa as cores alegres, o cheiro de festa e a fartura que a gente deseja a quem quer bem – nas celebrações de fim de ano e ao longo de todo aquele que está prestes a começar. 20 REVISTA SORRIA
BOLO INGLÊS
rende 5 bolinhos de 15 cm
INGREDIENTES: • 1 xícara de óleo de milho • 4 ovos • 1+½ xícara de açúcar • 2 maçãs raladas • 1 colher (de chá) de canela em pó • 1 xícara de frutas cristalizadas
CORES POR TODA PARTE Passar as frutas e as nozes na farinha de trigo antes de misturá-las à massa faz com que fiquem distribuídas, e não concentradas, apenas no fundo do bolo
MODO DE PREPARO:
• 1 xícara de nozes picadas • 50 g de castanhado-pará moída • 300 g de farinha de trigo • 1 colher (de sopa) de fermento em pó
1
Preaqueça o forno a 180˚C. Numa vasilha, misture o óleo com os ovos, o açúcar, as maçãs e a canela. Mexa com o batedor de arame até incorporar todos os ingredientes.
2
Em outra vasilha, misture as frutas com as nozes e as castanhas. Em seguida, coloque uma colher (de chá) de farinha. Então, reserve.
3
Junte o restante da farinha à massa do bolo e misture bem. Acrescente 2/3 das frutas com as nozes e castanhas. Por fim, coloque o fermento. Mexa bem.
4
Divida a massa nas fôrmas. Coloque o restante da mistura das frutas por cima, para decorar. Leve para assar por cerca de 20 minutos (ou até espetar um palito e ele sair limpinho!). NOV/DEZ 2019 21
VALORES ESSENCIAIS
26 REVISTA SORRIA
ACREDITE,
vai dar certo SER OTIMISTA NÃO É NEGAR QUE, ALGUMAS VEZES, FALTA LUZ À REALIDADE, MAS, SIM, ENCARAR AS DIFICULDADES E NÃO DESISTIR SEM AO MENOS TENTAR VENCÊ-LAS – OU DRIBLÁ-LAS. VEJA POR QUE É CORAJOSO E TAMBÉM SÁBIO ACREDITAR QUE TUDO HÁ DE SE AJEITAR reportagem HELAINE MARTINS ilustração MARCELLA TAMAYO
C
oisas ruins acontecem com todo mundo, o tempo inteiro. Neste exato momento, pessoas perdem o emprego, divorciam-se ou descobrem uma doença grave. Vivenciamos uma crise global, os ânimos estão exacerbados, a economia não melhorou. Parece difícil ser feliz quando você pensa sobre o que está acontecendo ao nosso redor, não é mesmo? Ainda assim, há algo dentro de nós que diz: ‘acredite, siga em frente’. Essa crença de que tudo vai dar certo, um sentimento que insiste em nos fazer enxegar soluções favoráveis, mesmo nas situações mais complicadas, é o que chamamos de otimismo. E por mais que gostemos de pensar em nós mesmos como criaturas racionais e realistas, o fato é que, no fundo, todos temos uma tendência a ver o copo mais cheio do que vazio. Diretora da Associação de Psicologia Positiva da América Latina (APPAL), a psicóloga Paula Ventura explica que tanto a psicologia quanto a neurociência indicam que somos mais otimistas do que pessimistas. “É uma estratégia do nosso cérebro, chamada de viés otimista, que nos ajuda a lidar com mudanças inesperadas, com o estresse esmagador e decepções inevitáveis. É o que nos leva a aprender com os erros, em vez de nos sentirmos derrotados por eles”, afirma Paula. A questão é que, em meio a tantas notícias ruins, coletivamente podemos ser afetados mais do que gostaríamos pelo pessimismo. A negatividade mexe com o potencial do
cérebro e, não por acaso, sofremos cada vez mais com depressão, ansiedade, distúrbios do sono e estresse. Um estudo da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, mostrou que basta meia hora de negatividade por dia – seja assistindo a um telejornal ou ouvindo alguém que não para de reclamar – para fazer o cérebro ficar remoendo a situação. “Quando isso acontece, o córtex pré-frontal direito, responsável pelos pensamentos negativos, se torna hiperativo ou excessivamente desenvolvido, enquanto o córtex pré-frontal esquerdo, responsável pelos pensamentos positivos, se mostra menos ativo”, explica a psicóloga. A boa notícia é que, assim como todo músculo, é possível treinar o cérebro para nos tornarmos mais otimistas. O poder do otimismo reside em nós mesmos e envolve um esforço cotidiano, uma atitude ativa em relação à rotina, de reconhecer as coisas boas que nos acontecem todos os dias, procurar identificar nossas qualidades e fazer uso delas, comemorar quando alcançamos pequenas vitórias, praticamos atos de gentileza, ou deixamos de dar tanta importância às coisas ruins que aconteceram no passado. Nas próximas páginas, você vai conhecer histórias de pessoas que encontraram adversidades em seu caminho, mas seguiram acreditando e enxergaram no otimismo a capacidade de criar uma solução e mudar a sua vida – e também a das pessoas ao redor. NOV/DEZ 2019 27
DÁ PRA MUDAR?
