Jornal Juridico Fevereiro 2015

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A Imunidade de Livros, Jornais e Periódicos: Extensão da Imunidade, Interpretação da Expressão “Papel” Utilizada na Regra Constitucional e o Livro Eletrônico – Larissa Rodrigues Laks – p. 1

Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) – Paulo de Bessa Antunes, Maria Carolina Cypriani, Micaela Locke e Victor de Brito – p. 20 O Compromisso do Projeto de Novo Código de Processo Civil com o Processo Justo – Humberto Theodoro Júnior – p. 28 O Fundamento Onto-Antropológico do Direito Penal em Face da Sociedade Brasileira Contemporânea – Bruno Tadeu Buonicore – p. 55 Correlações entre a Segurança Pública, Cidadania, Corrupção e os Direitos Constitucionais de Petição, Representação e Reunião – Cassio Roberto Conserino – p. 66 Concubinato e Proteção Previdenciária: Tratamento em Igual Respeito e Consideração – Carolline Scofield Amaral – p. 74 Acórdão na Íntegra – Superior Tribunal de Justiça – p. 88 Pesquisa Temática – Condomínio – p. 91 Jurisprudência Comentada – Poluição Sonora: Interesse Individual ou Difuso? Da Legitimidade do Ministério Público para Ingressar com Ação Civil Pública – Fernanda Figueiredo Reis – p. 94 Medidas Provisórias – p. 98

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Normas Legais – p. 101 Indicadores – p. 103

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Doutrina

A Imunidade de Livros, Jornais e Periódicos: Extensão da Imunidade, Interpretação da Expressão “Papel” Utilizada na Regra Constitucional e o Livro Eletrônico

printed in paper or if it includes other ways of propagation, as, for example, the e-book. KEYWORDS: Immunity; paper; e-book. SUMÁRIO: Introdução; 1 A imunidade na Constituição Federal; 1.1 Conceito e breve histórico; 1.2 Ratio essendi, métodos interpretativos da imunidade de imprensa e direitos fundamentais; 2 Dissenso entre a hermenêutica reducionista e ampliativa da imunidade em foco; 2.1 A hermenêutica reducionista na visão da doutrina e do STF; 2.2 A superação do posicionamento reducionista; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO LARISSA RODRIGUES LAKS

Advogada Tributarista, Mestranda em Direito Tributário pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob orientação do Professor Luis Felipe Silveira Difini.

RESUMO: O presente artigo trata da imunidade tributária dos livros, jornais e periódicos e do papel destinado à sua impressão, cuja previsão está consolidada no art. 150, VI, d, do texto constitucional, e pretende uma discussão acerca da amplitude da imunidade e sua possível extensão para outros insumos, além do papel, destinados à produção de livros, jornais e periódicos e, ainda, em relação à extensão da norma imunizante para outros meios de veiculação do conhecimento, ou não, como, por exemplo, o livro eletrônico. PALAVRAS-CHAVE: Imunidade; papel; livro eletrônico. ABSTRACT: The present paper is about the tax immunity of books, newspapers and periodicals and paper for the printing, which prediction is writeen on the article 150, VI, d, of Brazilian constitutional, the largeness of rule and if such norm includes only the books, newspapers and periodicals

O presente trabalho trata da imunidade do art. 150, VI, d, da Constituição Federal, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “instituir impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão”. O estudo explora o conceito de imunidade, sua natureza jurídica e evolução histórica, observando o contexto do desejo de liberdade enquanto um dos principais anseios humanos, consolidado primeiramente nos Estados Unidos, país que sempre esteve numa posição de vanguarda no que se refere à consolidação das liberdades e direitos individuais. Ademais, são contempladas, por meio de posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, as possibilidades de extensão da norma imunizante para outros insumos, além do papel, utilizados como matéria-prima para a produção de livros, jornais e periódicos, e também para outros instrumentos modernos de veiculação do conhecimento, como o livro eletrônico. Ao longo do trabalho, será realizada uma análise acerca da forma de interpretação e de aplicação desta imunidade na prática, não devendo ser olvidada a questão da necessidade constante de que


1 A IMUNIDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL 1.1 Conceito e breve histórico O poder tributário conferido ao Estado e exercido por meio das leis não é ilimitado, sendo restrito mediante garantias conferidas aos cidadãos, que minimizam esse poder estatal. Essas garantias dos contribuintes são encontradas no texto constitucional em partes esparsas (não somente na seção “Das Limitações do Poder de Tributar” – arts. 150 a 152 da CF), sendo decorrentes também dos princípios constitucionais e dos tratados internacionais que o Brasil ratificou (art. 5º, § 2º, da CF). O conceito doutrinário de imunidade aparentemente mais acertado é aquele que prega que o instituto deva ser entendido enquanto uma limitação constitucional ao poder de tributar1, definição essa que parece acertada, em razão do que passaremos a abordar o conceito de imunidade tributária enquanto hipótese de não incidência qualificada constitucionalmente.

1 Nesse sentido: DERZI, Mizabel (em notas de atualização à Aliomar Baleeiro). Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. rev. e compl., atualizada à luz da Constituição de 1988, até a Emenda Constitucional nº 10/1996. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 226; ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 209; DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Alcance da imunidade de livros, jornais e periódicos. Revista Ajuris, Porto Alegre, v. 83, n. 1, p. 261 e 262, set. 2001).

A doutrina que se debruça sobre a possibilidade de limitação das imunidades têm se posicionado majoritariamente no sentido de que elas devam ser consideradas cláusulas pétreas, uma vez que são garantias individuais do contribuinte, e, portanto, eventual tentativa no sentido de diminuí-las ou extirpá-las deve ser repelida2. A liberdade de expressão é um dos mais preciosos direitos fundamentais e consta entre os mais almejados objetivos humanos em todos os tempos3. Para melhor compreensão do assunto e entendimento do fundamento da imunidade em exame, devemos nos ater às suas origens histórico-constitucionais e ao objetivo específico da imunidade, de garantia da liberdade de pensamento e de expressão, não apenas barateando os objetos, mas excluindo o tributo como objeto de dominação estatal.

2 O art. 60, § 4º, da Carta Magna consigna expressamente os direitos e garantias individuais entre as cláusulas pétreas, insuscetíveis a alterações que porventura minimizem ou tendam a minimizar sua proteção. Ressalte-se que eventuais emendas relativas às cláusulas pétreas, emanadas do poder constituinte derivado, são possíveis, desde que estas venham a melhorar ou até mesmo alargar garantias. Contudo, eventuais restrições às garantias conferidas por meio das imunidades tributárias serão tidas por inconstitucionais. 3 A Constituição Federal brasileira consigna o direito à liberdade de expressão em diversos dispositivos ao referir, no art. 5º, IV, que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, bem como no inciso XIV do mesmo artigo, em que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”, e também no art. 220, quando dispõe que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Ainda, nos termos dos §§ 1º e 2º do mesmo art. 220, refere a Carta Magna que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV” e que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

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a interpretação da norma imunizante seja objeto de ampliação, para fins de dar máxima efetividade aos objetivos constitucionalmente protegidos, nos casos concretos, para, ao final, chegar à conclusão de que se trata de uma garantia constitucional do direito à educação e à liberdade de expressão, independentemente do meio ou modo pelo qual os livros, jornais e periódicos sejam veiculados.

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Os Estados Unidos, como grande exemplo de nação democrática e livre, foi o primeiro país a consolidar o direito de liberdade de imprensa na sua Constituição, onde a consagração da liberdade de imprensa aparece conjuntamente com a liberdade de discurso parlamentar. A nação americana, em sua grande maioria, é formada por descendentes de ingleses, sendo que, na Inglaterra, até 1641, para que houvesse autorização para a publicação de um livro, era necessária a prévia permissão da Coroa. Tal censura, abolida em 1641, foi substituída, em 1662, por uma censura parlamentar, instituída através do denominado Printing Act, que vigorou até 16944.

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– que é o maior dos direitos fundamentais –, à propriedade, à segurança, entre outros. Posteriormente, em 1777, foi publicada a Constituição Federal Americana, que consolidou, entre seus princípios preponderantes, a limitação do poder estatal e a valorização da liberdade individual. Assim, por forte influência de Thomas Jefferson, um dos pais da nação americana e principal autor de sua constituição, foi consolidado o direito à liberdade de imprensa por meio da first amendment (primeira emenda), que previa: Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the government for a redress of grievances.

A abolição da censura na Inglaterra, portanto, impulsionou o desenvolvimento do conceito de liberdade de expressão e de publicação de pensamentos e foi mola propulsora da consolidação desta liberdade na Carta Federal dos Estados Unidos. Em 1735, um caso envolvendo o então editor do jornal semanal de Nova York, John Peter Zenger, e suas críticas ao governador local redundou na prisão do responsável pelas informações, o qual, julgado, foi absolvido, fato este que serviu como intensificador do debate em torno do direito da população a efetuar manifestações de crítica ao governo, por meio da imprensa.

O direito à liberdade de imprensa americano, portanto, está consolidado conjuntamente com a liberdade de discurso político (freedom off speach), com a liberdade religiosa e com a liberdade de petição e protesto dirigida ao governo. Todos esses mecanismos, conjuntamente, podem ser claramente visualizados como garantidores das liberdades, tão perseguidas e valorizadas pela nação americana.

O direito à liberdade de imprensa foi consolidado pela primeira vez, nos Estados Unidos, na Declaração de Direitos da Virgínia, de 17765, a qual expressa fundamentos democráticos ao estabelecer que todos os seres humanos são, pela própria natureza, livres e portadores de certos direitos inerentes, que não podem ser alienados ou suprimidos por decisões políticas, consolidando também outros direitos fundamentais, como o direito à vida

No Brasil, a imunidade dos livros, jornais e periódicos teve origem com a derrocada do Estado Novo, época marcada por serem frequentes as medidas ditatoriais e de tentativas de restrição à imprensa via manobras de aumento da tributação dos papéis importados para produção de livros, jornais e periódicos6. A imunidade ora analisada foi inserida formalmente no ordenamento jurídico brasileiro pela primeira vez por meio da Constituição

4 BOGEN, David S. The Originis of freedom off speach and press. Maryland Law Review, n. 3, p. 457/465, 1983. 5 A qual, em seu art. 14, dispunha que “a liberdade de imprensa é um dos mais fortes baluartes da liberdade do Estado e só pode ser restringida pelos governos despóticos”.

6 Já na Constituição de 1934, estava prevista a imunidade de impostos diretos em relação à profissão de escritor, jornalista e professor, o que, de certa forma, também funcionou como embrião da imunidade, que visa a proteger valores tais como a liberdade de imprensa, pensamento e expressão, livre acesso ao conhecimento e à cultura.


1.2 Ratio essendi, métodos interpretativos da imunidade de imprensa e direitos fundamentais O embrião da imunidade consagrada no art. 150, VI, d, da CF é a proteção à liberdade de imprensa, pensamento e expressão, bem como o livre acesso ao conhecimento e à cultura, direitos e garantias individuais, pilares do Estado Democrático de Direito, constitucionalmente protegidos como cláusulas pétreas (art. 5º, IV, IX e XIV). Outro fundamento importante da imunidade em estudo é o da proteção ao direito à educação (art. 5º, XXVII, arts. 205, 206, II, 215, 220, §§ 2º e 6º).

7 Nesse contexto, foi inserida, dentro do capítulo que trata do Sistema Tributário Nacional, toda uma seção (Seção II, Capítulo I) referente às limitações constitucionais ao poder de tributar, sendo que, no que toca ao texto da imunidade do art. 150, VI, d, não foi inserida mudança em relação ao texto existente nas Cartas de 1967 e 1969.

A finalidade última das imunidades tributárias, em geral, é a da preservação de valores éticos e culturais definidos pela ordem constitucional como relevantes. Na interpretação da norma imunizante, portanto, deve ser observado o elemento teleológico ou finalístico da norma, pois assim se estará garantindo a efetividade da constituição e dos valores constitucionalmente protegidos. As imunidades não constituiriam, assim, princípios constitucionais, mas sim meios para sua realização8. Acerca da distinção entre princípios e regras, e o consequente enquadramento das imunidades tributárias no campo das regras, interessante referir o entendimento de Sevegnani9, segundo o qual os princípios seriam essencialmente abstratos e, devido a isso, exigiriam a concretização do legislador ou do juiz, sendo os princípios representantes da estrutura do ordenamento jurídico. As regras seriam detentoras de menor abstração, podendo, portanto, ser aplicadas diretamente, agindo como instrumentos para a concretização dos princípios. As regras seriam aplicáveis segundo um critério de tudo ou nada, pois, quando confrontadas com uma situação fática, são válidas ou inválidas, sendo que os princípios seriam aplicados na medida do possível. As imunidades, assim, seriam normas objetivas aplicáveis diretamente a 8 Um interessante conceito das imunidades é elaborado por Jonathan Doering Darcie (A interpretação das imunidades tributárias. Revista da Ajuris, Porto Alegre, v. 38, n. 124, p. 154, dez. 2011), ao referir que: “Assim, as imunidades tributárias são proibições dirigidas ao titular da competência tributária que retiram do âmbito de permissão a possibilidade de instituição de tributos sobre determinados fatos ou pessoas. Originam-se em decisões axiológicas do legislador constitucional, que afasta de antemão da possibilidade de tributação pessoas incompatíveis com a teleologia da relação jurídica tributária, sem capacidade contributiva, ou de valores relacionados às finalidades mais caras do Estado, como a liberdade de manifestação do pensamento, a liberdade religiosa, entre outros”. 9 SEVEGNANI, Joacir. A interpretação das imunidades tributárias segundo a concepção normativa de Ronad Dworkinn, Robert Alexy e J. J. Gomes Canotilho, 2010, p. 27-30.

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de 1946, que sucedeu o período de restrição às liberdades de imprensa ocorrido no Estado-Novo, sendo esta carta constitucional, portanto, caracterizada como protetora das liberdades civis. Jorge Amado, então deputado federal, preocupado com a garantia do acesso popular à leitura e com a liberdade de imprensa, foi o responsável pela proposição da imunidade, a qual ficou restrita ao papel destinado à impressão jornalística, sendo que os produtos acabados, os bens em si, não eram beneficiados. A extensão da imunidade aos bens acabados viria a ocorrer apenas na Constituição de 1967, não alterada neste aspecto pela Constituição de 1969, sendo que, com a promulgação da atual Carta Magna, denominada constituição cidadã, houve sensível extensão das garantias fundamentais e da preocupação com os direitos e liberdades individuais, direitos sociais e limitações do poder estatal7.

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casos concretos, uma vez que não possuem o grau de abstração dos princípios, e, a despeito de conterem em si forte conteúdo principiológico, atuariam apenas como instrumentos de concretização dos direitos fundamentais do cidadão, caracterizando-se, desta forma, como regras. Portanto, é correto afirmar que a ratio essendi das imunidades previstas no art.150, VI, d, é a de proteger, deixar a salvo da imposição de impostos, seja pela União, pelos Estados ou Municípios, as pessoas, bens ou fatos representativos dos valores consagrados constitucionalmente, neste particular a liberdade de expressão do pensamento, o acesso à cultura e à informação e o fomento à educação.

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Para além da finalidade de garantir a proteção dos direitos fundamentais constitucionalmente protegidos pela imunidade, podemos referir que a norma imunizante em estudo possui a função de promover a difusão dos livros, jornais e dos periódicos, que são os instrumentos pelos quais os valores consagrados constitucionalmente são propagados, sendo que a desoneração tributária do papel, dos livros, jornais e periódicos tenderia a tornar estes objetos mais acessíveis à população em geral.

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Contudo, em que pese a imunidade fiscal existente, verifica-se que seu telos nem sempre é atingido, pois o livro ainda é um artigo caro no Brasil e considerado de difícil acesso à população em geral, de modo que a percepção empírica é de que, em que pese a não incidência de impostos sobre os livros, jornais e periódicos, muitas vezes as empresas aumentam sua margem de lucro até o limite daquilo que o mercado consumidor possa absorver, ao invés de baratear os custos dos produtos finais imunizados em virtude da desoneração existente. No que toca à interpretação das normas de imunidade e aos métodos interpretativos, convém referir que há certo consenso doutrinário no sentido de que a interpretação das imunidades

deve ser prioritariamente conjugar critérios sistemáticos e teleológica10, a fim de garantir sua maior efetividade11. Além disso, as normas que definam imunidades devem ser interpretadas ampliativamente12. A necessidade de se conferir interpretação extensiva às imunidades pode ser vista ainda como uma forma de se conferir segurança jurídica aos interesses fundamentais e vitais à sociedade que elas almejam proteger, em relação às 10 Acerca do método sistemático, intrinsecamente ligado ao princípio da unidade da constituição e de plenitude do ordenamento jurídico e, portanto, requer uma leitura da carta com o objetivo de conferir harmonia ao sistema e sentido único ao texto constitucional, de modo a evitar contradições. Neste aspecto, convém citar o entendimento de José Souto Maior Borges (Isenções tributárias. 2. ed. Sugestões Literárias, p. 184-185), pelo qual: “Sistematicamente, pode-se afirmar que as imunidades representam muito mais um problema do direito constitucional do que um problema do direito tributário. Analisada sob o prisma do fim, objetivo ou escopo, a imunidade visa assegurar certos princípios fundamentais ao regime, a incolumidade de valores éticos e culturais consagrados pelo ordenamento constitucional positivo e que se pretende manter livres das interferências ou perturbações da tributação”. O método teleológico, segundo Darcie (Ibid., 2011, p. 167), é aquele que “produz vinculação de sentido normativo, ou com o conteúdo semântico das expressões empregadas pelo legislador de então, ou seja, com a recondução do sentido para melhor atendimento de uma finalidade que esteve subjacente à legislação”. 11 Nesse sentido, STF, RE 102.141, 2ª T., 1985. Rel. p/o Ac. Min. Carlos Madeira, que aporta a seguinte ementa: “Imunidade tributária. Livro. Constituição, art. 19, III, d. Em se tratando de norma constitucional relativa às imunidades tributárias genéricas, admite-se a interpretação ampla, de modo a transparecerem os princípios e postulados consagrados. O livro, como objeto da imunidade tributária, não é apenas o produto acabado, mas o conjunto de serviços que o realiza, desde a redação, até a revisão da obra, sem restrição dos valores que formam e que a constituição protege”. 12 A esse respeito, Andrey Pitten Velloso (A imunidade tributária do livro digital: fundamentos e alcance. Revista de Estudos Tributários, Porto Alegre, n. 83, p. 21-37, jan./fev. 2012) refere que: “No conflito entre argumentos genéticos e teleológicos, o intérprete há de conferir prevalência a estes, pois decorrem do texto e do sistema da Constituição da República, enquanto aqueles derivam de elementos que lhe são alheios”.


necessidades de financiamento da máquina estatal, posto que o Estado, em função de situações déficit fiscal, pode passar a sustentar a necessidade de interpretação restritiva destas imunidades, com vistas a eventuais aumentos de arrecadação13.

2 DISSENSO ENTRE A HERMENÊUTICA REDUCIONISTA E AMPLIATIVA DA IMUNIDADE EM FOCO

Em relação aos impostos abrangidos pela imunidade dos livros, jornais e periódicos, esclareça-se que ela abarca o Imposto sobre Produtos Industrializados, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o Imposto de Importação e o Imposto de Exportação, ou seja, todos os impostos incidentes da circulação interna, importação ou exportação de mercadorias. Entretanto, estão completamente fora do alcance da norma imunizante os lucros e os bens próprios das empresas editoriais ou livrarias, de forma que essas rendas e bens são completamente tributáveis, bem como a remuneração dos autores e jornalistas, pois eventual tratamento privilegiado destas pessoas ou empresas representaria uma afronta à regra contida no art. 150, II, da CF, a qual veda a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente.

2.1 A hermenêutica reducionista na visão da doutrina e do STF A questão acerca da forma de interpretação da imunidade do art. 150, VI, d, da CF tem sido muito controvertida ao longo do tempo, na doutrina e na jurisprudência. Existem inúmeras discussões, por exemplo, que debatem se seria apenas o “papel” imune ou se o seriam somente aqueles instrumentos utilizados na produção que se aderem ao papel, posto que a Carta Magna seria clara ao prever a imunidade apenas ao papel, ou, ainda, sobre a possibilidade de que fosse conferida extensão da não incidência fiscal aos demais instrumentos e a todos os insumos utilizados no processo de fabricação de livros, jornais e periódicos.

13 Neste tópico, convém mencionar o entendimento de Sevegnani (Ibid., 2010, p. 27-30), pelo qual: “Do exposto, infere-se que, quando se trata de imunidades e direitos fundamentais, predomina o princípio in dubio pro libertate. Se o intérprete tem dúvida a respeito do significado do texto, deve decidir em favor da solução que melhor garanta a liberdade. Assim, a interpretação da norma de imunidade há de ser feita de sorte a realizar o princípio nela subjacente. O alcance da norma há de ser semelhante ao do princípio. Não é razoável admitir-se que, com a interpretação restritiva da norma, reste frustrado o princípio. Portanto, o hermeneuta, ao interpretar as prescrições normativas que tratam de imunidades, não pode pretender restringir o alcance de seus postulados, para os quais o constituinte estabeleceu significado amplo”.

Para esclarecer essa questão, é necessário observar que a norma imunizante deve ser considerada segundo a sua finalidade, sua interpretação teleológica de proteger a liberdade de expressão e a difusão da cultura, e, por essa razão, haveria certo consenso doutrinário no sentido de que os livros de escrituração comercial e folhetos de propaganda e papel nos quais são impressos devam ser excluídos da imunidade, o que pode ser atribuído ao fato de que eles não se destinam à promoção da cultura e da liberdade de expressão. Neste tópico, convém citar o entendimento de parcela da doutrina segundo a qual muitos livros, jornais e periódicos podem conter ambos os propósitos,

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Existe polêmica, também, em torno do fato de a referida imunidade porventura abarcar também outros tipos de publicações, tais como álbuns de figurinhas, listas telefônicas, encartes publicitários, empresas de rádio e televisão e livro eletrônico.

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o de fins comerciais, via propaganda, e de difusão de cultura e informação, sendo que, neste tipo de situação, deveria ser sopesada qual a finalidade dominante, além de ser medida a existência de capacidade contributiva, de modo que, quando o livro, jornal ou periódico contivesse publicidade que excedesse seus custos, deixaria de ser objeto da não incidência constitucionalmente prevista.

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Contudo, parece mais acertado o posicionamento daqueles que ampliam a interpretação da imunidade, sob o argumento de que se trata de imunidade objetiva, de forma que esta seria clara em relação a todo o tipo de livro, jornal e periódico e papéis destinados à sua impressão, pouco importando se seu conteúdo seria educativo, de fofocas ou erótico, por exemplo. Segundo esse entendimento, não seria lícito ao intérprete restringir direitos ou garantias se o legislador não o fez, e disso decorreria a impossibilidade de diferenciação entre livros, jornais e periódicos quanto ao conteúdo de forma, com eventual distinção entre publicações de valor didático ou artístico e outras que não o sejam.

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Cumpre esclarecer que, em relação aos insumos utilizados na produção jornalística, muito se discute, e, neste aspecto, verifica-se que uma parcela minoritária da doutrina prega a necessidade de que tal imunidade seja interpretada de forma restrita, ou quase literal, sob o argumento de que, se a constituição mencionou apenas o papel utilizado como insumo, não poderia o intérprete, a pretexto de fazer uma leitura da intenção do legislador, ampliar essa pretensa intenção para além das fronteiras do razoável ou daquilo que seria permitido ao intérprete, sendo que uma interpretação demasiado ampliativa da regra em comento teria o condão de conferir poderes legislativos ao intérprete.

Segundo o posicionamento de Difini14, acaso a intenção do legislador fosse tornar imunes todos os insumos utilizados no processo de produção, teria consignado expressamente na redação do dispositivo a imunidade do papel e de outros materiais destinados à impressão de livros, jornais e periódicos. Contudo, uma vez que a regra foi clara e conferiu a possibilidade de não incidência de tributos apenas ao papel destinado ao fabrico de livros, jornais e periódicos, a função da hermenêutica, neste tópico, deve ser restritiva, sendo eventualmente admissível a ampliação da interpretação da expressão papel àqueles artigos que se incorporam ao papel. Refere o autor que: [...] na vigência da Constituição da Constituição de 1969, pelo Decreto nº 23.349, os Estados foram autorizados a isentar de ICMS as importações de tinta, frisa, filme, chapas e demais matérias-primas e produtos intermediários importados do exterior por empresas jornalísticas e editoras de livros, quando destinados a emprego no processo de industrialização de livros, jornais e periódicos. Ora, houvesse imunidade não teriam os Estados competência para tributar, também não teriam competência para isentar (e nem se cogitaria de isenção). Se podiam isentar, é porque podiam tributar, porque não havia imunidade. E o texto de 1969 não difere em nada do substancial do atual, pelo que induvidosamente se aplica à atual Constituição – no caso – a interpretação aceita para a anterior.

Posicionamento semelhante, também restritivo, é exposto por Saraiva Filho15, ao referir “o ensinamento da hermenêutica no sentido de que, diante da enfática insuficiência do texto, não cabe cogitar do minus dixti quam voluit, pois onde a lei suprema não distingue, não cabe ao exegeta distinguir”. Expoente da corrente defensora da interpretação restritiva das imunidades, o autor sustenta que, na busca da finalidade almejada pela norma, não pode o intérprete usar de recursos como a analogia 14 Ibid., 2001, p. 260-277. 15 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon Pontes. Os CD-ROMs e disquetes com programas gravados são imunes? Revista Dialética de Direito Tributário, n. 7, p. 35-41, 1996.


