Revista Sorria #04

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conviver

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o espaço de todos nós

O mundo

é um museu texto B r u n o M o r e s c h i

ilustração A d r i a n a K o m u r a

Tem de arte, de ciência, de história, de brinquedo, até de

pão. Tudo o que é fascinante neste planeta pode estar nos corredores – ou no jardim – de um museu. Só falta você

TE SEU EM SE U M M U E AS D AS DELÍCI

DICAS:

>> O QUADRO Dentro da moldura há um mundo vasto. Nebuloso, agressivo ou plácido. Não espere arrancar tudo para si – seria cansativo e impossível. Deixe-se identificar com o reconhecível na tela, pois nosso cérebro trabalha assim mesmo: baseando-se em algo já vivido

>> DO LADO DE FORA Cafés preguiçosos, esculturas no jardim, uma bela vista: o entorno do museu ainda é o museu. No de Arte Contemporânea de Niterói – o “disco voador” de Oscar Niemeyer – vê-se a Baía de Guanabara emoldurada por paredes curvas. Quer mais obra-prima que isso?

FIGURINO << Salto alto, roupas finas, maquiagem... Precisa ir ao museu como quem

>> PANORAMA Ao entrar, pare e olhe o museu como um todo. Você pode até gostar de planejar bem sua visita. Mas não perca o lado lúdico e imagine tudo ali como partes de um imenso quadro

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vai a uma festa? Melhor um belo par de tênis para encarar todos os andares e não depender do escasso banco pra descansar

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O QUE UMA MOEDA DE PRATA do século V a.C., um jogo de pega-varetas, um quadro

de Picasso e uma esfera que arrepia os cabelos de quem a toca têm em comum? Estão expostos em algum dos 2,5 mil museus do Brasil. São tão diferentes quanto toda a variedade de coisas que existem no mundo. São iguais na capacidade de nos encantar, surpreender, divertir ou até deixar uma pulga atrás da orelha. Museu é para a gente ir e se admirar. Precisa complicar? Muita gente tem preguiça. Ou faz cara feia. Acha que ir a uma exposição é diversão elitista e empoeirada. Mas há quem não tenha preguiça, não ache nada, e, curioso, simplesmente vá a uma e goste muito. Como o estudante Lucas Colares, de 19 anos. Ele “experimentou” uma instalação da Bienal de Arte de São Paulo: caminhou por uma estreita ponte

de madeira que saía da janela do prédio, passava entre as árvores do parque do Ibirapuera e voltava ao solo firme do museu. Sentiu-se tão bem que virou fã das surpresas da arte contemporânea. Algo assim pode ter acontecido às crianças inglesas que tiveram o Tate Modern, em Londres, só para si por um dia. Em fevereiro, o museu abriu a elas seu acervo de instalações. No que deu? A infalível pontualidade britânica foi aos ares e eles fecharam as portas duas horas mais tarde que o normal – quem disse que a molecada saía de lá de dentro? Lucas e as crianças tiveram prazer com arte. Seriam eles engajados no debate secular sobre os mistérios do sorriso da italiana pintada na tela? Ou apenas se deixaram encantar? A arte é complicada mesmo ou é a gente que a com-

plica? “Dificultamos tudo quando vemos o museu como um lugar sagrado”, disse a Sorria* Robert Hughes, o maior crítico de arte da atualidade. Se tanto crianças quanto o maior entendido em arte do mundo acham que basta ir ao museu de peito aberto, olhos, ouvidos, narizes e poros aguçados... Eles podem ter razão. (Em tempo: a moeda milenar e o brinquedo antigo estão no Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro; a esfera eletrificada que arrepia os cabelos de quem a toca mora na Estação Ciência e o quadro de Picasso, no Masp, ambos em São Paulo. E o Museu do Pão fica em Ilópolis, no Rio Grande do Sul, e onde é possível comer até 10 tipos de massa enquanto conhece mais da comida que é uma instituição cultural.)

