Jornal Jurídico Julho 2015

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Debates sobre a Discriminação Positiva na Lei das Cotas em Concursos Públicos – Elói Martins Senhoras e Ariane Raquel Almeida de Souza Cruz – p. 1

Reflexões no Ensino Jurídico Acerca das Consequências Jurídico-Sociais da Inaplicabilidade da Lei de Execução Penal Quanto ao Regime Aberto de Cumprimento de Pena Privativa de Liberdade e o Instituto da Remição – Paula Morgana Rieger e Rita de Araujo Neves – p. 6 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana Como Fundamento Jurídico para Bioética – Laura Affonso da Costa Levy – p. 29 A Isenção de IPVA para Deficiente – Análise Jurisprudencial – Antonio Baptista Gonçalves e Bruna Melão Delmondes – p. 33 Justiça Ambiental e o Movimento dos Atingidos por Barragens no Brasil – Alexandre Altmann – p. 41 O Novo CPC e o Processo do Trabalho – O Novo CPC, as Condições da Ação e o Processo do Trabalho – Carlos Henrique Bezerra Leite e Letícia Durval Leite – p. 58 Acórdão na Íntegra – Superior Tribunal de Justiça – p. 72 Pesquisa Temática – Execução Penal – p. 83 Jurisprudência Comentada – Aplicação Concreta do Princípio da Não Discriminação – A Tributação dos Dividendos Remetidos por Sociedade Residente a Sócio-Quotista Não Residente – Alessandra Okuma – p. 88 Medidas Provisórias – p. 103 Normas Legais – p. 106 Indicadores – p. 107

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Doutrina

Debates sobre a Discriminação Positiva na Lei das Cotas em Concursos Públicos ELÓI MARTINS SENHORAS Professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Especialista, Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Ciências Jurídicas.

ARIANE RAQUEL ALMEIDA DE SOUZA CRUZ

Professora do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai-RR), Auxiliar de Pesquisa, Bacharel em Direito e Especialista Pós-Graduada Lato Sensu em Direito Eleitoral.

A reserva de vagas para afrodescendentes trata-se de uma ação afirmativa instituída pelo Poder Executivo por meio da Lei nº 12.990/2014 para concursos da Administração Pública federal, incluídas autarquias, fundações públicas, empresas públicas

e sociedades de economia mista controladas pela União, sem necessária extensão de cotas para concursos, seja nos Poderes Legislativo e Judiciário, seja nos entes subnacionais de estados e municípios. O surgimento da Lei Federal nº 12.990/2014 não aconteceu por acaso, mas antes é o resultado de benchmarking em exemplos de sistemas de cotas raciais em concursos públicos implementados, tanto no plano internacional, como nos casos da Índia, na década de 1940, e dos Estados Unidos, na década de 1960, quanto no plano nacional, em estados como Paraná, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, na década de 2000. Oriunda de uma incremental agenda política de defesa de grupos minoritários e em condição vulnerável aberta pelo governo de Fernando Henrique Cardoso e que foi crescentemente sendo ampliada institucionalmente nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, a Lei Federal nº 12.990/2014 é o fruto de uma evolução nas discussões de ação afirmativa do aparelho do Estado com os movimentos sociais, em conformidade com os receituários de organismos multilaterais, como o Banco Mundial para a focalização de políticas sociais compensatórias1. Conforme Senhoras (2005), enquanto, internacionalmente, as estratégias de discriminação positiva presentes em ações afirmativas estão sendo retaliadas por outras políticas sociais focalizadas de 1 A difusão internacional de um padrão de política pública focalizada a partir da década de 1990 é o resultado da implementação de um receituário neoliberal sugerido por organismos multilaterais a fim de concentrar esforços orçamentários em populações alvo, diferentemente do que ocorreu em décadas anteriores desde a II Guerra Mundial, quando se consolidou o padrão de política pública universalizante por meio de um receituário keynesiano. (Senhoras, 2003)


Fundamentado pela cnoção de discriminação positiva de ações afirmativas para afrodescendentes, com a suposta ideia de combater, minimizar ou compensar os efeitos negativos da escravidão e do descaso estatal com os afrodescendentes, o Projeto de Lei nº 6.738/2013 foi apresentado em caráter de urgência pelo Governo Federal ao Congresso Nacional para a reserva de 20% das vagas dos cargos da Administração Pública federal para negros, resultando na Lei nº 12.990/2014 (Silva e Silva, 2014). A Lei Federal nº 12.990/2014, que disciplina temporalmente a política de cotas raciais em concursos públicos federais com uma vigência de dez anos, entre 2014 e 2024, apresenta sua fundamentação de discriminação positiva a fim de promover a igualdade material em um tripé de antecedentes que é identificado pelas dimensões fática, axiológica e normativa. Na dimensão fática, a política de cotas raciais em concursos públicos federais assenta-se na difusão de debates fora e dentro do Estado sobre ações afirmativas e discriminações positivas em razão da crescente organização de movimentos sociais que buscavam tanto conquistar novos direitos quanto regulamentar direitos e garantias previstos na Constituição Federal de 1988. Na dimensão axiológica, com a Constituição Federal de 1988, os conceitos de vulnerabilidade (gênero) e hipossuficiência (espécie) forneceram fundamentação para a conformação das primeiras políticas de focalização a determinados atores e grupos

sociais, repercutindo assim em uma crescente e ampla difusão do princípio da proteção para alicerçar direitos e garantias de minorias e grupos vulneráveis. Na dimensão normativa, a política de cotas em concursos públicas tem raiz nos marcos normativos de inclusão, garantismo jurídico e reparação a danos, presentes na Lei nº 7.853/1989, conhecida como Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e regulamentada pelo Decreto nº 3.298/1999; na Lei nº 9.504/1997, que estabeleceu ação afirmativa em favor do sexo feminino por meio de cota eleitoral, bem como na Lei nº 12.288/2010, que estabeleceu o Estatuto da Igualdade Racial, e na Lei nº 12.711/2012, intitulada Lei de Cotas para o Ensino Superior. Com base nesta visão tridimensional do Direito sobre a conformação da Lei Federal nº 12.990/2014, observa-se que, a despeito das polêmicas e polarizações existentes nos debates teóricos e doutrinários sobre o assunto, ela é claramente oriunda de uma maturação de fatos e ações políticas que gradativamente foram se consolidando após a Constituição Federal de 1988, a partir de um perfil de política pública de focalização para um público alvo de afrodescendentes e com conteúdo de discriminação positiva reparatória. As principais características da discriminação positiva do sistema de cotas para afrodescendentes em concursos federais de cargos públicos, de acordo com a Lei Federal nº 12.990/2014, são resumidas em um percentual de 20% das vagas, com critérios de condicionalidade previstos quanto: a) ao número mínimo de vagas oferecidas em concurso para aplicação de cota; b) ao fracionamento das vagas; c) à autodeclaração de negro ou pardo; e d) à dupla forma de ingresso, tanto por reserva de cota quanto por ampla concorrência.

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natureza neoliberal, como é o caso estadunidense, no Brasil, elas foram propostas inicialmente pelos setores que mais apoiavam o neoliberalismo, refletindo não necessariamente a convergência de uma luta dos negros brasileiros à cidadania, mas antes refletindo a incorporação de uma tendência internacional retardatária que passou por releituras endógenas.

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Quadro 1 – Destaques da Lei nº 12.990/2014 Art. 1º Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na forma desta Lei. § 1º A reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público for igual ou superior a 3 (três). § 2º Na hipótese de quantitativo fracionado para o número de vagas reservadas a candidatos negros, esse será aumentado para o primeiro número inteiro subsequente, em caso de fração igual ou maior que 0,5 (cinco décimos), ou diminuído para número inteiro imediatamente inferior, em caso de fração menor que 0,5 (cinco décimos). [...] Art. 2º Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Parágrafo único. Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

A discriminação positiva presente na Lei Federal nº 12.990/2014 introduz o tratamento desigual dos formalmente iguais, tomando como referência tanto a experiência nacional da reserva de vagas de cargos públicos para deficientes físicos determinada pela Constituição Brasileira de 1988 quanto a experiência internacional difundida em diferentes legislações desde a promoção de ações afirmativas nos Estados Unidos na década de 1960, por meio de cotas para grupos excluídos e estigmatizados em vagas escolares e em listas de candidatos a cargos políticos. Caracterizada como um dos últimos instrumentos de discriminação positiva na focalização de políticas para a população negra, a Lei Federal nº 12.990/2014, por fazer parte de uma trajetória evolutiva de ações afirmativas estatais para afrodescendentes no Brasil, acabou não passando desapercebida da opinião pública, mas justamente ao contrário, suscitando polarizações contrárias e a favor que se manifestaram, também, nos debates entre os especialistas e doutrinadores sobre o assunto.

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Art. 3º Os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso.

concursos públicos, implementada pelo Poder Executivo brasileiro, caracteriza-se como uma estratégia de compensação para fortalecer o negro, pois, ao romper a igualdade formal na norma, tem por objetivo promover a igualdade material por meio de oportunidades que diminuam desigualdades historicamente acumuladas pela discriminação e marginalização (Glutz, 2010).

Fonte: Brasil (2014).

Por um lado, existe uma positiva interpretação da aprovação da Lei nº 12.990/2014 que estabeleceu as cotas raciais para negros e pardos para ingresso na Administração Pública federal, uma vez que ela seria potencialmente um instrumento de justiça corretiva adequado à promoção da igualdade por meio de um perfil de política de targeting ou focalização que impacta diretamente na população alvo diferentemente de tradicionais políticas públicas universais de natureza social.

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Enquanto instrumento especial e temporário de focalização da política pública, a discriminação positiva da cota racial em

A efetividade da focalização de uma política pública exclusiva para afrodescendentes, conforme prevista na Lei das Cotas

§ 1º Os candidatos negros aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas. § 2º Em caso de desistência de candidato negro aprovado em vaga reservada, a vaga será preenchida pelo candidato negro posteriormente classificado. [...].


em Concursos Públicos, é demonstrada pela sua racionalização como política social, ao proporcionar eficiência pontual, justamente por propiciar uma ação reparatória, ao atingir uma população com problemas consolidados assincronicamente ao longo da formação histórica do País (Silva e Silva, 2014).

a condição de um grupo social, o faz de maneira ineficiente, afetando negativamente a condição de outros grupos sociais no mesmo concurso público por meio de uma quebra da igualdade formal das normas que se estende a todos, sem distinção ou privilégio (Quintão, 2014).

Sob a ótica doutrinária, a recepção positiva da Lei nº 12.990/2014 acontece uma vez que a Constituição Federal de 1988 não só não vedou a adoção de medidas de discriminação positiva, mas, antes, a favoreceu, pois o legislador constituinte definiu os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil no art. 3º com verbos que evocam ação, como construir, erradicar, reduzir, promover, bem como introduziu no art. 37, VIII, o caso da discriminação positiva de portadores de deficiência.

A Lei das Cotas é caracterizada não apenas como inconstitucional por afetar o princípio da igualdade no Estado Democrático de Direito, mas também ineficiente sob a ótica das políticas públicas, ao gerar um padrão de política seletiva e autoritária que melhora o bem-estar social de determinados atores, com aumento de eficiência parcial, embora prejudicando o bem-estar social de outros atores sociais, com efeitos na diminuição da eficiência geral.

O legislador constituinte trouxe, na Carta Magna, o entendimento de que existem temas de aplicação da regra da desigualação para igualar, como o caso das cotas raciais em concursos públicos, em que incidem as ações afirmativas reparatórias com uma natureza de discriminação positiva, já que o igual tratamento formal pela lei, para ser legítimo, pressupõe uma igualdade fática preexistente (Trindade, 1998; Rocha, 1996).

Sob a ótica doutrinária2, os questionamentos da discriminação positiva da Lei nº 12.990/2014 indicam que ela impacta negativamente tanto nos interesses públicos primários, ao romper com o princípio da igualdade, quanto nos interesses públicos secundários, ao se desvencilhar do princípio da meritocracia, que foi fundamental na evolução da Administração Pública brasileira de um padrão patrimonialista em direção a um padrão burocrático que recentemente se converte em um padrão gerencial.

Por outro lado, a Lei nº 12.990/2014 é questionada por afetar o princípio constitucional da igualdade, uma vez que a justiça corretiva da política de ação afirmativa, ao procurar melhorar

Por um lado, o questionamento sobre a inconstitucionalidade da Lei Federal nº 12.990/2014 surge lastreada pelo argumento 2 Segundo uma corrente moderada de doutrinadores que dissertam sobre os sistemas de cotas raciais, a defesa ou ataque às políticas de discriminação positiva varia conforme a própria natureza do processo de ação afirmativa. De um lado, existe plausível defesa de cotas raciais para ingresso na Educação Superior durante um lapso temporal, quando se objetiva preparar estudantes em condição vulnerável para o mercado de trabalho, sendo o sucesso profissional uma condição ex post conquistada com base no mérito de cada estudante. De outro lado, existe crítica a cotas raciais para o ingresso na Administração Pública, pois estas pervertem o próprio sistema de mérito, tornando-se o sucesso profissional em uma condição ex ante que é determinada pelo perfil racial.

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De acordo com Silva (2011), a insistência na questão da superação do paradoxo da igualdade formal versus igualdade material se manifesta com crescente importância, uma vez que esta é uma discussão contemporânea em que se registra plena compatibilidade das políticas de ação afirmativa e de cotas para negros implantadas pelo Estado brasileiro com o ordenamento jurídico internacional, justamente porque o ponto central da discussão sobre o princípio da igualdade no Direito Internacional Comparado deixa de ser a isonomia formal de direitos e passa a ser a isonomia material do direito à igualdade de oportunidades.

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de que ela afeta inúmeros dispositivos constitucionais, com destaque aos princípios da igualdade, já que a Constituição Federal de 1988 declara que todos são iguais, sem distinção de cor, raça, religião, não havendo espaço para um tratamento diferenciado entre negros e brancos no ordenamento jurídico brasileiro (Bonadiman, 2013). Por outro lado, também, cabe destacar a negação do princípio da meritocracia na Administração Pública, tendo em vista que a seleção de um candidato deixa de se basear na escolha dos mais aptos, passando a funcionar em função de cotas raciais que distorcem o fundamento do mérito no sistema, com significativo impacto de retrocesso no serviço público, voltando os cargos públicos a serem tratados como prebenda ou benesse do Estado à determinada pessoa, tal como na era do patrimonialismo (Barbosa, 2014).

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Embasando-se nos debates polarizados a favor e contra a Lei Federal nº 12.990, é observável que a condição paradoxal da Lei Federal nº 12.990/2014 reside no próprio instrumento das cotas, a qual propõe combater os efeitos da discriminação por meio de uma discriminação positiva, embora gerando impactos negativos sobre inúmeros princípios constitucionais, com destaque à igualdade e à meritocracia, o que demonstra que a sua evolução normativa no Brasil é fruto claro de um arranjo político e não de uma convergência teórica ou doutrinária.

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Conclui-se que, em um contexto polêmico de polarizações doutrinárias em relação à discriminação positiva do sistema de cotas em concursos para provimento a cargos públicos, a Lei Federal nº 12.990/2014 se consolida no Brasil em conformidade à tendência internacional, permeada pela falta de convergência nos debates nacionais e por contradições, já que não incorpora outros grupos étnico-raciais em condição vulnerável, mas que se materializa sob a liderança política da mão protetora do Estado na Era dos Direitos Humanos.

REFERÊNCIAS BARBOSA, J. F. S. A desigualdade inconstitucional da Lei nº 12.990/2014, que estabelece cotas raciais em concursos públicos federais. Revista Jus Navigandi, a. 19, n. 4002, jun. 2014. Disponível em: www.jus.com.br. Acesso em: 19 fev. 2014. BONADIMAN, D. A inconstitucionalidade do sistema de cotas para negros. Revista Âmbito Jurídico, a. XVI, n. 117, out. 2013. Disponível em: www. ambito-juridico.com.br. Acesso em: 19 fev. 2014. BRASIL. Decreto Federal nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Brasília: Planalto, 2014. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 19 fev. 2015. ______. Lei Federal nº 7.853, de 24 de outubro de 1989. Brasília: Planalto, 2014. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 19 fev. 2015. ______. Lei Federal nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Brasília: Planalto, 1997. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 19 fev. 2015. ______. Lei Federal nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Brasília: Planalto, 1997. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 19 fev. 2015. ______. Lei Federal nº 12.990, de 9 de junho de 2014. Brasília: Planalto, 2014. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 19 fev. 2015. GLUZ, N. Discriminação positiva. In: OLIVEIRA, D. A.; DUARTE, A. M. C.; VIEIRA, L. M. F. Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG, 2010. QUINTÃO, B. O. A (in)constitucionalidade das cotas raciais em concursos públicos. Revista Ius Gentium, v. 10, n. 5, 2014. ROCHA, C. L. A. Ação afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. Revista Trimestral de Direito Público, n. 15, 1996. SENHORAS, E. M. Cultura e poder: um percurso da construção dos discursos e ações sobre raça na formação nacional. Revista Urutágua, n. 8, dez. 2005. ______. Políticas públicas nos anos noventa: um ensaio sobre as causas e implicações da crise do estado brasileiro de bem-estar social. Revista Oikos, v. 2, n. 2, 2003. SILVA, L. F. M. Considerações sobre o tema “políticas públicas de ação afirmativa para a população negra no Brasil”. Revista Direito e Práxis, v. 3, n. 2, 2011. SILVA, T. D.; SILVA, J. M. Reserva de vagas para negros em concursos públicos: uma análise a partir do Projeto de Lei nº 6.738/2013. Nota técnica, n. 17, fev. 2014. Disponível em: www.ipea.gov.br. Acesso em: 19 fev. 2015. TRINDADE, F. A constitucionalidade da discriminação positiva. Brasília: Senado Federal, Consultoria Legislativa, 1998.


Doutrina

Reflexões no Ensino Jurídico Acerca das Consequências Jurídico-Sociais da Inaplicabilidade da Lei de Execução Penal Quanto ao Regime Aberto de Cumprimento de Pena Privativa de Liberdade e o Instituto da Remição1 PAULA MORGANA RIEGER

Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG/RS).

RITA DE ARAUJO NEVES

Mestra em Educação, com concentração na área de Aprendizagem e Ensino Jurídico, pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL/RS), Professora Adjunta da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande (FURG/RS), Titular das disciplinas de Direito Processual Penal e Direito da Criança e do Adolescente.

1 Este artigo corresponde a extrato da Monografia da autora Paula Morgana Rieger, sob orientação da autora Rita de Araujo Neves, intitulada “As consequências jurídico-sociais da inaplicabilidade da Lei de Execução Penal quanto ao regime aberto de cumprimento de pena privativa de liberdade e o instituto da remição”, desenvolvida e defendida com grau 10,0 e indicação à publicação, junto à FURG/RS, no ano de 2014.

RESUMO: O presente artigo analisa o instituto da remição, no regime aberto de cumprimento de pena privativa de liberdade, durante a fase executória da pena. Inicialmente, averigua-se, brevemente, a execução penal, a sua natureza jurídica e os objetivos. Com efeito, busca-se examinar a finalidade da pena, as peculiaridades de cada regime de cumprimento de pena privativa de liberdade e como se dá o trabalho dos apenados nesses regimes. Feito isso, busca-se verificar como é regulamentado o instituto da remição na Lei de Execução Penal (LEP). Questiona-se, nesse sentido, se a mera falta de previsão legal de tal benefício no regime aberto de cumprimento de pena é, perante a realidade social carcerária que se vive hoje e a inaplicabilidade da LEP quanto às peculiaridades do regime aberto, justificativa suficiente e plausível para negar um pedido de remição por meio do trabalho, que é dignificante, e que, por analogia, é admitida e tem sido deferida, pelo menos por parte de alguns juízes sensíveis a essa realidade. Nesse aspecto, traz-se à baila o Projeto da Remição pela Leitura, fruto da remição pelo estudo, instituída em 2011, e, com objetivo de completar e sustentar as ideias defendidas na pesquisa iniciada na Graduação em Direito pela autora Paula Morgana Rieger, foram colhidos depoimentos de representantes dos órgãos da execução penal na Comarca de Rio Grande/RS, a fim de dar veracidade, crítica e amparo jurídico ao tema que sofreu e ainda vem passando por recentes modificações, além de ser de suma importância para o apenado, para o Estado e para a sociedade, questões também relevantes, hoje, na discussão presente no ensino jurídico. PALAVRAS-CHAVE: Direito penal; execução penal; ressocialização; remição; ensino jurídico; aprendizagem. SUMÁRIO: Introdução; 1 Sobre a execução penal e as dificuldades de aplicação da Lei de Execução Penal (LEP); 2 O trabalho do preso em cada regime de cumprimento de pena privativa de liberdade, em especial no regime aberto; 3 O instituto da remição, a sua regulamentação e as inovações da Lei de Execução Penal (LEP); 4 Das considerações judiciais – A importância de uma interpretação extensiva da lei por parte dos magistrados face à realidade carcerária e a remição pelo trabalho no regime aberto; 5 A importância do instituto da remição face à realidade carcerária atual e o deferimento/indeferimento jurisprudencial da remição aos apenados que cumprem pena no regime aberto sob óticas distintas – Análise a partir de um estudo de caso, na Comarca de Rio Grande/RS; Considerações finais; Referências.


A execução da pena é o “patinho feio” do Direito Penal, com um irremediável gravame: ela nunca se transmuta num cisne. (Renato de Oliveira Furtado)

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INTRODUÇÃO

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O objeto principal de estudo do presente artigo é o instituto da remição no regime aberto de cumprimento de pena privativa de liberdade e as suas peculiaridades. Fruto da monografia de conclusão do Curso de Graduação em Direito da autora Paula Morgana Rieger, pesquisa essa, por sua vez, motivada por estágio voluntário realizado na Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, na Vara de Execução Criminal especificamente, o qual contemplava a atividade de visitas regulares às galerias da Penitenciária Estadual do Rio Grande (PERG), no ano de 2013, com intuito de zelar pela fase executória da pena dos apenados assistidos por aquele órgão. Nesse sentido, o presente estudo analisa a execução penal de forma genérica, traçando linhas sobre cada regime de cumprimento de pena privativa de liberdade e sobre o trabalho nos aludidos regimes. Feito isso, busca-se verificar como é regulamentado o instituto da remição na Lei de Execução Penal (LEP). Adiante, questiona-se se a mera falta de previsão legal da remição pelo trabalho no regime aberto de cumprimento de pena é, perante a realidade social carcerária que se vive hoje e a própria inaplicabilidade da LEP no tocante a outros aspectos, justificativa suficiente e plausível para a negativa do pedido de remição nesses casos. Nessa senda, traz-se à baila o Projeto da Remição pela Leitura, fruto da remição pelo estudo, instituída em 2011, e, com objetivo de complementar e sustentar as ideias defendidas na pesquisa iniciada pelas autoras no ano de 2014, foram colhidos depoimentos de representantes de órgãos da execução penal na Comarca do Rio Grande, a fim de trazer para a análise e reflexão acadêmica dados da realidade prática, conferindo, assim, maior credibilidade à pesquisa sobre um tema em constante

transformação e que é de suma importância para o apenado, para o Estado e para a sociedade.

1 SOBRE A EXECUÇÃO PENAL E AS DIFICULDADES DE APLICAÇÃO DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL (LEP) A execução penal é uma das fases do processo penal que se responsabiliza pelo cumprimento da pena aplicada. A Lei de Execução Penal (LEP), Lei nº 7.210, entrou em vigor em 11 de julho de 1984, completando 30 anos de aplicabilidade, recentemente, em 2014. Há controvérsias doutrinárias, contudo, a respeito da natureza jurídica dessa norma, pois é densa a atividade do âmbito administrativo nessa fase. No entanto, Renato Marcão (2012, p. 32) leciona que “a execução penal é de natureza jurisdicional, não obstante a intensa atividade administrativa que a envolve”.


[...] embora uma parte da execução penal refira-se a providências que ficam a cargo das autoridades penitenciárias, é certo que o título em que se funda a execução é uma sentença penal condenatória, uma sentença absoluta imprópria ou uma decisão homologatória de transação penal, sendo que o cumprimento forçado desses títulos apenas pode ser determinado pelo Poder Judiciário.

Ademais, a própria LEP reforça esse entendimento na redação de alguns de seus artigos. A título de exemplo, destacamos a redação do art. 194, onde se lê que “o procedimento correspondente às situações previstas nesta Lei será judicial, desenvolvendo-se perante o Juízo da Execução”. Resta evidente, assim, o caráter jurisdicional da execução penal, o que implica dizer que se sujeita, incontestavelmente, aos princípios processuais penais e constitucionalmente garantidos. Entre esses, cabe dar ênfase a dois grandes princípios inerentes a essa fase, os quais são: o princípio da humanização e o da individualização da pena, que versam que a pena imposta pelo juiz deve ser particularizada de acordo com cada detento, a natureza e as circunstâncias do delito, respeitando aos direitos atinentes ao ser humano, a fim de evitar qualquer tipo de padronização das sanções. O espírito da lei é o de conferir uma série de direitos sociais ao condenado, tendo como finalidade precípua a de atuar como um instrumento de preparação para o retorno ao convívio social do recluso. Contudo, o que se vê é a mitigação desses princípios e do principal objetivo da LEP, por meio de fatores como a superlotação carcerária, pela falta de espaço físico para ofertar locais adequados aos respectivos regimes de cumprimento de pena, como versa a lei, pelo descaso do Estado com a questão prisional, entre tantos outros fatos que refletem diretamente no trabalho do segregado e, consequentemente, no instituto da

remição, fazendo, assim, com que a inaplicabilidade da LEP reste evidenciada. Nesse ponto, Cezar Bitencourt (2009, p. 83) leciona: Pena e Estado são conceitos intimamente relacionados entre si. O desenvolvimento do Estado está intimamente ligado ao da pena. Para uma melhor compreensão da sanção penal, deve-se analisá-la levando-se em consideração o modelo socioeconômico e a forma de Estado em que se desenvolve esse sistema sancionador.

Logo, o plano teórico da lei é, como a maioria das leis brasileiras, perfeito, se efetivado fosse. Ademais, ao conferir direitos sociais ao condenado, a LEP atingiria a reeducação e a ressocialização da população carcerária, indispensável às relações sociais com o mundo extramuros, se, efetivamente, lhe fosse dado o devido cumprimento.

2 O TRABALHO DO PRESO EM CADA REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE, EM ESPECIAL NO REGIME ABERTO As penas privativas de liberdade são as mais complexas e graves do ordenamento jurídico penal brasileiro. São elas: a reclusão e a detenção, elencadas no art. 33 do Código Penal, as quais têm caráter de sanção da liberdade do indivíduo, onde o sujeito fica restrito ao convívio social, uma vez que passa a cumprir pena em uma prisão. Entre as diferenças entre a reclusão e a detenção, é de extrema relevância que a pena de reclusão pode iniciar-se em regime fechado, enquanto na detenção isso só tornar-se-á possível caso haja o cumprimento insatisfatório da pena, que por meio de regressão poderá converter-se em fechado.

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Ainda encontra-se respaldo nas sábias palavras de Norberto Avena (2014, p. 8), quando assevera que:

Cezar Bitencourt (2010, p. 518) define que “[...] os regimes são determinados fundamentalmente pela espécie e quantidade da

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pena e pela reincidência, aliadas ao mérito do condenado, num autêntico sistema progressivo”. Dessa premissa, importante extrair a informação de que o sistema penal brasileiro é progressivo, ou seja, o apenado que preenche uma série de requisitos é posto, por meio de decisão do juiz da execução, para regime mais brando, como, por exemplo, do regime semiaberto ao aberto. Fundamenta-se tal certame através do Código Penal no seu art. 59, § 2º, e, na própria LEP, no texto do art. 112. Os regimes de cumprimento de pena privativa de liberdade são: fechado, semiaberto e aberto, e o art. 33, § 1º, do Código Penal traz as peculiaridades de cada regime.

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O regime fechado é destinado aos presos de maior periculosidade, que devem ter uma máxima vigilância. Conforme o art. 33, § 2º, alínea a, o condenado à pena superior a oito anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado. As regras do regime fechado estão explícitas no art. 34 da Lei nº 7.209, de 11.07.1984, Código Penal brasileiro (CP). E, de acordo com essas, o sentenciado que está cumprindo pena em regime fechado fica totalmente recluso, em estabelecimento de segurança máxima ou média (art. 33, § 1º, alínea a, do CP), estabelecendo a LEP, em seu art. 87, a penitenciária como local para cumprir a fase executória da pena.

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Conforme preceitua a lei, nesses casos, o condenado deve trabalhar durante o dia, sob pena de, no caso de recusa sem justificativa, estar incorrendo em falta grave (art. 50, VI, c/c o art. 39, V, da LEP). Essa atividade laboral realizada pelo preso lhe dá o direito à remuneração e, ainda, aos benefícios da Previdência Social (art. 29, caput, da LEP e art. 39 do CP). O trabalho deste preso, trabalho interno, deverá ser realizado dentro do ambiente prisional, de acordo com as suas experiências e aptidões, e deve ser compatível com a execução da pena, conforme o art.

34, § 2º, do Código Penal. Excepcionalmente, a LEP e o CP dão respaldo ao trabalho externo impondo condições e requisitos a serem observados. Após o dia de labuta, o mesmo estará sujeito ao isolamento no período noturno, conhecido como o período do silêncio. O art. 88 da LEP versa as condições deste alojamento, no qual: “O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório”. Que, mais uma vez, devido às condições ímpares em que se encontra o nosso sistema prisional brasileiro, é regra que fica só como “letra da lei”, impressa no papel e destoante da realidade, pois, na prática, os presos ficam abarrotados em celas sem as mínimas condições de salubridade. Cezar Bitencourt (2010, p. 518) afirma: [...] na prática, esse isolamento noturno, com os requisitos exigidos para a cela individual, não passa de “mera carta de intenções” do legislador brasileiro, sempre tão romântico na fase de elaboração dos diplomas legais. Com a superpopulação carcerária constatada em todos os estabelecimentos penitenciários, jamais será possível o isolamento dos reclusos durante o repouso noturno.

O condenado não reincidente, cuja pena seja superior a quatro anos e inferior a oito, poderá desde o princípio cumprir a pena em regime semiaberto (art. 33, § 2º, alínea b, do CP). E, conforme os arts. 33, § 1º, alínea b, do CP e 91 da LEP, o condenado a esse regime cumprirá a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar; exercendo o trabalho em comum durante o dia, estabelecido pelo § 1º do art. 35 do CP. Nesse regime, os apenados podem remir dias de sua pena por meio do trabalho externo, que no caso é admissível, e, ainda, com a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau2 ou superior, como versa o § 2º da 2 Correspondente ao atual Ensino Médio, de acordo com a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional.


Por fim, as regras do regime aberto. O condenado não reincidente, com pena fixada igual ou inferior a quatro anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto (art. 33, § 2º, alínea a, do CP). Regime que se fundamenta na autodisciplina e no senso de responsabilidade do condenado (art. 36 do CP e art. 114, II, da LEP). O preso deve exercer atividade laboral, frequentar cursos ou exercer outra atividade autorizada fora do estabelecimento e sem os rigores de vigilância. Contudo, o condenado deverá se recolher durante a noite e nos dias de folga (art. 36, § 1º, do CP e art. 115, I, da LEP) à casa do Albergado ou estabelecimento similar, local indicado pelo art. 33, § 1º, alínea c, do CP. Esta deve estar situada no centro urbano, caracterizando-se pela ausência de obstáculos contra a fuga, e em cada região deverá existir pelo menos um Albergue, que deve conter, além das acomodações aos presos, locais adequados para cursos e palestras e instalações para os serviços de fiscalização e orientação dos condenados, informações que constam nos arts. 93, 94 e 95 da LEP. Note-se que estar trabalhando, conforme a LEP, é requisito a ser preenchido pelo preso para ingressar no regime aberto. No entanto, esse requisito deve ser analisado com cautela. Parte da jurisprudência considera que não é suficiente que o apenado tenha apenas aptidão física para o trabalho, exigindo a efetiva possibilidade de obtenção imediata de emprego, não sendo suficiente o comprometimento abstrato de sua obtenção futura.

Nesse sentido: [...] Diante do quadro brasileiro e até mesmo mundial, a registrar uma grave crise empregatícia, exigir-se a apresentação de comprovante de emprego das pessoas oriundas do sistema carcerário, nem sempre se mostra viável, redundando, quase sempre, na vedação in abstrato à pretendida progressão. III – Se a oferta de emprego está escassa até mesmo para aqueles que não possuem algum antecedente penal, imagina-se impor tal obrigação a quem já registra alguma condenação. IV – A flexibilização não significa dizer que o sentenciado progredido ao regime aberto esteja desobrigado de trabalhar e manter ocupação lícita, encargo do qual somente estão dispensados as pessoas relacionadas no art. 117 da LEP, nos termos do art. 114, parágrafo único, da mesma lei. V – O julgador deve buscar uma interpretação teleológica que vise à consecução dos objetivos de proporcionar as condições para uma harmônica integração social do condenado e do internado, de maneira que eles, em virtude de seus antecedentes e histórico prisional, se apresentarem merecimento e empenho para recolocarem-se dignamente no mercado de trabalho, poderão obter a progressão de regime, ainda que estejam desempregados. [...]. (Brasil, 2012b)

Aqui, mais uma vez fica comprovada a liberdade e flexibilidade que o regime aberto dá ao condenado. No intuito de cada vez mais trazê-lo para a sociedade extramuros, dando prerrogativas antes impossíveis devido ao rigor dos outros regimes de cumprimento de pena privativa de liberdade e criando condições inerentes à vida social. A superlotação, a falta de estabelecimentos adequados e a ausência de condições adequadas para o cumprimento das penas ensejam novos entendimentos jurisprudenciais. Fulcro no art. 119 da LEP, que determina que a legislação local poderá estabelecer normas complementares para o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime aberto, especificamente em regime aberto; contudo, como consequência do desleixo do Poder Executivo de vários Estados, a teoria foi mitigada. Na prática o que se tem visto é a disseminação dessa modalidade de prisão.

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mesma norma supracitada e o art. 126 da LEP, que trata da remição. Nesse regime, não se faz necessário o isolamento noturno, o preso pode ser alojado em dependências coletivas e há a admissibilidade do trabalho externo, desde que o condenado faça por merecer. Já fica evidente uma menor vigilância e segurança sobre o preso no regime semiaberto.

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Renato Marcão refere que (2012, p. 183): É no cumprimento da pena no regime aberto que o descaso do Poder Executivo para com a segurança pública em sentido amplo revela-se na sua mais absoluta e odiosa grandeza. Sem medo de errar, é possível afirmar que na grande maioria das comarcas inexistem estabelecimentos penais adequados ao cumprimento de pena no regime aberto.

Em conformidade é o entendimento do STJ: A superlotação e a precariedade do estabelecimento penal, é dizer, a ausência de condições necessárias ao cumprimento da pena em regime aberto, permite ao condenado a possibilidade de ser colocado em prisão domiciliar, até que solvida a pendência, em homenagem aos princípios da dignidade da pessoa humana, da humanidade da pena e da individualização da pena. (Brasil, 2012c)

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Esclarecidas as regras atinentes a cada regime de cumprimento de pena privativa de liberdade e expostos alguns dos problemas que fazem parte da situação caótica em que se encontra o sistema carcerário brasileiro, pode-se passar à análise do objeto principal do presente artigo, que é o instituto da remição no regime aberto, ante a esse contexto.

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Consabido que é cediça a importância do trabalho por uma série de razões, pois evita a ociosidade, conserva o equilíbrio orgânico e psíquico do homem, contribui para a formação da personalidade do indivíduo, permite ao recluso dispor de algum dinheiro e o mais importante: o indivíduo que conhece um ofício tem mais possibilidades de refazer uma vida honrada ao reaver a sua liberdade após o devido cumprimento da pena que lhe foi imposta pelo Estado. O trabalho carcerário está expressamente previsto na Lei de Execução Penal, nº 7.210/1984, no seu Capítulo III. É visto como dever social e condição de dignidade da pessoa humana, como versa o art. 28 da LEP e tem dupla finalidade:

educativa, no sentido de possibilitar ao apenado aprender um ofício, que poderá continuar futuramente; e produtiva, na medida que esse vivenciará o resultado concreto de seu trabalho e perceberá remuneração pelo desempenho, ficando livre do ócio. Essa atividade desempenhada pelos presos dentro ou fora do estabelecimento prisional, tendo em vista que o trabalho apresenta-se como fator de recuperação social, é prevista como um direito (art. 41, II, da LEP) e como um dever (art. 39, V, da LEP), simultaneamente, no sentido de ser o trabalho remunerado obrigatório, na medida da sua aptidão e capacidade, não se confundindo, assim, com o trabalho forçado, que é constitucionalmente vedado (art. 5º, XLVII, c, da CF). Isso significa que a inobservância dessa obrigatoriedade pelo condenado não implica em constrangimentos, porém essa conduta concretiza falta grave (arts. 39, V, e 50, VI, da LEP), o que acarreta a perda de alguns benefícios, como a progressão de regime, o livramento condicional e os dias remidos pelo trabalho. As vantagens do trabalho para o condenado são irrefutáveis. O art. 28, em seu § 1º, nivela o trabalho penitenciário ao labor das pessoas livres, estabelecendo normas legais de higiene e segurança e, consequentemente, atendendo a esse regramento; se no exercício do trabalho sofrer o segregado algum acidente ou enfermidade profissional, fará jus à devida indenização e, ainda, no art. 41, III, o qual arrola os direitos do preso, traz consigo o direito à Previdência Social que encontra respaldo, também, no art. 39 do CP; com a diferença de que o labor do sentenciado, via de regra, não é regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), art. 28, § 2º, da LEP. O Estado deveria proporcionar as condições necessárias para o trabalho obrigatório dos condenados dentro dos estabelecimentos penais, principalmente em se tratando de condenados de alta periculosidade para o âmbito social.


também, para o comedimento da superlotação, que assola o sistema penitenciário. Ainda, a formação profissional e intelectual do indivíduo reduz, consideravelmente, a reincidência, fazendo com que, quando o apenado deixe o presídio, queira seguir uma vida digna desenvolvendo e aprimorando ainda mais o que aprendeu ou trabalhou e, por fim, diminui a incidência de danos ao patrimônio público devido a rebeliões que são constantes nos presídios.

3 O INSTITUTO DA REMIÇÃO, A SUA REGULAMENTAÇÃO E AS INOVAÇÕES DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL (LEP)

A remição está disposta no Título V, Capítulo I, Seção IV, arts. 126 a 130 da LEP. O art. 126, em princípio, limita os condenados que poderão remir dias de pena por meio do trabalho ou do estudo, aos que cumprem pena privativa de liberdade em regimes fechado e semiaberto.

No Brasil, a remição foi incorporada pela Lei de Execução Penal e constituiu-se em um fator considerável para a política de “desprisionalização” do apenado, pois reduz de forma educativa e produtiva, como é tratado o trabalho no art. 28 da LEP, o tempo de cárcere dos apenados. Como a finalidade da pena é não só a prevenção, mas também um misto de educação e correição, nesse sentido, prevê-se o instituto da remição. Renato Marcão (2012, p. 213) comenta: “A palavra ‘remição’ vem de redimire, que no latim significa reparar, compensar, ressarcir”. Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 311) define: [...] trata-se do desconto na pena do tempo relativo ao trabalho ou estudo do condenado, conforme a proporção prevista em lei. É um incentivo para que o sentenciado desenvolva uma atividade laborterápica ou ingresse em curso de qualquer nível, aperfeiçoando a sua formação. Constituindo uma das finalidades da pena a reeducação, não há dúvida de que o trabalho e o estudo são fortes instrumentos para tanto, impedindo a ociosidade perniciosa no cárcere.

Denota, ainda, a remição grande benesse ao próprio Estado, pois remindo dias e, consequentemente, diminuindo o tempo de cumprimento de pena o condenado sairá do cárcere antes do tempo previsto, diminuindo os gastos públicos, contribuindo,

Convém ressaltar que o § 6º do referido artigo enseja a possibilidade do condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui de liberdade condicional remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, parte da pena. Ainda, abre possibilidade, no § 7º, da remição pelo estudo para os presos provisórios, condicionando o abatimento da pena à superveniência de condenação criminal. No § 2º, fica evidente a tentativa de acompanhamento do legislador ao dinamismo social quando acolhe o ensino à distância, modalidade telepresencial que tem mudado a vida de pessoas no mundo todo. Prevê a forma presencial também e determina que tanto a modalidade presencial quanto a telepresencial deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados. Posto isso, depreende-se do art. 129, § 1º, que a instituição de ensino poderá situar-se fora do estabelecimento penal; sendo assim, deverá ser comprovado, mensalmente, tanto a frequência como o aproveitamento estudantil do preso, afinal o mero comparecimento às aulas não formam e nem qualificam ninguém. Infere-se do caput do mesmo artigo que deverão ser encaminhados ao juízo da execução, mensalmente, os atestados de trabalho ou frequência a estudo,

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De outra banda, resta evidenciado, diante da demanda muito maior do que a oferta, que a questão do trabalho dos apenados no regime aberto precisa ser revista, pois, na sistemática atual, há muitos que permanecem fora do mercado de trabalho e alijados da proposta da própria LEP, no ócio, com pensamentos negligentes, frustrando, dessa maneira, o processo de ressocialização do preso.

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a fim de que sejam feitos os cálculos remicionais e informado ao apenado a relação de dias remidos, como preceitua o § 2º, para que o segregado possa estar ciente de seus direitos e, por via de consequência, pleitear perante ao juízo da execução as prerrogativas garantidas nessa fase.

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No § 1º, incisos I e II do art. 126, fica estabelecido como será feita a contagem de tempo dos dias remidos, tanto pelo trabalho como pelo estudo. A cada três dias de trabalho, à razão de no mínimo seis horas e no máximo oito horas diárias, como observa o art. 33 da LEP, o abatimento da pena será de um dia. Esse período de tempo é tomado como base para o cômputo das horas. Assim, se o condenado trabalhar oito horas, duas horas ficam em sua ficha para que a cada acúmulo de seis horas seja considerado mais um dia de labor. No caso do estudo, transcrevendo o inciso I: “1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar – atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional – divididas, no mínimo, em 3 (três) dias”.

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Deduz-se, assim, que a jornada de estudo permitida é de 4 horas diárias. O tempo a remir será acrescido de 1/3 (um terço), no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, complementa o § 5º do art. 126 da LEP. É mais uma forma de incentivar a atividade intelectual ao reeducando. Guilherme de Souza Nucci (2012, p. 313) exemplifica: “[...] o preso estudou, durante um ano, cerca de 960 horas e conseguiu concluir qualquer fase do ensino; ao montante de 960 horas válidas para remição, soma-se mais 320 horas visando ao mesmo fim”. Versa o art. 126, § 3º, sobre a cumulação das horas de apenado que estuda e trabalha; admite a lei tal cumulação, não há limites quanto à remição na lei, apenas estabelece que os horários deverão ser compatíveis, sem que uma atividade prejudique a outra. Norberto Avena (2014, p. 265) ilustra:

[...] imagina-se a hipótese do preso que trabalha durante o dia na jornada de seis a oito horas e que estuda a noite pelo período de quatro horas. Tal condenado, a cada três dias de exercício conjunto destas atividades, fará jus ao abatimento de dois dias da pena, vale dizer, um em razão do trabalho e outro em face do estudo.

Se, durante o trabalho ou estudo, o preso sofrer algum acidente que o inviabilize de realizar as suas atividades, o § 4º do art. 126 dá respaldo ao condenado para que ele não deixe de ser beneficiado com a remição. Traz expressamente em sua redação que o mesmo não restará prejudicado face ao acidente de trabalho. O período que ficar impossibilitado será computado para fins remicionais, abatendo-se a pena na proporção estabelecida. Para que sejam evitados quaisquer tipos de desentendimentos que viessem a comprometer o pedido da remição, a exposição de motivos da LEP, no seu item 134, determina que a concessão ou revogação do benefício dependem de declaração judicial e audiência do Ministério Público, por uma questão de cautela. O § 8º do art. 126 da LEP afirma que só terá eficácia a remição se declarada pelo juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa. Além do mais, o art. 66, III, c, da LEP reafirma o entendimento, dando ao juiz da execução a competência para decidir sobre a remição da pena. Compete também ao juiz da execução, com certa margem de arbitrariedade, a retirada de até 1/3 dos dias remidos no caso de o preso cometer falta grave, nos termos do art. 127 da LEP; nesses casos, o juiz deve observar o art. 57 da LEP, segundo o qual, “na aplicação das sanções disciplinares, levar-se-ão em conta a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão”. Havendo, assim, nas palavras de Nucci (2012, p. 314): “[...] uma individualização legal para a perda do tempo remido”. Existem alguns benefícios da execução penal que dependem do cumprimento de determinados lapsos temporais, sendo alguns


Por fim, no art. 130 da LEP o legislador nos remete ao Código Penal; no art. 299, quando prevê o crime de falsidade ideológica, caso o atestado de trabalho emitido pelo funcionário do estabelecimento prisional seja falso. Parte-se do pressuposto que esse atestado goza de presunção de veracidade, o que dispensa a produção de qualquer outro tipo probatório. Após a edição da Lei nº 7.210/1984, dada pela Lei nº 12.433/2011, houve significativas mudanças em prol da ressocialização do apenado por meios antes não expressos na lei, como a remição pelo estudo, a perda dos dias remidos e a forma de abatimento desses dias. Anteriormente, essas questões ficavam à mercê da interpretação judicial. Diversos entendimentos jurisprudenciais guiavam essas decisões, o que prejudicava a alguns e beneficiava a outros. Dessa forma, foram se firmando entendimenos majoritários, que tomaram força de lei após 2011. O art. 126 dispõe que o condenado que esteja cumprindo pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir parte do tempo da execução da pena pelo trabalho e/ou pelo estudo. Antes da edição da lei, era prevista a remição apenas pelo trabalho; doutrina e jurisprudência divergiam muito sobre a possibilidade de remir dias por meio do estudo. Para dirimir controvérsias jurisprudenciais, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 341, dispondo que “a frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto”.

Com a vigência da Lei nº 12.433/2011 ficou resolvido o impasse, o qual trouxe expressamente na redação do art. 126 a possibilidade de remir dias da pena por meio do trabalho e do estudo nos regimes fechado e semiaberto. Renato Marcão (2012, p. 219) complementa: [...] não é possível negar que a dedicação rotineira deste ao aprimoramento de sua cultura por meio do estudo contribui decisivamente para os destinos da execução, influenciando de forma positiva em sua (re) adaptação ao convívio social.