O entendimento que vem sendo adotado pelo STF, neste tópico, é no sentido de que a interpretação destas imunidades deva ser “restrita”, abrangendo apenas os materiais que possam ser assimilados ao papel utilizado na impressão dos livros, jornais e periódicos imunes. Nesse contexto, foi editada pelo STF a Súmula nº 65716, segundo a qual “a imunidade prevista no art. 150, VI, d, da CF abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos”. A posição adotada na Súmula nº 657, retrotranscrita, embora inclua filmes e papéis fotográficos, exclui da possibilidade de não incidência de tributos outros insumos importantes, tais como tintas, chapas de impressão, soluções para impressão, solventes, entre outros e, após a edição da referida súmula, esse entendimento já foi reproduzido em inúmeros julgados relativos ao tema17. A interpretação feita pelo STF, no sentido de que a imunidade dos livros, jornais e periódicos e papéis destinados à sua impressão deve ser restrita aos insumos que se relacionam ao papel constitui, contudo, uma visão equivocada do dispositivo constitucional, feita segundo a literalidade da expressão “papel”, inserida na carta constitucional, estando em desacordo com o 16 BRASIL, 2003, 9-13 set. 17 Conforme, por exemplo, o acórdão do RE 178.863/SP: “Constitucional. Tributário. Jornal. Imunidade tributária. CF, art. 150, VI, d. I – O Supremo Tribunal Federal decidiu que apenas os materiais relacionados com papel (papel fotográfico, papel telefoto, filmes fotográficos, sensibilizados, não impressionados, para imagens monocromáticas, papel fotográfico para fotocomposição por laser) é que estão abrangidos pela imunidade tributária do art. 150, VI, d, da CF. II – Precedentes do STF: RE 190.761/SP e RE 174.476/SP, Min. F. Rezek p/o Ac.; RE 203.859/SP e RE 204.234/RS, Min. M. Corrêa p/o Ac., Plenário, 11.12.1996. Voto vencido do Ministro Carlos Velloso, que entendia cabível a imunidade tributária em maior extensão. III – RE conhecido e provido” (Brasil, 1996).

sentido finalístico da norma imunizante, de favorecimento do acesso à cultura, à informação e de proteção à livre expressão do pensamento, podendo-se, inclusive, ser formulado questionamento no sentido de que o entendimento lançado pelo STF em realidade manifesta-se, ainda que oblíqua e indiretamente, restritivo das liberdades individuais e favorável aos interesses arrecadatórios. Segundo a mesma linha de raciocínio restritiva adotada para decidir acerca da inexistência de imunidade dos insumos utilizados no processo de impressão, recentemente o STF adotou posicionamento no sentido de que a imunidade do art. 150, VI, d, da Carta Magna não é extensiva aos livros eletrônicos. O pensamento contrário à extensão da norma imunizante aos livros eletrônicos se funda em argumentos semelhantes aos daqueles que defendem a interpretação restritiva do sentido da expressão papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos e asseveram que a Assembleia Nacional Constituinte teve a oportunidade de apreciar projeto que estendia a imunidade a outros meios de difusão de cultura e rejeitou-o. Afirmam, também, que, segundo o princípio da estrita legalidade, as normas, sejam imunizantes ou não, não podem ser interpretadas de forma tão abrangente, ainda que em beneficio do cidadão/contribuinte, de forma que o resultado desta hermenêutica acabe por ferir o princípio da legalidade. Segundo esse mesmo entendimento restritivo, portanto, recentemente o STF julgou, por meio de decisão monocrática proferida pelo Ministro Dias Toffoli, o Recurso Extraordinário nº 330.817, cuja ementa segue transcrita: Decisão Vistos. Estado do Rio de Janeiro interpõe recurso extraordinário, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão da

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integrativa, por exemplo, o que equivaleria ao preenchimento de lacunas deixadas pela norma.

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Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado:

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“Duplo grau de jurisdição. Mandado de segurança. Imunidade concernente ao ICMS. Art. 150, VI, d, da Constituição Federal. Comercialização da Enciclopédia Jurídica eletrônica por processamento de dados, com pertinência exclusiva ao seu conteúdo cultural – software. Livros, jornais e periódicos são todos os impressos ou gravados, por quaisquer processos tecnológicos, que transmitem aquelas ideias, informações, comentários, narrações reais ou fictícias sobre todos os interesses humanos, por meio de caracteres alfabéticos ou por imagens e, ainda, por signos. A limitação do poder de tributar encontra respaldo e inspiração no princípio no tax on knowledge. Sentença que se mantém em duplo grau obrigatório de jurisdição.” (fl. 94)

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Alega o recorrente contrariedade ao art. 150, VI, d, da Constituição Federal. Contra-arrazoado (fls. 112 a 137), o recurso extraordinário (fls. 98 a 109) foi admitido (fls. 143 a 145). Opina o Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto, “pelo desprovimento do recurso” (fls. 160 a 164). Decido. Anote-se, inicialmente, que o acórdão recorrido foi publicado em 15.09.2000, conforme expresso na certidão de folha 96, não sendo exigível a demonstração da existência de repercussão geral das questões constitucionais trazidas no recurso extraordinário, conforme decidido na Questão de Ordem no Agravo de Instrumento nº 664.567/ RS, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 06.09.2007. A irresignação merece prosperar, haja vista que a jurisprudência da Corte é no sentido de que a imunidade prevista no art. 150, VI, d, da Constituição Federal, conferida a livros, jornais e periódicos, não abrange outros insumos que não os compreendidos na acepção da expressão “papel destinado a sua impressão”. Sobre o tema, anote-se: “Tributário. Imunidade conferida pelo art. 150, VI, d, da Constituição. Impossibilidade de ser estendida a outros insumos não compreendidos no significado da expressão ‘papel destinado à sua impressão’. Precedentes do Tribunal. Incabível a condenação em honorários advocatícios na ação de mandado de segurança, nos termos da Súmula nº 512/STF. Agravos regimentais desprovidos.” (RE 324.600/SP-AgRg, 1ª T., Relª Min. Ellen Gracie, DJ 25.10.2002)

“ISS. Imunidade. Serviços de confecção de fotolitos. Art. 150, VI, d, da Constituição. Esta Corte já firmou o entendimento (a título exemplificativo, nos RE 190.761, RE 174.476, RE 203.859, RE 204.234, RE 178.863) de que apenas os materiais relacionados com o papel – assim, papel fotográfico, inclusive para fotocomposição por laser, filmes fotográficos, sensibilizados, não impressionados, para imagens monocromáticas e papel para telefoto – estão abrangidos pela imunidade tributária prevista no art. 150, VI, d, da Constituição. No caso, trata-se de prestação de serviços de composição gráfica (confecção de fotolitos) (fls. 103) pela recorrida a editoras, razão por que o acórdão recorrido, por ter essa atividade como abrangida pela referida imunidade, e, portanto, ser ela imune ao ISS, divergiu da jurisprudência desta Corte. Nesse sentido, em caso análogo ao presente, o decidido por esta 1ª Turma no RE 230.782. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE 229.703/SP, 1ª T., Rel. Min. Moreira Alves, DJ 17.02.2002) “Recurso extraordinário inadmitido. 2. Imunidade tributária. Art. 150, VI, d, da Constituição Federal. 3. A jurisprudência da Corte é no sentido de que apenas os materiais relacionados com o papel estão abrangidos por essa imunidade tributária. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AI 307.932/SP-AgRg, 2ª T., Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 31.08.2001) No mesmo sentido, as seguintes decisões monocráticas proferidas em processos em que a matéria discutida é especificamente a imunidade tributária incidente sobre livros eletrônicos (CD-ROM): RE 416.579/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, RE 282.387/RJ, Rel. Min. Eros Grau, DJ 08.06.2006 e AI 530.958/GO, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 31.03.2005. Ante o exposto, nos termos do art. 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil, conheço do recurso extraordinário e lhe dou provimento para denegar a segurança. Sem condenação em honorários, nos termos da Súmula nº 512/STF. Custas ex lege. Publique-se. Brasília, 4 de fevereiro de 2010. Ministro Dias Toffoli. (Brasil, 2010)

Transcrevemos, oportunamente, também, a decisão do STF no AI 220503, referente à discussão sobre o universalmente conhecido dicionário Aurélio na forma eletrônica:


Os entendimentos supratranscritos, portanto, referem-se a casos em que a imunidade de livros digitais, como a enciclopédia britânica ou o famoso dicionário Aurélio, não foram reconhecidos, tendo o STF, nesses casos, utilizado como argumento e razão de decidir deste posicionamento restritivo e antiquado o entendimento anteriormente consolidado referente à impossibilidade de extensão da não incidência de tributos a outros insumos que não aqueles que aderem ao papel, utilizados na produção de livros, jornais e periódicos, o que, em realidade, pode ser traduzido como um posicionamento que defende a impossibilidade de uma interpretação ampliativa e teleológica do texto constitucional. No caso do julgamento referente à imunidade do dicionário Aurélio eletrônico, houve trânsito em julgado da decisão colegiada que entendeu pela não imunização em 28.11.2008. Já no caso do RE 330.817, o STF reconheceu a repercussão geral da matéria envolvendo o alcance da imunidade destinada aos livros, jornais e periódicos de que trata o referido dispositivo constitucional, mediante decisão datada de 01.10.2012, Ata nº 39/2012, publicada no DJE nº 192, divulgado em 28.09.2012. Existe ainda em tramitação no STF o RE 595.676, o qual também teve sua repercussão geral reconhecida, processo este referente ao alcance da imunidade do art. 150, VI, d, em relação à impor-

tação de pequenos componentes eletrônicos que acompanham material didático utilizado em curso prático de montagem de computadores, a qual, embora guarde alguma semelhança, não trata de caso análogo ou que guarde estrita pertinência com aquela tratada no RE 330.817, referente somente à imunidade da enciclopédia britânica em software. Diante do reconhecimento de repercussão geral nos Recursos Extraordinários nºs 330.817 e 595.676, é possível, eventualmente, que o STF, uma vez considerados os precedentes oriundos da Segunda Instância18 e, tendo em vista as recentes mudanças em sua composição, esteja buscando um embasamento para uma mudança de posicionamento que poderia lhe ter conferido novos ares e uma visão mais moderna e ampliativa da imunidade em estudo. Convém referir, ainda, que, ao longo da evolução humana, o livro não existiu sempre no formato de papel ou na forma eletrônica hoje conhecida, tendo utilizado primeiramente como suporte as tábuas de argila ou a pedra, evoluindo para o papiro e o pergaminho, sendo que o papel surgiu apenas na Idade Média, até o advento da imprensa, sendo a menção a esse desenvolvimento fundamental para a relativização deste conceito estanque de livro em forma de “conjunto de páginas impressas formando um caderno”. Portanto, o tratamento do objeto imunizado apenas sob o prisma do material que o compõe, com desprezo do conceito que engloba o sentido ou a substância do livro enquanto meio de difusão de informações e cultura, deve ser necessariamente superado, sob pena de ficarmos presos a um entendimento ultrapassado e impeditivo da consolidação dos objetivos de proteção de direitos fundamentais da imunidade em estudo.

18 TRF 4ª R., Ap 200670080016850, 1ª T., Rel. Des. Vilson Darós, DE 19.05.2009.

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1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, na instância de origem, indeferiu processamento de recurso extraordinário contra acórdão que reconheceu a imunidade tributária de dicionário eletrônico, contido em software. Sustenta o recorrente, com base no art. 102, III, a, violação ao art. 150, IV, d, da Constituição Federal. 2. Consistente o recurso. O acórdão recorrido está em desconformidade com a orientação sumulada desta Corte, no sentido de que a imunidade prevista no art. 150, VI, d, da Carta Magna, não alcança todos os insumos usados na impressão de livros, jornais e periódicos, mas tão somente os filmes e papéis tidos por necessários à sua publicação, tais como o papel fotográfico, inclusive o destinado a fotocomposição por laser, os filmes fotográficos, sensibilizados, não impressionados, para imagens monocromáticas, e o papel para telefoto (Súmula nº 657). (Brasil, 14.11.2008)

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Nesse contexto, é importante mencionar que o objetivo precípuo da norma imunizante é o de proteger a liberdade de expressão do pensamento, a difusão da cultura e da informação. Assim, podemos dizer que o suporte físico no qual estes livros, jornais e periódicos se propagam não seria exatamente o ponto fundamental cuja proteção se vislumbra por meio da Carta Magna.

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A controvérsia gerada pelo reconhecimento da repercussão geral no Recurso Extraordinário nº 595.676 poderia ser resolvida à luz da relevância econômica e instrumentalidade destes componentes eletrônicos agregados aos livros e periódicos educativos, conforme sugestão contida no trabalho vanguardista de Velloso19, que refere que esses componentes seriam imunizados acaso sejam comprovadamente fundamentais para o desenvolvimento das lições consideradas no livro educativo e, ainda, desde que sua expressão econômica não ultrapasse o valor do bem principal imunizado, o livro. Acaso, contudo, esses componentes eletrônicos não sejam de fundamental importância para o desenvolvimento das lições, ou na hipótese de seu valor econômico ultrapassar o valor do livro, não serão beneficiários da desoneração.

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Para fundamentação da decisão a ser proferida no julgamento do Recurso Extraordinário nº 330.817, seria eventualmente interessante como alternativa para embasar uma eventual mudança na posição do STF acerca da imunidade dos livros eletrônicos que não fosse contraditória em relação à posição de interpretação literal anteriormente adotada relativa aos insumos utilizados na produção de livros, jornais e periódicos imunes é a de que, embora considerada a literalidade da expressão papel, para restringir a imunidade somente aos insumos que se aderem a ele, a literalidade da expressão livro pode contemplar o livro eletrônico, o qual, embora não palpável e não composto de um

19 Velloso, ibid., 2012, p. 21-37.

conjunto de folhas impressas e encadernadas, continua, segundo o conceito substancial da palavra, sendo um livro.

2.2 A superação do posicionamento reducionista O atual entendimento restritivo do STF é amplamente criticado na doutrina sob o argumento de que ele reduz, de modo significativo, o alcance da imunidade em estudo, tratando a necessidade de reconhecimento da imunidade apenas como incidente na etapa final do processo produtivo20. Segundo Derzi21: Ocorre, entretanto, que o reconhecimento da imunidade apenas na última etapa, em relação ao produto acabado, anula, senão reduz substancialmente a imunidade, eleva o custo final e quebra a neutralidade do benefício constitucional, favorecendo as empresas de impressão economicamente mais fortes.

Neste aspecto, convém mencionar que, no exterior, a ideia de preservação da liberdade expressão e livre manifestação do pensamento, assim como de facilitação ao acesso à cultura, 20 Um dos expoentes da doutrina a fazer a crítica ao entendimento do STF em relação ao tema é Hugo de Brito Machado (MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Imunidade tributária do livro eletrônico. Revista Opinião Jurídica, n. 5, p. 110-134, 2005, p. 111-133), para quem: “A imunidade do livro, jornal ou periódico, e do papel destinado à sua impressão, há de ser entendida em sentido finalístico. E o objetivo da imunidade poderia ser frustrado se o legislador pudesse tributar quaisquer dos meios indispensáveis à produção dos objetos imunes. Assim, a imunidade, para ser efetiva, abrange todo o material necessário à confecção do livro, do jornal ou do periódico. Não apenas o exemplar deste ou daquele, materialmente considerado, mas o conjunto. Por isto nenhum imposto pode incidir sobre qualquer insumo, ou mesmo sobre qualquer dos instrumentos, ou equipamentos, que sejam destinados exclusivamente à produção destes objetos”. 21 DERZI, Mizabel (em notas de atualização à Aliomar Baleeiro). Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. rev. e compl., atualizada à luz da Constituição de 1988, até a Emenda Constitucional nº 10/1996. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 343.


Segundo Lenz22, ao apreciar caso semelhante, quando do julgamento Mineapolis Star Tribune v. Minn. Com’r os Ver, deliberou a Suprema Corte dos Estados Unidos, verbis: Imposition of use tax on cost of paper and in products consumed in production of publications violated the first Amenment by imposing significant burden on freedom of the press. U.S.C.A Const Amend. 1; M.S A §§ 297ª.14, 297A24, 297A25, subd 1 (i) (Supreme Court Reporter, West Publishing Co, 1986, v. 103, p. 1366).

Em mais de 90 países, o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA ou TVA) é utilizado largamente para a tributação da produção e comercialização de bens e serviços, de modo a evitar a chamada tributação em cascata, sendo esse imposto seletivo em razão da essencialidade dos produtos tributados. Assim, os livros, jornais e periódicos, uma vez considerados como produtos de primeira necessidade, estão sujeitos, na maioria dos países europeus, a alíquotas reduzidas, mas são, via de regra, tributados. Em nota de atualização à obra de Baleeiro, Derzi23 tece relevantes considerações sobre a tributação dos livros e jornais nos países europeus e menciona que a tributação existente a alíquotas reduzidas, sobre o produto final considerado como de primeira necessidade, via de regra proporciona maior efetividade à possibilidade de dedução da tributação incidente sobre os insumos utilizados no processo produtivo, ao mencionar que:

22 LENZ, Carlos Eduardo Thompson Flores. Imunidade constitucional dos livros, jornais, periódicos e papel destinado à sua impressão (alcance do art. 150, VI, d, da CF). Revista do Tribunal Regional da Quarta Região, v. 1, n. 1, p. 62, jan./mar. 1990. 23 DERZI. Ibid., 2006, p. 343-346.

Ora, a incursão feita à legislação estrangeira serve para demonstrar que a imunidade reconhecida apenas na última etapa de circulação, atingindo tão somente o produto da publicação (livros, jornais e periódicos), sem estendê-la a todo o processo produtivo e a todos os serviços que a compõem, fica anulada ou substancialmente reduzida. Além disso, falseia-se a neutralidade da imunidade, beneficiando-se os grupos economicamente mais fortes. É o que veremos a seguir. Não nos deve surpreender a constatação de que a Constituição federal apenas tenha destacado na imunidade constante do art. 150, VI, d, um único insumo, o papel. Esse fato não indica, entretanto, que o campo normativo do dispositivo constitucional esteja limitado. As razões dessa conclusão são diversas. De fato, a limitação da imunidade ao produto final (livros e jornais), sem liberação dos impostos incidentes nas aquisições de bens de uso, consumo ou de capital ou sobre os serviços utilizados pelas empresas de impressão, gera efeitos contrários aos desígnios constitucionais, encarece a produção e falseia a concorrência. Basta argumentar que: 1) ficará mais elevado o custo produtivo e, consequentemente, o preço final do produto, limitando-se o direito da grande massa pobre dos leitores nacionais; 2) elevando-se o custo produtivo, apenas grandes empresas de impressão economicamente mais poderosas suportam e suportarão os ônus dos impostos cuja incidência independe do resultado da atividade (como é o caso do IPI, do ICMS ou do ISS). Elas, e apenas elas, já dominantes no mercado, gozarão do maquinário mais moderno, dos recursos técnicos mais eficientes de impressão e, com isso, sufocarão os concorrentes menores, em especial os pequenos jornais de opinião. Será que as empresas de impressão brasileiras, apesar da imunidade ampla e irrestrita de que gozam, estão sob o abrigo constitucional enganoso, que protege sem proteger, que restringe sendo amplo? Que deveriam pleitear a imposição de tributo à moda francesa –contrariamente à constituição que lhes garante a imunidade? Que sendo adquirentes de maquinário e de bens de uso e consumo sujeitos ao IPI ou ao ICMS, merecem tratamento menos favorável do que receberiam se não fossem imunes?

Grande parcela da doutrina manifesta-se no sentido de que a imunidade dos insumos utilizados na confecção de livros, jornais e periódicos deve ser ampla, de modo a abranger a maior

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são, via de regra, valores preservados nos sistemas jurídicos, sem que, contudo, em geral, apareçam textualmente nos textos constitucionais da maioria dos países democráticos.

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parte dos insumos utilizados no processo de produção, pois, do contrário, o preço final do objeto que se pretende imunizar será acrescido dos custos tributários gerados pelas etapas anteriores do processo produtivo não atingidas pela desoneração. Os defensores dessa corrente sustentam, ainda, que a hermenêutica constitucional desta imunidade deva ser ampla, sistemática e finalística, de forma que os fins cuja proteção se vislumbre sejam a educação, a cultura, a liberdade de expressão e de informação – direitos esses considerados fundamentais segundo a Constituição Federal brasileira24.

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Contudo, embora verificado o posicionamento restritivo relativo à aplicação da imunidade para os insumos utilizados nas etapas do processo produtivo dos produtos finais detentores de imunidade, em relação a outros tópicos de discussão que se desdobram da aplicação da regra contida no art. 150, VI, d, da Constituição Federal, verifica-se um possível processo que

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24 Humberto Ávila (Argumentação jurídica e a imunidade do livro eletrônico. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 19, p. 157-180, 2001) manifesta-se de forma contrária ao posicionamento adotado pelo STF quando afirma: “A segunda Turma do Supremo Tribunal Federal interpreta de modo literal as imunidades, quando, ao analisar o vocábulo ‘papel’, entendeu que apenas os materiais a ele relacionados (papel fotográfico; papel telefoto; filmes fotográficos, sensibilizados, não impressionados, para imagens monocromáticas; papel fotográfico para fotocomposição por laser) é que estão abrangidos pela imunidade tributária do art. 150, VI, d, da Constituição Federal. Essa interpretação focaliza a linguagem ordinária do dispositivo, utilizando o argumento a contrario; não, porém, no sentido de entender que a menção apenas ao ‘papel’ indicaria existir uma lacuna a respeito de outros materiais (argumento interpretativo com declaração da lacuna), mas no sentido de que a menção a ‘papel’ teria positivamente excluído outros materiais (argumento produtivo com técnica de integração)”. Em todos esses e outros casos, o Supremo Tribunal Federal fixou-se nos vocábulos constantes no dispositivo constitucional, sempre com a finalidade de restringir a imunidade. A interpretação da Alta Corte poderia ser qualificada como “restritiva”. Nesse sentido, poder-se-ia sustentar que a jurisprudência do Supremo Tribunal estaria direcionada a não englobar os “livros eletrônicos” na imunidade dos livros.

indica a possibilidade de adoção de um posicionamento mais progressista da Corte Suprema brasileira. Ao analisar a aplicação da imunidade em estudo aos álbuns de figurinhas, manifestou-se o STF recentemente no sentido de que a imunidade deva ser estendida, em função do valor pedagógico contido neles, os quais são instrumentos úteis na didática moderna e que auxiliam na familiarização das crianças com a mídia escrita, sendo consignado, ainda, o entendimento de que não caberia ao julgador a avaliação do potencial educativo ou da qualidade cultural contido em cada livro, jornal ou periódico que se pretendesse imunizar, como consta dos RE 179893 e RE 22123925. Em relação às listas telefônicas, verifica-se que o STF entendeu pela extensão da imunidade, utilizando, entretanto, justificativa diversa daquela empregada no sentido de que se deva dar máxima efetividade ao princípio constitucional protegido. A concessão de imunidade às listas se deu segundo o argumento da utilidade pública ou social delas, conforme se verifica no precedente contido no RE 101.441/RS26. Poderíamos afirmar, ainda, 25 Nas razões invocadas neste último recurso, lê-se: “Constitucional. Tributário. Imunidade. Art. 150, VI, d, da CF/1988. ‘Álbum de figurinhas’. Admissibilidade. 1. A imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão tem por escopo evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, bem como facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação. 2. O Constituinte, ao instituir esta benesse, não fez ressalvas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação. 3. Não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia, por força de um juízo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido” (Brasil, 06.08.2004). 26 Ementa do acórdão proferido no julgamento do 101.441/RS: “Imunidade tributária (art. 19, III, d, da CF). ISS. Listas telefônicas. A edição de listas


Já no que toca à discussão acerca da eventual extensão da imunidade em relação aos encartes publicitários veiculados pelos jornais e revistas, parece mais acertado o entendimento segundo o qual, nesta hipótese, a interpretação deva ser mais restrita e conservadora, sob pena de promovermos um alargamento exagerado do sentido da desoneração pretendida. A possibilidade de extensão da imunidade dos livros jornais e periódicos e do papel destinado à sua impressão a outros veículos de informação jornalística, em especial o rádio e a televisão, também gera discussões na doutrina. Aqueles que advogam no sentido de que esta deva ser ampla o fazem segundo argumento de que a não extensão do benefício caracteriza lesão ao princípio constitucional da isonomia e, ainda, que eventual não extensão dessa imunidade prejudica o direito dos analfabetos, os quais não têm opção de acesso à mídia escrita e só podem se telefônicas (catálogos ou guias) é imune ao ISS (art. 19, III, d, da CF), mesmo que nelas haja publicidade paga. Se a norma constitucional visou a facilitar a confecção, a edição e a distribuição do livro, do jornal e dos periódicos, imunizando-os ao tributo, assim como o próprio papel destinado à sua impressão, é de se entender que não estão excluídos da imunidade os periódicos que cuidam apenas e tão somente de informações genéricas e específicas, sem caráter noticioso, discursivo, literário, poético e ou filosófico, mas de inegável utilidade pública, como é o caso das listas telefônicas. Recurso extraordinário conhecido por unanimidade de votos, pela letra d do permissivo constitucional, e provido por maioria para deferimento do mandado de segurança” (Brasil, 1987). Outrossim, o argumento da utilidade pública vem sendo mantido no Supremo Tribunal Federal, como se pode verificar pelo teor dos acórdãos proferidos nos RE 118.380/SP, RE 118.228/SP, RE 116.510/RS, RE 130.012/RS e RE 134.071/SP.

informar ouvindo e vendo, ficando restritos à utilização do rádio e da televisão como meios de acesso à cultura e à informação. Barreto27 é o principal defensor e entusiasta da corrente que defende a necessidade de tal extensão, argumentando que: A realização do princípio da igualdade (art. 5º, caput e seu inciso I) exige que as pessoas recebam tratamento compatível com suas dificuldades e deficiências. Imunizar o jornal escrito e não o falado ou televisionado é inverter o princípio da isonomia é pô-lo às avessas, privilegiando quem sabe ler e marginalizando quem não sabe. [...] O correto sentido dos preceitos imunitórios só pode ser obtido mediante exegese que vá ao encontro dos valores prestigiados pela Constituição: informação, educação, cultura, desenvolvimento da pessoa, liberdade e oportunidade para aprender. O § 1º do art. 220 parece entrever essa interpretação. Deveras, ao tratar da liberdade de informação jornalística, refere-se a “qualquer veículo de comunicação social”, a evidenciar que a informação – fruto da comunicação – protegida pela Constituição inclui o rádio, a televisão e o livro eletrônico.

Embora considerados os argumentos lançados de Barreto, retrotranscritos, é prudente observar que a extensão da imunidade em estudo ao rádio e à televisão constitui um alargamento excessivo do preceito constitucional, e que a interpretação mais ponderada e adequada seria aquela que considera o conceito de livro como forma de propagação da cultura, da expressão e da informação, o que englobaria, portanto, o livro eletrônico, mas excluiria o rádio e a televisão, sendo estes considerados primordialmente como veículos de entretenimento28. 27 BARRETO, Ayres. O alcance da imunidade é o que prestigia os princípios constitucionais. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Imunidade tributária do livro eletrônico. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 7-13. 28 Na opinião de Velloso (Ibid., 2011, p. 37), a atividade do intérprete deve ficar adstrita à finalidade visada pelo constituinte ao desonerar a mídia escrita e que, em realidade, nunca contemplou a mídia audiovisual. Para Tércio Sampaio Ferraz Jr. (Livro eletrônico e imunidade tributária. Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, n. 22, a. 6, p. 35, jan./mar.

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que a concessão de imunidade tributária às listas telefônicas é devida sob o argumento de que, para além da utilidade pública nelas contida, elas constituem veículos de informação, estando, portanto, abarcados pelo espírito de preceito imunizante contido no art. 150, VI, d.

