Revista Sorria #19

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*19 abril/maio 2011

este valor, descontados os impostos, é 100% doado para os projetos do

Realização:


descobrir

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o melhor do dia a dia

Essa queda eu caio texto R o b e r t a F a r i a

foto C h r i s t i a n C r a v o

Costuma ser um segredo, desses que os iniciados passam adiante cheios de mistério. “Conheço um lugar...”, começam. E chegar lá envolve pegar uma estrada de chão batido, parar no meio do nada, seguir por uma picada lamacenta pelo mato (quase sempre, uma subida), passar por pedras escorregadias, talvez até se esgueirar por entre o arame farpado de uma cerca, cuja placa avisa: “Propriedade Particular, Entrada Proibida”. E então a gente escuta, e sabe que chegou. O som é de tempestade, mesmo em dia aberto. O cheiro no ar muda: não tem nome pra ele, mas parece uma mistura de folhas, frio, terra molhada, pedras no sol. Uma clareira se descortina, e lá está ela. A cachoeira vem descendo furiosa, toda aquela água calminha do rio acima espantada com a queda súbita, fazendo espuma quando encontra o lago. A poeira molhada pinta um arco-íris particular, que enlaça a cascata e anuncia: este é um lugar especial. Cachoeiras têm um quê de mágica mesmo. Enquanto tantas paisagens mudam, elas parecem perdidas no tempo. Não convidam: escondem-se. E banhar-se é uma aventura maior do que chegar: cachoeiras exigem respeito, com buracos escondidos e pedras afiadas. E são tão frias... Vai o dedão do pé primeiro. Depois, coragem, que é pra isso que viemos. Entra-se com cuidado pelos cantos, exploram-se as profundidades e bordas. Mapeamento feito, sempre haverá um corajoso pra dizer: “Então eu vou pular!”. E começa a melhor parte. Esculpida pela natureza, é toda nossa essa piscina selvagem, com trampolins e escorregas só esperando serem descobertos. A água que quebra nos ombros faz uma massagem que desfaz qualquer tensão da vida. O barulho, quem diria, aqui é paz: tão alto que tem hora que a gente só escuta a própria respiração. Se houver uma caverna atrás da cascata, então, é a glória. Do outro lado do véu de água, o mundo desaparece. Acho que essa é a melhor coisa que um banho de cachoeira faz pela gente: lembrar a beleza que existe nas maiores quedas.


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crescer

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valores que mudam a vida

ter princípios é... arriscar a vida por nossas convicções. como fez o ex-delegado alexandre, que sofreu um atentado após denunciar colegas corruptos


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texto R i t a L o i o l a

fotos R o d r i g o B r a g a

Seus passos não são dados a esmo. Eles são direcionados por um conjunto de leis só suas, impressas no seu cérebro. Refletir sobre elas é viver com responsabilidade. E orgulhar-se do espaço que ocupamos na multidão Foi de repente. Barulho de fuzil, vidro quebrado, a dor terrível. Assim que fechou a porta do carro, em frente a seu prédio, o delegado Alexandre Neto ouviu os estampidos e encolheu-se no banco. Nove balas acertaram o parabrisa. Uma delas arrancou o dedo médio da sua mão direita. Era domingo, 2 de setembro de 2007. Naquele dia, Alexandre completava 30 anos de serviços para a Polícia Civil carioca. E tinha uma certeza: só estava sofrendo aquele atentado porque insistia em cumprir seu trabalho da maneira mais correta. “O problema é que entrei na corporação para ser um bom profissional”, conta o ex-delegado, de 51 anos, hoje secretário de Segurança Pública da cidade de Maricá, na região dos lagos do Rio de Janeiro. “Afinal, se eu não puder seguir o caminho certo, da justiça, é melhor fazer qualquer outra coisa.” Com dois policiais na família, desde pequeno Alexandre sonhava seguir o mesmo caminho. O avô materno, que havia sido carabinieri (tradicional força policial italiana), manteve o ofício ao emigrar para o Brasil. E o deixou como herança a um de seus filhos, que se tornou um dos primeiros responsáveis pela delegacia de entorpecentes do Rio e serviu de grande referência para Alexandre.

