As Melhores Coisas da Vida

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um livro

30 histรณrias de prazeres simples

para lembrar do que

realmente importa ROBERTA FARIA


Há de

brilhar

Pequenas felicidades Dia ensolarado em qualquer estação do ano

Janelas bem abertas para a luz entrar Lagartear no sol depois do almoço Quando o tempo colabora com seus planos Assistir a um pôr do sol absurdamente bonito 6

Ele é a diferença entre um dia que começa bem e outro nem tanto. Abrir a janela e encontrar o sol brilhando renova as energias perdidas, resgata as esperanças murchas, reveste o mundo com um filtro mais bonito. Mesmo que você aprecie cinza e chuva, é difícil olhar para um dia ensolarado e não pensar “Uau! Hoje vai ser bom!”. A luz é um convite a sair da toca, encarar a vida outra vez e acreditar que agora vai dar certo. Não sou nem eu que estou dizendo – é todo nosso corpo. Assim como a atração por comida ou água, primitiva e inevitável, nossa relação com o astro-rei também não é totalmente racional. É uma necessidade biológica que nos impulsiona a pôr a cara fora da janela: dos ossos aos humores, muito da nossa saúde depende da exposição à luz natural. Mais ainda, boa parte dos seres vivos e dos ciclos da natureza que sustentam na vida no planeta só existe por causa do sol. Na escuridão, definhamos. (Decerto por isso falamos em “tomar sol”: doses diárias dessa energia luminosa, na medida certa, são mesmo um remédio poderoso contra muitos males.)

Para além das utilidades práticas, admirar nossa grande estrela está ligado a uma infinidade de experiências inesquecíveis. Já viu o céu amanhecer depois de uma noite insone? O sol nascendo é um calmante: clareia também os pensamentos. Acordar aos poucos com a luz da manhã é infinitamente mais agradável e produtivo do que ser assustado no escuro pelo barulho irritante de um despertador. E abrir a casa fechada para o dia entrar? É como fazer faxina em nível molecular, os raios solares invencíveis aniquilando ácaros e fantasmas. Tomar café sentindo um solzinho na pele – ou caminhar pelo lado ensolarado da calçada, ou sentar-se no banco mais quentinho da praça – equivale a recarregar aquela bateria que estava prestes a arriar. Fazer qualquer atividade física a céu aberto e tempo bom parece que tem o dobro de efeito, senão mais – no suor, vá lá, mas também na satisfação. O que é um dia na praia sem sol? Uma pequena tragédia, e digo o mesmo sobre viagens de férias, sábados de jardinagem, passeios no parque, festas de todo tipo. E ainda tem a luz dourada e o céu incendiado do pôr do sol, talvez o maior espetáculo da Terra. Tem parado para apreciá-lo ultimamente? Vale a pena: além de acontecer todos os dias, de graça e esplendoroso, o entardecer nos lembra que, não importa o que aconteça, a vida ainda é bela. O mundo é muito grande diante das nossas miudezas, tudo passa, amanhã é outro dia... e o sol há de brilhar para nós outra vez.


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Sorria,

meu bem

Pequenas felicidades

morrer de rir (e continuar vivendo) sorrir de verdade lembrar de momentos que até hoje continuam engraçados gente simpática fazer quem gostamos dar risada

Há tantos tipos de sorriso quanto de emoções. A gargalhada inesperada, que faz engasgar, cuspir a farofa, sair a bebida pelo nariz (e depois gargalhar mais ainda pelo vexame). Tem aquele risinho nervoso, de frio na barriga e vergonha, que dá em montanha-russa e nos segundos antes de subir no palco. Tem sorriso tímido, de quem não quer mostrar os dentes ou os pensamentos. Tem a risada histérica, meio grito, meio louca, meio bruxa má. Tem ataque de riso, de fazer lágrimas, queimar a barriga e torcer as pernas para não soltar a bexiga. Tem riso debochado, provocador, de quem queria mesmo era estar chutando a canela. Tem quem ria chorando, no fim de filmes felizes e propagandas emotivas (ou quando, apesar da desgraça, ufa, ainda sobrou uma piada). Tem sorriso sedutor, dado com o melhor ângulo do rosto e lançado com as pestanas baixas. Tem o riso contagioso, que começa de bobeira, pega um, pega outro, de repente todo mundo está se contorcendo nem sabe mais por quê. Tem sorriso amarelo para vestir nas ocasiões sem graça: os momentos pouco à von-