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Em relação à possibilidade de extensão da imunidade ora tratada aos livros eletrônicos, a controvérsia é imensa, em relação ao que se observa amplo debate doutrinário e jurisprudencial, sendo que grande parcela da doutrina sustenta que a extensão da desoneração aos livros, jornais ou periódicos em formato eletrônico ou CD-ROM é devida, sob o fundamento de que, à época da promulgação da Constituição Federal de 1988, esses meios não eram tão difundidos como atualmente. Indubitavelmente, o conceito de “livro” evoluiu, podendo hoje se revestir em formatos modernos de áudio-livro, vídeo-livro, e-book, CD-ROM, sendo que, no futuro, outras mídias surgirão.

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Portanto, o entendimento no sentido de que seja devida a extensão da norma imunizante inscrita no art. 150, VI, d, da Carta Magna aos livros eletrônicos é aquele que mais se coaduna à defesa dos objetivos mesmos desta imunidade, em especial relacionados à defesa da liberdade de expressão, de informação e de facilitação do acesso à cultura e à informação, direitos fundamentais protegidos como cláusulas pétreas no nosso ordenamento jurídico.

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Os defensores da extensão da norma imunizante aos livros eletrônicos o fazem segundo o argumento de que a palavra “livro” contida no dispositivo constitucional já contém em si o conceito de livro em meio eletrônico e outros formatos de livros que não apenas o livro físico, em formato de bloco de folhas encadernadas de papel29. Em sentido oposto, muitos sustentam que, quan1998), a prioridade conferida à mídia escrita em relação a outros meios de comunicação social estaria no valor cultural representado pelo acervo mundial conferido pela escritura, sendo que a leitura, além da sua capacidade informativa, teria a qualidade de exigir a capacidade mais atenta e reflexiva do leitor àquela de mero expectador, ocupada pelo público do rádio e da televisão. 29 Nesse sentido, o entendimento de Roque Antônio Carraza (Curso de direito constitucional tributário. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1998), pelo qual: “A palavra livros está empregada no texto constitucional não no sentido

do da promulgação da Constituição de 1988 e da elaboração do projeto do art. 150, VI, d, da Carta Magna, houve uma proposta de autoria de Ives Gandra apud Difini30 para inclusão na norma imunizante de técnicas audiovisuais e a insumos diversos do papel31, a qual, contudo, foi rejeitada, fato esse que levaria à conclusão de que a possibilidade de inclusão de outras mídias, a exemplo da mídia eletrônica, teria sido descartada também32. A posição de restrição relativa à extensão da imunidade ao livro eletrônico é trazida na doutrina por Ricardo Lobo Torres apud Machado e Machado Segundo33, ao mencionar, quanto à possibilidade de se atender à intenção do constituinte, que:

restrito de conjunto de folhas de papel impressas, encadernadas e com capa, mas sim no de veículos de pensamentos, isto é, meios de difusão da cultura”. Algumas das vozes na doutrina que advogam no sentido da ampliação da imunidade aos livros, jornais e revistas em meio eletrônico são Machado (Ibid., 2005, p. 110-134), Velloso (Ibid., 2012, p. 21-37) e Barreto (Ibid., 2003, p. 7-13). 30 Difini, ibid., 2001, p. 267. 31 A proposta apresentada por Ives Gandra foi apresentada em nome do Instituto dos Advogados de São Paulo (IAESP) e da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), com a seguinte redação: “[...] instituir impostos sobre: [...] d) livros, jornais periódicos e outros veículos de comunicação, inclusive audiovisuais, assim como o papel e outros insumos, e atividades relacionadas com sua produção”. 32 Ainda, segundo Saraiva Filho (Ibid., 1996, p. 36-37): “[...] talvez o constituinte não tenha pretendido estender a imunidade do livro, jornal e periódico e do papel destinado a sua impressão para o CD-ROM e o disquete com programas, as fitas cassetes gravadas etc. pelo fato de julgar que esses modernos meios de divulgação da moderna tecnologia não requeressem tal benefício, pelo fato de serem, em regra, consumidos apenas por pessoas de melhor poder aquisitivo, olvidando a conveniência da extensão da imunidade, em comento, para a difusão destes novos meios de veiculação de ideias, conhecimento e informação”. 33 LOBO TORRES apud MACHADO, Hugo de Brito; MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Imunidade tributária do livro eletrônico. Revista Opinião Jurídica, n. 5, p. 110-134, 2005, 2010, p. 113.


Em relação ao argumento de que a proposta de concessão de imunidade ao livro eletrônico teria sido rejeitada pelo constituinte de 1988, é necessário pontuar que, quando da edição da Constituição de 1988, o desenvolvimento da informática, da internet e dos meios eletrônicos de divulgação de informação era absolutamente embrionário, se comparado aos dias atuais, de forma que, à época, esses meios de informação poderiam ser considerados de menor importância, pois eram considerados acessíveis apenas a uma parcela da população muito pequena e também porque, naquela época, os canais informativos cujo acesso era possível via computador eram absolutamente reduzidos, senão quase insignificantes. Hoje, contudo, praticamente todo e qualquer assunto relacionado à informação e ao conhecimento humano pode ser acessado via internet, e a expressividade atingida pelos meios digitais de divulgação do conhecimento é imensa, de forma que a pretensão de restrição do alcance da norma imunizante e de exclusão dos livros eletrônicos do benefício representaria um grande retrocesso.

34 Outro grande expoente da posição conservadora e restritiva no que pertine à extensão à mídia eletrônica é Saraiva Filho (Ibid., 1998, p. 138), segundo o qual: “[...] sensível aos argumentos de que a tendência é a disseminação cada vez maior do uso dos veículos de multimídia, de modo que eles, cada vez mais, convivem com os nossos tradicionais livros, jornais e periódicos, podendo mesmo chegar ao ponto de substituir, completamente, as funções dos livros, jornais e periódicos amparados pela norma constitucional do art. 150, VI, d, mas aí, haverá, certamente, emenda constitucional adequada com o fito de conservar a liberdade de expressão de pensamento e da transmissão da cultura e informação, sem a influência política”.

Ainda, para contraposição aos argumentos restritivos, é necessário ponderar que o conceito ampliativo da imunidade é aquele que mais se coaduna com uma interpretação sistemática da Constituição Federal de 1988, em especial quando consideradas as disposições contidas no art. 5º, IV e IX, e no art. 220 da Carta Magna35, não devendo ser olvidado que o escopo dela é a proteção de valores mais elevados, tais como o acesso à cultura e à informação, de forma que, considerada a importância de novas tecnologias como a internet e as mídias digitais, faz-se necessário o reconhecimento de que a imunidade em estudo é extensível, também, ao livro eletrônico, sendo forçosa a impressão a ser lançada neste estudo de que o Supremo Tribunal Federal, considerado o reconhecimento da repercussão geral nos RE 330.817 e RE 595.676, possa vir a surpreender e rever seu posicionamento, adotando uma nova posição vanguardista, no sentido de reconhecer o alargamento desta norma imunizante, a qual ocupa um espaço absolutamente fundamental na propagação da cultura e da informação, de forma a promover a efetividade máxima do direito fundamental protegido pela imunidade.

35 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

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Quando foi promulgada a Constituição de 1988, a tecnologia já estava suficientemente desenvolvida para que o constituinte, se o desejasse, definisse a não incidência sobre a nova media eletrônica. Se não o fez é que, a contrario sensu, preferiu restringir a imunidade aos produtos impressos em papel.34

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CONCLUSÃO As imunidades não são propriamente limitações constitucionais ao poder de tributar, pois ele pertence ao povo soberano, tratando-se, sim, de limites às competências tributarias. São também direitos fundamentais dos contribuintes, pois protegem seus direitos individuais com eficácia plena e aplicabilidade imediata.

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Considerado que as imunidades tributárias são garantidoras de direitos fundamentais constitucionalmente protegidos, devem ter interpretação ampla, que esteja voltada à consecução destes fins máximos eleitos pela Carta Magna como supremos e dignos de proteção. Os valores de liberdade de expressão, de manifestação de pensamento e de acesso à cultura e à informação são considerados supremos e soberanos no ordenamento jurídico pátrio, e, dessa forma, na aplicação da norma imunizante, deve o intérprete priorizar a máxima potencialização destes direitos.

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A visão reducionista da imunidade em foco representa um viés ultrapassado e que não se coaduna com a consecução máxima dos fins constitucionalmente protegidos. Sob este prisma, deve ser ampliada a interpretação segundo a qual a imunidade dos insumos utilizados no fabrico dos produtos finais imunizados se restringe ao papel. O Supremo Tribunal Federal ainda mantém um posicionamento restritivo em relação a estes insumos e entende que a extensão é devida somente aos insumos que se aderem ao papel utilizado na fabricação dos produtos finais imunizados. Existem alguns julgados que evidenciam uma tendência ampliativa da jurisprudência do Pretório Excelso em relação à imunidade em estudo, com vistas à aplicação da máxima efetividade à norma imunizante. Constituem exemplos dessa corrente os casos de extensão da imunidade para os álbuns de figurinhas e para as listas telefônicas.

A doutrina majoritária prega a necessidade de extensão da imunidade para outros insumos, além do papel, utilizados no fabrico dos produtos finais imunizados, entendimento esse que se projeta também, segundo inúmeros doutrinadores, para a interpretação do preceito no sentido da possibilidade de concessão de imunidade tributária ao livro eletrônico. Na atualidade, dada a importância e o desenvolvimento exponencial de tecnologias como a internet e as mídias digitais, faz-se necessário o reconhecimento de que a imunidade do art. 150, VI, d, projeta-se para o livro eletrônico, o qual ganha espaço galopante em importância na propagação da cultura e da informação, o que promove a efetividade máxima do direito fundamental protegido pela imunidade. O tema da imunidade do livro eletrônico ainda está bastante controvertido nos tribunais e é forte o entendimento nos juízos de primeiro e segundo graus segundo o qual a imunidade deva ser estendida em ampliada. No STF, a questão ainda pende de julgamento, sendo recentemente proferido voto monocrático que negou a possibilidade de extensão da imunidade à empresa proprietária da enciclopédia britânica digital, contra o qual foram opostos embargos declaratórios, os quais estão com a tramitação suspensa em função do reconhecimento da repercussão geral a um caso em que se discute a imunidade de pequenos componentes eletrônicos que acompanham material didático utilizado em curso prático de montagem de computadores. Contudo, uma vez verificado que o recurso extraordinário no qual foi reconhecida a repercussão geral dos pequenos componentes eletrônicos não guarda estrita pertinência com a discussão da imunidade dos livros eletrônicos, é possível que, uma vez consideradas as recentes mudanças na composição do STF, ocorra uma mudança de posicionamento que poderia lhe ter conferido novos ares e uma visão mais moderna e ampliativa da imunidade ora tratada, sendo uma possibilidade de solução


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para a discussão, aqui sugerida, a decisão pela concessão ou não da imunidade à luz da relevância econômica e instrumentalidade destes componentes eletrônicos agregados aos livros e periódicos educativos, sendo eles imunizados nas hipóteses em que fossem fundamentais para o desenvolvimento das lições consideradas no livro educativo. Corolário lógico de eventual decisão nesse sentido, também seria a da necessidade de extensão da imunidade aos livros eletrônicos propriamente ditos.

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Doutrina

Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) PAULO DE BESSA ANTUNES

Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, Mestre pela PUC/RJ, Doutor em Direito pela UERJ.

MARIA CAROLINA CYPRIANI

Aluno de Ciências Ambientais da UNIRIO.

ABSTRACT: This article is the result of studies in the Environmental Law course offered for students of Biology, Environmental Sciences and Law at the Federal University of Rio de Janeiro State. Therein are studied the relationships between different forms of environmental impact assessment, the different projects and the National Environmental Policy Act. As a result it is quite evident that each type of project, the expected impact of each must match some form of impact assessment environmental although it is not easily understood among the judical community. KEYWORDS: Environment; environmental law; National Environmental Policy Act; environmental impact assessment; environmental licensing. SUMÁRIO: Introdução; 1 Política nacional do meio ambiente e avaliação ambiental; 2 Origens da avaliação de impacto ambiental; 3 Avaliação de impacto ambiental no Brasil; 4 Metodologia; Conclusão; Referências.

MICAELA LOCKE

Aluno de Ciências Ambientais da UNIRIO.

VICTOR DE BRITO

Aluno de Ciências Ambientais da UNIRIO.

Resumo: O presente artigo é fruto de estudos desenvolvidos na disciplina Direito Ambiental oferecida para os alunos dos cursos de Biologia, Ciências Ambientais e Direito da Universidade Federal do Estado Rio de Janeiro. Nela são estudadas as relações entre as diferentes formas de avaliação de impactos ambientais, os diferentes projetos e a lei da Política Nacional do Meio Ambiente. Busca-se demonstrar que a cada tipo de projeto, a cada impacto esperado deve corresponder uma determinada forma de avaliação de impactos ambientais, muito embora isso não seja facilmente compreendido entre a comunidade jurídica. PALAVRAS-CHAVE: Meio ambiente; direito ambiental; Lei da Política Nacional do Meio Ambiente; avaliação de impacto ambiental; licenciamento ambiental.

INTRODUÇÃO O presente artigo tem por objetivo estabelecer os contornos mais relevantes da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) como um dos principais instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente. O artigo foi elaborado no âmbito da disciplina Direito Ambiental, ministrada pela Escola de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO para os alunos do Curso de Ciências Ambientais.

1 POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE E AVALIAÇÃO AMBIENTAL A Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecida pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, é uma política pública que “tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade


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ambiental propícia à vida, visando assegurar ao País condições de desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana [...]”. Entre os seus objetivos principais está o controle ambiental das atividades humanas, que se vale do poder de polícia para coibir práticas danosas ao meio ambiente.

tais e impacto ambiental regional) e o Parecer nº 312/Conjur/ MMA/2004, que trata da competência estadual e federal para o licenciamento a partir da abrangência do impacto.

Uma das principais ferramentas para esse controle é o licenciamento ambiental, como está definido pelo o art. 10 da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente: “A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental”. Porém, o licenciamento ambiental de atividades potencialmente poluidoras é apenas parte do controle ambiental, que é mais amplo do que o licenciamento. Embora todas as atividades estejam submetidas ao controle ambiental, nem todas estão submetidas ao licenciamento ambiental (Antunes, 2012).

Licença Prévia (LP) – concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação;

O licenciamento ambiental foi definido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama como

O art. 9º da Resolução nº 237/1997 do Conama determina a possibilidade do órgão ambiental definir outras licenças, conforme as necessidades concretas relacionadas às atividades em licenciamento e ao próprio estágio da atividade sob licenciamento, in verbis: “Definirá, quando necessário, licenças ambientais específicas, observadas a natureza, características e peculiaridades da atividade ou empreendimento e, ainda, a compatibilização do processo de licenciamento com as etapas de planejamento, implantação e operação”.

procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerada efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.

Esse processo, em nível federal, é regido por diversas normas legais e administrativas, entre as quais se destacam: a) Lei Complementar nº 140/2011; b) Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente), as Resoluções do Conama nºs 001/1986 (Relatório de Impacto Ambiental) e 237/1997 (definições de licenciamento ambiental, licença ambiental, estudos ambien-

O licenciamento ambiental em nível federal é feito, principalmente, por três tipos de licenças:

Licença de Instalação (LI) – autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes nos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante; Licença de Operação (LO) – autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação.

O licenciamento ambiental se faz a partir de uma Avaliação do Impacto Ambiental (AIA) que pode ser definida como uma série de procedimentos legais, institucionais e técnico-científicos, com o objetivo de caracterizar e identificar impactos potenciais na instalação futura de um empreendimento, ou seja, prever


Ressalte-se que os Estados poderão estabelecer o seu sistema próprio de licenciamento ambiental. A elaboração de uma AIA é apoiada em estudos ambientais elaborados por equipes multidisciplinares, os quais apresentam diagnósticos, descrições, análises e avaliações sobre os impactos ambientais efetivos e potenciais do projeto. De acordo com a fase e a dimensão do empreendimento, a AIA adequada é utilizada (Antunes, 2012). Assim, não existe uma avaliação ambiental padrão para todo e qualquer empreendimento. A AIA é sempre uma função do que se pretende avaliar.

2 ORIGENS DA AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL Ao final da década de 1960, do século XX, o crescimento da conscientização pública quanto à degradação ambiental e aos problemas sociais daí originados levou diversas comunidades a exigirem uma melhor qualidade ambiental e maior atenção dos governos para problemas de saúde pública ocasionados pela contaminação do solo, da água e do ar. Naquele período, motivado pelos movimentos ambientalistas, o Congresso dos EUA criou o “National Environmental Policy Act of 1969” (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente de 1969), conhecido pela sigla Nepa, que passou a vigorar em janeiro de 1970. O ano de 1970, aliás, foi declarado o ano do meio ambiente ou da Terra.

A lei determinou os objetivos e os princípios da política ambiental americana e ordenou que todas as propostas de legislação, ações e projetos de responsabilidade do Governo Federal que afetassem significativamente a qualidade do meio ambiente humano incluíssem uma declaração detalhada, contendo: o impacto ambiental da ação proposta; os efeitos ambientais adversos que não poderiam ser evitados; as alternativas da ação; a relação entre os usos do meio ambiente a curto prazo e a manutenção e a melhoria da sua produtividade a longo prazo; qualquer comprometimento irreversível ou irrecuperável dos recursos ambientais a ser efetivado, caso a proposta fosse ser implantada (Moreira, 1985). As consequências da medida foram o (i) desenvolvimento de procedimentos administrativos que a pudessem pôr em prática e (ii) a criação de uma série de conceitos técnicos e metodológicos que auxiliassem a elaboração dos estudos e a apresentação dos resultados. Surgiu também uma nova terminologia. Um dos termos criados foi “environmental impact statement (EIS)” (declaração de impacto ambiental) ou “environmental impact report” (relatório de impacto ambiental), para denominar o documento escrito, elaborado conforme instruções do Nepa, do Conselho de Qualidade Ambiental ou de organismos governamentais específicos, representando o resumo dos estudos de previsão e avaliação dos impactos da proposta considerada. O uso da AIA generalizou-se rapidamente pelo mundo, principalmente em países considerados desenvolvidos. As peculiaridades jurídicas e institucionais de cada Estado determinaram o momento, a forma e a abrangência de sua adoção. Em muitos países as AIAs foram inicialmente realizadas sem que houvesse legislação específica sobre a matéria. É o caso, por exemplo, de Portugal, que somente em 1987 passou a contar com uma política ambiental explícita (Lei de Bases do Ambiente),

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a magnitude e a importância desses impactos (Bitar; Ortega, 1998), com vistas a diminuir os efeitos negativos do empreendimento e mitigar danos. Cabe às autoridades ambientais – Poder Executivo – definir as atividades que devem ser submetidas às diferentes formas de AIA, segundo tipologias previamente aprovadas.

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definindo a AIA como instrumento de gestão ambiental. Antes da Lei de Bases do Ambiente, no entanto, já haviam sido realizadas 17 AIAs naquele país, a maioria das quais referente a projetos para aproveitamento de recursos hídricos, destinados à produção de energia elétrica e ao abastecimento de água (Partidário, 1992).

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A partir de 1975, alguns organismos internacionais iniciaram medidas para introduzir a AIA em seus programas. A Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (Organization for Economic Cooperation and Development – OECD) e a Comissão da Comunidade Européia (European Community Comission – EEC) passaram a considerar a AIA para a solução de problemas gerados por propostas cujos impactos ambientais viessem a afetar negativamente outros países além daqueles responsáveis pelos empreendimentos propostos.

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O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) desempenhou papel importante na disseminação da prática de realização de AIA, principalmente entre os países considerados não desenvolvidos. De acordo com o PNUMA, AIA é um “processo formal de estudos utilizados para prever as consequências produzidas no ambiente por um projeto de desenvolvimento”. Ainda conforme o PNUMA, o objetivo da AIA é “garantir que problemas potenciais sejam previstos e tratados num estágio preliminar do planejamento do projeto”. Para isso, os resultados obtidos na AIA devem ser comunicados aos diferentes grupos com interesses no projeto, os chamados stakeholders. A AIA ainda deve prever os possíveis impactos de um projeto sobre o meio físico e humano, buscar meios para reduzir ou eliminar os impactos indesejáveis e apresentar essas previsões e opções aos órgãos decisórios (Barbieri, 1995).

3 Avaliação de Impacto Ambiental no Brasil Assim como no exterior, a primeira experiência de AIA no Brasil também aconteceu antes da existência de uma legislação que a tornasse obrigatória e definisse critérios e procedimentos básicos para a sua realização: em 1972, para o financiamento do projeto da Hidroelétrica de Sobradinho, o Banco Mundial exigiu a realização de uma AIA (Barbieri, 1995). A AIA aparece pela primeira vez na legislação federal no Decreto-Lei nº 1.413/1975, que estabeleceu que “as indústrias instaladas ou a se instalarem em território nacional são obrigadas a promover as medidas necessárias para prevenir ou corrigir os inconvenientes e prejuízos da poluição e da contaminação do meio ambiente”. Contudo, só com a Lei nº 6.803/1980, que dispõe sobre o zoneamento industrial, a expressão de avaliação ambiental ingressou em nosso direito (Antunes, 2012), porém sem definições e critérios, como consta do art. 10, § 3º: “Além dos estudos normalmente exigíveis para o estabelecimento de zoneamento urbano, a aprovação das zonas a que se refere o parágrafo anterior será precedida de estudos especiais de alternativas e de avaliações de impacto, que permitam estabelecer a confiabilidade da solução a ser adotada”. Por isso, tem sido comum reconhecer que a AIA só aparece efetivamente com a Lei nº 6.938/1981 da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA). A Avaliação do Impacto Ambiental pode ser realizada (i) previamente à implantação do empreendimento, (ii) durante a operação ou no (iii) encerramento das atividades. A avaliação prévia pode ser: Relatório Ambiental Preliminar (RAP); Relatório Ambiental Simplificado; Estudos Ambientais; Estudo Prévio de Impacto Ambiental; e Avaliação Ambiental Estratégica. Durante a operação e no encerramento, podem ser feitos a Auditoria Ambiental e o Monitoramento.


O Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) é o estudo ao qual devem ser submetidos empreendimentos de grande porte causadores de potencial ou significativo impacto ambiental, segundo o art. 225, § 1º, inciso IV, da Constituição Brasileira. A mesma norma determina que ao EIA deve ser dado publicidade, ficando disponível a qualquer cidadão interessado. A participação social no processo de licenciamento ambiental também é garantida por meio das Audiências Públicas, durante as quais o conteúdo do estudo e do relatório de impacto ambiental EIA/Rima é apresentado às comunidades das áreas de influência do empreendimento, esclarecendo dúvidas e acolhendo sugestões. As audiências públicas são realizadas pelo órgão licenciador, por requerimento de entidade civil, do Ministério Público ou por um grupo de no mínimo 50 cidadãos. O edital de realização das audiências deve ser publicado no Diário Oficial e nos meios de comunicação locais, com indicação de data, hora e local do evento. O local deve ser de fácil acesso à comunidade local (Avaliação, 2008). A Avaliação Ambiental Estratégica (AAE ou Strategic Environmental Assessment – SEA) é o processo de avaliação ambiental de políticas, planos e programas (PPPs) setoriais e territoriais na fase mais inicial e estratégica de seu delineamento (Egler, 2001). Esse instrumento tem sido aplicado principalmente em tratados internacionais, processos de privatização, programas de ajustamento operacionais, orçamentos nacionais, planos plurianuais de investimento, políticas globais e setoriais, entre outros usos (Brasil, MMA, 2002).

Para alguns autores, a AAE é entendida como uma evolução da AIA, porque considera questões ambientais dentro de um processo de planejamento e tomada de decisão mais abrangente e mais eficaz na busca de enfrentar o desafio da sustentabilidade (Oliveira; Bursztyn, 2001; Stamm, 2003). Entretanto, essa ideia da AAE como evolução da AIA é discutível, já que ambas surgiram quase coincidentemente. O que pode ser dito com relativo consenso é que a AAE propõe uma visão mais sistêmica dos impactos, enquanto a AIA atém-se a resultados de projetos específicos. Também se percebe na literatura que o discurso relacionado à AAE dá mais ênfase à inserção da participação social em seus passos, atribuindo maior importância a essa esfera na gestão socioambiental (Costa et al., 2009).

4 METODOLOGIA Para atender a seus objetivos e funções, a execução dos estudos para uma avaliação de impacto ambiental se desenvolve, de modo geral, segundo as seguintes fases: – identificação – são caracterizados a ação proposta e o ambiente a ser afetado. Nesta fase, deve ser feita a identificação das ações e dos impactos a serem investigados; – predição – é feita a predição das interações entre os fatores e da magnitude dos impactos; – avaliação – são feitas a interpretação, a análise e a avaliação. Nesta fase, são atribuídos aos impactos, ou efeitos, parâmetros de importância ou de significância, sendo comparadas e analisadas algumas alternativas.

Esse processo deve, no entanto, ser cíclico, e não linear; ou seja, os estudos devem passar por sucessivas análises, sendo introduzidas realimentações, cada vez mais detalhadas, à medida que são adquiridos maiores conhecimentos sobre o problema enfocado (Westman, 1984; Lee, 1983). Contudo, existem vários

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As diferentes modalidades de AIA existentes são utilizadas para fornecer as informações ambientais necessárias para a boa qualidade dos empreendimentos e controle de suas repercussões sobre o ambiente. De acordo com a fase e dimensão do empreendimento, a AIA adequada é utilizada (Antunes, 2012).

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obstáculos e dificuldades para o desenvolvimento dessas atividades. Um deles é o fato de alguns efeitos apresentarem caráter quantitativo, enquanto outros são essencialmente qualitativos, o que leva ao risco de se desprezar o que não se consegue quantificar (Magrini et al., 1990).

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É preciso que se observe, no entanto, que existem deficiências instrumentais e metodológicas para predizer respostas dos ecossistemas às atividades humanas, sendo certo que tais deficiências são mais críticas quando se referem ao meio social sob análise. Acrescente-se, ainda, que uma predição acurada de impactos para uma dada região não pode ser feita sem o conhecimento de outras propostas de projetos para a região e dos esforços diretos ou indiretos que serão exigidos dos ecossistemas e do tecido social. A avaliação de impactos é, então, dependente do planejamento regional, devendo referenciar-se aos planos para o futuro desenvolvimento da região, os quais normalmente são provenientes de um conjunto de políticas visando ao desenvolvimento nacional, segundo Westman (1984). Uma outra questão é a subjetividade na avaliação e na análise dos impactos. Isso faz com que ocorram conflitos de interesses, que só podem ser reduzidos e/ou resolvidos pela interação entre os diferentes grupos sociais envolvidos ao longo de todo o processo. Também é importante registrar a necessidade de se incorporar a questão do risco tecnológico nas avaliações de impactos ambientais, principalmente quando se referem a projetos energéticos. A avaliação, em si, é uma metodologia, ou seja, um estudo sistemático dentro do qual são definidos certos métodos que são operacionalizados com o uso de técnicas. Os métodos e as técnicas de AIA são, então, mecanismos estruturados para coletar, analisar, comparar e organizar informações e dados sobre impactos ambientais de um projeto, incluindo os meios de comunicação para apresentar as informações visuais e escritas.