A edição da LEP tratou também de esclarecer mais algumas ambiguidades deixadas pela redação antiga, como a problemática da contagem dos dias remidos e a perda total dos dias remidos por falta grave. A proporção de abatimento da pena está determinada no art. 126, § 1º, incisos I e II, da LEP; havia duas correntes que tratavam dessa questão, uma defendia que o tempo remido deveria ser abatido do total da pena. Norberto Avena (2014, p. 258) exemplifica: Determinado indivíduo, condenado a 6 anos de reclusão, obtém pelo trabalho a remição de 60 dias de pena. Tal montante será descontado do final da reprimenda, como se tivesse ele sido sentenciado, na verdade, a 5 anos e 10 meses de prisão. Nesse contexto, o prazo necessário a obtenção de benefícios incide sob a pena de 5 anos e 10 meses, fazendo que tenha direito, por exemplo, à progressão de regime após o cumprimento de 1/6 deste total, isto é 11 meses e 20 dias após o início da pena.

E a outra defendia que o tempo remido deveria ser somado ao tempo de pena cumprida. Se condenado a 6 anos de reclusão, Norberto Avena leciona (2014, p. 259): [...] o lapso necessário à concessão de benefícios, incidirá sobre o total da pena, isto é, 6 anos. Logo, para a progressão de regime, será necessário cumprir 1/6 da pena, isto é, 12 meses. Considerando, porém, que os 60 dias remidos devem ser somados ao tempo de pena já cumprido, conclui-se que após 10 meses de pena o apenado alcançará o lapso de 1/6 de pena necessário à progressão.

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deles a progressão de regime, o livramento condicional, saída temporária, indulto, etc. Assim, o tempo remido tem a função de abreviar a pena, mas não só isso, pois, cada vez que é declarada a remição, são recalculados todos os benefícios com base no novo montante. E é nesse sentido que o art. 128 inclui a expressão “para todos os efeitos”.

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O art. 128, com a sua redação atual, mitigou qualquer divergência que ainda pudesse haver. Trouxe em sua redação que o tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos, entre eles a progressão de regime, o indulto, o livramento condicional e as saídas temporárias, acabando com a restrição que havia anteriormente. Mais um grande avanço dessa edição normativa e de suma importância para os condenados, foi o art. 127, o qual versa sobre a perda dos dias remidos. Antes, o sentenciado que fosse punido por falta grave perderia todos os dias remidos. Fato que era muito criticado por alguns, por entenderem que feria o princípio da proporcionalidade, ao direito adquirido e à coisa julgada. No entanto, entendeu o STF que o sentenciado não tem direito adquirido ao tempo remido, vez que o art. 127 o condiciona ao não cometimento de falta grave, assim sumulou a respeito: “Súmula Vinculante nº 9: O disposto no art. 127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58”.

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Superado isso, após 2011 ficou determinada, no art. 127, a faculdade do juiz em caso de falta grave, o que antes era uma imposição judicial, de retirar, no limite máximo de 1/3 dos dias remidos. O que só vem a beneficiar o apenado, nas palavras de Renato Marcão (2012, p. 224):

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Reconhecida judicialmente a prática de falta grave, e feita a opção sancionatória, poderá o juiz quantificar a revogação em até 1/3 dos dias remidos, cumprindo seja balizada sua decisão em critérios de necessidade, utilidade, razoabilidade e proporcionalidade, com adequada fundamentação (art. 93, IX, da CF) no tocante a sua escolha entre os limites mínimo de 1 dia e máximo de 1/3.

Essa mudança tem efeitos retroativos e encontra respaldo na Constituição Federal, art. 5º, XL; é entendimento sumulado, Súmula nº 611, STF; e ainda está expressa no art. 66, I, da LEP, o

que implicará na necessidade de revisão ex officio das decisões que determinaram perda integral de dias remidos. Por fim, em decorrência da edição do art. 126 da LEP, o qual estatuiu a remição pelo estudo, surgiu o Projeto da Remição pela Leitura. O Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça, instituiu o Projeto da Remição pela Leitura, que foi regulamentado por meio da Portaria Conjunta JF/DEPEN nº 276, de 20 de junho de 2012 (Brasil, 2012d). O projeto tem a pretensão de instituir, no âmbito das Penitenciárias Federais, em atendimento ao disposto na Lei de Execuções Penais, no que tange à Assistência Educacional, conforme o art. 1º da Portaria (ibid.), a obrigação de proporcionar aos custodiados acesso ao conhecimento, à educação e à cultura por meio da leitura e na produção de resenhas e relatórios, a fim de que possam remir dias da pena através de uma atividade intelectual. De acordo com o art. 3º da Portaria (ibid.), o preso irá participar de forma voluntária e disponibilizará de um exemplar de obra literária, clássica, científica ou filosófica de acordo com as obras disponíveis. O art. 4º traz o requisito objetivo, que limita o preso ao prazo de 21 a 30 dias para fazer a leitura e, ao final deste período, apresentar uma resenha sobre a obra. Dessa forma, segundo critério legal de avaliação, poderá remir 4 dias de pena e, anualmente, 48 dias, de acordo com a capacidade gerencial da unidade. O art. 5º traz o critério subjetivo, que se considerará a fidedignidade e a clareza da resenha. O art. 6º e os seus incisos referem-se ao desenvolvimento do Projeto, estabelecendo como serão selecionados os presos participantes, por quem serão orientados e avaliados. Os presos receberão orientação por meio de oficinas de leitura, a fim de alcançar os objetivos propostos para que possam remir a sua pena. A qual a estética textual, a limitação ao tema e a fidedignidade são os critérios de avaliação usados, além da


Após avaliadas, os resultados serão encaminhados ao Juiz Federal da Execução de Penas de cada estabelecimento penal federal para que este decida sobre o aproveitamento a título de remição de pena (art. 6º, VI). De acordo com o art. 7º, a remição será aferida e declarada pelo juiz federal, ouvidos o Ministério Público Federal e a defesa. Ainda, no inciso VIII, remete aos integrantes da Comissão de Avaliação ao art. 130 da LEP, acerca da possibilidade de constituir crime por atestar com falsidade o pedido de remição. O Conselho da Justiça Federal comenta acerca do modelo e paradigma do Projeto: Pioneira da iniciativa, a Penitenciária Federal de Catanduvas conta com uma biblioteca cujo acervo ultrapassa os quatro mil exemplares. O projeto surgiu de uma parceria com a comunidade e a Justiça Federal, que doaram os primeiros livros. Atualmente, o modelo é adotado por outras Penitenciárias Federais e por alguns Sistemas Penitenciários Estaduais. A “Remição pela Leitura” disputou o concurso de 1º Prêmio Nacional de Boas Práticas em Políticas Criminais e Penitenciárias do CNPCP em 2010. Antes, o Conselho da Justiça Federal (CJF) e o Depen, indicaram o projeto como paradigma a ser seguido, por meio do Enunciado nº 12:“O projeto de remição pela leitura será adotado, também, para reintegração social do preso”. (BRASIL, 2012e)

4 DAS CONSIDERAÇÕES JUDICIAIS – A IMPORTÂNCIA DE UMA INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DA LEI POR PARTE DOS MAGISTRADOS FACE À REALIDADE CARCERÁRIA E A REMIÇÃO PELO TRABALHO NO REGIME ABERTO A Lei de Execução Penal manifesta todas as boas intenções do legislador. Todavia, esqueceu-se de observar a realidade do

sistema prisional, os seus estabelecimentos, segundo o qual o Estado, apesar de ter concedido o direito à remição, não oferece condições de trabalho a todos os apenados. Essa crise atinge não só os condenados como a sociedade como um todo, direta e indiretamente. O objetivo ressocializador da pena e da LEP está assolado e esquecido. O Direito não acompanha o dinamismo do desenvolvimento social. Nesse viés deve o juiz, ao deferir ou indeferir os pedidos de remição no regime aberto, traçar um paralelo entre a realidade atual carcerária e a interpretação extensiva da lei, ainda mais quando o objetivo é um estímulo a uma reabilitação social. A lei não expressa a possibilidade de remir dias no regime aberto por meio do labor; contudo, também não a veda. Renato Marcão (2012, p. 219) comenta: “A melhor interpretação que se deve dar à lei é aquela que mais favorece a sociedade e o preso [...]”. Percebe-se que o argumento contrário à remição pelo trabalho no regime aberto, jurisprudencialmente falando, centra-se na inexistência de previsão legal, no fato de o regime aberto dar mais autonomia ao condenado e prever como requisito a ser preenchido o fato de o indivíduo estar trabalhando ou comprová-lo imediatamente. É fundamental afirmar que a interpretação que se baseia exclusivamente na literalidade do texto da lei mostra-se lesiva ao preso e à sociedade. Mesmo porque o texto da lei não carrega um sentido pronto e acabado. Se assim fosse, as controvérsias jurisprudenciais não tomariam forma de lei nunca, quando, de fato, essas controvérsias são reflexos de todo um dinamismo social, que após determinado período convergem em texto legal. Note-se que estar trabalhando para progredir ou iniciar o cumprimento de pena no regime aberto é requisito a ser preenchido pelo preso. Por esse motivo, não se aplica o consequente bene-

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análise dos parágrafos, margens, rasuras, fuga ao tema e se a resenha é considerada plágio.

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fício do trabalho prisional, a remição da pena, que, se concedido fosse, configuraria benefício em bis in idem. O legislador deixou claro que o regime aberto torna o condenado um trabalhador livre, sem vigilância e com prerrogativas sociais inexistentes nos outros regimes. No entanto, se considerarmos a forma que as regras do regime aberto têm sido aplicadas na prática, o que se percebe é uma realidade sem estrutura carcerária, onde presos do regime aberto e semiaberto vivem em condições praticamente iguais, com a ressalva de que o apenado que cumpre pena privativa de liberdade em regime semiaberto faz jus ao benefício da remição, o qual o condenado ou progredido ao regime aberto não vislumbra.

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O que se percebe é a evidente falta de aplicação da LEP, devido à carência do Estado, manifestada na falta de estrutura física dos presídios brasileiros. Se a teoria não se coaduna com a prática, por que não buscar fundamento por meio de uma interpretação extensiva da lei, aplicando a analogia in bonam partem, favorecendo o condenado, a sociedade e o Estado? Conforme já referido anteriormente, um homem ocupado com o labor não oferece riscos à sociedade e colabora com o ritmo da máquina estatal.

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Julio Fabbrini Mirabete, nesse sentido (2004, p. 47), comenta: “Nada impede a aplicação da analogia às normas não incriminadoras quando se vise, na lacuna evidente da lei, favorecer a situação do réu por um princípio de equidade. Há, no caso, a chamada analogia in bonam partem”. Ademais, o que é requerido pelo preso no regime aberto é que se considere o fato de ele estar trabalhando como meio de remir a sua pena e não no sentido de ele estar no ócio, requerendo a remição, justificando-se nas deficiências estatais. Para Guilherme de Souza Nucci (2012, p. 311):

[...] se o Estado não providencia trabalho ou estudo ao preso, falha no seu dever de manter e fazer funcionar a contento o estabelecimento penitenciário sob seu controle e administração. Esse vício dá ensejo à propositura do incidente de desvio de execução. Cabe ao magistrado utilizar o seu poder de fiscalização para obrigar o órgão competente a tomar as medidas cabíveis a suprir a deficiência. Porém, não cremos se possa aceitar, como tempo remido, o período passado em pleno ócio por parte do sentenciado. Fosse admissível, desvirtuar-se-ia a finalidade da remição, que é a redenção da pena pelo esforço pessoal do preso.

O simples fato de ser o trabalho condição inerente ao regime que está inserido não o restringe do reconhecimento, por meio do deferimento remicional, que ele está interessado em ser útil, em se reinserir ao âmbito social. Somente uma sociedade pouco evoluída não reconheceria o trabalho como estímulo social, mesmo porque o vocábulo trabalho, quando conceituado, é definido por De Plácido e Silva (2008, p. 704) como: [...] em sentido amplo designa toda pessoa que, executando um esforço físico, ou intelectual, no desempenho de uma atividade, ou de uma profissão, realiza um empreendimento, promove uma obra, ou obtém um resultado [...] conforme a natureza do trabalho, ou do serviço, que lhe serve de objeto, o trabalhador classifica-se em intelectual, manual ou mecânico.

Guilherme de Souza Nucci (2012, p. 311), da mesma forma, dispõe que: No regime aberto, não cabe remição pelo trabalho, pois é obrigação do condenado, como condição para permanecer no mencionado regime, o exercício de atividade laboral honesta. Entretanto a Lei nº 12.433/2011 permitiu a remição, em regime aberto, pelo estudo como forma de incentivo ao sentenciado para tal atividade (art. 126, § 6º, da LEP).

Se o estudo, que antes sofria a mesma falta de previsão legal, hoje já está inserido na LEP como meio de remir a pena no regime aberto, não se vê justificativa plausível para não remir dias da pena por meio do labor. Inteligente é o significado de trabalho nos dicionários, que inclui atividades físicas, artísticas e intelectuais.


Há um enorme e inadmissível distanciamento entre o ideal normativo e a realidade prática. [...] Bem por isso a execução não tem proporcionado o alcance de algumas das finalidades da pena privativa de liberdade, notadamente a ressocialização.

Ademais, negar a remição pelo trabalho no regime aberto fere os fundamentos do Estado Democrático de Direito, bem como o princípio constitucional da isonomia, não podendo, assim, o condenado em regime aberto ser restrito do benefício da remição quando inexiste expressa vedação legal. Ainda mais após a entrada em vigor da nova Lei nº 12.433/2011, que trouxe a possibilidade de remição pelo estudo, inclusive para o apenado que está em regime aberto. Com a clara possibilidade de remir dias por meio do estudo, em observância ao princípio da igualdade e o abrangente significado do vocábulo trabalho, entendemos que não deve ser feita qualquer discriminação entre o estudo e o trabalho realizados pelo preso, pois ambos os meios são formas importantes para uma reintegração social do apenado.

5 A IMPORTÂNCIA DO INSTITUTO DA REMIÇÃO FACE À REALIDADE CARCERÁRIA ATUAL E O DEFERIMENTO/INDEFERIMENTO JURISPRUDENCIAL DA REMIÇÃO AOS APENADOS QUE CUMPREM PENA NO REGIME ABERTO SOB ÓTICAS DISTINTAS – ANÁLISE A PARTIR DE UM ESTUDO DE CASO, NA COMARCA DE RIO GRANDE/RS No ensino jurídico, no tocante ao processo de ensino/aprendizagem, o professor deve verificar, a todo tempo, segundo procedimento sugerido por Vygotsky (1982), como está ocorrendo a aprendizagem dos alunos, através, por exemplo, de perguntas

sobre aquilo que acabou de ser discutido em aula, a fim de verificar a apreensão, ou não, dos conceitos científicos introduzidos naquela aula, e mais: se houve passagem do conteúdo estudado da zona de desenvolvimento proximal para a zona de desenvolvimento real. O mesmo pode ser observado no tocante à pesquisa, no processo de orientação dos acadêmicos. No presente estudo, o que originou e motivou o desenvolvimento desta investigação foi a busca da autora Paula Morgana Rieger, a partir dos conceitos teóricos, anteriormente trabalhados em sala de aula na graduação, os quais despertaram o seu interesse extraclasse e a levaram ao desenvolvimento de uma visão crítica desses conteúdos, encaminhando-a a uma Pesquisa de Campo, da espécie Exploratória, que segundo Maria de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos (2002, p. 85): São investigações de pesquisa empírica cujo objetivo é a formulação de questões ou de um problema, com tripla finalidade: desenvolver hipóteses, aumentar a familiaridade do pesquisador com um ambiente, fato ou fenômeno para a realização de uma pesquisa futura mais precisa ou modificar e clarificar conceitos. Empregam-se geralmente procedimentos sistemáticos ou para a obtenção de observações empíricas ou para as análises de dados (ou ambas, simultaneamente). Obtêm-se frequentemente descrições tanto quantitativas quanto qualitativas do objeto de estudo, e o investigador deve conceituar as inter-relações entre as propriedades do fenômeno, fato ou ambiente observado. Uma variedade de procedimentos de coleta de dados pode ser utilizada, como entrevista, observação participante, análise de conteúdo etc., para estudo relativamente intensivo de um pequeno número de unidades, mas geralmente sem o emprego de técnicas probabilísticas de amostragem.

Importante referir que essa possibilidade de visualização pela autora da praxis, Paula Morgana Rieger, no tocante ao procedimento da execução penal na Comarca do Rio Grande, vivenciado por seus agentes reais, por meio das entrevistas realizadas, proporcionou aquilo que Vygotsky (1982) identificava como o fornecimento de modelos referenciais que podem, futuramente, servir de base ao processo de imitação, extremamente relevante,

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Renato Marcão (2012, p. 172), também de forma inteligente, refere:

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para a aprendizagem. Ao perceber como as personagens reais do Direito lidam com essa norma “fora do papel”, por imitação, a autora citada foi capaz de identificar as estratégias usadas, notadamente pela magistrada, na solução do problema real da ausência normativa a regular o instituto da remição no regime aberto de cumprimento de pena. Assim, aprendeu, de forma efetiva, que muitas daquelas regras teóricas na aplicação prática são bem diferentes. A interdisciplinaridade é fator importante para o avanço de um processo como um todo. O item 88 da Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal explica que as atribuições dadas a cada um dos órgãos foram estabelecidas a fim de evitar conflitos, evidenciando a possibilidade de atuação conjunta desses. Foi a partir dessa premissa que se procurou desenvolver uma pesquisa de campo colhendo depoimentos pertinentes ao tema de órgãos distintos, pois é por meio deles que o sentenciado pleiteia e obtém benefícios, direitos e deveres. De acordo com o art. 61, são órgãos da execução penal o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, o Juízo da Execução, o Ministério Público, o Conselho Penitenciário, os Departamentos Penitenciários, o Patronato, o Conselho da Comunidade e a Defensoria Pública.

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Norberto Avena (2014, p. 107) dispõe que

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esses órgãos, que possuem atribuições diferenciadas e não conflitantes entre si, são relevantes para o controle e fiscalização da execução penal e para o fortalecimento do propósito da LEP de ressocialização do condenado e de apoio ao egresso.

Partindo do conceito de Maria de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos (2002, p. 92): A entrevista é um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza profissional. É um procedimento utilizado na

investigação social, para a coleta de dados ou para ajudar no diagnóstico ou no tratamento de um problema social.

Assim, conforme já referido, optamos pela técnica de Pesquisa de Campo usando essa metodologia de coleta de dados, consistente na entrevista, questionado sobre a importância da remição como instituto, frente à realidade prisional atual e sobre a deliberação judicial, especificamente nos casos de apenados que cumprem pena em regime aberto. Nesse sentido, foram entrevistados quatro sujeitos, representando, cada um, os órgãos com atuação direta da execução penal, na Comarca do Rio Grande/RS. Elegemos, portanto, a Juíza da Execução Penal, a Defensora Pública com atuação nos processos dos apenados naquela comarca, a Promotora de Justiça com atribuição na execução penal e, finalmente, um advogado criminalista que, não por coincidência para essa pesquisa, era egresso do sistema carcerário do Estado do Rio Grande do Sul. Adiante, apresentamos a análise das entrevistas realizadas, cuja íntegra dos depoimentos acompanha o presente artigo3. 3 Representando o Juízo da Execução Penal de Rio Grande, a Dra. Dóris Müller Klug, juíza titular da 3ª Vara Criminal, expôs a sua opinião pertinente ao assunto da pesquisa, afirmando: “A remição é instituto muito importante dentro da execução da pena vista de vários ângulos, começando por analisar a questão do sistema prisional, nossa atual dificuldade de lotação dos presídios ou melhor dizendo superlotação dos presídios; o que o Estado consegue fornecer para os apenados. Então, considerando isso, muitas vezes manter o apenado exclusivamente dentro das celas e dentro do presídio não contribui para que ele se ressocialize. Eu sempre achei que se cometeu o crime tem que sofrer aplicação da pena prevista em lei, que deve se restringir só à privação da liberdade, nada mais que isso. O preso deve ter respeitado a sua dignidade, a sua integridade física senão estaremos voltando à Idade Média em que as penas eram corporais e imprimiam um sofrimento acima até às vezes do suportável a quem cometia um crime, não é verdade? Nós caminhamos, lutamos pelos Direitos Humanos, pela evolução do direito, lutamos pela dignida-


perder a remição também assusta e faz com que ele tenha mais cautela, ao passo que se ele não tiver a remição ele não tem nada a perder. Por isso que nós temos esse entendimento na Vara de Execução Criminal de Rio Grande quanto a conceder a remição aos presos no regime aberto. É um estímulo para que ele trabalhe, para que ele saia em busca de um instrumento importante de ressocialização que é o trabalho, se sinta útil, conviva com outras pessoas, mostre responsabilidade, acho também que trabalha a auto estima do preso, pois a pessoa que trabalha, que presta um serviço, que se sente útil se dá mais valor e é também mais valorizada pela família, principalmente pelos filhos que veem no pai um trabalhador e na mãe uma trabalhadora, então acho que é justa essa recompensa. A legislação é editada em determinado tempo e os fatos sociais são muito mais dinâmicos, as carências, as necessidades são mais dinâmicas, e elas vão criando uma jurisprudência que às vezes vem a mudar a lei. Então, eu acho que o legislador quando não estabeleceu a remição pelo trabalho no regime aberto estava atento às regras próprias de cada regime. É a sistemática, é uma disposição legal inserida dentro de um sistema, dentro de como é a definição de cada um dos sistemas de cumprimento da pena. Acho que a Lei de Execução Penal está dentro de um sistema, mas isso não impede que o juiz reconheça algo que venha a beneficiar o apenado e que pode também provocar uma mudança nessa legislação. Existem coisas boas no horizonte como a remição pela leitura, é uma semente que está germinando. Nós, aqui em Rio Grande temos uma biblioteca instalada na Penitenciária Estadual e a tiragem de livros surpreendeu as nossas expectativas. A busca de títulos não é jurídica como se imaginou em um primeiro momento que os presos fossem buscar subsídios na legislação para fazer seus pedidos. Não, há interesse por romance, por história, por uma gama diferenciada de assuntos, eu gostaria muito que tivesse essa remição pela leitura instaurada em um sistema onde o preso lê o livro e ele deve apresentar uma resenha desse livro, que seria avaliado por uma junta, uma equipe, enfim, e que se satisfatório fosse, poderia ter uma remição através disso. Nós temos que estimular a pessoa que entra no sistema prisional, para que no seu retorno à sociedade saia com algo melhor, senão vamos ficar só na parte da pena que é castigo e não na pena como medida preventiva. Evitar a reincidência que infelizmente tem um índice tão elevado no nosso país e cresce em índices alarmantes então nesse intuito de estimular o serviço externo, eu concedo a remição no regime aberto”.

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de da pessoa humana. Chegamos a um estágio em que a pena deveria ser somente, isso na nossa idealização, a privação de liberdade. Mas infelizmente as condições estruturais, as deficiências do Estado, enfim, não garantem isso, então o trabalho do preso se tornou um instrumento importante, primeiro para que ele não fique exclusivamente dentro das quatro paredes, que ele possa sair, ter um convívio no mundo externo, ter oportunidade de mostrar sua capacidade de cumprir regras, de viver com outras pessoas. Considerando que nós não temos uma pena capital, pena de morte, pena perpétua, o que nós temos é o fato de retirar as pessoas que cometem crimes, por determinado tempo, do meio social, mas depois nós vamos devolvê-las para esse meio, por isso é importante que ele saia, mostre como ele vai se portar, volte, mostre que ele pode cumprir regras, volte pra dentro do sistema, essa é a visão que se tem do serviço externo. Também ele receberá um valor que ele poderá ajudar a sua família e, o mais importante para os presos no momento que eles estão recolhidos, é o fato de que com o trabalho eles vão conseguir o abatimento da pena. O nosso sistema de cumprimento de pena é um sistema progressivo, então ele vai entrar em um regime mais gravoso e conforme ele vai mostrando bom comportamento e principalmente essa responsabilidade ao usufruir dos institutos, como saída temporária, serviço externo nós vamos poder progredi-lo de regime e ele vai passar a cumprir essa pena em um regime mais brando; então isso também é um estímulo pra que ele tenha um bom comportamento, é um estímulo pra que ele mostre que pode cumprir regras, por isso eu acho que independentemente do regime nós temos que estimular o trabalho, a responsabilidade com o cumprimento de horário. Então, aqui no meu trabalho tenho deferido, concedido a remição também para o regime aberto. Infelizmente, as minhas decisões muitas vezes não sobrevivem no tribunal, pois a maioria das câmaras as reformam, com a justificativa de que esse trabalho é inerente ao regime aberto, portanto essas câmaras não reconhecem a remição. O resultado prático é que nós temos muitos apenados que sequer pedem a progressão para o regime aberto. Embora eu aqui no primeiro grau, viesse a conceder a remição eu não sou a última instância e em eventual recurso do ministério público eles viriam a perder essa remição concedida aqui. Ainda, a remição é instituto importante tanto pelo que ela vai abater da pena e também porque ela passa a ser algo que o preso tem que preservar e lutar por manter, porque se ele tiver comportamento inadequado e cometer falta grave ele vai perder parcialmente os dias remidos. Então, isso também é um estímulo para que ele tenha um bom comportamento, para que ele mantenha aquele benefício que ele conquistou. Por via reflexa, o fato de

O art. 65 da LEP estabelece a competência da execução penal. Designa o juiz indicado na lei local e, na sua ausência, determina o juiz que sentenciou o réu. O intuito é ter varas especializadas

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em execução penal em todo o País, infere-se que compete ao juízo da execução penal do local de cumprimento da pena decidir sobre os incidentes que surgirem durante a execução. A execução penal brasileira é jurisdicionalizada, o que importa dizer que cabe ao magistrado impulsionar, conduzir e fiscalizar o correto cumprimento da pena. O art. 66 traz uma série de competências inerentes ao trabalho do juiz, e, por ser um rol exemplificativo (Avena, 2014, p. 111), “não exaure todas as possibilidades de intervenção judicial”. A título de exemplo apresentamos um excerto de uma jurisprudência da própria Juíza da Execução, sujeito da pesquisa, Dra. Dóris Müller Klug, para expor a situação e a sua reação perante esses pedidos, a qual versa o seguinte conteúdo:

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Tenho que a simples omissão do regime aberto no texto do art. 126 da LEP não determina obrigatoriamente a impossibilidade de remição aos condenados que cumprem sua pena em regime mais brando. Além disso, no caso do Presídio de Rio Grande, na prática, os apenados dos regimes semiaberto e aberto estão em iguais condições alojados no Albergue, assim não vejo como proceder no que concerne à remição, diferenciação de tratamento de apenados que se encontram em situações equivalentes, prestando trabalho externo, somente porque a lei omite, mas não veda, a concessão da benesse aos detentos que se encontram em regime aberto.

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Resta cristalina a inaplicabilidade da LEP quando referente às regras previstas aos condenados no regime aberto. As palavras da magistrada elucidam a problemática enfrentada na comarca. Em seu depoimento, fez questão de contextualizar a situação que se encontra o sistema prisional, a sociedade e o Estado como um todo. Elenca problemáticas que assolam os presídios brasileiros, como a superlotação, a oferta deficiente do Estado, em questão de estrutura, e, como consequência dessa realidade atual, defende que a mantença do apenado nessas condições em quatro paredes, por longos períodos de tempo às vezes, e o privando de tudo, não respeita aos princípios mínimos garantidos

a ele e a todo homem. Defende a luta pelos direitos humanos, pela evolução do Direito como instrumento pacificador. Vê o trabalho como estímulo ao apenado, independentemente do regime que se encontre, pois, por ser o sistema de pena progressivo, defende que só ele usufruindo das benesses que poderá ter certeza de que está apto a ser responsável e reintegrar-se ao meio social. Relata a situação da falta de interesse dos condenados em progredirem para o regime aberto, pois não terão oportunidade de remir as suas penas e ficarão em condições idênticas aos apenados do regime semiaberto. Ainda comenta em tom de frustração que, apesar de deferir, em primeiro grau de julgamento, a remição pelo trabalho no regime aberto, muitas vezes as suas decisões não se sustentam nos Tribunais que ainda se atém à letra da lei, a qual não expressa a possibilidade de remir dias da pena por meio do trabalho no regime aberto. Faz uma breve avaliação quanto à dificuldade da lei ao tentar acompanhar o dinamismo social. Nesse viés, dialoga acerca das controvérsias jurisprudenciais que vão relatando a realidade atual com mais veracidade e um pouco mais dinâmicas que a letra da lei, e acrescenta que o juiz deve, sim, analisar essas e reconhecer coisas que venham a beneficiar ao apenado, desde que respeitando aos limites legais, para que assim seja provocada uma mudança na legislação. Ainda, nessa seara, frisou o sentido estimulante e dignificante do labor e da educação para o condenado, posicionando-se, inclusive, a favor do Projeto da Remição pela Leitura, instituído pelo Departamento Penitenciário Nacional, que está regularizado pela Portaria nº 276, de 20 de junho de 2012, que já está em funcionamento em alguns presídios da esfera federal.


Incluída na LEP pela Lei nº 12.313, de 2010, a Defensoria Pública é mais um dos órgãos da execução penal. No capítulo que versa sobre a assistência na Lei de Execução Penal, o art. 15 da Seção IV, que trata especificamente da assistência jurídica, prevê núcleos da Defensoria Pública para assistir aos que não têm condições financeiras de constituir um advogado, entre eles réus, sentenciados em liberdade, egressos e seus familiares.

A Defensora Pública entrevistada conceitua o instituto remicional e o vincula com a LEP e a exposição de motivos da LEP. Destaca o fato de a pena no Brasil se dar de forma progressiva, tendo como respaldo a Carta Magna e a legislação específica, culminando, assim, no regime aberto, e resultado disso é que por meio do princípio da isonomia não há como fazer qualquer distinção entre os presos que estão em regime mais gravoso ou mais brando, ainda mais após a edição da LEP em 2011, que traz a possibilidade de remição no regime aberto pelo estudo. Questiona: O que diferencia os apenados? Nem mesmo a LEP traz qualquer vedação expressa sobre a remição pelo trabalho no regime aberto e, pelo princípio da igualdade, não pode ser

Está prevista nos arts. 81-A e 81-B da LEP4. 4 A Defensora Pública, Dra. Dani Accorsi Teles, a qual respondeu à entrevista acerca do tema abordado, afirmou: “A remição constitui direito do preso de reduzir o tempo de duração da pena privativa de liberdade, por meio do trabalho prisional ou do estudo. Trata-se, pois, de um meio de abreviar ou extinguir parte da pena, que serve como estímulo e tem como finalidade essencial promover a boa conduta, o respeito à disciplina e acelerar a readaptação e a volta do preso ao convívio social. Com efeito, quando o trabalho é realizado dentro das condições de dignidade humana, é instrumento de auxílio extremamente eficaz no alcance de um dos objetivos da pena, que é o da reinserção do condenado no meio social, pois, além de prepará-lo para o retorno à sociedade como pessoa produtiva, com algum tipo de qualificação, abrevia seu tempo no cárcere. Trata-se, pois, segundo consta da Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal, de um dever social, princípio de Justiça Social, que objetiva transformar o tempo ocioso em uma atividade produtiva, de acordo com as individuais aptidões intelectuais e condições físicas de cada preso, visando a garantir uma adequação entre a obrigação de trabalhar e o princípio da individualização da pena. Com relação à previsão de remição para os apenados que cumprem pena no regime aberto, efetivamente, o art. 126 da Lei de Execução Penal não contém previsão a respeito, sendo expresso em afirmar que a remição seria tão-somente para os que cumprem pena nos regimes fechado e semiaberto. Todavia, a Constituição Federal e a legislação específica asseguram ao apenado o direito ao trabalho e ao cumprimento da pena privativa de liberdade de forma progressiva, que

culmina com o regime aberto, daí resultando que o apenado não pode ser impedido de receber a remição pelos dias trabalhados, até porque, a Lei, da mesma forma, não prevê qualquer óbice a tal possibilidade. Portanto, esta distinção é uma afronta direta ao Estado Democrático de Direito, bem como ao princípio constitucional da isonomia, não podendo, pois, o apenado em regime aberto ser alijado do benefício da remição quando inexistente expressa vedação legal. Ainda mais com a entrada em vigor da nova Lei nº 12.433/2011, que, modificou a redação do art. 126 da LEP, e incluiu a possibilidade de remição pelo estudo, inclusive para o apenado que estiver em regime aberto. Assim, com a possibilidade cristalina da remição por estudo no regime aberto, trazida pela nova redação do art. 126 da LEP, em observância ao princípio da igualdade, não pode ser feita qualquer discriminação entre o estudo e o trabalho realizados pelo preso, pois ambas as formas são de suma importância para a ressocialização do apenado. Ademais, conforme já afirmado, o trabalho é um dos principais caminhos para se alcançar a ressocialização dos apenados, sendo sempre mais recomendável que o apenado exerça atividades laborais do que permaneça no ócio do cárcere, sendo uma incoerência deferir tal benefício a quem cumpre pena mais grave, em regime mais rigoroso e negá-lo a quem cumpre pena em regime mais brando. Portanto, agora com a previsão de que possam remir a pena pelo estudo, nada obsta que os apenados obtenham a remição também pelo trabalho, atividade igualmente válida e necessária à reinserção ao convívio social, o que se coaduna com o espírito da Lei de Execução Penal”.

Essa é, pois, a visão da Defensoria Pública da Vara de Execução Criminal de Rio Grande sobre o assunto.

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Como órgão essencial à execução penal, a juíza entrevistada trouxe o seu entendimento pessoal e profissional referente ao tema. De grande valia para a pesquisa a visão de uma parte tão importante no processo como um todo.

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feita qualquer discriminação entre o estudo e o trabalho realizados pelo preso, pois ambas as formas são de suma importância para a ressocialização do apenado. Salienta a viabilidade clara que a Lei nº 12.433/2011 trouxe quanto à remição pelo estudo e recomenda o exercício de qualquer atividade laboral ao ócio, pois é esse o espírito da Lei de Execução Penal, não restando, assim, qualquer óbice aos condenados em remirem as suas penas por meio do estudo e do trabalho, independentemente do regime de cumprimento de pena que está inserido.

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Alude o art. 41, inciso IX, que constitui direito do preso a entrevista pessoal e reservada com o advogado. O advogado detém a capacidade de velar pelo seu cliente. Postulando interesses das pessoas em juízo ou fora dele, pode também prestar assessoria e consultoria jurídica5.

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5 O Dr. Gelson Vargas, Advogado Criminalista atuante na Comarca do Rio Grande/RS e inscrito na OAB-RS sob o nº 80804, por sua vez, respondeu à entrevista, declarando: “Tenho que a partir do momento em que o apenado é sentenciado, ele passa a ter uma espécie de dívida para com o Estado, a qual só restará quitada ao término do cumprimento da pena. A partir dessa ideia, se torna mais fácil entender que a remição não passa de uma maneira mais proveitosa de se pagar essa dívida, tanto para o Estado quanto para o apenado. Para o Estado por ser uma forma, um tanto pretensiosa, de reabilitar o apenado para o convívio junto à sociedade, além de que, diminuindo a pena, não deixa de ser um corte de custos. Para o apenado, além de ser um jeito útil de passar aquele tempo que ficaria ocioso e, obviamente, diminuir a pena, de receber remuneração por isto sob a forma de pecúlio. Há dentro da cadeia, serviços pesados, tais como os de manutenção, limpeza, cozinha, etc. Nada mais justo que recompensar aqueles que se dispõe, de forma quase escrava, a prestar serviços que são, na verdade, ônus do Estado. Quanto à remição pelo estudo, tenho que é ainda mais proveitosa que a pelo trabalho, e os motivos são evidentes: a baixa instrução da imensa maioria da população carcerária, além do preenchimento de requisito básico do mercado de trabalho atual, que é educação. Vê-se que o legislador também pensa assim, valorizando mais o estudo que o trabalho na dosagem da remição.

O advogado entrevistado nesta pesquisa ficou segregado no Presídio Central de Porto Alegre de 13 de maio a 15 de agosto de 2008 e pode presenciar a realidade nua e crua dos estabelecimentos prisionais. Representa a classe advocatícia e luta pelos direitos de seus assistidos. Expôs, assim, a sua concepção sobre o tema abordado na entrevista a que, voluntariamente, se submeteu. Preceitua a pena como uma espécie de dívida do condenado para com o Estado e inclui a remição como uma forma proveitosa tanto para o apenado, pois não ficará no ócio, diminuirá a sua pena e, ainda, receberá a remuneração sob a forma de pecúlio, como para o Estado, tendo como consequência da diminuição da pena a redução de custos. Tem o instituto da remição como uma forma de justiça, pois, nas palavras dele: “Nada mais justo que recompensar aqueles que se dispõe, de forma quase escrava, a prestar serviços que são, na verdade, ônus do Estado”. Além disso, comenta acerca da posição do legislador em instituir a remição pelo estudo na LEP e concorda plenamente, vendo a educação como mais proveitosa que o trabalho físico, pois Quanto a nossa cidade, em particular, temos que há diversos problemas que dificultam a plena utilização deste instituto pelos apenados [...] a ausência de uma casa de albergado para os presos em regime aberto, estes que aqui cumprem sua pena de forma idêntica aos apenados do regime semiaberto. Infelizmente, além do Estado não tratar com seriedade o instituto, há uma espécie de preconceito interno entre os apenados, em desfavor daqueles que se dispõe a trabalhar dentro do presídio, eis que passam a ser vistos como ‘amigos dos agentes’, tão logo, inimigos dos presos. Tal pensamento inibe inúmeros apenados que poderiam ser beneficiados com a remição. De qualquer forma, as melhorias devem vir de cima, com respeito à Lei, impessoalidade e eficiência na prestação da jurisdição em sede de execução penal, para que se possa colher os frutos que o legislador almejou ao criar o instituto”.


Em se tratando da Comarca de Rio Grande, fez uma breve avaliação, restando evidente, como nas outras opiniões expostas, a deficiência da estrutura oferecida pelo presídio aos condenados em regime aberto e semiaberto, estando os apenados submetidos a condições idênticas. A sua crítica faz referência aos órgãos responsáveis pela eficiência e prestação da jurisdição em sede de execução penal, enaltecendo, assim, a posição do legislador ao instituir a LEP da forma que é. Defende que só por meio de melhorias na fase executória que “se possa colher os frutos que o legislador almejou ao criar o instituto”. O Ministério Público, por sua vez, também é órgão da execução penal que tem como função fiscalizar a execução penal e a medida de segurança, oficiando no processo executivo e nos incidentes da execução. Tem previsão legal nos arts. 67 e 68 da LEP. Incumbido, ainda, de fiscalizar a regularidade formal da execução, requerer providências inerentes ao processo executório e recorrer de decisões, interpondo recursos de decisões proferidas pelo Juízo da Execução. E, ainda, visitar mensalmente os estabelecimentos prisionais, registrando a sua presença em livro próprio. Por esse entendimento, finalmente foi entrevistada a Promotora da Execução Penal na Comarca do Rio Grande/RS6. 6 A Dra. Valdirene Sanches Medeiros Jacobs, Promotora de Justiça atuante na execução penal, acerca do tema abordado na presente pesquisa, como representante do órgão ministerial, quando entrevistada, declarou: “Sobre a possibilidade de remição no regime aberto. Até pouco tempo eu era contrária, inclusive as minhas manifestações nos processos de execução criminal eram contra, porque a LEP não prevê essa possibilidade. Quanto a isso especificamente eu tive uma mudança de posicionamento, mas não

porque eu entenda que a LEP acolhe de alguma forma essa pretensão. Eu mudei a minha posição por questões práticas, da realidade da nossa penitenciária de Rio Grande que é uma das maiores da nossa região sul e tem as suas peculiaridades. Como eu não estou aqui há muito tempo eu não conhecia como funcionava o nosso sistema prisional, de uns meses pra cá, além de fazer a inspeção mensal que é regular, todo promotor de justiça da execução penal deve fazer, tem que ir ao presídio, conhecer, ver como está funcionando, fiscalizar, olhar a celas, falar com os apenados, que são atribuições normais, eu tenho ido até mais vezes e tenho tentado me inteirar de procedimentos em todas as áreas. Quando nós conversamos com os apenados é muito bom porque na verdade começamos a perguntar coisas da execução da pena pra eles, da rotina deles, e começam a surgir várias questões, é disso que eu tenho me inteirado cada vez mais e a minha mudança no pensar na remição no regime aberto foi muito em função disso, em conhecer melhor a realidade da nossa comarca porque eu entendo que a LEP na verdade não prevê essa possibilidade da remição, e porque ela não prevê, pois ela tem um sentido, ela tem uma lógica, uma razão de ser. O problema é que a lógica da LEP que é a teoria, não é seguida pelo sistema prisional real no nosso país. No aberto, no meu entendimento, na minha interpretação da LEP, ele seria realmente um sistema prisional baseado muito na autonomia e na responsabilidade do próprio apenado, ele teria muito mais liberdade de circulação durante o dia, do tempo que ele está fora do presídio; só que não é isso que acontece. Embora a lei preveja dessa maneira. Em uma conversa que eu tive com o administrador eu relatei essa problemática, pois estão surgindo pedidos da Defensoria com relação à remição e em conversa com os apenados eu soube que eles não estão querendo progredir para o regime aberto, preferem ficar no semiaberto, pois no aberto eles não teriam direito a remição que eles têm no semiaberto. E o que me surpreendeu foi que na verdade o preso que se encontra no regime aberto, que já progrediu, deveria conforme a lei ter um tratamento mais benéfico do que o do semiaberto e na verdade ele tinha o mesmo tratamento. O preso do aberto, está em um regime mais brando e, portanto deveria ter mais benefícios. Ele está submetido a todas aquelas exigências do semiaberto e ainda por cima não pode remir o tempo porque a lei não traz essa previsão. Então eu, considerando a prática que é adotada aqui achei injusto, ilógico, que não era razoável, e que era compreensível que os presos realmente não quisessem progredir, porque de fato o tratamento para eles é o mesmo. Então, conhecendo essa realidade, eu insisti muito com o administrador para entender todo o procedimento, para ver se em algum momento haveria diferença realmente nos sistemas, e pelo que eu

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alega que é evidente a baixa instrução da maioria da população carcerária.

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entendi não tem mesmo, ele foi muito claro em relação a isso. Eu entendi que deveria mudar o meu posicionamento pelo menos atualmente, nesse momento, mas eu insisto que não quer dizer que a LEP está errada, eu só acho que ela simplesmente não está sendo aplicada como não é aplicada em várias outras coisas. Tanto é que nós temos uma ação na justiça reivindicando tudo que deveria mudar dentro da PERG, só que é uma ação que está levando anos infelizmente, no Judiciário. Mas nos estamos pleiteando isso tudo, inclusive as acomodações de aberto, semiaberto, fechado. Até que essas coisas tenham uma aplicação prática eu realmente achei que não era justo continuar me manifestando dessa maneira. Na execução penal eu acho que nós temos que ver a realidade pra tentar adaptar e fazer a justiça da maneira mais adequada. Assim eu mudei de posicionamento faz 1 ou 2 meses. Quando eu fiz essa minha nova manifestação eu expus o motivo dessa mudança de posicionamento, isso que eu te falei agora foi mais ou menos o que eu botei no papel pra explicar a razão dessa mudança. Há ainda divergência quanto ao assunto no Judiciário, tem juízes que não dão, têm juízes que dão a remição no regime aberto. Não há ainda uma unificação de decisões. Se houvesse essa flexibilização e mais algumas alterações que viessem em benefício do apenado seria interessante o regime aberto, mesmo sem a remição e quem sabe ele nem sentiria falta disso, pois teria um tratamento melhor e mais autonomia. Tenho que travar essa conversa com a administração do presídio, pois não é do dia para noite que se muda um presídio, eles têm dificuldades, falta de estrutura, de agentes. Essa minha posição nesse momento é a mais adequada, acho que diante do que eu vi lá dentro, eu adotei sem nenhum questionamento, mas não concordo que isso seja o correto de acordo com a LEP, pois o que ela queria era um regime mais brando, tão mais brando que não seria necessário à remição mesmo. Nós estamos caminhando nesse sentido. Eu acho que a LEP tem uma logica razoável. Acho que está regulado como deveria o problema é que na prática não funciona porque se funcionasse eu acho que não seria necessário mudar a lei para incluir a remição no regime aberto. O trabalho é bom para eles. Estimula a questão trabalhista, a ressocialização. Eles sabem da importância da remição, de não ter uma falta grave, eles procuram muito trabalhar. E a educação também. Eu acho que a remição no aberto hoje é justa, mas acho que temos que caminhar no sentido de aplicar a LEP. Nós temos que fazer a interpretação da LEP de acordo com o sistema todo. A LEP não é uma lei ruim o problema é que não é aplicada. O nosso governo infelizmente deixou os presídios nesse estado caótico, a questão prisional não dá voto, é polêmica ninguém gosta de tratar sobre isso. E a sociedade hoje vivendo esse momento de tanta violência querem mais que quem está

A Promotora de Justiça entrevistada se posicionou, inicialmente, de forma negativa à remição no regime aberto, pois entendia que a LEP trazia o trabalho como requisito para a progressão ao regime aberto e que configuraria um benefício bis in idem. Porém, após conversa informal e mesmo as tratativas iniciais para participação como sujeito nesta pesquisa, além do processo de ambientação da Promotora na Comarca, foi cogitada a possibilidade, por parte da autora da pesquisa, Paula Morgana Rieger, de que ela, além de realizar as inspeções regulares, pudesse também conversar com os apenados do regime aberto e semiaberto e questionasse a questão da remição, da progressão, do trabalho e das condições às quais estão submetidos os presos desses regimes. Em entrevista realizada, após 2 (dois) meses desse diálogo inicial, a entrevistada posicionou-se de forma positiva quanto à remição no regime aberto, pois pode constatar, após conversas realizadas com os presos e com a administração da PERG, a inaplicabilidade da LEP quanto aos regimes aberto e semiaberto; a falta de estrutura da penitenciária e a superlotação; constatou que os presos desses regimes estavam submetidos a condições iguais de tratamento e se espantou quanto ao fato de os presos do regime semiaberto não demonstrarem interesse em progredir lá dentro morra. Se for falar com a maioria das pessoas elas dizem que se ele está lá é porque ele fez alguma coisa errada então deve arcar com as consequências, tem que sofrer; a maioria da nossa comunidade pensa assim então o governo tem essa chancela para esquecer os presídios. O que as pessoas não se dão conta, e eu não as condeno de pensarem assim, pois estamos vivendo um momento de revolta social é que nós não temos prisão perpétua e nem prisão de morte no Brasil, e todos esses apenados que hoje estão aqui na PERG e nos outros presídios vão voltar para nossa sociedade, e o que eles vão nos dar em troca é o que nós damos pra eles agora. Os governos não têm cuidado da questão prisional como deveriam, assim entendo que nós temos que flexibilizar a LEP, por uma questão de justiça. O negocio é trabalhar para mudar a realidade”.


