Revista Sorria #29

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*29 dez.2012/jan.2013

este valor, descontados os impostos, é 100% doado para os projetos do

Realização:


descobrir

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o melhor do dia a dia

Vamos à texto R o b e r t a F a r i a

O aviso era dado na noite anterior, e provocava tal comoção que a gente ia dormir com frio na barriga. Amanhã, vamos à praia! E cedo começavam os preparativos: litros de suco de maracujá e mate dentro de garrafas térmicas, sanduíches embrulhados em papel alumínio, caixas de isopor com gelo e cerveja. Guarda-sóis, esteiras de palha, boias de braço, toalhas com capuz, cadeiras de lona. Baldinhos, pás, rastelos, jogos de frescobol e de taco e, com muita sorte, uma câmara de pneu cheia (adoraria acrescentar aqui: e uma boia em forma de baleia Shamu, mas nunca tivemos uma dessas; era um sonho). E mais três crianças, dois pais, tios, primos, avós, vizinhos, toda uma carreata. A Brasília lotada, cheia de tranqueira, vida e expectativas rumo ao melhor passeio do mundo. Daí a gente chegava já saltitando feito pipoca, o pé queimando na areia quente. Via o pai demonstrar toda a sua virilidade na arte de fixar um guarda-sol. Passava óleo na mãe e ria porque ela ficava vermelha e brilhante; ela se vingava passando pomada branca nos nossos narizes. Então, saíamos correndo: praia é o maior quintal do mundo. E cavava buracos sem fim, torcendo pra uma onda encher e virar nossa piscina. Fazia castelos de pingos de areia molhada, competindo pela torre mais alta. Catava conchas, cutucava águas vivas, enfiava alga gosmenta na sunga do irmão mais novo. E fazia guerra de bolas de areia, tomava banho de lama, lutava briga de galo, catava estrelas, tomava água salgada e rolava no chão pra ficar à milanesa. Se enterrava, e enterrava chinelos que jamais seriam reencontrados. Caçava tatuíras pra levar pra casa e tapava as casas dos siris. Furava ondas, pegava jacarés, tomava caldos de ralar a testa e encher o biquíni de areia. Chupava picolé (só um, de fruta, mais barato) e depois procurava palitos pela praia inteira, na esperança de achar um premiado esquecido. Se perdia e não achava, mas então usávamos os pauzinhos encontrados pra escrever mensagens gigantes na areia molhada, que seriam vistas do céu: “Bem-vindos, ETs”, “Socorro!” e “Fábio Come Meleca”. Com o sol baixo, chegava a hora de ir embora. E, que chatice, recolher o lixo, lavar os brinquedos no mar, sacudir a areia das cangas, encher as térmicas de água pra limpar os pés antes de entrar no carro, forrar os bancos com as toalhas pra não molhar o assento. E voltar pra casa dormindo, queimados, com olhos vermelhos e exaustos de tanta felicidade. Amanhã, vamos à praia?

© Carol Yepes/Flickr Select/Getty Images

praia



crescer

viajar ĂŠ... atravessar o oceano em busca de suas origens, como manuel, que voltou de portugal com uma famĂ­lia maior do que imaginava

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valores que mudam a vida


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viajar é Preciso Passear em lugares novos, descobrindo culturas e pessoas diferentes. Viajar pode ser uma experiência inesquecível, iluminar nossas origens e mostrar que vivemos em um mundo maior e mais belo do que pensamos

Foto: Andreia Marques (Fotonauta)/Tratamento: Felipe Gressler

texto J u l i a n a A r a ú j o

Aos 50 anos, Manuel Pereira fez a viagem que mudou sua vida. Há cinco anos, o publicitário carioca atravessou o oceano para chegar a Portugal e descobrir sua família. Queria entender suas raízes. “Tinha muitas expectativas e um grande medo de não dar certo”, conta. Até o dia em que desembarcou em Trofa, uma cidadezinha de cerca de 20 mil habitantes ao norte de Portugal. Manuel conhecia pouco sobre seu pai. Tudo o que sabia é que o português havia abandonado seu país em 1954, fugindo do regime autoritário, e deixado para trás a mulher e duas filhas. Chegou ao Rio de Janeiro, casou-se e teve um filho, a quem deu seu nome: Manuel. Dezesseis anos depois, sofreu um infarto e soube que tinha pouco tempo de vida. Foi quando decidiu voltar à terra natal. Um ano depois, morreu, longe do Brasil. Nessa época, Manuel tinha 15 anos e não se preocupava em saber sobre os últimos dias paternos ou sobre sua família. Com o passar dos anos, entretanto,