Existem, também, as técnicas utilizadas na fase de predição para medir as condições futuras dos fatores e parâmetros ambientais específicos modelos matemáticos, físicos, análises estatísticas, etc. Logo, os métodos e técnicas de AIA são agrupados de acordo com a atividade para a qual sua utilização é mais adequada. Esses métodos podem ser divididos em métodos para a fase de identificação e sumarização de impactos e métodos para a fase de avaliação. Entre os métodos mais mencionados na literatura, fazem parte do primeiro grupo: métodos ad-hoc; listagens de controle; matrizes; redes de interação; diagrama de sistemas; superposição de cartas e simulação. Os métodos ad-hoc são elaborados para cada projeto específico. Os impactos são identificados por meio de brainstorming, caracterizados e sumariados por meio de tabelas e matrizes. As listagens de controle (ou checklists) são listas padronizadas dos fatores ambientais associados a projetos específicos, nas quais se identificam os impactos prováveis. Algumas incluem informações sobre técnicas de previsão de impacto, outras incluem descrição dos impactos ou, ainda, incorporam escalas de valor e índices de ponderação dos fatores. As matrizes são utilizadas para relacionar as diversas ações do projeto aos fatores ambientais. As quadrículas definidas pela interseção das linhas e colunas representam o impacto de cada ação sobre cada fator ambiental. Podem também ser introduzidas variáveis temporais e parâmetros que permitam a valoração dos impactos. As redes de interação estabelecem relações do tipo causas-condições-efeitos, permitindo retratar, a partir do impacto inicial, o conjunto de ações que desencadeou direta ou indiretamente.


A superposição de cartas é o método que consiste na confecção de uma série de cartas temáticas, uma para cada fator ambiental, em que se apresentam os dados organizados em categoria. Essas cartas são superpostas para reproduzir a síntese da situação ambiental de uma área geográfica. A superposição de cartas é útil para estudos que envolvem alternativas de localização e outras questões de dimensão espacial, e vem sendo muito utilizada para AIA de projetos lineares (estradas de rodagens, linhas de transmissão, dutos, etc.), já que favorece bastante a representação visual e a identificação da extensão dos efeitos. A possibilidade de utilização de imagens de satélite toma-se um recurso valioso para esse tipo de método. O modelo de simulação é constituído por modelos matemáticos destinados a representar a estrutura e o funcionamento dos sistemas ambientais por meio de relações complexas entre componentes quantitativos ou qualitativos, físicos, biológicos ou socioeconômicos, a partir de um conjunto de hipótese ou pressupostos. Já os métodos para a fase de avaliação são utilizados para a comparação de alternativas e podem ser classificados, segundo Westman (1984), de acordo com o modo como incorporam a opinião do público no processo. Ou seja, existem métodos que agregam a avaliação dos diversos públicos sob um único índice de julgamento e outros que desagregam a avaliação segundo a ótica dos diversos atores envolvidos. O método Battelle (EES – Environrnental Evaluation System) se enquadra dentro do primeiro tipo. Tem como característica principal a

explicitação das bases de cálculo dos índices utilizados nos julgamentos de valor. Entre os métodos que permitem a explicitação da ótica dos diversos atores, ou seja, a distribuição do impacto entre os grupos afetados, encontram-se, como exemplo, a Folha de Balanço de Planejamento e a Matriz de Realização de Objetivos. No primeiro dos métodos, os impactos são expressos em termos monetários, quando possível. Os impactos não quantificáveis são objeto de análise qualitativa. Na Matriz de Realização de Objetivos, os impactos das alternativas são avaliados em função dos custos e benefícios a partir da ponderação dos diferentes objetivos da sociedade e dos grupos afetados. A escolha do método a ser utilizado não é simples, pois cada um deles tem suas vantagens e desvantagens. Não há um mais vantajoso do que outro em todos os aspectos. Sendo assim, a seleção do método deve ser feita levando em consideração os seguintes critérios: o objetivo que se quer alcançar, a disponibilidade de dados, as características do projeto e especificidades da localização, bem como do tempo e recursos financeiros e técnicos disponíveis. Como não existe um método ideal que se aplique a todos os tipos e todas as fases do estudo, é recomendável que se utilize mais de um método de avaliação em um mesmo estudo, isto é, uma composição de técnicas para cada fase do estudo. Outra questão importante a ser levada em consideração é a subjetividade presente em todos os métodos, tanto nos métodos de identificação e sumariação de impactos quanto nos métodos para a fase de avaliação. Portanto, a participação do público não deve ser ignorada, principalmente informações obtidas com os moradores da região em que será implementado o empreendimento. Os valores utilizados nas escalas e nas ponderações devem ser baseados não somente no julgamento da equipe executora da AIA, mas também em consulta às comunidades e demais agentes envolvidos.

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O diagrama de sistemas mostra os efeitos das ações externas nos fluxos de energia de um sistema ambiental, podendo-se, então, medir os impactos em termos de fixação e fluxo de energia entre os componentes do ecossistema.

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CONCLUSÃO

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente (MMA). Avaliação Ambiental Estratégica. Brasília: MMA/SQA, 2002.

A AIA, que dá origem ao EIA/Rima, é indispensável ao licenciamento ambiental atualmente.

COSTA, H. A.; BURSZTYN, M. A. A.; NASCIMENTO, E. P. Sociedade e Estado, Brasília, v. 24, n. 1, p. 89-113, jan./abr. 2009.

A metodologia escolhida deve ser adequada ao tipo de projeto, dados e recursos disponíveis, ou seja, deve ser adotada uma metodologia segundo a qual os dados se relacionem diretamente com os métodos e técnicas utilizados.

EGLER, P. C. G. Perspectivas de uso no Brasil do processo de Avaliação Ambiental Estratégica. Revista Parcerias Estratégicas, Brasília, jun. 2001.

Além disso, é necessário que sejam bem explicitadas as bases de cálculo para avaliação dos possíveis impactos, tanto para a determinação de sua magnitude quanto em relação aos critérios estabelecidos para valorização de sua importância. Dessa forma, a avaliação de impactos ambientais pode realmente contribuir no processo de tomada de decisão, escolhendo-se projetos com impactos ambientais mais suaves.

ReferênciaS ANTUNES, P. B. Manual de direito ambiental. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2012. AVALIAÇÃO de Impacto Ambiental, 2008. Disponível em: <http://www. portaleducacao.com.br/biologia/artigos/6253/licenciamento-ambiental>. Acesso em: 11 jul. 2013.

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BARBIERI, J. C. Avaliação de impacto ambiental na legislação brasileira. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 35, n. 2, p. 78-85, 1995.

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BITAR, O. Y.; ORTEGA, R. D. Gestão ambiental. In: OLIVEIRA, A. M. S.; BRITO, S. N. A. (Eds.). Geologia de engenharia. São Paulo: Associação Brasileira de Geologia de Engenharia (ABGE), 1998. p. 499-508.

LEE, N. Environmental impact assessment: a review. Applied Geography, v. 3, n. 1, p. 5-27, 1983. MAGRINI, A.; TEIXEIRA, M. G. C.; SOUZA, R. C. R. Metodologia de Avaliação de Impacto Ambiental. Análise da Implementação de Grandes Projetos Energéticos, 1990. MOREIRA, I. V. D. Avaliação de Impacto Ambiental – AIA. Rio de Janeiro: FEEMA, 1985. OLIVEIRA, A. A.; BURSZTYN, M. Avaliação de impacto ambiental de políticas públicas. Interações, Revista Internacional de Desenvolvimento Local, Campo Grande, v. 2, n. 3, p. 45-56, set. 2001. PARTIDÁRIO, M. R. O sistema de avaliação do impacto ambiental em Portugal, 1992 (Mimeo). Trabalho apresentado no Seminário AIA: Experiências Internacionais e Perspectivas para o Século XXI, realizado em São Paulo, de 8 a 11 de julho, na SP-ECO-92. PIMENTEL, G.; PIRES, S. H. Metodologias de avaliação de impacto ambiental: aplicações e seus limites. Revista de Administração Pública, v. 26, n. 1, p. 56 a 68, 2013. STAMM, H. R. Método para avaliação de impacto ambiental (AIA) em projetos de grande porte: estudo de caso de uma usina termelétrica. 2003. Tese de Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003. WESTMAN, Walter E. Ecology, impact assessment, and environmental planning. 1984.


Doutrina

O Compromisso do Projeto de Novo Código de Processo Civil com o Processo Justo HUMBERTO THEODORO JÚNIOR

Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da UFMG, Desembargador Aposentado do TJMG, Membro da Academia Mineira de Letras Jurídicas, do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro, do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual e da International Association of Procedural Law, Doutor em Direito, Advogado.

SUMÁRIO: Introdução; 1 modelo constitucional brasileiro; 2 O acesso à justiça; 3 Instrumentalidade e efetividade; 4 Devido processo legal; 5 Processo justo; 6 Processo e efetividade das garantias constitucionais; 7 Contraditório e duração razoável do processo no processo justo; 8 O processo justo na sistemática do projeto de novo Código de Processo Civil; 9 Crítica ao modelo do código projetado; 10 Processo justo, segurança e justiça; Conclusões. [...] a real função do processo é de produzir decisões que sejam conforme as expectativas jurídicas do cidadão, e que a função das garantias processuais não é um fim em si mesma, “ma di fungere da meccanismo di protezione per i singoli contro quei pericoli di ingiustizia della decisione che possono caratterizzare una procedura imperfetta qual è quella giurisdizionale” (Giulia Bertolino).

INTRODUÇÃO Durante quase duas décadas, o Código de Processo Civil brasileiro de 1973 tem sofrido numerosas alterações, todas justificadas pela

busca da efetividade da tutela jurisdicional, inspirando-se sempre nas garantias constitucionais do acesso à justiça, mediante observância do devido processo legal, da moderna visão da instrumentalidade e da duração razoável do processo, bem como do emprego de medidas tendentes a garantir a celeridade de sua tramitação. Essa política legislativa – é bom esclarecer – não é fruto apenas de nossa cultura, pois corresponde a um movimento universal que se formou e se agigantou principalmente após a Segunda Grande Guerra, graças ao ideário do Estado Democrático de Direito que se implantou na Europa e nos principais países ocidentais. Nos grandes tratados internacionais ajustados nesse tempo, as mais modernas Constituições merecedoras da qualificação de democráticas incluíram nas declarações dos direitos fundamentais garantias do processo que afinal vieram a delinear o processo justo. Se o direito processual já desempenhava um significativo papel na instrumentalização do direito material, com o aprimoramento do devido processo legal imposto pela ordem constitucional democrática, tornou-se um instrumento de atuação imediata dos próprios direitos fundamentais, que perderam seu antigo feitio declaratório para assumir um papel ativo, de imperatividade imediata e enérgica. A convivência entre a Constituição e o direito processual assumiu nível de grande intimidade e de verdadeira complementariedade1.

1 Há possibilidade de divisarem-se pelo menos quatro grandes momentos na história do fenômeno processual: (i) o praxismo, “pré-história do direito processual”, quando este se manifestava como “mero apêndice do direito processual”; (ii) o processualismo, “momento marcado pela necessidade de conferir autonomia científica ao direito processual, o que acabou causando o rompimento de sua relação com o direito material e sua concepção como mera técnica, despido que estava de valores; (iii) o instrumentalismo, que


A teoria da efetividade e da instrumentalidade, que já se reconhecia presente no regime do atual Código de Processo Civil, manteve-se no Projeto aprovado pelo Senado em dezembro de 2010. O vínculo do processo com o regime dos direitos fundamentais, que se divisava pela leitura dos dispositivos da Constituição, mereceu explicitação nos primeiros enunciados da lei processual projetada. A orientação do projeto, além da importância de reafirmar o compromisso essencial entre o sistema de processo e a Constituição, desempenha uma função pedagógica, capaz de orientar os agentes da atividade judicial (partes e procuradores, juízes e órgãos auxiliares), de maneira analítica, para a incidência dos princípios informativos do processo justo nos estágios mais significativos da marcha processual.

1 MODELO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

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Observa a doutrina constitucional contemporânea que ao monopolizar a função jurisdicional (função de definir e fazer atuar o direito nas situações de crise de cooperação entre os destinatários dos preceitos legais), banindo a autotutela do plano

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“muito embora tenha atentado para a indispensável relação entre direito material e processo ainda sofre os influxos da supremacia da lei herdados do Estado legislativo” e, finalmente, (iv) o formalismo-valorativo (estágio muito bem estudado por Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (Do formalismo no processo civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003), momento no qual se concebeu a noção de processo justo, atingindo “um aprimoramento das relações entre processo e Constituição” e fazendo com que a ideia de “simples processo legal” fosse superada pelas exigências do “devido processo constitucional” (MITIDIERO, Daniel. Bases para construção de um processo civil cooperativo: o direito processual civil no marco teórico do formalismo valorativo. Tese de doutoramento, Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, 2007. p. 18-32).

civilizado de convivência, “o Estado assumiu o dever de prestar a tutela jurisdicional, sempre que solicitado”2. Com efeito, as consequências mais evidentes e mais importantes do monopólio estatal da jurisdição são duas: a) o dever do Estado de prestar a tutela jurisdicional aos cidadãos3; e b) um verdadeiro e distinto direito subjetivo, reconhecido a quem se sinta ameaçado ou lesado em sua esfera jurídica – o direito de ação –, oponível ao Estado-juiz4 e que se pode definir como “o direito à jurisdição”5. 2 RABELLO, Bruno Resende. Novas perspectivas e potencialidades para o contraditório. Tese de doutoramento. Belo Horizonte: UFMG, 2011. p. 46. THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 51. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, n. 48, 2010. p. 63: “Ao vetar a seus súditos [melhor: aos cidadãos] fazer justiça pelas próprias mãos e ao assumir a jurisdição, o Estado não só se encarregou da tutela jurídica dos direito subjetivos privados, como se obrigou a prestá-la sempre que regularmente invocada, estabelecendo, de tal sorte, em favor do interessado, a faculdade de requerer sua intervenção, sempre que se julgue lesado em seus direitos”. 3 ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Código de processo civil comentado. 1. ed., I, 1975. p. 231. 4 “La obligación de la jurisdicción civil del Estado, en cuanto consiste en la manifestación de una actividad y de una función soberana, es una obligación de derecho público, a la cual corresponde en los ciudadanos un derecho subjetivo público individual (derecho cívico) a aquellas prestaciones de derecho público que tienen por objeto la declaración de certeza o la realización coactiva de los intereses materiales tutelados por el derecho objetivo (derecho de acción).” (ROCCO, Ugo. Tratado de derecho procesal civil. Bogotá-Buenos Aires: Temis Depalma, v. I, 1969. p. 253) 5 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile. Ristampa da 2. ed. Milano: Giuffrè, v. I, n. 13, 1966. p. 38. Para Micheli, “o poder instrumental (processual) de ação representa, pois, a concreta manifestação e especificação da capacidade genérica de obter do Estado a tutela dos


A garantia constitucional, porém, não se restringiu a assegurar o direito de ser ouvido em juízo, ou de mera e formalmente ingressar em juízo, para exercitar o direito de ação. O direito fundamental refere-se a um acesso à essência de uma tutela que, no Estado Democrático de Direito, há de ser justa e efetiva. Com esse padrão em mira, a declaração constitucional se desdobra em várias outras garantias, cujo conjunto representa o processo posto a serviço e ao alcance de todos, em consonância com a perspectiva de uma ordem constitucional assentada sobre as garantias de segurança e justiça “como valores supremos de uma sociedade fraterna” comprometida com a “solução pacífica das controvérsias” (CF, Preâmbulo). Dentro desse sistema valorizado por relevantes princípios e valores éticos foi que se estabeleceram as bases do processo constitucional de composição de litígios, mediante efetivo acesso à justiça e com vistas à justa tutela jurisdicional, tanto no aspecto do exercício formal dos instrumentos procedimentais como na obtenção de provimentos finais condizentes com as expectativas da civilização de nosso tempo.

lesados ou ameaçados, como “o mais básico dos direitos humanos”, dentro de “um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”6. O modelo constitucional do processo, a que o Projeto de Novo Código Processual civil se afeiçoa, é o que parte da garantia máxima de acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV) e se completa com as garantias, também fundamentais, do devido processo legal (art. 5º, LIV), do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV), da vedação das provas ilícitas (art. 5º, LVI), do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII), da publicidade dos atos processuais (arts. 5º, LV, e 93, IX), da fundamentação obrigatória das decisões judiciais (CF, art. 93, IX), da assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficientes (art. 5º, LXXIV), da duração razoável do processo e do emprego dos meios que garantam a celeridade a sua tramitação (CF, art. 5º, LXXVIII).

2 O ACESSO À JUSTIÇA O acesso à justiça, dentro da ótica constitucional, deve ser visto como representativo da garantia de obtenção da tutela jurisdicional efetiva para todos os interesses dos particulares agasalhados pelo ordenamento jurídico7. Diante da exigência técnica de ser a parte assistida em juízo por advogado, as pessoas carentes de recursos se veem privadas, frequentemente, de uma representação adequada, os que as coloca, quase sempre, em posição de inferioridade em relação ao adversário. O juiz, portanto, nos casos de litigante defendido por advogado dativo tem o dever de “exercer uma vigilância es-

O acesso à justiça, qualificado constitucionalmente, portanto, deve ser visto, na perspectiva da garantia de tutela aos direitos próprios direitos e interesses” (MICHELI, Gian Antonio. Derecho procesal civil. Buenos Aires: Ejea, v. I, n. 5, 1970. p. 19).

6 CAPPELETI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 12. 7 GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Introdução ao direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 2009. p. 20-21.

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Diante desse quadro, o problema do acesso à justiça assumiu dimensões incomuns, que, no Estado Democrático de Direito, viriam provocar sua inserção no plano constitucional dos direitos do homem, ou direitos fundamentais. Como produto cultural desses tempos democratizantes, a vigente Constituição do Brasil proclamou, dentro do rol dos direitos fundamentais, que nenhuma lesão ou ameaça a direito poderá ser excluída da apreciação do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV).

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pecial “sobre o processo, a fim de “assegurar igualdade efetiva às partes”, que só ocorre quando há “paridade de armas”, no dizer de Leonardo Greco8. Até mesmo nas causas patrocinadas por advogado contratado pode acontecer a desproteção técnica do litigante, o que não é pouco frequente, diante da constatação da presença do meio forense de um grande contingente de profissionais desprovidos da efetiva qualificação técnica, sem embargo de habilitados formalmente. Para enfrentar o prejuízo que surge desse quadro realístico é que, muitas vezes, justifica-se a concessão de poderes inquisitórios ao juiz, os quais, quando usados com moderação, sabedoria e pertinência, reequilibram as posições das partes no debate judiciário, sem quebrar a imparcialidade do condutor do processo.

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Integra, ainda, o acesso efetivo à justiça, uma visão do processo lastreada no chamado “contraditório participativo”, que não se limite à audiência bilateral das partes, mas que lhes reconheça “o direito de influir eficazmente na decisão através de um diálogo jurídico, com ampla oportunidade de oferecimento de alegações e de produção de provas, que sejam [provas e alegações] efetivamente consideradas pelo julgador”9.

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De outro lado, o acesso efetivo à justiça depende, fundamentalmente, da confiança que o juiz inspira nos litigantes. Esta somente se verificará quando a função jurisdicional estiver confiada a juiz íntegro, independente e responsável. Para que os direitos deduzidos em juízo sejam adequadamente tutelados é indispensável sua submissão a julgadores que não sejam arbitrários, corruptos e imunes a qualquer sanção, “mas obedientes

8 GRECO, Leonardo. Op. cit., p. 21. 9 Idem, p. 22.

à lei e responsáveis civil, penal e disciplinarmente pelos abusos que cometerem”10. Enfim, o acesso à justiça se implementa, de maneira real e efetiva, por meio da observância fiel das chamadas “garantias fundamentais do processo ou do que vem sendo denominado de processo justo”, que, na visão constitucional, compreende “todo o conjunto de princípios e direitos básicos de que deve desfrutar aquele que se dirige ao Poder Judiciário em busca da tutela dos seus direitos”11

3 INSTRUMENTALIDADE E EFETIVIDADE A moderna concepção de instrumentalidade do processo não se resume a vê-lo como instrumento de pura e simples aplicação da lei material ao caso concreto. O que importa é coligar a instrumentalidade com a solução do problema da efetividade da tutela jurisdicional. Daí que para avaliar a norma processual segundo o critério da instrumentalidade perante um direito subjetivo, é necessário ter em conta sua eficiência no que diz respeito à defesa daquele direito. Dentro desse prisma, não basta garantir, na Constituição e nas leis processuais, o direito de ação e o direito de defesa. É necessário que “il loro esercizio porti in concreto quell’ utilità effetiva per la quale sono predisposti”12. Não há, para Proto Pisani, uma subalternidade entre direito processual e direito material. Em um Estado constitucional que veda a autotutela, a realização do direito material, quando violado, depende do direito instrumental, que atua por meio do processo. De fato, não poderia existir direito processual sem 10 Idem, ibidem. 11 Idem, ibidem. 12 RICCI, Gian Franco. Principi di diritto processuale generale. Torino: G. Giappichelli, 1995. p. 16.


Assim se compreende a importância do direito processual, nas crises enfrentadas pelo direito material: da existência do direito processual “dipende la stessa esistenza – a livello de effettività – del diritto sostanziale”14. Por isso mesmo, quando se cogita de instrumentalidade e efetividade da tutela jurisdicional, é fundamental que fique bem destacado: Para que seja assegurada a tutela jurisdicional de uma determinada situação de vantagem, não basta que no campo do direito processual seja disponibilizado um procedimento qualquer, mas é necessário que o titular da situação de vantagem violada (ou ameaçada de violação) possa se valer de um procedimento (ou vários procedimentos) estruturado de modo a poder dispensar-lhe uma tutela efetiva e não meramente formal ou abstrata de seu direito.

Prossegue Proto Pisani, no plano da efetividade, o direito substancial sob violação ou ameaça “existe na medida em que o direito processual institua procedimentos, formas de tutela jurisdicional adequadas às necessidades específicas de tutela das particulares situações de vantagem previstas nas normas substanciais”15. 13 PROTO PISANI, Andrea. Lezioni di diritto processuale civile. 3. ed. Napoli: Jovene, 1999. p. 4-5. 14 PROTO PISANI, Andrea. Op. cit., p. 5. 15 Idem, p. 6. Conclui Proto Pisani: É claro que a instrumentalidade processual não pode ser vista como “neutralidade”: “O direito processual – nos diversos procedimentos e nas várias formas de tutela com que se articula

O processo, enfim, para prestar uma tutela efetiva, tem de proporcionar aquilo que se chama efetividade qualitativa, “dando a quem tem direito tudo aquilo a que ele faz jus de acordo com o ordenamento jurídico”16. Desse modo, o procedimento legal não pode ser rígido, mas há de ser flexível e previsível17, contando sempre com a possibilidade de tutelas e medidas emergenciais, utilizáveis quando circunstâncias anômalas criarem risco de ineficiência do provimento final para chegar a um resultado prático útil em prol do titular da situação de vantagens disputada em juízo. É indispensável, nessa ordem de ideias, a presença no direito processual de tutelas diferenciadas e outros meios eficazes de composição de conflitos18. O novo aparato instrumental gerado pelo esforço de modificação e adequação da técnica de tutela jurisdicional, para Arruda Alvim, “resulta vitalmente dinamizado pela tutela de urgência”19. – não é, não pode ser, indiferente em torno da natureza dos interesses em conflito – e por isso não é correto falar de neutralidade – porquanto da disponibilidade de procedimentos idôneos para fornecer formas de tutela jurisdicional adequadas às específicas necessidades das particulares situações de vantagem depende a existência ou o modo de existência do próprio direito substancial” (Idem, ibidem). 16 GRECO, Leonardo. Op. cit., p. 24. Para o êxito da disponibilização da tutela efetiva, merece atenção o ensinamento de que a operação de interpretar e compreender uma norma não se separa do ato de sua aplicação concreta. “Se quisermos compreender adequadamente o texto – lei ou mensagem de salvação – isto é, compreendê-lo de acordo com as pretensões que o mesmo apresenta, devemos compreendê-lo em cada situação concreta de uma maneira nova e distinta. Aqui compreender é sempre aplicar” (GADAMER, Hans-Georg. Verdade e métodos. 7. ed. Petrópolis: Vozes, v. I, 2005. p. 408). 17 GRECO, Leonardo. Op. cit., p. 22. 18 Idem, ibidem. 19 ALVIM, Arruda. Anotações sobre as perplexidades e os caminhos do processo civil contemporâneo – Sua evolução ao lado do direito material. Revista de Direito Civil, n. 66, p. 13, jul./ago. 2010.

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que existisse o direito material a tutelar. Mas, também não teria como subsistir o direito material em crise sem a proteção do direito processual. Sem embargo da diversidade de papéis que a cada um se reserva, o que, em realidade se detecta é uma “estreita interdependência (isto é, dependência recíproca entre direito substancial e direito processual”13.

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4 DEVIDO PROCESSO LEGAL A garantia do devido processo legal é uma conquista da humanidade, como de resto são todos os direitos fundamentais hoje presentes nos tratados universais dos direitos do homem e em todas as Constituições dos povos civilizados. Nossa Constituição, depois de garantir o acesso pleno de todos à justiça (art. 5º, XXXV), o instrumentalizou por meio de outro direito fundamental, qual seja a solene garantia de que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV). O que vem a ser, com precisão, essa garantia constitucional do processo é algo complexo e de difícil conceituação. Produto evolutivo da cultura, a preocupação científica tem se detido mais em detectar o seu conteúdo prático em cada momento da história de sua incorporação à ordem jurídica20.