LETRINHAS << Os textos informativos nas paredes ajudam na hora de entender a importância do artista, o contexto histórico e os detalhes das obras. Mas não se sinta culpado se for avesso a teorias: leia apenas o que lhe despertar curiosidade

ACERVO << Grandes museus sempre recebem exposições temporárias. Diante das novidades, às vezes esquecemos o acervo fixo. Na Pinacoteca do Estado de São Paulo, por exemplo, há tesouros como estátuas de Auguste Rodin, escultor francês de primeira grandeza

>>A INSTALAÇÃO Morada das controvérsias. Aquele monte de entulho pode ser chamado de arte? Relaxe. Tente se divertir, pois grande parte desse tipo de arte é sinestésica, interativa e provocadora. As crianças adoram

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crescer

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valores que mudam a vida

Meus amigos, minha vida Ela é tão múltipla quanto a diversidade humana e, ao mesmo tempo, tão essencial quanto © Divulgação

a necessidade de conviver. Para defini-la, nada melhor que degustá-la. Conheça deliciosas histórias de amizade que celebram a beleza desse vínculo primordial texto A m a n d a R a h r a e D i l s o n B r a n c o

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ilustrações Z i r a l d o , G a b r i e l S i l v e i r a e F i d o N e s t i

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© Divulgação

ZIRALDO E A TURMA DO PERERÊ, INSPIRADA EM SEUS COMPANHEIROS MAIS FRATERNOS: “AMIGO SE EMPENHA, NÃO SE DESINCUMBE. O RESTO É CORDIALIDADE”

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ENTRE O ZIRALDO DE 70 ANOS ATRÁS , que jogava bola descalço nas ruas de Caratinga, no interior de Minas Gerais, e o de hoje, lenda viva do cartum brasileiro, restaram poucas coisas em comum. Uma delas é o convívio com Galileu, o garoto lourinho que morava na rua dos ricos, usava sapato e meia e na 2ª série foi parar na classe do futuro desenhista.“A partir dali, sentamos juntos pelo resto da vida”, lembra Ziraldo. Quando Marina Maggessi entrou para a Delegacia de Repressão a Entorpecentes do Rio de Janeiro, no início dos anos 1990, talvez já sonhasse com as famosas prisões dos grandes líderes do tráfico de drogas que realizaria nos anos seguintes. Porém, dificilmente imaginava que, naquele ambiente de trabalho tão tenso, violento e masculino, ela encontraria o conforto de oito almas gêmeas:“São meus meninos, meus irmãos. E quem precisa de algo mais, com uma família dessas?”, pergunta. A mãe do professor e escritor Gabriel Chalita não conseguia entender por que, aos 6 anos, ele ia tanto ao asilo próximo de sua casa, conversar com uma das senhoras que ali viviam. Na adolescência, também era curiosa aquela mania dele de passar horas com a escritora Ruth Guimarães, observando-a escrever à máquina debaixo de uma figueira. Na faculdade, era da professora Olga de Sá que Gabriel não se desgrudava.“Essas mulheres me incentivaram a sonhar e a realizar sempre, por mais difíceis que fossem os obstáculos”, explica. Os elos que caracterizam o inusitado de cada uma dessas histórias são difíceis de definir. Para pensadores da Antiguidade, a amizade é o bem mais nobre concedido à humanidade, maior do que a justiça e a paixão e anterior aos laços familiares.Artistas não se cansam de exaltá-la: amigos são para guardar do lado esquerdo do peito, a ajuda certa nas horas incertas, e estão para a prosa assim como o amor está para a poesia. Especialista no assunto, a professora do departamento de psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais Luciana de Souza tenta racionalizar o conceito. “Amizade é a troca intensa de beijos e abraços, a revelação de um maior número de assuntos com mais profundidade, um relacionamento importante para o desenvolvimento social, emocional e também cognitivo”, diz. A filósofa Márcia Tiburi vai por outro caminho: “É uma relação gratuita e sem objetivos além do prazer de conviver com alguém que significa algo para nós”. Na verdade, é tudo isso e muito mais. É ter prazer em falar e em ouvir. Compartilhar as maiores angústias e os pensamentos mais ridículos. Conhecer o outro para entender quem somos. Discutir aos gritos e se sentir confortável no silêncio. Estar perto mesmo a distância. Crescer junto, dividir memórias individuais. Gozar e ser gozado. Atrair sem prender. Aprender e ensinar. É o núcleo de toda relação verdadeira. É companhia, segurança, apoio, diversão. Ou, simplesmente, tudo isso é a amizade.