Trouxe como principal argumento de inaplicabilidade da LEP o descaso do Governo com a questão prisional. Salientou também a questão da violência que assusta a sociedade e faz com que o povo queira ver os condenados sofrendo atrás das grades sem a menor condição. No entanto, deixou evidente que a sociedade está esquecendo que no Brasil não há pena de morte, sequer pena perpétua, e que esses apenados irão retornar ao convívio social quando cumprirem as suas penas e que o que trarão como resposta será o que lhes foi dado. No caso, desleixo, abandono e, consequentemente, mais violência e reincidência. Por isso, frisa a Promotora a importância da função ressocializadora da remição por meio da educação e do trabalho, atividades dignificantes que hoje, devido a todo esse caos, ela opina positivamente, alterando, portanto, de forma radical, o seu entendimento inicial acerca da matéria. Pode-se dizer que esse depoimento foi o mais pertinente à pesquisa realizada, pois ficou cristalino o motivo pelo qual as autoras se inspiraram nessa ideia para levar adiante o presente estudo e o quão relevante se mostrou, no presente caso, a associação dos conhecimentos teóricos à prática, à realidade enfrentada pelos apenados que cumpriam pena na PERG, capaz, inclusive, de modificar o entendimento, até então cristalizado da Promotora de Justiça atuante na espécie. Ademais, o fato de a, então acadêmica, ora autora supracitada, ter realizado trabalho voluntário na Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, no ano de 2013, foi de grande instrução científica e prática, pois assim pôde presenciar a realidade dos apenados na PERG, conversando pessoalmente, “cara a cara”, com os condenados, os quais relataram a realidade “nua e crua” do cárcere, em especial sobre o tema aqui abordado.

A análise do presente estudo, em continuidade à pesquisa iniciada pela autora Rita de Araujo Neves no Mestrado (Neves, 2005), parece indicar que a associação teoria/prática no ensino jurídico traz como benefício uma maior autonomia e segurança no que tange aos conteúdos de Direito estudados, além de despertar o interesse dos aprendizes pelos conteúdos e levá-los a buscar novas experiências que aproximem a teoria da prática. Isso parece corroborar a ideia de Vygotsky (1982) de que a formação dos conceitos nos alunos não é um processo automático, de transmissão de conteúdos, mas um processo interno e ativo, pelo aluno, que associa os seus conceitos espontâneos àqueles científicos, trabalhados em aula. Segundo premissa anterior (Neves, 2005, p. 117): Neste momento de fecho do trabalho considero importante ressaltar, com o apoio de Oliveira (2004), que a prática jurídica deve estar engajada em uma opção teórica. O Bacharel em Direito não pode ser um reprodutor de um conhecimento adquirido. A teoria deve estar em constante confronto com a prática e toda prática precisa estar voltada para uma concepção teórica para poder sempre ser revisitada e, às vezes, superada. A prática exige um reexame constante da teoria e esta, serve também, para criticar e questionar a prática jurídica. A teoria que não encontra espaço na prática tem que ser revisitada constantemente, pois poderá tornar-se uma promessa vazia.

Assim, a oportunidade, por meio da pesquisa, de discutir essa experiência com os agentes da execução criminal, especialmente com a Promotora de Justiça atuante na execução criminal naquela comarca, através, inicialmente, de uma conversa informal, propondo que figurasse como sujeito desta pesquisa e que, quiçá, fizesse ela o mesmo, na sua atuação como Promotora na comarca, no sentido de, de fato, ouvir a demanda dos apenados. Após, ouvir dessa autoridade o franco relato de que mudara a sua convicção a partir de sugestão advinda da academia, a partir de intensa reflexão teórica que gestou a presente pesquisa, foi um sentimento deveras revolucionário. Essa experiência, real,

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para o regime aberto, pois ficariam sob as mesmas condições e ainda não poderiam remir os seus dias de pena.

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concreta, factível e, principalmente, possível, é, acima de tudo, a certeza de que a academia deve estar a serviço da sociedade! Isso, sem dúvida, só engrandece e enriquece, além de orgulhar as autoras que tentam, em breves linhas, relatar sentimento indescritível. Verdadeiro “trabalho de formiga”, como por muitas vezes se traduz a atividade de pesquisa, mas que, neste caso, foi compensador, especialmente à autora Paula Morgana Rieger, então discente da graduação em Direito, incrédula da possibilidade de mudar o entendimento de uma Promotora de Justiça e de todo um sistema que decide a vida de muitos sentenciados. Da mesma forma, a pesquisa iniciada foi gratificante e motivadora à autora Rita de Araujo Neves, orientadora da pesquisa iniciada na Graduação. Logo, é com imensurável sentimento de conquista, mudança, esperança, que concluímos a primeira etapa desta pesquisa e vislumbramos, orgulhosas, que a sugestão foi acolhida e posta em prática, viabilizando a remição por meio do trabalho no regime aberto aos apenados da Comarca do Rio Grande/RS.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Diante da abordagem da problemática que assola os condenados no regime aberto de cumprimento de pena privativa de liberdade, na inaplicabilidade da lei e na sua repercussão jurídica social, foram cogitadas, na pesquisa iniciada na conclusão do curso de Graduação da autora Paula Morgana Rieger, duas sugestões, na tentativa de apontar possíveis soluções ao problema. A primeira se perfaz no fato de o legislador trazer expressamente para a LEP a previsão de remir dias pelo trabalho aos condenados que estão cumprindo pena privativa de liberdade no regime aberto, no sentido de dirimir as controvérsias judiciais pertinentes ao tema, como ocorreu com o estudo. Ainda, a perda dos dias remidos em decorrência de falta grave e a forma de abatimento dos dias remidos, ou, também, que

os órgãos competentes resolvam a questão delicada em que se encontra o sistema carcerário brasileiro, por meio de uma reforma prisional, garantindo a completa efetividade da LEP foram apontadas como alternativa viável. Apresentando, assim, medidas que realmente justifiquem o princípio que norteia a execução penal: o da reinserção social. Acreditamos, portanto, que medidas educativas e estimuladoras em meio ao completo caos social hoje vivenciado sejam uma possível solução para o problema enfrentado nesse aspecto.

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Doutrina

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana Como Fundamento Jurídico para Bioética LAURA AFFONSO DA COSTA LEVY

Advogada, Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade IDC, Pós-Graduanda em Bioética pela PUCRS, Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS, Diretora Estadual (RS) da Abrafam – Associação Brasileira dos Advogados de Família, Palestrante, Parecerista e Consultora Jurídica. Possui diversos artigos e capítulos de livros publicados.

O princípio da dignidade da pessoa humana1, fundamento do Estado Democrático de Direito, esculpido 1 Um conceito analítico de dignidade da pessoa humana foi formulado pelo Professor Ingo Wolfgang Sarlet, para quem a dignidade humana é “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos” (SARLET, Ingo Wolgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60).

na Carta Constitucional de 1988, em seu art. 1, inciso III, é norma constitucional2 central de todo o ordenamento jurídico. Nesse cenário, importante referir que tal princípio há de ser visto sob a dimensão da plenitude ou amplitude. Plenitude esta que significa dizer que o ser humano merece reconhecimento na sua parte mais íntima e no seu todo mais amplo. Nesse sentido posiciona-se Maria Cristina Cereser Pezzella: Compreender a dignidade da pessoa humana abarca uma séria discussão no campo das idéias na esfera jurídica constitucional e no campo de todas as relações na esfera do direito infraconstitucional inclusive, além de outras repercussões do pleno desenvolvimento da pessoa na perspectiva física, emocional, intelectual e psíquica.3

Com a ideia de dignidade originando uma nova perspectiva capaz de garantir a felicidade e a busca da plenitude, torna-se indispensável que seja observado o princípio da dignidade da pessoa humana sob a ótica da perspectiva dos direitos da personalidade. Nesse sentido, esclarece Ingo Sarlet que a dignidade da pessoa apenas estará assegurada “quando for possível uma exis-

2 Cabe referirmos, sucintamente, a ideia de constitucionalismo contemporâneo, quando os princípios jurídicos são encarados como normas. Nesse sentido, entendimentos de Robert Alexy e Paulo Bonavides, entre outros não menos importantes. Todavia, em razão da brevidade do presente texto, não adentraremos na análise da reflexão, interpretação e aplicação dos princípios jurídicos a serviço, ainda, da ideia moderna de ciência. 3 Pezzella, Maria Cristina Cereser. O código civil em perspectiva histórica. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). O novo código civil e a constituição. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.


tência que permita a plena fruição dos direitos fundamentais, de modo especial, quando seja possível o pleno desenvolvimento da personalidade”4.

de tudo, merece uma perspectiva unitária para se poder admitir um “complexo de direitos de personalidade referido à personalidade no seu todo”6.

A vida digna é, então, aquela em que estão presentes os valores essenciais para o pleno desenvolvimento da pessoa, próprios para as suas necessidades, aptos para as suas características, identificados e individualizados de forma a satisfazer o seu titular.

Nas mãos de Gustavo Tepedino, o princípio da dignidade da pessoa humana ganha contornos de “cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana” ou, dito de outra forma, é o “valor máximo” de nosso ordenamento jurídico7.

Para isso, se faz necessário entender e compreender o que é a pessoa humana, não devendo esta ser tratada apenas como sujeito de direito, mas sim como um ser humano, pessoa concreta, com suas possibilidades, aptidões, necessidades e singularidades. Judith Martins-Costa, quanto a esse tema, posiciona-se no sentido de considerar “as pessoas concretas, os seres humanos de carne e osso, tão fundamentalmente desiguais em suas possibilidades, aptidões e necessidades quanto são singulares em sua personalidade, em seu ‘modo de ser’ peculiar”5.

Maria Cecília Bodin de Moraes, nesse sentido, ancorou a essência material da dignidade da pessoa humana em quatro desdobramentos:

4 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. rev. atual. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 311. 5 MARTINS-COSTA, Judith. Os direitos fundamentais e a opção culturalista do novo código civil. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 3. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 83.

Assim, a dignidade da pessoa humana sustenta, agrega e encentra o sistema constitucional ao redor de seu conteúdo fundamental: direito à igualdade material, à integridade psicofísica, à liberdade e à solidariedade. Nesse contexto, o princípio da dignidade da pessoa humana liga-se à esfera da bioética, na medida em que a preocupação 6 MOTA PINTO, Paulo. Notas sobre o direito do livre desenvolvimento da personalidade e os direitos da personalidade no direito português. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). A constituição concretizada – Construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 62. 7 TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. In: Temas de direito civil, p. 48. 8 MORAES, Maria Cecília Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet. Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 120.

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Para compreensão, ainda que breve, vislumbra-se a personalidade humana como constituição de um todo, um complexo multifacetado, singular e unitário (e não a mera soma das partes), merecedora de garantia e tutela no seu particular modo de ser e em todos os variados aspectos que a singularizam. Isso significa dizer, nos termos de Paulo Mota Pinto, que as situações jurídicas existenciais respeitantes à própria pessoa ou “sobre alguns fundamentais modos de ser, físicos ou morais, da personalidade” não constituem “uma pluralidade taxativa de direitos, incidindo cada um sobre um particular aspecto da personalidade”. Antes

(i) o sujeito moral (ético) reconhece a existência dos outros como sujeitos iguais a ele; (ii) merecedores do mesmo respeito à integridade psicofísica que é titular; (iii) é dotado de vontade livre, de autodeterminação; (iv) é parte do grupo social, em relação ao qual tem a garantia de não vir a ser marginalizado.8

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da vida humana deixa de estar centrada na mera subsistência biológica e passa a estar reconhecida em toda a sua dignidade. Os princípios de respeito, conservação e inviolabilidade da vida devem se adequar à luz dos princípios bioéticos, que clamam pela integridade da pessoa, identidade e liberdade.

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A bioética9, cujo objeto é a vida e a ética, passando por reflexões como a qualidade de “ser pessoa”10, de sua autonomia e de sua existência, caracteriza-se como sendo uma ciência que busca, em suas origens, aspetos fundamentais referentes à existência do ser humano, inclusive à validade da utilização de novas técnicas e de inovadoras posturas a serem tomadas em relação à vida e à morte, em atendimento ao dinamismo da sociedade,

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9 Talvez uma boa definição do termo bioética seja: “Bioética é um neologismo derivado das palavras gregas bios (vida) e ethike (ética). Pode-se defini-la como o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão, decisão, conduta e normas morais – das ciências e da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar” (Encyclopedia of biorethics. 2. ed. v. I, introdução, p. XXI, W. T. Reich, editor responsável, 1995, In: PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Chritian de Paul de. Problemas atuais de bioética. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Edições Loyola, 2000. p. 32). Outro posicionamento relevante e que muito se aproxima do já referido é do Professor Clotet, o qual considera: “A bioética é o estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e do cuidado da saúde, enquanto essa conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais” (CLOTET, Joaquim. Bioética: uma aproximação. 2. ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2006. p. 15). 10 Em que pese se ter ciência da bioética ambiental e do próprio conceito amplo de bioética, que abrange a proteção e estudo sobre todos os seres vivos, o presente texto utilizará o conceito de bioética voltado ao ser humano, vez que estamos trabalhando com a fundamentação jurídica do princípio da dignidade da pessoa humana. Todavia, necessário se referir que o neologismo bioética divulgado por Van Rensselaer Potter, no seu livro Bioethics: bridge to the future, em 1971, já cunhava a importância das ciências biológicas na melhoria da qualidade de vida; quer dizer, a Bioética seria, para ele, a ciência que garantiria a sobrevivência no planeta (POTTER, Van Rensselaer. Bioethics: bridge to the future. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1971. In: CLOTET, Joaquim. Bioética…, p. 21).

ao direito globalizado, sem perder de vista o cumprimento do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Em razão da dignidade, o ser humano deve ser respeitado em sua identidade psíquica e genética, em sua integridade somática e em sua autonomia pessoal11. E, justamente, é a bioética que estuda e preocupa-se com tais dimensões frente às questões do avanço das ciências tecnológicas, manipulação genética, pesquisas com seres humanos, etc. Segundo Andorno, apud Eduardo Luis Tinat12, a Unesco recomenda, em suas declarações internacionais, proteger o ser humano “em sua humanidade”, e essa ideia de dignidade é um valor inerente a cada um, de todo indivíduo, mas também da humanidade em conjunto. Ele evidencia que na bioética reside claramente o marco dos direitos humanos, ideia de que todo ser humano possui direitos inalienáveis e imprescritíveis, que independem de suas características físicas, idade, sexo, raça, condição social ou religiosa. Em razão dos argumentos anteriormente expostos, pode-se construir e demonstrar que o princípio jurídico da dignidade da pessoa humana, evidenciado na sua forma mais ampla e completa, serve como substrato para as discussões bioéticas. Bem como há de se relatar que a dignidade humana vista como princípio ético-jurídico tem contribuído sobremaneira para o tratamento jurídico dos problemas bioéticos13. 11 CLOTET, Joaquim. Bioética…, p. 129-130. 12 TINANT, Eduardo Luis. Bioética jurídica, dignidad de la persona y derechos humanos. Buenos Aires: Editorial Dunken, 2007. p. 160. 13 PITHAN, Lívia Haygert. A dignidade humana como fundamento jurídico das “ordens de não-ressuscitação”. Porto Alegre: Edipucrs, 2004. p. 57.


REFERÊNCIAS CLOTET, Joaquim. Bioética: uma aproximação. 2. ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2006. MARTINS-COSTA, Judith. Os direitos fundamentais e a opção culturalista do novo código civil. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 3. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. MORAES, Maria Cecília Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet. Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. MOTA PINTO, Paulo. Notas sobre o direito do livre desenvolvimento da personalidade e os direitos da personalidade no direito português. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). A Constituição concretizada – construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. PEZZELLA, Maria Cristina Cereser. O código civil em perspectiva histórica. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). O novo código civil e a constituição. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. PITHAN, Lívia Haygert. A dignidade humana como fundamento jurídico das “ordens de não-ressuscitação”. Porto Alegre: Edipucrs, 2004. SARLET, Ingo Wolgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. In: Temas de direito civil. TINANT, Eduardo Luis. Bioética jurídica, dignidad de la persona y derechos humanos. Buenos Aires: Editorial Dunken. 2007.

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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. rev. atual. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

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Doutrina

A Isenção de IPVA para Deficiente – Análise Jurisprudencial ANTONIO BAPTISTA GONÇALVES

Advogado, Membro da Associação Brasileira dos Constitucionalistas, Membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB/SP, Pós-Doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP, Pós-Doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza, Doutor e Mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP, Especialista em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra, Especialista em International Criminal Law: Terrorism’s New Wars and ICL’s Responses pelo Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali, Especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, Pós-Graduado em Direito Penal – Teoria dos Delitos pela Universidade de Salamanca, Pós-Graduado em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

BRUNA MELÃO DELMONDES

Advogada, Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Estadual de Londrina, Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

RESUMO: O artigo em tela ocupa-se da análise jurisprudencial acerca da isenção de IPVA para deficiente. No caso em comento, foi negada a isenção em decorrência de o deficiente não possuir carteira de habilitação, logo, não está apto para dirigir um veículo automotor, segundo a legislação estadual de São Paulo, estado objeto de nossa análise jurisprudencial. Motivo excludente de isenção de acordo com a Lei nº 13.296/1998. Nesse caso, em particular, discutiremos a questão e aprofundaremos o tema com a verificação da defesa da dignidade da pessoa humana à luz da

Constituição Federal de 1988, a fim de verificar se um deficiente somente está autorizado a ter o benefício da isenção se for o condutor do próprio veículo adquirido ou se terceiros podem usufruir tal benesse também. PALAVRAS-CHAVE: Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores; isenção; deficiente; dignidade da pessoa humana. SUMÁRIO: Introdução; 1 A isenção de impostos para aquisição de veículo automotor pelo deficiente; 2 Conceito de IPVA; 3 Análise jurisprudencial; Conclusão.

INTRODUÇÃO O tema envolvendo a possibilidade ou não de concessão de isenção de IPVA para os deficientes tem suscitado controvérsias não apenas na doutrina, como na questão legislativa. Afinal, longe de estar pacificada, os problemas não são questionáveis quando o próprio deficiente irá fazer uso da isenção para compra do veículo, desde que ele seja seu condutor; porém, de forma diversa é o entendimento da questão quando envolve a aquisição de veículo por pessoa não deficiente que usa do benefício, visto que existe impedimento expresso na legislação que trata do tema em São Paulo1. Assim, se insistir em adquirir o veículo automotor, de acordo com a lei, o deficiente perderá a possibilidade da isenção. Com base na diferença de preço e na defesa de seu interesse, a questão chegou aos tribunais e nos deparamos com decisão confirmando o impedimento da isenção. Destaque ao fato de a matéria ter sido 1 Importante notar que, por se tratar de matéria estadual, o entendimento sobre o tema pode variar de Estado para Estado, portanto, deixemos claro que nosso objeto de estudo é a legislação estadual de São Paulo.


suscitada até o Supremo Tribunal Federal, e, em momento algum, por impedimentos técnicos recursais discutiu-se o mérito da questão, qual seja: a defesa da dignidade da pessoa deficiente.

agosto de 2009; Portaria Interministerial SEDH/MS nº 2, de 27 de abril de 2009; disciplinados pela Instrução Normativa RFB nº 988, de 22 de dezembro de 2009, Lei nº 12.767, de 2012. A questão da isenção é tratada logo no art. 1º:

Afinal, se puder dirigir, então está “apta” a ter a isenção fiscal; porém, se for deficiente e depender de terceiros para sua locomoção, não encontra igualdade de condições ao fornecimento de benefício para favorecer o próprio deficiente que utiliza o veículo automotor e que, por motivos físicos, psicológicos, motores, entre outros, não pode ser o condutor.

Art. 1º Ficam isentos do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI os automóveis de passageiros de fabricação nacional, equipados com motor de cilindrada não superior a dois mil centímetros cúbicos, de no mínimo quatro portas inclusive a de acesso ao bagageiro, movidos a combustíveis de origem renovável ou sistema reversível de combustão, quando adquiridos por:

De tal sorte que importante será analisar os preceitos fundamentais contidos e presentes em nossa Constituição Federal a fim de verificar se a decisão que colacionamos encontra-se em conformidade com os ditames dos direitos fundamentais preconizados na Magna Carta de 1988.

IV – pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal;

1 A ISENÇÃO DE IMPOSTOS PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR PELO DEFICIENTE Antes de adentrarmos na análise da isenção do IPVA, apresentaremos outros impostos de que o deficiente igualmente está isento, no Estado de São Paulo, desde que cumpra os requisitos para sua isenção. São eles: a) Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI: com previsão nas seguintes legislações: Lei Federal nº 8.989, de 24 de fevereiro de 1995, alterada pela Lei Federal nº 10.690, de 16 de junho de 2003 e pela Lei Federal nº 11.941, de 27 de maio de 2009; Decreto nº 6.932, de 11 de

[...].

Note que o veículo adquirido não poderá ser vendido pelo prazo de dois anos; do contrário, o adquirente terá que pagar o imposto, salvo se o negócio for feito com pessoa que satisfaça os

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Para tanto, antes de verificar qual o vínculo desta pessoa para com o deficiente e suscitar outros questionamentos previstos na Constituição Federal sobre as benesses concedidas aos deficientes, iremos percorrer uma etapa ainda preliminar, isto é, apresentar o que vem a ser o IPVA e, além dele, se existem outros impostos dos quais o deficiência pode ser isento.

[...]

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requisitos para a obtenção do benefício2. Ademais, a isenção do IPI poderá ser utilizada somente uma vez, salvo se o veículo tiver sido adquirido há mais de dois anos3. b) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS: Lei complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975; Convênio ICMS nº 03/07, alterado pelos Convênios ICMS nºs 39/07, 138/08, 158/08, 52/09 e 74/09; Regulamento do ICMS – RICMS, aprovado pelo Decreto nº 45.490, de 30 de novembro de 2000, Convênio ICMS nº 38/12, Convênio ICMS nº 116/13.

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No Estado de São Paulo, a previsão do benefício se dá pelo Decreto nº 45.490, de 30 de novembro de 2000, em seu art. 8º, que prevê o Anexo I atinente às isenções, e, no mesmo local, lista os documentos que deverão ser instruídos juntamente com o requerimento4.

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2 “Art. 6º A alienação do veículo adquirido nos termos desta lei e da Lei nº 8.199, de 28 de junho de 1991, e da Lei nº 8.843, de 10 de janeiro de 1994, antes de 2 (dois) anos contados da data da sua aquisição, a pessoas que não satisfaçam às condições e aos requisitos estabelecidos nos referidos diplomas legais acarretará o pagamento pelo alienante do tributo dispensado, atualizado na forma da legislação tributária.” 3 “Art. 2º A isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI de que trata o art. 1º desta lei somente poderá ser utilizada uma vez, salvo se o veículo tiver sido adquirido há mais de 2 (dois) anos.” 4 “Anexo I. Art. 19 (Deficiente físico – veículo automotor) – Saída interna ou interestadual de veículo automotor novo, com até 1600 cilindradas de potência, que se destinar a uso exclusivo do adquirente paraplégico ou portador de deficiência física, impossibilitado de utilizar modelos comuns, excluído o acessório opcional que não seja equipamento original do veículo (Convênio ICMS nº 35/99, com alteração do Convênio ICMS nº 71/99, cláusula segunda, e Convênio ICMS nº 29/00). § 1º A isenção será previamente reconhecida pelo Fisco, mediante requerimento do interessado instruído com: 1 – declaração expedida pelo vendedor, na qual conste: a) o número de inscrição do interessado no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda – CPF; b) que o benefício será repassado ao adquirente; c) que o veículo se destinará a uso exclusivo do adquirente, paraplégico ou deficiente físico, impossibilitado de fazer uso de modelo comum; 2 – laudo de perícia médica, fornecido pelo Departamento Estadual de Trânsito – Detran – onde residir em caráter permanente o interessado, que ateste sua

Para fins de concessão do benefício, é importante ressaltar que o veículo deve ser novo e de passageiros, não podendo ultrapassar o valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais)5, e, como no item “a”, com o máximo de 1600 cilindradas de potência.

completa incapacidade para dirigir veículo comum e sua habilitação para fazê-lo com veículo especialmente adaptado, bem como que especifique o tipo de deficiência física e as adaptações necessárias. 3 – comprovação, pelo adquirente, de sua capacidade econômico-financeira compatível para aquisição do veículo. § 2º Não será acolhido, para fins de concessão do benefício, o laudo referido no item 2 do parágrafo anterior que não contiver todos os requisitos ali mencionados, de forma detalhada. § 3º O adquirente do veículo deverá recolher o imposto com atualização monetária e acréscimos legais, a contar da aquisição, na hipótese de: 1 – transmiti-lo a qualquer título, dentro do prazo de 3 (três) anos da data da aquisição, a pessoa que não faça jus ao mesmo tratamento fiscal; 2 – modificação das características do veículo, para retirar-lhe o caráter de especial; 3 – emprego do veículo em finalidade ou por pessoa que não seja a que justificou a isenção. § 4º O estabelecimento que efetuar a operação isenta, nos termos deste artigo, deverá: 1 – indicar no documento fiscal o número de inscrição do adquirente no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda – CPF; 2 – entregar à repartição fiscal a que estiver vinculado, até o 15º dia útil contado da data da operação, cópia reprográfica da 1ª via do correspondente documento fiscal. § 5º Ressalvados casos excepcionais de destruição completa do veículo ou de seu desaparecimento, o benefício somente poderá ser utilizado uma única vez no período de 3 (três) anos contados da data de aquisição do veículo. § 6º Em relação à operação beneficiada com a isenção prevista neste artigo, não se exigirá o estorno de crédito do imposto.” 5 “Cláusula primeira. Ficam isentas do ICMS as saídas internas e interestaduais de veículo automotor novo quando adquirido por pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal. § 1º O benefício correspondente deverá ser transferido ao adquirente do veículo, mediante redução no seu preço. § 2º O benefício previsto nesta cláusula somente se aplica a veículo automotor novo cujo preço de venda ao consumidor sugerido pelo fabricante, incluídos os tributos incidentes, não seja superior a R$ 70.000,00 (setenta mil reais). § 3º O benefício previsto nesta cláusula somente se aplica se o adquirente não tiver débitos para com a Fazenda Pública Estadual ou Distrital. § 4º O veículo automotor deverá ser


Assim como em relação ao ICMS, a regra da isenção não está adstrita ao Estado de São Paulo, mas sim é valida para todo o território nacional. A compra de veículo deverá ser feita por pessoas deficientes, através de financiamento bancário. A deficiência deverá ser atestada por laudo do Departamento de Trânsito do Estado onde o interessado residir em caráter permanente6. adquirido e registrado no Departamento de Trânsito do Estado – Detran em nome do deficiente. § 5º O representante legal ou o assistente do deficiente responde solidariamente pelo imposto que deixar de ser pago em razão da isenção de que trata este convênio. Cláusula segunda. Para os efeitos deste convênio é considerada pessoa portadora de: I – deficiência física, aquela que apresenta alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; II – deficiência visual, aquela que apresenta acuidade visual igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20º, ou ocorrência simultânea de ambas as situações; III – deficiência mental severa ou profunda, aquela que apresenta o funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação anterior aos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas; (Redação original, efeitos até 31.12.2012) III – deficiência mental, aquela que apresenta o funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação anterior aos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas; IV – autismo aquela que apresenta transtorno autista ou autismo atípico.” 6 “Art. 72. Ficam isentas do IOF as operações de financiamento para a aquisição de automóveis de passageiros de fabricação nacional de até 127 HP de potência bruta (SAE), quando adquiridos por: [...] IV – pessoas portadoras de deficiência física, atestada pelo Departamento de Trânsito do Estado onde residirem em caráter permanente, cujo laudo de perícia médica especifique; a) o tipo de defeito físico e a total incapacidade do

Nesse laudo, o perito médico especificará o tipo de deficiência, se o interessado possui incapacidade total para dirigir veículos convencionais e a habilitação deste para dirigir veículos com adaptações especiais. Aqui listamos os principais impostos passiveis de isenção quando da aquisição de veículo automotor por deficiente. No entanto, propositalmente deixamos à margem o IPVA, pois trataremos em item próprio do tema, visto ser este o cerne de nossa controvérsia jurisprudencial.

2 CONCEITO DE IPVA A legislação estadual paulista trata da questão da isenção de IPVA para “os portares de deficiência”, quando o correto é a isenção aos deficientes. Porém, o que vem a ser o Imposto sobre Veículos Automotores? IPVA – é o Imposto sobre a propriedade de Veículos Automotores. O contribuinte do imposto é o proprietário de veículo. E aqui se suscitam as controvérsias atinentes ao assunto em comento, pois, se o deficiente deve ser o proprietário do veículo, este não necessariamente será o condutor dele; portanto, a legislação não confere a isenção a terceiros, como veremos. O imposto incide sobre a propriedade de veículos automotores de qualquer espécie, devendo ser pago anualmente pelo proprietário ou responsável. A receita do IPVA é partilhada entre o Estado (50%) e o Município (50%) onde o veículo é licenciado e destina-se ao financiamento de serviços básicos à população (saúde, educação, transporte, segurança, habitação etc.). requerente para dirigir automóveis convencionais; b) a habilitação do requerente para dirigir veículo com adaptações especiais, descritas no referido laudo.”

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c) Imposto Sobre Operações Financeiras – IOF: previsão na Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991.

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A Secretaria da Fazenda publica anualmente, até 31 de outubro, a tabela de valores venais, elaborada com base no preço médio de mercado praticado em setembro. Os valores venais da tabela servirão de base de cálculo para o lançamento do imposto do exercício seguinte. Veículos automotores terrestres com mais de 20 anos de fabricação estão isentos do pagamento desse imposto. O pagamento do imposto relativo ao exercício poderá ser pago à vista com desconto no mês de janeiro, à vista sem desconto no mês de fevereiro ou parcelado nos meses de janeiro, fevereiro e março, desde que a primeira parcela seja recolhida no prazo estabelecido (exceto caminhões). Para os veículos tipo caminhão, os prazos de pagamento do imposto sem desconto, cota única, ocorre no mês de abril e o parcelamento nos meses de março, junho e setembro, desde que a primeira parcela seja recolhida no mês de março, no prazo estabelecido.

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Para o pagamento do IPVA sem as penalidades, deverão ser observados os prazos fixados pela legislação. Após o prazo, esse imposto fica sujeito à multa de mora e juros de mora, de acordo com a legislação vigente.

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O IPVA pode ser pago com o número do Renavam. Porém, em alguns casos específicos, o pagamento é feito por guia que poderá ser obtida no site IPVA On-line7. Sobre a isenção do IPVA para os deficientes, temos determinação expressa na antiga Lei Estadual de São Paulo nº 6.606, de 20 de dezembro de 1989: Art. 9º São isentos do pagamento do imposto: 7 Disponível em: <http://www.fazenda.sp.gov.br/oquee/oq_ipva.asp>. Acesso em: 12 nov. 2014.

[...] VIII – os veículos especialmente adaptados, de propriedade de deficientes físicos.

Assim, questiona-se: o deficiente está habilitado para ter a isenção de IPVA para veículos automotores, ainda que não seja o condutor dele? A controvérsia justifica-se em decorrência do art. 13, III, da lei atual sobre o tema, a Lei nº 13.296, de 23 de dezembro de 2008: Art. 13. É isenta do IPVA a propriedade: [...] III – de um único veículo adequado para ser conduzido por pessoa com deficiência física.

Sendo assim, somente poderá usufruir isenção o deficiente que efetivamente conduzir o próprio veículo. De tal sorte que podemos concluir ser elemento impeditivo da isenção se o deficiente não puder ter carteira de habilitação em decorrência de sua deficiência ou se for menor de idade. Para melhor ilustrarmos a controvérsia, colacionamos uma jurisprudência com a segunda possibilidade, senão vejamos.

3 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL STJ, AgRg-AgREsp 496.529/SP, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, DJe 15.05.2014 O caso, no mérito, versa sobre o direito à isenção de IPVA para pessoa “portadora de deficiência”8 na aquisição de veículo para 8 Chamamos atenção para o termo inadequado utilizado no acórdão, considerando que, sendo o Brasil signatário da Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência, que foi recepcionada pelo ordenamento doméstico pelo De-


Inclinando-se pela literalidade do texto legal, o pleito foi negado ante o não cumprimento do requisito legal, qual seja, ser autor pretenso condutor do veículo e haver necessidade de adaptação ao veículo para sua condução. Deixando à margem as questões processuais suscitadas no julgado, atentamos para o entendimento sustentado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e confirmada pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça acerca da isenção de tributos, in casu, do IPVA na aquisição de veículo para pessoas com deficiência. A decisão aqui discutida, em que pese carente de maior fundamentação, uma vez que a discussão do mérito foi afastada pela incidência da Súmula nº 280 do STF, realça o entendimento, por muitos sustentado, de que a isenção deve respeitar a letra da lei específica, não permitindo, portanto, interpretações extensivas. Tal entendimento ampara-se no princípio incutido no art. 111, II, do Código Tributário Nacional, que predica que será interpretada literalmente a legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção. creto nº 6.949/2009, define que a denominação correta é “pessoas com deficiência”. 9 Art. 13, III, da Lei Estadual Paulista nº 13.296/2008.

A dúvida, portanto, é se, ao permitir o benefício da isenção às pessoas com deficiência não condutoras de veículo, haveria extensão da letra da lei em contradição ao art. 111 do CTN, e, assim, criando novas regras tributárias. A Constituição Federal tem como fundamento, entre outros, a dignidade da pessoa humana, e aponta, como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Vale destacar que o Brasil, uma vez signatário da Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, que, ratificada pelo Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, foi recepcionada como norma equivalente a emenda constitucional, é norteado pelos princípios destacados na Convenção. Além de princípios garantidores, há vinculação de obrigações aos Estados-membros, no sentido de promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência e, também, aplicar medidas apropriadas para assegurar o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e a comunicação. Essas medidas visam possibilitar às pessoas com deficiência viver com autonomia e participar plenamente de todos os aspectos da vida e eliminar os obstáculos e barreiras à acessibilidade. Partindo dessa premissa, verificamos séria falha na legislação estadual, que, ao instituir isenção às pessoas com deficiência física, descarta, de plano, aquelas que, em razão da idade ou até mesmo da própria deficiência, são impossibilitadas de serem condutores de veículos. Ou seja, ao tentar incluir, acaba por discriminar uma parcela daqueles que deveriam ser os beneficiários da lei, em completo contrassenso ao que predica a Constituição

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sua locomoção. O autor do pleito é menor representado e recorre da decisão que indeferiu o pedido de aquisição de veículo automotor com isenção do IPVA, sob o argumento que não é o autor beneficiário personalíssimo, uma vez que, sendo menor de idade, não seria este o pretenso motorista para aquisição do veículo. Deste modo, estaria malferindo legislação estadual pertinente que dispõe que será isento de IPVA a propriedade de um único veículo adequado para ser conduzido por pessoa com deficiência física9.

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Federal em seu art. 150, II, que, ao tratar de limitação ao poder de tributar, faz expressa vedação ao tratamento desigual aos contribuintes que estiverem em situação equivalente. Não é possível afirmar que, de fato, o legislador, na redação da lei, pretendia beneficiar somente as pessoas com deficiência que pudessem, de modo adaptável, dirigir, uma vez que a intenção ao instituir a isenção não seria o de beneficiar motoristas com deficiência, mas promover a acessibilidade, a locomoção daqueles que mais precisam destes serviços: todas as pessoas com deficiência. Identificada a falha na legislação, ainda assim seria prescindível eventual declaração de inconstitucionalidade para que a interpretação seja harmonizada com os princípios constitucionais.

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O Direito não é ciência engessada que não possa e deva adaptar-se às condições existentes para a melhor aplicação da norma. Deve-se, no caso, aplicar a interpretação à luz da Constituição Federal; deve-se buscar a real intenção do legislador.

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c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados. Esclarecendo melhor: tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles.10

Neste sentido, vemos que a legislação tal como é, bem como a decisão ora analisada, não atende a nenhum dos critérios estabelecidos pelo doutrinador. Considerando que o critério discriminatório importa na condição da pessoa com deficiência poder dirigir ou não, a justificativa racional resta prejudicada, ponderando ser plenamente possível a necessidade da pessoa com deficiência que não possa dirigir de utilizar-se de transporte veicular com adaptação de passageiro.

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro invoca este princípio em seu art. 5º, ao dispor que, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

Posto assim, é certo que a leitura restrita da lei e a decisão in casu não guardam nenhuma afinidade com os valores constitucionais.

Celso Antônio Bandeira de Melo ensina que o princípio da isonomia não pode ser desconstruído pelo legislador quando este criar normas diferenciadoras.

A Constituição Federal conferiu, de forma expressa, benefícios aos deficientes a fim de que estes fossem incluídos na sociedade brasileira e que tivessem, ainda que minimamente, uma igualdade para com os demais membros da sociedade.

Parece-nos que o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas em quebra da isonomia se divide em três questões:

CONCLUSÃO

a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação;

De tal sorte, o Brasil igualmente é signatário de acordos e convenções de Direitos Humanos no sentido de salvaguardas os

b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado;

10 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 21.


direitos dos deficientes. Isto posto, o espírito da constituição vigente é o da defesa dos direitos tidos como fundamentais, aos quais, entre eles, temos a defesa da dignidade da pessoa humana.

E nessa esteira é inconcebível não se conceder as concernentes isenções quando o deficiente não for o condutor do veículo, visto que ele deverá usufruir este meio de transporte, mas que, por motivos diversos, não pode conduzi-lo, porém, por questão de justiça, deve lhe ser concedido tal benefício. Em algumas decisões, temos visto uma ainda tímida mudança de posicionamento11. Ainda é pouco; é preciso que o julgador tenha o bom senso de não seguir a literalidade da lei paulista e baseie sua decisão nos mesmos ditames aos quais se sustenta a Constituição Federal de 1988, para a defesa da dignidade e da justiça inclusão do deficiente em reconhecer o seu direito à isenção de IPVA e demais impostos concernentes à aquisição de veículo automotor, ainda que este não seja o condutor, mas que se beneficie diretamente da aquisição dele.

11 Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-mai-06/deficiente-isencao-ipva-transporte-for-usado-beneficio> e <http://www.conjur.com. br/2014-jan-20/pais-crianca-deficiencia-podem-comprar-carro-isencao-tributaria>.

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Assim, parece-nos estar em consonância com os ditames constitucionais que um deficiente físico tenha direito a uma vida digna na proporção e dentro das limitações que sua própria deficiência lhe impõe. E na seara tributária em decorrência da inclusão social e da questão da defesa da igualdade a qual já nos referimos, o legislador conferiu isenções fiscais para o deficiente quando da aquisição de seu meio de transporte.

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Doutrina

Justiça Ambiental e o Movimento dos Atingidos por Barragens no Brasil ALEXANDRE ALTMANN

Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul, Doutorando em Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI pela Universidade de Coimbra, Professor de Direito da Universidade de Caxias do Sul.

RESUMO: Com vistas ao recente desenvolvimento econômico do Brasil, acentuam-se os conflitos ambientais e sociais oriundos das grandes obras de infraestrutura. A construção de grandes barragens para a geração de energia hidrelétrica deslocou um milhão de brasileiros nos últimos 40 anos. Além dos problemas sociais, o meio ambiente é severamente impactado, vez que tais empreendimentos inundam vastas áreas, sendo a maior parte delas ocupadas por florestas. Foram ainda constatadas graves violações dos direitos humanos, tanto durante o regime de exceção quanto no período democrático, seja por parte do governo ou das empresas construtoras das barragens. No entanto, o discurso desenvolvimentista insiste na imagem do “mal necessário” e do “fato consumado” para impor a construção das barragens. O presente artigo analisa o caso do movimento social “Movimento dos Atingidos por Barragens”, que, junto com o movimento ambientalista, luta contra a degradação ambiental e social perpetrada pelas barragens no Brasil e sua relação com as premissas da justiça ambiental. Para tanto, inicialmente é analisado o movimento por justiça ambiental e, após, analisado o caso do MAB.

SUMÁRIO: Introdução; Justiça ambiental; o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO A partir da década de 1950, o Brasil vive uma expansão da economia em virtude da crescente industrialização promovida pelo governo de Juscelino Kubischek. O Plano de Metas conhecido como “50 anos de desenvolvimento em 5 de realizações” teve o condão de incrementar o parque industrial brasileiro, especialmente na área automobilística e indústria de base (siderurgia, por exemplo). Data dessa época o início da construção de grandes projetos hidrelétricos para fornecer energia às crescentes demandas das cidades e do parque industrial eletrointensivo. Essa conjuntura tem resultado em diversos conflitos socioambientais nos locais que são afetados pelas obras. As populações que são atingidas pelas barragens são expulsas das terras que vivem e cultivam há várias gerações. Em muitos casos, não recebem indenização por não possuírem a documentação necessária para habilitar-se no processo de desapropriação. Os atingidos são, em sua maioria, agricultores que exploram suas glebas com o auxílio de toda a família (agricultura familiar). É comum que essas glebas sejam pequenas propriedades ou posses e que se prestam apenas para a agricultura de subsistência. Além disso, também são identificados como atingidos por barragens aqueles que, sendo ou não deslocados, têm seus meios tradicionais de vida e de sustento econômico afetados pelo empreendimento. Em outras palavras, a perda da ocupação ou a restrição de acesso aos meios de vida em virtude da instalação de barragens caracteriza a pessoa ou o grupo como “atingido”. Recorrentes casos de expulsão de suas terras sem o justo ressarcimento levaram as pessoas ou grupos de atingidos a organizarem-se para reivindicar seus direitos. As mobilizações locais ou regionais tiveram início nos anos 1970, ainda durante o regime militar, quando


O movimento por justiça ambiental, que pugna pela equidade na distribuição dos riscos socioambientais, tem um papel fundamental na articulação dessas demandas. O reconhecimento que um ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações e o respeito pelos direitos humanos que devem conduzir qualquer projeto de desenvolvimento são basilares para a solução dos problemas ocasionados pelas barragens. É por isso que, mais recentemente, o movimento dos atingidos por barragens tem se posicionado contrário à construção de novos empreendimentos e questiona a matriz energética brasileira – que vê na energia hidrelétrica uma energia barata –, mas que não leva em conta os custos socioambientais de tais empreendimentos.

Durante os anos 1990 e 2000, o MAB junta esforços com o movimento ambientalista para lutar contra as injustiças socioambientais perpetradas pelas empresas e governos que vislumbram nos empreendimentos hidroelétricos a possibilidade de grandes lucros, mesmo em detrimento do ambiente e dos direitos humanos. De fato, em 2011, são identificadas sistemáticas violações dos direitos humanos pela Comissão Especial para os Atingidos por Barragens, instituída no âmbito da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.

JUSTIÇA AMBIENTAL Muito embora alguns autores discordem acerca da origem do movimento por justiça ambiental, costuma-se apontar os movimentos sociais que exigiam direitos sociais para a população afro-americana e o movimento contra a contaminação tóxica dos anos 1960 nos EUA a sua gênese1. Alguns autores, porém, identificam unicamente na luta contra o denominado racismo ambiental a origem do movimento por justiça ambiental. 1 SCHLOSBERG, David. Defining Environmental Justice: theories, movements and nature. New York: Oxford University Press, 2009. p. 46.

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as atrocidades perpetradas pelas empresas estatais nacionais eram respaldadas pela política desenvolvimentista do governo. Com a redemocratização do País, surge a articulação nacional dos movimentos regionais de atingidos e, em 1989, é criado o Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB. Esse período também é caracterizado pela globalização econômica, neoliberal e hegemônica, por meio da qual surgem novas pressões, agora através das privatizações e da entrada de empresas multinacionais para a exploração dos potenciais de energia hidrelétrica.

O presente artigo analisa o caso do movimento social “Movimento dos Atingidos por Barragens”, que, junto com o movimento ambientalista, luta contra a degradação ambiental e social perpetrada pelas barragens no Brasil e sua relação com as premissas da justiça ambiental. Para tanto, inicialmente é analisado o movimento por justiça ambiental e, após, analisado o caso do MAB.

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O movimento contra a contaminação tóxica recebeu atenção a partir do caso conhecido como “Love Canal” na década de 1970, bem como a partir da tomada de consciência pela população norte-americana sobre o perigo da falta de regulamentação sobre a alocação de dejetos tóxicos próximos a assentamentos humanos e áreas naturais. O Love Canal localiza-se na cidade norte-americana de Niagara Falls, estado de Nova Iorque. Nesse caso, um canal escavado entre as margens do rio Niagara em 1892 foi preenchido com resíduos tóxicos. Entre os anos 1920 e 1953, o grande depósito de lixo abrigou dejetos de indústrias químicas e até mesmo do exército. Em 1953, o canal estava completo e foi coberto com terra. Nessa época, a área adjacente foi urbanizada e foram construídas moradias e escolas.

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Na década de 1970, a comunidade local descobriu que suas casas foram construídas sobre resíduos industriais e bélicos e passou a identificar a ocorrência de doenças, principalmente em crianças. Os moradores denunciavam que as crianças não podiam brincar fora de casa porque a sola dos seus pés ficavam queimadas, as árvores morriam na região e os focinhos dos cães queimavam quando em contato com a terra do quintal das casas2. O inédito nesse caso foi a mobilização dos moradores que fundaram, em 1978, uma associação de 500 famílias, a Love Canal Homeowners Association, cuja finalidade era pressionar os órgãos governamentais a realocar os afetados.

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A mobilização dos moradores de Love Canal surtiu efeito e, no mesmo ano, mulheres grávidas e crianças com menos de dois anos foram evacuados em vista da ocorrência de diversos abortos espontâneos e do nascimento de crianças com defeitos genéticos em duzentas famílias. Logo depois, todas as famílias 2 HERCULANO, Selene. Justiça ambiental: de Love Canal à Cidade dos Meninos, em uma perspectiva comparada. In: MELLO, Marcelo Pereira de (Org.). Justiça e Sociedade: temas e perspectivas. São Paulo: LTr, p. 215-238, 2001.

foram reassentadas. Dois anos mais tarde, em 1980, todos os moradores da região afetada foram realocados em virtude de um estudo realizado pela Environmental Protection Agency, o órgão ambiental federal do governo norte-americano. Em virtude desse estudo que apontou que os moradores da região do Love Canal apresentavam uma quantidade anormal de quebra cromossômica e grande chance de contraírem câncer, o Presidente Jimmy Carter determinou a evacuação permanente de todas as famílias que lá residiam. A partir do caso do Love Canal e das denúncias perpetradas por Rachel Carson em sua obra intitulada Primavera silenciosa, o movimento contra a contaminação tóxica norte-americano recebeu grande notoriedade3. O que chama a atenção no caso do Love Canal é a mobilização da comunidade atingida por justiça ambiental. Inspirado na atuação dos moradores de Love Canal, surgiram vários movimentos exigindo solução para os mais de 30 mil depósitos de resíduos tóxicos nos EUA nos anos 1980. Como resultado, o governo norte-americano criou os “clean up founds”, fundos destinado a recuperar os locais contaminados e indenizar as pessoas atingidas4. Embora o movimento contra a contaminação tóxica tenha dado os primeiros passos na luta por justiça ambiental, foi o movimento contra o racismo ambiental que consagrou o termo “justiça ambiental”. Alier salienta que o movimento por justiça ambiental nos EUA resulta “de um movimento social organizado contra casos locais de racismo ambiental, possuindo fortes vínculos com o movimento dos direitos civis de Martin Luther King”5. 3 O livro de Rachel Carson, Primavera silenciosa, denunciou o abuso de DDT e resultou na proibição desse agrotóxico nos EUA, inspirando o movimento contra a contaminação tóxica (CARSON, Rachel. Primavera silenciosa. São Paulo: Gaia, 2010). 4 HERCULANO, Selene. Op. cit. 5 ALIER, Joan Martínez. O ecologismo dos pobres. São Paulo: Contexto, 2009. p. 35.


