Revista Sorria #28

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*28 outubro/novembro 2012

este valor, descontados os impostos, é 100% doado para os projetos do

Realização:


de ar fresco texto R i t a L o i o l a

© Fotos: 1 Dougal Waters/Getty Images 2 Lars Klove/Getty Images

Uma rajada

De repente, o ar fica pesado. É difícil se movimentar, decidir, encontrar uma saída. Como não há o que fazer, procuro o céu. Abro a porta, a janela, os portões, levanto a cabeça e miro lá em cima, no topo dos prédios. Às vezes, encontro algumas nuvens ou uma estrelinha meio apagada, e respiro fundo. O ar entra devagar pelas narinas, magicamente, leve e fresco. Fecho os olhos. Lembro das aulas do colégio: entra oxigênio e sai gás carbônico. Inspiro renovação e expiro o que não quero mais. Aos poucos, presto atenção nesse ato mecânico que nos mantém vivos – respirar – e ele me acalma. Os barulhos ao redor desaparecem e é como se eu estivesse em um espaço só meu, verde e iluminado. Ali, as coisas voltam, cada uma para o seu lugar. A liberdade retorna. E os problemas não desaparecem, mas deixam de ser monstros invencíveis. Quando alguém me vir parada, olhando pra cima, pode saber: não estou ali. Estou em algum outro espaço, tranquilo e claro, cheio de ar fresco. Um local onde tudo está parado, em um tempo eterno. Às vezes, encontro nesse passeio alguma pérola ou joia valiosa, como a certeza de que tudo vai dar certo ou a réstia de paz que havia perdido. Na volta, resgato do esquecimento um sorriso que há tempos não vestia. É que parar e respirar é meu ritual particular para me livrar das dificuldades e ser feliz.


Você se lembra? A gente chamava ele de “Questionário”. Era um caderninho encapado com capricho, em que cada página trazia uma pergunta, para você responder a mão, nas linhas abaixo. Começava assim, básico: “Qual é o seu nome?” e “Onde você estuda?”. Depois, ia para os gostos e desgostos, com perguntas reveladoras como “Qual sua cor preferida?” e “O que você odeia?”. Intimidade estabelecida, partia-se para as grandes questões da humanidade: “Já beijou alguém?” e “Se achasse a lâmpada mágica, quais seriam seus três pedidos?” eram algumas delas. E o caderninho rodava pela classe, entre os primos e vizinhos – era a nossa rede social. Outro dia reencontrei o meu Questionário. Lá estou eu, com 9 anos, declarando com caneta cor-de-rosa que as coisas que mais detesto são “a falsidade e beterraba cozida” e que Indiana Jones é o homem mais lindo do mundo. Rejuvenesci uns cinco anos só de ler minhas respostas. De vez em quando, desenterro um tesouro desses na casa dos meus pais. E tem de ser assim mesmo, sem querer,

texto R o b e r t a F a r i a

enquanto se procura um negócio ali em cima do armário – acho que relíquias arquivadas direitinho não teriam a mesma graça. Felicidade é numa tarde de domingo achar, do nada, uma fita sem etiqueta, se perguntar “Hmm, o que será...?” e, de repente, se ver de saia rodada verdelimão e faixa amarrada na testa Dançando lambada ê! Dançando lambada ah! na festa de aniversário de 1990. Ou abrir uma mala e deparar com uma caixa de sapatos com pilhas de bilhetes trocados na sétima série, discutindo com a minha amiga Luísa temas urgentes como o que fazer quando você gosta de três meninos ao mesmo tempo (e, se não bastasse a dificuldade da situação, a conversa ainda era escrita toda em código secreto). Ou, vá lá mundo moderno, resolver num dia de tédio extremo arrumar as pastas no computador e achar as fotos daquela festa de 2001 na qual, por razões que jamais saberemos, estou usando um caranguejo vivo como chapéu. A nostalgia é a melhor máquina do tempo.