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Assim, em sua origem histórica, localizada na Inglaterra, a Magna Carta de 1215 teria instituído a garantia de legalidade do processo, oponível ao soberano, por meio do respeito à Law of the land. Foi com esse sentido que, na Constituição norte-americana

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20 Em sua tese de doutoramento, Bruno Rabello registra que na jurisprudência norte-americana, apontada como responsável pela sedimentação da noção de due process, nunca houve interesse em se definir precisamente o seu conteúdo, havendo mesmo quem defenda que este deva continuar ‘insuscetível de confinamentos conceituais’ (DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Direito constitucional tributário e due process of Law: ensaio sobre o controle judicial da razoabilidade das leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 33) (RABELLO. Op. cit., p. 42). Também para Comoglio, um dos juristas contemporâneos que tem se aprofundado na exploração doutrinária em torno do devido processo legal, o certo é que “il due process of law non è clausola dal contenuto rígido, precostituito e preciso, ma, al contrario, contiene aperture flessibili verso una verifica in concreto della fairness [justiça] di ciascun procedimento” (COMOGLIO, Luizi Paolo. Ética e técnica del “giusto processo”. Torino: Giappichelli, 2004. p. 49).

de 1791, figurou a garantia do devido processo legal, ou seja, como a legalidade do processo e das formas de tutela que por seu meio são obteníveis21. Portanto, a primeira visão do processo dentro do constitucionalismo foi a que o encarou como instrumento de tutela, o qual, para merecer o rótulo de devido processo legal teria de proporcionar às partes um procedimento instituído em lei e que pudesse assegurar o contraditório e o julgamento pelo juiz natural, sempre segundo a lei material preexistente22. Foi mais tarde que se chegou no direito norte-americano a uma visão da garantia que ia além da legalidade processual para permitir ao juiz penetrar no plano da lei material e controlar seus eventuais excessos, em face dos princípios e valores constitucionais. Passou-se a falar em devido processo material, além do devido processo instrumental ou formal. Pode-se, então, no pós Segunda Grande Guerra, e segundo as Constituições e Tratados que a sucederam, reconhecer e proclamar que o processo é o devido “non perché sia compiutamente regolato da norme di legge rigide e precostituite, ma piuttosto in quanto rappresenta la garanzia positiva di un ‘diritto naturale’ del singolo ad un processo ‘informato a principi superiori di giustizia’”23. 21 COMOGLIO, Luigi Paolo. Op. cit., p. 48. 22 Foi com esse conteúdo que essa garantia se incorporou ao direito processual científico do século XX: “O processo [...] visa ao escopo geral e objetivo de fazer atuar a lei, e o escopo do autor e do processo coincidirão só no caso em que seja fundada a demanda. A sentença, porém, é sempre atuação da lei, seja a demanda fundada ou infundada” (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. J. Guimarães Menegale. 3. ed. São Paulo: Saraiva, v. I, 1969. p. 45). 23 A menção à garantia de processo equo e justo é feita, de alguma forma, na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), na Convenção Europeia sobre a salvaguarda dos direitos e liberdades fundamentais


A primeira visão do processo dentro do constitucionalismo foi a que o encarou como um instrumento de tutela rotulado de “devido processo legal”, em que as partes contariam com um procedimento traçado em lei para assegurar o contraditório, com um juiz natural, imparcial e confiável, e com um julgamento segundo a lei preexistente. Nesse sentido, é importante lembrar a lição de Chiovenda, um dos construtores do direito processual científico nos princípios do século XX: O processo […] visa ao escopo geral e objetivo de fazer atuar a lei, e o escopo do autor e o do processo coincidirão só no caso em que seja fundada a demanda. A sentença, porém, é sempre atuação da lei, seja a demanda fundada ou infundada.24

A reorganização do Estado Democrático moderno não se contentou com o princípio constitucional da legalidade, no seu sentido procedimental e de subsunção do fato litigioso à regra da lei material. Exigiu-se que em nome de outros princípios constitucionais, a própria regra de direito material fosse submetida a um juízo crítico, para conformá-la ao sentido mais harmônico possível com os valores consagrados pela Constituição. Assim, em vez de assegurar um resultado legal (compatível com a norma aplicada ao caso), o processo foi incumbido de proporcionar um resultado justo (mais do que apenas legal). E a garantia constitucional de tutela jurisdicional passou a ser não mais a do devido processo legal, mas a do processo justo. (1950), no Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos (1966), da Costa Rica (1969), assim como nas Constituições democráticas posteriores à Segunda Grande Guerra, da Europa e da América (COMOGLIO, Luigi Paolo. Op. cit., p. 49-50). 24 CHIOVENDA, Giuseppe. Op. cit., p. 45.

Nesse sentido, a Constituição italiana foi alterada para proclamar: “La giurisdizione si attua mediante il giusto processo regulado dalla lege” (art. 111). Na ideia de processo justo – anota Comoglio – insere-se, além das tradicionais figuras do juiz natural imparcial, do contraditório, da legalidade das formas, e do compromisso com a ordem jurídica substancial, “uma afirmação, não menos categórica, da efetividade dos meios processuais e das formas de tutela obteníveis junto ao juízo”, aos quais se agrega, ainda, o compromisso com os valores de “correção”, “equidade” e “justiça procedimental”25. O processo justo, portanto, não se resume nem mesmo à pura observância das garantias procedimentais traçadas pela Constituição. Vai além e reclama, principalmente, um compromisso do órgão judicante com um resultado materialmente justo. O conceito de processo justo fundado na vigente ordem constitucional necessariamente exige decisão justa, que haverá de contar com o esforço do juiz para, dentro do esquema do devido processo legal, proceder à pesquisa da verdade real para, na medida do possível, a partir dela interpretar e aplicar as regras do direito material no sentido que se afeiçoe dos princípios e valores previstos nos direitos fundamentais26. 25 COMOGLIO, Luigi Paolo. Il ‘giusto processo’ civile in Itália. Revista de Processo, v. 116, p. 154-158. 26 “O processo não é pura técnica, nem sua análise circunscreve-se na cultura técnica; a técnica serve para fabricar o instrumento processual, enquanto que a ideologia determina os fins que o processo deve perseguir. Os dois são conjuntamente necessários e isoladamente insuficientes” (SOUZA, Artur César de. Justo processo ou justa decisão. Revista de Processo, 196, p. 491, jun. 2011). Vale dizer: “A técnica sem a ideologia é vazia, enquanto a ideologia sem a técnica é impotente” (TARUFFO, Michele. Cultura e processo. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, Milano: Giuffrè, n. 1, a. LXIII, p. 71, mar. 2009). Portanto, “será justo o processo estruturado de forma instrumental para alcançar uma justa

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5 PROCESSO JUSTO

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Nossa Constituição não adotou ainda, expressamente, uma declaração similar à do atual art. 111 da Carta italiana. O processo justo, porém, impõe-se entre nós como uma decorrência natural e obrigatória dos valores agasalhados nos princípios fundamentais que dão estrutura à nossa ordem constitucional. Vale a pena recordar que já no preâmbulo da Constituição brasileira atual ficou declarado que a justiça, como outros valores igualmente relevantes e supremos (como liberdade, bem-estar, igualdade e segurança), integraria as metas a serem atingidas pelo Estado Democrático de Direito. E o seu art. 3º reafirmou que, entre os “objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil”, aparece em primeiro lugar o de “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Dúvida não há, de tal sorte, que nossa Constituição assenta o Estado Democrático de Direito brasileiro sobre o valor supremo e fundamental da justiça. Desse modo, a concepção da garantia de devido processo legal, expressa em seu art. 5º, LIV, não pode ter outro sentido senão o de um processo justo.

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Aplicam-se, pois, ao Direito brasileiro, com total pertinência, as lições constitucionais elaboradas pela pdoutrina italiana. Ou seja, como já registramos anteriormente27,

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como justo, para efeito da nova garantia fundamental, não se pode aceitar qualquer processo que se limite a ser regular no plano formal. Justo, como esclarece Trocker, é o processo que se desenvolve respeitando

decisão, cujo critério externo de justiça seja referível ao direito substancial, e na qual a verificação empírica da situação fática constitua uma condição necessária para a justificação racional da decisão mesma” (BERTOLINO, Giulia. Giusto processo civile e giusta decisione. Tese de doutorado. Universidade de Bologna, 2007. p. 83). “Por isso, é insuficiente um processo justo quando a decisão é ‘injusta’” (SOUZA, Artur César de. Op. cit., p. 471). 27 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 51. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, n. 22, 2010. p. 26.

os parâmetros fixados pelas normas constitucionais e pelos valores consagrados pela coletividade. E tal é o processo que se desenvolve perante um juiz imparcial, em contraditório entre todos os interessados, em tempo razoável, como a propósito estabelece o art. 111 da Constituição (italiana).28

Já muito antes do grande movimento de constitucionalização do processo, Carnelutti defendia que sua finalidade não era simplesmente a de realizar a aplicação da vontade concreta da lei, e, sim, a de encontrar e efetivar a justa composição do litígio. Ou seja, o grande processualista italiano ensinava que o processo correspondia a “um método para formulação ou para aplicação do direito que tende a garantir a excelência do resultado, vale dizer, uma tal regulação do conflito de interesses que consiga realmente a paz e, portanto, seja justa e certa”29. Superando a antiga visão do processo como meio de fazer atuar a vontade da lei, o direito processual moderno convergiu para atribuir-lhe um papel bem maior, em que se reconhece e se valoriza acima de tudo, a “instrumentalidade positiva do processo”30. Por meio dessa instrumentalidade, atribui-se ao processo a missão de realizar os “escopos da jurisdição”, que se confundiriam com os “escopos do próprio Estado”, uma vez que a jurisdição não é outra coisa senão “uma das manifestações do poder estatal soberano”31.

28 TROCKER, Nicolò. Il nuovo art. 111 della Costituzione e il giusto processo in matéria civile: Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 2/383-384. 29 CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del proceso civil. Trad. Sentis Melendo. Buenos Aires: Ejea, v. I, n. 1, 1973. p. 22. 30 DINAMARCO, Cândido. Escopos políticos do processo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido; WATANABE, Kazuo (Coord.). Participação e processo. São Paulo: RT, 1988. p. 117. 31 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, v. I, 1999. p. 73.


Os escopos da jurisdição que configuram a instrumentalidade positiva do processo são de três ordens, segundo o magistério de Cândido Dinamarco, esposado integralmente por Alexandre Freitas Câmara: sociais, jurídicos e políticos. A primeira conclusão que disso se pode extrair é que a moderna ciência processual se fez consciente de que o processo não é um fenômeno que se esgote no plano jurídico, de maneira que seu estudo não pode deixar de levar em conta também suas aplicações sociopolíticas33. Merece ainda ser destacada, nesse rumo, a lição de Ada Pellegrini Grinover: Desse modo, as garantias constitucionais do devido processo legal convertem-se, de garantias exclusivas das partes, em garantias da jurisdição e transformam o procedimento em um processo jurisdicional de estrutura cooperatória, em que a garantia de imparcialidade da jurisdição brota da colaboração entre partes e juiz. A participação dos sujeitos no processo não possibilita apenas a cada qual aumentar as possibilidades de obter uma decisão favorável, mas significa cooperação no exercício de jurisdição. Para acima e para além das intenções egoísticas das partes, a estrutura dialética do processo existe para reverter em benefício da boa qualidade da prestação jurisdicional e da perfeita aderência da sentença à situação de direito material subjacente.34

32 Idem, ibidem. 33 É que “se trata de instrumento estatal, e o Estado – parece desnecessário dizer – é um ente político voltado para uma finalidade social de busca do bem comum” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit., p. 73). 34 GRINOVER, Ada Pellegrini. Processo constitucional em marcha. São Paulo: Max Limonad, 1985. p. 8, item 2; Cf., também, MOREIRA, José Carlos Barbosa. A garantia do contraditório na atividade de instrução. Separata

Tão próxima se acha a figura do direito de ação às garantias fundamentais que Couture o qualifica como um direito cívico, integrante da ordem constitucional. Dentro dessa ótica o direito de ação integra, conforme pensa Couture, o campo amplo do direito cívico de petição, com a peculiaridade de ser exercitável especificamente em face dos órgãos encarregados da prestação jurisdicional35. Em consonância com esse mesmo entendimento, aduz o autor que o fim da jurisdição, exercida por meio do processo, por provocação do direito de ação, não é só atingir um resultado definitivo e imutável para o conflito. É, sobretudo, la justicia, la paz, el orden, la seguridad, es decir, los valores a los cuales el derecho accede y sirve. La función jurisdiccional en sua eficacia es, pues, un medio de asegurar la necesaria continuidad del derecho. Y el derecho, a su vez, es un medio de acceso a los valores que son, ésos si, los que merecen la tutela del Estado.36

6 PROCESSO E EFETIVIDADE DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS Quer se aplique, quer não se aplique algum direito constitucional para definir o litígio, o processo estará sempre organizado para desempenhar uma garantia constitucional: a tutela jurisdicional a que se acha obrigado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição, e que deverá ser a justa composição do conflito, no sentido procedimental e substancial, como deflui da garantia do devido processo legal, constante do inciso LIV do mesmo dispositivo constitucional. da Revista de Jurisprudência do TJRJ, n. 46, p. 1-2, 1981; DINAMARCO, Cândido Rangel. O princípio do contraditório. Revista da PGE, São Paulo, n. 19, p. 21 e ss.,1981-1982. 35 COUTURE, Eduardo J. Estudios de derecho procesal civil. Buenos Aires: Depalma, v. I, 1979. 36 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil. Buenos Aires: Depalma, n. 24, 1974. p. 40.

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Dentro dessa nova maneira de encarar a instrumentalidade do processo, a prestação jurisdicional ganha maior força e enriquece. Vai além da simples e fria aplicação das regras do direito material, para tornar-se “uma garantia de tutela adequada e efetiva das posições jurídicas de vantagem”32.

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O dever de encontrar uma justa composição para o litígio, nessa ordem de ideias, é dever constitucional do Estado, qualquer que seja a norma utilizada para resolver o conflito37. A garantia de um processo justo, sob o prisma das garantias constitucionais, retrata, além de outros atributos, “a eficiência e a celeridade das decisões judiciais”, assim como “a efetividade da tutela jurisdicional”38. É por essas possibilidades interpretativas da cláusula do devido processo legal, em todos os planos em que seu desenvolvimento reflete, que assume as proporções de um verdadeiro “standard de justiça”, capaz de limitar a atuação estatal, proteger os direitos fundamentais e concretizar a democracia39. Permanece, pois, sempre atual a lição de Couture que qualifica como inconstitucional a lei processual que atrita com o primado da Constituição no tocante às garantias da tutela jurisdicional, privando o jurisdicionado da possibilidade de propor a ação, de defender-se, de produzir provas, de alegar, de impugnar a sentença, de ser julgado por juízes idôneos e em prazos razoáveis40.

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Há, no ordenamento jurídico, como reconhece a doutrina comprometida com o moderno processo justo uma grande ponte de ligação de um direito fundamental abstrato do texto

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37 “O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, quando se dirige contra o juiz, não exige apenas a efetividade da proteção dos direitos fundamentais, mas sim que a tutela jurisdicional seja prestada de maneira efetiva para todos os direitos.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004. p. 187) 38 RIGHI, Eduardo Camargo. O direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional e a nova execução da sentença. In: ALVIM, Arruda; ALVIM, Eduardo Arruda (Coord.). Atualidades do processo civil. Curitiba: Juruá, v. I, 2007. p. 177. 39 RIGHI, Eduardo Camargo. Op. cit., p. 177. 40 COUTURE, Eduardo J. La garanzie costituzionalle del “dovuto processo legale”. Rivista di Diritto Processuale, v. 9, parte 1, p. 81-101, 1954.

constitucional com um direito fundamental concreto, ou seja, a transformação do direito declarado pela Constituição em direito efetivo e garantido opera-se pela obra dos Tribunais, por meio do processo41. É assim – preleciona Ada Pellegrini Grinover – que “o processo se transforma, de simples instrumento de justiça, em garantia de liberdade”42. É assim que o processo justo proporciona “a vinculação cada vez mais próxima do processo com o direito constitucional”, segundo Sálvio de Figueiredo Teixeira: “a uma, porque é no direito constitucional que o processo vai buscar seus princípios mais nobres. A duas, porque é no processo que o direito constitucional encontra o instrumento eficaz para assegurar as garantias da cidadania e a realização coativa da ordem jurídica”43.

7 CONTRADITÓRIO E DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO NO PROCESSO JUSTO A efetividade da garantia constitucional do processo justo, sem o qual não resta assegurado o real acesso à justiça, exige, além do juiz natural confiável, a presença efetiva do contraditório e a submissão de todo e qualquer processo a uma duração razoável. A construção clássica do contraditório se formou à luz de uma visão estática que o confundia simplesmente com a bilateralidade da audiência das partes durante a sucessão dos atos do

41 RIGHI, Eduardo Camargo. Op. cit., p. 179. 42 GRINOVER Ada Pellegrini. A garantia constitucional do direito de ação e sua relevância no processo civil. Faculdade de Direito da USP. São Paulo, 1972. p. 19. Apud RIGHI, Eduardo Camargo. Op. cit., p. 179. 43 A perspectiva de uma nova justiça. TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.) Reforma do código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 887.


Após o segundo pós-guerra, com a mais ampla constitucionalização das garantias processuais, o estudo destas e o interesse democrático pela colaboração das partes proporcionaram novos horizontes de análise para o princípio do contraditório. O processo, – que durante o liberalismo privilegiava o papel das partes e que após os grandes movimentos reformistas pela oralidade e pela instauração do princípio autoritário implementou um ativismo judicial que privilegiava a figura do juiz –, passa no Estado Constitucional Democrático, com a releitura do contraditório, a permitir uma melhora da relação juiz-litigantes de modo a garantir um efetivo diálogo e uma comunidade de trabalho (Arbeitsgemeinschaft) entre os sujeitos processuais na fase preparatória do provimento (audiência preliminar para fixação dos pontos controvertidos), e na fase de problematização (audiência de instrução e julgamento) permitindo a coparticipação na estrutura procedimental44. A utilização da fase preparatória (nosso art. 331 do CPC), levada a sério, com a fixação adequada de todos os pontos controvertidos pode conduzir a uma redução do tempo processual em face da percepção pelas próprias partes (e seus advogados) de que a continuidade do feito não se faz adequada e necessária, o que conduzirá um advogado técnico à busca da conciliação com o término do processo em prazo razoável.

44 THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle José Coelho. Uma dimensão que urge reconhecer ao contraditório no direito brasileiro: sua aplicação como garantia de influência, de não surpresa e de aproveitamento da atividade processual. Revista de Processo, São Paulo, n. 168, p. 115, fev. 2009.

Essa tendência de utilização metódica da fase preparatória para filtragem e fomento do debate das questões endoprocessuais (pontos controvertidos) de fato e de direito, iniciada por Franz Klein em sua festejada ÖZPO (Ordenança Processual Civil austríaca) de 1895, e atualmente revigorada pelas reformas alemãs da ZPO mediante a Vereinfachungsnovelle de 197645, pela reforma Woolf46 do novo processo civil inglês, pela Ley de enjuiciamento civil espanhola47 e outras inovações europeias conduzem à conclusão de que essa fase processual pode auxiliar em muito em uma adequação do modelo cognitivo brasileiro para a obtenção de resultados técnicos e constitucionalmente adequados, especialmente no que tange à aplicação da celeridade e do contraditório dinâmico. Para tanto, não se fariam necessárias nem mesmo alterações legislativas, bastando somente uma percepção simples de que a fase de nossa audiência preliminar (art. 331 do CPC) não serve somente para a tentativa de obtenção de acordo e da declaração de saneamento, uma vez que essa deve buscar uma função técnica mais importante, qual seja a filtragem completa da discussão endoprocessual para a fase posterior de proble45 Estruturada a partir dos resultados práticos obtidos pelo Modelo de Stuttgart levada a cabo pelo Juiz Rolf Bender e seus pares, inspirada na preleção de Fritz Baur de 1965. Cf. BAUR, Fritz. Wege zu einer Konzentration der mündlichen Verhandlung im Prozeβ. Berlim: Walter de Gruiter& co., 1966. 46 WOOLF. Access to justice. Interim Report to the Lord Chancellor on the civil justice system in England and Wales. London, 1995. WOOLF. Access to justice. Final Report to the Lord Chancellor on the civil justice system in England and Wales. London, 1996. Cf. também BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Interesse público e interesse privado nos recursos extraordinários: por uma compreensão adequada no Estado Democrático de Direito. Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, 2007. p. 34. 47 MONTERO AROCA, Juan. I principi politici del nuovo processo civile spagnolo. Napoli: Edizioni Scentifiche Italiane, 2002.

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processo. O juiz nele não se imiscuía. Era um simples espectador do duelo dos litigantes.

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matização, caso o acordo não seja possível e nem tecnicamente recomendável48. Os sujeitos processuais, assim, devem, desse modo, assumir a responsabilidade na utilização adequada da fase preparatória do procedimento, organizando-se efetivamente para tal e não encarando o procedimento como uma série de formalidades desnecessárias e desprovidas de sentido. É da assunção das respectivas faculdades, poderes e ônus que ocorrerá a obtenção de resultados práticos, céleres e constitucionalmente adequados.

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Nesses termos, após a percepção do fomento do constitucionalismo no século XX, torna-se inaceitável o entendimento que trabalha com uma separação de papéis dentro da estrutura processual, que de um lado posicionaria o juiz como terceiro com acesso privilegiado do que seria o bem comum, e de outro, as partes que se veriam alijadas do discurso processual, entregando seus interesses jurídicos ao critério de bem comum desse órgão judicial49. Não se pode, como já se disse, colocar o papel de todos os sujeitos processuais no mesmo plano, mas, ao mesmo tempo, deve-se estabelecer que cada um, no exercício de seu papel, possa influenciar na formação da decisão, garantido-se debate e ao mesmo tempo processos mais rápidos.

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48 Art. 331, caput, do CPC: “Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir [...] § 2º Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário”. 49 HABERMAS, Jürgen. Verdad y justificación. Madrid: Trotta, 2002. p. 295-296.

Impõe-se, no moderno Estado Democrático de Direito, a releitura do contraditório “como garantia de influência [das partes] no desenvolvimento e resultado do processo”50. O delineamento dessa moderna concepção isonômica do contraditório se inicia de modo mais efetivo a partir desse momento, mediante a percepção da doutrina processual germânica de que este não poderia mais ser analisado tão somente como mera garantia formal de bilateralidade da audiência, mas, sim, como uma possibilidade de influência (Einwirkungsmöglichkeit) sobre o conteúdo das decisões51 e sobre o desenvolvimento do processo, com inexistentes ou reduzidas possibilidades de surpresa52. Existiria um dever de consulta do juiz, impondo o fomento do debate preventivo53 e a submissão de todos os fundamentos (ratio decidendi) da futura decisão ao contraditório54. Pelo princípio, estariam asseguradas a igualdade de chances (Chancengleichheit) e igualdade de armas (Waffengleichheit)55. O contraditório, assim, é guindado a elemento normativo estrutural da comparticipação56, assegurando, constitucionalmente, 50 TROCKER, Nicolò. Processo civile e costituzione. Problemi di diritto tedesco e italiano. Milano: Giuffrè, 1974. p. 371. COMOGLIO, Luigi Paolo. La garanzia costituzionale dell’azione ed il processo civile. Padova: Cedam, 1970. p. 118. 51 BAUR, Fritz. Der Anspruch auf Rechliches Gehör. Archiv fur civilistiche Praxis, n. 153. Tubingen: Verlag J. C. B. Mohr, 1954. p. 403. 52 BENDER, Rolf; STRECKER, Christoph. Access to justice in the Federal Republic of Germany. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Access to justice – A world survey. Milano: Giuffrè, v. I, livro II, 1978. p. 554. 53 WALTER, Gerhard. I diritti fondamentali nel processo civile tedesco. Rivista di Diritto Processuale, Padova: Cedam, 3/736, jul./set. 2001. 54 BAUR, Fritz. Op. cit., p. 408. 55 Idem, p. 403. 56 COMOGLIO, Luigi Paolo. Voce: contraddittorio (principio del). Enciclopédia giuridica. Roma: Istituto della Enticlopedia Italiana, v. 8, 1988. p. 2.


Ao analisar o conteúdo do preceito presente no § 13959, entre outros, da Ordenança Processual alemã reformada e no Código de Processo Civil português reformado60, vislumbra-se que o direito de participação das partes não constitui um acréscimo inútil ou supérfluo. De modo que o aumento dos poderes dos juízes não significou a redução das garantias de defesa das partes, tanto que os pontos delineados por estas devem ser levados em conta na fundamentação das decisões, e ao juiz não é dada a possibilidade de decidir de ofício sem o anterior e prévio conhecimento das partes61. Nota-se que, uma vez que os poderes do julgador são aumentados, impõe-se a este o dever de informar às partes as iniciativas que pretende exercer, de modo a permitir a elas um espaço de discussão em contraditório, devendo haver a expansão e a institucionalização do dever de esclarecimento judicial a cada etapa do procedimento, inviabilizando julgamentos surpresa62. 57 NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2008. p. 212 e ss. 58 TROCKER, Nicolò. I llimitti soggetivi del giudicato tra tecniche di tutela sostanziale e garanzie di difesa processuale. Rivista di Diritto Processuale, Padova: Cedam, 1988, p. 35-95/74-85 − passim. 59 ZPO – Ordenança Processual Civil, § 139. Direção material do processo. Versão de 05.12.2005. 60 Art. 3.3. do Código de Processo Civil português. Necessidade do pedido e da contradição. Versão do Decreto-Lei nº 226/2008. 61 THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle José Coelho. Op. cit., p. 123-124. 62 BENDER, Rolf; STRECHER, Christoph. Op. cit., p. 554.

Desse modo, o contraditório moderno constitui uma verdadeira garantia de não surpresa que impõe ao juiz o dever de provocar o debate acerca de todas as questões, inclusive as de conhecimento oficioso, impedindo que em “solitária onipotência” aplique normas ou embase a decisão sobre fatos completamente estranhos à dialética defensiva de uma ou de ambas as partes63. Tudo que o juiz decidir fora do debate já ensejado às partes corresponde a surpreendê-las, e a desconsiderar o caráter dialético do processo, mesmo que o objeto do decisório corresponda à matéria apreciável de ofício64. O contraditório efetivo nos moldes em que o acolhe o projeto de novo Código de Processo Civil para o Brasil associa-se a um outro e não menos moderno e relevante princípio que é o da cooperação ou da colaboração, cujo objetivo é harmonizar e equilibrar os papéis que cabem a todos os sujeitos do processo, implantando um regime de paridade entre eles e impedindo conduta preponderante do juiz na preparação do provimento jurisdicional. Nesse sentido é emblemático o art. 5º do Projeto: “As partes têm direito de participar ativamente do processo, cooperando com o juiz e fornecendo-lhe subsídios para que profira decisões, realize atos executivos ou determine a prática de medidas de urgência”. A regra se completa com a do art. 9º: “Não se proferirá sentença ou decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida, salvo se se tratar de medida de urgência ou concedida a fim de evitar o perecimento de direito”. Quanto à duração razoável do processo, trata-se de um elemento essencial da garantia do processo justo, que, segundo a Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 1952, se traduz no 63 FERRI, Corrado. Sull’effettivitá del contraddittorio. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Milano: Giuffrè, p. 781-782, 1988. 64 THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle José Coelho. Op. cit., p. 125.