Segundo Rammê, “na década de 1980, o movimento por justiça ambiental norte-americano chamou a atenção para o fato de que a distribuição das externalidades ambientais negativas do modelo de desenvolvimento industrial era profundamente desigual e que o componente racial era fator determinante nessa equação”7. Ficou demonstrado, então, que existia uma estratificação social e racial na divisão dos riscos ambientais, cabendo à parcela afro-americana pobre a maior parte das externalidades ambientais negativas. A partir do caso Afton, o movimento por justiça ambiental consolidou-se, assumindo papel central na luta por direitos civis e colocando a questão da iniquidade ambiental na pauta do movimento ambientalista “tradicional”. O movimento por justiça ambiental cercou-se de dados científicos que evidenciaram a desigualdade na distribuição dos riscos ambientais. Rammê lembra que o estudo realizado em 1983 por parte da U.S. General Accounting Office (uma agência independente e apartidária que trabalha para o Congresso dos EUA) demonstrou que 75% 6 ALIER, Joan Martínez. Op. cit., p. 231. 7 RAMMÊ, Rogério Santos. As dimensões da justiça ambiental e suas implicações jurídicas: uma análise a partir de modernas teorias da justiça. Dissertação. Caxias do Sul: UCS, 2012. p. 17.

das áreas nas quais se localizavam os aterros de resíduos perigosos encontravam-se junto a comunidades afro-americanas, muito embora elas representassem apenas 20% da população da região pesquisada8. Em 1987, foi divulgado outro estudo que denunciou que a questão racial era o fator determinante na escolha do local para instalações de manipulação de resíduos, superando variáveis como a pobreza, o valor da terra e a propriedade dos imóveis. A partir desse estudo, foi cunhada a expressão “racismo ambiental”9. De acordo com Rammê, o racismo ambiental “exprime o fenômeno pelo qual muitas das políticas públicas ambientais, práticas ou diretivas acabam afetando e prejudicando de modo desigual, intencionalmente ou não, indivíduos e comunidades de cor”. E, ainda, para Bullard (apud Rammê), o racismo ambiental é, portanto, uma forma de discriminação institucionalizada que opera principalmente onde grupos étnicos ou raciais formam uma minoria política ou numérica”10. Como resultado do movimento por justiça ambiental, foram introduzidas as variáveis sociais nos estudos de impacto ambiental de novos empreendimento, visando a corrigir a distribuição dos impactos ambientais negativos. No ano de 1991, foi realizada, em Washington, a conferência “First National People of Color Environmental Leadership Summit”, na qual foram discutidos assuntos referentes à habitação, uso do solo, saúde pública, segurança, entre outras questões que ampliaram a atuação do movimento por justiça ambiental. Na conferência, foram apro8 RAMMÊ, Rogério Santos. Op. cit., p. 18. 9 BULLARD, Robert. Enfrentando o racismo ambiental no século XXI. In: ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto (Org.). Justiça Ambiental e Cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. p. 45. 10 RAMMÊ, Rogério Santos. Op. cit., p. 18.

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O episódio que marca o movimento por justiça ambiental ocorreu em 1982, na cidade de Afton, na Carolina do Norte. De acordo com Alier, cerca de 60% da população de 16 mil habitantes da cidade na época era composta por afro-americanos. Lembra Alier que a maior parte dessa população de afro-americanos vivia na extrema pobreza quando o governo local decidiu instalar, na região, um depósito de resíduos tóxicos. A comunidade afro-americana deu início a uma série de protestos apoiada nacionalmente. Muito embora tais protestos não tenham surtido efeito, eles marcaram o surgimento do que se denominou como “movimento por justiça ambiental”6.

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vados pelos presentes os 17 princípios da Justiça Ambiental, os quais não se limitaram à questões raciais, “estabelecendo uma verdadeira agenda ambiental atenta às vulnerabilidades sociais e étnicas”11.

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A partir de 1990, observa-se uma internacionalização do movimento por justiça ambiental, que move o foco para as injustiças ambientais perpetradas por países ricos contra os países pobres. Nesse sentido, o Memorando Summers foi emblemático. Em 1991, foi divulgado um memorando interno do Banco Mundial que apontava três razões para alocar empreendimentos de grande impacto ambiental em países pobres: primeiro, o meio ambiente seria uma preocupação “estética”, típica dos países ricos; segunda, as pessoas mais pobres vivem menos tempo para sofrer as consequências da poluição ambiental; e, terceiro, as mortes em países pobres têm um custo inferior às dos países ricos, pois as pessoas nesses países recebem menores salários12. A indignação resultante da divulgação do referido relatório acelerou a articulação dos movimentos por justiça ambiental em escala internacional.

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Fatores como a globalização econômica, o deslocamento de recursos naturais para os países ricos e os resíduos tóxicos e empreendimentos poluidores para os países pobres, bem como o fato de os centros de decisão econômica (FMI, Banco Mundial, OMC) localizarem-se em países ricos, acentuam a internacionalização do movimento por justiça ambiental. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que as injustiças ambientais também se dão entre os países pobres e ricos, entre o norte e o sul do planeta. De acordo com Rammê, 11 RAMMÊ, Rogério Santos. Op. cit., p. 19. 12 ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília Campello do Amaral; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que é justiça ambiental. Rio de Janeiro: Gramond, 2009. p. 7.

como consequência dessa expansão, a expressão injustiça ambiental passou a designar o fenômeno da destinação da maior carga dos danos ambientais decorrentes do processo de desenvolvimento a certas comunidades tradicionais, grupos de trabalhadores, grupos raciais discriminados, populações pobres, marginalizadas e vulneráveis.13 Já a noção de justiça ambiental, de acordo com Ascelrad, Herculano e Pádua, compreende um “conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional de degradação do espaço coletivo”14. O Brasil é um país que historicamente enfrenta profundas desigualdades sociais. A luta contra a poluição data dos anos 1970, quando se destaca o caso da cidade de Cubatão, em São Paulo. No entanto, o termo “justiça ambiental” não foi utilizado no Brasil até o ano de 2002, quando foi criada a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), muito embora já existissem movimentos sociais organizados contra as injustiças ambientais. De acordo com a RBJA, a rede consolida-se no ano de 2002 como um “espaço de identificação, solidarização e fortalecimento dos princípios de Justiça Ambiental – marco conceitual que aproxima as lutas populares pelos direitos sociais e humanos, qualidade coletiva de vida e a sustentabilidade ambiental”15. 13 RAMMÊ, Rogério. Op. cit., p. 25. 14 ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto. A justiça ambiental e a dinâmica das lutas socioambientais no Brasil: uma introdução. In: ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto (Org.). Justiça Ambiental e Cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. p. 10. 15 Rede Brasileira de Justiça Ambiental. História. Disponível em: http://www. justicaambiental.org.br. Acesso em: 2 jul. 2013.


Em relação às injustiças ambientais enfrentadas no Brasil, hoje são dignas de nota a luta contra o desmatamento e destruição dos modos de vida tradicionais em todos os biomas brasileiros, a construção de barragens para geração de energia hidrelétrica, a poluição industrial, a poluição dos rios e do mar, a contaminação do solo, a erosão, o deslocamento de população em virtude de empreendimentos, implantação de fazendas de gado ou soja, a silvicultura para fins de celulose, entre muitos outros conflitos locais. Importante se salientar que muitas das injustiças ambientais no Brasil decorrem da instalação de empreendimentos em locais isolados, onde antes predominavam os modos de vida tradicional, passados de geração em geração. Entre esses empreendimentos, destacam-se a mineração, a expansão da fronteira agrícola e a construção de hidrelétricas e a inundação de suas respectivas barragens. Sobre a relação entre a desigualdade social no Brasil e as injustiças ambientais, Acselrad chama a atenção para o que denomina “chantagem locacional dos investimentos”: 16 Rede Brasileira de Justiça Ambiental. Disponível em: http://www.justicaambiental.org.br. Acesso em: 2 jul. 2013.

Como identificar a pressão predatória exercida sobre os mais fracos? Ora, a “chantagem locacional dos investimentos” é o mecanismo central, nas condições de liberalização hoje prevalecentes, para a imposição de riscos ambientais e de trabalho às populações destituídas. Pois, em ausência de políticas ambientais de licenciamento e fiscalização de atividades apropriadas e sem políticas sociais e de emprego consistentes, as populações mais pobres e desorganizadas tenderiam a sucumbir às promessas de emprego “quaisquer que sejam seus custos”. A dinâmica desses movimentos sugere, portanto, que a condição de destituição de certos grupos sociais é um elemento-chave a favorecer a rentabilização de investimentos em processos poluentes e perigosos.17

Complementa ainda Acselrad que, no entendimento dos setores populares mobilizados em torna das lutas ambientais, “é cada vez mais clara a fusão entre o risco ambiental e insegurança social – peças centrais na reprodução das desigualdades em tempos de liberalização da economia”18. Ocorre que a grande maioria da população afetada por injustiças ambientais não tem essa exata noção da luta por justiça ambiental e, no mais das vezes, tem tolhidos seus direitos de informação e de participação. Além disso, é comum que a população socialmente vulnerável seja vítima da “chantagem locacional de investimentos”, muitos deles verdadeiros empreendimentos poluidores. Assim, os empreendimentos degradadores do ambiente e desagregadores da sociedade ainda se utilizam do discurso do “desenvolvimento a qualquer custo” como forma de justificar as externalidades socioambientais negativas geradas por aqueles. As barragens construídas para a geração de energia hidrelétrica são um exemplo disso, pois seus defensores justificam a exe17 ACSELRAD, Henri. Ambientalização das lutas sociais – O caso o movimento por justiça ambiental. Disponível em: <http://www.justicaambiental.org. br/projetos/clientes/noar/noar/UserFiles/17/File/Textos/texto%20henri%20 sobre%20JA_2010.pdf>. Acesso em: 2 jun. 2013. 18 ACSELRAD, Henri. Ambientalização das lutas sociais – O caso o movimento por justiça ambiental. Op. cit.

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A RBJA é constituída por movimentos sociais, organizações não governamentais, sindicatos, pesquisadores universitários, associações de bairro, entidades ambientalistas, organizações de afrodescendentes, organizações de indígenas e núcleos de instituições de pesquisa/ensino. A atuação da RBJA se dá como um fórum de denúncias e discussões, de mobilizações estratégicas e de articulação política, visando à proposição de alternativas, bem como às ações de resistência desenvolvidas pelos seus membros. Segundo a RBJA, as lutas enfrentadas pelos membros da rede são “lutas contra a discriminação ambiental dos setores mais pobres e marginalizados da sociedade brasileira [...] esses setores carregam um fardo desproporcional do impacto das atividades degradadoras do meio ambiente”16.

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cução desses empreendimentos invocando a necessidade do desenvolvimento econômico a qualquer custo e a urgência de energia elétrica barata, bem como acenando para as benesses que a população experimentará em termos de geração de novos empregos e de tributos. No entanto, não são contabilizados os custos e riscos socioambientais envolvidos, nem é salientado que a energia hidroelétrica gerada é dirigida, sobretudo, aos empreendimentos e indústrias eletrointensivas (e, por sua vez, também poluidoras, como no caso da indústria da mineração de alumínio).

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Embora muitos problemas socioambientais remontem à colonização do Brasil, foi a partir da década de 1970 que se organizou a resistência às arbitrariedades cometida sob a égide do regime militar nas mais diversas frentes. Com a redemocratização e a subsequente Constituição democrática, a relação entre meio ambiente e justiça social recebe a atenção devida, permitindo a organização dos grupos que lutam contra as injustiças sociais e ambientais.

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Durante a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro em 1992 (Rio 92), nasce uma nova articulação: o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o meio ambiente e o desenvolvimento. Através dessa instância, “procurou-se incorporar a temática ambiental ao debate mais amplo de crítica e busca de alternativas ao modelo dominante de desenvolvimento”, abrindo-se, a partir disso, um diálogo, inconcluso, mas persistente, voltado à construção de pautas comuns entre entidades ambientalistas e o ativismo sindical, o movimento dos trabalhadores rurais sem terra, os atingidos por barragens, os movimentos comunitários das periferias das cidades, os seringueiros, os extrativistas e o movimento indígena.19 19 ACSELARD, Henri. Ambientalização das lutas sociais – O caso do movimento por justiça ambiental. Estudos Avançados, 2010. Disponível em: <http:// revistas.usp.br/eav/article/view/10469>. Acesso em: 18 set. 2013, p. 105.

Nesse sentido, lembra Ascelard: No campo do ecologismo combativo, inserem-se progressivamente movimentos sociais já bem constituídos, que ambientalizam as pautas dos grupos subalternos que pretendem representar, analogamente ao que acontecera já nos anos 1980 com os seringueiros do Acre. Esse é o caso do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), que acusa a economia do setor elétrico de rentabilizar seus investimentos pela expropriação do ambiente dos atingidos e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que questiona a noção corrente de produtividade, sustentando que não é “produtiva” a terra que produz qualquer coisa a qualquer custo, acusando a grande agricultura químico-mecanizada de destruir recursos em fertilidade e biodiversidade, e, assim, descumprir a função social da propriedade.20

Observa-se, pois, que o movimento dos atingidos por barragens está na confluência dos conflitos socioambientais, tornando-se, assim, um importante contribuinte para a correção das injustiças ambientais perpetradas no Brasil. A resistência desse movimento ao atual modelo energético – e, por conseguinte, à globalização econômica, neoliberal e hegemônica – é também a resistência à degradação ambiental e à destruição dos modos tradicionais de vida e da desagregação social.

O MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS (MAB) Desde o final dos século XIX, o Brasil experimenta uma fase de transformação da natureza por meio de obras de infraestrutura sem precedentes, o que se acentua no início do século XIX. Murari chama a atenção acerca das alterações ocorridas no período 1870-1922, destacando que, nessa época, a destruição da natureza parecia ser uma consequência inevitável deste processo de crescimento em que os elementos de estabilidade – a paisagem, as matas e os rios, a própria terra – esfacelavam-se frente 20 Idem, p. 106.


A percepção da natureza desde então tem sido de uma fonte de recursos inesgotáveis a ser aproveitada pelo homem. Entre as mais graves alterações do ambiente perpetradas no Brasil estão as barragens para a geração de energia hidrelétrica. Esses empreendimentos, além de alterar a vazão dos rios, inundam vastas áreas antes compostas por florestas e/ou outros ecossistemas, afetando deleteriamente a fauna. Isso é particularmente preocupante, tendo em vista que, durante o século XX, milhares de quilômetros quadrados de florestas foram inundados, a maior parte destinada à geração de energia elétrica. Somente na região sudeste da Mata Atlântica, até 1992, 269 usinas hidrelétricas haviam inundados 17.130 km², e suas linhas de transmissão ocupavam outros 2.800 km², uma área que corresponde à metade do território do estado do Rio de Janeiro22. A construção de usinas hidrelétricas e outros barramentos é, sem dúvida, uma das maiores ameaças ao ambiente e, consequentemente, à biodiversidade. Além dos danos ambientais, esses empreendimentos afetam as populações que residem na sua área de abrangência. Essas pessoas podem ter apenas parte de suas terras alagadas, toda sua posse ou propriedade submersa ou, ainda, toda uma cidade ou aldeia. Isso faz com que os modos de vida tradicionais dessas pessoas, na maioria dos casos estreitamente ligados com o ambiente que os cerca, seja imensamente afetado e, em alguns casos, de forma irreversível. Nesses casos, as perdas socioambientais são inestimáveis e uma está ligada à outra: 21 MURARI, Luciana. Natureza e cultura no Brasil. São Paulo: Alameda, 2009. p. 266. 22 DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. 1. ed. São Paulo: Cia. das Letras, 2004 [1. impr. 1996].

perde-se o ambiente e a biodiversidade que replicam os modos de vida e perdem-se os modos de vida que proporcionaram a preservação daquele ambiente e daquela biodiversidade. Os estudos para o aproveitamento energético datam dos anos 1960/1970 e não consideram os aspectos ecológicos ou sociais. A construção das barragens com base nesses estudos desconsidera esses aspectos e menospreza os direitos das populações que vivem nas áreas de influencias desses empreendimentos. Disso decorre que a expulsão das pessoas e grupos de suas terras não é um processo pacífico: essas pessoas e grupos buscaram formas legítimas de resistência. A tomada de consciência desse processo de desagregação violento e injusto levou os atingidos por barragens a se mobilizar para reivindicar seus direitos. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) tem sua origem no final dos anos 1970 durante a ditadura militar, período histórico no qual surgiram vários movimentos de resistência ao regime, a exemplo da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Movimento Sem Terra (MST). Os anos 1970 foram marcados pela crise do petróleo, o que levou muitos países a buscar fontes alternativas de energia, em particular as ditas “renováveis”. No Brasil, a Eletrobrás, empresa estatal no setor de energia, foi responsável por esquadrinhar o potencial hidrelétrico nacional através do estudo das bacias hidrográficas. A aposta na geração de energia hidroelétrica decorria do fato de ser o território brasileiro especialmente dotado de recursos hídricos. Soma-se a isso o fato de que grandes empresas do setor de ferro e alumínio estavam se instalando no país, necessitando de energia elétrica barata. Essas empresas exigiam do Estado a infraestrutura necessária para operarem, e, assim, o governo federal foi o grande financiador das estradas de rodagem, das estradas de ferro, das usinas hidrelétricas, linhas de transmissão de energia, entre outras obras vultosas.

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à expansão das áreas ocupadas pelo homem, às transformações impressas por novas formas de atividades econômicas.21

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Como lembra o MAB: Imediatamente se iniciou a construção de grandes usinas em várias regiões do país. Ao mesmo tempo em que havia um estudo sobre o potencial e como fazer o aproveitamento da energia, não havia uma proposta de indenização adequada das famílias que viviam na beira dos rios. Consequência disso foi a expulsão de milhares de famílias de suas terras e casas, a maioria sem ter para onde ir. Muitas foram para as favelas das cidades, engrossaram as fileiras de sem-terras. (grifos nossos)23

A tensão que sucedeu a inconformidade das pessoas atingidas pelas barragens culminou na criação de focos de resistência nos locais das obras das hidrelétricas. Segundo o MAB, os principais locais de resistência foram Tucuraí (no Pará), Itaipu (na tríplice fronteira com Argentina e Paraguai, no Estado do Paraná), Sobradinho e Itaparica (no nordeste), Itá e Machadinho (ambas entre os Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina)24. Nesses locais, os atingidos revoltaram-se, iniciando as reivindicações por indenização ou mesmo se opondo à construção. No entanto, o regime militar era intolerante com qualquer forma de protesto, o que levou os atingidos pelas hidrelétricas a organizarem-se para negociar com o governo e as empresas. Começam a surgir, então, as comissões formadas por representantes dos atingidos, denominadas “Comissões de Atingidos”25.

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Inicialmente, as reivindicações consistiam na indenização justa, o que é possível no sistema jurídico brasileiro através da con-

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23 Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB. História: Final da década de 70: os primeiros passos. Disponível em: <http://www.mabnacional.org. br/?q=content/1-final-da-decada-70-os-primeiros-passos>. Acesso em: 10 set. 2013. 24 Idem, ibidem. 25 Eram as chamadas Comissões de Atingidos: CRAB (Comissão Regional dos Atingidos por Barragens) na região Sul, CAHTU (Comissão dos Atingidos pela Hidrelétrica de Tucuruí), CRABI (Comissão Regional dos Atingidos do Rio Iguaçu). Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB. Op. cit.

testação do processo de desapropriação. Ocorre que muitos dos atingidos não possuíam a documentação necessária para habilitar-se nos processos de desapropriação e realmente nada recebiam. Mais tarde, com a maturidade do movimento e considerando que a grande maioria dos atingidos era constituída por pequenos agricultores que exploravam suas glebas no regime conhecido no Brasil por agricultura familiar26, as reivindicações passam a ser a realocação dessas famílias em outra área agrícola. Essa reivindicação – terra por terra – era extremamente importante se considerado que os pequenos agricultores familiares que viviam praticamente de subsistência não possuíam, em sua maioria, escolaridade e, portanto, não conseguiriam boas oportunidades de trabalho nas cidades. Os muitos que foram deslocados para as cidades acabaram aumentando as favelas e a exclusão social dos grandes centros. Nesse período [inicial do movimento – n.a.], a principal reivindicação dos atingidos era indenização justa. Ou seja, queriam ser ressarcidos das perdas a que estavam sujeitos com a construção das usinas. Logo adiante as famílias avançaram no debate da indenização no sentido de que tinham o direito de continuar na terra, sendo agricultores, produzindo seu próprio alimento. Ou seja, a indenização não poderia ser qualquer coisa, deveria garantir a permanência na terra. Por isso a principal bandeira de reivindicação passou a ser terra por terra.27 26 De acordo com o art. 3º da Lei Federal nº 11.326/2006, “para os efeitos desta lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I – não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II – utilize predominantemente mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III – tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo; IV – dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família”. 27 Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB. Op. cit.


O movimento nacional dos atingidos por barragens originou-se da articulação a partir dos movimentos regionais e foi resultado das experiências de conquistas e derrotas desses grupos. Em 1989, já durante a democracia29, aconteceu o I Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens, reunindo representantes dos movimentos regionais e locais. Nesse encontro, foi realizada uma análise das experiências, das reivindicações em andamento e dos êxitos alcançados. “Foi então decidido constituir uma organização mais forte a nível nacional para fazer frente aos planos de construção de grandes barragens”30. No dia 14 de março de 1991, foi realizado o I Congresso dos Atingidos de todo o Brasil, no qual “se decide que o MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens – deveria ser um movimento nacional, popular e autônomo, organizando e articulando as ações contra as barragens a partir das realidades locais, à luz 28 Idem, ibidem. 29 A primeira eleição – via Colégio Eleitoral – para Presidência da República após o regime militar (1964-1985) ocorreu em 15 de janeiro de 1985. 30 Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB. Os encontros nacionais e a criação do movimento nacional. Disponível em: <http://www.mabnacional. org.br/content/3-os-encontros-nacionais-e-cria-do-movimento-nacional>. Acesso em: 12 set. 2013.

dos princípios deliberados pelo Congresso”31. Assim, o dia 14 de março é lembrado todos os anos pelo movimento como o “dia nacional de luta contra as barragens”, em alusão ao congresso que criou o MAB. Os congressos subsequentes ocorreram de três em três anos, com a mesma perspectiva. Segundo o MAB, após a criação do movimento nacional, a luta contra as barragens se intensificou na compreensão de que o problema central está no modelo energético e nossa palavra de ordem passou a ser terra sim, barragem não! A luta pelo direito a ter terra, casa, vida digna continuou com a compreensão de que era possível ter dignidade sem necessitar construir as barragens.32

Até então, o movimento atuou sob a égide da Constituição Federal de 1967, emendada pelo regime militar e, portanto, de caráter autoritário. No art. 150 da Constituição Federal de 196733, o qual trata dos direitos e garantias individuais, o § 4º determinava o acesso à justiça dispondo que “a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual” (grifamos). O reconhecimento dos interesses metaindividuais e a instituição dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos somente viria a ser consolidado na Constituição Federal de 1988, após a redemocratização do País. Na década de 1990, a América Latina passa por um período de privatizações do patrimônio público, como reflexo das políticas neoliberais orquestradas pelo Banco Mundial e adotadas pelos países sem muita contestação dos seus governantes. O setor de energia é um dos mais cobiçados, e, no Brasil, a geração e transmissão de energia elétrica foi um setor específico que 31 Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB. Op. cit. 32 Idem, ibidem. 33 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constitui%C3%A7ao67.htm>.

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Essa organização inicial – por comissões regionais de atingidos – alcançou conquistas importantes, como no caso da Usina Hidrelétrica de Itá: em 1987, as famílias obtiveram um acordo que determinava o reassentamento coletivo de todos os atingidos. Esse acordo definia quem eram os atingidos e previa também assistência técnica para as famílias e o padrão das benfeitorias realizadas nos reassentamentos, sendo até hoje uma referência para os novos reassentamentos28. Não obstante essas conquistas, constataram-se vários conflitos entre os atingidos e as empresas construtoras.

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experimentou grande procura pela iniciativa privada34. Foram concedidas à iniciativa privada mesmo as hidroelétricas que estavam projetadas e sequer haviam sido construídas (o art. 20, VIII, da Constituição Federal de 1988 dispõe que os potenciais de energia hidráulica são bens da União).

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A energia elétrica, tida pelo regime militar como bem estratégico para o desenvolvimento nacional, agora passa a ser explorada por grandes empresas, muitas multinacionais. Nesse contexto, as “lutas que já eram acirradas com empresas estatais [nacionais – n. a.] passaram a ser muito mais difíceis”, pois as “grandes empresas do setor energético, mineradoras, papeleiras, grandes bancos passaram a ser donos das barragens” e essa realidade “colocou em outro nível a luta dos atingidos”35. Isso marca uma internacionalização do debate, considerando que a globalização econômica, neoliberal e hegemônica, é a força que impulsiona

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34 “A iniciativa privada, cuja participação setorial foi praticamente inexistente nos anos 60 até meados dos anos 90, hoje participa, após a privatização realizada nos âmbitos federal e estadual, respectivamente, com cerca de 62% e 12% dos segmentos de distribuição e geração de eletricidade. Apesar da estrutura diversificada, historicamente a estrutura de decisões do Setor Elétrico Brasileiro – SEB era bastante centralizada. Essa característica acentuou-se após 1962, com a criação da Eletrobrás, que assumiu as funções de coordenação do planejamento e da operação e de agente financeiro e transformou-se em holding das quatro geradoras federais (Chesf, Furnas, Eletronorte e Eletrosul), responsáveis, ao longo da década de 90, por cerca de 50% da energia gerada no país.” (FACURI, Micheline Ferreira. A implantação de usinas hidrelétricas e o processo de licenciamento ambiental: a importância da articulação entre os setores elétrico e de meio ambiente no Brasil. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Itajubá, 2004. Disponível em: <http://www.cerpch.unifei.edu. br/arquivos/dissertacoes/a-implantacao-usinas-hidreletricas-processo-de-licenciamento-ambiental.pdf>. Acesso em: 14 set. 2013, p. 07) 35 Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB. A onda de privatizações e a organização internacional dos atingidos. Disponível em: <http://www. mabnacional.org.br/content/4-onda-privatiza-es-e-organiza-internacional-dos-atingidos>. Acesso em: 15 set. 2013.

a construção das novas hidroelétricas, agora em ritmo ainda mais acentuado. Esse processo resultou na organização internacional dos atingidos por barragens, quando, em março de 1997, foi realizado, na cidade brasileira de Curitiba, o I Encontro Internacional dos Povos Atingidos por Barragens. O evento reuniu representantes de 20 países da Ásia, Europa, África e América com o objetivo de compartilhar experiências, fazer denúncias, discutir a política energética, formas de defender seus direitos, bem como o fortalecimento internacional do movimento. Desse encontro resultou a Declaração de Curitiba, que caracteriza o movimento internacional dos atingidos e institui o dia 14 de março como o dia internacional de luta contra as barragens. Como reflexo dessa articulação internacional, foi criada, em 1997, na Suíça, a Comissão Mundial de Barragens (CMB), órgão ligado ao Banco Mundial e composto por representantes de movimentos de atingidos, empresas construtoras, entidades governamentais e não governamentais, assim como as entidades financiadoras. O objetivo da CMB era identificar as soluções para os problemas resultantes da construção das barragens. No entanto, não se cogitava deixar de construí-las36. Por essa época, o movimento dos atingidos uniu esforços com o movimento ambientalista e de direitos humanos, que passa a denunciar a degradação em larga escala provocada pelas barragens no aspecto social e ambiental. “Nesse momento histórico, a palavra de ordem dos atingidos era águas para a vida, 36 World Commission on Dams. Dams and Development: a new framework for decision-making. (The Report of the World Commission on Dams). Earthscan Publications Ltd, London and Sterling, VA, 2000. Disponível em: <http://www.internationalrivers.org/files/attached-files/world_commission_on_dams_final_report.pdf>. Acesso em: 20 set. 2013.


Um caso emblemático de comunhão de esforços entre o MAB e o movimento ambientalista foi o processo de resistência à construção da UHE de Barra Grande, no Rio Pelotas, localizado na divisa dos Estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Nesse caso, os estudos ambientais foram fraudados, omitindo a existência de milhares de hectares de florestas primárias ou em diferentes estágios de regeneração. Dos 8.140 hectares inundados, 90% era composto de florestas do Bioma Mata Atlântica. Na verdade, o Rima [Relatório de Impacto Ambiental – n.a.] apresentado havia reduzido a cobertura florestal primária da área a ser alagada de 2.077 para 702 hectares, a área da floresta em estagio avançado de regeneração – tratado no documento como um “capoeirão” – de 2.158 para 860 hectares e a área de floresta em estágio médio e inicial de regeneração – tratada apenas como “capoeira” – de 2.415 hectares para apenas 830 hectares [...] além disso, não fazia menção clara sobre os campos naturais, que estão presentes em mais de 1.000 hectares.

Salienta ainda Prochnow que as ações a favor da floresta foram grandemente reforçadas e garantidas pelo apoio recebido do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, que já estava lutando para que fossem garantidos os direitos dos proprietários que seriam expulsos de suas terras [...] a partir da ação das ONGs ambientalistas e do MAB o escândalo chegou ao grande público por meio da imprensa e continua a sendo noticiado nos mais diversos veículos.39 37 MAB, op. cit. 38 MAB, op. cit. 39 PROCHNOW, Miriam (Org.). Barra Grande: a hidrelétrica que não viu a

Sobre a comunhão de esforços do MAB e das ONGs ambientalistas no caso de Barra Grande, destaca Zen: O processo de resistência à construção da Usina Hidrelétrica de Barra Grande pode inaugurar um novo patamar na luta contra as barragens no Brasil. Pela primeira vez se constitui uma aliança forte entre grupos ambientalistas e a população local atingida, tendo como resultado a enorme repercussão alcançada pela fraude ambiental verificada no EIA-Rima da obra e avanços, ainda que insuficientes, mas importantes na resolução dos problemas sociais trazidos por ela.40

Não obstante as conquistas alcançadas pelas 1.500 famílias de pequenos agricultores atingidas, não se conseguiu evitar o alagamento da floresta sob o argumento do “fato consumado”, eis que, quando das denúncias, as multinacionais já haviam obtido a licença de instalação e a obra do muro da barragem já estava concluída. Desse episódio resultou uma alteração extremamente importante na legislação ambiental brasileira: a criminalização da fraude aos estudos ambientais41. Trata-se, inegavelmente, de uma conquista desses movimentos para debelar as injustiças ambientais perpetradas pelo abuso do poder econômico. Em 2009, durante uma audiência com o MAB, o Presidente Luís Inácio Lula da Silva reconheceu que o Estado brasileiro tem floresta. Rio do Sul/SC: Apremavi, 2005. p. 07. 40 ZEN, Eduardo Luiz. Os aprendizados de Barra Grande. In: PROCHNOW, Miriam (Org.). Barra Grande: a hidrelétrica que não viu a floresta. Rio do Sul/SC: Apremavi, 2005. p. 62. 41 De acordo com o art. 69-A da Lei nº 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais, artigo incluído pela Lei nº 11.284, de 2006): “Art. 69-A. Elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. § 1º Se o crime é culposo: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. § 2º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se há dano significativo ao meio ambiente, em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa”.

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não para morte!”37, o que representava a relação do movimento dos atingidos com a bandeira ambientalista. Entende o MAB que “a natureza é utilizada para enriquecimento de alguns poucos em detrimento da maioria”38, devendo o modelo de geração de energia baseado na construção de hidrelétricas ser questionado e combatido.

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uma dívida histórica com os atingidos por barragens e que seu governo não terminaria sem que fossem resolvidos esses problemas42. No entanto, como lembra o MAB, “os problemas não foram resolvidos e por isso os atingidos continuam organizados”. Atualmente, o MAB está organizado em 16 estados brasileiros: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Paraíba, Ceará, Piauí, Goiás, Tocantins, Maranhão, Pará e Rondônia43.

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Também foi levantada, pelo Movimento dos Atingidos por Barragens, a denúncia às violações dos direitos humanos sofridas pelas famílias de atingidos, as quais, segundo o MAB, foram muitas. Em 2005, a relatora da Organização das Nações Unidas para os Direitos Humanos esteve no Brasil para visitar acampamentos de atingidos por barragens. No estado de Santa Catarina, a relatora visitou o acampamento dos atingidos pela usina hidrelétrica de Campos Novos e constatou a violação de direitos.

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Em 8 de agosto de 2006, foi criada a Comissão Especial “Atingidos por Barragens” no âmbito do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, órgão consultivo vinculado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. A comissão foi instaurada a partir de denúncias de graves violações dos direitos humanos na construção de barragens e tinha por incumbência (i) acompanhar as denúncias encaminhadas, realizando um levantamento desses casos, e (ii) “apresentar sugestões e propostas no que concerne à prevenção, avaliação e mitigação dos impactos sociais e ambientais da implementação 42 Lula reconhece dívida com atingidos por barragens. Ecodebate (publicado em 31 de julho de 2009). Disponível em: <http://www.ecodebate. com.br/2009/07/31/lula-reconhece-divida-com-atingidos-por-barragens/>. Acesso em: 20 set. 2013. 43 MAB, op. cit.

dessas barragens, e a preservação e reparação dos direitos das populações atingidas”44. O relatório final da Comissão Especial foi aprovado no dia 22 de novembro de 2011, tendo identificado a “relevância e magnitude dos impactos sociais negativos” oriundos do estabelecimento de barragens. Através dos estudos de caso, os membros da comissão concluíram que o “padrão vigente de implantação de barragens tem propiciado de maneira recorrente graves violações de direitos humanos, cujas consequências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual”45. O relatório traz uma carta-denúncia produzida pelo MAB, o qual aponta que, nos últimos 40 anos, mais de um milhão de brasileiros foram deslocados pela construção de 2.000 barragens. O relatório conclui que os problemas mais recorrentes são: 1. Falta de informação, consistindo em: omissão ou recusa de fornecer informação, falta de assessoria jurídica, uso de linguagem técnica e inacessível aos leigos, fornecimento de informações contraditórias ou mesmo falsas, precariedade ou insuficiência de estudos ambientais e falta de oportunidade de participação. 2. Definição restritiva e limitada do conceito de “atingido”, o que limitaria o acesso aos direitos a uma justa reparação. 44 Presidência da República, Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Resolução nº 26, de 15 de agosto de 2006. 45 Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Relatório Final da Comissão Especial sobre Atingidos por Barragens. Brasília, 2010. Disponível em: <http://www.mabnacional.org.br/content/relat-rio-da-comiss-especial-do-conselho-defesa-dos-direitos-da-pessoa-humana-2010>. Acesso em: 10 set. 2013, p. 13.


4. Omissão diante das necessidades particulares de grupos sociais mais vulneráveis, como, por exemplo, idosos e pessoas portadoras de necessidades especiais. A Comissão salienta que esses grupos estão mais expostos a situações de brusca mudança social, mas, mesmo assim, foram encontradas situações de total desrespeito a esses grupos. 5. Lacunas, má-aplicação da legislação ou ambos, especialmente no tocante aos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais. Curioso anotar que a Comissão reconhece que, apesar de existirem garantias legais aos atingidos por barragens, “sua efetivação, quando alcançada, tem ocorrido mais pela enorme pressão exercida pelos movimentos sociais do que pela existência de normas de regulamentação das complexas situações que envolvem o planejamento, construção e operação de hidrelétricas”.46

Através dos casos analisados47, a Comissão identificou 16 direitos que parecem ser sistematicamente violados: 1. Direito à informação e à participação; 2. Direito à liberdade de reunião, associação e expressão; 3. Direito ao trabalho e a um padrão digno de vida; 4. Direito à moradia adequada; 5. Direito à educação; 6. Direito a um ambiente saudável e à saúde; 7. Direito à melhoria contínua das condições de vida; 8. Direito à plena reparação das perdas; 46 Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Op. cit., p. 14. 47 Os casos analisados foram: UHE Canabrava, UHE Tucuruí, UHE Aimorés, UHE Foz do Chapecó, PCH Fumaça, PCH Emboque e Barragem de Acauã.

9. Direito à justa negociação, tratamento isonômico, conforme critérios transparentes e coletivamente acordados; 10. Direito de ir e vir; 11. Direito às práticas e aos modos de vida tradicionais, assim como ao acesso e preservação de bens culturais, materiais e imateriais; 12. Direito dos povos indígenas, quilombolas e tradicionais; 13. Direito de grupos vulneráveis à proteção especial; 14. Direito de acesso à justiça e a razoável duração do processo judicial; 15. Direito à reparação por perdas passadas; 16. Direito de proteção à família e a laços de solidariedade social ou comunitária.48

Na conclusão do seu relatório, a Comissão Especial recomenda a instauração de Comissões de Reparação, com a participação do Ministério Público, a Defensoria Pública, bem como representantes da sociedade civil para “acolher, avaliar e julgar solicitações de reparação, individuais e coletivas, que lhe sejam encaminhadas no prazo de 12 meses a partir da sua instalação”49. Não obstante o claro avanço, chama a atenção o exíguo prazo sugerido pela Comissão Especial (12 meses) para o recebimento das solicitações de reparação, considerando os mais de 40 anos de violações dos direitos humanos (crimes contra os direitos humanos são imprescritíveis, diga-se). A interessante conclusão levantada pela Comissão Especial – que poderia mudar o cenário dos conflitos não apenas em se tratando das barragens, mas de todos os empreendimentos – é a que requalifica o desenvolvimento. Pretende a Comissão Especial que, após a divulgação do relatório final, seja reconhe48 Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Op. cit., p. 15. 49 Idem, p. 56.

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3. Omissão das especificidades socioeconômicas e culturais das populações atingidas, o que não permitiria uma reparação adequada, acarretando a degradação das condições de vida dessas populações.

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cido no Brasil, entre órgãos públicos, empresas privadas e na sociedade civil, “que os objetivos legítimos do desenvolvimento se conspurcam e tornam ilegítimos sempre que deixam em seu rastro a violação de direitos humanos”50. Esse reconhecimento, que já se estabeleceu em relação ao exercício do poder político e do uso da força em virtude das violações dos direitos humanos durante o regime de exceção, agora se estende para o período da democracia. E a iniciativa privada, através do abuso do poder econômico, é o novo agente violador dos direitos humanos nesse contexto de globalização econômica, neoliberal e hegemônica, no qual o lucro se sobrepõe a todos os outros valores nos mais distintos sítios. Nesse sentido, a Comissão Especial busca salientar a necessidade urgente de restaurar a primazia dos direitos humanos sobre outros objetivos e valores. Conclui ainda a Comissão Especial que é necessária a adoção de normas e práticas que possibilitem reparar as violações cometidas e evitar que essas se repitam51.

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Mesmo as famílias reassentadas enfrentam diversos problemas de adaptação, tendo em vista a brusca alteração de seus modos tradicionais de vida. Em estudo sobre as questões de gênero envolvendo os atingidos, foi apurado que, mesmo aquelas mulheres e famílias que foram realocadas, recebendo moradia em uma vila especialmente construída para receber os atingidos, enfrentavam problemas decorrentes da brusca mudança social:

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Quando as famílias são deslocadas para as cidades, a maioria dos jovens passa a viver a realidade das grandes periferias brasileiras, de 50 Idem, p. 57. 51 Não obstante as conclusões explícitas do relatório da Comissão Especial, em junho de 2011 foram denunciadas violações aos direitos humanos dos povos indígenas do Xingu à Comissão Interamerica de Direitos Humanos, com a construção da hidrelétrica de Belo Monte, um dos maiores empreendimentos de infraestrutura em andamento no Brasil. Disponível em: <http://www.xinguvivo.org.br/2011/06/16/peticao-para-cidh-entenda-o-caso/>. Acesso em: 18 set. 2013.

violência, de acesso às drogas e de ausência do Estado para os serviços básicos. Em visitas de campo, pudemos perceber que os e as jovens da comunidade que ainda não tinham ido pra cidade tinham acesso à educação, alimentação saudável, convivência familiar e comunitária, o que não constatamos com as famílias que haviam sido realocadas e passaram a morar na vila construída para elas.52

Isso decorre em particular da falta de planejamento dos processos de instalação dos empreendimentos hidroelétricos, pois é nítida a deficiência dos estudos sociológicos acerca do modo de vida das populações atingidas, o que ocorre comumente com os estudos ambientais. Observa-se que, considerando a complexidade do problema, os atingidos por barragens não recebem a adequada atenção do Poder Público e das empresas envolvidas, gerando exclusão social e injustiças socioambientais que poderiam ser evitadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Considera-se injustiça ambiental a destinação da maior carga dos danos ambientais decorrentes do processo de desenvolvimento a certas pessoas ou grupos vulneráveis. Justiça ambiental, como visto, compreende um conjunto de princípios que asseguram que nenhuma pessoa ou grupo de pessoas suporte uma parcela desproporcional de degradação do ambiente e/ou de seu modo tradicional de vida. O movimento por justiça ambiental no Brasil pode e deve ser ampliado para abranger o maior número possível de lutas contra as iniquidades socioambientais e, com isso, fortalecer os diversos movimentos sociais e ambientais que se encontram isolados 52 Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB. O modelo energético e a violação dos direitos humanos na vida das mulheres atingidas por barragens. São Paulo: MAB, 2011. Disponível em: <http://www.mabnacional. org.br/sites/default/files/cartilha_mulheres.pdf>. Acesso em: 14 set. 2013, p. 22.


O movimento dos atingidos por barragens está numa importante intersecção dos conflitos sociais e ambientais, fato que o torna um contribuinte fundamental para combater as injustiças ambientais perpetradas no Brasil. Como já afirmado no texto, a oposição desse movimento (conjuntamente com o movimento ambientalista) à construção de novas barragens – e, por conseguinte, à globalização econômica, neoliberal e hegemônica – é também a resistência à degradação ambiental e à destruição dos modos tradicionais de vida e da desagregação social. Importante destacar que os empreendimentos hidrelétricos que afetam o ambiente também violam os direitos humanos das populações atingidas pelas barragens. Não obstante isso tenha sido denunciado repetidas vezes pelo MAB e extensivamente provado no Relatório Final da Comissão Especial sobre Atingidos por Barragens divulgado em 2011, violações aos direitos humanos continuam a ocorrer nas obras em andamento no Brasil hoje – como no caso de Belo Monte. Isso é particularmente preocupante na medida em que, com a divulgação desse relatório, bem como pela luta por justiça ambiental nas várias frentes, procura-se sensibilizar para a necessidade urgente de restaurar a primazia dos direitos humanos e do cuidado com o ambiente sobre outros objetivos e valores. É urgente, nesse sentido, repensar o próprio desenvolvimento, que não pode ser a qualquer custo e quanto menos pelo sacrifício do ambiente e dos grupos mais vulneráveis. O abuso do poder econômico e a busca do lucro sobre todos os outros valores devem ser firmemente combatidos pela sociedade e pelo Poder Público. O MAB dá o primeiro passo nessa direção quando busca sensibilizar o Brasil para a necessidade de outro modelo energético e de desenvolvimento, sem novas

barragens, com investimentos em fontes alternativas de energia e racionalização do seu consumo. Sem atacar o problema como um todo, não se alcançará nunca a almejada justiça ambiental.

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e desarticulados. Nesse contexto, a Rede Brasileira de Justiça Ambiental afigura-se como um importante fórum para articular essas diversas frentes de lutas.

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ZEN, Eduardo Luiz. Os aprendizados de Barra Grande. In: PROCHNOW, Miriam (Org.). Barra Grande: a hidrelétrica que não viu a floresta. Rio do Sul/SC: Apremavi, 2005.

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Doutrina

O Novo CPC e o Processo do Trabalho O Novo CPC, as Condições da Ação e o Processo do Trabalho CARLOS HENRIQUE BEZERRA LEITE

Doutor e Mestre em Direito (PUC/SP), Professor de Direito Processual do Trabalho e Direitos Sociais Metaindividuais (FDV), Titular da Cadeira 44 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Ex-Procurador Regional do Trabalho.

LETÍCIA DURVAL LEITE

Acadêmica de Graduação em Direito da FDV – Faculdade de Direito de Vitória, Estagiária do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, Ex-Monitora da Cadeira de Direito Civil II da Faculdade de Direito de Vitória.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Moderno conceito de ação; 2 Condições da ação; 2.1 Condições da ação no Brasil; 2.2 Teoria da asserção; 3 Impossibilidade jurídica do pedido; 3.1 Questões de mérito vs. condições da ação; 4 As condições da ação no novo Código de Processo Civil; 4.1 Notas sobre o debate travado entre Fredie Didier e Alexandre Câmara; 5 Aplicação das normas do CPC no processo do trabalho; 6 Condições da ação no processo do trabalho à luz do novo CPC; 6.1 Possibilidade jurídica do pedido no processo do trabalho; 6.2 Legitimidade das partes; 6.2.1 Legitimação extraordinária e substituição processual; 6.3 Interesse processual; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO A teoria eclética da ação criada por Enrico Tullio Liebman significou grande avanço para o desenvolvimento das teorias da ação, na medida em que consolidou o entendimento de que o direito de agir não confunde com a ação no plano concreto, ou seja, o direito de ação existe independentemente da tutela jurisdicional de direito ser favorável ou não ao autor. Ele foi, portanto, o precursor da chamada teoria das condições da ação, segundo a qual o autor só terá direito ao pronunciamento judicial de mérito se atender a determinados requisitos ou condições atinentes à ação.

RESUMO: O presente artigo tem por objeto analisar se o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16.03.2015) adota ou não condições para o exercício do direito constitucional de ação tanto no processo civil quanto no processo do trabalho. Para tanto, serão abordadas questões conceituais vinculadas ao direito constitucional de ação, as teorias da ação, as condições da ação e a teoria da asserção. Serão também examinadas as questões relativas à possibilidade ou não da declaração pelo juiz ex officio acerca da ausência de uma das condições da ação. Adotou-se o método dialético e o procedimento documental.