envolver

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todos por todos

Uma horta comunitária é uma forma de cultivar alimentos, relações e mudanças. Quer participar? texto D a n i e l e M a r t i n s

ilustração G i o v a n a M e d e i r o s

Há uma horta sempre verde e bem cuidada no bairro paulistano de Sapopemba. Idealizada pelos moradores, a plantação comunitária lhes fornece união e alimentos. “O maior estímulo é vê-la linda, cheia de verduras, além de ajudar as famílias da comunidade”, diz Ivone Maria Getúlio, de 53 anos, uma das pessoas que cultivam a área, cedida ao bairro por uma empresa há cinco anos. Ali, a tarefa de molhar a plantação já foi dividida por 20 pessoas – com seus regadores. Hoje, 14 plantam, acompanham a horta e vendem os produtos. Em Sete Lagoas (MG), foi um pedaço de terra assim que mudou a vida de Islandi Avelar. Ele trabalhava como cobrador de ônibus quando, há quatro anos, resolveu participar de uma horta que é parte de um projeto do município. Com os recursos do cultivo, comprou uma casa, pagou um curso de vigilante e mudou de profissão. Agora, tem mais tempo livre, junto com 83 famílias que participam da mesma plantação e dedicam-se a produzir hortaliças para o seu consumo e para a venda. “Minha esposa ajuda a regar e eu faço o mais pesado. Cada família tem o seu pedacinho para cuidar, mas, como estamos todos juntos, aprendemos muito uns com os outros”, conta o vigilante, de 41 anos. É aí que está um dos grandes ganhos das hortas comunitárias: fazendo de um espaço abandonado uma área útil, elas dão a chance de conhecer e unir novas pessoas do bairro, entrar em contato com a terra e lembrar de onde vem o que comemos. Uma pequena área do condomínio, um canto de quarteirão ou mesmo os fundos de uma escola ou posto de saúde podem proporcionar o cultivo conjunto. Genival Moraes Farias, de 63 anos, vive em São Paulo e sabe disso. Cresceu trabalhando na área rural e, ao se aposentar, voltou a plantar, mas em um terreno abandonado da capital. Para conseguir isso na cidade, buscou a ONG Cidades Sem Fome, que apoia projetos de hortas comunitárias urbanas. “É importante trabalhar em grupo, senão, não funciona”, conta. Agora, Genival divide a área com três pessoas, e o resultado é tão positivo que ele acorda disposto, às 5 da manhã, para cuidar das plantas. Quer saber como fazer uma horta assim? Veja as dicas a seguir!

meu pedaço de terra Sua horta pode começar em um espaço de terra no condomínio, no fundo de uma escola ou posto de saúde, em um terreno público ou privado. Mas, se o local for de propriedade alheia, apresente a ideia ao responsável e elabore um termo legal de uso. É importante que o lugar não seja contaminado, não tenha esgoto por perto e esteja em boas condições de limpeza.


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seção de hortifrúti É possível cultivar verduras, legumes, ervas ou plantas medicinais. O solo precisa ser drenado para não acumular água, pois terrenos muito úmidos matam as sementes e favorecem a proliferação do mosquito da dengue. O plantio pode também ser feito em caixas de madeira. Quanto mais higienizada a horta, mais saudáveis serão os alimentos.

festa da colheita Hora de colher os frutos do trabalho! Geralmente, as hortas comunitárias são criadas para a alimentação das famílias, e o excedente pode ser vendido e virar fonte de renda. A comercialização ocorre no local, em feiras, mercearias e restaurantes. Esses alimentos, se cultivados sem agrotóxico, são ótima fonte de vitaminas e minerais que enriquecem as refeições.

divisão do trabalho Além de plantar e colher, é preciso regar a horta uma ou duas vezes por dia, cortar o mato e construir canteiros. A atenção é diária, e, compartilhada, fica mais leve. O ideal é que cada um dos envolvidos cuide de pequenas áreas e que haja um sistema de rega mecânico. Uma dica é molhar as plantas no começo e no fim do dia, quando as temperaturas são mais amenas.


crescer

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valores que mudam a vida

ter filhos é... reconhecer que essa não é uma experiência fácil. mas é fascinante. como douglas e cristina, que, com sara, pedro, lisa e vítor, aprenderam a multiplicar suas vidas


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Beleza: Élcio Aragão (Maizena) (Agência First)/Produção de moda: Mica Toméo/Produção de objetos: Carol Bertier/Tratamento: Felipe Gressler

Ter filhos é uma das maiores mudanças da existência. Arranca a tranquilidade, tira a liberdade e promove as maiores alegrias que alguém pode viver. E é essa experiência irreversível que constrói o mundo que vamos deixar para o futuro texto C a r o l i n a P a s q u a l i