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o policentrismo processual57. Permite-se, assim, a todos os sujeitos potencialmente atingidos pela incidência do julgado (potencialidade ofensiva) a garantia de contribuir de forma crítica e construtiva para sua formação58.

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“direito a um processo equo” (art. 6º, § 1º). O preceito constitucional tem dois destinatários: a) o legislador, que, em aspecto geral, está impedido de criar procedimentos complicados, com diligências e pressupostos injustificáveis, cujo efeito seja apenas o de burocratizar a obtenção da tutela jurisdicional, retardando-a, sem proveito algum para as partes e para o julgador; b) o juiz, porém, é aquele que recebe o comando mais direto, pois dele se exige que use todo o poder de direção para agilizar a marcha do processo e impedir que as partes eventualmente a tumultuem com expedientes e recursos meramente protelatórios.

Para que a duração de um determinado processo não se degenere em delonga abusiva ou injustificada, há o juiz de usar todos os seus poderes de direção, controle e estímulo, a fim de que não ocorra, ou não fique sem sanção, qualquer abuso que contrarie os ditames da economia processual e da garantia de duração razoável do processo67.

Não é justo o processo que, sob as vistas do juiz, dura mais que o tempo reclamado para atingir o provimento judicial pacificador do litígio. Para que tal desvio não se dê, toca ao juiz exercer seus poderes de direção, formal ou material, instituídos para efetivar a concentração e a aceleração do processo.

Ao contrário do Código atual, que se limita basicamente a regular os aspectos formais do processo civil, o Projeto aprovado pelo Senado (Projeto nº 166/2010), inicia sua regulamentação dedicando um Capítulo com doze artigos aos “princípios e garantias fundamentais do processo civil” (arts. 1º a 12):

Elevada a duração razoável ao plano de direito fundamental dos litigantes, reconhece-se ao princípio de economia processual, que o explica e fundamenta, a expressão de um “interesse superior da justiça”65. Assume um papel, de feitio enérgico e imediato, a ser policiado e praticado pelo juiz, em todo e qualquer processo, para velar pela atuação plena e efetiva da própria jurisdição, já que, no processo justo, não se admite compactuação com procrastinações e abusos de qualquer natureza66. Duração razoável do processo e efetividade da tutela jurisdicional são dois requisitos do processo justo que se entrelaçam e se completam na melhor maneira de proporcionar o acesso pleno à justiça. 65 COMOGLIO, Luigi Paolo. Etica e tecnica del “giusto processo”. Torino: Giappichelli, 2004. p. 90. 66 Idem, p. 92.

8 O PROCESSO JUSTO NA SISTEMÁTICA DO PROJETO DE NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

a) Princípios constitucionais do processo “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.” (art. 1º) Nenhuma lei pode ser interpretada e aplicada contrariando os princípios e os valores adotados pela Constituição como fundamento do Estado Democrático do Direito por ela implantado. Princípios como aqueles constantes da declaração dos direitos fundamentais não são programáticos, mas normas imperativas de aplicação imediata, haja ou não apoio de lei infraconstitucional (CF, art. 5º, § 1º). Um dado importante da orientação prevista no art. 1º do Projeto é o reconhecimento da aplicabilidade ao processo não só das regras legais propriamente ditas, mas também dos princípios constitucionais e 67 É preciso velar pela duração razoável do processo, para impedir que “a demora no julgamento crie uma instabilidade na situação jurídica das partes, incompatível com a noção de segurança jurídica” (GRECO, Leonardo. Op. cit., p. 24).


68 Explica Alexy que, na ordem constitucional, tanto as regras como os princípios são normas, já que ambos dizem o que deve ser e são formulados por meio das expressões básicas de ordem (mandado ou comando), de permissão e de proibição. A diferença reside na maior precisão do comando da regra e na generalidade do mandado contido no princípio. “Regras são normas que ordenam, proíbem ou permitem algo definitivamente ou autorizam algo definitivamente. Elas contêm um dever definitivo. Quando os seus pressupostos estão cumpridos, produz-se a consequência jurídica. A forma da aplicação da regra é a da subsunção. Princípios contêm, pelo contrário, um dever ideal. Ele são mandamentos a serem otimizados [...]. A forma de aplicação para eles típica é, por isso, a ponderação” (ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 37). 69 “O princípio da proporcionalidade [que orienta o sistema das estruturas de ponderação] consiste de três princípios [ou sub-princípios]: os princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Todos os três princípios expressam a idéia de otimização. Os direitos constitucionais enquanto princípios são comandos de otimização. Enquanto comandos de otimização, princípios são normas que requerem que algo seja realizado na maior medida possível, das possibilidades fática e jurídicas. Os princípios da adequabilidade e da necessidade dizem respeito ao que é fática ou factualmente possível. O princípio da adequação exclui a adoção de meios que obstruam a realização de pelo menos um princípio sem promover qualquer princípio ou finalidade para a qual eles foram adotados [...]. O balanceamento sujeita-se a um terceiro sub-princípio da proporcionalidade, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito. Esse princípio expressa o que significa a otimização relativa às possibilidades jurídicas (legal)” (ALEXY, Robert. Direitos fundamentais, balanceamento e racionalidade. Trad. Menelick de Carvalho Netto. Ratio Juris, v. 16, n. 2, p. 135-136, jun. 2003; Apud BAPTISTA,

Não se pode, pelo excesso de tecnicismo formal, reduzir a técnica da ponderação preconizada por Alexy a uma simples operação abstrata de quantificação e hierarquização dos princípios colidentes. É preciso ter em mente que a ordem constitucional do Estado Democrático de Direito contemporâneo incorpora, em seus fundamentos, valores éticos, dos quais não é dado ao intérprete e aplicador deslembrar quando procede à solução de casos concretos. O que se assegura hoje são sobretudo decisões justas. O manejo dos princípios constitucionais pelo juiz não há de ser feito de forma metafísica e acadêmica, já que esses caminhos nem sempre conduzem ao justo (valor moral) prestigiado no constitucionalismo vigente. É necessário atentar para a advertência de Jacques Derrida70 de que o compromisso do julgador deve ser, de fato, com o justo, com os interesses das partes envolvidas, que buscam no direito a melhor solução para os seus conflitos. O apego à pura racionalidade pode não alcançar a justiça almejada. A ponderação há de abarcar mais do que o confronto valorativo dos princípios em tese. “É preciso trazer à luz o que, de fato, está dissimulado nas decisões judiciais, é preciso que julgadores tenham compromisso com as pessoas envolvidas no caso. É para elas que o Judiciário existe e não para outros interesses que, discursivamente e argumentativamente (ou melhor, “racionalmente”), convencem e persuadem o julgador”71. Os princípios constitucionais, filtrados pela técnica da ponderação, haverão de ser interpretados não apenas de forma racional, mas também de maneira eticamente justa, o que só será viável se o aplicador ponderar também os interesses dos litigantes em jogo no processo. Afinal a justiça que se espera de uma sentença não é a teórica e abstrata, é a concreta, a do caso dos autos, mais precisamente. É para ele que se há de dar a melhor aplicação possível dos princípios constitucionais pertinentes. É claro que o julgador não pode ignorar a regra e os princípios incidentes sobre o fato dos autos. Mas, pela técnica da ponderação, poderá

Isabelle de. A desconstrução da técnica da ponderação aplicável aos direitos fundamentais, proposto por Robert Alexy: uma reflexão a partir da filosofia de Jacques Derrida. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, v. 77, n. 4, p. 101-102, nota 8, dez. 2008). 70 DERRIDA, Jacques. Força de lei: o fundamento místico da autoridade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007. 71 BAPTISTA, Isabelle. Op. cit., p. 109.

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dos valores que os cercam68. A lembrança dos valores é feita porque desempenham eles papel decisivo na solução das colisões de princípios, evento inevitável dada a fluidez e elasticidade de todos eles. A superposição de princípios em face de uma mesma situação fático-jurídica redunda numa colisão de valores, de modo que ao intérprete e aplicador dos princípios cumpre descobrir os valores conflitantes para hierarquizá-los, segundo um juízo de ponderação. “Dessa forma, ao elencar prioridades, permite-se a possibilidade de um procedimento de argumentação jurídica, de forma a eleger o princípio que será aplicado ao caso concreto”69.

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equacioná-los com as peculiaridades do litígio, para interpretá-los e otimizá-los eticamente, vale dizer, da maneira mais justa possível. Atuando em nome de um Estado de Direito, o juiz, em regra, não pode deixar de aplicar a lei em vigor. Só quando houver contrariedade insuperável entre o mandamento constitucional e a regra legal, é que esta será havida como inválida, cabendo ao juiz negar-lhe aplicação. Se a norma infraconstitucional ensejar mais de um sentido, o juiz rejeitará o que estiver em posição de atrito com a Constituição, e adotará aquele que melhor se afeiçoe a esta. b) Princípios da demanda e impulso judicial do processo “O processo começa por iniciativa da parte, nos casos e formas legais, salvo exceções previstas em lei, e se desenvolve por impulso oficial.” (art. 2º) A norma consagra o princípio dispositivo na abertura do processo e o princípio inquisitivo na condução do processo instaurado pela parte até o provimento jurisdicional que lhe ponha fim.

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O princípio do ne procedat judex ex officio é tradicional e merece acolhida em todos os países organizados como Estados Democráticos de Direito. Explica-se pela necessidade de manter a imparcialidade do juiz, evitando atividades investigatórias em torno da origem do processo e da estipulação das questões que haverão de consubstanciar o seu objeto. A não ser assim, correr-se-ia o risco de confundir o seu papel com o de advogado ou de um delegado policial em missão de investigar fatos incertos e nem mesmo controvertidos entre os interessados.

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Já, em relação ao impulso oficial, a regra decorre do interesse de ordem pública em que a lide seja processada segundo a pesquisa da verdade real e com o compromisso de chegar-se a uma justa composição dos interesses em conflito, o que deverá se dar, segundo a lei aplicável ao caso deduzido pelas partes em juízo, dentro de prazo razoável e sob impacto do princípio de economia processual (regras tendentes a garantir a celeridade na tramitação do feito). c) Garantia de acesso á justiça “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito, ressalvados os litígios voluntariamente submetidos à solução arbitral, na forma da lei.” (art. 3º) A lei não pode excluir ameaça ou lesão a direito da apreciação do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Trata-se da garantia de acesso à

justiça, base primeira da garantia do devido processo legal. Se a lei não pode impedir que a parte invoque a tutela jurisdicional, o titular do direito ameaçado ou violado, pode abrir mão dele ou da respectiva tutela, desde que se trate de agente plenamente capaz e de direito subjetivo disponível. Optando os interessados pela solução arbitral, renunciam voluntariamente à tutela jurisdicional, mas apenas em torno da controvérsia sobre a qual houveram por bem não recorrer ao Judiciário72. d) Duração razoável do processo “As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa.” (art. 4º) A duração razoável do processo é um dos direitos fundamentais declarados pela Constituição (art. 5º, LXXVIII). Não é justo um processo que se alonga desnecessariamente, deixando o destinatário da tutela constitucional dela privado por um tempo exagerado. Retardar a proteção judicial a quem a ela tem direito, além do tempo necessário, equivale a uma injustiça qualificada, porque praticada justamente por aquele a quem corresponderia o dever constitucional de impedi-la e eliminá-la prontamente. O dispositivo alerta que a tutela não se esgota com a sentença, de modo que a parte tem direito não só ao julgamento dentro do prazo razoável, pois também o cumprimento do decisório haverá de ser diligenciado com celeridade. Afinal a pretensão da parte só é realmente atendida quando o bem da vida perseguido na justiça lhe é efetivamente proporcionado, pelas vias executivas, se necessárias. e) Princípio da cooperação “As partes têm direito de participar ativamente do processo, cooperando com o juiz e fornecendo-lhe subsídios para que profira 72 A constitucionalidade da Lei nº 9.307/1996 foi declarada pelo plenário do STF, sob a consideração, por maioria de votos, de que “a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o art. 5º, XXXV, da CF” (STF, SE 5206 AgR/EP − Espanha, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Ac. 12.12.2001, DJU 30.04.2004, p. 29).


decisões, realize atos executivos ou determine a prática de medidas de urgência.” (art. 5º)

numa “comunidade de trabalho”, cuja responsabilidade de resultados recai tanto sobre as partes como sobre o Tribunal75.

O dispositivo consagra o princípio da participação ativa das partes no preparo da solução dos atos decisórios, de sorte que estes não sejam fruto apenas do poder do juiz, mas recebam influência direta da contribuição esclarecedora e argumentativa de todos que esperam a melhor solução possível para as respectivas pretensões. As partes não são comandadas passivamente pela vontade autoritária do juiz. Ao contrário, na pesquisa da verdade e, principalmente, na realização efetiva de medidas de satisfação material dos atos de execução e das medidas de urgência, é inconteste o poder que têm as partes de subsidiar o juiz com informações e dados que facilitem e tornem exequíveis esse tipo de tutela. É importante lembrar que os atos de execução forçada e as medidas de urgência são providências que, ordinariamente, se realizam no interesse do credor (CPC, art. 612), mas que, sempre que possível, haverão de serem praticadas pelo modo menos gravoso para o devedor (CPC, art. 620). Daí porque não se pode recusar a um e outro a participação direta na deliberação e execução que lhes diga respeito.

O Projeto no art. 5º afina-se com a moderna doutrina do processo, introduzindo no direito positivo brasileiro o princípio da cooperação ou da colaboração, a exemplo do que se passa no art. 266 do CPC de Portugal, princípio que reforça a importância do contraditório como técnica de concretização da dialética do processo, impondo um alto grau de comprometimento do juiz para com as partes, e destas em relação àquele, de modo a propiciar que o fruto da atividade desenvolvida no processo pelo julgador seja capaz de resolver adequadamente o litígio que lhe foi submetido76.

73 Para Fritz Baur, dentro dessa ótica, o juiz, no processo moderno, não pode permanecer ausente da pesquisa da verdade real. “Antes fica autorizado e obrigado a apontar às partes as lacunas nas narrativas dos fatos e, em caso de necessidade, a colher de ofício as provas existentes”. Essa ativização do juiz – na lição do notável processualista Tedesco – visa não apenas a propiciar a rápida solução do litígio e o encontro da verdade real, mas também a prestar às partes uma “assistência judicial”. Isso porque “não devem reverter em prejuízo destas o desconhecimento do direito, a incorreta avaliação da situação de fato, a carência em matéria probatória; cabe ao juiz sugerir-lhes que requeiram as providências necessárias e ministrem material de fato suplementar, bem como introduzir no processo as provas que as partes desconhecem ou lhes sejam inacessíveis” (BAUR, Fritz. Transformações do processo civil em nosso tempo. Revista Brasileira de Direito Processual, v. VII, p. 58/59). Afinada com essa orientação está a jurisprudência moderna: “Sendo a prova pericial imprescindível, cabe ao juiz, de ofício, determinar a sua realização, e não julgar o pedido improcedente por ausência de prova técnica” (STJ, 1ª T., REsp 186. 854/PE, Rel. Min. Garcia Vieira, Ac. 14.12.1998, DJU 05.04.1999, p. 86). 74 FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceito e princípios. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 2006. p. 168.

Diante do princípio da cooperação pode-se reconhecer a imputação de três deveres ao juiz: a) dever de esclarecer as partes, b) dever de consultá-las para que supram falhas sanáveis antes de extinguir o processo sem apreciação do mérito, e c) dever de prevenir apontando deficiências supríveis e condutas processuais irregulares78. Ressalta, a propósito, a mais atual doutrina de processo, construída à luz dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, e, particularmente, em face da garantia de um processo justo que, tal como as partes em relação ao juiz, também o órgão julgador deve agir com lealdade, cooperando com as partes. Os deveres processuais são estendidos aos próprios Magistrados, afirmando-se a cooperação como 75 SOUZA, Miguel Teixeira de. Aspectos do novo processo civil português. Revista Forense, n. 338, p. 150. 76 RAMOS, Glauco Gumerato. Repensando a prova de ofício. Revista de Processo, São Paulo, n. 190, p. 331, dez. 2010. 77 MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil – Pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: RT, 2009. p. 101-103. 78 DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 58-62.

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No programa constitucional de um processo justo o princípio da cooperação, há muito valorizado pelo Projeto Sttutgart (liderado por Fritz Baur)73, constitui a viga mestra do moderno processo civil74, transformando-o

Adverte Daniel Mitidiero que o princípio da cooperação redireciona o papel do juiz e das partes no processo, colocando-os numa posição paritária, traduzindo a idéia de que na sociedade civil democrática indivíduo e Estado-juiz atuam de maneira coordenada. Elimina-se a figura do juiz preponderante sobre as partes do processo, e, respeitada a natural parcialidade dos litigantes, faz com que todos os sujeitos da relação processual exerçam suas incumbências num ambiente de cooperação77.

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trave mestra do processo civil de nosso tempo79. “Sobre o órgão julgador, portanto, recairão deveres de esclarecimento, prevenção, consulta e auxílio, traduzindo, portanto, o dever de colaboração do juízo para com as partes”80. Explica Miguel Teixeira de Souza que na verdade há um poder-dever, ou seja, um dever funcional do juiz, desdobrado em quatro figuras que ele assim descreve: “Um é o dever de esclarecimento, isto é, o dever de o Tribunal se esclarecer junto das partes quanto às dúvidas que tenha sobre as suas alegações, pedidos ou posições em juízo (cf. art. 266, 2), de molde a evitar que a sua decisão tenha por base a falta de informação e não a verdade apurada; Um outro é o dever de prevenção, ou seja, o dever de o Tribunal prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos (cf. arts. 508, 1, alínea b), 508-A, 1, alínea c), 690, 4, e 701, 1); O Tribunal tem também o dever de consultar as partes, sempre que pretenda conhecer de matéria de fato ou de direito sobre a qual aquelas não tenham tido a possibilidade de se pronunciarem (cf. art. 3º, 3), porque, por exemplo, o Tribunal enquadra juridicamente a situação de forma diferente daquela que é a perspectiva das partes ou porque esse órgão pretende conhecer oficialmente certo fato relevante para a decisão da causa; Finalmente, o Tribunal tem o dever de auxiliar as partes na remoção das dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou no cumprimento de Fevereiro/2015 – Ed. 215

ônus ou deveres processuais (cf. art. 266, 4).”81

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f) Razoabilidade na construção do provimento judicial “Ao aplicar a lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, observando sempre os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da 79 FREITAS, José Lebre de. Op. cit., p. 168. 80 SANTOS, Igor Raatz dos. Os deveres de esclarecimento, prevenção, consulta e auxílio como meio de redução das desigualdades no processo civil. Revista de Processo, n. 192, p. 67. 81 SOUZA, Miguel Teixeira de. Op. cit., p. 151.

legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.” (art. 6º) O dispositivo correlaciona no processo os requisitos do processo justo com os da prestação dos serviços públicos em geral: a) quando determina ao juiz que, no aplicar a lei, deve atender aos seus fins sociais e às exigências do bem comum, o Projeto ressalta a tarefa do intérprete e aplicador das normas jurídicas, que não pode limitar-se a uma fria operação de pura subsunção dos fatos do processo aos enunciados do direito positivo. A tarefa do juiz é a de pesquisar e formular o direito do caso concreto, lembrando-se de que sobre o fato litigioso nunca incide apenas uma regra jurídica. De ordinário, a solução da controvérsia depende de uma visão de conjunto do sistema em que se insere o direito feito valer em juízo. Não basta conhecer e aplicar a regra que topologicamente está mais próxima da controvérsia. É sempre necessário conjugá-la, primeiro, com a ordem maior do direito constitucional, em seguida, com o sistema infraconstitucional e, se for o caso, com o microssistema que a aparta, no todo ou em parte, do direito codificado. Além disso, o Estado Democrático de Direito ressalta, tanto no plano constitucional como no infraconstitucional, valores éticos, políticos, sociais, que devem ser buscados, localizados e dimensionados fora dos dispositivos legislados, em terreno onde atuam valores e costumes reconhecidos pela comunidade e sem que hajam sido parametrados com precisão pela lei. Diz-se, por isso, que uma coisa é o enunciado da lei, outra muito diversa é a regra do caso concreto formulada pelo juiz quando edita o provimento com que dará solução à demanda. Não é possível imaginar, como outrora pensaram os liberais e positivistas, que a regra do legislador estaria pronta e acabada, de modo que o juiz somente teria de reproduzi-la na sentença. O legislador nunca consegue traçar uma disciplina completa, perfeita e suficiente no enunciado de cada dispositivo. Ao intérprete cumprirá, sempre, a complementação da obra legislada, mediante um juízo de ponderação sobre todas as forças atuantes sobre o fato controvertido, antes de chegar à definição da regra concreta sob cuja regência a lide se formou e terá de encontrar solução. Nesse clímax do processo o juiz intentará harmonizar a regra legal positiva com os fins sociais a que ela se dirige bem como com as exigências do bem comum. Essa operação envolve, como é óbvio,


b) em seguida submeterá toda sua conduta no comando do processo aos princípios que a Constituição impõe à Administração Pública exercida por qualquer dos Poderes, inclusive, portanto, o Judiciário, e que são assim enunciados pelo seu art. 37: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A regra explicitada pelo projeto de novo Código de Processo Civil tem o condão de alertar os aplicadores do direito processual e a sociedade em geral sobre o fato de que a justiça desempenha, como todos os Poderes Públicos, a administração da coisa pública, e, por isso, os juízes e Tribunais não podem atuar como se os princípios editados no art. 37 da Constituição não lhes dissessem respeito. É justamente porque impera no processo o dever de um procedimento ético, que se reclama a imparcialidade do juiz material, que há de ser não interessado no objeto litigioso, não podendo suscitar suspeição de qualquer natureza, e se lhe impõe, ainda, o dever de assegurar tratamento igualitário às partes, de velar pela rápida solução do litígio, e de prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça (CPC, art. 125). c) a razoabilidade, que o art. 6º do Projeto arrola como um dos princípios a serem observados pelo juiz, na verdade não configura dentro da hermenêutica jurídica, um princípio. Trata-se, como esclarece Humberto Ávila de um postulado de ordem técnica de que o aplicador da lei tem de recorrer, principalmente, quando se depara com choque entre normas comuns e a Constituição, e principalmente quando há conflito entre regras e princípios dentro da própria ordem constitucional82. 82 “O postulado da razoabilidade aplica-se, primeiro, como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto [...]. Segundo, como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência [...]. Terceiro, como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas.” (AVILA, Humberto. Teoria dos princípios – Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 182)

A razoabilidade, assim como a proporcionalidade83, não é repita-se, uma regra de interpretação, mas um critério de ponderação para avaliar, entre as normas concorrentes, qual a mais adequada à hipótese em julgamento. Não se busca a invalidação de uma ou outra das normas em conflito, mas apenas a definição daquela que, nas circunstâncias do caso concreto, deva prevalecer, ou até onde uma delas deve incidir preferencialmente à outra ou às outras84. Ainda que não seja um princípio constitucional, os postulados da razoabilidade e proporcionalidade são sempre aplicáveis em plano constitucional como um importante critério técnico para enfrentar problemas de conflitos normativos. Como os conflitos de lei não são apanágio apenas do direito constitucional, já que podem também ocorrer entre enunciados infraconstitucionais, andou bem o Projeto ao recomendar a observância do princípio da razoabilidade na aplicação da lei dentro do processo, o que servirá tanto para a aplicação da lei material como da lei processual. d) em outro sentido, a invocação do princípio da razoabilidade se presta, ainda, para lembrar que a compreensão e aplicação dos enunciados de lei não podem ser feitos de maneira rígida e inflexível, tal como se dá no terreno das ciências exatas. A lei jurídica não é exata porque não cuida do ser mas do dever ser. É concebida antes de existir o fato sobre o qual poderá eventualmente incidir. Corresponde apenas a uma antevisão genérica e abstrata de evento futuro e impreciso. Por isso, o critério de avaliação da norma jurídica diante do fato que lhe é posterior deve seguir o método da prudência, que é governado pela dialética. Cabe ao intérprete e 83 “O postulado da proporcionalidade aplica-se nos casos em que exista uma relação de causalidade entre um meio e um fim concretamente perceptível. A exigência da realização de vários fins, todos constitucionalmente legitimados, implica a adoção de medidas adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito.” (Idem, ibidem) 84 “Os postulados normativos aplicativos são normas imediatamente metódicas que instituem os critérios de aplicação de outras normas situadas no plano do objeto da aplicação” (Idem, p. 122). Como adverte o autor, “entre os principais postulados aplicativos estão a proporcionalidade, a razoabilidade e proibição de excesso.” (Idem, p. 134).

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recursos e critérios éticos, em busca de um julgamento equitativo. No plano constitucional, preocupar-se-á, em primeiro lugar, com o respeito e a preservação de um valor supremo que é o da dignidade humana, um dos fundamentos sobre que se assenta nossa República Federativa (CF, art. 1º, III).

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aplicador da lei proceder a um juízo crítico sobre a sua finalidade e sobre os valores presentes à sua edição e ao momento do fato sobre que se deseja aplicá-la. É nessa altura que ao juiz incumbe realizar um juízo axiológico, em torno dos valores e interesses tutelados, o que terá de ser feito segundo o princípio da razoabilidade, ou seja, segundo a lógica do razoável, oportunidade em que elementos éticos, econômicos, políticos e sociais poderão exercer influência significativa. Em suma, a justiça do caso concreto não pode se resumir à pura e simples aplicação do frio enunciado de uma norma legal. A lógica do razoável terá de ser utilizada, com adequação e ponderação, para que não se consumem injustiças graves como a que os romanos condenavam na parêmia summum jus summa injuria. g) Princípio da paridade entre os litigantes e contraditório efetivo

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“É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz velar pelo efetivo contraditório.” (art. 7º)

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O dispositivo consagra o princípio da igualdade, fundamental no Estado Democrático de Direito (CF, art. 5º, caput: “Todos são iguais perante a lei”) e o da efetividade, sem o qual não se consuma o pleno acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV). Mas, aqui não se cuida da efetividade da tutela jurisdicional como um todo, mas de sua aplicação particular à garantia constitucional do contraditório, que também tem de ser pleno, sob pena de a deficiência de submissão ao princípio comprometer a hidigez do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV e LV). Ao conclamar o juiz a promover o efetivo contraditório, o preceito tem em vista impedir que essa garantia seja vista apenas como a bilateralidade de audiência das partes. A autoridade judiciária tem que instalar no processo uma paridade de oportunidades na boa preparação do provimento final que virá a concretizar a justa composição do litígio. Para tanto, não pode se furtar ao emprego de seus poderes inquisitoriais, no que toca à promoção de diligências e à iniciativa probatória.