ilustrações B e r n a r d o F r a n ç a

percebeu que uma parte da própria vida estava em Portugal, misturada ao passado obscuro do pai. Resolveu viajar atrás das respostas. “Minha ida serviu para entender e fechar um ciclo. Sentia como se estivesse subindo uma montanha até o cume, onde eu superaria minhas questões em relação ao meu pai”, diz. Em 2005, com a ajuda da internet, ele começou a buscar pistas sobre sua família portuguesa. Dois anos depois, tinha pouca coisa: algumas cartas e fotos antigas, o nome da cidade natal, do cemitério onde o pai estava enterrado e de sua primeira esposa. Mesmo assim, partiu, rumo a suas origens. A primeira parada foi o cartório de Trofa. No registro de óbito da primeira esposa do pai, encontrou o endereço da família. Mas a informação mais valiosa veio da atendente: ela lhe disse que uma das irmãs de Manuel era dona de um café, em uma rua próxima. Ele correu até lá. Ao chegar, apresentou-se a uma mulher que, assim que ouviu seu nome,

explodiu de emoção: era sua sobrinhaneta. A família portuguesa sabia da existência de um filho querido de Manuel, mas jamais esperava que ele entrasse no café, em um dia qualquer. Em pouco tempo, a casa – e grande parte da cidade, que conhecia a história da família Pereira – estava em polvorosa. Sua irmã chorava de alegria, e Manuel também deixou que suas lágrimas corressem, junto com o alívio de ver parte de sua história ao vivo. Com os parentes, visitou o túmulo do pai, onde os dois finalmente se entenderam. Tirou fotos com suas irmãs, sobrinhas, tios, contou sua vida no Brasil, ouviu como era a deles em Portugal. Falou sobre seus filhos, sua mãe, sua infância, dividiu os momentos em que o pai não esteve presente. Encontrou semelhanças e coincidências. Desatou os nós do passado. Entendeu o que se passou e, assim, inaugurou um novo olhar sobre sua vida. “Eu não compreendia, antes da viagem, por que ele tinha ido


educar

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dentro e fora da escola

No mundo da leitura

Para aprender a ler é preciso estímulo, esforço e acesso aos livros. É a prática que faz da leitura uma fonte de prazer e conhecimento texto L u c i a n a A l v a r e z

ilustração B r u n o N u n e s

Aos 76 anos, Leonidio Baldino pode ser considerado um homem culto: articulado, atualizado, lê em média 30 livros por ano e é dono de uma editora, a Lisa Livros. Mas nem sempre foi assim. Ele nunca frequentou uma escola e só aprendeu as primeiras letras aos 20 anos, por conta própria. O primeiro contato com a leitura, algo que agora considera um “alimento para o espírito”, aconteceu quando chegou do interior de Alagoas para trabalhar em São Paulo, aos 17 anos. Em seu primeiro emprego, como faxineiro de uma hospedaria, fez amizade com vendedores de livros e enciclopédias, desses que batiam de porta em porta. Três anos mais tarde, reencontrou por acaso um deles, que lhe propôs tornar-se um vendedor. “Disse que era analfabeto, mas ele me convenceu. Falou que eu poderia vender se decorasse os nomes dos autores, ilustradores, tradutores. Na época, nem sabia o que significava um autor”, conta Leonidio. Decorou os nomes e aceitou a oferta. Ao fazer sua terceira venda, o comprador ficou inconformado ao ver que o vendedor não sabia ler. “Na hora de fechar o pedido, pedia para o cliente preencher a ficha. Ele ficou bravo e me disse que precisava aprender a ler e escrever. Ninguém havia me dito aquilo antes.” Saiu motivado. Na manhã seguinte, começou a ligar as letras aos nomes decorados e foi juntando tudo, letra por letra. Mas sua jornada seria longa. Saber unir as letras e formar palavras, ou seja, conhecer o código da língua escrita, não torna ninguém um leitor. Ter a habilidade de ler diferentes tipos de textos, compreendê-los, interpretá-los e alcançar plenamente suas mensagens exigiu de Leonidio anos de prática. “Comecei lendo os jornais populares, depois passei para jornais com mais texto, revistas, livros. Também tinha os títulos que vendia, mas eram clássicos como A Divina Comédia e Dom Quixote, muito difíceis. Não conseguia digerir aquilo”, diz.