Quando minha filha Clara nasceu, há três anos, eu me senti – pela primeira vez na vida – sem poder controlar nada. Ela era uma coisinha linda e cabeluda que não pesava nem 3 quilos. E que chorava muito e mamava a cada duas horas, 24 horas por dia, me transformando rapidamente na mulher mais cansada, descabelada e exaurida do planeta. E não havia nada que eu pudesse fazer para mudar isso. Ela suspirava e eu sabia. A injeção de cada vacina tomada doeu em mim. E, ao mesmo tempo em que eu vivia a beleza dessa conexão profunda, muitas vezes tudo o que eu queria era ser “só” eu, como antes. Isso, para mim, significa ter filhos. A experiência mais transformadora que alguém pode viver. Quando a Clara nasceu e me jogou no olho do furacão, perguntas como “é assim com todos?” ou “o que é ter filhos hoje em dia?” passaram a fazer parte das minhas reflexões diárias. E, de certa maneira, começaram a pautar minha vida. Escrevendo este texto, tentei compreender o que é essa vivência radical, que não deixa ninguém do mesmo jeito. Com muitas questões

fotos F e r n a n d o G a r d i n a l i

em mente, li livros, fui atrás de especialistas e de outros pais que me ajudassem a entender qual o sentido disso tudo. Comecei conversando com duas pessoas que estão há mais tempo que eu nessa estrada: Douglas e Cristina Bitu.

A grande família Para eles, tudo é multiplicado: são quatro filhos, com idades entre 11 e 18 anos. Douglas e Cristina, ambos com 44 anos, tiveram a primeira filha sem planejamento. Moravam em São Paulo e dedicavam todas as horas dos dias a montar e manter o próprio negócio. Até que, aos 25 anos, Cristina se viu grávida. Com a chegada de Sara, hoje com 18 anos, tiveram de repensar as prioridades para tomar conta do bebê. Aos poucos, aprenderam a cuidar da criança e da própria vida, que virou de cabeça para baixo. Um ano depois, quando as coisas entravam nos eixos, ela engravidou de novo. “Fiquei em choque”, conta Cristina. Por causa dos problemas respiratórios do pequeno Pedro, hoje com 16 anos, eles foram parar na Granja Viana, distrito da região metropolitana de São

Paulo. Ali, o terreno grande e a casa espaçosa, cercada de verde e ar puro, animaram o casal a aumentar a família. Veio Lisa, hoje com 14 anos, e Vítor, 11. Nesse tempo, o casal continuou tocando aquela empresa do início, que cresceu e hoje sustenta os seis. Cristina conta que as maiores mudanças ocorreram quando o primeiro filho nasceu. “Nem eu nem ninguém está preparado, não sabe de nada”, afirma. Para Douglas, o mais difícil foi perder a liberdade de gerenciar o próprio tempo. “Por mais de dez anos, dava para contar nos dedos quantas vezes saímos em um sábado à noite”, diz. Hoje, ele esbanja paciência: “Adoro ver filmes, mas me acostumei a pausar um vídeo a cada dez minutos para atender um filho. Às vezes, um filme de duas horas leva mais de quatro para acabar!” O casal também passou muitos anos viajando em aviões diferentes. “Pegávamos voos separados para evitar qualquer situação de risco”, lembra Cristina. O cálculo era que, se um avião caísse com um deles, o outro estaria a salvo para cuidar das crianças.


comer

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Diversão na grama sabores que confortam

Piquenique é a reunião simples de amigos e comidas sobre uma toalha. Combina com uma sombra gostosa, jardins floridos e boa conversa texto L e t í c i a R o c h a

foto S h e i l a O l i v e i r a / Empório Fotográfico


Produção culinária: Aurea Soares/Produção de objetos: Márcia Asnis/Ilustrações: Akaína Pancini