Com o ativismo técnico, o juiz pode implantar a verdadeira igualdade jurídica dos litigantes dentro do processo, por meio da promoção da paridade de armas no combate judiciário, quando por deficiência técnica a defesa de uma parte, ou de ambas, possa conduzir a resolução do litígio para terreno incompatível com a verdade real e com os desígnios do processo justo. Dir-se-á que esse ativismo pode comprometer a imparcialidade do juiz. A objeção é, porém, falsa, porque parcial não é só o que toma partido na defesa de uma das partes, privilegiando-a, de forma ativa, em detrimento dos interesses da outra parte. Também é parcial, de forma passiva, o juiz que assiste com indiferença o sacrifício do interesse legítimo de um dos litigantes, por ignorância do seu defensor ou falta de recursos para a busca de meios técnicos mais adequados e eficientes. Em outros termos, pode-se cometer imparcialidade, tanto ativa como passivamente. Não há, todavia, parcialidade alguma quando o juiz exerce, por exemplo, a iniciativa da prova, ordenando a busca e incorporação de algum meio de convencimento que melhor conduza à aproximação da vontade real. Parcial seria se, ao invés de pesquisar, por sua iniciativa, o esclarecimento do fato decisivo para a justa solução do litígio, o juiz permanecesse inerte, conduzindo o processo para o julgamento final de mérito, com a consciência de que a verdade real não foi perseguida, como devia e podia ser. Barbosa Moreira combate, com acerto, a tendência equivocada de confundir os conceitos de imparcialidade e de neutralidade do juiz: “Dizer que o juiz deve ser imparcial é dizer que ele deve conduzir o processo sem inclinar a balança, ao longo do itinerário, para qualquer das partes, concedendo a uma delas, por exemplo, oportunidades mais amplas de expor e sustentar suas razões e de apresentar as provas de que disponha. Tal dever está ínsito no de ‘assegurar às partes igualdade de tratamento’, para reproduzir os dizeres do art. 125, I, do Código de Processo Civil. Outra coisa é pretender que o juiz seja neutro, no sentido de indiferente ao êxito do pleito. Ao Magistrado zeloso não pode deixar de interessar que o processo leve a desfecho justo; em outras palavras, que saia vitorioso aquele que tem melhor direito. Em semelhante perspectiva, não parece correto afirmar, sic et simpliciter, que para o juiz ‘tanto faz’ que vença o autor ou que vença o réu. A afirmação só se afigura verdadeira enquanto signifique


a outro litigante.”85 Artur César de Souza vê nas diligências de iniciativa uma “parcialidade” que denomina de “positiva”, porque praticada na consecução efetiva do contraditório, e não com o objetivo de “proteger” injustificadamente um litigante em detrimento do outro. Explica o autor: “[...] fato é que a ‘parcialidade positiva’ não decorre, na verdade, de uma colisão de princípios entre imparcialidade e igualdade. Ela não exige uma colisão de princípios para que possa se tornar sustentável, pois, em última análise, o princípio constitucional da imparcialidade permite uma dupla perspectiva, ou seja, se por um lado o princípio da imparcialidade exige a atuação de um juiz sem qualquer vinculação ou interesse pessoal em favor de uma das partes, ou que possa realizar qualquer discriminação entre elas, por outro lado, reconhece a necessidade de o órgão jurisdicional levar em consideração as diferenças sociais, culturais e econômicas daquelas que se encontram envolvidos na relação jurídica processual, desde que essas diferenças possam de alguma maneira afetar o contraditório e a ampla defesa, como o próprio interesse da sociedade no resguardo da observância das normais legais, a fim de que não se ponha em risco a própria estabilidade do Estado de Direito Democrático.”86 85 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Reflexões sobre a imparcialidade do juiz. Temas de direito processual. 7. sér. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 2930. 86 SOUZA, Artur Cesar de. A parcialidade positiva do juiz. Revista de Processo, n. 183, p. 64-65, maio 2010.

Quando o juiz, portanto, toma iniciativas para suprir deficiências ou omissões técnicas comprometedoras do bom resultado visado pelo processo justo, não pode, só por isto, ser acoimado de parcial, já que o impele um objetivo maior, qual seja, a realização, em concreto, da ordem jurídica. Nesse sentido, “a aceitação da tese de que o juiz imparcial não se confunde com o juiz indiferente é de fundamental importância para se reconhecer nos poderes atribuídos aos juízes um mecanismo apto a diminuir as diferenças existentes entre as partes”87. É à luz desse enfoque que há de ser interpretado o dever imposto ao juiz de “velar pelo efetivo contraditório”, constante do art. 7º do Projeto de novo Código de Processo Civil aprovado pelo Senado Federal. h) Compromisso com a celeridade e a economia processuais “As partes e seus procuradores têm o dever de contribuir para a rápida solução da lide, colaborando com o juiz para a identificação das questões de fato e de direito e abstendo-se de provocar incidentes desnecessários e procrastinatórios.” (art. 8º) Ressalta o dispositivo o caráter de cooperação que deve presidir a atuação de todos os sujeitos do processo, de modo que a resolução da lide seja, afinal, fruto do esforço conjugado do juiz e de todos os interessados na disputa judicial. Se ativamente as partes têm o direito e o poder de influir no preparo do processo para alcançar um resultado justo para a demanda, cabe também a elas o dever e a responsabilidade de fazer com que a marcha processual se desenvolva com transparência e fluidez. A garantia constitucional de que o processo tenha uma duração razoável se desenvolva orientado por meios que assegurem a celeridade de sua tramitação (CF, art. 5º, LXXVIII), é a justificativa para o enunciado constante do art. 8º do Projeto. i) Garantia do contraditório “Não se proferirá sentença ou decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida, salvo se se tratar de medida de urgência ou concedida a fim de evitar o perecimento de direito.” (art. 9º) Seja o processo visto como uma relação processual ou como uma situação ou uma instituição jurídica, o certo é que o núcleo (elemento essencial) de sua caracterização se localiza no contraditório. Ninguém 87 RABELLO, Bruno Resende. Op. cit., p. 117.

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que ao órgão judicial não é lícito preferir a vitória do autor ou a do réu, e menos que tudo atuar de modo a favorecê-la, por motivos relacionados com traços e circunstâncias pessoais de um ou de outro [...]. Repito, porém: ao juiz não é apenas lícito preferir a vitória da parte que esteja com a razão, seja ela qual for, senão que lhe cumpre fazer tudo que puder para que a isso realmente se chegue – inclusive, se houver necessidade, pondo mãos à obra para descobrir elementos que lhe permitam reconstituir, com a maior exatidão possível, os fatos que deram nascimento ao litígio, pouco importando que, afinal, sua descoberta aproveite a um ou

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pode, em princípio, ser privado da liberdade ou de seus bens, sem que lhe seja assegurada a oportunidade prévia de defesa (CF, art. 5º, LV). O contraditório, aliás, assume na ordem constitucional, uma dimensão que transcende o processo judicial. Na verdade, qualquer que seja o procedimento desenvolvido pela Administração Pública que tenha por objetivo invadir a esfera jurídica dos particulares, somente será válido se assegurado o contraditório ao interessado, como deixa claro o inciso LV do art. 5º da Constituição. A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal não exclui nem mesmo os procedimentos privados da sujeição ao contraditório, em situação como as de decisões de gestores ou assembleias de corporações civis ou mercantis que decidam em detrimento de bens e direitos dos associados88.

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O contraditório, para a Constituição, vai além de uma garantia instrumental da atividade jurisdicional. Assume um sentido amplo de defesa material do direito de propriedade e de todas as figuras obrigacionais formadoras do patrimônio individual, que em seu conjunto dão à propriedade uma dimensão de universalidade econômica, sobre a qual recai toda a proteção que a Constituição destina ao direito de propriedade. Portanto, qualquer que seja o procedimento instaurado para negar ou suprir direitos patrimoniais de alguém, somente produzirá resultado eficaz se observado o prévio contraditório e a ampla defesa.

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88 “Os princípios constitucionais como limites à autonomia privada das associações. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais” (STF, 2ª T., RE 201819/RJ, Rel. p/o Ac. Min. Gilmar Mendes, Ac. 11.10.2005, DJU 27.10.2006, p. 64)

Quanto às medidas de urgência, de que são exemplo as cautelares e as antecipatórias de tutela, seu deferimento inaudita altera parte não contradiz a garantia do contraditório, por dupla razão: (i) não são fruto de decisões definitivas, mas provisórias, as quais, após o contraditório podem ser imediatamente cassadas ou reformadas; e (ii) sua existência se explica por um critério de proporcionalidade: o contraditório existe para assegurar o pleno acesso à justiça; mas se é esse acesso que corre o risco de se frustrar pela dilação que o prévio contraditório acarretaria, o que se impõe, primeiro, é manter o acesso à justiça, por meio da medida de urgência, para, em seguida, aplicar o contraditório. A operação é típica do mecanismo da proporcionalidade entre os diversos princípios constitucionais. Sem que um anule o outro, o de maior peso e adequação nas circunstâncias do caso concreto incide com preferência. Mais tarde, dá-se aplicação também àquele que de início foi protelado. Assim, a seu tempo, ambos os princípios incidem, obedecido apenas uma sucessão e um escalonamento no tempo para viabilizar, afinal, a observância de ambos. Preservam-se os dois princípios, apenas com o diferimento momentâneo de um deles. j) Garantia de não surpresa “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidades de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual tenha que decidir de ofício.” (art. 10) Na visão do processo armado para uma justa composição do litígio, o contraditório assume proporções maiores do que o da audiência bilateral das partes. O caráter dialético do debate processual não mais se restringe às partes. Todos os sujeitos do processo estão submetidos à dinâmica do contraditório, inclusive, portanto, o juiz. O julgador detém poder para soberanamente emitir o provimento final que pacificará o litígio, mas não poderá fazê-lo senão depois de respeitado o debate exigido pelo sistema do contraditório. O art. 10 do Projeto consagra um dos modernos aspectos do contraditório efetivo, que vem a ser a garantia de não surpresa, por força do qual ao juiz é vedado decidir as questões suscitadas no processo, adotando fundamento ainda não debatido com as partes, mesmo que se trate de matéria passível de apreciação de ofício.


A nova concepção do contraditório originou-se no direito constitucional alemão e foi recepcionada, entre outros, pela França e Portugal, sempre como “garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”90. É por isso que, salvo exceção expressa de lei, como se passa, v.g., com as tutelas de urgência, nenhuma questão se decide no curso do processo, sem prévia oportunidade de discussão das partes. Na verdade, “o escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo”91. k) Fundamentação das decisões judiciais 89 FERREIRA DE ALMEIDA, Francisco Manuel Lucas. Direito processual civil. Coimbra: Almedina, v. I, n. 24, 2010. p. 248. 90 FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 2006. p. 108. 91 FREITAS, José Lebre de. Op. cit., p. 109. Nessa nova dimensão do contraditório, os litigantes têm não só o direito de audiência bilateral, mas também o “direito a que o provimento não se fundamente em elementos subtraídos ao debate” (RABELLO, Bruno Resende. Op. cit., p. 71).

“Todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.” (art. 11) O dever do juiz de fundamentar todas as suas decisões (e não apenas as sentenças) é um consectário do devido processo legal e, especialmente, da garantia do contraditório, entendida como direito de influir efetivamente no desenvolvimento do processo e na formação do provimento judicial. Para cumprir esse mandamento constitucional (CF, art. 93, IX), cabe ao juiz levar em conta os argumentos de defesa das partes, dando resposta adequada àqueles que acaso sejam desacolhidos, na fundamentação do ato decisório. Como se acha assentado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, “a fundamentação dos atos decisórios qualifica-se como pressuposto constitucional de validade e eficácia das decisões emanadas do Poder Judiciário. A inobservância do dever imposto pela CF, art. 93, IX, precisamente por traduzir grave transgressão de natureza constitucional, afeta a legitimidade jurídica da decisão e gera, de maneira irremissível, a conseqüente nulidade do pronunciamento judicial”92. l) Ordem de submissão dos processos a julgamento “Os juízes deverão proferir sentença e os Tribunais deverão decidir os recursos obedecendo à ordem cronológica de conclusão.” (art. 12, caput) § 1º A lista de processos aptos a julgamento deverá ser permanentemente disponibilizada em cartório, para consulta pública. § 2º Estão excluídos da regra do caput: I – as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido; II – o julgamento de processos em bloco para aplicação da tese jurídica firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em recurso repetitivo; III – a apreciação de pedido de efeito suspensivo ou de antecipação de tutela; 92 STF, 2ª T., HC 80.892/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, Ac. 16.10.2001, DJU 23.11.2007, p. 113. NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição federal comentada. 2. ed. São Paulo: RT, 2009. p. 458.

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A regra que vigora em diversos países europeus tem matriz constitucional, enquanto integradora e informadora do princípio do Estado de Direito Democrático e do acesso à justiça e aos Tribunais. “A afirmação da estrutura dialética e polêmica do processo – reconhece a doutrina portuguesa – resulta precisamente da ponderação pelo Tribunal dos elementos trazidos ao debate por cada uma das partes, em tal traduzindo ‘a matriz do princípio e a sua funcionalidade’ [...]” O princípio deve ser observado e feito cumprir, não só em cada questão concretamente suscitada, como também em qualquer das diversas fases do processo, não devendo (e não podendo), por isso, o juiz decidir qualquer questão (de direito ou de facto), ainda que de reconhecimento oficioso, sem que as partes hajam tido ensejo de sobre elas se pronunciaram”89.

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IV – o julgamento de recursos repetitivos ou de incidente de resolução de demandas repetitivas; V – as preferências legais.” A regra tem como escopo evitar tratamento privilegiado entre litigantes, instituindo um escalonamento cronológico obrigatório para julgamento das causas e recursos, segundo a ordem de conclusão dos processos para decisão. Para que o tratamento igualitário seja controlável pelos interessados e pelo público, haverá uma lista dos processos em condição de julgamento, permanentemente disponibilizada em cartório. Naturalmente existem situações em que a ordem cronológica de conclusões não poderá prevalecer, seja em razão da urgência da medida a apreciar, seja em razão da singeleza do ato decisório, seja de preferências especiais criadas em lei, como, v.g., a dos idosos e enfermos.

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9 CRÍTICA AO MODELO DO CÓDIGO PROJETADO

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O projeto, sem dúvida, é fiel ao pensamento que há duas décadas vem impulsionando as reformas paulatinas do Código de Processo Civil de 1973, cuja linha básica é a do instrumentalismo e da efetividade da prestação jurisdicional, no que toca à aproximação e intimidade entre o direito material e o direito processual, dando realce, cada vez maior, à presença e proeminência dos princípios e valores constitucionais, tanto na estrutura procedimental como nos provimentos substanciais dos órgãos judiciais. No comprometer o processo com as normas constitucionais traçadas para configurar o acesso à justiça, como direito fundamental, e o devido processo legal como instrumento indispensável desse acesso, o processo civil contemporâneo se imantou de propósitos éticos, políticos e sociais, que anteriormente à visão instrumentalista não se manifestavam significativamente. Não obstante a grandeza desses ganhos, vozes minoritárias se ergueram para qualificar o modelo instrumentalista como autoritário e incompatível com a democracia participativa visu-

alizada pelo constitucionalismo de nosso tempo. A censura se volta contra o acréscimo de poderes que o direito processual brasileiro vem conferindo aos juízes93. A crítica, porém, não tem razão de ser. O acréscimo de poderes do juiz se deu justamente para combater os efeitos do liberalismo vigente no século XIX, que fazia do Magistrado mero expectador do debate judiciário, indiferente às forças desiguais dos contendores e aos aspectos éticos que pudessem se fazer presentes no litígio e, principalmente, na forma de solucioná-los. O instrumentalismo, que não foi invenção brasileira, mas que teve raízes no direito europeu, mormente na doutrina italiana, foi justamente o guia condutor da jurisdição para o que, em seguida, viria ser a constitucionalização do processo em padrões condizentes com o moderno Estado Democrático de Direito. O reforço dos poderes do juiz representou medida indispensável nessa quadra, e não se deu com anulação do papel das partes. Pelo contrário, na medida em que se reforçavam os poderes do juiz, maior era a força dos litigantes de exigir que tais poderes fossem atuados rumo à efetividade da tutela disponibilizada, e maior era a responsabilidade dos juízes pelo emprego de seus poderes, que eram vistos como poderes-deveres (função) e não como poderes facultativos ou discricionários. O equilíbrio entre os papéis das partes e do juiz restou delineado, no direito processual, em consonância com a Constituição, em garantias renovadas como a do moderno contraditório – que 93 SOUZA, Henrique Yukio Pereira de. A presunção judicial no Estado Democrático de Direito: uma análise crítica do artigo 335 do Código de Processo Civil. Revista Brasileira de Direito Processual, n. 72, p. 113-115. COSTA, Alexandre Araújo; COSTA, Henrique Araújo. Instrumentalismo x Neoinstitucionalismo: uma avaliação das críticas neoinstitucionalistas à teoria da instrumentalidade do processo. Revista Brasileira de Direito Processual, n. 72, p. 127-140.


Como, então, considerar antidemocrático um projeto processual que cumula as partes com tantos e tão vastos poderes de controle sobre a legitimidade dos julgamentos? O mais ferrenho detrator do modelo processual fundado na instrumentalidade, em cujo padrão se forjou a doutrina italiana e que mereceu acolhida pela quase unanimidade dos processualistas brasileiros, advoga para o processo a categoria de uma “instituição constitucionalizada essencial à democracia”. O “procedimento” que lhe corresponde haveria de ter como “traço distintivo” em relação ao gênero a “participação, em conjunto, dos destinatários do provimento na atividade preparatória deste”. Para que esse procedimento democrático realmente fosse implantado, os interessados no ato estatal teriam de participar de “sua construção de uma forma especial ― em contraditório entre eles ―, vez que seus interesses em relação ao ato final do procedimento são opostos”. O contraditório, assim imaginado deixaria de ser compreendido como “mera bilateralidade de audiência (uma possibilidade de se informar e de reagir a partir de informações recebidas), para ser entendido como simétrica paridade de participação dos destinatários na atividade preparatória do ato estatal, sendo que essa participação tem de ser levada em consideração pelo juiz no momento da decisão”94. 94 Teoria defendida por Rosemiro Pereira Leal (Teoria geral do processo. 5. ed. São Paulo: Thomson/IOB, 2004. Apud SOUZA, Henrique Yukio Pereira de. Op. cit., p. 113; citado também em COSTA, Alexandre Araújo; COSTA, Henrique Araújo. Instrumentalismo x Neoinstitucionalismo. Op.

Ora, essa visão apelidada de neoinstitucionalista se resume em reclamar que todos os atos estatais, e pois também os processuais possam ser “fiscalizados, criticados e construídos a partir de uma participação dialógico-processual de todos os cidadãos”95. Isso, porém, é justamente o que a moderna visão do contraditório efetivo produz na geração do provimento jurisdicional. Se o Projeto consagra esse contraditório efetivo, que vincula não só as partes como o próprio juiz (princípio da não surpresa e da obrigatoriedade de fundamentação das decisões), não há como estigmatizá-lo com a pecha de autoritário e antidemocrático.

10 PROCESSO JUSTO, SEGURANÇA E JUSTIÇA O processo justo conducente a julgamento ético inspirado nos princípios constitucionais suscita esperanças e apreensões. Se se tem um juiz que domina, com amplitude, o sistema jurídico, e que compreende a função otimizadora dos princípios, pode-se confiar em julgamentos mais justos, mais humanos, mais rentes ao drama do caso concreto. Mas, se o julgador compreende julgamento equitativo como aquele que não leva na devida conta as normas legisladas e que atende apenas ao seu conceito ético pessoal, o risco de graves comprometimentos aos princípios da legalidade e da segurança jurídica é evidente. Reconhece-se uma criatividade presente na formulação da norma do caso concreto por obra do juiz. Mas não pode ele esquecer-se de que o Estado Democrático é também, e acima de tudo, um Estado de Direito, no qual o poder de normatização cabe ao legislador e não aos juízes. Portanto, o limite de criação, no juízo de ponderação, não é tão largo que possa ignorar as regras legisladas. A lei positiva é o ponto de partida para o cit, p. 136-138). 95 LEAL, Rosemiro Pereira. Op. cit., p. 96. Apud SOUZA. Op. cit., p.115.

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deixou de assegurar apenas a audiência bilateral dos contendores, para dotá-los de efetivo poder de participar da formação de todos os provimentos judiciários –, e da fundamentação obrigatória de todas as decisões, que não podendo representar surpresa para as partes, força o juiz a não enfrentar questão alguma mediante fundamento que antes não tivesse passado pelo crivo do debate com os interessados na resolução judicial.

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estabelecimento da norma concreta da sentença. A justiça do caso concreto tem de respeitar a justiça contida na norma ditada pelo poder legisferante. Uma lei somente pode ser recusada pelo juiz se evidentemente se apresentar como inconstitucional, já que, com essa mácula, não será válida.

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Existindo, então, lei válida, o juízo de equidade lastreado nos princípios constitucionais tem de ser exercido com cautela e adequação, visando apenas à interpretá-la da forma que melhor corresponda à sua necessária harmonização com a ordem constitucional. Os valores e interesses em jogo no caso concreto hão de ser ponderados para, dialeticamente, encontrar-se a otimização da lei aplicável à espécie. Criar ex novo uma regra diversa, contrária à do legislador, é obra que não se comporta na área de atuação da justiça.

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Não se esqueça nunca o juiz de que está a serviço de um povo que confia na segurança jurídica própria do Estado de Direito, valor fundamental que a Constituição coloca ao lado da justiça, para que ambos configurem, conjugadamente, os pilares de nossa República. É sobre esse suporte que também se terá de construir o processo justo, em que os princípios éticos desempenham papel relevante, mas sem comprometimento da ordem jurídica estabelecida pelo Poder político competente. Humanize-se o julgamento, mas não se substitua a norma legal pela vontade arbitrária do julgador. Para Canotilho, impende ressaltar que a submissão ao princípio de segurança jurídica não é exclusiva do legislador, mas cabe a todos os detentores do Poder Público. Tanto a Administração como a justiça (especialmente esta) desempenham relevante papel na preservação da segurança jurídica, de sorte que suas decisões não podem aplicar as leis novas segundo interpretações ofensivas aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade e com quebra da confiança incutida aos agentes dos atos

jurídicos, quanto aos efeitos normais esperados, segundo as normas e interpretações vigentes ao tempo de sua prática.96

Enfim, e conforme já defendemos em sede de doutrina, O juiz, no Estado Democrático de Direito, está obrigado a decidir aplicando as regras (leis) e os princípios gerais consagrados pela Constituição. Mas não pode ignorar a lei para decidir somente em função dos princípios. A influência das regras é diferente da influência dos princípios, quando se trata de submeter o conflito à solução processual: (i) os princípios também funcionam como normas, mas são primariamente complementares e preliminarmente parciais, isto é, abrangem “apenas parte dos aspectos relevantes para uma tomada de decisão” e, portanto, “não têm a pretensão de gerar uma solução específica, mas de contribuir, ao lado de outras razões, para a tomada de decisão; (ii) “já as regras [leis propriamente ditas] consistem em normas preliminarmente decisivas e abarcantes”, no sentido de abranger todos os aspectos relevantes para a tomada de decisão. Seu papel não é complementar, é principal e imediato, revelando a pretensão de gerar uma solução específica para determinado conflito.97 É por isso que o julgamento da causa não pode provir apenas da invocação de um princípio geral, ainda que de fonte constitucional. Somente na lacuna da lei o juiz estará autorizado a assim decidir. Havendo regra legal pertinente ao caso, será por meio dela que o decisório haverá de ser constituído. Os princípios constitucionais nem por isso deixarão de ser observados. Isto, entretanto, se dará pela via da complementariedade, no plano da interpretação e adequação da lei às peculiaridades do caso concreto, de modo a fazer com que a incidência da regra se dê da forma mais justa possível, vale dizer: de maneira que a compreensão da regra seja aquela que mais se afeiçoe aos princípios constitucionais.98 96 Deduz-se já que “os postulados de segurança jurídica e de proteção da confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder – legislativo, executivo e judicial” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, p. 256). 97 AVILA, Humberto. Op. cit., n. 2.4.2.3, p. 76-77. 98 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 51. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, n. 22-a, 2010. p. 30-31.


CONCLUSÕES O projeto de novo Código de Processo Civil para o Brasil adota um modelo que se afirma com os princípios constitucionais relativos ao acesso efetivo à justiça. Mantém-se fiel ao padrão europeu de instrumentalidade segundo o qual, no Velho Mundo, se vem plasmando o processo justo, que é aquele que não só se ocupa da legalidade, mas também da eticidade valorizada pelo moderno Estado Democrático de Direito. As críticas que se fazem ao modelo que tem prevalecido no esforço modernizante de nosso direito processual prendem-se a sectarismos filosóficos e não anulam os méritos do projeto.

Se ainda hoje ocorrem abusos e autoritarismo no comando de alguns processos, não é o sistema normativo que os provoca. É, isso sim, a insurreição contra o regime legal, praticada por despreparo ou desvio de poder, ocorrências patológicas que não se consegue evitar totalmente qualquer que seja o modelo procedimental eleito. Contra tais práticas ilícitas, a lei processual se ergue, mediante vários antídotos, como o do contraditório efetivo, a obrigatoriedade da fundamentação de todas as decisões, o duplo grau de jurisdição, a rescindibilidade das sentenças ilegais, a responsabilidade civil e disciplinar dos juízes, entre tantos outros expedientes preventivos e corretivos. O certo, porém, é que desvios e deficiências no exercício da jurisdição não se eliminam com leis, mas com aprimoramento da gestão do Poder Judiciário. De nada vale criar-se legislativamente um procedimento democrático e justo, se os encarregados de sua aplicação não são preparados para sua adequada aplicação e se os organismos de atuação não são equipados com os recursos humanos e tecnológicos indispensáveis. Portanto, é importante ressaltar que, a par do novo Código, haverá de ser incrementada uma política de gestão da justiça voltada para o aprimoramento tanto dos serviços judiciais como dos agentes responsáveis pela efetivação do processo justo.

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Em suma, o processo justo conquistado pelo Estado Democrático de Direito recorre aos princípios constitucionais não para afastar as regras legais, mas para otimizá-las em sua concretização judicial, iluminando-as com os valores presentes nos direitos fundamentais.

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Doutrina

O Fundamento OntoAntropológico do Direito Penal em Face da Sociedade Brasileira Contemporânea BRUNO TADEU BUONICORE Mestrando em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Especialista em Ciências Penais pela mesma Instituição, Bolsista Capes, Advogado.