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Até adquirir verdadeiramente o gosto pela leitura e ser capaz de apreciar os volumes que vendia, Leonidio levou mais de 20 anos. “A gente tem de ser persistente”, diz. Para ele, tanta insistência valeu a pena. Em 1959, depois de três anos vendendo enciclopédias, montou sua primeira distribuidora de livros. Não os largou mais. Hoje, orgulha-se dos seus seis filhos, que completaram curso universitário e são leitores vorazes, como ele. “A leitura traz uma riqueza, mas não a material. É uma riqueza mental e espiritual, que ninguém nos tira.”

Ler se aprende lendo Muita gente no Brasil, no entanto, está deixando essa fortuna escapar. De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, de 2012, do Ibope, o brasileiro lê em média quatro livros por ano, apenas 2,1 até o fim – entram nessa conta a Bíblia e livros didáticos. E os números vêm caindo: há quatro anos, a média de livros lidos era de 4,7. Metade dos entrevistados não leu nenhum livro nos últimos meses – o grupo dos “não leitores” aumentou 5 pontos percentuais. Os motivos para a falta de intimidade com a leitura vão desde o pouco interesse até a incapacidade de ler adequadamente. No Brasil, 27% da população é de analfabetos funcionais, ou seja, pessoas com conhecimento rudimentar da língua escrita, incapazes de ler e entender textos de média extensão e fazer inferências. Os dados, do Indicador de Alfabetismo Funcional, de 2011, um estudo do Instituto Paulo Montenegro e da ONG Ação Educativa, mostram que, mesmo entre os que frequentam ou frequentaram a escola durante vários anos, a dificuldade de ler é grande. Entre os que chegaram ao ensino médio, apenas 35% estão plenamente alfabetizados.

O incentivo desde cedo, com os pais contando histórias a seus filhos, é uma boa maneira de melhorar esse cenário. “Dessa forma, a leitura fica menos vinculada à escola e mais ligada ao prazer”, defende Rogério de Almeida, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Ter um estímulo para ler, seja familiar, escolar, profissional ou social, é importante para começar. Mas, além do incentivo, é preciso ter acesso aos livros. O que faz um leitor é a exposição a textos, livros e a um ambiente que proporcione a leitura. É só assim, lendo, que cada um pode decidir se gosta ou não da atividade. “Mesmo quem não lê tem acesso à ficção de outras formas, como nas novelas. Mas fica mais afastado da capacidade reflexiva, de discordar, de questionar. Ler também melhora o vocabulário, a capacidade de se expressar. Mas a principal vantagem é o prazer que a leitura proporciona. Tudo mais é ‘efeito colateral’”, diz Almeida.

Amor pela leitura Foi na adolescência que Marina Soares, 31 anos, de São Paulo, descobriu que ler podia ser divertido. Até o começo do ensino médio, livros eram pura obrigação das aulas de português. Foi só quando sua melhor amiga mudou de escola – e Marina passou a ficar mais tempo sozinha – que leu seu primeiro livro por prazer. “Havia uma estante cheia em casa. Pedi a minha mãe que me indicasse um curtinho e legal, e ela me mostrou O Velho e o Mar, de Hemingway. Não imaginava que uma leitura fosse tão envolvente.” Depois de formada em publicidade, Marina decidiu cursar letras como forma de continuar tendo boas indicações. “Na faculdade, conheci autores de quem jamais havia ouvido falar. Também reli


comer

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sabores que confortam

Bolo de Natal Escolha embrulhos

impermeáveis para

seu presente: papel

manteiga, alumínio,

celofane ou papelão.

