*27 agosto/setembro 2012
este valor, descontados os impostos, ĂŠ 100% doado para os projetos do
Realização:
descobrir
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o melhor do dia a dia
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Está
no ar
Demora até a gente perceber o que foi mesmo que mudou. Foi o ar que ficou mais úmido, o sol que esquentou, o dia que espichou? Talvez seja alguma coisa na luz que cai na tarde, mais dourada. Ou na cor do céu, com mais tons de rosa e roxo, que tingem as nuvens mesmo depois de o sol sumir. Talvez seja o cheiro da cidade, que muda como mudam as plantas; o ar tem algo mais de verde, de terra – essas sensações sem nome que só quem tem nariz conhece. Seriam as árvores a dar o sinal, talvez? De repente, olha lá o jacarandá mimoso, enorme de alto, ficando aos cachos de um lilás quase azul, e eu já tinha até esquecido que ele dava flor. Pode ser também que sejam os passarinhos, ouriçados outra vez, uma piação louca logo cedo. Ou mesmo as moscas, que não sabem do que são feitas no frio, e vêm chegando aos poucos, ainda tontas. Ou tudo isso ao mesmo tempo. E, mesmo que o clima não seja mais o que era antigamente, mesmo que em país tropical as estações se misturem como as águas de rios que se encontram, mesmo que a natureza não obedeça ao calendário – mesmo assim, quando chega setembro, a gente sente que algo mudou. O inverno se despede da gente, a gente dele. Assim, aos poucos, um dia mais quente que o outro, descascando as camadas de roupa e preguiça que nos cobriam. Uma noite, acordamos suando, e sabemos que chegou a hora. Vamos lavar esses edredons e guardá-los de novo nos altos dos armários, ainda com cheiro do sol em que secaram. Vamos descer as malas, puxar as roupas do fundo da gaveta: olha só, nem me lembrava desse vestido! (Adoro essa parte. Quando começava a achar que não tinha mais o que vestir, muda a estação, e tudo que estava nos escuros das prateleiras parece novo de novo, é só lavar pra tirar esse cheiro de guardado.) Em setembro, não é só a estação que muda. A casa também: vamos abrir as janelas, bater os tapetes, trocar a roupa de cama, quem sabe tirar a mesa do lugar e comprar um vaso de azaleias. E muda a gente, que fica com novas vontades, como comer lá fora e andar no fim da tarde (tão bom, ver as ruas se enchendo de caminhantes). Deve ser algo impresso no nosso tutano, essa alegria de vencer mais um inverno. Assim como a paisagem que se renova, a gente também sente que pode desabrochar outra vez.
© Siri Stafford/Getty Images
texto R o b e r t a F a r i a
envolver
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todos por todos
texto J a q u e l i n e L i
ilustração S u r y a r a B e r n a r d i
Na hora de levantar uma bandeira e lutar por uma causa, quanto mais vozes entoam o coro, mais fácil é ser ouvido. Quer ver? A ideia pode surgir entre amigos. Como aconteceu com os artistas Tata Amaral, Bruno Schultze e Ligiana Costa. Ao pôr o papo em dia, descobriram que tinham a mesma queixa: os prédios que surgiam na vizinhança. Foi aí que criaram, no fim de 2011, o Movimento Pinheiros contra a Verticalização Desenfreada (MoverPinheiros). E descobriram que lutar juntos por uma causa os torna mais fortes. O trio é hoje um coro de 700 pessoas que alerta para os efeitos da especulação imobiliária no bairro, que põe em risco a identidade da região. O foco do grupo é fazer surgir um parque no terreno de 2 mil m² onde um casarão dos anos 1930 foi demolido para a construção de torres comerciais. O movimento informal, articulado por meio de um blog e uma rede de e-mails, faz barulho. E, mais que isso, pensa na possibilidade de organizar oficialmente suas ações. “Queremos poder abrir conta em banco, pedir abertura de inquérito, mover ações judiciais”, explica Eduardo Abramovay, um dos coordenadores do movimento. Proteger a memória histórica de uma região foi também o motivo do surgimento da Associação do Bairro de Sambaqui, em Florianópolis (SC). No início dos anos 1980, uma tentativa de privatização da Ponta do Sambaqui, um depósito natural de conchas e sedimentos, movimentou a pequena comunidade pesqueira. Em 1983, os moradores tornaram-se uma associação e impediram a venda do terreno. Hoje, tem um trabalho reconhecido de resgate do folclore e artesanato açorianos, cultura importante do bairro.“Nos mantemos com a venda do artesanato produzido em oficinas e com as apresentações do grupo”, ensina Silvia Conceição Blasi, presidente da associação. Em Curitiba, a causa que uniu uma comunidade foi o anúncio de que mais de 1.000 estudantes de uma escola pública no bairro Novo Mundo precisariam ser transferidos. A condição precária do Colégio Estadual Yvone Pimentel, condenado à demolição em 2009, resistiu até o ano passado, quando uma comissão de pais resolveu se juntar para pressionar e fiscalizar a reforma sugerida pelo governo. “Quando a comunidade se envolve e cobra, é diferente”, afirma a diretora da escola, Adriana Kampa. Para permanecerem no bairro, os estudantes estão tendo aulas em uma quadra coberta. “Isso não teria acontecido se não fosse a união dos pais”, acredita Laiz Helena Ferreira, de 42 anos, mãe de duas alunas da escola. Quer saber como unir pessoas para lutar por uma causa? Veja ao lado como tornar isso possível!