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movimentar

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as delícias do exercício

Dê um

pulinho aqui É diferente de correr. De chutar. De arremessar. Pular é assim: se basta. Não precisa ter largada, nem destino, nem alvo. Mas tem um porquê. Descubra o seu, com histórias de gente que salta texto N i n a W e i n g r i l l

QUANDO SAI O GOL. Quando a gente passa no vestibular. Quando aquele telefone finalmente toca (depois de horas e horas de espera angustiada). Uma comemoração só é legítima quando damos pulos de alegria. Pular é um prazer que aprendemos quando criança, e adoramos. E que, com o tempo, vamos sufocando aos poucos. Porque o corpo envelhece, porque a gente esquece como é bom, ou porque ninguém mais quer pular junto. Dar um salto é uma maneira essencial de expressar a felicidade. Bastam dedos, pés, pernas e impulso. É de graça. E faz bem.

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fotos R e n a t o P i z z u t t o

“Pular melhora o ritmo, a coordenação, a força, o equilíbrio e a resistência aeróbica e anaeróbica”, diz Ana Sato, professora de educação física da Moventis, Cento de Educação pelo Movimento. Não importa se você era ruim no elástico ou tropeçava quando a velocidade da corda chegava no “foguinho”. Nem se era pesado demais para o salto em distância da escola ou se sua mãe não o deixava pular na cama. Pular está no sangue. E não só diante da boa notícia. Conheça histórias de gente que, sim, sempre obedece quando alguém pede: “Dá um pulinho aqui?”

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FOLIA ELÁSTICA A artista plástica Sônia Telles, de 57 anos, não é uma mulher qualquer. Separada e dona de seu nariz, dança zouk (um tipo de lambada), tem três pit bulls, não quer saber de cozinhar e mantém em sua casa da Serra da Cantareira, em São Paulo, uma cama elástica de 15 por 3 metros. Ali ela pode saltar sem parar, com as pernas em espacate e pés de bailarina: “Eu sei fazer pontinha, ó”. A história começou por acaso. Há oito anos, ela precisou de uma rede protetora entre o mezanino aberto e a parede de vidro da casa. O serviço foi feito com uma rede elástica, por engano. Ela e os cinco netos, de 7 a 11 anos, amaram. Quando vêm muitos amiguinhos deles para dormir, ela veste cada um com um pijama colorido de sua coleção, bota todos de cobertor e travesseiro aninhados na cama elástica e conta uma história. Deita-se junto, eles adormecem e, então, ela sai de fininho para sua cama. Sônia pode não ser uma mulher qualquer, mas também precisa poupar as costas.

PULAR É VIVER O sobe-e-desce de Sandra Mautner, de 38 anos, é acelerado. A mãe de quatro filhos descobriu que 2 metros de náilon são quase uma terapia. Sandra salta devagar com os pés juntos, rápido com os pés separados, mas salta, porque, além de bom para o corpo, pular corda faz bem pra sua auto-estima e concentração. “Estou mais segura, mais focada, gosto mais do meu corpo”, conta, com um sorriso tímido. A paixão começou na infância, ainda com pouca habilidade. “Salada, saladinha, bem temperadinha, com sal, pimenta, fogo, foguinho.” A cada estrofe da música infantil, a velocidade aumentava, e Sandra nunca ganhava, esbarrando na corda antes das amigas. Foi na academia, há um ano e meio, que ela redescobriu o prazer. Os filhos e o marido que o digam: hoje ela pula com até duas cordas juntas, em ritmos diferentes. “O barulho dela no chão incentiva a dar o próximo salto”, garante. Ela ainda não sabe qual é o próximo salto de sua vida. Mas já se sente preparada.

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comer

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sabores que confortam

Doces

deleites Separados, açúcar e leite emocionam pouco. Juntos, amarram a língua e confortam a alma. Arranje um tacho. E colher de pau à obra texto M a r c e l a D i a s