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Piquenique é daquelas coisas simples e gostosas da vida. Tem cara de reunião de amigos e comida, em um dia bonito de sol. Com o clima convidativo, basta preparar a cesta, estender a toalha na grama e deliciar-se com pães, patês, sanduíches, saladinhas, sucos, bolos... Ao ar livre, sempre cabe a alegria de estar junto em meio à refeição sem frescuras. “Lembro quando, timidamente, estendia minha toalha na grama de alguma praça. Virava alvo de olhares e comentários”, diverte-se a nutricionista Neide Rigo, de 51 anos, entusiasta da experiência desde menina. Hoje, ela lidera um grupo que se reúne mensalmente em São Paulo para fazer grandes convescotes que unem até 30 pessoas. Sempre chega gente nova, da vizinhança, o amigo do amigo que se encanta com a falta de regras da experiência. Para vivê-la, basta a vontade de dividir os momentos de prazer. “Não é preciso cruzar a cidade nem fazer compras caras ou mirabolantes. Dá para buscar um lugar perto de casa, preparar o que está na geladeira”, ensina a nutricionista. “As crianças podem ir para a cozinha com os pais – é algo que envolve a família toda.” E essa simplicidade faz parte do passeio desde a Idade Média. Conta-se que o primeiro piquenique surgiu com as caçadas da época, na Europa. Os caçadores carregavam embutidos e carnes curadas, resistentes ao tempo e à temperatura, para comer durante os intervalos das cavalgadas. E essas pausas, com os alimentos dispostos em uma bela clareira, tornaram-se a origem do programa. Os termos em inglês, picnic, e em francês, pique-nique, surgiram para nomear a experiência de compartilhar não só a comida, mas o momento de estar com os amigos e a família. Foi retratado em quadros de impressionistas franceses, como Manet e Renoir – e é a melhor desculpa para invadir o jardim, arranjar os alimentos sobre a toalha e chamar os amigos. “O momento, em si, é o que importa”, diz Neide. Veja ao lado algumas dicas para aproveitar os dias de sol com essa refeição descomplicada!

salada oriental de acelga

Ingredientes (2 porções) para o molho 50 ml

de shoyu • 50 ml de mel • 30 ml de azeite

arsenal do piquenique

Veja como fazer um encontro delicioso!

• 20 ml de água para a salada 5 folhas grandes de acelga em tiras • 1 pepino japonês fatiado bem fino • 1 manga pequena cortada em

cubos • 50 gramas de kani kama desfiado

(opcional) • 1 colher (chá) de gergelim torrado Montagem Bata no liquidificador os itens do molho e reserve em um pote hermético.

Misture os ingredientes da salada, exceto

o gergelim. Divida em dois potes individuais ou vidros com tampa. Na hora de servir,

regue com o molho e polvilhe o gergelim.

o que levar Alimentos resistentes ao

ar livre. Vale frutas, embutidos, queijos,

pepinos japoneses, cenouras e tomatescereja picados, além de pães e bolachas acompanhados de geleias ou patês .

chá de hibisco refrescante

Ingredientes 70 g de flores de hibisco secas

• 60 g de açúcar (opcional) • 750 ml de água

• água com gás • frutas picadas (pera e maçã com gotas de limão, para não escurecer; abacaxi, carambola) • folhas de hortelã

Montagem Em uma chaleira, coloque as flores

como levar As bebidas, quentes ou frias,

peneire e, se desejar, junte o açúcar. Leve para

herméticos para guardar os alimentos

para ferver. Retire do fogo, deixe amornar,

gelar. Acondicione em uma garrafa térmica. Reserve uma jarra e, momentos antes

de servir, disponha o chá de hibisco, a água

em garrafas térmicas. Escolha potes e use sacolas térmicas ou cestas de palha ou vime para transportá-los.

com gás, as frutas e as folhas de hortelã.

muffin de cenoura com gotas de chocolate

Ingredientes (6 porções) 3 cenouras • 2 xícaras de açúcar • ½ xícara de óleo • 3 ovos

• 1 colher (café) de essência de baunilha

higiene Para lavar as mãos antes e depois

• 2 e ½ xícaras de farinha de trigo • 1 colher

de comer, leve álcool em gel e uma

Montagem Pique as cenouras e, no copo do

de ter alguns sacos para recolher o lixo

(sopa) de fermento • gotas de chocolate

liquidificador, junte a elas os ovos, o óleo,

o açúcar e a essência. Bata até obter uma

garrafa com água da torneira. Lembre-se depois do seu piquenique.

massa homogênea. Em uma tigela, junte a farinha, o fermento e o sal e mexa com uma colher de pau. Despeje o creme de cenoura aos poucos, mexendo sempre.

Junte algumas gotas de chocolate e mexa, separando uma porção para salpicar por cima. Distribua a massa em forminhas

redondas de papel ou de silicone próprias

para muffins, espalhe as gotas de chocolate restantes sobre eles e leve para assar no

forno preaquecido por cerca de 20 minutos.

Estarão prontos quando, ao espetar a massa com um palito, ele sair úmido, mas limpo.

dicas Para proteger-se do sol, leve boné,

chapéu e protetor solar. Use repelente

e espalhe cravos-da-índia na toalha: eles espantam insetos. Não se esqueça da

música: pode ser um rádio ou um violão!


*28 outubro/novembro 2012

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