No início da sua formulação teórica, Liebman sustentou que seriam três as condições da ação: a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade das partes. No entanto, no momento em que Liebman (2003, v. 1, p. 138 et seq) perdeu seu principal exemplo da impossibilidade jurídica do pedido, porquanto o divórcio passou a ser legalmente permitido (na Itália e no Brasil), ele retirou essa categoria processual do elenco da sua teoria sobre as condições da ação.

PALAVRAS-CHAVES: Condições da ação; novo Código de Processo Civil; processo do trabalho.

Não obstante, o Código de Processo Civil de 1973, embora não tenha previsto a possibilidade jurídica em seu art. 2º (ao lado da


legitimidade e do interesse processual), consagrou-a, expressamente, como uma das condições da ação no seu art. 267, VI, sendo certo que seu 295, parágrafo único, III, reconhece a inépcia da petição inicial quando “o pedido for juridicamente impossível”.

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Nessa ordem, a natureza da possibilidade jurídica passou a ser objeto de intensa cizânia tanto na doutrina quanto na jurisprudência, mormente pela circunstância de que a adoção da possibilidade jurídica do pedido como mérito ou condição da ação interferirá diretamente no plano prático da efetividade da prestação jurisdicional. Reconhecida como mérito, implica a improcedência da demanda do autor, ou seja, a sentença transitada em julgado que a pronuncia produzirá coisa julgada material. Entretanto, se ela for reconhecida como condição da ação, a sentença correspondente produzirá apenas a coisa julgada formal, sendo permitida a repropositura da demanda contendo idêntico pedido.

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A presente pesquisa tem dois objetivos. O primeiro é identificar a natureza da possibilidade jurídica do pedido, isto é, se é o próprio mérito da causa ou uma condição da ação. O segundo objetivo consiste em examinar se a possibilidade jurídica encontra-se prevista no novo Código de Processo Civil e se este novo diploma legal alberga ou não a teoria das condições da ação. Em linguagem interrogativa, eis os problemas que serão enfrentados na presente pesquisa: qual o moderno conceito de ação? Que são condições da ação? As condições da ação continuam existindo no novo CPC? O novo CPC reconhece a possibilidade

jurídica do pedido? Quais os reflexos de tais questões no processo do trabalho?

1 MODERNO CONCEITO DE AÇÃO O objetivo da ação, no Estado Democrático, é propiciar a tutela efetiva dos direitos, especialmente dos direitos humanos e fundamentais. Como diz Marinoni, o direito de ação é um direito fundamental processual, e não um direito fundamental material, como são os direitos de liberdade, à educação e ao meio ambiente. Portanto, ele pode ser dito o mais fundamental de todos os direitos, já que imprescindível à efetiva concreção de todos eles. (2006, p. 205)

Dito doutro modo, a ação é “um direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva, como direito à ação adequada, e não mais como simples direito ao processo e a um julgamento de mérito” ( 2008. p. 97). Afastando a leitura do (revogado) art. 75 do Código Civil de 1916 (teoria imanentista) e invocando o art. 83 do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual, para a tutela do direito lesado ou ameaçado de lesão, são cabíveis todos os tipos de ações (ou formas de tutela jurisdicional processual), Hermes Zanetti Júnior (2007, p. 186-187) afasta “a ação concreta e a correspondência simplista entre o direito material (fundamento) e a ação (instrumento), apontando sempre para o caráter dialético do processo e sua potencialidade democrática”. Formulando um conceito mais amplo de direito de ação, Câmara sustenta a ação como um poder de demandar, advertindo que tal poder


Modestamente, eis o nosso conceito: ação é um direito público, humano e fundamental, autônomo e abstrato, constitucionalmente assegurado à pessoa, natural ou jurídica, e a alguns entes coletivos, para invocar a prestação jurisdicional do Estado, objetivando a tutela de direitos materiais individuais ou metaindividuais (Leite, 2015, p. 362). Expliquemo-nos. A ação é um direito humano, porque é reconhecido no art. 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e no art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos (ratificada pelo Brasil em 25.09.1992). É, ainda, um direito fundamental, porquanto previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição brasileira de 1988. É, também, direito público, uma vez que, por meio da ação, qualquer pessoa tem o direito de invocar a prestação jurisdicional do Estado, que é realizada por intermédio do processo que, como se sabe, pertence aos domínios do direito público. É direito autônomo e abstrato, porque a ação pode ser exercida independentemente do direito material, sendo certo que, mesmo nos casos de carência de ação, improcedência ou de declaração de inexistência do direito material, o direito de ação não fica impedido de ser exercido. Também é direito constitucionalmente assegurado à pessoa, física ou jurídica, ou a alguns entes coletivos, porque, em nosso ordenamento jurídico, o acesso ao Poder Judiciário é assegurado tanto a título individual quanto coletivo.

2 CONDIÇÕES DA AÇÃO O objetivo das condições da ação na perspectiva liebmaniana não é limitar o exercício da garantia constitucional do direito de ação, e sim estabelecer alguns parâmetros para, simultaneamente, assegurar o resultado útil do processo, alcançar a tutela jurisdicional justa e atingir os escopos jurídico, social, ético e político do processo. Nouto falar, o processo deve propiciar a tutela do direito material aos cidadãos de modo célere, efetivo, ético e justo.

2.1 Condições da ação no Brasil As condições da ação idealizadas por Liebman, num primeiro momento, foram a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade da parte e o interesse de agir. A possibilidade jurídica do pedido significa que o mérito do processo, isto é, o pedido, não pode ser alvo de vedação expressa pelo ordenamento jurídico. Como leciona Cassio Scarpinella Bueno: Por “possibilidade jurídica do pedido” deve ser entendido que o pedido de tutela jurisdicional a ser formulado ao Estado-juiz não pode ser vedado pelo ordenamento jurídico ou, quando menos, que as razões pelas quais alguém pede a prestação de tutela jurisdicional do Estado não sejam, elas mesmas, vedadas pelo ordenamento jurídico. (Bueno, 2013, p. 343)

A legitimidade da parte, ou legitimatio ad causam, consiste na vinculação indissolúvel das partes do processo (autor e réu) aos protagonistas da situação de direito material veiculada na demanda. Trata-se da pertinência subjetiva da ação, muito embora o ordenamento reconheça, em alguns casos, a legitimação extraordinária, na qual não há identidade entre o titular do direito processual e o titular do direito material.

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não pode deixar de ser visto como uma garantia fundamental, inserida no plano dos direitos humanos. Trata-se do direito de acesso aos tribunais, assegurado, expressamente, pelo art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), a que o Brasil aderiu e, portanto, integra o direito objetivo brasileiro. (2008, v. 1, p. 114)

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Por fim, o interesse de agir se estabelece no sentido de que ao autor incumbe demonstrar na inicial a utilidade e a necessidade (e, segundo alguns, a adequação da via eleita) da demanda para que a relação de direito material possa ser discutida em juízo com a correspondente entrega da tutela jurisdicional. Como bem exemplifica Bueno: O interesse de agir, nesse sentido, representa a necessidade de requerer, ao Estado-juiz, a prestação da tutela jurisdicional com vistas à obtenção de uma posição de vantagem (a doutrina costuma se referir a esta vantagem como utilidade) que, de outro modo, não seria possível alcançar. O interesse de agir, portanto, toma como base o binômio “necessidade” e “utilidade”. Necessidade da atuação jurisdicional em prol da obtenção de uma dada utilidade. (Bueno, 2013, p. 342)

É inegável que todas as condições da ação têm uma estreita vinculação com o mérito da causa. Quanto à possibilidade jurídica do pedido, tal vinculação é tão tênue que o próprio Liebman reformulou sua teoria retirando-a do elenco das condições da ação, o que levou o legislador a excluir a impossibilidade jurídica do projeto de lei que resultou no art. 3º do CPC de 1973, embora, por lapso, ela tenha permanecido, inadvertidamente, nos arts. 267, VI, e 295, parágrafo único, III, daquele diploma legal.

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A análise das condições da ação é realizada por meio da teoria da asserção.

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2.2 Teoria da asserção A teoria da asserção consiste em, basicamente, fazer o juiz considerar, em um primeiro momento, todas as afirmações do autor como verdadeiras, para que a análise seja feita somente sob a ótica das condições da ação, sem que haja considerações acerca do mérito do processo. A decisão do juiz sobre carência ou não ação seria definitiva, e não provisória. Nesse sentido, leciona Fredie Didier Jr.:

Não se trata de um juízo de congnição sumária das condições da ação, que permitiria um reexame pelo Magistrado, com base em cognição exauriente. O juízo definitivo sobre a existência das condições da ação far-se-ia nesse momento: se positivo o juízo de admissibilidade, tudo o mais seria decisão de mérito, ressalvados fatos supervenientes que determinassem a perda de uma condição da ação. A decisão sobre a existência ou não de carência de ação, de acordo com essa teoria, seria sempre definitiva. (Didier, 2014, p. 224)

Portanto, a demanda torna-se admissível quando presentes todas as condições da ação, segundo as assertivas feitas pelo autor na petição inicial. Porém, se faltantes essas condições, o processo deve ser extinto sem resolução de mérito, contribuindo, dessa forma, para uma maior economia processual. Sendo assim, aquelas demandas inviáveis, não hábeis à tutela jurisdicional de mérito, devem ser obstadas a prosseguir no momento inicial do procedimento. A teoria da asserção não está limitada somente à apreciação do juiz da petição inicial, uma vez que também pode ocorrer após a contestação do réu, onde este também pode alegar a ausência de uma das condições da ação. Além disso, o juiz conhecerá de ofício da matéria “carência de ação” em qualquer tempo e grau de jurisdição (na instância ordinária), como prescreve o art. 301, X, § 4º, do CPC/1973. Noutro falar, se o juiz do exame da petição inicial inferir que há necessidade de instrução para verificar a presença das condições da ação, então o caso deverá rejeitar eventual preliminar arguida pelo réu e prosseguir no andamento do feito, julgando o mérito da demanda. Normalmente, o juiz rejeita a preliminar em tal hipótese nos seguintes termos (à guisa de exemplo): “Rejeito a preliminar de ilegitimidade por confundir-se com o próprio mérito”.


A possibilidade jurídica do pedido, segundo o CPC de 1973, é a condição da ação que mais se discute no meio jurídico, haja vista as diversas concepções acerca de sua natureza, ou seja, se é realmente uma condição da ação ou se consiste numa questão de mérito. Inicialmente, para melhor análise acerca dessa categoria processual, faz-se necessário retomar seu o conceito. Para tanto, utilizaremos dos ensinamentos de Bedaque: Pedido juridicamente impossível é aquele que, considerados em tese os três elementos da ação (partes, pedido e causa de pedir), não encontra óbice expresso no ordenamento jurídico material. (Bedaque, 2010, p. 261)

Como dito alhures, o próprio Liebman reformou a sua teoria eclética da ação, retirando a possibilidade jurídica do pedido do rol das condições da ação, passando a considerá-la uma questão de mérito. No entanto, o Código de Processo Civil de 1973 a adota como condição da ação (CPC, art. 267, VI) e a doutrina majoritária insiste em compreendê-la dessa forma. Analisaremos, a seguir, no que consistem as questões de mérito para que possamos diferenciá-las das condições da ação e tomar partido acerca da natureza da possibilidade jurídica do pedido.

à tutela dos direito material perseguido na demanda, ou seja, o mérito do processo. Dessa forma, o verdadeiro julgamento do mérito acontece quando o Magistrado aprecia o pedido do autor, acolhendo-o ou rejeitando-o. E a partir do julgamento do mérito tem-se a coisa julgada material, o que torna a decisão judicial imutável, dentro e fora daquele processo, não podendo mais aquela causa ser rediscutida em juízo. Torna-se, portanto, nesse ponto, importante o ensinamento de José Roberto dos Santos Bedaque: “Julgar o mérito” significa dizer que, em razão dos fundamentos de fato e de direito afirmados na inicial, e eventualmente submetidos à prova, tem o autor direito, ou não, à declaração, à modificação ou à condenação pretendida. (Bedaque, 2010, p. 255)

Feita a digressão acerca das questões que envolvem o mérito do processo, é importante diferenciá-lo das condições da ação, porquanto estas são muito importantes para que haja uma maior economia e para que sejam analisados pelos Magistrados somente causas que realmente necessitem da tutela jurisdicional do Estado, tendo o juiz o cuidado de não analisar o próprio mérito ao considerar a carência da ação, ou seja, a falta de qualquer uma das condições da ação.

3.1 Questões de mérito vs. condições da ação

No entanto, de acordo com Bedaque (2010, p. 261), “é preciso distinguir com bastante clareza o exame das condições da ação da análise do mérito ou, então, reconhecer de uma vez por todas que condições da ação e mérito se confundem”.

O mérito, também identificado no CPC de 1973 como lide ou pedido, é o objeto litigioso do processo em torno do qual e em função dele que as atividades dos sujeitos processuais se desenvolvem. Ao acionar o Poder Judiciário, o autor deve, na petição inicial, apresentar fundamentação fática e jurídica, bem como os pedidos mediato e imediato, estes últimos correspondentes

Para que não haja confusão, portanto, entre as questões de mérito e as condições da ação, a doutrina estabelece um critério de acordo com a profundidade na qual o Magistrado analisará a questão. Nesse sentido, estabelece-se que a cognição sumária deve ser realizada diante das condições da ação, sendo este tipo de análise menos profundo e, portanto, com menos proba-

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3 IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

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bilidade de exame do mérito. Já a cognição exauriente deve ocorrer diante de questões relacionadas ao mérito do processo.

prevê a possibilidade jurídica, seja como condição da ação ou hipótese de indeferimento (por inépcia) da petição inicial.

A distinção, todavia, não é suficiente para diferenciar claramente essas duas categorias. E as consequências dessa distinção são muito relevantes para todo o sistema processual, uma vez que a caracterização de um elemento como condição da ação ou mérito constituirá coisa julgada formal ou material, respectivamente, a depender da posição jurídica adotada pelo intérprete e aplicador do Direito.

Na verdade, o novo CPC, em seus arts. 330, I, II e III, § 1º, 485, I e VI, suprimiram as expressões “condições da ação” e “impossibilidade jurídica do pedido”, senão vejamos:

4 AS CONDIÇÕES DA AÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL O CPC de 1973 é expresso quanto à adoção da teoria tricotômica das condições da ação, como se infere do seu art. 267, I e VI, in verbis: Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:

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I – quando o juiz indeferir a petição inicial;

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Art. 330. A petição inicial será indeferida quando: I – for inepta; II – a parte for manifestamente ilegítima; III – o autor carecer de interesse processual; 485. O juiz não resolverá o mérito quando: I – indeferir a petição inicial; [...] VI – verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual.

O § 1º do art. 330 do Novo CPC, por sua vez, considera inepta a petição inicial quando:

[...]

I – lhe faltar pedido ou causa de pedir;

VI – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual.

II – o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico;

Dentre as causas que autorizam o indeferimento da petição inicial, por inépcia, destaca-se a prevista no art. 295, parágrafo único, inciso III, do CPC de 1973, qual seja: quando o pedido for juridicamente impossível. O novo Código de Processo Civil, instituído pela Lei nº 13.105, de 16.03.2015, que entrará em vigor em 16.03.20161, não mais 1 De acordo com o art. 1º da Lei 810, de 06.09.1949: “Considera-se ano o período de doze meses contados do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte”.

III – da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV – contiver pedidos incompatíveis entre si.

Diante da supressão da possibilidade jurídica do pedido no novo CPC, entendemos que restou definitivamente consolidado o entendimento que há muito tempo já estava se pacificando na doutrina. É dizer, a possibilidade jurídica do pedido deixou de ser uma hipótese de inadmissibilidade da demanda, para se tornar um caso de improcedência do pedido, ou seja, passou a ser, com o novel diploma do direito processual civil brasileiro, uma questão de mérito.


4.1 Notas sobre o debate travado entre Fredie Didier e Alexandre Câmara

na medida em que um pertence à teoria da ação e o outro à teoria do processo.

De uma maneira bastante interessante, leciona Fredie Didier, em seu artigo Será o fim das condições da ação? Um elogio ao projeto do novo CPC, que não só a possibilidade jurídica do pedido deixou de ser condição de ação, como a própria noção de “condições da ação” não existe mais no novo CPC, uma vez que o único dispositivo legal do código vigente não a adota mais em seu texto.

Uma coisa é certa: tanto Didier quanto Câmara concordam que a possibilidade jurídica do pedido deixou de existir no novo CPC como espécie autônoma de condição da ação.

A prevalecer a proposta, não haverá mais razão para o uso, pela ciência do processo brasileira, do conceito “condição da ação”. A legitimidade ad causam e o interesse de agir passarão a ser explicados com suporte no repertório teórico dos pressupostos processuais. (Didier, 2011, p. 255)

Essa teoria da extinção das condições da ação proposta por Didier ainda não encontrou eco entre os doutrinadores, como se depreende da crítica formulada por Câmara, em seu artigo Será o fim das condições da ação? Uma resposta a Fredie Didier, no qual refuta essa ideia e se justifica dizendo que o fato de não ser utilizado mais o termo “condições da ação” no novo CPC não significa a extinção deste instituto e muito menos a sua confusão com os pressupostos processuais. Câmara sustenta que condições da ação e pressupostos processuais são institutos distintos e se fundam em elementos diferentes componentes da teoria geral do direito processual,

Procuramos deixar claro, neste artigo, que o nosso entendimento quanto à possibilidade jurídica do pedido é o de que este instituto foi absorvido pelo mérito, deixando, dessa forma, de ser uma das hipóteses de inadmissibilidade da demanda. Entretanto, não acompanhamos o entendimento de Didier pelo desaparecimento total das condições da ação do processo civil. Nesse ponto, concordamos com Alexandre Câmara, para quem os pressupostos processuais e as condições da ação não podem ser confundidos. A legitimidade das partes e o interesse de agir continuarão existindo como condições da ação, pois essas categorias processuais fazem parte dos requisitos de admissibilidade do direito de ação. Destarte, verificando o juiz a presença de tais categorias, estará autorizado a entregar a tutela jurisdicional de direitos à parte que a pleiteou. Por outro lado, os pressupostos processuais, como o próprio nome está a evidenciar, dizem respeito ao processo, que nada mais é do que instrumento utilizado pelo Estado para garantir a efetividade dos direitos dos cidadãos. Esses pressupostos existem para que o direito substancial seja aplicado de acordo com as normas processuais, ou seja, “são requisitos da regular

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Dessa forma, o autor entende que a legitimidade das partes e o interesse de agir foram absorvidos pelos pressupostos processuais, ao contrário da possibilidade jurídica do pedido, que passou a integrar o mérito. Invocando outros ordenamentos jurídicos, como o da Alemanha, Didier afasta as condições da ação como instituto processual autônomo, sendo essenciais, tão somente, segundo ele, as questões relativas à admissibilidade processual e ao mérito, nos seguintes termos:

Contudo, Didier sustenta que possibilidade jurídica do pedido passou a ser questão de mérito, enquanto Câmara advoga que tal categoria passou a ser englobada por outra espécie de condição da ação, ou seja, pelo interesse de agir.

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e válida formação e desenvolvimento do processo”, como bem sublinha Leonardo Greco (2011, p. 273). A ação é um instituto processual autônomo e abstrato; assim, dizer que as condições da ação deixaram de existir é criar a ideia de que ela é incondicionada e, portanto, todos teriam direito à obtenção da tutela jurisdicional de direitos, mesmo que as partes não fizessem parte da relação jurídica de direito material e que não tivessem preenchidos os requisitos do interesse de agir. Por esse motivo, não podemos admitir que as condições da ação sejam desconsideradas como requisitos autônomos de admissibilidade, e, dessa forma, entendemos que, apesar de a possibilidade jurídica do pedido ter sido integrada pelo mérito, a legitimidade ad causam e o interesse de agir continuam existindo como condicionantes do direito de ação.

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5 APLICAÇÃO DAS NORMAS DO CPC NO PROCESSO DO TRABALHO

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Os princípios do novo CPC exercerão grande influência no processo do trabalho, seja pela nova dimensão e papel que exercem como fontes normativas primárias do ordenamento jurídico, seja pela necessidade de reconhecer o envelhecimento e inadequação de diversos preceitos normativos de direito processual contidos na CLT, o que exigirá do juslaboralista formação continuada e uma nova postura hermenêutica, de modo a reconhecer que o processo do trabalho nada mais é do que o próprio direito constitucional aplicado à realidade social, política, cultural e econômica. Com efeito, o art. 15 do novo CPC prevê que:

Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

O adjetivo (2001, p. 2628) “supletivo” significa “que completa ou serve de complemento”, “encher de novo, suprir”, enquanto o adjetivo “subsidiário” quer dizer “que auxilia”, “que ajuda”, “que socorre”, “que contribui”. Poderíamos inferir, então, que o novo CPC não apenas subsidiará a legislação processual trabalhista como também a complementará, o que abre espaço, a nosso ver, para o reconhecimento das lacunas ontológicas e axiológicas, máxime se levarmos em conta a necessidade de adequação do Texto Consolidado, concebido em um Estado Social, porém, ditatorial, ao passo que o novel CPC foi editado em um Estado Democrático de Direito. O art. 15 do novo CPC, evidentemente, deve ser interpretado sistematicamente com o art. 769 da CLT, que dispõe: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”. Mas ambos os dispositivos – art. 769 da CLT e art. 15 do novo CPC – devem estar em harmonia com os princípios e valores que fundamentam o Estado Democrático de Direito. Exatamente por isso é que não estamos a defender a aplicação desmedida e automática das normas (princípios e regras) do novo CPC nos sítios do processo do trabalho, especialmente nas ações oriundas da relação de emprego, e sim a promoção de um diálogo franco e virtuoso entre estes dois importantes setores do edifício jurídico que passe, necessariamente, pela função precípua de ambos (processo civil e processo trabalhista): realizar os direitos fundamentais e a justiça social em nosso País, de forma adequada, tempestiva e efetiva.


Tanto no processo civil quanto no processo do trabalho, a ação é direito humano e fundamental, autônomo e abstrato, mas não é incondicionado. Pelo contrário, como já vimos, para o exercício válido do direito de ação, é imprescindível que o autor satisfaça determinadas condições (ou requisitos), sem as quais não poderá obter o pronunciamento judicial acerca da sua pretensão deduzida em juízo, aqui entendida no sentido de mérito, lide ou pedido. De tal arte, e por força do art. 769 da CLT, os juízes do trabalho aplicam a teoria tricotômica das condições da ação e a teoria da asserção. Nesse sentido: Recurso de revista. 1. Preliminar de ilegitimidade passiva ad causam. Inexistência de vínculo empregatício. Segundo a teoria da asserção, adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, a verificação das condições da ação se dá em conformidade com as alegações feitas pelo reclamante na inicial, ou seja, in status assertionis, e não por constatação da efetiva relação jurídica existente entre as partes, matéria que se confunde com o próprio mérito da demanda. In casu, o reclamante postula o reconhecimento de vínculo empregatício com a reclamada, sendo impossível afastar sua legitimidade passiva ad causam. Recurso de revista não conhecido. 2. Prescrição. Reconhecimento de vínculo empregatício. Cumulação de pretensão declaratória e condenatória. A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que o reconhecimento de liame empregatício é imprescritível, uma vez que possui natureza meramente declaratória, nos termos do art. 11, § 1º, da CLT. Assim, havendo pedido declaratório de vínculo de emprego e também de cunho condenatório, analisa-se a prescrição para cada um dos pedidos. In casu, não é possível aferir a data do término da relação empregatícia para fins de incidência da prescrição bienal, ressaltando o Tribunal a quo que incide a prescrição parcial quanto aos efeitos condenatórios do reconhecimento do tempo de serviço, visto que o contrato de trabalho é de trato sucessivo, renovando a pretensão mês a mês. Recurso de revista não conhecido. 3. Vínculo empregatício. Administração Pública. Contratação mediante empresa interposta. Período anterior à vigência da CF/1988. A decisão recorrida harmoniza-se com a jurisprudência

pacífica desta Corte, consolidada na OJ 321 da SDI-1, no sentido de que é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços, inclusive ente público, em relação ao período anterior à vigência da CF/1988. Recurso de revista não conhecido [...]. Recurso de revista conhecido e provido. (TST, RR 728-47.2010.5.04.0004, 8ª T., Relª Min. Dora Maria da Costa, J. 21.08.2013, DEJT 30.08.2013)

Com o advento do novo CPC, que entrará em vigor em 16.03.2016, é preciso analisar como ficarão as condições da ação nos domínios do processo do trabalho. É o que verificaremos a seguir. De plano, ressaltamos que diante da lacuna da CLT haverá cizânia sobre a prolação de sentença sem resolução do mérito sem que, antes, sejam ouvidas as partes do processo (novo CPC, arts. 15 e 317). Não vemos óbice na aplicação do art. 317 do novo CPC no processo do trabalho, pois tal dispositivo encontra-se em sintonia com os princípios do contraditório e ampla defesa, bem como da economia processual, na medida em que a manifestação das partes poderá levar o juiz a regularizar eventual ausência das condições da ação (legitimidade e interesse). Não obstante, de acordo com o art. 330, II e III, do novo CPC, a petição inicial será indeferida quando “a parte for manifestamente ilegítima” e “o autor carecer de interesse processual”. Neste caso, não haverá ofensa aos princípios supracitados, pois o autor poderá repropor a ação, desde que satisfaça os requisitos estabelecidos pelo art. 486 e seu § 1º do novel diploma legal. O juiz conhecerá de ofício da matéria constante do inciso VI (legitimidade e interesse processual) do art. 485 do novo CPC em qualquer tempo e grau de jurisdição (na instância ordinária, ressalvamos), enquanto não ocorrer o trânsito em julgado. É o que determina o § 3º do art. 485 do mesmo diploma legal.

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6 CONDIÇÕES DA AÇÃO NO PROCESSO DO TRABALHO À LUZ DO NOVO CPC

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6.1 Possibilidade jurídica do pedido no processo do trabalho São exemplos tradicionais de impossibilidade jurídica do pedido e que levam à extinção do processo sem resolução do mérito: – o pedido de equiparação para o efeito de remuneração do pessoal do serviço público, nos termos da OJ 297 da SBDI-1/TST: “O art. 37, XIII, da CF/1988 veda a equiparação de qualquer natureza para o efeito de remuneração do pessoal do serviço público, sendo juridicamente impossível a aplicação da norma infraconstitucional prevista no art. 461 da CLT quando se pleiteia equiparação salarial entre servidores públicos, independentemente de terem sido contratados pela CLT”; – o pedido de corte rescisório de decisão que, reconhecendo a configuração de coisa julgada, nos termos do art. 267, V, do CPC, extingue o processo sem resolução de mérito, o que, ante o seu conteúdo meramente processual, a torna insuscetível de produzir a coisa julgada material (SBDI-2, OJ 150).

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É importante lembrar que o TST sustentava a impossibilidade jurídica do dissídio coletivo ajuizado por sindicato de servidores públicos da Administração Pública Direta, Autárquica ou Fundacional, ainda que regidos pela CLT (SDC, OJ 05). Tal verbete, porém, foi modificado e passou a ter a seguinte redação:

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Dissídio coletivo. Pessoa jurídica de direito público. Possibilidade jurídica. Cláusula de natureza social (redação alterada pela Res. 186/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012). Em face de pessoa jurídica de direito público que mantenha empregados, cabe dissídio coletivo exclusivamente para apreciação de cláusulas de natureza social. Inteligência da Convenção nº 151 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Decreto Legislativo nº 206/2010.

Com a vigência do novo CPC, que não mais prevê a possibilidade jurídica do pedido como condição da ação, o entendimento do TST deverá sofrer alteração, uma vez que a impossibilidade jurídica do pedido levará à improcedência da demanda (novo CPC, art. 487, I), e não mais à extinção do processo sem resolução do mérito.

6.2 Legitimidade das partes A legitimidade das partes (legitimatio ad causam), como já vimos alhures, é a titularidade ativa ou passiva da ação. O art. 3º do CPC de 1973 vaticina que, para propor ou contestar a ação, é necessário ter, além do interesse processual, legitimidade. No processo do trabalho, ainda reina um debate sobre a sentença que declara a inexistência de relação empregatícia. Para uns, seria terminativa, sendo o autor carecedor do direito de ação. Para outros, seria uma sentença definitiva, por ter o juiz julgado improcedente o pedido de reconhecimento do vínculo empregatício. A jurisprudência tem-se inclinado, a nosso ver, acertadamente, pela segunda alternativa, como se depreende do seguinte julgado: Recurso de revista. Detran/PR. Preliminar de ilegitimidade passiva ad causam. Teoria da asserção. No direito processual brasileiro, as condições da ação – no caso, a legitimidade passiva ad causam – são analisadas de acordo com a teoria da asserção, ou seja, in status assertionis, o que impõe ao julgador o exame dos fatos alegados com a abstração inerente à autonomia do direito processual em relação ao direito material (a exemplo do que disciplina o CPC, em seus arts. 3º, 6º, 87, 267, I e VI, 295, II, etc.). Assim, a legitimidade passiva é atribuída àquele que figure como devedor no pedido juridicamente deduzido, independentemente da procedência meritória do requerimento. Dessa forma, apenas no âmbito do exame do mérito da demanda é que cabe analisar as delimitações em relação à efetiva responsabilidade de cada uma das partes. Nesse caso, conforme registrado pelo Regional, o reclamante indicou o Detran/PR como devedor da relação jurídica de direito material, resta evidenciado que ele é parte legítima para figurar no polo passivo da ação. Recurso de revista não conhecido [...]. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido. (TST, RR 6720055.2005.5.09.0072, 6ª T., Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, J. 28.08.2013, DEJT 30.08.2013)


Pensamos, assim, que a questão da legitimação, como condição da ação, deve ser aferida in abstracto, a partir da afirmação do autor (teoria da asserção) na petição inicial. Se o autor alega que era empregado da ré, o caso é de se rejeitar a preliminar de ilegitimidade ativa ou passiva, devendo o juiz enfrentar, por meio de instrução probatória, se a referida alegação era ou não verdadeira. Se as provas revelarem inexistência de relação empregatícia, o caso é de improcedência do pedido, e não de carência do direito de ação. Todavia, se o autor, por exemplo, afirma que é irmão do ex-empregado e ajuíza ação em face do seu ex-empregador, sem ressaltar a morte ou ausência daquele, postulando verbas trabalhistas, o caso é, a nosso ver, de manifesta ilegitimidade ativa ad causam, devendo o juiz indeferir, de plano, a petição inicial, nos termos do inciso II do art. 295 do CPC, por ser o autor carecedor do direito de ação.

6.2.1 Legitimação extraordinária e substituição processual Além da legitimação ordinária, que implica a coincidência entre a titularidade do direito material e a legitimidade para ser parte, o nosso direito positivo prevê a chamada legitimação extraordinária, por meio da qual, em determinadas circunstâncias, pessoas ou entes, desde que autorizados por lei, podem figurar no processo em nome próprio, mas defendendo direito alheio. Essa figura jurídica está prevista no art. 6º do CPC de 1973: “Ninguém poderá pleitear em nome próprio direito alheio, salvo quando autorizado por lei”. O art. 18 do novo CPC reconhece a substituição processual nos seguintes termos:

A legitimidade ad causam pode ser ordinária ou extraordinária. Os legitimados ordinários são os próprios titulares dos interesses conflitantes, isto é, os sujeitos da lide. Atuam em nome e em defesa de si mesmos.

Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.

De acordo com o novo CPC, a ausência de legitimidade, ordinária ou extraordinária, ativa ou passiva, continuará implicando carência de ação, e o juiz deverá julgar extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do novel art. 485, VI, caso verifique a carência de ação superveniente, ou indeferindo, de plano, a petição inicial com base no art. 330, II e III, do novo CPC.

Deflui do cotejo dos dois dispositivos supracitados que o novo CPC não emprega o termo “lei”, com o que se abre a possibilidade de se interpretarem as normas que contemplem, implicitamente, tal legitimação. O art. 8º, III, da CF, por exemplo, não fala expressamente em legitimação extraordinária ou substituição processual. Mas, segundo interpretação dada pelo STF, está ali uma autêntica hipótese de substituição processual (RE 202.063/PR, Ac. 1ª T., Rel. Min. Octavio Gallotti, 27.06.1997, Informativo STF, n. 78, 1º a 8 ago. 1997).

Art. 486. O pronunciamento judicial que não resolve o mérito não obsta a que a parte proponha de novo a ação. § 1º No caso de extinção em razão de litispendência e nos casos dos incisos I, IV, VI e VII do art. 485, a propositura da nova ação depende da correção do vício que levou à sentença sem resolução do mérito.

Nos domínios do processo do trabalho, os estudos sobre a substituição processual limitavam-se, antes da Constituição Federal de 1988, às hipóteses em que o sindicato ajuizava:

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Nestes casos, não há óbice a que a parte reproponha a ação, desde que observe o que dispõem o art. 486 e seu § 1º do novo CPC, in verbis:

Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial.

– ação trabalhista, postulando pagamento de adicional de insalubridade ou periculosidade em favor de grupo de associados (CLT, art. 195, § 2º);

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– ação de cumprimento, em favor dos associados, visando ao pagamento de salários fixados na sentença normativa (CLT, art. 872, parágrafo único); – ação trabalhista, em favor de todos os integrantes da categoria, objetivando o pagamento das correções automáticas dos salários (Lei nº 6.708/1979, art. 3º, § 2º, e Lei nº 7.238/1984, art. 3º, § 2º).

Nesse período, portanto, a jurisprudência do TST seguiu a linha restritiva, como se infere das Súmulas nº 271 (adicionais de insalubridade e de periculosidade) e nº 286 (convenção coletiva). Com promulgação da CF/1988, cujo art. 8º, III, assegura ao sindicato o direito de defender, judicial e administrativamente, os direitos e interesses individuais e coletivos da categoria, acirraram-se as discussões sobre a substituição processual trabalhista. Em 03.07.1989, sobreveio a Lei nº 7.788, que dispôs sobre política salarial, disciplinando, em seu art. 8º, in verbis: Nos termos do inciso III do art. 8º da Constituição Federal, as entidades sindicais poderão atuar como substitutos processuais da categoria, não tendo eficácia a desistência, a renúncia e a transação individuais.

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A Lei nº 7.788 foi inteiramente revogada pelo art. 14 da Lei nº 8.030, de 12.04.1990. Em 14 de maio de 1990, entra em vigor a Lei nº 8.036, de 11.05.1990, cujo art. 25 confere ao sindicato a legitimação para “acionar diretamente a empresa por intermédio da Justiça do Trabalho, para compeli-la a efetuar o depósito das importâncias devidas nos termos desta lei”. Para nós, o sindicato age, aqui, em nome próprio, mas, na defesa de interesse do trabalhador, vinculado à categoria correspondente, ou seja, trata-se, inegavelmente, de substituição processual.

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Poucos meses depois, porém, foi editada a Lei nº 8.073, de 30.07.1990, que instituiu nova política nacional de salários. Essa

lei, não obstante o veto presidencial a quase todas as suas normas, manteve incólume o art. 3º, segundo o qual as “entidades sindicais poderão atuar como substitutos processuais dos integrantes da categoria”. No âmbito da jurisdição civil coletiva ou jurisdição trabalhista metaindividual, o estudo da substituição processual revela-se extremamente importante, especificamente, na temática dos interesses ou direitos individuais homogêneos, uma vez que os arts. 127 e 129, III, da CF, combinados com os arts. 21 da LACP, 91 e 92 do CDC, 6º, VII, d, 83 e 84 da LOMPU e 3º da Lei nº 8.073/1990, conferem, segundo se verá mais adiante, legitimação extraordinária ao Ministério Público do Trabalho para defender, na qualidade de substituto processual, interesses individuais homogêneos dos trabalhadores. Dessa forma, partindo-se da premissa de que os direitos ou interesses individuais homogêneos são materialmente individuais, embora, em razão de sua origem comum, possam ser processualmente tutelados por demanda coletiva, conclui-se que a legitimação conferida às pessoas jurídicas e instituições arrolados no sistema integrado de acesso coletivo à justiça (CF/LACP/CDC) é do tipo extraordinária, ocorrendo aí o fenômeno da substituição processual. Nesse sentido, o Pleno do STF já deixou assentado: Processo civil. Sindicato. Art. 8º, III, da Constituição Federal. Legitimidade. Substituição processual. Defesa de direitos e interesses coletivos ou individuais. Recurso conhecido e provido. O art. 8º, III, da Constituição Federal estabelece a legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam. Essa legitimidade extraordinária é ampla, abrangendo a liquidação e a execução dos créditos reconhecidos aos trabalhadores. Por se tratar de típica hipótese de substituição processual, é desnecessária qualquer autorização dos substituídos. Recurso conhecido e provido. (STF, RE 193503/SP, TP, Rel.


O TST, por sua vez, superou a sua posição restritiva e passou a adotar amplamente a substituição processual, como se infere do seguinte julgado da SBDI-1: Agravo de instrumento. Legitimidade do sindicato para atuar como substituto processual dos integrantes da categoria. Afronta ao art. 8º, III, da Constituição Federal configurada, razão pela qual se dá provimento ao agravo interposto. Agravo de instrumento conhecido e provido. Recurso de revista. Legitimidade do sindicato para atuar como substituto processual dos integrantes da categoria. O art. 872, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho foi recepcionado apenas em parte pela Constituição Federal de 1988. A expressão “de seus associados” não foi recepcionada, porque incompatível com a nova ordem constitucional. O art. 8º, III, da Carta Magna autoriza a atuação ampla do sindicato, na qualidade de substituto processual, dada a sua função institucional de defesa dos direitos e interesses individuais e coletivos da categoria. Tem-se, portanto, que, a despeito da existência ou não de rol dos substituídos na ação originariamente ajuizada, em se tratando de substituição processual, podem os integrantes da categoria, em qualquer tempo durante a execução, habilitar-se, alcançando-se, inclusive, uma finalidade importante em termos de celeridade, para evitar que toda a discussão seja novamente deflagrada. Recurso de revista conhecido e a que se dá provimento. (TST-ED-RR 9988600-48.2003.5.02.0900, 1ª T., Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, J. 07.05.2008, DEJT 13.06.2008)

6.3 Interesse processual No campo do processo do trabalho, ocorre a carência de ação, por falta de interesse processual na modalidade necessidade, por exemplo, o empregador que ajuíza ação de inquérito para apuração de falta grave do empregado eleito para Comissão Interna de Prevenção de Acidente – CIPA, que é detentor de proteção da relação empregatícia contra dispensa arbitrária ou sem justa causa (ADCT, art. 10, II, a).

Diferentemente do dirigente sindical, que só pode ser dispensado se cometer falta grave apurada em inquérito judicial específico (CF, art. 8º, VIII; CLT, arts. 494, 543 e 853), o empregado eleito membro de CIPA pode ser dispensado por justa causa e somente se ele ajuizar ação trabalhista postulando reintegração, o empregador/réu poderá provar, em contestação, que a dispensa não foi arbitrária ou sem justa causa (CLT, art. 165, parágrafo único). Nesse sentido: Garantia provisória do emprego de membro de Cipa. Instauração de inquérito judicial para apuração de falta grave. Carência de ação. É juridicamente desnecessária a instauração de inquérito judicial para apuração de falta grave para dispensa de empregado membro de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPC, ocorrendo carência do direito de ação, por ausência de interesse/necessidade de provimento judicial autorizativo para extinção do vínculo de labor. Inteligência do parágrafo único do art. 165 da CLT. (TRT 17ª R., RO 0114600-89.2006.5.17.0013, 2ª T., Rel. Des. Carlos Henrique Bezerra Leite, Rev. Desª Wanda Lúcia Costa Leite França Decuzzi, DEJT 04.06.2008)

Outro exemplo de falta de interesse na Justiça do Trabalho seria o do empregado de uma empresa pública que, em vez de ajuizar ação trabalhista em face do empregador, visando a sustar um desconto salarial que considera indevido, impetra mandado de segurança contra o ato do diretor dizendo ser este autoridade administrativa. Ora, a ação escolhida pelo autor é inadequada ao fim colimado, resultando disso a carência da ação, por falta de interesse na modalidade inadequação da via eleita, pois a ação adequada, in casu, seria a reclamação trabalhista proposta em face da pessoa jurídica empregadora. Podemos invocar, ainda, a OJ 188 da SBDI-1 do TST: Decisão normativa que defere direitos. Falta de interesse de agir para ação individual. Falta interesse de agir para a ação individual, singular ou plúrima, quando o direito já foi reconhecido através de decisão normativa, cabendo, no caso, ação de cumprimento.

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Min. Carlos Velloso, Rel. p/o Ac. Min. Joaquim Barbosa, J. 12.06.2006, DJe-087, div. 23.08.2007, publ. 24.08.2007, DJ 24.08.2007, p. 00056)

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Semelhantemente ao que ocorre com a legitimidade ad causam, verificando a ausência de interesse de agir, o juiz deverá indeferir a petição inicial (novo CPC, art. 330, II e III) ou, posteriormente, extinguir o processo sem resolução do mérito (novo CPC, art. 485, VI).

CONCLUSÃO Diante do exposto, é possível concluir que, com a entrada em vigor do novo CPC, a possibilidade jurídica deixará de ser uma condição da ação e passará a ser tratada como questão de mérito e, uma vez verificada a (im)possibilidade jurídica do pedido, deverá o juiz proferir sentença com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do novo CPC.

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A legitimidade da parte e o interesse de agir continuam como espécies de condições da ação e a suas presenças devem ser analisadas, num primeiro momento, com base na teoria da asserção, sendo certo que o art. 330, I e II, do novo CPC autoriza o juiz a indeferir a petição inicial quando “a parte for manifestamente ilegítima” e “o autor carecer de interesse processual”.

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Se a aferição da legitimidade ad causam e do interesse processual depender de instrução do feito, o juiz não deverá indeferir a petição inicial. Passada essa fase procedimental, ou seja, depois de contestada a ação, o Magistrado deverá se valer da regra contida no art. 485, VI, do novo CPC, extinguindo o processo sem resolução do mérito por ser o autor carecedor da ação. O juiz conhecerá de ofício as condições da ação (legitimidade e interesse processual) em qualquer tempo e grau de jurisdição (na instância ordinária, ressalvamos), enquanto não ocorrer o trânsito em julgado (novo CPC, art. 485, § 3º). Em suma, à exceção do tratamento conferido pelo novo CPC à (im)possibilidade jurídica do pedido, que passará a ser exami-

nado judicialmente como matéria de mérito, a legitimidade e o interesse processual continuarão a ser tratados como condições da ação no novel diploma.

REFERÊNCIAS BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo: Malheiros, 2010. BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2013. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual. São Paulo: Atlas, v. 1, 2014. ______. Será o fim das condições da ação? Uma resposta a Fredie Didier Junior. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 36, v. 197, 2011. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2014. DICIONÁRIO Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. DIDIER, Fredie Jr. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, v. 1, 2014. ______. Será o fim das condições da ação? Um elogio ao projeto do Novo Código de Processo Civil. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 36, v. 197, 2011. GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 2011. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Tocantins: Intelectos, v. 1, 2003. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. São Paulo: RT, v. 1, 2006. ______; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil: comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. ZANETI JÚNIOR, Hermes. Processo constitucional: o modelo constitucional do processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.


Acórdão na Íntegra

Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial nº 1.114.398/PR (2009/0067989-1) Relator: Ministro Sidnei Beneti Recorrente: Petróleo Brasileiro S/A Petrobras Advogado: Candido Ferreira da Cunha Lobo Advogados: Ananias Cezar Teixeira e outro(s) Advogado: Nilton Antônio de Almeida Maia Recorrido: Gabriel Correa Advogado: Humberto Gomes de Barros Advogados: Sandalo Bueno do Nascimento Filho EMENTA AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANOS MATERIAIS E MORAIS A PESCADORES CAUSADOS POR POLUIÇÃO AMBIENTAL POR VAZAMENTO DE NAFTA, EM DECORRÊNCIA DE COLISÃO DO NAVIO N-T NORMA NO PORTO DE PARANAGUÁ – 1) PROCESSOS DIVERSOS DECORRENTES DO MESMO FATO, POSSIBILIDADE DE TRATAMENTO COMO RECURSO REPETITIVO DE TEMAS DESTACADOS PELO PRESIDENTE DO TRIBUNAL, À CONVENIÊNCIA DE FORNECIMENTO DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL UNIFORME SOBRE CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FATO, QUANTO A MATÉRIAS REPETITIVAS; 2) TEMAS: A) CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE NO JULGAMENTO ANTECIPADO, ANTE OS ELEMENTOS DOCUMENTAIS SUFICIENTES; B) LEGITIMIDADE DE PARTE DA PROPRIETÁRIA DO NAVIO TRANSPORTADOR DE CARGA PERIGOSA, DEVIDO A RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR; C) INADMISSÍVEL A EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE POR FATO DE TERCEIRO; D) DANOS MORAL E MATERIAL CARACTERIZADOS; E) JUROS MORATÓRIOS: INCIDÊNCIA A PARTIR DA DATA DO EVENTO DANOSO – SÚMULA Nº 54/STJ; F) SUCUMBÊNCIA; 3) IMPROVIMENTO DO RECURSO, COM OBSERVAÇÃO

1. É admissível, no sistema dos recursos repetitivos (CPC, art. 543-C e Resolução STJ nº 8/2008) definir, para vítimas do mesmo fato,

em condições idênticas, teses jurídicas uniformes para as mesmas consequências jurídicas. 2. Teses firmadas: a) Não cerceamento de defesa ao julgamento antecipado da lide. Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide (CPC, art. 330, I e II) de processo de ação de indenização por danos materiais e morais, movida por pescador profissional artesanal contra a Petrobrás, decorrente de impossibilidade de exercício da profissão, em virtude de poluição ambiental causada por derramamento de nafta devido a avaria do Navio “N-T Norma”, a 18.10.2001, no Porto de Paranaguá, pelo período em que suspensa a pesca pelo Ibama (da data do fato até 14.11.2001); b) Legitimidade ativa ad causam. É parte legítima para ação de indenização supra referida o pescador profissional artesanal, com início de atividade profissional registrada no Departamento de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura, e do Abastecimento anteriormente ao fato, ainda que a emissão da carteira de pescador profissional tenha ocorrido posteriormente, não havendo a ré alegado e provado falsidade dos dados constantes do registro e provado haver recebido atenção do poder público devido a consequências profissionais do acidente; c) Inviabilidade de alegação de culpa exclusiva de terceiro, ante a responsabilidade objetiva. A alegação de culpa exclusiva de terceiro pelo acidente em causa, como excludente de responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria do risco integral e da responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981), responsabilizando o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador. d) Configuração de dano moral. Patente o sofrimento intenso de pescador profissional artesanal, causado pela privação das condições de trabalho, em consequência do dano ambiental, é também devida a indenização por dano moral, fixada, por equidade, em valor equivalente a um salário-mínimo. e) termo inicial de incidência dos juros moratórios na data do evento danoso. Nos termos da Súmula nº 54/STJ, os


juros moratórios incidem a partir da data do fato, no tocante aos valores devidos a título de dano material e moral; f) Ônus da sucumbência. Prevalecendo os termos da Súmula nº 326/STJ, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não afasta a sucumbência mínima, de modo que não se redistribuem os ônus da sucumbência. 3. Recurso especial improvido, com observação de que julgamento das teses ora firmadas visa a equalizar especificamente o julgamento das ações de indenização efetivamente movidas diante do acidente ocorrido com o Navio N-T Norma, no Porto de Paranaguá, no dia 18.10.2001, mas, naquilo que encerram teses gerais, aplicáveis a consequências de danos ambientais causados em outros acidentes semelhantes, serão, como natural, evidentemente considerados nos julgamentos a se realizarem.