tade na festa de família, as piadas sem humor contadas por estranhos, a polidez obrigatória no trabalho. Tem sorriso apaixonado, que vem suspirando até no meio da rua, sem motivo nenhum, só por conta de uma simples memória do amor. Tem sorriso simpático, só lábios esticados para acompanhar o “bom-dia” e o “muito obrigada” sem gastar os dentes. Tem quem ria com os olhos, mesmo que a boca finja não achar graça, ou porque não é hora de rir, ou porque está de pirraça e não pode demonstrar. Tem risadinha de quem fez bobagem, uma dose de medo e outra de molecagem. Tem riso secreto, quando só você sabe o motivo – uma piada interna, uma lembrança particular que não entenderiam. Tem sorriso posado, sob medida para a foto: à primeira vista pode até parecer bonito e verdadeiro, mas não enruga nem brilha os olhos, e capaz ainda de doer o maxilar depois de um tempo ensaiando. Bom mesmo é riso aberto, largo, com todos os dentes, felicidade pura – um riso assim, de dentro pra fora. Ou mesmo sorriso simples, desses que acompanham palavras positivas (Olá! Oba! Sim!) ou despertam por uma música, uma paisagem, um gosto bom – nada especialmente engraçado, a graça está no jeito de a gente olhar. Sorrir não deveria jamais ser uma obrigação: sem sinceridade, vira uma coisa triste e ressentida. Mas pode ser um hábito mais frequente, se a gente se permitir apreciar as pequenas coisas com leveza. Mais variados do que os sorrisos, só os motivos para rir. 9


Eu só vim

pela comida

Pequenas felicidades

comer comida de verdade, boa e benfeita, pra gente e pro planeta receitas com história cozinhar por prazer provar novos sabores refeição completa, com entrada, prato principal, sobremesa e brinde 10

Dizem que o mundo se divide em dois tipos de pessoas. De um lado, estão as que pensam “não estou me sentindo bem, há algo errado – deve ter sido alguma coisa que eu comi...”. De outro, estão as que constatam “a vida é boa, estou ótima – deve ter sido alguma coisa que eu comi!”. Ah, eu estou no segundo time. Comer é uma necessidade física – e um privilégio em um mundo tão desigual –, mas não se encerra na simples nutrição. Também é uma experiência profunda de prazer e conexão: por meio do alimento, amarramos laços com as pessoas, marcamos momentos da vida, mexemos com as emoções, reconhecemos nossas raízes, conhecemos outras culturas, exercemos escolhas políticas. Sobretudo, comer é uma chance de felicidade que se renova a cada refeição. Quer ver só? No próximo almoço, podemos provar sabores diferentes: experimentar ingredientes desconhecidos ou variar preparos para os de sempre; tentar receitas de outras culinárias ou conhecer lugarzinhos novos. No jantar, que tal matar a saudade de algum gosto familiar, desses que reavivam me-