Carinho escrito À MÃO texto LUIZA SAHD ilustração ANNA CHARLIE
POR VINTE DIAS, A REPÓRTER LUIZA SAHD, DE 34 ANOS, ENVIOU CARTAS E CARTÕES A PESSOAS QUERIDAS. ELA CONTA COMO FOI VOLTAR AO TEMPO EM QUE AS MENSAGENS LEVAVAM DIAS PARA CHEGAR – MAS TINHAM COR, CHEIRO E PODIAM ATÉ SER ABRAÇADAS 34 REVISTA SORRIA
O
s apreciadores de livros de correspondências entre escritores já devem ter se perguntado se essa modalidade de literatura ainda pode existir daqui a alguns anos. Quem troca cartas manuscritas hoje em dia? Quem documenta realmente as conversas com os colegas e amigos? Provavelmente, nenhum artista contemporâneo. Nós também não. Na infância e adolescência, minha relação com as cartas manuscritas era forte. Quando era pequena, minha família mudava constantemente de cidade e, na era pré-internet, era mais difícil manter contato com amigos e familiares mais distantes sem smartphones, notebooks ou singelos desktops. Aos 14 anos, eu estudava em uma escola de freiras com normas de disciplina relativamente rígidas. Nessa idade, como é de esperar, o pessoal não se entusiasmava tanto com as aulas quanto com a oportunidade de bater papo com o colega ao lado – e foi assim
que, no ano seguinte, os amigos mais próximos da minha classe foram separados em salas diferentes para que não conversassem mais durante as aulas. Foi assim, também, que encabecei um frisson de trocas de cartas na minha escola. A gente não tagarelava mais enquanto os professores falavam, mas escrevíamos cartas para entregar aos amigos nos intervalos de aula. Obviamente, a diretoria não viu poesia nenhuma nessa atitude típica de rebeldia. Olhando para trás, poucas coisas me parecem mais poéticas do que escrever, à mão, umas cinco cartas por dia. Mas então vieram os anos 2000. Maravilhada e curiosa pelas novidades tecnológicas, fui deixando a escrita cursiva de lado. Vinte anos se passaram e nem parece que, um dia, mensagens escritas manualmente fizeram parte da minha rotina. Quando a Sorria propôs a experiência de passar um tempo escrevendo cartas e cartões para enviar a pessoas queridas, a ideia
ESCREVER FAZ BEM!
QUASE UMA MEDITAÇÃO Como exige mais habilidades motoras do que digitar e também mais foco, escrever nos conecta com o presente.
EXERCITA A MENTE A escrita mobiliza uma série de circuitwos cerebrais e recursos de memória. É uma espécie de ginástica mental!
fez todo o sentido: moro em Madrid, na Espanha, e tenho pelo menos uma dezena de amigos de quem sinto saudade o tempo todo; por outro lado, nem caneta nem papel adequados eu encontrei aqui em casa quando decidi fazer o experimento. Com um entusiasmo quase pueril, fui até uma papelaria próxima escolher cartões e papéis de carta que combinassem com a personalidade dos meus destinatários. A primeira surpresa foi que a papelaria tinha muito pouco material disponível para oferecer aos saudosos escritores de cartas e cartões. O forte, por ali, eram itens básicos de material escolar e objetos de decoração de gosto duvidoso. Assim, acabei indo até um bairro mais distante para visitar uma franquia de presentes descolados que também vende papel, cartões e canetas diferentonas. Finalmente, consegui o material de que precisava para começar a parte da missão que eu supunha ser a mais fácil: escrever e enviar.
A primeira destinatária das minhas cartas, ironicamente, foi uma amiga que mora a três quadras de casa. Ela está de mudança para outra cidade e nunca consegui pôr em palavras, ao vivo, quanto a companhia dela foi importante para mim no ano que passou – além de contar, sem chorar, sobre a falta que eu sentiria de ter uma vizinha que topa todas as farras de final de semana comigo, mas que também me ensina yoga nos dias úteis. Para a carta dela, escolhi um papel de azul-anil bem forte, muito caprichado mesmo. A caneta era de gel para funcionar naquele papel. A mensagem estava bem clara na minha cabeça, mas, na falta de prática com letra cursiva, escrevi um “r” todo esquisito e precisei rabiscar. Foi assim que relembrei a primeira lição importante sobre cartas e cartões: é altamente recomendável fazer um rascunho do que se quer escrever antes de mandar bala, porque assim
CÉREBRO MAIS JOVEM Fazer anotações à mão facilita o aprendizado e a fixação de informações – o que contribui para a saúde da mente.
É TERAPÊUTICO Escrever é uma tarefa rítmica, que acalma os pensamentos. No papel, fica mais fácil processar um problema. NOV/DEZ 2019 35