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ACÓRDÃO

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Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão. Sustentaram oralmente os Drs. Sandalo Bueno do Nascimento Filho, pelo Recorrido: Gabriel Correa e Indira Ernesto Silva, pelo Interessado: Ibama (amicus curiae). Brasília, 8 de fevereiro de 2012 (data do Julgamento). Ministro Sidnei Beneti Relator

RELATÓRIO O Exmo. Sr. Ministro Sidnei Beneti: 1. Tratam os presentes autos de ação de indenização ajuizada por Gabriel Correa, pescador profissional, objetivando a condenação de Petróleo Brasileiro S/A Petrobrás ao pagamento de danos morais e materiais causados por vazamento de nafta do Navio N-T Norma, de propriedade da Petrobrás S/A – Transpetro, ocorrido no dia 18.10.2001, fato de que decorreu a proibição da atividade de pesca, decretada por órgãos municipais e ambientais por um mês, nas regiões em que o autor trabalhava como pescador. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, condenando a ré, Petrobrás, ora recorrente e também recorrida, a pagar, “a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais), e, a título de danos materiais, R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais), ambos corrigidos monetariamente a partir da presente data e acrescidos de juros legais contados da citação. Tendo o autor decaído de parte mínima de seu pedido, condeno a ré ao pagamento das custas e despesas do processo, bem como dos honorários advocatícios da parte contrária, os quais fixo em 15% do valor total da condenação” (fls. 61), e, diante de improvimento de embargos de declaração da ré, foi a esta aplicada multa de 1% do valor da causa (fls.65). A 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná deu parcial provimento às apelações interpostas pelas partes, para (fls. 162): “a) reduzir o valor da indenização por danos morais para R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais); b) determinar a incidência dos juros de mora em relação aos danos materiais e morais a partir do evento danoso; c) afastar a imposição da multa por embargos de declaração protelatórios; d) reduzir o valor dos honorários advocatícios para 10% sobre o valor da condenação.”


Apelação cível. Ação de indenização. Navio. Colisão. Vazamento de nafta. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Responsabilidade objetiva. Caso fortuito não configurado. Ilegitimidade passiva. Condição de pescador. Comprovação. Dever de indenizar. Danos materiais. Danos morais. Valor da indenização. Redução. Multa por embargos de declaração protelatórios. Afastamento. Lucros cessantes. Não comprovação. Juros de mora. Incidência. Sucumbência mínima. Honorários advocatícios. Redução. Recurso de apelação e recurso adesivo parcialmente providos. 1. O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que o propósito de produção de provas não obsta o julgamento antecipado da lide, se os aspectos decisivos da causa se mostram suficientes para embasar o convencimento do magistrado. 2. Tratando-se de dano ambiental a responsabilidade da apelante é objetiva, restando afastada a alegação de caso fortuito, uma vez que o deslocamento da bóia de sinalização, por si só, não acarretou danos ao autor. 3. Tendo em vista que a interdição da pesca foi causada em razão do vazamento de nafta, decorrente da colisão do navio de propriedade da ora apelante, resta afastada sua alegação de ilegitimidade passiva. 4. Conforme entendimento jurisprudencial, a apresentação de carteira profissional é suficiente para comprovar a condição de pescador. 5. Diante da responsabilidade objetiva, deve a ora apelante indenizar os danos decorrentes de sua atividade, independentemente da prática de ato ilícito. 6. Não há dúvidas de que a colisão do navio “N/T Norma” trouxe inúmeros prejuízos ao meio ambiente e aos pescadores da região, os quais devem ser reparados. No tocante ao valor, diante da ausência de parâmetros seguros para aferição da renda mensal do autor, inexiste óbice à adoção do valor correspondente ao salário mínimo, por ser este o mínimo que um trabalhador pode receber. 7. No caso, o dano moral restou caracterizado por meio da impossibilidade do autor de trabalhar, que atingiu valores íntimos da personalidade. 8. Acerca do valor a título de indenização por dano moral, sopesando os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, mostra-se excessiva a quantia arbitrada pelo MM. Juiz a quo, razão pela qual deve ser reduzida.

9. “Afasta-se a multa aplicada com fundamento no parágrafo único do art. 538 do CPC na hipótese em que não resta caracterizado o propósito protelatório na interposição dos embargos de declaração” (3ª Turma, REsp 512004/BA, Min. Nancy Andrighi). 10. Os lucros cessantes, para que sejam devidos, não podem estar embasados em simples alegações, mas sim, em fatos e valores concretos, devidamente comprovados. 11. De acordo com a Súmula nº 54 do STJ, em caso de responsabilidade extracontratual, os juros de mora incidem a partir do evento danoso. 12. Tendo em vista a sucumbência mínima do autor, escorreita a r. sentença que condenou a ré, ora apelante, pagamento integral das custas processuais e honorários advocatícios. 13. A verba honorária deve ser fixada no mínimo legal, ou seja, 10% do valor da condenação, revertendo em quantia que remunera dignamente os serviços prestados, sem aviltar a nobre profissão do advogado.

2. Petróleo Brasileiro S/A Petrobrás interpôs o presente recurso especial, alegando violação dos arts. 21, 125, 130, 330, I, e 333 do Código de Processo Civil; 14, § 1º, da Lei nº 6.983/1981; 960 e 1.064 do Código Civil de 1916; e 402 e 884 do atual Código Civil, pleiteando o seguinte (fls. 181): “a) seja declarada a nulidade do acórdão por cerceamento de defesa, baixando o feito à origem para produção das provas necessárias; b) que seja declarada a nulidade do acórdão ora recorrido, baixando-se o processo para que seja oportunizada a produção de prova no sentido de demonstrar o recorrente que o evento danoso deu-se por fato da natureza; c) excluir-se a responsabilidade da recorrente, devendo este Superior Tribunal manifestar-se sobre qual posicionamento deverá ser adotado no presente pleito, prevalecendo os entendimentos do TJMG e TJMT, acerca da mitigação da teoria do risco integral; d) seja declarada a negativa de vigência ao § 1º do art. 14 da Lei nº 6.983/1981, pois o dito evento natural caracteriza caso fortuito e força maior, capaz de afastar a obrigação integral de reparar os eventuais danos gerados pelo incidente, declarando-se a exclusão de responsabi-

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O acórdão está assim ementado (fls. 136/139):

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lidade da recorrente, tendo o TJPR interpretado de maneira equivocada referido dispositivo; e) que este Superior Tribunal manifeste-se acerca da divergência suscitada no tocante à inexistência de dano moral (ofensa à honra objetiva ou subjetiva do indivíduo), devendo prevalecer o entendimento paradigma do TJRJ, de que o fato não gera dano moral; f) requer, ainda, seja enfrentada a questão acerca da divergência apontada no tocante ao termo de incidência dos juros moratórios, devendo prevalecer o entendimento esposado pelo TJMA e TJRO; g) seja analisada a questão relativa a negativa de vigência aos arts. 960 e 1.064 do CC de 1916, e aos correspondentes, arts. 397 e 407 do atual código, no que concerne ao termo de incidência dos juros nos danos morais que devem incidir a partir da fixação do valor da indenização; h) seja reconhecida a negativa de vigência ao art. 21, caput, do CPC bem como sanada divergência jurisprudencial colacionado para o fim de distribuir o ônus da sucumbência de forma recíproca.”

3. Sem contrarrazões (fls. 277), o recurso especial (fls. 166/181) foi admitido pela Presidência do Tribunal de origem como recurso representativo de controvérsia (art. 543-C do CPC e Resolução STJ nº 8/2008 – fls. 279/280), por decisão assim lançada:

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“A presente hipótese, de ação de indenização por danos materiais e morais em razão de acidente ambiental ocorrido no Porto de Paranaguá com o navio N/T Norma, em outubro de 2001, versa sobre matéria repetitiva, tendo em vista a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito em que se controverte acerca dos seguintes temas: a) cerceamento de defesa em decorrência do julgamento antecipado da lide; b) ilegitimidade ativa ad causam; c) presença de culpa exclusiva de terceiro como excludente de responsabilidade, o que importaria na não aplicação da teoria do risco integral; d) ausência do dano moral; e) termo inicial de incidência dos juros moratórios; e

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f) redistribuição dos ônus da sucumbência.”

4. Em 14.10.2010, com fundamento no art. 543-C do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei nº 11.672, de 08.05.2008, e na forma do art. 2º, §§ 1º e 2º, c/c art. 7º da Resolução STJ nº 8, de 07.08.2008, afetou-se o presente processo à eg. 2ª Seção do Tribunal (fls. 321/326). 5. Registra-se a intervenção de Arnoldo Aguiar, ainda perante a Presidência do Tribunal de origem, invocando a qualidade de terceiro (CPC, art. 543-C), alegando a qualidade de parte em recurso relativo à mesma questão (fls. 297/307), bem como, ainda, a intervenção do Ibama – Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, fls. 351/368), ambos os intervenientes pleiteando, se conhecido, o improvimento do recurso. O recorrido voltou a manifestar-se (fls. 329/330), juntando cópia de parecer oferecido pelo Ministério Público Federal no Recurso Especial nº 1157036/PR (fls. 332/338). 6. O Ministério Público Federal, manifestando-se por intermédio do em. Subprocurador-Geral da República, Dr. José Bonifácio Borges de Andrada opinou pelo conhecimento do recurso especial e não provimento (fls. 370/379). É o relatório. VOTO O Exmo. Sr. Ministro Sidnei Beneti: 7. O julgamento como recurso repetitivo (denominado recurso representativo de controvérsia) deve realizar-se “quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito” (art. 543-C do Código de Processo Civil, com a redação da Lei nº 11.672).


As várias questões de direito destacadas pelo em. Presidente do Tribunal de origem para o julgamento em regime de recurso repetitivo decorrem de um mesmo fato e das mesmas conseqüências para todos os que se encontravam na mesma situação do autor, ora recorrido, isto é, o acidente náutico, com derramamento de nafta, provocando a suspensão da atividade pesqueira, por período tempo certo, como consta de atos oficiais bem documentados nos autos, de modo a causar a suspensão da atividade de pescador profissional do autor e, consequentemente, a acarretar-lhe prejuízos de natureza patrimonial e moral. Com efeito, firmes os fatos, em cujo exame não se pode ingressar (Súmula nº 7/STJ), vêm as conseqüências jurídicas deles decorrentes, as quais, conseqüências jurídicas, compõem o elenco de questões de direito que se impõe dirimir de forma idêntica para todos os casos repetidos. A orientação jurisprudencial sobre os temas jurídicos conseqüentes aos fatos já está consolidada nesta Corte, de modo que, a rigor, tem-se verdadeiro julgamento de consolidação de teses, quanto aos fatos. Os argumentos ora deduzidos já foram, à exaustão, examinados por este Tribunal, em decisões colegiadas e unipessoais. Saliente-se que o julgamento das teses destacadas pela Presidência do Tribunal de origem representa avanço significativo para a prestação jurisdicional, pois permite, em ações indenizatórias, decorrentes de um mesmo fato, movidas em processos diversos por vários interessados que se encontrem na mesma

situação, o alimpamento de questões de direito que em cada um dos processos diversos poderiam vir a ter enfoque jurisdicional diverso, levando, portanto, à possibilidade de soluções contraditórias, além da indesejável demora maior de alguns dos processos, de modo subjetivamente incompreensível e objetivamente injusto para os próprios envolvidos – como, aliás, muitas vezes ocorre em casos como de naufrágios de embarcações, desastres de trens ou ônibus, acidentes aeronáuticos, em que todos os lesados se encontram, rigorosamente, na mesma situação fática, restando ao Poder Judiciário atribuir as conseqüências jurídicas às ações por eles movidas. No âmbito de julgamento sob a égide do art. 543-C do Código de Processo Civil, com a redação da Lei nº 11.672, assume menor relevo a confrontação de alguns pormenores fáticos geralmente constantes dos processos, prevalecendo o fulcro das teses submetidas a julgamento. Da mesma forma, centraliza-se o julgamento no exame da violação de direito federal infra-constitucional (CF, art. 103, III, letra a), perdendo força, ante a suficiência desse fundamento, confrontação de julgados (CF, art. 103, III, letra c). 8. Temas do recurso repetitivo, destacados pelo Presidente do Tribunal de origem, e que devem ser ora julgados, na forma do 543-C do Código de Processo Civil, por assentes na jurisprudência do Tribunal, são os seguintes: a) cerceamento de defesa em decorrência do julgamento antecipado da lide; b) ilegitimidade ativa ad causam; c) presença de culpa exclusiva de terceiro como excludente de responsabilidade, o que importaria na não aplicação da teoria do risco integral; d) ausência do dano moral;

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É o caso dos autos. Sem embargo de casos análogos anteriores haverem sido julgados individualmente, tem-se que, a rigor, é recomendável julgar-se de vez, em caráter de recurso repetitivo, o elenco de teses individualizadas com precisão pelo em. Presidente do Tribunal de origem – lembrando-se que numerosos julgamentos anteriores de questões idênticas antes recomenda do que afasta a composição uniforme das mesmas controvérsias.

e) termo inicial de incidência dos juros moratórios; e f) redistribuição dos ônus da sucumbência.

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a) Cerceamento de defesa em decorrência do julgamento antecipado da lide. No tocante à alegação de cerceamento de defesa em virtude do julgamento antecipado da lide, visando a afastar a responsabilidade objetiva, sem razão a Recorrente, bastando remeter aos adequados fundamentos expostos pelo Tribunal de origem assim (fls. 143/162): “Cerceamento de defesa Aduz a apelante que teria sido cerceada em seu direito de defesa, devido ao julgamento antecipado da lide. Não procedem as argumentações da apelante, pois a circunstância de ter o MM. Juiz a quo julgado antecipadamente a lide, não implicou, em momento algum, em cerceamento de defesa. Não houve contrariedade ao princípio da ampla defesa e do contraditório ao ser julgado antecipadamente o feito, sem a produção das provas pretendidas pela recorrente. O cerceamento de defesa ocorre quando, havendo a necessidade de produção de provas, estas são ilegalmente indeferidas. No caso em tela, não havia a necessidade de produção de provas, uma vez que os elementos constantes nos autos foram suficientes para a apreciação das alegações das partes.

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Assim, em sendo desnecessário maior embate probatório, não restou dúvidas ao diligente Magistrado em relação à solução a ser dada à lide, inexistindo qualquer cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado.

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comprovado por documento de identidade, como pescador profissional, fornecido pelo Ministério da Agricultura, em cujo registro o autor consta como exercente da profissão desde data anterior à do evento, embora emitida a cédula profissional em data ulterior, informações essas não questionadas, por alegação especificada (CPC, art. 302), substantivada com pormenores contrários, pela ré. Essa conclusão no sentido do preenchimento da condição de pescador profissional, atingido pelas conseqüências do acidente, é prestigiada pelo fato de, como consignado no julgado ora recorrido, após o acidente, o autor haver passado a receber atenção do Poder Público devido ao acidente cujas conseqüências prejudicaram-lhe o trabalho profissional. Questões relativas a valor da indenização, à luz do produto da atividade profissional do autor (assim como de cada um dos autores de outros processos ora abrangidos pelo presente julgamento em regime de recurso repetitivo), restam sob o julgamento de cada processo, como em cada um deles realizado. O acórdão recorrido, aliás, foi extremamente claro e preciso a respeito, afastando chance de acolhimento da alegação da ora recorrente: “Condição de pescador profissional

A solução dada à lide é legítima, se os aspectos decisivos da causa estão suficientemente maduros para embasar o convencimento do magistrado.

Alega a apelante que o ora apelado não comprovou sua qualidade de pescador.

Sendo o juiz o destinatário das provas, é óbvio que lhe cabe aferir a necessidade ou não de outros elementos probatórios a serem colhidos.

A carteira de pescador profissional juntada aos autos à fl. 14 demonstra que a data do 1º registro do apelado junto ao “Departamento de Pesca e Aqüicultura do Ministério da Agricultura e do Abastecimento ocorreu em 25.02.1988”.

Da mesma forma o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que o propósito de produção de provas não obsta o julgamento antecipado da lide, se os aspectos decisivos da causa se mostram suficientes para embasar o convencimento do magistrado.”

b) Ilegitimidade ativa ad causam. Configura-se a legitimidade ativa ante a qualidade de pescador profissional do autor, fato

Mais uma vez, não merece acolhida a alegação da apelante.

Apesar da referida carteira ter sido emitida em 12.09.2003, posteriormente o acidente, verifica-se que a atividade pesqueira é exercida pelo apelado desde 1988, tendo este sofrido os prejuízos causados pelo vazamento de nafta ocorrido em 2001, fato que demonstra sua condição de pescador à época dos fatos.


Assim, diante da apresentação de carteira profissional, resta afastada a alegação de ausência de comprovação da qualidade de pescador do ora apelado.”

c) Excludente de responsabilidade por culpa exclusiva de terceiro. Alegação de culpa de terceiro não elide a responsabilidade de transportador de carga perigosa, devido ao caráter objetivo dessa responsabilidade. Incide no caso a teoria do risco integral, vindo daí o caráter objetivo da responsabilidade. Ademais, jamais poderia ser aceita a excludente de responsabilidade por culpa de terceiro, sustentada com base na alegação de que a manobra causadora do acidente teria sido provocada pelo fato de deslocamento de bóia de sinalização. O dano ambiental, cujas conseqüências se propagaram ao lesado (assim como aos demais lesados), é, por expressa previsão legal, de responsabilidade objetiva (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981), impondo-se, pois, ao poluidor, indenizar, para, posteriormente, ir cobrar de terceiro que porventura sustente ter responsabilidade pelo fato. Assim sendo, descabida a alegação da ocorrência de caso fortuito, como excludente de responsabilidade. Lembrou o julgado, aliás, com argumentação certeira e insuperável, que, no caso, (fls. 145): “O responsável pelo vazamento de nafta, que acarretou a interdição da pesca, não foi o deslocamento da bóia de sinalização da entrada do canal, mas sim a colisão do navio de propriedade da empresa apelante com a alcunhada Pedra da Palangana.”

Incide o princípio do poluidor-pagador, já destacado em julgado desta Corte (REsp 769.753/SC, 2ª T., J. 08.09.2009, Rel. Min. Hermann Benjamim), de que se extrai:

“[...] 11. Pacífica a jurisprudência do STJ de que, nos termos do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981, o degradador, em decorrência do princípio do poluidor-pagador, previsto no art. 4º, VII (primeira parte), do mesmo estatuto, é obrigado, independentemente da existência de culpa, a reparar – por óbvio que às suas expensas – todos os danos que cause ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade, sendo prescindível perquirir acerca do elemento subjetivo, o que, consequentemente, torna irrelevante eventual boa ou má-fé para fins de acertamento da natureza, conteúdo e extensão dos deveres de restauração do status quo ante ecológico e de indenização.”

d) Dano moral. Presente, sem dúvida, além do dano material, o dano moral, pois, como é assente na jurisprudência desta Corte, deve ser composto o dano moral se do acidente resulta sofrimento de monta para o lesado. Nesse sentido a orientação deste Tribunal: Indenização. Dano material e dano moral. Acidente do trabalho. DORT (Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho). Art. 1.539 do Código Civil de 1916 (950 do vigente). Prova do dano. Lucros cessantes. Juros moratórios. Precedentes da Corte. 1. O art. 1.539 do Código Civil de 1916 (art. 950 do vigente), na parte final, estabelece que a pensão será correspondente à “importância do trabalho, para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu”. Com isso, o que vale para a fixação do percentual, em princípio, é a incapacidade para o trabalho que exercia no momento do ato lesivo, pouco relevando que haja incapacidade apenas parcial para outras atividades, salvo a comprovação de que o ofendido efetivamente exerce outro emprego remunerado. A mera possibilidade de fazê-lo está fora da presunção legal. 2. Os juros moratórios, em se tratando de acidente de trabalho, estão sujeitos ao regime da responsabilidade extracontratual, aplicando-se, portanto, a Súmula nº 54 da Corte. 3. É pertinente a condenação por dano moral quando há lesão à saúde, por menor que seja, ainda mais quando, como no caso, gera incapacidade absoluta e permanente do ofendido para o exercício da sua profissão. 4. A questão dos lucros cessantes fica ao desabrigo, no caso, porque não provado pela instituição financeira que não poderia ter ocorrido.

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5. A mais atualizada jurisprudência da Corte entende cabível a constituição de capital para assegurar o pagamento da condenação, não examinando o acórdão recorrido a possibilidade de sua substituição pela inclusão em folha.

Tratando-se de responsabilidade extracontratual – portanto ilícito absoluto, os juros incidirão a partir da data do evento danoso (art. 962 do Código Civil de 1916):

6. Vivo o ofendido, a pensão é vitalícia, na forma de monótona jurisprudência da Corte.

Art. 962. Nas obrigações provenientes de delito, considera-se o devedor em mora desde que o perpetrou.

7. Recurso especial da autora conhecido e provido e recurso especial da instituição financeira não conhecido.

O entendimento permanece consagrado no atual Código Civil, cujo art. 398 prevê que:

(REsp 569.351/MG, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, DJ 04.04.2005)

O sofrimento acentuado, diferente de mero incômodo, é verdadeiramente irrecusável, no caso de trabalhador profissional da pesca que resta, em virtude do fato, sem possibilidade de realização de seu trabalho.

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e) Termo inicial dos juros moratórios. A jurisprudência das Turmas que integram a Segunda Seção deste Tribunal é uníssona no sentido de que “os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”. Esse entendimento, fixado na Súmula STJ nº 54, em 1992, vem sendo mantido sem discrepância nos julgados recentes desta Corte.

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A distinção importante para estabelecer o termo inicial da fluência dos juros é entre o ato ilícito relativo e o ato ilícito absoluto, ou seja, se se trata de responsabilidade contratual ou extracontratual. Nos precedentes que deram origem à súmula acima referida estabeleceu- se que, quando se tratar de responsabilidade contratual, os juros moratórios incidirão a partir da data da citação do causador do dano (art. 219 do Código de Processo Civil): Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973)

Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora desde que o praticou.

A responsabilidade da ora recorrente no acidente em questão é extracontratual, decorrente de ato ilícito assim descrito pelo Acórdão recorrido (fls. 139/140): [...] vazamento de milhares de litros de nafta petroquímica, provocado pela colisão do navio N/T Norma, de propriedade da ré, com a alcunhada Pedra da Palangana [...] o que acarretou inúmeros prejuízos ao autor e sua família. diante da impossibilidade de exercer sua profissão de pescador.

O Tribunal de origem, a fim de fixar o termo inicial dos juros, observou o disposto na Súmula STJ nº 54, concluindo que “os juros de mora incidem a partir do evento danoso, ou seja, da colisão do navio N/T Norma, de propriedade da ré” (fl. 160). Vê-se, assim, que o entendimento do Tribunal de origem deve ser mantido, porquanto aplicou corretamente ao caso dos autos o entendimento consagrado na Súmula STJ nº 54. Anotem-se os precedentes desta Corte: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – DEPÓSITO JUDICIAL 1. A hipótese dos autos cuida de incidência dos expurgos inflacionários em depósito judicial, não guardando qualquer semelhança com a matéria discutida nos processos em trâmite no col. STF (RE 591.797/SP e 626.307/SP, Rel. Min. Dias Toffoli; e do AI 754.745/SP, Rel. Min. Gilmar


2. Manifesto o erro material da decisão de fls. 321, tornada sem efeito pela decisão de fls. 342, deve ser analisado o mérito do agravo regimental interposto em face da decisão restabelecida de fls. 271-275. 3. Os embargos de declaração destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade ou eliminar contradição existentes no julgado, sendo certo que não se coadunam com a pretensão de revisão do conteúdo da decisão embargada. 4. A alegação de ilegitimidade passiva do banco depositário foi afastada pela Corte de origem com base na inaplicabilidade do § 2º do art. 6º da Lei nº 8.024/1990, com as alterações da Lei nº 8.088/1990, ou seja, no caso dos autos, não se discute na espécie questão concernente à parcela de depósitos em caderneta de poupança escrituralmente transferidos ao Banco Central do Brasil por conta do advento do cognominado Plano Collor I. Discute-se, a ausência de restituição integral cumulada com atualização dos valores confiados à instituição financeira em razão de depósito judicial. 5. “O estabelecimento de crédito que recebe dinheiro, em depósito judicial, responde pelo pagamento da correção monetária relativa aos valores recolhidos” (Súmula nº 179/STJ). 6. Aplica-se o IPC como índice de atualização dos depósitos judiciais por ser o indicador que melhor refletiu a inflação no período em debate. Precedentes. 7. O banco depositário, ao conservar o capital pertencente ao agravado, obteve lucro em detrimento da perda acarretada ao mesmo, incorrendo na prática de ilícito extracontratual, razão pela qual os juros moratórios incidem a partir do evento danoso, in casu, a data da injusta recusa em restituir integralmente o valor depositado, conforme inteligência da Súmula nº 54 do STJ: “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”. Recurso infundado. Aplicação da multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC. Agravo regimental não provido. (AgRg-REsp 703.839/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, Julgado em 17.03.2011, DJe 23.03.2011)

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – ACIDENTE FERROVIÁRIO – VÍTIMA FATAL – CULPA CONCORRENTE – INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS 1. O STJ firmou entendimento no sentido de que há culpa concorrente entre a concessionária do transporte ferroviário e a vítima, seja pelo atropelamento desta por composição ferroviária, hipótese em que a primeira tem o dever de cercar e fiscalizar os limites da linha férrea, mormente em locais de adensamento populacional, seja pela queda da vítima que, adotando um comportamento de elevado risco, viaja como “pingente”. Em ambas as circunstâncias, concomitantemente à conduta imprudente da vítima, está presente a negligência da concessionária de transporte ferroviário, que não se cerca das práticas de cuidado necessário para evitar a ocorrência de sinistros. 2. Por não se enquadrar como excludente de responsabilidade, a concorrência de culpas não é suficiente para afastar o dever da concessionária de transporte ferroviário de indenizar pelos danos morais e materiais configurados. 3. A fixação do valor da compensação pelos danos morais deve balizar-se entre a justa composição e a vedação do enriquecimento ilícito, levando-se em consideração o critério da proporcionalidade, bem como as peculiaridades de cada espécie. Precedentes. 4. A pensão mensal fixada, a título de danos materiais, à luz do disposto no art. 945 do CC/2002, é devida a partir da data do evento danoso em se tratando de responsabilidade extracontratual, até a data em que o beneficiário – filho da vítima – completar 25 anos, quando se presume ter concluído sua formação. Precedentes. 5. A incidência do 13º salário e das férias remuneradas acrescidas de 1/3 na indenização pelos danos materiais somente é viável ante a comprovação de que a vítima fazia jus a esses benefícios na época do sinistro. Precedentes. 6. Sendo a União sucessora da recorrida, é desnecessária a constituição de capital para garantir o pagamento das prestações vincendas do pensionamento, desde que incluído o beneficiário em folha de pagamento. 7. Os juros moratórios de 6% ao ano são devidos a partir da data do evento danoso, na forma da Súmula nº 54 do STJ, observando-se o limite disposto nos arts. 1.062 e 1.063 do CC/1916, até janeiro de 2003, momento a partir do qual passa a vigorar a disposição contida no art.

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Mendes), ou seja, expurgos inflacionários em caderneta de poupança, razão pela qual não deve ser suspenso.

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406 do CC/2002, nos moldes do precedente da Corte Especial, que aplica a Taxa Selic. 8. A correção monetária, também incidente a partir do evento danoso e que deve ser alcançada mediante a aplicação de índice que reflita a variação de preços ao consumidor, terá sua incidência cessada a partir do momento em que iniciada a da Taxa Selic, sob pena de bis in idem. Precedente. 9. Recurso especial parcialmente provido, com o afastamento da incidência da multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC. (REsp 1139997/RJ, Relª Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, Julgado em 15.02.2011, DJe 23.02.2011) AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DO TRABALHO COM BASE NO DIREITO COMUM – RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL – TERMO INICIAL DOS JUROS – HONORÁRIOS DE ADVOGADO A responsabilidade do empregador, em caso de acidente do trabalho, é extracontratual. “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual” (Súmula nº 54/STJ). Havendo sido dispensada a constituição de capital, não se aplica a regra do art. 2º, § 5º, do CPC.

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Embargos conhecidos e acolhidos, em parte.

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(EREsp 146.398/RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Rel. p/o Ac. Min. Barros Monteiro, Segunda Seção, Julgado em 28.06.2000, DJ 11.06.2001, p. 90)

f) Redistribuição da sucumbência e honorários. Igualmente quanto à sucumbência, o Acórdão aplicou devidamente a jurisprudência desta Corte. “Sustenta a apelante a necessidade de redução do valor arbitrado a título de honorários advocatícios e o reconhecimento da sucumbência recíproca, já que o apelado teria decaído em 1/3 de seu pedido.

Contudo, o autor, ora recorrente adesivo, restou vencido apenas com relação aos lucros cessantes, sendo vencedor nos demais pedidos formulados. Ressalte-se ainda o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, consolidado na Súmula nº 326, de que: “Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca”. Assim, caracterizada a sucumbência mínima do autor, escorreita a r. sentença que condenou a ré, ora apelante, ao pagamento integral das custas processuais e honorários advocatícios, conforme parágrafo único do art. 21 do Código de Processo Civil. No tocante ao pedido de redução do valor arbitrado a título de honorários advocatícios, assiste razão à apelante. Ao arbitrar o percentual dos honorários advocatícios devidos ao patrono da parte adversa, o Julgador deve atentar para os comandos legais insertos no § 3º do art. 20 do CPC, combinado com as alíneas a, b e c do mesmo dispositivo. Devem ser sopesados: o grau de zelo profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido em seu serviço. No caso, considerando a ausência de instrução probatória, a natureza da causa e o trabalho realizado pelo procurador do apelado, suficiente a fixação dos honorários advocatícios no mínimo legal, ou seja, em 10% sobre o valor da condenação. Não há, portanto, qualquer ofensa aos seguintes dispositivos legais: arts. 21, 330, 331, 333 do Código de Processo Civil e art. 5º, LV, da Constituição Federal.”

9. O julgamento das teses ora firmadas visa a equalizar especificamente o julgamento das ações de indenização efetivamente movidas diante do acidente ocorrido com o Navio N-T Norma, no Porto de Paranaguá, no dia 18.10.2001, mas, naquilo que encerram teses gerais, aplicáveis a conseqüências de danos ambientais causados em outros acidentes semelhantes, serão, como natural, evidentemente considerados nos julgamentos a se realizarem.


10. Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso especial. Publicado o acórdão, expeçam-se ofícios, transmitindo cópia do presente julgamento a todos os em. Presidentes dos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, para que se proceda nos termos do 543-C, §§ 7º, I e II, e 8º, do Código de Processo Civil, com a redação da Lei nº 11.672, de 08.05.2008.

Advogado: Nilton Antônio de Almeida Maia Recorrido: Gabriel Correa Advogado: Humberto Gomes de Barros Advogado: Sandalo Bueno do Nascimento Filho Assunto: Direito Civil – Responsabilidade Civil

11. Intimem-se o Ministério Público Federal e o Ibama. Ministro Sidnei Beneti

SUSTENTAÇÃO ORAL Sustentaram oralmente os Drs. Sandalo Bueno do Nascimento Filho, pelo Recorrido: Gabriel Correa e Indira Ernesto Silva, pelo Interessado: Ibama (amicus curiae).

CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA SEÇÃO REsp 1.114.398/PR Número Registro: 2009/0067989-1 Números Origem: 37642004 4823341 482334101 Pauta: 08.02.2012 Julgado: 08.02.2012

CERTIDÃO Certifico que a egrégia Segunda Seção, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Seção, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Henrique Fagundes Filho

Os Srs. Ministros Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro Relator.

Secretária: Belª Ana Elisa de Almeida Kirjner

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Relator: Exmo. Sr. Ministro Sidnei Beneti Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão

AUTUAÇÃO Recorrente: Petróleo Brasileiro S/A Petrobras

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão. Brasília, 8 de fevereiro de 2012

Advogado: Candido Ferreira da Cunha Lobo

Ana Elisa de Almeida Kirjner

Advogados: Ananias Cezar Teixeira e outro(s)

Secretária

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Relator

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Pesquisa Temática

Execução Penal Execução penal – crime militar – livramento condicional – constrangimento ilegal – alegação “Execução penal. Crime militar. Livramento condicional. Estabelecimento prisional. Fiscalização da justiça comum. Princípio da isonomia ementa corpus. Execução penal. Alegação de constrangimento ilegal porque aplicado à hipótese o art. 89, inciso I, alínea a, do Código Penal Militar, considerando-se que o paciente só faria jus ao livramento condicional após cumprir metade da pena. Concomitantemente foi feito pedido de extensão dos efeitos do julgamento do HC 0034398-51. Parecer da Procuradoria de Justiça pelo não conhecimento do habeas corpus, alegando violação ao sistema processual recursal, porque este não é substituto legal do recurso de agravo previsto na Lei de Execução Penal. No mérito, opinou pela denegação da ordem. 1. Destaco e afasto a preliminar de não conhecimento do writ. Embora exista recurso próprio para impugnar a decisão acima referida, a ação constitucional impetrada abrange qualquer violação ao direito de locomoção, sendo o caso dos autos. 2. Trata-se de policial militar (ou ex-policial) que cometeu o crime militar do art. 244, § 1º, I e II, na forma do art. 53 e combinado com o art. 70, inciso II, todos do Código Penal Militar e que vem cumprindo sua pena de 11 (onze) anos, 07 (sete) meses de reclusão em regime fechado. 3. Embora a Unidade Prisional da Polícia Militar deste Estado esteja subordinada diretamente à Corregedoria Interna da Polícia Militar, verifica-se que a execução da pena cabe à Vara de Execuções Penais da Capital. 4. Assim, registro que reformulamos o nosso ponto de vista quanto ao tema para sustentar que, em prestígio ao princípio da isonomia, deve ser aplicada, para fins de cálculo para a concessão do livramento condicional, a fração de 1/3 (um terço) aos condenados pela Justiça castrense que estiverem cumprindo pena em estabelecimento prisional sujeito à fiscalização da Justiça comum. 5. O impetrante não demonstrou de forma satisfatória os requisitos do art. 580 do CPP, sendo indeferido o pleito de extensão dos efeitos do julgamento do HC 0034398-51. 6. Ordem conhecida e concedida parcialmente para desconstituir a decisão impugnada e determinar que outra seja proferida, levando-se em conta, para efeito do cálculo para o livramento condicional a fração de 1/3 (um terço), trazida pelo art. 83, I, do Código Penal.” (TJRJ – HC 0037723-97.2013.8.19.0000 – 5ª C.Crim. – Rel. Des. Cairo Italo Franca David – DJe 09.10.2013)

Execução penal – estabelecimento prisional – transferência – ilegalidade “Habeas corpus. Processo de execução penal. Transferência de estabelecimento prisional. Alegação de ilegalidade. 1. Preliminar de não conhecimento suscitada de ofício. Matéria que desafia recurso próprio. Impossibilidade de discussão, na via eleita, acerca da pertinência da transferência almejada. Necessidade de dilação probatória. Incompatibilidade com o rito do writ. 2. Inviabilidade da transferência imediata do paciente diante da necessidade prévia de análise do pleito de progressão prisional. Custo elevado do deslocamento. Suspensão da medida até a realização do ato processual em referência. 3. Ordem não conhecida, remoção suspensa de ofício. 1. A transferência de estabelecimento prisional não pode ser tratada na via estreita do habeas corpus, eis que pressupõe detida análise dos requisitos objetivos e subjetivos a serem aquilatados pelo Juízo das Execuções Penais ou em recurso de agravo em execução, previsto pelo ordenamento jurídico pátrio, uma vez que demanda dilação probatória, inviável no estreito âmbito do writ. 2. Diante da notícia da pendência de análise de pleito de progressão prisional aviado pelo paciente, a remoção do beneficiário deve ficar suspensa até a realização do citado ato processual, a fim de evitar um custo desnecessário ao Estado com a transferência do favorecido.” (TJMT – HC 132851/2012 – Rel. Des. Luiz Ferreira da Silva – DJe 19.12.2012)


Execução penal – falta disciplinar – anulação – absolvição “Habeas corpus. Execução penal. Falta disciplinar grave. Anulação. Absolvição via eleita inadmissibilidade. Matéria insuscetível de habeas corpus. Impossibilidade de dilação probatória. Decisão que desafia recurso próprio, agravo em execução Impetração de habeas corpus que não pode ser processada. Necessidade de se observar o princípio maior do devido processo legal. Habeas corpus que não constitui sucedâneo recursal. Necessário encaminhamento de cópia deste Acórdão à Funap, para eventual postulação de benefícios. Petição inicial de habeas corpus indeferida, com determinação.” (TJSP – HC 0139888-33.2013.8.26.0000 – (6900733) – 3ª CDCrim. – Rel. Des. Amado de Faria – DJe 08.08.2013)

Execução penal – falta grave – contagem do prazo – reinício “Processual penal e execução penal. Cometimento de falta grave. Reinício da contagem do prazo para nova progressão. Possibilidade. Precedentes desta Corte. Ordem denegada. Perda dos dias remidos. Superveniência da Lei nº 12.433/2011, que alterou o art. 127 da LEP. Fixação do limite de 1/3 na revogação do tempo remido. Retroatividade da norma mais benéfica. HC concedido de ofício. I – O ato impugnado encontra-se em perfeita consonância com a jurisprudência deste Tribunal no sentido de que o cometimento de falta grave, durante a execução da pena privativa de liberdade, implica o recomeço da contagem do prazo para a obtenção de novos benefícios executórios. II – Ordem denegada. III – O art. 127 da LEP, com a redação conferida pela Lei nº 12.433/2011, impõe ao Juízo da Execução que, ao decretar a perda dos dias remidos, atenha-se ao limite de 1/3 desse tempo e leve em conta, na aplicação dessa sanção, a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão. IV – Por se tratar de lei mais benéfica ao réu, deve ser imediatamente aplicada, consoante o disposto no art. 5º, XL, da Carta Magna, de modo que o retorno dos autos ao Juízo da Execução, para que redimensione a penalidade da revogação do tempo remido pelo trabalho, respeitado o limite de 1/3, é medida que se impõe. V – Habeas corpus concedido de ofício para determinar ao Juízo da Execução que analise a questão relativa à perda dos dias remidos nos moldes do art. 127 da Lei de Execução Penal, com a redação que lhe conferiu a Lei nº 12.433/2011, observado o disposto no art. 57 da LEP.” (STF – HC 116.611 – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – DJe 10.06.2013)

Execução penal – falta grave – interrupção do prazo – penas “Agravo em execução. Falta grave. Interrupção do prazo de cumprimento de penas para progressão prisional e outros benefícios. Decisão sem efeito prático, já que não vincula o juiz que, eventualmente, for decidir o pedido, em face da divergência jurisprudencial acerca da questão. Remição. Retroatividade da lei penal mais benigna. Nova redação do art. 127 da Lei de Execução Penal que permite ao juiz decretar o perdimento de até um terço dos dias remidos. Decisão fundamentada. Agravo não provido.” (TJSP – Ag-ExPen 0106962-33.2012.8.26.0000 (6387964) – 10ª CDCrim. – Rel. Des. Francisco Bruno – DJe 20.12.2012)

Execução penal – falta grave – nova oitiva judicial do sentenciado – ausência – irrelevância

Execução penal – falta grave – perda dos dias remidos – revogação “Habeas corpus. Lei de Execução Penal. Falta grave. Perda dos dias remidos. Superveniência da Lei nº 12.433/2011, que alterou o art. 127 da LEP. Fixação do limite de 1/3 na revogação do tempo remido. Retroatividade da norma mais benéfica. Matéria não examinada pelo Superior Tribunal de Justiça. Julgamento per saltum. Impossibilidade. Writ não conhecido. Ordem concedida de ofício. I – A matéria veiculada neste writ não foi examinada pelo Superior Tribunal de Justiça, e o seu conhecimento por esta Corte levaria à indevida supressão de instância e ao extravasamento dos limites de competência do STF descritos no art. 102 da Constituição Federal. II – Habeas corpus não conhecido. III – O art. 127 da LEP, com a redação conferida pela Lei nº 12.433/2011, impõe ao juízo da execução que, ao decretar a perda dos dias remidos, atenha-se ao limite de 1/3 do tempo remido e leve em conta, na aplicação dessa sanção, a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão. IV – Por se tratar de lei mais benéfica ao réu, deve ser imediatamente aplicada, consoante o disposto no art. 5º, XL, da Carta Magna, de modo que o retorno dos autos ao juízo da execução, para que redimensione a penalidade da revogação do tempo remido pelo trabalho, respeitado o limite de 1/3, é medida que se impõe. V – Ordem concedida de ofício para determinar ao Juízo da Execução que analise a questão relativa à perda dos dias remidos nos moldes do art. 127 da Lei de Execução Penal, com a redação que lhe conferiu a Lei nº 12.433/2011, observado o disposto no art. 57 da LEP.” (STF – HC 114.011 – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – DJe 15.02.2013)

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“Execução penal. Falta grave. Preliminar de nulidade por violação ao art. 118, § 2º, da LEP. Inocorrência. Irrelevância da ausência de nova oitiva judicial do sentenciado precedentes do STJ. Procedimento disciplinar realizado sem vícios, respeitados os princípios da ampla defesa e do contraditório. Fato irrogado ao agravante devidamente comprovado. Sentenciado que admitiu ter abandonado o cumprimento da pena. Perda máxima dos dias remidos que se mostra demasiada. Decisão que também determina a interrupção da contagem dos prazos para benefícios que deve ser revista. Agravo parcialmente provido para reduzir a 1/6 (um sexto) a perda dos dias remidos e também afastar a interrupção do prazo para os benefícios de livramento condicional e comutação de penas.” (TJSP – AG-ExPen 0115922-75.2012.8.26.0000 – (6402496) – 10ª CDCrim. – Rel. Des. Nelson Fonseca – DJe 20.12.2012)

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Execução penal – falta grave – progressão de regime – interrupção do lapso temporal – possibilidade “Medida cautelar. Efeito suspensivo a recurso especial. Falta grave. Progressão de regime. Interrupção do lapso temporal para obtenção do benefício. Possibilidade. Matéria pacificada nesta Corte Superior no julgamento do EREsp 1.176.486/SP. F. Liminar confirmada. Pedido procedente. 1. Segundo entendimento pacificado nesta Corte no julgamento do EREsp 1.176.486/SP, o cometimento de falta disciplinar de natureza grave pelo executando acarreta o reinício do cômputo do interstício necessário ao preenchimento do requisito objetivo para a concessão do benefício da progressão de regime, iniciando-se o novo período aquisitivo a partir da data da última infração disciplinar. 2. Pedido cautelar julgado procedente para suspender, até o julgamento do recurso especial interposto pelo Ministério Público, os efeitos do acórdão proferido pela Corte de origem no agravo de Execução Penal nº 0057697-57.2012.8.19.0000, determinando desde já a elaboração de novo cálculo de pena com base no entendimento ora assentado.” (STJ – MC 21.714 – (2013/0340000-8) – 5ª T. – Relª Min. Laurita Vaz – DJe 19.11.2013)

Execução penal – livramento condicional – descabimento “Habeas corpus. Execução penal. Pedido de livramento condicional. Preliminar de não conhecimento arguida pela Procuradoria-Geral de Justiça. Alegação de via inadequada. Afastada. Writ conhecido. Faltas graves. Não preenchimento de requisito subjetivo. Não concessão de livramento condicional. Constrangimento ilegal inexistente. Ordem denegada. Mesmo não sendo o habeas corpus meio adequado para se dirimir questão relativa ao cumprimento de pena, pois, para isto, há recurso específico previsto no art. 197 da LEP, torna-se possível o seu manejo quando se trata de matéria relacionada à liberdade do indivíduo. Preliminar rejeitada. Writ conhecido. O não preenchimento dos requisitos subjetivos (diversas faltas graves cometidas durante a execução da pena) impede a concessão de livramento condicional ao reeducando. Precedentes.” (TJMS – HC 0604416-35.2012.8.12.0000 – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Romero Osme Dias Lopes – DJe 19.12.2012)

Execução penal – livramento condicional – extinção da punibilidade – ocorrência “Agravo regimental. Habeas corpus. Execução penal. Livramento condicional. Prática de novo crime durante o período de prova. Término do lapso sem expressa suspensão ou prorrogação. Extinção da punibilidade. Ocorrência. Manutenção da decisão que concedeu a ordem para declarar extinta a reprimenda privativa de liberdade que resultou na concessão do livramento. Necessidade. 1. Deve ser mantida por seus próprios fundamentos a decisão monocrática em que, em consonância com o entendimento deste Superior Tribunal, concede-se ordem de habeas corpus para declarar extinta a reprimenda privativa de liberdade que resultou na concessão do livramento condicional, em razão de a revogação do benefício pela prática de novo crime ter ocorrido após o período de prova. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-HC 167.684 – (2010/0057902-5) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 26.04.2013)

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Execução penal – livramento condicional – fugas – infração disciplinar

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“Agravo em execução penal. Pedido de livramento condicional. Atestado de conduta carcerária satisfatória que não vincula o Magistrado. Fugas reiteradas do agravante. Demais requisitos subjetivos não comprovados. Prequestionamento. Recurso improvido. A análise do comportamento satisfatório durante a execução da pena para o deferimento do livramento condicional deve ser realizada amplamente, observado todo o período em que o reeducando resgata a sua reprimenda. A prática de inúmeras fugas durante o cumprimento da reprimenda, constitui-se em evidente infração disciplinar e fundamentação idônea à não concessão do livramento condicional, ante o não preenchimento do requisito subjetivo necessário à obtenção da benesse. O mérito pessoal, baseado no atestado de conduta carcerária não assegura que o agravante esteja, de fato, apto a galgar benefício. O Colegiado não está obrigado a mencionar, para fins de prequestionamento, os dispositivos das normas supostamente violadas, bastando declinar as razões pelas quais chegou à conclusão exposta na decisão recorrida. Com o parecer, recurso improvido.” (TJMS – AG-ExPen 0035137-79.2013.8.12.0001 – 1ª C.Crim. – Relª Desª Maria Isabel de Matos Rocha – DJe 24.10.2013)