Chega mais! Se você conhece pessoas que querem lutar por interesses como os seus, dê a ideia de criar um movimento. Reúnam-se e comecem usando o tempo disponível para trabalhar em atividades relacionadas à causa, unindo pessoas com diferentes habilidades (comunicação, organização, captação de recursos, assessoria jurídica).
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vai querer o quê? É possível reunir pessoas em um movimento informal, como o MoverPinheiros, em uma associação ou em uma ONG (organização não governamental) e Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público). Depende se seu objetivo é fazer barulho, lutar por causas pontuais ou tocar projetos amplos.
organizando o dinheiro Para conseguir recursos para custear a luta por uma causa (transporte, impressão de documentos ou salários), é possível organizar um evento, pedir a contribuição de empresas ou de mensalidade aos sócios. Iniciativas, como o MoverPinheiros não têm sede. As atividades são na praça, na padaria ou pizzaria do bairro. Assim, o momento de união também é divertido.
virando gente grande Se sua batalha exige um CNPJ, que é para as instituições o mesmo que o CPF para os cidadãos (ou seja, permite administrar recursos e documentos), a associação é o caminho mais simples. Já para causas coletivas, as ONGs são o melhor rumo. Muitas trabalham em parceria com o governo e obtêm recursos com financiamentos estatais, empresas privadas e até venda de produtos.
crescer
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valores que mudam a vida
Fazer justiça é lutar, defender princípios, fazer de tudo para diminuir o sofrimento alheio. Indignar-se com o que está errado nos dá uma força poderosa, que transforma o mundo em um lugar melhor texto B r u n a F a s a n o
Aos 24 anos, Maria Berenice Dias travou sua primeira batalha por justiça. Era 1979, e a advogada não podia prestar concurso para juíza. Na época, mulheres eram proibidas de disputar o posto em seu estado, o Rio Grande do Sul. Mas, assim como o pai e o avô, o sonho de Berenice era usar toga. Ser correta e aplicar a lei da melhor forma. Não imaginava, entretanto, que o processo para alcançar seu desejo seria tão difícil: “Foi uma sequência de injustiças. Primeiro, entrei com recurso para fazer a prova. Passei, mas não permitiam que tomasse posse. Finalmente, quando comecei a trabalhar, percebi que não havia banheiros femininos no tribunal”. Nos corredores, os colegas a recepcionaram com brincadeiras machistas. “Nunca pensei que minha primeira ação fosse para requisitar um banheiro. Foi uma decepção. Eu simplesmente não estava preparada para ser vítima de preconceito.” A partir daí, a carreira da gaúcha, hoje com 64 anos, tornou-se uma guerra contra esse mal. “Senti o sabor
amargo do preconceito e resolvi combatê-lo”, conta. Causas ignoradas por outros juízes se avolumaram em seu gabinete. Tornou-se presença frequente nas vitórias a favor de minorias. Mulheres, negros, homossexuais e pessoas sem recursos encontraram nela o amparo da lei. A juíza interpretava a legislação, enxergando nela o direito que as pessoas tinham. Assim, criava precedentes legais para futuros julgamentos. “Queria desenvolver uma nova cultura jurídica. Divulgava minhas decisões e influenciava os colegas a agir da mesma forma. Afinal, um juiz deve julgar também com a alma e o coração”, diz Berenice. Uma das maiores brigas que comprou foi a da união entre pessoas do mesmo sexo. Escreveu um dos primeiros livros brasileiros sobre a causa e levou-a à mais alta corte do país. Em 5 de maio do ano passado, a união entre homossexuais foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. Até então, a união estável gay era possível em alguns estados – e o primeiro deles foi o Rio Gran-
de do Sul. Em parte, por decisões de Berenice. “Brincam que no meu escritório há uma capelinha para casar gays. Existe mesmo. E tenho orgulho disso!”, diz. Além de causas, casamentos e preconceitos, ela acumula reconhecimentos: é vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, criou o JusMulher – serviço voluntário de atendimento jurídico e psicológico a mulheres carentes – e foi a única gaúcha indicada ao Projeto 1.000 Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz 2005. São títulos que homenageiam quatro décadas de luta por igualdade e justiça. Casada cinco vezes e mãe de três filhos, nunca deixou de brigar pelo que acha certo. “Perguntam-me se sou homossexual. Eu digo que sim, sou homossexual, vítima de violência doméstica, negra, abusada sexualmente. Eu me identifico com todas as minhas bandeiras, sou todas elas”, conta. “O sentimento de rejeição e hostilidade que vivi me deu força. Eu me senti desafiada a provar que posso conseguir mais para mim e para quem precisa.”