Encantado com a profissão do tio e com a retidão de seu trabalho, o jovem fez faculdade de direito e, quatro anos depois, passou no concurso para a Polícia Civil. Trabalhou como analista, detetive e passou pela coordenadoria da capital, até se tornar delegado adjunto da divisão antissequestros. Foi então que seu trabalho ganhou maior destaque. “Quando percebi como as coisas real­ mente funcionavam na polícia, foi um choque. Para mim, ser correto não é qualidade, é obrigação. Mas tem gente que aceita vender qualquer coisa para se dar bem. Decidi não aderir a esse esquema, porque quero encontrar sentido no que faço. Afinal de contas, o trabalho que escolhi é zelar para não deixar as coisas erradas acontecer”, diz Alexandre. Em 2006, a Polícia Federal começou a investigar a corrupção na Polícia Civil. E, como o delegado tinha um passado acima de qualquer suspeita, ele foi chamado para auxiliar na busca por informações. Alexandre não só colaborou com os detalhes como escreveu textos com denúncias para os jornais cariocas. Foi nesse momento que a máfia dos caça-níqueis – que explora máquinas de jogo ilegais – começou a ser desmantelada, e nomes ligados à polícia apareceram entre os envolvidos. Alguns foram

expulsos da corporação. Menos de um ano depois, os tiros espocaram em frente ao apartamento do delegado. “Até cheguei a pensar que sofreria alguma represália pelo meu trabalho, mas eu estava disposto a enfrentar o que fosse preciso.” No hospital, Alexandre foi submetido a uma série de operações para resgatar os movimentos da mão. Depois do susto, das cirurgias, das reportagens louvando a coragem de enfrentar a banda podre da polícia e dos 30 anos de trabalho, ele se aposentou. Mas mantém sua luta: no ano passado se candidatou a deputado federal, e assumiu a secretaria de Segurança Pública de Maricá. Apenas um dos envolvidos no atentado foi preso – e, depois, liberado. Mas Alexandre lembra-se do episódio com tranquilidade. “O sentido da minha passagem pela vida é lutar para melhorar o lugar onde vivo. Sei que não fiz e não estou fazendo absolutamente nada de especial. Essa é apenas a atitude de um cidadão que pretende participar de um mundo mais justo.”

Todos e cada um Alexandre fala como se não tivesse escolha. Como se ele não pudesse fugir ao destino de zelar pela boa conduta de sua classe, denunciar os desvios e


trabalhar

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para viver melhor

texto D i l s o n B r a n c o ,

com a colaboração d e Ta t i a n a B a n d e i r a e Cristina Casagrande ilustração N ã

Olhou para a ilustração ao lado e se lembrou na hora da sua equipe de trabalho? Não se preocupe: seguindo algumas dicas, suas reuniões podem ficar muito mais objetivas e proveitosas Sem foco. IMpontuais. Inconclusivas. Segundo uma pesquisa realizada com mais de 2 mil pessoas pela empresa de consultoria Triad e a revista Você S/A, esses são os principais problemas das reuniões de trabalho. Para a maioria dos entrevistados, elas costumam ser mal conduzidas e ineficazes. A explicação é simples: apesar de as reuniões serem uma necessidade em todas áreas de trabalho, nunca fomos ensinados a fazê-las. A boa notícia é que existem métodos que podem tornar esses encontros muito mais produtivos. A primeira questão é: quando uma reunião deve ou não ser convocada? Segundo o especialista em gestão do tempo Christian Barbosa, tendemos a rea­ lizar mais encontros do que o necessá-

rio. No livro Estou em Reunião, ele afirma: “Quando precisamos resolver algum problema ou discutir alguma ideia, a primeira providência é reunir as pessoas. Mas o correto é, sempre que possível, evitar as reu­­niões”. Além de afastar as pessoas de suas tarefas, os encontros custam caro: “Uma empresa de 100 funcionários que realiza quatro horas semanais de reuniões gasta anualmente 1 milhão de reais com elas”, calcula Christian. Mas nem sempre se peca pelo excesso. Quando a diretora de arte Cristiane Caldeira, de 32 anos, entrou para uma agência de marketing na qual trabalhou por quase uma década, em São Paulo, percebeu que o problema era a falta de comunicação. A equipe de 15 pessoas que ela coordenava costumava come-