Execução penal – livramento condicional – gravidade do delito – indeferimento “Penal e processual penal. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Utilização do remédio constitucional como sucedâneo de recurso. Não conhecimento do writ. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Execução penal. Livramento condicional. Indeferimento, pelo juízo das execuções, com base na gravidade dos delitos e da longa pena a cumprir. Alegação de falta de fundamentação idônea para o indeferimento do benefício. Habeas corpus originário não conhecido, ante a suposta inadequação da via eleita. Questão de direito, que independe de análise fático-probatória. Habeas corpus não conhecido. Constrangimento ilegal evidenciado. Retorno dos autos à origem. Existência de ilegalidade, a ensejar a concessão de habeas corpus, de ofício. I – Dispõe o art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal que será concedido habeas corpus ‘sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegali-


dade ou abuso de poder’, não cabendo a sua utilização como substituto de recursos ordinários, tampouco de recursos extraordinário e especial, nem como sucedâneo da revisão criminal. II – A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar os HCs 109.956/PR (DJe de 11.09.2012) e 104.045/RJ (DJe de 06.09.2012), considerou inadequado o writ, para substituir recurso ordinário constitucional, em habeas corpus julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, reafirmando que o remédio constitucional não pode ser utilizado, indistintamente, sob pena de banalizar o seu precípuo objetivo e desordenar a lógica recursal. III – O Superior Tribunal de Justiça também tem reforçado a necessidade de se cumprir as regras do sistema recursal vigente, sob pena de torná-lo inócuo e desnecessário (art. 105, II, a, e III, da CF/1988), considerando o âmbito restrito do habeas corpus, previsto constitucionalmente, no que diz respeito ao STJ, sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, nas hipóteses do art. 105, I, c, e II, a, da Carta Magna. IV – Nada impede, contudo, que, na hipótese de habeas corpus substitutivo de recursos especial e ordinário ou de revisão criminal – que não merece conhecimento -, seja concedido habeas corpus, de ofício, em caso de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou decisão teratológica. V – Hipótese em que, formulado pedido de livramento condicional, o Juízo das Execuções, embora admitindo que o paciente cumprira o requisito do art. 83, II, do Código Penal, houve por bem indeferi-lo, diante da gravidade abstrata dos delitos praticados e da longa pena a cumprir. Impetrado habeas corpus, na origem, não foi conhecido o writ, ante a inadequação da via eleita. VI – Inexiste óbice à análise do pedido formulado no habeas corpus originário, ainda que examinando a matéria, de ofício, nos termos do art. 654, § 2º, do CPP, eis que não se faz necessária, na espécie, incursão na seara fático-probatória, na medida em que se cuida de questão de direito, consubstanciada na tese da impetração de que o indeferimento do pedido de livramento condicional não se teria dado mediante decisão devidamente fundamentada, com base em dados idôneos e concretos, ou seja, sustenta-se que a gravidade dos delitos praticados e a longa pena a cumprir não ensejam, por si só, a negativa do pedido de livramento condicional, quando cumprido o requisito objetivo do art. 83, II, do Código Penal e apresentado atestado de bom comportamento carcerário. VII – É certo que esta Corte firmou entendimento no sentido do descabimento da via do habeas corpus, como substitutiva de recursos ordinário e especial. Contudo, essa nova sistemática não subtrai, da apreciação do Judiciário, a análise acerca da existência ou não de ilegalidade flagrante, que possa justificar a concessão da ordem, de ofício, nos termos do art. 654, § 2º, do CPP. Precedentes do STJ. VIII – Como o Tribunal de 2º Grau não apreciou o mérito do habeas corpus, não conhecendo do writ, em questão que envolve, diretamente, o direito de locomoção do paciente, e no qual se discute tese de direito, há constrangimento ilegal, a ser reparado, in casu, mediante a concessão da ordem, de ofício, a teor do art. 654, § 2º, do CPP. Impossibilidade de o STJ apreciar o mérito da impetração originária, sob pena de supressão de instância. Precedentes. IX – Na forma da jurisprudência, ‘tratando-se de matéria de direito, a despeito da existência de via processual própria, o Tribunal a quo deve proceder ao exame da flagrante ilegalidade apontada, se existente ou não. Impetração não conhecida. Ordem de habeas corpus concedida, de ofício, a fim de determinar ao Tribunal a quo que examine o pedido deduzido no mandamus originário, decidindo como entender de direito’ (STJ, HC 264.046/SP, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª Turma, DJe de 23.09.2013). X – Habeas corpus não conhecido. XI – Ordem concedida, de ofício, para determinar, ao Tribunal de 2º Grau, que examine o mérito do habeas corpus originário, decidindo como entender de direito, mormente no que concerne à possibilidade de concessão da ordem, de ofício.” (STJ – HC 213.498 – (2011/0165602-1) – 6ª T. – Relª Min. Assusete Magalhães – DJe 26.11.2013)

“Habeas corpus. Execução penal. Indeferimento de livramento condicional. Falta grave no curso do cumprimento da pena. Lapso temporal superior a seis meses. Constrangimento ilegal. I – A falta grave praticada há mais de 1 (um) ano não obsta o livramento condicional. O art. 42 do regimento interno dos estabelecimentos prisionais do Distrito Federal considera apenas os últimos 6 (seis) meses da execução da pena para classificação do comportamento carcerário. II – Afastada a falta grave como óbice à concessão do livramento condicional, cabe ao Juízo da Vara de Execuções Penais analisar os requisitos objetivos e subjetivos do art. 83 do Código Penal. III – Ordem parcialmente concedida.” (TJDF – ACr 2012.00.2.025748-2 (641.825) – 1ª T. – Relª Desª Sandra de Santis – DJe 19.12.2012)

Execução penal – posse de arma de fogo – retroatividade “Agravo em execução penal. Posse de arma de fogo na vigência da Lei nº 9.437/1997. Superveniência da Lei nº 10.826/2003. Retroatividade. Abolitio criminis temporalis. 1 Decisão do juízo da execução penal que extingue a punibilidade do agente em relação ao delito de posse ilegal de arma de fogo praticado na vigência da antiga Lei nº 9.437/1997. 2. A vacatio legis prevista nos arts. 30 e 32 da Lei nº 10.826/2003 configura hipótese de abolitio criminis temporalis e aplica-se retroativamente aos delitos de posse de arma praticados na vigência da legislação anterior. 3. Agravo desprovido.” (TJDFT – AG-AEXP 20130020022843 – (677129) – Rel. Des. George Lopes Leite – DJe 20.05.2013)

Execução penal – prescrição – termo inicial – extinção da punibilidade “Penal. Agravo em execução. Prescrição. Pretensão executória. Termo inicial. Extinção da punibilidade. 1. Não há como reconhecer a reincidência da apenada, como pretendido pela acusação para fins de majoração do lapso prescricional em 1/3 (um terço), pois a sentença transitada em julgado não a considerou reincidente. As condenações

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Execução penal – livramento condicional – indeferimento

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anteriores, transitadas em julgado, foram utilizadas apenas para caracterização de maus antecedentes. 2. Acertada a data considerada pela decisão agravada como a data da evasão da apenada. Isso porque o verdadeiro início do cumprimento da pena de prisão domiciliar da agravada seria o dia seguinte ao seu comparecimento no Tribunal para assinar o termo de compromisso e responsabilidade, pois, ao deixar de comparecer, posteriormente, em juízo, veio apenas a demonstrar que não cumpriu a pena desde o início, ou seja, desde 21.06.1995. 3. A análise da ocorrência da prescrição da pretensão executória depende do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação e defesa. De forma diversa, o termo inicial da prescrição executória começa a correr desde o dia em que a sentença condenatória transita em julgado para a acusação. 4. Não se confunde o momento da análise da prescrição executória com o seu termo inicial. O primeiro é aferido após o trânsito em julgado da sentença condenatória para as partes, diferentemente do termo inicial da prescrição executória, que tem inicio quando do trânsito em julgado para a acusação (art. 112, inciso I, do Código Penal). 5. No caso, aplicou-se a pena de 10 (dez) anos e 08 (oito) meses de reclusão, no tocante ao delito de extorsão, ora em análise. A apenada já cumprira 01 (um ano) e 07 (sete) dias da pena aplicada, tendo restado a cumprir 09 (nove) anos, 07 (sete) meses e 23 (vinte e três) dias (fls. 395). Assim, tem-se o lapso prescricional de 16 (dezesseis) anos, nos termos do art. 109, inciso II, do Código Penal. 6. A sentença condenatória transitou em julgado para a acusação, em 08.03.1995 e, para as partes, em 12.02.1997. Sendo assim, entre a data da evasão da apenada (21.06.1995) e sua nova prisão (07.11.2011), decorreu lapso superior a 16 (dezesseis) anos, razão pela qual irreparável a decisão recorrida. 7. Agravo desprovido.” (TRF 3ª R. – Ag-ExPen 0101385-58.1997.4.03.6181 – 1ª T. – Rel. Des. Fed. José Lunardelli – DJe 05.09.2013) Execução penal – progressão de regime – exame criminológico – obrigatoriedade – impossibilidade “Penal e processo penal. Habeas corpus. Remédio constitucional substitutivo de recurso próprio. Impossibilidade. Não conhecimento. Execução penal. Progressão de regime cassada pelo Tribunal a quo. Exame criminológico. Fundamentação. Ausência. 1. À luz do disposto no art. 105, I, II e III, da Constituição Federal, esta Corte de Justiça e o Supremo Tribunal Federal não vêm mais admitindo a utilização do habeas corpus como substituto de recurso ordinário, tampouco de recurso especial, nem como sucedâneo da revisão criminal, sob pena de se frustrar a celeridade e desvirtuar a essência desse instrumento constitucional. 2. Entretanto, esse entendimento deve ser mitigado, em situações excepcionais, nas hipóteses em que se detectar flagrante ilegalidade, nulidade absoluta ou teratologia a ser eliminada, situação ocorrente na espécie. 3. São requisitos cumulativos para a concessão da progressão de regime – nos termos do art. 112 da Lei de Execução Penal, com a nova redação introduzida pela Lei nº 10.792/2003. O cumprimento de um sexto da pena no regime anterior (requisito objetivo) e bom comportamento carcerário (requisito subjetivo), ficando a lei silente sobre exigência de exame criminológico. 4. Verifica-se que o Tribunal de Justiça cassou a progressão de regime ao semiaberto concedida pelo juiz de execução com base na gravidade do delito e na longa pena a cumprir, elementos que não constituem motivação concreta para se negar o benefício. Tal circunstância evidencia o alegado constrangimento ilegal. 5. Habeas corpus não conhecido, concedida a ordem de ofício para restabelecer a decisão do juízo das execuções.” (STJ – HC 268.639/SP – (2013/0109169-7) – 6ª T. – Rel. Min. Og Fernandes – DJe 21.06.2013)

Execução penal – regime prisional – regressão – fuga – falta grave – configuração

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“Recurso de agravo execução penal. Regressão de regime prisional do semiaberto para o fechado. Possibilidade. Fuga. Configurada falta grave. Inteligência dos arts. 50, II, c/c 118, I, da LEP. Recurso desprovido. 1. É passível de ser transferido para regime mais rigoroso o condenado que durante o cumprimento da pena privativa de liberdade praticar fato definido como crime doloso ou falta grave. Tribunal de Justiça.” (TJPR – AG 1078664-8 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Antonio Loyola Vieira – DJe 22.10.2013)

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Execução penal – trabalho prestado por detento em presídio – Justiça do Trabalho – incompetência “Ação rescisória. Trabalho prestado por detento em presídio. Incompetência da Justiça do Trabalho. Lei de Execução Penal. O trabalho do presidiário realizado no estabelecimento prisional se insere dentre aqueles atos próprios do cumprimento da pena, consoante disciplinado nas normas que regem as execuções penais, Lei nº 7.210/1984, em seu art. 28. Portanto, trata-se de questão estranha à competência da Justiça do Trabalho.” (TRT 14ª R. – AR 0000750-70.2012.5.14.0000 – Pleno – Rel. Des. Carlos Augusto Gomes Lobo – DJe 29.11.2012)

Execução penal – tráfico de drogas – estrangeiro em situação irregular no País – princípio da isonomia – aplicação “Agravo em execução penal. Tráfico ilícito de drogas. Estrangeiro em situação irregular no País. Trabalho externo, progressão de regime e livramento condicional. Possibilidade. Princípio constitucional da isonomia. Individualização da pena. Viabilidade. Recurso provido. A execução da pena do nacional e do estrangeiro submete-se aos princípios da isonomia e da individualização da pena, não sendo a condição de estrangeiro irregular, por si só, fator impeditivo à concessão de progressão de regime e livramento condicional.” (TJMS – AG-ExPen 0005724-97.2013.8.12.0008 – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Romero Osme Dias Lopes – DJe 22.10.2013)


Jurisprudência Comentada

Aplicação Concreta do Princípio da Não Discriminação – A Tributação dos Dividendos Remetidos por Sociedade Residente a Sócio-Quotista Não Residente ALESSANDRA OKUMA

Advogada, Mestranda em Direito Tributário na PUC/SP.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Do caso concreto – A tributação dos dividendos; 2 O princípio da não discriminação; 3 A sociedade globalizada e a ordem internacional; 4 A hierarquia entre as normas das convenções em matéria tributária e a legislação interna; 5 Da atividade do intérprete; 6 Os princípios e o sistema jurídico – Um paradoxo; 7 Princípios gerais de direito internacional; 8 Dos princípios informadores da tributação no Direito brasileiro; Conclusões.

INTRODUÇÃO Recentemente1, foi publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, no qual foi enfrentado um dos mais relevantes temas de Direito Tributário internacional: o princípio da não discriminação, constante do modelo de Convenção Internacional para Evitar a Dupla Tributação e a Evasão Fiscal proposto pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), bem como das convenções nas quais o Brasil é signatário. A Volvo do Brasil Veículos Ltda. ingressou com ação judicial pretendendo declaração de inexistência de relação jurídico-tributária que a obrigasse a proceder à retenção do imposto sobre a renda na fonte (IR-Fonte) sobre os dividendos remetidos a seu sócio residente na Suécia, no ano-base de 1993. O art. 75 da Lei nº 8.383/19912 previu a isenção do IR-Fonte sobre os lucros apurados no ano-base de 1993, distribuídos a pessoas físicas ou jurídicas residentes no País. Por outro lado, o art. 756 do Decreto nº 1.041/1994 previu a incidência do IR-Fonte sobre os 1 DJU 25.04.2004. 2 O regime de tributação dos dividendos foi alterado pelo art. 10 da Lei nº 9.249/1995, que previu a isenção do IR-Fonte para os lucros e dividendos distribuídos às pessoas físicas ou jurídicas residentes no Brasil ou no exterior.


lucros ou dividendos distribuídos em favor de pessoas físicas ou jurídicas residentes no exterior. Em sede de recurso especial, a Volvo do Brasil Veículos Ltda. alegou, entre outros fundamentos, que o regime de tributação descrito anteriormente implica ofensa ao princípio da não discriminação, consagrado no art. 24 da Convenção entre o Brasil e a Suécia para evitar dupla tributação em matéria de impostos sobre a renda. Por maioria de votos, a 1ª Turma deu provimento ao recurso da Volvo do Brasil Veículos Ltda. Votaram favoravelmente à tese do contribuinte o Ministro José Delgado, que foi nomeado Relator para o acórdão, e os Ministros Francisco Falcão e Denise Arruda. Foram vencidos os Ministros Albino Zavascki (Relator) e Luiz Fux.

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Na análise do caso concreto, os Ministros abordaram questões significativas em relação (i) à interpretação dos tratados internacionais em matéria tributária, (ii) à sua posição hierárquica no sistema jurídico brasileiro e (iii) aos princípios que regem a tributação.

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1 DO CASO CONCRETO – A TRIBUTAÇÃO DOS DIVIDENDOS A Volvo do Brasil Veículos Ltda. é empresa brasileira e está sujeita ao recolhimento do imposto sobre a renda. Durante o ano-base de 1993, os seus lucros, já tributados na pessoa jurídica, foram distribuídos aos sócios-quotistas residentes e não residentes no Brasil.

Os dividendos remetidos aos sócios-quotistas residentes no Brasil não sofriam3 a incidência do IR-Fonte, por força do art. 75 da Lei nº 8.383/19914. Essa exação passaria a ser cobrada apenas no ano-base de 1994, por força do art. 2º da Lei nº 8.849/19945. No entanto, tais dividendos oriundos dos lucros tributados no ano-base de 1993, quando remetidos a sócios-quotistas não residentes no Brasil, sofriam a incidência do IR-Fonte, à alíquota de 15%, nos termos do art. 776 da Lei nº 8.383/1991 e do art. 7567 do Decreto nº 1.041/1994. 3 A partir de janeiro de 1996, os lucros ou dividendos deixaram de estar sujeitos à incidência do imposto sobre a renda na fonte (quer sejam pagos a pessoas residentes ou a não residentes), bem como ficaram excluídos da base de cálculo do imposto sobre a renda do beneficiário (art. 10 da Lei nº 9.249/1995). 4 “Art. 75. Sobre os lucros apurados a partir de 1º de janeiro de 1993 não incidirá o imposto de renda na fonte sobre o lucro líquido, de que trata o art. 35 da Lei nº 7.713, de 1988, permanecendo em vigor a não-incidência do imposto sobre o que for distribuído a pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no País.” 5 “Art. 2º Os dividendos, bonificações em dinheiro, lucros e outros interesses, quando pagos ou creditados a pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no País estão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de quinze por cento.” 6 “Art. 77. A partir de 1º de janeiro de 1993, a alíquota do imposto de renda incidente na fonte sobre lucros e dividendos de que trata o art. 97 do Decreto-lei nº 5.844, de 23 de setembro de 1943, com as modificações posteriormente introduzidas, passará a ser de quinze por cento.” 7 “Art. 756. Estão sujeitos à incidência do imposto na fonte, à alíquota de quinze por cento, os lucros ou dividendos, distribuídos por fonte localizada no País em benefício de pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior (Leis nºs 3.470/1958, art. 77, e 8.383/1991, art. 77).

Parágrafo único. A retenção do imposto ê obrigatória na data do pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa dos rendimentos (Decreto-Lei nº 5.844/1943, art. 100).”


Comparando as circunstâncias de Direito, temos duas normas gerais e abstratas. Uma que trata do regime dos dividendos distribuídos aos residentes e outra sobre os dividendos distribuídos aos não residentes. Os critérios da hipótese são idênticos: o critério material é distribuir dividendos; o critério espacial é o território nacional; o critério temporal é o momento da remessa, do pagamento ou do crédito dos dividendos. Apenas os critérios do consequente é que são distintos: na primeira norma, que prevê a isenção, são sujeitos passivos da obrigação tributária apenas os residentes no Brasil; enquanto na segunda norma, que prevê a tributação, são sujeitos passivos da obrigação tributária apenas os não residentes. Se houvesse tributação em ambos os casos, atingiria idêntica base de cálculo. A situação fática entre os contribuintes é substancialmente idêntica. Os dividendos derivam de lucros que foram auferidos pela Volvo do Brasil Veículos Ltda., oferecidos à tributação pelo Imposto de Renda da Pessoa Jurídica. Esses dividendos não sofreriam tributação caso o beneficiário fosse residente no Brasil. Porém, por se tratar de beneficiário não residente no Brasil, haverá retenção do IR-Fonte sobre os dividendos remetidos aos não residentes, muito embora esse lucro já tenha sido tributado na pessoa jurídica. E, possivelmente, esses dividendos recebi-

dos pelos não residentes serão considerados renda tributável na Suécia. Trata-se, portanto, de hipótese na qual a discriminação entre residentes e não residentes implicará a dupla tributação internacional do rendimento correspondente ao dividendo distribuído pela Volvo do Brasil Veículos Ltda.

2 O PRINCÍPIO DA NÃO DISCRIMINAÇÃO O princípio da não discriminação está previsto no art. 24 dessa Convenção e segue o modelo proposto pela OCDE em 1963. Em relação aos tributos cobrados no Brasil, o princípio da não discriminação transcrito anteriormente traz quatro importantes regras: (i) proíbe o tratamento discriminatório entre os brasileiros e os suecos, nas mesmas condições; (ii) proíbe o tratamento discriminatório entre o estabelecimento permanente de uma empresa brasileira e o estabelecimento permanente de uma empresa sueca, que exerçam as mesmas atividades; (iii) permite sejam concedidos benefícios fiscais de caráter pessoal aos brasileiros residentes no país; (iv) proíbe o tratamento discriminatório entre uma empresa cujo capital é controlado, total ou parcialmente, por residentes na Suécia e outra empresa da mesma natureza cujo capital é controlado por residentes no Brasil.

Embora esteja previsto no modelo de convenção da OCDE, o princípio da não discriminação é cláusula autônoma, sendo aplicável em todas as relações jurídico-tributárias entre os contribuintes e os Estados contratantes, e não apenas àquelas situações que envolvem dupla tributação ou evasão fiscal.

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Quanto aos dividendos, a convenção para evitar a dupla tributação firmada entre o Brasil e a Suécia, que teve o seu texto aprovado pelo Decreto Legislativo nº 93/1975 e foi promulgada pelo Decreto nº 77.053/1976, art. 10, permite que os dividendos sejam tributados tanto no Estado onde se localiza a fonte de pagamento quanto no Estado do beneficiário e impõe limitação à alíquota de incidência do imposto sobre a renda.

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O princípio da não discriminação abrange todo e qualquer tributo, independentemente de sua espécie, natureza e denominação, e não apenas os impostos.

comentários a esse modelo, que deixam expressa a possibilidade de haver tributação diversa, ou mais gravosa, com base na residência do contribuinte10.

Com efeito, o Brasil não poderá cobrar de modo diferente, ou mais oneroso, dos suecos (pessoas físicas ou jurídicas) tributo de qualquer natureza ou espécie. Por impedir a tributação de modo diferente, essa cláusula abrange também os deveres instrumentais8 impostos aos contribuintes.

Os comentários da OCDE elucidam que só será comparável a situação de contribuintes que estiverem em circunstâncias substancialmente semelhantes, de fato e de direito.

Ao exigir seja dado tratamento tributário idêntico, o princípio da não discriminação proíbe sejam prescritos prazos decadenciais e prescricionais distintos para os nacionais do outro Estado contratante. Impede sejam exigidas declarações distintas, seja imposto prazo diferente para devolução do tributo pago a maior, seja restrita a dedução, compensação ou devolução de tributo pago. Exige-se, portanto, idêntico regime tributário aos nacionais do outro Estado contratante e seja a obrigação tributária calculada de modo idêntico – inclusive com os mesmos acréscimos de multa e juros9 – ou menos oneroso do que o prescrito para os próprios nacionais do Estado tributante.

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No entanto, é permitido, todavia, que o Brasil conceda tratamento mais benéfico aos suecos do que aos seus próprios nacionais.

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O § 1º do art. 24 dessa Convenção, como bem observou o Ministro Albino Zavascki, impede que a nacionalidade seja adotada como critério discriminante. Essa conclusão fica bastante clara ao se observar o texto do modelo OCDE de 1992, bem como os 8 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 286. 9 Art. 113 do Código Tributário Nacional.

Por essas razões, Kees Van Raad11 alerta que, em alguns casos, é tarefa árdua reconhecer a violação ao princípio da não discriminação, tendo em vista que o tratamento legal aplicável pode estar intrinsecamente conectado à nacionalidade do contribuinte. Resta saber se, no caso concreto analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, a discriminação prevista pela legislação interna – embora pautada na residência e não na nacionalidade do contribuinte – pode ser admitida à luz da ordem jurídica interna e da ordem jurídica internacional. Para tanto, examinaremos as razões que fundamentam os votos dos ilustres Ministros do Superior Tribunal de Justiça e o panorama social que as permeia.

3 A SOCIEDADE GLOBALIZADA E A ORDEM INTERNACIONAL A sociedade global é caracterizada pela alta complexidade decorrente da multiplicação das possibilidades de comunicação. A liberação do mercado mundial e as incessantes inovações tecno10 Essa também é a posição de Alcides Jorge Costa (Acordos para evitar a bitributação e a cláusula de não-discriminação. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 6, p. 9). 11 RAAD, Kees Van. Non-discrimination. British Tax Review, 1981.


Os padrões de produção se modificaram e se tornaram mais flexíveis, possibilitando o fácil deslocamento da atividade econômica de um país ao outro. Os mercados financeiros espalhados ao redor do globo se uniram, facilitando o fluxo de capitais e investimentos. As empresas multinacionais ficaram ainda mais poderosas, por adquirirem a capacidade de expandir a sua produção e o seu mercado consumidor, obtendo maior potencial de negociação. As barreiras comerciais diminuíram, com a criação de blocos econômicos e mercados comuns de livre comércio. Para fomentar e facilitar ainda mais o intercâmbio comercial, muitas regras foram harmonizadas. O Estado reduziu a sua intervenção na economia, deixando espaço livre para que o mercado flutuasse de acordo com as suas próprias regras e que a livre concorrência dominasse setores antigamente exclusivos do Poder Público. A globalização trouxe, em um primeiro momento, a maior competitividade e a lucratividade em larga escala; no entanto, a seguir, causa a redução da soberania nacional. A capacidade do Estado de garantir a segurança dos cidadãos e da integridade territorial passou de um modelo bipolar (que preponderou durante a Guerra Fria) para um modelo multipolar, que carece da formação de novas alianças. Nesse panorama econômico e político floresceram as áreas de livre comércio e os mercados comuns. A União Europeia inovou, entre outros aspectos, no campo de produção e aplicação do Direito. As normas jurídicas emanam de Bruxelas, sede dos organismos multinacionais, e da Corte de Justiça criada pelo Tratado de Roma.

Regra geral, as normas jurídicas emanadas de Bruxelas sobrepõem-se às normas internas dos Estados-membros que são obrigados a obedecê-las. É uma relação vertical, na qual as normas comunitárias são superiores às normas estatais, impondo aos Estados obrigações, limitações ou permissões que abrangem as mais diversas matérias. Por outro lado, os ordenamentos jurídicos estaduais, válidos conforme os respectivos limites territoriais, produzem efeitos e prescrevem condutas que nem sempre são harmônicas. Assim, é fundamental o papel do intérprete do Direito e, mormente, da Corte de Justiça europeia para neutralização, uniformização e harmonização das normas instituídas pelos diversos Estados-membros. De fato, o processo de globalização e a perda de poder dos Estados causaram a fragmentação do sistema jurídico, permitindo a coexistência de inúmeros sistemas jurídicos, cada um com uma função específica. No passado, a unidade do Direito e a soberania eram pontos símbolos da identidade nacional e, consequentemente, da justiça universal. Assim, a unidade do sistema jurídico era premissa indiscutível, decorrente da soberania. No entanto, atualmente o conceito de soberania aparece em termos menos absolutos para qualificar um poder que está submetido em um único poder superior. Se a soberania não é mais absoluta, a unidade do Direito também há muito deixou de ser inquestionável. A produção normativa deixou de ser monopólio do Estado, permitindo a coexistência e a validade simultânea e concorrente entre os sistemas jurídicos. Desta forma, o pluralismo jurídico floresceu, permitindo o reconhecimento da validade de inúmeros ordenamentos jurídicos concorrentemente e justificando a coexistência de inúmeros sistemas de normas que não poderiam ser compreendidos como válidos anteriormente, estabelecendo uma certa hie-

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lógicas encurtaram as distâncias entre os Estados e permitiram que as informações fossem transmitidas com mais celeridade. Assim, os eventos ocorridos em qualquer parte surtem efeitos simultâneos nas mais distantes localidades.

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rarquia entre as normas produzidas por esses sistemas especializados.

4 A HIERARQUIA ENTRE AS NORMAS DAS CONVENÇÕES EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA E A LEGISLAÇÃO INTERNA No sistema jurídico, as normas podem ser ordenadas verticalmente, conforme as relações de subordinação. Uma norma encontra-se subordinada àquela que lhe confere fundamento de validade12. Embora a tarefa possa parecer, a priori, simples, essa impressão se desvanece quando tratamos de casos, como o presente, que envolvem normas jurídicas internas e normas jurídicas internacionais.

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Tal como já mencionado no item anterior, o fenômeno da globalização e a formação dos mercados comuns e de diversas alianças entre os Estados são incompatíveis com a tradicional noção de soberania absoluta e com o tradicional conceito da supremacia internacional.

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A ordem jurídica internacional, tal como a ordem jurídica interna dos Estados, é composta por normas de caráter obrigatório, irrevogável e imperativo. Ao firmar um tratado internacional em matéria tributária, os Estados signatários comprometem-se a deixar de exercitar parte de sua competência13. Em decorrên12 HANS, Kelsen. Teoria pura do direito. 6. ed. Trad. João Batista Machado. Coimbra: Armênio Armado Editor, 1984. 13 CAIELLA, Pascual. Problemas relativos a la compatibilizacion de los derechos constitucionales y el derecho comunitário. In: SUNDFELD, Carlos Ari; VIEIRA, Oscar Vilhena (Coord.). Direito global. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 63.

cia do pacta sunt servanda, as normas oriundas dos tratados internacionais são aptas para gerar direitos e obrigações para os Estados signatários, bem como para os seus cidadãos. O sistema jurídico brasileiro exige o atendimento a um procedimento de incorporação. Pertencem ao nosso sistema jurídico, sendo vigentes e eficazes, as normas oriundas de tratados internacionais devidamente incorporadas ao direito interno. Ou seja, os tratados assinados pelo Presidente da República (art. 84, VIII, da Constituição Federal), referendados pelo Congresso Nacional por intermédio de decreto legislativo (art. 49, I, da Constituição Federal), tendo sido depositada perante o órgão internacional competente a respectiva carta de ratificação. Ratificado o tratado (o que o torna válido e eficaz perante o direito interno e perante o direito internacional14), é editado decreto pelo Presidente da República dando ciência dessa ratificação e, consequentemente, da sua plena validade e eficácia perante o direito interno. Os tratados internacionais submetidos ao procedimento descrito no parágrafo anterior integram, portanto, nosso sistema jurídi14 Nesse particular adotamos a posição de Heleno Tôrres:

“Nesta prática, o tratado é recepcionado na ordem interna não mediante o ato final – o Decreto do Presidente da República –, mas pelo Decreto Legislativo oriundo do Congresso Nacional. Por isso, o início do prazo da vigência da Convenção, a partir do qual os interessados poderão reclamar os compromissos assumidos pelos Estados-partes, não decorre do ato administrativo que, consuetudinariamente, a título de conferir-lhe publicidade e execução, pretende servir como pressuposto de validade, pelo procedimento. A vigência do acordo começará a contar exclusivamente a partir do ato de ratificação como previsto no corpo do tratado.” (Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2. ed. São Paulo: RT, p. 569)


Aliás, a interpretação do art. 98 do Código Tributário Nacional16 nos leva a crer que o legislador ordinário estará obrigado a respeitar os tratados internacionais em matéria tributária, ao editar leis posteriores17. Essa matéria foi ventilada durante o

15 “Primeiro entendeu que todo tratado internacional encontra-se hierarquicamente subordinado à Constituição, devendo o seu conteúdo ser compatível com o texto constitucional, sob pena de seu imediato banimento da ordem jurídica, salvo em se tratando de direitos humanos, situação na qual outros princípios decorrentes dos tratados internacionais, em que a República Federativa do Brasil seja parte, serão incorporados ao próprio texto do art. 5º, não podendo sequer ser alcançados por Emenda à Constituição (art. 60, IV, a, da CF).” (Tôrres, op. cit., p. 573) 16 “Note-se, ainda, por oportuno, que o art. 146, III, da Constituição Federal, dá à lei complementar competência para dispor sobre normas gerais em matéria de legislação tributária. Nesse sentido dispõe o art. 98 do Código Tributário Nacional que os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha (grifamos). Esse dispositivo foi por vezes objeto de exame pelo Supremo Tribunal Federal que, em nenhum momento declarou sua inconstitucionalidade. Como as leis e especialmente as complementares presumem-se constitucionais, devendo só o intérprete concluir por sua contrariedade ao texto maior quando não houver possibilidade de com ele compatibilizá-las, é lícito entender que o art. 98 foi recepcionado pela Constituição, pois, à época da sua edição, estava em vigor. Neste momento, deixou de ter por fundamento de validade a Constituição anterior, passando a basear-se na atual. Nesta, releva ter presentes os dispositivos antes assinalados que, por si, indicam o prestígio às relações internacionais e aos compromissos assumidos pelo País.” (SOUZA, Hamilton Dias. Tratados internacionais – OMC e Mercosul. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 27, p. 36-37) 17 “O art. 98 do Código Tributário Nacional – que é lei complementar que se impõe ao legislador ordinário – é expresso ao estabelecer a superioridade hierárquica dos tratados, sendo inadmissível restringir-se essa superioridade apenas a algumas espécies ou modalidades, não distinguidas por

julgamento do REsp 426.945 no voto dos ilustres Ministros José Delgado, Denise Arruda e Francisco Falcão, que, com muita propriedade, sustentaram a prevalência dos tratados internacionais que tratam de matéria tributária em face da legislação ordinária.

5 DA ATIVIDADE DO INTÉRPRETE A função precípua do Direito é regular as expectativas da sociedade por intermédio de normas. Nesse particular, a atividade do intérprete é conferir concreta aplicação às normas gerais e abstratas, construindo normas individuais e concretas. O intérprete exerce função criadora do Direito, como bem lembrou Túlio Ascarelli18, cabendo-lhe analisar os três planos da linguagem: o plano semântico (o conjunto de enunciados tomados no plano da expressão), o plano sintático (o conjunto dos conteúdos de significação dos enunciados prescritivos) e o plano pragmático (o domínio articulado de significações normativas construídas a partir do sistema de textos). O primeiro exame toma por base a literalidade do texto e, após delimitado o seu significado, o intérprete ordenará esses conteúdos em uma estrutura normativa (deve ser que, dado o fato F, implique a relação jurídica R entre os sujeitos S’ e S”). Determinado o significado das expressões contidas na norma jurídica e o seu contexto, cabe-lhe examinar a relação dessa norma com o sistema jurídico e a interpretação dada pelos órgãos julgadores em situações análogas. lei.” (XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 115) 18 ASCARELLI, Túlio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller, 2001. p. 121.

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co. São subordinados hierarquicamente apenas à Constituição Federal15.

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Comparando situações equivalentes e invidualizando os elementos típicos que levam à subsunção a uma determinada norma geral e abstrata, o jurista confere concreta aplicação ao Direito. Na construção da norma individual e concreta, a interpretação serve para garantir a harmonia e a aplicação uniforme do Direito em todos os casos. É inevitável que o sistema jurídico contenha lacunas, contradições e conflitos decorrentes da evolução constante da sociedade e da riqueza cotidiana. A sociedade, cada vez mais complexa, exige a mutação contínua e célere do Direito, a fim de que sejam normatizadas as suas novas expectativas. Com efeito, como bem lembrou Ascarelli19,

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[...] a recusa ao concurso da interpretação para o desenvolvimento do direito provoca, ora uma excessiva rigidez, ora uma inflação legislativa, cujo resultado é uma contínua produção de leis instáveis que acaba por solapar a “certeza” jurídica, escopo da lei e o próprio senso da legalidade; por invadir o campo do poder judiciário por meio de medidas legais ou regulamentares com função interpretativa, às vezes baixadas até depois, e não antes, de se haver apresentado o caso concreto a que se aplicam.

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Assim, eventuais lacunas e conflitos normativos devem ser solucionados pela interpretação, que supre a exigência de continuidade do ordenamento jurídico, assegura a segurança e a certeza do Direito e garante a liberdade e a igualdade dos indivíduos e a harmonia do sistema, acompanhando a evolução da sociedade. 19 Idem, p. 123.

6 OS PRINCÍPIOS E O SISTEMA JURÍDICO – UM PARADOXO Os princípios são frequentemente adotados como um recurso para melhor intelecção do Direito, tal como foi feito pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 426.945. Não obstante terem sido incluídos no rol das fontes do Direito, como solução analógica para os casos de lacuna ou ambiguidades no sistema jurídico, os princípios nem sempre estão positivados no sistema jurídico. Por vezes, são pressupostos com a finalidade de produzir determinadas consequências. O Poder Judiciário tem recorrido aos princípios procurando por soluções não apontadas pela lei, ou até mesmo contra a letra da lei, mas em harmonia com o sistema jurídico. Na visão de Luhumann20, os princípios gerais de Direito se apresentam como um dos programas decisionais oferecidos pela dogmática jurídica. Os princípios gerais de Direito podem ser considerados como pertencentes ao ordenamento jurídico, expressos e positivados, bem como podem estar implícitos. No primeiro caso, a sua aplicação se dá por atividade dedutiva, enquanto no segundo caso é imprescindível a construção dos princípios gerais pelo intérprete, pela indução do conjunto de elementos que compõe o sistema jurídico. Assim, pela indução constroem-se princípios que são aplicados pelas decisões. Os princípios pertencem ao sistema, ainda que não estejam expressos, pois estão presentes nele; contudo, a sua enunciação ocorre no momento da decisão, por isso pode20 Luhumann, O direito da sociedade (tradução provisória para o espanhol de Javier Torres Nafarrate).


Uma vez construídos os princípios, pode-se afirmar que eles sempre estiveram presentes nos sistema, mas, na realidade, os princípios eram externos. O único meio de o juiz aplicá-los é considerar os princípios como pertencentes ao sistema, embora na realidade eles não pertençam, aplicando-os. Deveras, se não estiverem positivados no sistema jurídico, os princípios gerais do Direito não existem, mas, por outro lado, existem, pois produzem efeitos e consequências. Ao aplicá-los, os juízes não criam Direito, porque apenas interpretam o Direito aplicando princípios gerais, mas, na realidade, a aplicação desses princípios pelo juiz com a intenção de ver produzida determinada consequência é verdadeiro ato de criação do Direito. Surgem, portanto, paradoxos. Um bom exemplo para explicar o paradoxo verificado entre o sistema jurídico e os princípios gerais de Direito é a estória do 18º camelo, narrada por Foerster21. Ele conta que um religioso islâmico cavalgava pelo deserto em seu camelo quando encontrou um grupo de homens com um grupo de camelos, visivelmente entristecidos. Ao perguntar sobre a causa dessa tristeza, o mullah foi informado que o pai dos homens havia morrido e deixou como herança os dezessete camelos que os acompanhavam. Todavia, os homens não sabiam como repartir a herança, que deveria ser dividida da seguinte forma: o mais velho herdaria metade, o segundo um terço e o último um nono dos camelos. Compreendendo o problema, o mullah juntou o seu camelo aos demais e começou a dividir. Metade de 18 é 9, um 21 Foerster apud TEUBNER, Gunther. Global bukowina: legal pluralismo in the world society. Global law without a state. Hampshire: Ed. Darmouth Publishing Company, 1997.

terço é 6 e um nono é 2. E a soma de 9, 6 e 2 é 17. Resolvido o problema, o mullah pega o seu camelo e segue o seu caminho. No exemplo, o 18º camelo não existia no sistema, tanto é que teve de ser emprestado pelo mullah e depois foi devolvido, mas o seu empréstimo possibilitou a operação de divisão de bens. Os princípios gerais de Direito exercem no sistema jurídico a mesma função que o 18º camelo. Devem ser considerados internos ao sistema para possibilitar as operações, que, sem sua presença, não seriam possíveis. A operacionalidade do sistema só é possível se considerado um conjunto unitário, como o conjunto de camelos; os princípios gerais de Direito são pressupostos, tal como o 18º camelo, que é exterior ao sistema, mas não pode deixar de ser pressuposto. E sendo pressupostos os princípios, não se pode considerá-los externos, mas sim internos ao sistema. Deveras, quanto à operatividade dos princípios no sistema jurídico, trazemos o ensinamento de Ricardo Mariz de Oliveira22: Princípios são preceitos ou valores fundamentais que informam o ordenamento jurídico. Uma vez adotados pelo legislador, eles se impõem sobre as normas jurídicas relativas ao objeto a que se referem, devendo ser observados por estas. Os princípios, uma vez respeitados pelas normas, garantem a coerência de cada uma delas e de todas em seu conjunto, e conferem sistematicidade e organicidade ao ordenamento. Devido à sua natureza ímpar e superior, os princípios impõem-se sobre o próprio legislador de níveis inferiores ao da lei em que tiverem sido adotados, impondo-se também na interpretação e na aplicação das normas jurídicas por eles informadas. 22 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Breves considerações sobre a capacidade contributiva e a isonomia. Direito Tributário. Homenagem a Alcides Jorge Costa. Coord. Luis Eduardo Schoueri. São Paulo: Quartier Latin, v. I, p. 519.

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-se dizer que os princípios são externos ao sistema jurídico, o que cria outro paradoxo.

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7 PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO INTERNACIONAL Diante dessas considerações, resta-nos examinar os princípios gerais de direito internacional aplicáveis ao caso23.

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Em 24 de outubro de 1970 foi promulgada a “Declaração Relativa aos Princípios de Direito Internacional Regendo as Relações Amistosas e Cooperação entre os Estados Conforme a Carta da Organização das Nações Unidas (ONU)”. O objetivo dessa declaração é propor uma interpretação de seus princípios, de acordo com os seus objetivos e propósitos24, a fim de reduzir a distância entre a realidade social e o ordenamento jurídico internacional. Essa Declaração consagrou sete princípios fundamentais, quais sejam: a proibição ou renúncia ao uso ou ameaça de força nas relações internacionais, a não intervenção, a cooperação internacional, a igualdade de direitos e a autodeterminação dos povos, a igualdade soberana dos Estados e a boa-fé no cumprimento das obrigações internacionais.

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Entre esses princípios, o último interessa-nos sobremaneira: o princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações internacionais, invocado pelo Ministro Francisco Falcão, em seu voto: “[...] os tratados internacionais não devem ser alterados por lei ordinária, em face da segurança jurídica que deve presidir as relações internacionais, sob pena da perda de confiança do Brasil perante a ordem internacional”. A esse respeito Antonio Augusto Cançado Trindade25 assevera: 23 Note-se que os princípios gerais de Direito foram incluídos no rol de fontes do direito internacional no art. 38 do Estatuto da Corte de Justiça de Haia. 24 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Princípios de direito internacional. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1981. p. 55. 25 Idem, p. 74.

Alguns representantes lamentaram que o Comitê de Redação do Comitê Especial não reconhecera expressamente, na formulação do princípio, a supremacia das obrigações legais internacionais sobre as derivadas do Direito interno; tal supremacia já houvera inclusive sido afirmada pela Comissão de Direito Internacional da ONU no art. 13 do projeto da Declaração de Direitos e Deveres dos Estados, de 1949. Mas o 7º princípio consagrado na Declaração de 1970, no entanto, tem o cuidado de dispor inter alia que quando as obrigações derivadas de acordo internacional conflitarem com as obrigações de membros da ONU de acordo com a Carta da ONU, estas últimas prevalecerão.

Não obstante, é relevante lembrar que o tema discriminação é profundamente estudado no campo dos direitos humanos. Desde a época pós-guerra, iniciou-se um movimento de internacionalização dos direitos humanos26. Publicou a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948 e a Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial em 1963. Esse movimento surgiu como resposta às atrocidades cometidas durante o regime nazista. Desde então, os direitos humanos passaram a ser tratados como um legítimo interesse da comunidade internacional. Vale lembrar, nesse particular, que a Constituição Federal brasileira, em seu art. 4º, II, estabelece que as relações internacionais devem ser regidas pela prevalência dos direitos humanos. E que um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil é assegurar a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). E o art. 5º, § 2º, prevê que, além dos direitos e das garantias expressamente arrolados em seus incisos, devem ser assegurados os demais decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República seja parte. 26 PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e globalização. In: SUNDFELD, Carlos Ari; VIEIRA, Oscar Vilhena (Coord.). Direito global. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 196.


[...] a partir do momento em que o Brasil se propõe a fundamentar suas relações internacionais com base na prevalência dos direitos humanos, está ao mesmo tempo reconhecendo a existência de limites e condicionamentos à noção de soberania estatal, ao modo pelo qual tem sido tradicionalmente concebida.

E Fernando Ferreira dos Santos28: [...] a dignidade da pessoa humana não é uma criação do legislador constituinte, que apenas reconhece a sua existência e sua eminência, pois ela, como a própria pessoa humana, é um conceito a priori. Porém, ao colocá-la como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, transformou-a “num valor supremo da ordem jurídica”, ou seja, “não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural”, que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais.

É preocupação dos direitos humanos garantir a dignidade da pessoa humana, sendo imprescindível garantir-lhe igualdade, liberdade e rendimento que assegure a fruição do “mínimo vital”29. Esse “mínimo vital” permite o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos, tais como a saúde, a educação, o lazer, a habitação e a alimentação. E, portanto, está a salvo da incidência de qualquer tributo, eis que não representa acréscimo 27 Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 316. 28 SANTOS, Fernando Ferreira. Princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999. p. 79. 29 COSTA, Regina Helena. Op. cit., p. 68; BECKER, Alfredo Augusto. Op. cit., p. 445-456; AZAMBUJA, Sainz de. Hacienda y derecho, v. II, p. 197; NEWMARK, Principios de la Imposición, p. 165; BORGES, Jose Souto Maior. Isenções tributárias, 2. ed., p. 48; BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, 2. ed., p. 283; TORRES, Ricardo Lobo. Justiça tributária. São Paulo: Max Limonad, p. 698.

patrimonial, mas apenas satisfaz as necessidades fundamentais dos indivíduos. A garantia do “mínimo vital” e a garantia à dignidade humana, da seara dos direitos humanos, justificam severas críticas à dupla tributação internacional e ao confisco internacional, fenômenos mundialmente evitados, como bem lembrou o Ministro José Delgado. Deveras, a dupla tributação internacional equivale à tributação de rendimento que já foi oferecido à tributação em outro Estado, causando distorções na capacidade contributiva do contribuinte. Como consequência, a dupla tributação acaba por restringir a liberdade de circulação de pessoas, capitais, bens e serviços. Com efeito, o princípio da não discriminação decorre do princípio da isonomia e tem como objetivo garantir a liberdade de circulação de pessoas, bens, capitais e serviços. A esse respeito Ricardo Lobo Torres30 leciona: As proibições de desigualdade visam garantir a liberdade relativa, isto é, a igual liberdade das pessoas diante da intervenção fiscal do Estado, e se positivam nos princípios constitucionais que vendam as discriminações e os privilégios odiosos (arts. 150, II, 151 e 152).