fazer justiça é... acreditar que não é porque algo nunca foi feito que é impossível – e provar isso sendo o exemplo da mudança. como berenice, que luta pelas minorias
Foto: Ricardo Jaeger/Beleza: Radamés Rodrigues/Fotodesign: Felipe Gressler
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comer
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sabores que confortam
Comida em
camadas Fatia sobre fatia, é possível criar lasanhas,
pavês, sanduíches, tortas... Escolha seu sabor e comece a empilhar os andares! texto T i s s i a n e V i c e n t i n
foto S h e i l a O l i v e i r a / E m p ó r i o F o t o g r á f i c o
no Confira outras receitas em site www.revistasorria.com.br
Produção culinária: Aurea Soares/Produção de objetos: Márcia Asnis
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Pegue seu ingrediente favorito. Queijo, carne moída, presunto, morango, chocolate... Agora escolha entre fatias de pão, bolachas ou lâminas de massa. Empilhe tudo, montando andares comestíveis. Nesse prédio delicioso, você pode misturar quantos sabores quiser e ir sobrepondo tudo, até que as bordas da fôrma avisem que é hora de parar. Dá para escolher doce ou salgado, criando lasanhas, pavês, sanduíches e inventando coloridas tortas em camadas. A chef Mazé Felix começou suas peripécias culinárias assim, aos 5 anos. Ao lado da mãe e do avô, ajudava a montar a lasanha de domingo. “Meu serviço era colocar a massa”, conta a chef da rotisseria Minha Avó Fazia, em São Paulo. Em família, aprendeu a tradicional receita de molho, fatias de massa, presunto e queijo. A experiência mostrou que, para cozinhar perfeitamente a lasanha, as camadas não devem ultrapassar os 5 centímetros de altura. “Mais do que isso, ela corre o risco de ficar crua por dentro e queimada nas bordas”, ensina. E também descobriu que a massa tem segredos. As frescas, feitas de farinha e ovos, são leves, macias e porosas, absorvendo os molhos. Já as pré-cozidas, mais duras, combinam com ingredientes que levam mais água. “Como são secas e contêm menor quantidade de ovos, são boas para molhos mais líquidos”, sugere. A regra também vale para as receitas doces. Nos pavês, os biscoitos que fazem o papel de massa ficam mais macios e saborosos quando embebidos em leite, licor, leite de coco, café, calda ou suco – a escolha fica ao gosto do freguês. Quanto mais dura for a massa de bolachas, mais líquido ser esse “molho”. Para rechear, vale tudo: creme de baunilha, de chocolate, mousse, frutas como uva e morango... E seguir o mandamento de um mínimo de seis horas em geladeira faz com que tudo se transforme em uma deliciosa torta gelada. Depois da espera, o melhor é destruir, às colheradas, cada camada. Mas, antes disso, veja ao lado como empilhar os ingredientes!
lasanha clássica
pavê de chocolate e morango
pré-cozida • 250 g de queijo mussarela
picados • 1 pacote de biscoitos champagne
Ingredientes 250 g de massa para lasanha fatiado • 250 g de presunto fatiado • queijo ralado a gosto
para o molho bolonhesa 3 colheres (sopa)
de azeite • 1 cebola média picada • 2 dentes de alho picados • 3 xícaras (chá) de molho de tomate pronto • 1 pitada de açúcar
• 1/2 kg de carne moída • sal e pimenta-
do-reino a gosto • folhas de louro a gosto Modo de preparo Numa panela, aqueça o
azeite e refogue a cebola e o alho. Acrescente a carne e o molho de tomate. Tempere com sal e pimenta a gosto. Coloque as folhas
de louro. Adicione uma pitada de açúcar. Deixe apurar em fogo médio.
Montagem Coloque uma concha de molho
no fundo da travessa; em seguida, cubra-o com fatias de massa. Acrescente as fatias de mussarela e depois as de presunto
e cubra com o molho. Alterne as camadas
de massa, queijo, presunto e molho. Repita a sequência até completar a travessa. Termine com molho e salpique com
queijo ralado para gratinar. Leve ao forno preaquecido a 200 °C por 20 minutos.
Ingredientes 1 kg de morangos lavados e
• 1/2 litro de leite para molhar os biscoitos
para o creme branco 1 lata de leite condensado • 2 latas de leite • 2 gemas peneiradas
• 2 colheres de sopa de amido de milho • 1 caixinha de creme de leite
para o creme de chocolate 150 g de chocolate ao leite • 150 g de chocolate meio amargo • 1 caixinha de creme de leite
Modo de preparo Leve ao fogo baixo o leite condensado, o leite, as gemas e o amido, mexendo até engrossar. Desligue o fogo
e deixe esfriar, mexendo de vez em quando. Acrescente o creme de leite. Pique os
chocolates e derreta-os em banho-maria. Adicione o creme de leite.
Montagem Em uma travessa ou em copos, faça uma camada de biscoitos champagne
molhados no leite, outra de creme branco,
uma de morangos picados, uma de creme de chocolate e, assim, sucessivamente. Termine
com uma camada de chocolate. Decore com as raspas de chocolate e os morangos
(inteiros ou cortados). Leve à geladeira por pelo menos seis horas antes de servir.
*27 agosto/setembro 2012
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