çar a trabalhar sem ter sido devidamente apresentada à tarefa que deveria executar. Pressionados pelos prazos, os funcionários não paravam para analisar como um influenciava o trabalho do outro. Conversando com colegas do setor de informática, Cristiane viu que eles possuíam uma saudável rotina de encontros. Decidiu copiar. “Passamos a fazer uma reunião geral no início de cada pro-


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jeto, encontros semanais para não perder o foco e um balanço geral. As pessoas se sentiram mais motivadas e conscientes de como contribuir”, diz. Para saber se, de fato, é preciso convocar uma reunião, Christian Barbosa sugere três perguntas: 1) O que será discutido? 2) Como contribuiremos para atingir o objetivo? 3) Por que é preciso reunir as pessoas? “Se não houver uma resposta clara para cada questão, é melhor repensar o encontro”, afirma.

Planejar e conduzir A definição do objetivo, assim como a convocação dos participantes, integra a primeira das três etapas de uma reunião: o planejamento. Foi nessa fase que o gerente de projetos Antonio Martinho, de 33 anos, teve de caprichar para melhorar os resultados da sua equipe, numa multinacional de Campinas (SP). Para tornar as conversas mais focadas, ele reduziu os envolvidos. “Agora chamo só pessoas-chave, que depois repassam as informações”, comenta. Outra medida foi exigir que os funcionários cheguem às reuniões com relatórios sobre suas atividades. Mais bem embasadas, as discussões ganharam objetividade. O gerente também teve de readequar a segunda etapa das reuniões: a condução, que é o encontro propriamente dito. “Controlo o tempo das dis-

cussões, para não ultrapassarmos o horário definido, e não deixo de interferir para evitar as conversas paralelas”, diz. Além dessas características, o condutor deve ser um bom articulador. É ele quem orienta a conversa, passando a palavra entre os participantes, lançando perguntas estimulantes, motivando os retraídos, contendo os falastrões e guiando o raciocínio coletivo para a solução. Ao contrário do que muita gente pensa, o condutor não tem de ser a pessoa de maior nível hierárquico. “O que importa é o perfil. Os chefes precisam aprender a abrir mão da condução para outra pessoa mais adequada, se for o caso”, afirma Christian Barbosa.

E depois? A terceira etapa de uma reunião é o acompanhamento. Consiste, basicamente, em distribuir entre os participantes um relatório com as ideias discutidas, as definições e as tarefas que cada um deverá executar dali em diante. Eliana Azeredo, de 53 anos, diretora de uma empresa de eventos de Porto Alegre, sabe quanto isso é importante. Após as reuniões em que define os detalhes das cerimônias que organiza, ela faz questão de aprovar com o cliente um roteiro com o que foi decidido. Mas nem sempre basta. “Certa vez, a uma semana do evento, descobri que o cliente estava achando que a atração musical seria outra, e não a que havíamos decidido em conjunto”, lembra. Para evitar problemas desse tipo, ela passou a fazer o chamado followup. Ou seja: depois da reunião, além de produzir o relatório, Eliana liga para o cliente e verifica se ele está de acordo com as definições. “Também criamos uma área em nosso site em que é possível acompanhar passo a passo o andamento da organização do evento”, diz. Compartilhar novidades úteis com todos é um bom motivo para uma reunião. Christian, Cristiane, Antonio e Eliana deram dicas valiosas. Que tal chamar seus colegas para discutir como elas podem ser aplicadas à sua equipe?


comer

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sabores que confortam

Delícia

branca

Por dentro da casca dura, dois tesouros: um líquido que aplaca qualquer sede e a polpa que inspira incontáveis iguarias. Festeje a bênção que é o coco em duas tradicionais receitas texto J u l i a n a D i a s

foto S h e i l a O l i v e i r a / E m p ó r i o F o t o g r á f i c o


Produção de objetos: Márcia Asnis | Produção culinária: Áurea Soares | Assistente de fotografia: Clara Oh/Empório Fotográfico