A título ilustrativo, vale mencionar que, a fim de assegurar a livre circulação de pessoas, bens, capitais e serviços, a Corte de Justiça da Comunidade Europeia proferiu decisões proibindo a discriminação entre residente e não residentes31. 30 TORRES, Ricardo Lobo Torres. Liberdade, segurança e justiça no direito tributário. In: Justiça tributária. São Paulo: Max Limonad, p. 686. 31 FANTOZZI, Augusto. Il principio comunitário di non discriminazione Nell’Imposto sul Reddito. Revista de Direito Tributário, v. 86, p. 27; DOURADO, Ana Paula. Do caso “Saint-Gobain ao caso ‘Metallgesenllschaft’ o âmbito do princípio da não-discriminação do estabelecimento estável no tratado da comunidade européia e a cláusula da nação mais favorecida. Revista de Direito Tributário, v. 86, p. 7; MOLINA, Pedro M. Herrera; CARRETERO, Belén García. Imposición directa, no discriminación y liberdades

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A esse respeito Flávia Piovesan27 destaca:

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8 DOS PRINCÍPIOS INFORMADORES DA TRIBUTAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO A Constituição consagra como princípios basilares da tributação a isonomia e a capacidade contributiva. O princípio da igualdade dirige-se tanto ao aplicador do Direito quanto ao legislador. Ao legislador impõe o dever de, para situações jurídicas idênticas, não criar distinções vedadas pela Magna Carta. E ao aplicador do Direito impõe seja concedido tratamento equânime às pessoas32. Em estudo de direito comparado, ao comentar o princípio da igualdade, Victor Uckmar33 aduz: A igualdade perante os gravames fiscais pode ser entendida em dois sentidos: a) em sentido jurídico, como paridade de posição com exclusão de qualquer privilégio de classe, religião e raça, de modo que os contribuintes, que se encontrem em idênticas situações, sejam submetidos a idêntico regime fiscal; b) em sentido econômico, como dever de contribuir aos encargos públicos em igual medida, entendida em termos de sacrifício, isto é, como melhor será visto a seguir, em relação à capacidade contributiva dos indivíduos.

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Todavia, nem todas as situações jurídicas que nos parecem desiguais ou discriminatórias implicam violação a esse princípio

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comunitarias. In: TÔRRES, Heleno (Coord.). Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003. 32 “O preceito magno da igualdade como já tem sido assinalado, é norma voltada quer para o aplicador da lei quer para o próprio legislador. Deveras, não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas, a própria edição dela assujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas.” (MELLO, Celso Antonio Bandeira. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: RT, 1978. p. 13. 33 UCKMAR, Victor. Princípios comuns de direito constitucional tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976. p. 54.

constitucional. Justamente por se tratar de um princípio-valor34, a sua construção de sentido levará o intérprete a mergulhar em uma zona nebulosa. Todos os valores são bipolares, ou seja, em contrapartida, haverá um desvalor, o que torna a construção de significado um tanto quanto subjetiva. Celso Antonio Bandeira de Mello35, ao tratar sobre o tema, brilhantemente, expõe critérios objetivos para a aplicação do princípio da isonomia, quais sejam: (i) a o elemento adotado como fator discriminante; (ii) a correlação lógica entre o fato eleito e o critério discrímen e a disparidade do tratamento jurídico diferenciado; (iii) a consonância da correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.

Logo, o art. 5º, caput, da Constituição Federal permite que a lei justificadamente estabeleça tratamento diverso a pessoas que, aparentemente, estariam em idêntica situação jurídica, desde que o fator de discriminação guarde relação com o dever ou direito previsto na norma discriminatória e com os valores primordiais veiculados na Lei Maior. Corolário da igualdade, o princípio da capacidade contributiva exige que os contribuintes sejam tributados de acordo com a sua capacidade econômica, manifestada no fato signo presuntivo de riqueza. Ou, melhor, nos dizeres de Allorio36, corresponde a [...] exigência de que as diversas classes de cidadãos, especialmente as diversas categorias de produtores, concorram às cargas comuns impostas para o exercício das atividades públicas, na medida que resulta da aplicação de alguns critérios gerais, como o da potencialidade econômica efetiva dos contribuintes, ou da intensidade da sua 34 Carvalho, op. cit., p. 141. 35 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: RT, 1978. p. 27. 36 ALLORIO. Diritto processuale tributário. Torino, 1953, p. 72. Apud Uckmar, cit., p. 71.


No ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da não discriminação encontra fundamento nos arts. 3º, IV37, 145, § 1º38, e 150, II39, todos da Constituição Federal, bem como do art. 2º da Lei nº 4.131/196240 e, principalmente, de cláusula contida nos tratados internacionais celebrados pelo Brasil, é o princípio da não discriminação do capital estrangeiro41-42. O princípio da não 37 “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...]

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” 38 “§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” 39 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...]

II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.” 40 “Ao capital estrangeiro que se investir no País, será dispensado tratamento jurídico idêntico ao concedido ao capital nacional em igualdade de condições, sendo vedadas quaisquer discriminações não previstas na presente lei.” 41 TÔRRES, Heleno. Capital estrangeiro e o princípio da não-discriminação tributária no direito interno e nas convenções internacionais. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, v. 87, p. 38. 42 “O princípio da não-discriminação é corolário do princípio geral da igual-

discriminação é instrumental, garantindo o efetivo cumprimento do princípio da isonomia43. Com efeito, consagra-se a isonomia de tratamento entre contribuintes que se encontrem nas mesmas circunstâncias. O tratamento discriminatório só é permitido em situações excepcionais, em decorrência: (i) de diferenças de fato entre as pessoas ou objetos tributados; ou (ii) do interesse fiscal do Estado; ou (iii) de relevante interesse social44. A respeito dos interesses sociais, Klaus Tipke45 aduz: No que o Direito Tributário se compõe de normas com objetivo social, dominam outros princípios que não o da capacidade de contribuição. Podem ser princípios de política social, econômica, cultura ou de saúde. Objetivos sociais no mais amplo sentido justificam o desvio da capacidade contributiva. Assim, por exemplo, os consumidores de álcool ou tabaco ou os proprietários de cães não têm, de nenhum modo, maior capacidade contributiva do que têm, ao contrário, outros contribuintes. O imposto sobre álcool, o imposto sobre tabaco e o imposto sobre cães são, porém, justificados por motivos de ordem social. Quando dade no que tange ao critério da nacionalidade. Da mesma forma que este consiste na obrigação de trata igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, assim, também o princípio da não-discriminação proclama a irrelevância da nacionalidade para fundar um tratamento desigual entre sujeitos que se apresentem objetivamente em situação idêntica, ficando vedada qualquer discriminação tributária, quer esta se traduza numa tributação ‘mais onerosa’ quer numa mera tributação ‘diferente’.” (Xavier, op. cit., p. 245) 43 TÔRRES, Heleno. O princípio da territorialidade e tributação de não-residentes no Brasil. Prestação de serviços no exterior. Fonte de produção e fonte de pagamento. In: TÔRRES, Heleno (Coord.). Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003. p. 106. 44 DORIA, Antonio Roberto Sampaio. Direito constitucional tributário e due process of law. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 202-208. 45 TIPKE, Klaus. Direito tributário. Estudos em homenagem ao Professor Ruy Barbosa Nogueira. Princípio de igualdade e idéia de sistema no direito tributário. Trad. Brandão Machado São Paulo: Saraiva, 1984. p. 526.

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participação na fruição dos serviços públicos. Esta exigência se põe, acima de tudo, ao legislador, ao qual, nos ordenamentos por ele elaborados, deve por como fim, precisamente a distribuição equânime dos ônus tributários.

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se examina se o princípio da igualdade foi violado por uma norma de subvenção, destinada a dirigir a economia, deve-se partir do motivo da subvenção como critério de comparação e verificar se esse motivo foi coerentemente observado. A subvenção é justificada quando, recomendada pelo bem público, é adequada para realizar o motivo que a tenha inspirado.

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O ordenamento jurídico brasileiro preconiza a isonomia. São exceções as hipóteses em que a discriminação é admitida. São exemplos nos quais é permitido o tratamento discriminatório baseado em diferenças de fato entre as pessoas e os objetos tributados: a classificação dos rendimentos (per basket), a imposição de contribuição social sobre o lucro à alíquota mais gravosa para as instituições financeiras, a progressividade de alíquotas dos impostos, entre outros. As diferenças decorrentes do interesse fiscal são representadas, principalmente, pela imposição de tributação definitiva na fonte, para os contribuintes não residentes no País. E são exemplos de diferenças de interesse social os impostos com função extrafiscal e a seletividade do IPI e do ICMS.

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O local de residência dos contribuintes não é critério suficiente para impor-lhes tratamento diferenciado. Essa é a conclusão de Heleno Tôrres46: “Ao partirmos da premissa, falsa, por evidência, de que todo e qualquer ‘não residente’ não está em situação ‘equivalente’ em relação a todo e qualquer ‘residente’, caímos numa generalidade fácil de argumentar, mas nunca nos domínios do Direito Tributário”.

de residência é fator essencialmente irrelevante para lastrear discriminações tributárias. Se estas hão de ser feitas, diferenças mais substanciosas, e constitucionalmente admissíveis, devem ser apuradas”. O tratamento discriminatório, no caso presente, só se justificaria se houvesse interesse arrecadatório, por exemplo, se houvesse tratamento diferenciado dos não residentes, pela retenção definitiva na fonte enquanto os residentes – também sujeitos à idêntica incidência – pagassem mera antecipação do imposto definitivo apurado na declaração de rendimentos. No caso concreto não há sequer como arguir eventual interesse fiscal brasileiro, tendo em vista que os dividendos remetidos a beneficiários residentes no Brasil não sofrem a incidência do IR-Fonte. Portanto, sendo injustificável a exigência de imposto exclusivamente sobre os dividendos remetidos a beneficiários não residentes, é louvável a decisão do Superior Tribunal de Justiça.

CONCLUSÕES

E Antonio Roberto Sampaio Doria47 também se pronunciou sobre o assunto, concluindo que, “por outras palavras, a diversidade

A legislação brasileira impunha tratamento discriminatório, exigindo o IR-Fonte exclusivamente sobre os dividendos distribuídos para beneficiários não residentes e prevendo a isenção para os dividendos distribuídos em favor de beneficiários residentes. Esse tratamento discriminatório implica dupla tributação internacional.

46 TÔRRES, Heleno. Capital estrangeiro e o princípio da não-discriminação tributária no direito interno e nas convenções internacionais. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, v. 87, p. 37. 47 Doria, op. cit., p. 222.

O princípio da não discriminação constante do art. 24 da Convenção firmada entre o Brasil e a Suécia impede o tratamento discriminatório a contribuintes que se encontrem nas mesmas condições, com base na nacionalidade.


A decisão do Superior Tribunal de Justiça, que julgou ilegítima a incidência do IR-Fonte no caso em exame, é irreparável, com brilhantes considerações a respeito da ordem jurídica interna e internacional no voto dos ilustres Ministros da 1ª Turma. Examinemos as razões que conduziram a essa conclusão e a esses fundamentos que corroboram com essa intelecção: A globalização da sociedade trouxe como consequência uma modificação no conceito de soberania. Com o desenvolvimento de mercados comuns e diversas alianças entre os Estados, a antiga ideia de soberania absoluta não pode prevalecer, já que, ao celebrar tratados internacionais, os Estados transferem – de modo irrevogável – parte de sua competência. Floresce o pluralismo jurídico, que admite a coexistência de inúmeros ordenamentos jurídicos válidos e eficazes. E, como consequência, a supremacia constitucional passou a ser compreendida em termos menos absolutos.

A recepção dos tratados no ordenamento jurídico brasileiro depende da aprovação do texto do tratado, pelo Congresso Nacional, por decreto legislativo e pela promulgação de decreto presidencial. Cumpridos ambos os requisitos, o tratado é introduzido no nosso ordenamento brasileiro. Em matéria tributária, as normas dos tratados internacionais sobrepõem-se até as leis ordinárias posteriores, como dispõe o art. 98 do CTN. Na pirâmide de Kelsen, essas normas dos tratados em matéria tributária possuem hierarquia superior às leis ordinárias. A atividade do intérprete é garantir a harmonia e a aplicação uniforme do Direito em todos os casos, sendo relevante o papel

dos princípios para a solução de antinomias, lacunas e obscuridades vislumbradas no ordenamento jurídico. Entre os princípios do direito internacional, “Declaração Relativa aos Princípios de Direito Internacional Regendo as Relações Amistosas e Cooperação entre os Estados Conforme a Carta da Organização das Nações Unidas (ONU)”, está o princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações internacionais, mencionado pelo Ministro Francisco Falcão em seu voto. Além disso, é preocupação dos direitos humanos assegurar a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, garantir-lhe um mínimo vital. Por isso, afastar hipóteses que impliquem dupla tributação internacional e a consequente distorção da capacidade contributiva do contribuinte é um imperativo da ordem jurídica internacional. O ordenamento jurídico brasileiro impõe a isonomia. O tratamento discriminatório só é permitido em situações excepcionais, em decorrência: (i) de diferenças de fato entre as pessoas ou os objetos tributados; ou (ii) do interesse fiscal do Estado; ou (iii) de relevante interesse social. Isoladamente, o local de residência do contribuinte não justifica a disparidade de tratamento tributário. À luz dos princípios gerais de direito internacional e dos princípios consagrados na Constituição Federal brasileira, a discriminação baseada exclusivamente na residência do contribuinte – tal como ocorre no caso examinado pelo eg. Superior Tribunal de Justiça – é inadmissível. Por isso, irretorquível a conclusão dos ilustres Ministros da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, após profundas discussões, julgaram indevido o IR-Fonte sobre os dividendos remetidos a sócio não residente no Brasil.

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O caso concreto analisado pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 426.945/PR envolve contribuintes em circunstancias substancialmente idênticas, de fato e de direito, exceto quanto à residência fiscal. No entanto, a discriminação prevista na lei brasileira não se pauta na nacionalidade, mas na residência do contribuinte.

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Medidas Provisórias

Medida Provisória nº 679, de 23.06.2015 Dispõe sobre autorização para a realização de obras e serviços necessários ao fornecimento de energia elétrica temporária para os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, de que trata a Lei nº 12.035, de 1º de outubro de 2009, e altera a Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida e sobre a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas, a Lei nº 12.035, de 2009, que institui o Ato Olímpico, e a Lei nº 11.473, de 10 de maio de 2007, que dispõe sobre cooperação federativa no âmbito da segurança pública. (DOU de 24.06.2015)

Medida Provisória nº 678, de 23.06.2015 Altera a Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, que institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas. (DOU de 24.06.2015)

Medida Provisória nº 677, de 22.06.2015 Autoriza a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco a participar do Fundo de Energia do Nordeste, com o objetivo de prover recursos para a implementação de empreendimentos de energia elétrica, e altera a Lei nº 11.943, de 28 de maio de 2009, e a Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004. (DOU de 23.06.2015)

Medida Provisória nº 677, de 22.06.2015 Autoriza a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco a participar do Fundo de Energia do Nordeste, com o objetivo de prover recursos para a implementação de empreendimentos de energia elétrica, e altera a Lei nº 11.943, de 28 de maio de 2009, e a Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004. (DOU de 23.06.2015 – Rep. Parcial DOU de 24.06.2015)

Medida Provisória nº 676, de 17.06.2015 Altera a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. (DOU de 18.06.2015)


Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com. 2.186-16, DE 23.08.2001

Patrimônio Genético. Diversidade Biológica Previdência Social. Alteração na Legislação

2 .156-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene

2.187-13, DE 24.08.2001

2.157-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA

2.189-49, DE 23.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.158-35, DE 24.08.2001

Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação

2.190-34, DE 23.08.2001

Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999

2.159-70, DE 24.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.192-70, DE 24.08.2001

Proes. Bancos Estaduais

2.161-35, DE 23.08.2001

Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997

2.196-3, DE 24.08.2001

Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea

2.162-72, DE 23.08.2001

Notas do Tesouro Nacional – NTN

2.197-43, DE 24.08.2001

SFH. Disposições

2.163-41, DE 23.08.2001

Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998

2.198-5, DE 24.08.2001

Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica

2.164-41, DE 24.08.2001

Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT

2.199-14, DE 24.08.2001

IR. Incentivos Fiscais

2.165-36, DE 23.08.2001

Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte

2.200-2, DE 24.08.2001

Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil

2.166-67, DE 24.08.2001

Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965

2.206-1, DE 06.09.2001

Programa Nacional de Renda Mínima

2.167-53, DE 23.08.2001

Recebimento de Valores Mobiliários pela União

2.208, DE 17.08.2001

Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação

2.168-40, DE 24.08.2001

Cooperativas. Recoop. Sescoop

2.209, DE 29.08.2001

Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica  –  CBEE

2.169-43, DE 24.08.2001

Servidor Público. Vantagem de 28,86%

2.210, DE 29.08.2001

Orçamento. Crédito Extraordinário

2.170-36, DE 23.08.2001

Tesouro Nacional. Administração de Recursos

2.211, DE 29.08.2001

Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes

2.172-32, DE 23.08.2001

Usura. Agiotagem

2.213-1, DE 30.08.2001

Programa Bolsa-Renda. Estiagem

2.173-24, DE 23.08.2001

Anuidades Escolares

2.214, DE 31.08.2001

Administração Pública Federal. Recursos

2.174-28, DE 24.08.2001

União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV

2.215-10, DE 31.08.2001

Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração

2.177-44, DE 24.08.2001

Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998

2.220, DE 04.09.2001

Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU

2.178-36, DE 24.08.2001

Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola

2.224, DE 04.09.2001

Capitais Brasileiros no Exterior

2.225-45, DE 04.09.2001

Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990

2.179-36, DE 24.08.2001

União e Banco Central. Relações Financeiras

2.180-35, DE 24.08.2001

Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação

2.226, DE 04.09.2001

Alteração da CLT

2.181-45, DE 24.08.2001

Operações Financeiras do Tesouro Nacional

2.227, DE 04.09.2001

Plano Real. Correção Monetária. Exceção

2.183-56, DE 24.08.2001

Reforma Agrária. Alteração na Legislação

2.228-1, DE 06.09.2001

2.184-23, DE 24.08.2001

Carreira Policial. Gratificação

Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines

2.185-35, DE 24.08.2001

Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento

2.229-43, DE 06.09.2001

Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação

Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www. sintese.com. MP 673 675 676 678 679 679 679 2.156-5 2.156-5

DOU 01.04.2015 22.5.2015 18.06.2015 24.06.2015 24.06.2015 24.06.2015 24.06.2015 27.08.2001 27.08.2001

ART 1º 1º 1º 1º 4º 5º 6º 32 32

NORMA LEGAL Lei nº 9.503/97 Lei nº 7.689/88 Lei nº 8.213/91 Lei nº 12.462/11 Lei nº 11.977/09 Lei nº 12.035/09 Lei nº 11.473/07 DL 1.376/74 DL 2.397/87

ALTERAÇÃO 115 3º 29-C 1º 6º-A 5º 2º 1º e 11 12

MP 2.156-5 2.156-5 2.157-5 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35

DOU 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001

ART 32 32 32 2º e 93 3º e 93 10 e 93 19 e 93 34 e 75 64

NORMA LEGAL Lei nº 8.034/90 Lei nº 9.532/97 DL 1.376/74 Lei nº 9.718/98 Lei nº 9.701/98 Lei nº 9.779/99 Lei nº 9.715/98 Lei nº 9.532/97 D nº 70.235/72

ALTERAÇÃO 1º 2º 1º 3º e 8º 1º 14 e 17 2º e 4º 1º e 64-A 1º, 25 e 64-A

Julho/2015 – Ed. 220

Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 30.06.2015)

104


Julho/2015 – Ed. 220

105

MP 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.161-35 2.162-72 2.163-41 2.164-41

DOU 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001

ART 69 70 72 73 73 e 93 75 82 93 93 93 93 93 93 1º e 6º 6º 1º 7º e 8º

NORMA LEGAL DL 1.455/76 Lei nº 9.430/96 Lei nº 8.218/91 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.532/97 Lei nº 8.981/95 Lei nº 9.432/97 LC 70/91 LC 85/96 Lei nº 7.714/88 Lei nº 9.004/95 Lei nº 9.493/97 Lei nº 9.491/97 Lei nº 9.094/95 Lei nº 9.605/98 Lei nº 7.998/90

2.164-41

27.08.2001

1º e 2º

CLT

2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.165-36 2.165-36 2.166-67

27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra

3º 4º 5º 6º 9º 10 13 13 1º

Lei nº 4.923/65 Lei nº 5.889/73 Lei nº 6.321/76 Lei nº 6.494/77 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.601/98 Lei nº 7.418/85 Lei nº 8.627/93 Lei nº 4.771/65

2.166-67 2.167-53 2.168-40 2.168-40 2.168-40 2.170-36 2.172-32 2.173-24 2.177-44

25.08.2001 24.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001

3º 2º e 3º 13 14 18 8º 7º 1º e 2º 1º e 8º

Lei nº 9.393/96 Lei nº 9.619/98 Lei nº 5.764/71 Lei nº 9.138/95 Lei nº 10.186/01 Lei nº 8.212/91 Lei nº 1.521/51 Lei nº 9.870/99 Lei nº 9.656/98

2.178-36 2.178-36 2.180-35

25.08.2001-extra 25.08.2001-extra 27.08.2001

16 32 1º

Lei nº 9.533/97 Lei nº 8.913/97 Lei nº 8.437/92

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 9.494/97

2.180-35 2.180-35 2.180-35

27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001

6º 7º 8º

Lei nº 7.347/85 Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.704/98

ALTERAÇÃO 1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A 63 11 e 12 1º e 64-A 9º e 15 1º, 15 e 64-A 29 11 6º e 7º Revogada 5º Revogada 7º 2º, 4º, 5º, 6º e 30 2º 79-A 2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C 58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652 1º 18 2º 1º 19-A, 20, 29-C e 29-D 2º 1º 6º 1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C 10 1º e 4º-A 88 2º 7º 60 4º, § 3º 1º e 6º 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I 4º Revogada 1º e 4º 1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B 1º e 2º 17 1º

MP 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.181-45 2.181-45 2.181-45 2.183-56 2.183-56 2.183-56 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.190-34 2.192-70 2.196-3 2.196-3 2.197-43 2.197-43 2.197-43 2.199-14 2.211 2.211 2.214 2.215-10 2.215-10

DOU 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra 25.08.2001 25.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 30.08.2001 30.08.2001 01.09.2001-extra 01.09.2001 01.09.2001

ART 10 14 21 45 46 52 1º 3º 4º 2º 3º e 16 4º e 16 7º 16 10 11 13 14 7º e 8º 23 12 14 3º e 8º 4º e 8º 5º 18 1º 2º 1º 41 41

NORMA LEGAL CPC Lei nº 4.348/64 Lei nº 10.257/01 Lei nº 8.177/91 Lei nº 9.365/96 Lei nº 10.150/00 DL 3.365/41 Lei nº 8.177/91 Lei nº 8.629/93 Lei nº 6.015/73 Lei nº 8.212/91 Lei nº 8.213/91 Lei nº 9.639/98 Lei nº 9.711/98 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.250/95 Lei nº 9.430/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.294/96 Lei nº 9.496/97 Lei nº 8.036/90 Lei nº 7.827/89 Lei nº 8.692/93 Lei nº 4.380/64 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.995/00 Lei nº 10.266/01 Lei nº 10.261/01 Lei nº 8.448/92 Lei nº 8.460/92

2.217-3

05.09.2001

Lei nº 10.233/01

2.220 2.224 2.225-45 2.225-45

05.09.2001-extra 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001

15 4º 1º 2º, 3º e 15

Lei nº 6.015/73 Lei nº 4.131/62 Lei nº 6.368/76 Lei nº 8.112/90

2.225-45 2.225-45 2.226 2.226 2.228-1 2.228-1

05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001

4º 5º 1º 3º 51 52 e 53

Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.525/97 CLT Lei nº 9.469/97 Lei nº 8.685/93 Lei nº 8.313/91

2.229-43 2.229-43

10.09.2001 10.09.2001

72 74

Lei nº 9.986/00 Lei nº 8.745/93

ALTERAÇÃO 741 4º 53 18 6º 1º 10, 15-A, 15-B e 27 5º 2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A 80 38, 55, 56, 68, 101 e 102 41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147 1º, 2º e 5º 7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 6º, II, 34 e 82, II, f 10 e 25 79 9º 2º, 3º e 7º 1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B 9º 9º-A 23 e 25 9º, 14 e 18 9º, 20, 23, 29-A e 29-B 4º 35 e 70 18, 34, 38 e 51 1º 6º 2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A 74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119 167, I 6º 3º 25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119 17 2º 896-A 6º 5º 3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º 22 4º


Normas Legais

Lei nº 13.141, de 30.06.2015 Inscreve o nome de Cândido Mariano da Silva Rondon, o Marechal Rondon, no Livro dos Heróis da Pátria. (DOU de 01.07.2015) Lei nº 13.140, de 26.06.2015 Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública; altera a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997. (DOU de 29.06.2015) Lei nº 13.139, de 26.06.2015 Altera os Decretos-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, a Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998, e o Decreto-Lei nº 1.876, de 15 de julho de 1981; dispõe sobre o parcelamento e a remissão de dívidas patrimoniais com a União; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU de 29.06.2015) Lei nº 13.138, de 26.06.2015 Altera o art. 19 do Regulamento a que se refere o Decreto nº 21.981, de 19 de outubro de 1932, que regula a profissão de Leiloeiro ao território da República, para incluir como competência dos leiloeiros a venda em hasta pública ou público pregão por meio da rede mundial de computadores. (DOU de 29.06.2015) Lei nº 13.137, de 19.06.2015 Altera as Leis nºs 10.865, de 30 de abril de 2004, para elevar alíquotas da Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação, 11.941, de 27 de maio de 2009, 11.079, de 30 de dezembro de 2004, 10.925, de 23 de julho de 2004, 11.051, de 29 de dezembro de 2004, 7.827, de 27 de setembro de 1989, 8.212, de 24 de julho de 1991, 8.935, de 18 de novembro de 1994, 10.150, de 21 de dezembro de 2000, 12.810, de 15 de maio de 2013, 5.861, de 12 de dezembro de 1972, 13.043, de 13 de novembro de 2014, 10.522, de 19 de julho de 2002, 12.469, de 26 de agosto de 2011, 12.995, de 18 de junho de 2014, 13.097, de 19 de janeiro de 2015, 10.996, de 15 de dezembro de 2004, 11.196, de 21 de novembro de 2005, 10.833, de 29 de dezembro de 2003, e 12.024, de 27 de agosto de 2009, e o Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977; revoga dispositivos das Leis nºs 4.380, de 21 de agosto de 1964, 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e 8.177, de 1º de março de 1991; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU de 22.06.2015 – Edição extra) Lei nº 13.136, de 17.06.2015 Dispõe sobre a instituição do Dia Nacional do Vigilante. (DOU de 18.06.2015) Lei nº 13.135, de 17.06.2015 Altera as Leis nº 8.213, de 24 de julho de 1991, nº 10.876, de 2 de junho de 2004, nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e nº 10.666, de 8 de maio de 2003, e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU de 18.06.2015) Lei nº 13.134, de 16.06.2015 Altera as Leis nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, que regula o Programa do Seguro-Desemprego e o Abono Salarial e institui o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), nº 10.779, de 25 de novembro de 2003, que dispõe sobre o seguro-desemprego para o pescador artesanal, e nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social; revoga dispositivos da Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, e as Leis nº 7.859, de 25 de outubro de 1989, e nº 8.900, de 30 de junho de 1994; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU de 17.06.2015) Lei nº 13.133, de 15.06.2015 Acrescenta dispositivos à Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 – Código Brasileiro de Aeronáutica, para explicitar a obrigatoriedade do uso e da manutenção de sinalizadores ou balizadores aéreos de obstáculos existentes nas zonas de proteção dos aeródromos. (DOU de 16.06.2015) Lei nº 13.132, de 09.06.2015 Altera a Lei nº 12.096, de 24 de novembro de 2009. Mensagem de veto (DOU de 10.06.2015)


Indicadores

I  – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas (Vigência: Agosto/2015 – Atualização: Julho/2015)

1 – Índice de Atualização Monetária até 28 de março de 2015 – Decreto-Lei nº 2.322/1987 combinado com a Lei nº 7.738/1989 (incluindo a Lei nº 8.177/1991 – TR – a partir de fev. 1991) – TR prefixada de 1º julho/2015 a 1º agosto/2015 (Banco Central) = 0,2305%

Mês/Ano 1992 1993 1994 1995 1996 1997

Mês/Ano 2004 2005 2006 2007 2008 2009

JAN

0,002896855 0,000230600 0,008956257 2,343188079 1,780231833 1,624520110

JAN

1,155662902 1,135023429 1,103748430 1,081706148 1,066294871 1,049143021

FEV

0,002308619 0,000181919 0,006332195 2,294964000 1,758208514 1,612522939

FEV

1,154185544 1,132893589 1,101187068 1,079343465 1,065219000 1,047216143

MAR

0,001837926 0,000143923 0,004527524 2,253209770 1,741447085 1,601924573

MAR

1,153657169 1,131804792 1,100389286 1,078565819 1,064960215 1,046744062

ABR

0,001478978 0,000114397 0,003191769 2,202555401 1,727387875 1,591870353

ABR

1,151609607 1,128830325 1,098112898 1,076546218 1,064524824 1,045241005

MAIO

0,001221488 0,000089219 0,002186592 2,128757756 1,716066982 1,582044276

MAIO

1,150603979 1,126573797 1,097174814 1,075178591 1,063509173 1,044766681

JUN

0,001019521 0,000069334 0,001493166 2,061808764 1,706021924 1,572055436

JUN

1,148827891 1,123734121 1,095107251 1,073365676 1,062727006 1,044297791

JUL

0,000842231 0,000053301 2,795708448 2,003968229 1,695679972 1,561848754

JUL

1,146808362 1,120380821 1,092990129 1,072342662 1,061510515 1,043613181

AGO

0,000680921 0,040884653 2,661916480 1,945779687 1,685816261 1,551638969

AGO

1,144574153 1,117503250 1,091079649 1,070769701 1,059482665 1,042517495

SET

0,000552606 0,030661956 2,606369532 1,896388255 1,675303730 1,541970812

SET

1,142283874 1,113643363 1,088428238 1,069202250 1,057817660 1,042312160

OUT

0,000440745 0,022776672 2,544311237 1,860311239 1,664286156 1,532052306

OUT

1,140313412 1,110714409 1,086775252 1,068826024 1,055737856 1,042312160

NOV

0,000352399 0,016682540 2,480921219 1,830042339 1,652029747 1,522078128

NOV

1,139051343 1,108386796 1,084741362 1,067606817 1,053098791 1,042312160

DEZ

0,000285829 0,012252160 2,410510216 1,804086940 1,638681052 1,499091066

DEZ

1,137747485 1,106252835 1,083352505 1,066977300 1,051397629 1,042312160

Mês/Ano 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Mês/Ano 2010 2011 2012 2013 2014 2015

JAN

1,479728814 1,372739449 1,298349652 1,271691069 1,243278966 1,209385449

JAN

1,041756903 1,034630865 1,022282636 1,019329544 1,017386101 1,008718010

FEV

1,462964701 1,365688400 1,295565482 1,269952504 1,240065955 1,203514705

FEV

1,041756903 1,033891633 1,021400146 1,019329544 1,016241813 1,007833132

MAR

1,456467400 1,354449181 1,292556410 1,269485334 1,238615536 1,198581344

MAR

1,041756903 1,033350157 1,021400146 1,019329544 1,015696384 1,007663845

ABR

1,443483268 1,338899205 1,289664982 1,267300508 1,236441871 1,194065389

ABR

1,040932485 1,032099253 1,020310454 1,019329544 1,015426281 1,006359602

MAIO

1,436702035 1,330792020 1,287989307 1,265344285 1,233534431 1,189090235

MAIO

1,040932485 1,031718549 1,020078896 1,019329544 1,014960414 1,005279932

JUN

1,430204615 1,323169242 1,284787617 1,263036717 1,230946980 1,183586558

JUN

1,040401880 1,030101290 1,019601723 1,019329544 1,014347748 1,004122179

JUL

1,423212373 1,319069574 1,282044042 1,261197891 1,229002698 1,178676193

JUL

1,039789444 1,028955034 1,019601723 1,019329544 1,013876295 1,002305000

AGO

1,415423298 1,315212057 1,280063784 1,258126803 1,225747113 1,172269738

AGO

1,038594022 1,027692000 1,019454921 1,019116548 1,012808795 1,000000000

SET

1,410136696 1,311350131 1,277476893 1,253818682 1,222713561 1,167555151

SET

1,037650798 1,025562932 1,019329544 1,019116548 1,012199451

OUT

1,403802738 1,307799456 1,276152247 1,251782033 1,220327820 1,163640664

OUT

1,036922878 1,024535323 1,019329544 1,019036045 1,011316572

NOV

1,391430141 1,304843984 1,274475038 1,248146183 1,216959277 1,159913860

NOV

1,036433681 1,023900505 1,019329544 1,018099393 1,010267913

DEZ

1,382944394 1,302242104 1,272951315 1,245744388 1,213750122 1,157857505

DEZ

1,036085556 1,023240514 1,019329544 1,017888690 1,009780190

OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.


Tabela para Atualização Diária de Débitos Trabalhistas ANO TX PRO RATA DIE TX ACUMULADA COEFICIENTE 2015 (%) (%) ACUMULADO

1º JULHO

0,010011%

0,000000%

1,00000000

02 JULHO

0,010011%

0,010011%

1,00010011

03 JULHO

0,010011%

0,020022%

1,00020022

04 JULHO

-

0,030035%

1,00030035

05 JULHO

-

0,030035%

1,00030035

06 JULHO

0,010011%

0,030035%

1,00030035

07 JULHO

0,010011%

0,040049%

1,00040049

08 JULHO

0,010011%

0,050064%

1,00050064

09 JULHO

0,010011%

0,060079%

1,00060079

10 JULHO

0,010011%

0,070096%

1,00070096

11 JULHO

-

0,080114%

1,00080114

12 JULHO

-

0,080114%

1,00080114

13 JULHO

0,010011%

0,080114%

1,00080114

14 JULHO

0,010011%

0,090132%

1,00090132

15 JULHO

0,010011%

0,100152%

1,00100152

16 JULHO

0,010011%

0,110173%

1,00110173

17 JULHO

0,010011%

0,120195%

1,00120195

18 JULHO

-

0,130217%

1,00130217

19 JULHO

-

0,130217%

1,00130217

20 JULHO

0,010011%

0,130217%

1,00130217

21 JULHO

0,010011%

0,140241%

1,00140241

22 JULHO

0,010011%

0,150266%

1,00150266

23 JULHO

0,010011%

0,160292%

1,00160292

24 JULHO

0,010011%

0,170318%

1,00170318

25 JULHO

-

0,180346%

1,00180346

26 JULHO

-

0,180346%

1,00180346

27 JULHO

0,010011%

0,180346%

1,00180346

28 JULHO

0,010011%

0,190375%

1,00190375

29 JULHO

0,010011%

0,200405%

1,00200405

30 JULHO

0,010011%

0,210435%

1,00210435

31 JULHO

0,010011%

0,220467%

1,00220467

1º AGOSTO

-

0,230500%

1,00230500

Julho/2015 – Ed. 220

TR JUL. 2015 (1º JUL./1º AGO.) = 0,2305% (BANCO CENTRAL, 02.07.2015).

108


2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.

Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.

Juros Capitalizados Mensalmente Nº Meses

% Efetivo

Nº Meses

% Efetivo

Nº Meses

% Efetivo

01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16

1,0000 2,0100 3,0301 4,0604 5,1010 6,1520 7,2135 8,2856 9,3685 10,4622 11,5668 12,6825 13,8093 14,9474 16,0968 17,2578

17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32

18,4304 19,6147 20,8108 22,0190 23,2391 24,4715 25,7163 26,9734 28,2431 29,5256 30,8208 32,1290 33,4503 34,7848 36,1327 37,4940

33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 –

38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –

Julho/2015 – Ed. 220

II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989

109

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

01.10.1989

NCz$

381,73

Decreto nº 98.211/89

02.10.1989

01.09.1990

Cr$

6.056,31

Port. 3.588/90

03.09.1990

01.11.1989

NCz$

557,33

Decreto nº 98.346/89

31.10.1989

01.10.1990

Cr$

6.425,14

Port. 3.628/90

01.10.1990

01.12.1989

NCz$

788,18

Decreto nº 98.456/89

01.12.1989

01.11.1990

Cr$

8.329,55

Port. 3.719/90

01.11.1990

01.01.1990

NCz$

1.283,95

Decreto nº 98.783/89

29.12.1989

01.12.1990

Cr$

8.836,82

Port. 3.787/90

03.12.1990

Cr$

12.325,50

Port. 3.828/90

31.12.1990

01.02.1990

NCz$

2.004,37

Decreto nº 98.900/90

01.02.1990

01.01.1991

01.03.1990

NCz$

3.674,06

Decreto nº 98.985/90

01.03.1990

01.02.1991

Cr$

15.895,46

MP 295/91

01.02.1991

01.04.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.143/90

24.04.1990

01.03.1991

Cr$

17.000,00

Lei nº 8.178/91

04.03.1991

Cr$

42.000,00

Lei nº 8.222/91

06.09.1991

01.05.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.352/90

23.05.1990

01.09.1991

01.06.1990

Cr$

3.857,76

Port. 3.387/90

04.06.1990

01.01.1992

Cr$

96.037,33

Port. 42/92

21.01.1992

01.07.1990

Cr$

4.904,76

Port. 3.501/90

16.07.1990

01.05.1992

Cr$

230.000,00

Lei nº 8.419/92

08.05.1992

01.08.1990

Cr$

5.203,46

Port. 429/90

01.08.1990

01.09.1992

Cr$

522.186,94

Port. 601/92

31.08.1992


Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

01.01.1993

Cr$

1.250.700,00

Lei nº 8.542/92

24.12.1992

03.04.2000

R$

151,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.03.1993

Cr$

1.709.400,00

Port. Interm. 4/93

01.03.1993

01.04.2001

R$

180,00

MP 2.142/01 (atual 2.194-6)

30.03.2001

01.05.1993

Cr$

3.303.300,00

Port. Interm. 7/93

04.05.1993

01.04.2002

R$

200,00

Lei nº 10.525/02

28.03.2002

01.07.1993

Cr$

4.639.800,00

Port. Interm. 11/93

01.08.1993

01.04.2003

R$

240,00

Lei nº 10.699/03

10.07.2003

01.08.1993

CR$

5.534,00

Port. Interm. 12/93

03.08.1993

01.05.2004

R$

260,00

Lei nº 10.888/04

25.06.2004

01.09.1993

CR$

9.606,00

Port. Interm. 14/93

02.09.1993

01.05.2005

R$

300,00

Lei nº 11.164/05

19.08.2005

01.10.1993

CR$

12.024,00

Port. Interm. 15/93

04.10.1993

01.04.2006

R$

350,00

MP 288/06

31.03.2006

01.11.1993

CR$

15.021,00

Port. Interm. 17/93

03.11.1993

01.04.2006

R$

350,00

Lei nº 11.321/06

10.07.2006

01.12.1993

CR$

18.760,00

Port. Interm. 19/93

02.12.1993

01.04.2007

R$

380,00

MP 362/07

30.03.2007-extra

01.01.1994

CR$

32.882,00

Port. Interm. 20/93

31.12.1993

01.04.2007

R$

380,00

Lei nº 11.498/07

29.06.2007

01.02.1994

CR$

42.829,00

Port. Interm. 02/94

02.02.1994

01.03.2008

R$

415,00

MP 421/08

29.02.2008-extra

01.03.1994

URV

64,79

Port. Interm. 04/94

03.03.1994

01.02.2009

R$

465,00

MP 456/09

30.01.2009-extra

01.07.1994

R$

64,79

Lei nº 9.069/95

30.06.1994/30.06.1995

01.01.2010

R$

510,00

MP 474/09

24.12.2009

01.09.1994

R$

70,00

Lei nº 9.063/95

01.09.1994/20.06.1995

01.01.2011

R$

540,00

MP 516/10

31.12.2010

01.05.1995

R$

100,00

Lei nº 9.032/95

29.04.1995

01.03.2011

R$

545,00

Lei nº 12.382/11

28.02.2011

01.05.1996

R$

112,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2012

RS

622,00

Decreto nº 7.655/11

26.12.2011

01.05.1997

R$

120,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2013

R$

678.00

Decreto nº 7.872/11

26.12.2012

01.05.1998

R$

130,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2014

R$

724,00

Decreto nº 8.166/13

24.12.2013

01.05.1999

R$

136,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2015

R$

788,00

Decreto nº 8.381/14

29.12.2014

Salário-de-benefício mínimo Salário-de-benefício máximo Renda mensal vitalícia Salário-família:

R$ 788,00 R$ 4.663,75 R$ 788,00 I - R$ 37,18 (trinta e sete reais e dezoito centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos);

II - R$ 26,20 (vinte e seis reais e vinte centavos) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos) e igual ou inferior a R$ 1.089,72 (um mil e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos). Benefícios a idosos e portadores de deficiência Um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995)

Julho/2015 – Ed. 220

III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Abril/2015)

110


8 – Tabela de contribuição (empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso) para pagamento de remuneração Salário-de-contribuição (R$)

9 – Escala de salários-base para os segurados contribuinte individual e facultativo

Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)

Até R$ 1.399,12

8,00*

De R$ 1.399,13 até 2.331,8

9,00*

De R$ 2.331,89 até 4.663,75

11,00*

* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.

Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.

IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL Base de cálculo em R$

Alíquota %

Até 1.787,77

-

O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.

-

De 1.787,78 até 2.679,29

7,5 134,08

De 2.679,30 até 3.572,43

15,0

De 3.572,44 até 4.463,81

22,5 602,96

Acima de 4.463,81

27,5 826,15

Dedução por dependente

Julho/2015 – Ed. 220

Parcela a deduzir do imposto em R$

TABELA PROGRESSIVA ANUAL

335,03

179,71

V – Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho Novos valores para Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho (Ato nº 372/2014 do TST, DJe de 17.07.2014, vigência a partir de 01.08.2014) Recurso Ordinário

R$ 7.485,83

Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória

R$ 14.971,65

Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.

111


VI – Indexadores Indexador

Janeiro

Fevereiro

Março

Abril

Maio

Junho

INPC IGPM UFIR SELIC

1,48 0,76

1,16 0,27

1,51 0,98

0,71 1,17

0,99 0,41

0,77 0,67

Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º.

0,94

0,82

1,04

0,95

Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75

TDA

0,99

1,07

Valores nominais reajustados – Reais 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 157,23

(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.

VII  – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.

Mês/Ano 1998

JAN 11.230,659840 140.277,063840 FEV 14.141,646870 180.634,775106 MAR 17.603,522023 225.414,135854 ABR 21.409,403484 287.583,354522 MAIO 25.871,123170 369.170,752199 JUN 32.209,548346 468.034,679637 JUL 38.925,239176 610.176,811842 AGO 47.519,931986 799,392641 SET 58.154,892764 1065,910147 OUT 72.100,436048 1445,693932 NOV 90.897,019725 1938,964701 DEZ 111.703,347540 2636,991993

JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

3631,929071 5132,642163 7214,955088 10323,157739 14747,663145 21049,339606 11,346741 12,036622 12,693821 12,885497 13,125167 13,554359

13,851199 16,819757 14,082514 17,065325 14,221930 17,186488 14,422459 17,236328 14,699370 17,396625 15,077143 17,619301 15,351547 17,853637 15,729195 18,067880 15,889632 18,158219 16,075540 18,161850 16,300597 18,230865 16,546736 18,292849

18,353215 18,501876 18,585134 18,711512 18,823781 18,844487 18,910442 18,944480 18,938796 18,957734 19,012711 19,041230

1999

2000

2001

2002

19,149765 19,626072 21,280595 22,402504 24,517690 19,312538 19,753641 21,410406 22,575003 24,780029 19,416825 20,008462 21,421111 22,685620 24,856847 19,511967 20,264570 21,448958 22,794510 25,010959 19,599770 20,359813 21,468262 22,985983 25,181033 19,740888 20,369992 21,457527 23,117003 25,203695 19,770499 20,384250 21,521899 23,255705 25,357437 19,715141 20,535093 21,821053 23,513843 25,649047 19,618536 20,648036 22,085087 23,699602 25,869628 19,557718 20,728563 22,180052 23,803880 26,084345 19,579231 20,927557 22,215540 24,027636 26,493869 19,543988 21,124276 22,279965 24,337592 27,392011

2003 28,131595 28,826445 29,247311 29,647999 30,057141 30,354706 30,336493 30,348627 30,403254 30,652560 30,772104 30,885960

Julho/2015 – Ed. 220

Mês/Ano 1992 1993 1994 1995 1996 1997

112


Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

2004

2005 2006 2007

31,052744 32,957268 31,310481 33,145124 31,432591 33,290962 31,611756 33,533986 31,741364 33,839145 31,868329 34,076019 32,027670 34,038535 32,261471 34,048746 32,422778 34,048746 32,477896 34,099819 32,533108 34,297597 32,676253 34,482804

2008

2009

34,620735 35,594754 37,429911 34,752293 35,769168 37,688177 34,832223 35,919398 37,869080 34,926270 36,077443 38,062212 34,968181 36,171244 38,305810 35,013639 36,265289 38,673545 34,989129 36,377711 39,025474 35,027617 36,494119 39,251821 35,020611 36,709434 39,334249 35,076643 36,801207 39,393250 35,227472 36,911610 39,590216 35,375427 37,070329 39,740658

39,855905 40,110982 40,235326 40,315796 40,537532 40,780757 40,952036 41,046225 41,079061 41,144787 41,243534 41,396135

Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

2010

2011 2012 2013

41,495485 44,178247 46,864232 41,860645 44,593522 47,103239 42,153669 44,834327 47,286941 42,452960 45,130233 47,372057 42,762866 45,455170 47,675238 42,946746 45,714264 47,937451 42,899504 45,814835 48,062088 42,869474 45,814835 48,268754 42,839465 46,007257 48,485963 43,070798 46,214289 48,791424 43,467049 46,362174 49,137843 43,914759 46,626438 49,403187

2014

2015

49,768770 52,537233 55,809388 50,226642 52,868217 56,635366 50,487820 53,206573 57,292336 50,790746 53,642866 58,157450 51,090411 54,061280 58,570367 51,269227 54,385647 59,150213 51,412780 54,527049 59,605669 51,345943 54,597934 51,428096 54,696210 51,566951 54,964221 51,881509 55,173085 52,161669 55,465502

Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.

Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967

NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990

NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970

Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993

Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986

CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994

Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988

R$ (real): de jul./1994 em diante

Exemplo: Atualização, até julho de 2015, do valor de Cz$1.000,00 fixado em janeiro de 1988 Cz$1.000,00 : 596,94 (janeiro/1988) x 59,605669 (julho/2015) = R$ 99,85

Julho/2015 – Ed. 220

Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:

113

Out./1964 a fev./1986: ORTN Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989 Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989) Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice)

Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002. Fonte: DJe, TJSP, Administrativo, 13/7/2015, p. 4 * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.


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