mórias de pessoas, lugares, épocas passadas? E amanhã, no café, quem sabe aproveitamos para dar ao corpo um nutriente que ele anda pedindo (ou então realizamos um desejo guloso que tem nos rondado...). No fim de semana, repetiremos um prato favorito, daqueles que nunca enjoam, não importa quantas vezes comemos. E se num lanche nos dermos a chance de provar uma guloseima na companhia de uma pessoa querida? A qualquer momento, podemos usar a comida como pretexto para encontros e conversas; para aprender e testar habilidades na cozinha; para cuidar da gente e de quem gostamos. Comer é fonte de tantas descobertas, alegrias e relações, que fico chateada quando ouço alguém dizer “ah, a gente come qualquer coisa rapidinho”. Que desperdício apenas tapar o buraco, quando poderíamos construir um momento de plena satisfação. “Ah, mas é um prazer passageiro”, alguém pode dizer (essa pessoa está de dieta, provavelmente). Bom, nada dura para sempre mesmo – a felicidade é por convenção um estado temporário, e alimentar-se bem é uma chance frequente de alcançá-lo. “Ah, mas o importante é nutrir o corpo”, alegam outros (possivelmente de dieta também), para justificar uma relação apenas utilitária e regrada com as refeições, sem emoções. Mas ignorar as sensações à mesa é como comer resfriado, com o nariz entupido: perde-se quase todo o gosto da coisa. Comer é um ato fisiológico, mas também é um sentimento. No meu caso, de amor, conforto e alegria.


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Minha árvore, meu amor

Pequenas felicidades

Uma árvore antiga, imensa, cheia de vida comer fruta do pé subir no galho mais alto para ver a floresta ver as flores pelo caminho, o ano todo plantar uma muda e vê-la crescer

Todo Dia da Árvore era a mesma coisa: na saída da escola, em fila, a gente ia ganhando mudinhas para plantar em casa. Eu escolhia um ipê, torcendo para que fosse amarelo. Pazinha e regador nas mãos, cavava um buraco e plantava a esperança de, um dia, ter uma árvore para chamar de minha – mesmo achando difícil acreditar que aquele galho seco com meia dúzia de folhas cansadas pudesse virar uma daquelas criaturas imensas que me fascinavam. Talvez essa vaga possibilidade seja o mais bonito da nossa relação com as árvores. Os ipês que amo ver florir, as jabuticabeiras em que subi quando criança, as amendoeiras que me fazem sombra no verão e tantas outras árvores que amei pela vida afora foram, todas, plantadas muito antes de eu nascer. Por um acaso do vento que trouxe a semente ou um ato de fé no futuro de alguém que cultivou a tal mudinha mirrada, eis que, contra todas as dificuldades, elas vingaram mesmo – e viraram a coisa mais bonita da paisagem. Qualquer árvore esconde entre seus galhos outras tantas lições pra gente. Como a capacidade de

se adaptar (e, de um caroço de abacate enterrado na grama, crescer um gigante num espacinho do quintal) ou de se inconformar (e destruir calçadas de puro concreto com a força de suas raízes). Uma árvore é exemplo de resiliência ao resistir ao vento, sabendo se dobrar ao que não pode controlar – para depois, na calmaria, voltar ao lugar, firme e forte. É uma aula de sabedoria sobre como é possível crescer sem perder as raízes; como secar é parte do florir e como toda colheita tem seu tempo certo. E, como aprendemos na escola, elas ainda filtram o ar, garantem as chuvas, equilibram a temperatura, dão sombra e alimento. Mais ainda, nos brindam com a luz mais bonita do dia, passando pela renda das folhas no fim da tarde. Quebram o cinza da paisagem com as flores que marcam o calendário – as quaresmeiras-roxas em março, os ipês-rosa em julho, os tapetes amarelos do garapuvu em setembro, a chuva lilás dos jacarandás-mimosos em novembro... Elas esbanjam generosidade, como as mangueiras, goiabeiras e amoreiras, que se enchem de frutos mesmo em plena cidade grande. Insistem na alegria, atraindo passarinhos e cigarras, que enchem os galhos e cantam acima do barulho dos carros. Não à toa, vivem mais tempo que nós, testemunhando nossas idas e vindas. É por isso que cuspo caroços de tangerina na grama, planto mudinhas murchas e olho para cima quando ando na rua. As árvores renovam meu otimismo, como quem promete: o dia da colheita ainda vai chegar. 13


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