fotos R o d r i g o B r a g a

ATIRE O PRIMEIRO TORRÃO DE AÇÚCAR quem nunca ousou furar a lata de leite condensado para sugar o creminho lá de dentro. E raspar a panela de mingau? É impossível resistir ao casamento perfeito do leite com o açúcar, uma união que remonta aos tempos da colonização portuguesa – e às primeiras doçuras da infância. No decorrer do domínio lusitano por aqui, o leite era um tanto desprezado. O Brasil tinha riquezas naturais demais para fazer brilhar a cobiça dos exploradores.“E, como ainda não haviam descoberto uma forma de conservar o leite, acabou-se encontrando na cozinha um jeito de garantir sua permanência”, explica a nutricionista Maria Luiza Ctenas, autora do livro A Vitória do Leite. Ainda bem que os homens do dinheiro deixaram a bebida sobrar para os tachos. Influenciada por várias culturas, nossa cozinha virou laboratório. Da parceria com o açúcar, nosso “ouro branco”, vingaram receitas de trincar o queixo: balas puxa-puxa, pudins aerados, um sem-fim de docinhos, variações do doce de leite.A doçaria fincou tradição onde o gado (e o leite) abundava, como Minas Gerais e a Região Sul, mas reconfortou estômagos de todo o país. Veja só: alguns estudiosos acreditam que a palavra leite derive do termo indo-europeu mirjati – o mesmo que acariciar. Desses afagos e raízes Maria Emília e Obeny das Candeias entendem. Há 25 anos eles compartilham um casamento adocicado pois comandam, na feira da Praça Benedito Calixto, em São Paulo, uma barraca de compotas caseiras. Obeny compra tudo, rala o coco, descasca a abóbora. Maria Emília vai ao fogão perpetuar as receitas da avó. O aprendizado, quando ainda era criança, foi com o fogão a lenha, aceso o dia todo para apurar os doces. Mas, mesmo nos tempos de fogões modernos, o afeto familiar permanece. Na especialidade de Maria, a tentadora ambrosia, mais ainda.“Esse doce tem o poder de transformar o semblante das pessoas”, diz Obeny. Experimente se olhar no espelho enquanto prova uma colherada.

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OBENY E MARIA EMÍLIA, COM AMOR E COM AÇÚCAR

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AMBROSIA CREMOSA

PUDIM DE LEITE

O ovo é o terceiro elemento desta receita

O chef de cozinha Julian Gil Rivera, de

portuguesa. Acredita-se que a tradição dos

origem espanhola, foi buscar esta receita

doces de ovos e açúcar tenha nascido nos

nos cadernos da mãe. Ele sugere que o doce

conventos. As freiras engomavam o hábito

seja feito com leite fresco e gordo (e não o

com claras e criavam doces com as gemas

pasteurizado) para obter uma textura aerada

INGREDIENTES

INGREDIENTES

• 3 litros de leite integral

• 250 g de açúcar refinado

• 1 kg de açúcar cristal

• 4 ovos inteiros

• 8 ovos inteiros

• 4 gemas

• 5 cravos

• 500 ml de leite

• 1 canela em pau

• 30 ml de água

MODO DE PREPARO

MODO DE PREPARO

Em uma panela grande (número 40), junte

Em uma assadeira de pudim, misture a

o leite, o açúcar, os cravos e a canela e deixe

água com metade do açúcar e cozinhe em

ferver em fogo baixo. Separe claras e gemas.

fogo baixo até ficar em ponto de caramelo.

Em uma vasilha, bata as claras em neve.

Desligue o fogo e espalhe rapidamente o

Adicione aos poucos as gemas à batedeira

caramelo por toda a assadeira, para que

e despeje devagar essa mistura no leite

fique untada por igual. Reserve. Em uma

fervendo. É a hora em que o doce costuma

vasilha, bata os ovos inteiros e as gemas com

“crescer” na panela e quase transborda.

o restante do açúcar até obter um creme

Deixe cozinhar em fogo brando e, com uma

homogêneo. À parte, ferva o leite e junte ao

colher de pau, mexa para trazer o doce da

creme de ovos. Leve ao forno preaquecido,

parte de baixo da panela para cima. Quando

em banho-maria, por 45 minutos, em fogo

a mistura estiver reduzida a três quartos,

médio. Retire, espere esfriar e leve à geladeira.

com a aparência de um caldo grosso e cremoso, desligue o fogo.

FINALIZAÇÃO Para desenformar o pudim, mergulhe a

FINALIZAÇÃO

assadeira até a metade de sua altura em

Coloque em um pote, espere esfriar e leve

água quente e passe uma faca sem serra

à geladeira. Se quiser, na hora de servir,

nas bordas para soltar.

salpique raspas de limão. Receita de Maria Emília das Candeias

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Receita do chef de cozinha Julian Gil Rivera, do restaurante Toro

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