Arremate com estampas e fitas coloridas

Presente de comer Receitas de Natal são

Cookies Embrulhe em papel

manteiga, que absorve

a gordura. Faça pacotinhos com papel de presente ou papel-cartão e

feche-os com fita ou adesivo decorado

uma bela lembrança para encantar amigos e familiares no fim do ano texto R a f a e l a C a r v a l h o

foto S h e i l a O l i v e i r a /

Empório Fotográfico

Castanhas Faça cones ou saquinhos de cartolina ou papel celofane. Lacre-os com fita

ou arame fininho, para que não entre ar e as castanhas amoleçam


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Em um presente, todo o aroma do Natal. Ao abrir o embrulho, o perfume de canela, frutas secas e castanhas torradas toma o ar. É como se alguém tivesse transformado o espírito natalino em presente e o colocasse em uma caixa, aberta uma vez por ano. A paulista Bárbara Saito, de 59 anos, distribui esses pedacinhos de Natal há dez anos. O bolo com frutas cristalizadas, receita de família que ela assa às vésperas do dia 25, faz sucesso entre amigos e familiares. “Meus filhos contam os dias para ganhar esse presente. É nossa tradição”, conta. Seus preparativos começam três semanas antes da data, quando compra os ingredientes. Assim, cozinha com calma e ainda tem tempo de refazer o bolo, se houver algum imprevisto. O resultado final vira um tijolinho dourado e úmido, entregue envolto em papel-alumínio e embrulhado em um belo pacote. “Gosto de fazer o bolo em um tamanho maior, pensando que ele vai ser dividido com toda a família de quem o recebe”, diz a professora. A combinação dos ingredientes com a embalagem cuidadosa é o que faz com que essas receitas de presente durem até depois das festas. Bárbara lembra que, na hora de embalar alimentos, é preciso alguns cuidados. Receitas que vão ao forno precisam esfriar antes de ser lacradas, para não perderem a textura. Além disso, deve-se ter cuidado com o tipo de embalagem utilizada. Para alimentos amanteigados ou que levam outras gorduras na receita, deve-se usar material impermeável, como celofane ou papel manteiga. Além de conservar melhor o alimento, a surpresa ao abrir o presente é ainda maior. “É uma forma diferente de presentear, que mostra que você dedicou tempo ao elaborar uma lembrança para o outro”, diz Bárbara. Quer saber quais receitas você pode cozinhar para dar de presente? Inspire-se nestas opções!

nozes deliciosas

Ingredientes 500 g de nozes mista sem

sal nem pele (noz, noz-pecã, amêndoa, castanha-de-caju, castanha-do-pará,

amendoim) • 2 colheres (sopa) de alecrim

picado • ½ colher (chá) de pimenta-caiena • 2 colheres (chá) de açúcar mascavo

• 2 colheres (chá) de sal • 1 colher (sopa) de manteiga sem sal derretida

Modo de preparo Misture todas as nozes

Produção culinária: Claudia Yoshida/Produção de objetos: Márcia Asnis

e espalhe-as em uma fôrma para tostá-las. Leve-as ao forno preaquecido a 180 ºC por cerca de 10 minutos, ou até que fiquem

douradas. Em uma tigela, junte o alecrim, a pimenta, o açúcar, o sal e a manteiga derretida. Retire as nozes do forno e

adicione-as à mistura. Espere esfriar para colocá-las em pequenos pacotinhos.

biscoito 1-2-3

Ingredientes 100 g de açúcar (ou ½ xícara de chá), 200 g de manteiga, 300 g de farinha de trigo

Modo de preparo Em uma tigela, misture

todos os ingredientes, menos a noz, até

obter uma massa lisa. Enrole-a, fazendo um canudo de cerca de 6 cm de diâmetro.

Corte-o com uma faca em discos de cerca

de meio centímetro de largura. Disponha os biscoitos em assadeiras untadas e

enfarinhadas, deixando um espaço de cerca de um dedo entre eles para que cresçam. Se quiser, decore com noz-pecã picada. Leve ao forno preaquecido a 180 ºC por 10 minutos, ou até que estejam dourados.

bolo maravilhoso de natal

Ingredientes 3 xícaras de frutas cristalizadas picadas • 1 xícara de uvas-passas claras

• 1 xícara de nozes ou castanhas picadas • 2 xícaras de farinha de trigo • 1 colher (chá) de canela • ½ colher (chá) de

noz-moscada • 1 pitada de cravo • 1 colher (chá) de fermento em pó • 1 xícara de

manteiga • 1 xícara de açúcar • 5 ovos Modo de preparo Em uma tigela, bata a

manteiga, o açúcar e os ovos. Em outra tigela, misture os ingredientes secos. Junte os ingredientes secos com os molhados e

misture. Passe a massa para duas fôrmas de

pão forradas com papel-alumínio, que servirá para embrulhar o bolo depois de assado.

Asse em forno médio por 40 minutos, ou até que, espetando um palito, ele saia limpo.


*29 dez.2012/jan.2013

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