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Quando éramos crianças, eu e meus irmãos tínhamos férias bem gulosas. Minha mãe aproveitava nossas tardes em casa para pôr em prática as ideias do seu caderninho de receitas. Uma das mais gostosas era a cocada de leite condensado. Depois de passar pelo fogo, a massa era espalhada sobre o mármore frio e cortada. Até aí, minha mãe tirava de letra. O difícil era impedir que nós três atacássemos os deliciosos quadradinhos ainda quentes. Ela tentava nos conter com alertas sobre a terrível dor de barriga que se abate sobre os glutões impacientes. Ficávamos preocupados, mas não o suficiente para controlar nossos instintos. A pequena indisciplina valia a pena: a textura do coco fazia cócegas na língua, e nossa boca se abria em saudosos sorrisos. Outras receitas à base do fruto também eram comuns lá em casa, como o tradicional bolo de coco. Encontrar o ingrediente não era nenhum problema: nasci e fui criada na Região Nordeste, a principal produtora de coco do Brasil. Nativo do Sudeste Asiático, o fruto foi trazido ao nosso país pelos portugueses, poucas décadas depois do descobrimento, e se adaptou muito bem à nossa costa tropical, úmida e quente. Hoje, consumimos cerca de 1 bilhão de cocos, verdes ou secos, a cada ano. Bom para a gente, pois o fruto é bastante nutritivo. “A água de coco tem sódio, potássio e vitamina C, ideal para hidratar de forma saudável, e o miolo é fonte de fibras, ajudando no ritmo do sistema digestivo”, explica a professora de nutrição Sara Moreira, da Universidade de Fortaleza. Além disso, como todo mundo sabe, coco é uma delícia. Ficou com água na boca? Veja a seguir como fazer o delicioso manjar que aparece na foto do topo da página. E confira também a receita de cocada gentilmente cedida por Dona Fátima, minha mãe.

Cocada da Dona Fátima

Manjar com calda de damasco

Ingredientes

Ingredientes

• 2 cocos ralados (ou 400 g de coco ralado

• 3/4 de xícara de amido de milho • 500 ml

• 1 lata de leite condensado

de açúcar • 50 g de coco ralado

desidratado, que você pode comprar pronto) • 2 xícaras de açúcar Modo de preparo Cozinhe todos os ingredientes, mexendo

de leite • 250 ml de leite de coco • 1 xícara Para a calda: 1 xícara (chá) de açúcar

• 1 1/2 xícara (chá) de água • 100 g de damasco seco

com uma colher de pau. Quando estiver

Modo de preparo

Espalhe a massa por uma superfície lisa,

leite e misture com os demais ingredientes.

desgrudando da panela, desligue o fogo.

Dissolva o amido de milho em um pouco de

corte-a no formato desejado e deixe-a esfriar.

Leve a mistura ao fogo. Quando engrossar

Variações Cocada de fita É só trocar o coco ralado por

bem, passe para uma fôrma untada com água e leve à geladeira.

Para fazer a calda, misture o açúcar e a

coco em fita, que você pode comprar pronto.

água e deixe ferver sem mexer até começar

a dica é usar um descascador de legumes.

cinco minutos. Desligue o fogo, deixe esfriar

Mas, se quiser o ingrediente fresquinho,

Queimada Troque o coco comum pelo

a engrossar. Junte o damasco e cozinhe por e espalhe sobre o manjar desenformado. Se quiser incrementar a calda, junte

queimado, que você pode comprar pronto.

duas pimentas dedo-de-moça (sem

Com frutas Durante o cozimento, acrescente

assim que ligar o fogo. Quando começar

pedaços de fruta, como abacaxi, maracujá, limão ou laranja. Ou 250 ml de suco concentrado, do sabor preferido.

sementes) à mistura de água e açúcar

a engrossar, retire as pimentas e junte os damascos, previamente fervidos por dez

minutos em duas xícaras de chá de hortelã.


*19 abril/maio 2011

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