RESUMO: O presente artigo científico pretende desenvolver uma breve reflexão acerca do papel da dogmática jurídico-penal no âmbito da ciência conjunta do direito penal, sobretudo no caso brasileiro. Para tanto, busca-se contrapor à perspectiva funcionalista do direito penal, de matriz sociológica, a fundamentação onto-antropológica do direito penal, orientada pelas construções filosóficas de Heidegger. Sustenta-se, por fim, que a perspectiva onto-antropológica pode ser capaz de resgatar a dimensão de legitimidade e limite da intervenção criminal no Estado Democrático de Direito. PALAVRAS-CHAVE: Dogmática penal; política criminal; fundamentação onto-antropológica. SUMÁRIO: 1 Desafios da dogmática penal na sociedade brasileira contemporânea; 2 O fundamento onto-antropológico como limite axiológico e substrato material legitimador do direito penal; 3 Breves conclusões; Referências.

1 DESAFIOS DA DOGMÁTICA PENAL NA SOCIEDADE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA O idiossincrático momento histórico que compartilhamos, a par das mais diversas tentativas discursivas de absorção de sua complexidade revela, sem dúvidas, uma ruptura de sentidos1. A compreensão das múltiplas variáveis que compõe o complexo caleidoscópio das estruturas sociais que nos circunda apresenta diversas perspectivas de análise. No entanto, o fenômeno invariavelmente acaba por ser descrito por adjetivos como sociedade contemporânea, sociedade complexa, sociedade do risco, sociedade da informação, sociedade do consumo, modernidade líquida, pós-modernidade, modernidade tardia, etc.2 Se existe um consenso em face desta vasta gama de adjetivos e perspectivas é o de que estamos, de fato, às portas de uma nova era, uma nova disposição das relações humanas que nos levará para além da modernidade, uma nova forma social que sugere mais do que um estado de coisas precedentes, um verdadeiro encerramento de algo3. Tão importante quanto o estudo do que está a se mover, entretanto, é a própria percepção do movimento. 1 Sobre a análise do discurso da modernidade e sua eventual ruptura de sentido, nos dias atuais, sugere-se: SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2007; BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1995; MORIN, Edgard. Complexidade e liberdade. In: MORIN, Edgard; PRIGOGINE, Ilya (Org.). A sociedade em busca de valores. Lisboa: Instituto Piaget, 2000; GAUER, Ruth. O reino da estupidez e o reino da razão. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006; GAUER, Ruth. A fundação da norma: para além da racionalidade histórica. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2011. 2 D’AVILA, Fabio Roberto. Liberdade e segurança em direito penal: o problema da expansão da intervenção penal. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, v. 11, n. 71, p. 45, 2012. 3 GIDDENS, Anthony. As conseqUências da modernidade. São Paulo: Editora UNESP, 1991. p. 11.


Levando em consideração que a construção do entendimento do que está a se mover e a percepção do próprio movimento se entrelaçam e que a percepção do movimento ilumina o estudo do que está, enfim, a se mover, busca-se compreender a qualidade desta mudança, o seu conteúdo. A presença de elementos como a urbanização, a eletrificação, a informatização e a motorização tem transformado não só a estrutura da sociedade, mas também a própria consciência humana7, ao passo em que o homem redescobre, hoje, que o futuro é totalmente incerto, não só após a morte, mas durante a própria vida8. De fato, o advento da tecnologia desempenha um papel central na construção de uma nova disposição das estruturas sociais. A

4 BERGSON, Henri. O pensamento e o movente. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 150-151. 5 Idem, p.150. 6 Idem, p.150. 7 Idem, p.150. 8 Nas palavras de Edgard Morin: “[...] o homem redescobre hoje que o futuro não é previsível, nem está escrito, mas é profundamente incerto. A incerteza não se refere apenas ao que se passa depois da morte, mas sobre o período da própria vida. Atinge tanto os indivíduos como as cidades e as organizações” (MORIN, Edgard. A sociedade em busca de valores. Org. Edgard Morin e Ilya Prigogine. Lisboa: Instituto Piaget, 2000. p. 11).

penetração do saber tecnológico, nas mais diversas searas do tecido social, contribui, sobremaneira, para o desenvolvimento cada vez mais acentuado da sensação de incerteza, insegurança e risco que traduzem a qualidade de nosso momento histórico. O advento da tecnologia, sem dúvidas, diz muito sobre a atual conjectura da vida do homem em sociedade9. Por estas razões, à medida que as forças produtivas tecnológicas alcançam níveis extraordinários, este processo libera uma infinidade de riscos e autoameaças em uma escala que por nós nunca fora experimentada10. O fato é que diante da possibilidade do dano absoluto, da autodestruição, o homem passa a nutrir uma relação muito íntima com o risco, com o perigo11. Em face desta permanente sensação de perigo difuso que invade nossa vida em sociedade, fruto direto do incremento da complexidade das relações humanas, novas formas de conflitos e expectativas normativas desenvolvem-se e ao direito penal é demandado novos modos de intervenção12. Sendo assim, estas

9 Nas palavras de Albert Borgmann: “Se o aumento da tecnologia tem sido, como eu tenho afirmado, o evento mais importante do período moderno, então o tipo de atenção pública que ela tem recebido deve nos dizer algo importante sobre a qualidade da nossa vida social e política” (tradução nossa). Texto in verbis: “If the rise of technology has been, as I have claimed, the most significant event of the modern period, then the kind of public attention it has received must tell us something important about the quality of our social and political life” (BORGMANN, Albert. Technology and the character of contemporary life. A philosophical inquiry. Chicago: The University of Chicago Press, 1984. p. 78). 10 BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo. Barcelona: Paidós, 1998. p. 25-30. 11 FARIA COSTA, José Francisco de. O perigo em direito penal: contributo para a sua fundamentação e compreensão dogmáticas. Coimbra: Coimbra, 2000. p. 357. 12 LEMOS JÚNIOR, Artur Pinto de. O direito penal secundário e a ampliação

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Via de regra, olhamos a mudança, mas não a percebemos, falamos da mudança, mas não pensamos nela, raciocinamos e filosofamos sobre a mudança, mas agimos como se ela não existisse4. A compreensão da transição, ou da mudança, provoca inegavelmente grande impacto na reação de nossa inteligência, nossa sensibilidade e de nossa vontade sobre as coisas5. Na inspiração de Bergson: “Caso estivéssemos convencidos da realidade da mudança, e nos esforçássemos para resgatá-la, tudo se simplificaria”6.

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novas modalidades de ilicitude entram em conflito direto com a dogmática penal clássica13. A partir disto, é indiscutível que o incremento da complexidade social desdobra-se, na dogmática penal, em nódulos problemáticos de alta dificuldade14.

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Trata-se do binômio paradoxal do direito penal contemporâneo: expansão15 versus crise de fundamentos. Este binômio parece ser o melhor retrato da atual situação do direito penal. Este fenômeno, no entanto, apresenta-se entre nós brasileiros de forma muito particular. O fato é que vivemos, aqui, um especí-

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do conceito de autor. In: D’AVILA, Fabio Roberto; SPORLEDER, Paulo Vinícius. Direito penal secundário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 282. 13 SANZ DE OLIVEIRA E SILVA, Eduardo. O princípio da subsidiariedade e a expansão do direito penal econômico. In: D’AVILA, Fabio Roberto; SPORLEDER, Paulo Vinícius. Direito penal secundário. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 196. 14 Nas palavras de Fabio D’Avila, in verbis: “[...] indiscutível é o incremento da complexidade das relações sociais, inaugurando novos espaços de interesse jurídico-penal e pontos de alto nível de problematicidade, nem sempre facilmente tratados pelos instrumentos até então desenvolvidos pela ciência do direito penal” (D’AVILA, Fabio Roberto. O direito e a legislação penal brasileiros no século XXI: entre a normatividade e a política criminal. In: GAUER, Ruth. Criminologia e sistemas jurídico-penais contemporâneos. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2012. p. 261). 15 Sobre a expansão do direito penal na contemporaneidade, entre outros, ver: SÁNCHEZ, Jesús Maria Silva. La expansión del derecho penal. Aspectos de la política criminal em las sociedades post industriales. Madri: Civitas Ediciones, 1999. p. 25 e ss., 103 e ss.; PUCCI, Rafael Diniz. Responsabilização penal na sociedade de risco. In: SILVA, Luciano Nascimento. Estudos jurídicos criminais. Curitiba: Juruá, 2008. p. 41; MACHADO, Marta Rodriguez de Assis et al. Sociedade de risco e direito penal: uma avaliação de novas tendências político-criminais. Monografias IBCCrim; 34. São Paulo: IBCCrim, 2005. p. 190; SCHÜNEMANN, Bernard et al. Consideraciones críticas sobre la situación espiritual de la ciencia jurídico-penal alemana. Trad. Manuel Cancio Meliá. Coleccion de Estúdios, n. 7. Bogotá, Colômbia: Departamento de Publicaciones de la Universidad Externado de Colômbia, 1998. p. 16 e ss.

fico cenário em que miséria, fome, insegurança e desamparo encontram um populismo penal sui generis e uma disposição fática dos direitos fundamentais, ainda, em estado de maturação. Estas variantes da equação brasileira tornam as coisas do direito penal muito mais delicadas aqui. No Brasil, direitos fundamentais e garantias individuais encontram-se em permanente tensão com uma política criminal tendente ao populismo16. Por estar a própria democratização do Estado brasileiro, ainda, em faze embrionária, é comum a utilização do sistema penal como resposta imediata aos anseios de uma população carente e com medo, muitas vezes passando por cima das mais caras garantias fundamentais17. A própria base antropológico-social da sociedade brasileira, por si só, já dificulta a compreensão e a internalização das garantias individuais que emanam da matriz iluminista europeia. Na perspectiva do antropólogo brasileiro Damatta, o patriarcalismo, o paternalismo, o patrimonialismo e o coronelismo sob os quais se fundou a estrutura social brasileira impediram e continuam a impedir uma adequada absorção, pelos brasileiros, das máximas éticas sobre as quais repousam o direito moderno18. Soma-se a esta construção antropológico-social uma profunda desigual16 D’AVILA, Fabio Roberto. Liberdade e segurança em direito penal: o problema da expansão da intervenção penal. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, v. 11, n. 71, p. 91-93, 2012. 17 Sobre o papel simbólico do direito penal, ver: GARLAND, David. The Culture of Control: Crime and Social Order in Contemporary Society. Chicago: University of Chicago Press, 2002. p. 167 e ss. Sobre o poder simbólico das instituições estatais, ver: BOURDIEU, Pierre. Language and Symbolic Power. Malden: Polity Press, 2005. p. 105 e ss. Especificamente no que toca ao caso brasileiro, ver: WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. p. 209-210. 18 DAMATTA, Roberto. A casa & a rua. Rio de Janeiro, 1997. p. 19 e ss. Neste sentido, também: BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Raízes do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade, 1963. p. 153 e ss.


de um direito penal máximo, elaboradas em nome de interesses políticos ligados a uma população desamparada que clama, incessantemente, por justiça. Trata-se de uma devastadora força da política criminal que não encontra anteparo digno em uma normatividade penal que parece deixar-se levar pela sedução do consenso23.

Em verdade, a barbárie difusa presente na sociedade brasileira, hoje, é tão significativa que “podemos dizer que a violência é um elemento estrutural, intrínseco ao fato social, e não o resto anacrônico de uma ordem bárbara em vias de extinção”21. A máquina punitiva estatal, entretanto, em uma tentativa de apaziguar os espíritos inseguros, chega tarde demais e se distorce como uma desfiguração imposta pelo grande aparato jurídico todo-poderoso ao fraco violentado, tornando-se este último mesquinho, bruto e miserável22.

Considerando esta disposição complexa das relações sociais que circundam o sistema penal pátrio, onde diversas dimensões de conflito humano coexistem, deve o direito penal zelar pelos direitos e pelas garantias individuais, pelo equilíbrio e pela racionalidade da intervenção criminal24. Neste preciso sentido, “existem duas formas de pensar o direito penal. Ou se parte das conseqüências da norma penal, da pena, ou se parte do objeto da norma, do ilícito”25. A posição a ser adotada na relação entre normatividade penal e política criminal determinará o locus norteador dos valores a iluminar a dita racionalidade da intervenção penal. Do mesmo modo, esta posição implicará toda uma forma particular de perceber e compreender o direito penal26.

Dada esta característica do idiossincrático tecido social brasileiro, na sua interface com o sistema penal aqui presente, tem-se observado, principalmente nas últimas décadas, uma grande quantidade de disposições estatais, tanto no tocante à criminalização primária quanto à secundária, que ignoram completamente as garantias fundamentais. Disposições estas típicas 19 A expressão aqui utilizada trabalha com a ideia de anomia no sentido durkheimniano de ausência de uma solidariedade mínima presente no seio social, implicando na desintegração da vida comunitária. Sobre isto, ver: DURKHEIM, Emile. The division of labor in society. New York: The Free Press, 1984. p. 212. 20 Existe uma infinidade de obras relacionando mídia e sistema penal, como exemplo, sugere-se: GLOECKNER, Ricardo. Razões do populismo. Revista Jurídica, n. 402, p. 67 e ss., 2011. 21 GAUER, Ruth. Alguns aspectos da fenomenologia da violência. In: GAUER, Ruth; SAAVERDRA, Giovani; GAUER, Gabriel. Memória, punição e justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 74-92. 22 Idem, p. 74-92.

É possível dizer, portanto, que entre nós a dogmática penal, no âmbito da ciência conjunta do direito penal (die gesamte Strafrechtwissenschaft), encara um duplo desafio na sua relação com a política criminal. Um desafio frente ao movimento de expansão da intervenção criminal, ligado à própria estruturação da socie23 D’ÁVILA, Fabio Roberto. Ofensividade em direito penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado: 2009. p. 18 e ss.; D’AVILLA, Fabio Roberto. O direito e a legislação penal brasileiros no século XXI: entre a normatividade e a política criminal. In: GAUER, Ruth. Criminologia e sistemas jurídico-penais contemporâneos. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2012. p. 261-280. 24 D’ÁVILA, Fabio Roberto. Ofensividade em direito penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado: 2009. p. 17. 25 Idem, p. 45. 26 Idem, p. 16 e ss.

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dade econômica, aliada a uma precária estrutura estatal que acaba por culminar em um cenário de violência generalizada e brutal insegurança. Esta situação anômica19, em que se encontra a sociedade brasileira, é potencializada ainda por uma mídia oportunista que mais não faz do que fomentar o sentimento de medo, injustiça e desejo por mais direito penal20.

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dade ocidental contemporânea e um desafio diante da precariedade do Estado brasileiro, que tende a utilizar a intervenção criminal como instrumento populista. Em face deste cenário, em oposição às perspectivas funcionalistas, desenvolve-se a construção teorética da fundamentação onto-antropológico do direito penal27.

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27 Em oposição ao fundamento onto-antropológico do direito penal, temos como principais expoentes do movimento funcionalista os seguintes autores, de vertentes mais ou menos radicais: Günther Jakobs, Claus Roxin, Manuel da Costa Andrade, entre outros. O importante a ressaltar é que, ao contrário da fundamentação onto-antropológica do direito penal, a perspectiva funcionalista tem a pena como pedra angular de suas construções teóricas e não o ilícito (Unrecht). Deste modo, ao proceder as ponderações de reconhecimento de existência da categoria jurídica crime pela perspectiva de sua consequência jurídica mais elementar, a pena, incorre a teoria funcionalista, segundo D’Avila, em manifesto equívoco metodológico. Sobre o funcionalismo, indica-se as seguintes obras: AMBOS, Kai. El derecho penal frente a amenazas extremas. Madrid: Dykinson, 2007; JAKOBS, Günther. Derecho Penal: parte general: fundamentos y teoría de la imputación. Trad. Joaquin Cuello Contreras e Jose Luis Serrano Gonzalez de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997; ROXIN, Claus. Derecho penal – Parte general – Fundamentos. Trad. Diego Manuel Peña, Miguel Diaz Conlledo e Javier de Vicente Remansal. Madrid: Civitas, t. I, 1997; RAMOS, Enrique Peñaranda; GONZÁLEZ, Carlos Suárez; MELIÁ, Manuel Cancio. Um novo sistema do direito penal: considerações sobre a teoria de Günther Jakobs. Trad. André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Barueri. São Paulo: Manole, 2003; SCHMIDT, Andrei Zenkner. Considerações sobre um modelo teleológico-garantista a partir do viés funcional-normativista. In: WUNDERLICH, Alexandre. Política criminal contemporânea: criminologia, direito penal e direito processual penal. Homenagem do Departamento de Direito Penal e Processual Penal pelos 60 anos da Faculdade de Direito da PUCRS. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 87-118; D’ÁVILA, Fabio Roberto. Ofensividade em direito penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado: 2009; VILLAR DE SOUZA JÚNIOR, Carlos Miguel; ZANATTA, Airton. Do funcionalismo penal: uma breve aproximação por este “outro lado” do atlântico. In: FAYET JUNIOR, Ney. Ensaios penais em homenagem ao Professor Alberto Rufino Rodrigues de Souza. Porto Alegre, Ricardo Lenz, 2003; JAKOBS, Günther. Bürgerstrafrecht und Feindstrafrecht. HRRS 03/2004. p. 88 e ss.

2 O FUNDAMENTO ONTO-ANTROPOLÓGICO COMO LIMITE AXIOLÓGICO E SUBSTRATO MATERIAL LEGITIMADOR DO DIREITO PENAL Assumindo o desafio de contribuir para a construção de uma dogmática penal que ofereça uma normatividade axiologicamente resistente, no sentido de cumprir a dupla função legitimadora e limitadora da intervenção criminal que exige o Estado Democrático de Direito, Faria Costa, inicialmente, desenvolve o fundamento onto-antropológico do direito penal. Nas letras jurídicas pátrias, D’Avila tem tomado a frente dos estudos desta teoria, que se opõe diametralmente ao funcionalismo penal. Na concepção do autor brasileiro, as orientações de base ontológica resistem à perspectiva funcional de orientar o direito penal pela manutenção das expectativas normativas28. Partindo de um horizonte compreensivo em que o ilícito (Unrecht) assume o lugar central das projeções dogmáticas29, concebido este na ofensa a interesses objetivos, no desvalor da conduta que expressa o por-em-perigo a bens jurídicos historicamente consagrados, a base onto-antropológica do direito penal, em opo28 As palavras do autor, in verbis: “[...] partindo-se da pena criminal, encontramos as orientações funcionalistas, cuja mais forte expressão pode ser surpreendida no trabalho de Günther Jakobs - em que o direito penal é pensado a partir da manutenção das expectativas normativas juridicamente fundadas e no qual não há sequer espaço para a noção de bem jurídico-penal ou, mais especificamente, o que é o mesmo, o bem se torna a própria norma jurídica. E, em contrapartida, tomando o direito penal sob a perspectiva do ilícito (Unrecht), chegamos às orientações de base ontológica, entre as quais a fundamentação onto-antropológica de cuidado-de-perigo de Faria Costa” (D’ÁVILA, Fabio Roberto. Ofensividade em direito penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado: 2009. p. 46). 29 D’AVILA, Fabio Roberto; GRINGS MACHADO, Tomás. Primeiras linhas sobre o fundamento onto-antropológico do direito penal e sua ressonância em âmbito normativo. Revista de Estudos Criminais, Sapucaia do Sul, v. 37, p. 85, 2012.


sição às proposições funcionalistas, vai sustentar o fundamento material do crime no que ele é em si mesmo, uma perturbação à relação comunicacional matricial de cuidado-de-perigo30.

-perigo, Faria Costa nos remete à ontologia fundamental de Heidegger. Sem esta matriz teórica a proposta de construção de uma concepção existencialista de ilícito não seria possível.

Na compreensão de Faria Costa, a comunidade humana realiza-se e forma-se por meio de uma teia de cuidados, em que o cuidado individual, isto é, o cuidado do “eu” sobre si mesmo, só tem sentido se se abrir ao cuidado para com o outro, porque, também, unicamente desta maneira, unicamente nesta reciprocidade solidária, se encontra a segurança, a ausência de perigo31. Neste sentido, se por um lado a comunidade humana vive hoje um momento em que o risco, o perigo, está muito presente, “é evidente que a comunidade dos homens sempre se desenvolveu no seio de perigos, daí o cuidado, a Sorge, como uma tensão expectante de abertura e de alerta”32.

Em sua jornada pelo sentido do “Ser” (Sein), o filósofo afirma que “Ser” é o conceito mais universal e mais vazio que existe. Concebendo-o como uma evidência, entretanto, a ontologia antiga construiu a percepção do “Ser” como uma categoria imediata e indeterminada, obscurecendo, assim, a análise de seu sentido. De fato, “Ser” não pode ser concebido como um ente, não sendo possível sua definição. No entanto, isso não dispensa a busca pelo sentido do “Ser”; pelo contrário, a exige34. A proposição central da ontologia fundamental, que supera e rechaça a ontologia da coisa, cunhada no cerne da metafísica antiga, é a de que a base epistemológica que determina o ente, dentro dos fundamentos da tradicional ontologia, não pode ser aplicada ao “Ser”, já que “o ser dos entes não é, em si mesmo, outro ente”35. Assim, sustenta o filósofo que o fato de o “Ser” representar o conceito mais universal não pode significar sua nitidez; ao contrário, revela sua obscuridade36.

Ao conceber a categoria do cuidado originário (Sorge) como fundamento axiológico da intervenção criminal, em uma comunidade jurídica compreendida como sendo de cuidado-de-

30 D’AVILA, Fabio Roberto. O inimigo no direito penal contemporâneo. Algumas reflexões sobre o contributo crítico de um direito penal de base onto-antropológica. In: GAUER, Ruth. Sistema penal e violência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 99-102. 31 FARIA COSTA, José Francisco de. O perigo em direito penal: contributo para a sua fundamentação e compreensão dogmáticas. Coimbra: Coimbra, 2000. p. 319. 32 Idem, p. 320. 33 Idem, p. 321.

Sendo, portanto, o conceito de “Ser” o mais obscuro, é na bipolaridade velamento-desvelamento que Heidegger vai traçar 34 HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1967. p. 6. 35 Tradução nossa. Texto in verbis: “Das Sein des Seienden »ist« nicht selbst ein Seiendes” (HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1967. p. 6). 36 As palavras do filósofo: “[...] quando se diz, portanto: ‘ser’ é o conceito mais universal, isso não pode significar que o conceito de ser seja o mais nítido e que não necessite de qualquer questionamento posterior. Pelo contrário, o conceito de ‘Ser’ é o mais obscuro” (tradução nossa). Texto in verbis: “Wenn man demnach sagt: ‘Sein’ ist der allgemeinste Begriff, so kann das nicht heißen, er ist der klarste und aller weiteren Erörterung unbedürftig. Der Begriff des ‘Seins’ ist vielmehr der dunkelste” (HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1967. p. 2).

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Para o autor português, o que se verifica hoje nas comunidades de perigo exacerbado é uma variação de grau, mas nunca de qualidade ou de matriz essencial, esta permanece dando à comunidade jurídica o toque único de comunidade de cuidado-de-perigo. Não por outra razão a matriz relacional de cuidado-de-perigo encontra-se na base do ordenamento33.

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os caminhos da analítica existencial. A partir da análise e interpretação do Ser-aí (Dasein), o ente que somos nós, o filósofo vai buscar o desvelamento do sentido do “Ser”, já que o Ser-aí é o ente que já, sempre, compreende o “Ser”37. Em verdade, a questão sobre o sentido do “Ser” exige que se conquiste e assegure, previamente, um modo adequado de acesso ao ente38. Este ente é o Ser-aí e o modo de acesso adequado, a abertura ao “Ser”, será a analítica existencial ou fenomenologia hermenêutica, o cerne da ontologia fundamental39.

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O Ser-aí é o ente privilegiado pelo qual se dará o acesso ao “Ser”, uma vez que o ser-sendo do Ser-aí já sempre conhece e questiona o “Ser”. Na sua própria existência (Existenz), o Ser-aí se relaciona com o “Ser” e o compreende40. A essência do Ser-aí, o ente que traduz o homem, é o seu relacionamento com o “Ser”41.

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37 STEIN, Ernildo. Introdução ao pensamento de Martin Heidegger. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2011. p. 59-60. 38 HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1967. p. 7. 39 STEIN, Ernildo. Introdução ao pensamento de Martin Heidegger. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2011. p. 59 e ss. 40 HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1967. p. 6. 41 As palavras de Heidegger: “[...] Elaborar a questão do ‘Ser’ quer dizer, portanto: tornar transparente um ente um ente – que questiona – em seu ser. O questionar dessa questão, como modo de ser de um ente, se acha essencialmente determinado pelo que nela se questiona – pelo ser. Esse ente, que cada um de nós mesmos sempre somos e que, entre outras coisas, possui em seu ser a possibilidade de questionar, determinamos com o termo Ser-aí” (tradução nossa). Texto in verbis: “Ausarbeitung der Seinsfrage besagt demnach: Durchsichtigmachen eines Seienden – des fragenden – in seinem Sein. Das Fragen dieser Frage ist als Seinsmodus eines Seienden selbst von dem her wesenhaft bestimmt, wonach in ihm gefragt ist – vom Sein. Dieses Seiende, das wir selbst je sind und das unter anderem die Seinsmöglichkeit des Fragens hat, fassen wir terminologisch als Dasein” (HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1967. p. 7).

Segundo o filósofo, o Ser-aí, este ente que somos nós, possui uma dupla primazia sobre todos os outros entes. A primeira é a primazia ôntica, já que o ser-sendo do Ser-aí é determinado pela sua relação com o “Ser”. A segunda é a primazia ontológica, já que o que determina essa relação é o próprio “Ser”42. Por esse motivo, “o Ser-aí deve ser, antes de qualquer outro ente, o primeiro a ser ontologicamente interrogado”43. Partindo desta interrogação, o Ser-aí, enquanto ser-no-mundo (in-the-welt-sein) e ser-com os outros Ser-aí (Mitsein), tem, segundo o filósofo, o modo básico de ser do cuidado (Sorge), para com as coisas mundanas (Besorgen) e para com os outros Ser-aí (Fürsorge)44. Assim como o Ser-aí constitui o mundo, o outro Ser-aí também constitui o mundo. A co-constituição do mundo liga os diversos Ser-aí entre si. Eu sou ser-com outra existência, mas o outro é ser-com minha existência. Estou ligado enquanto ser-no-mundo com os outros ser-no-mundo. Só me é possível existir como Ser-aí porque sou com outros existentes45. Não por acaso o cuidado originário desdobra-se no cuidado-para-com-o-outro46. Neste desiderato, a totalidade existencial da estrutura ontológica do Ser-aí se revela e determina-se pelo cuidado47. O cuidado

42 HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1967. p. 13. 43 Tradução nossa. Texto in verbis: “Das Dasein hat sich so als das vor allem anderen Seienden ontologisch primär zu Befragende erwiesen” (HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1967. p. 13). 44 HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1967. p. 193. 45 STEIN, Ernildo. Introdução ao pensamento de Martin Heidegger. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2011. p. 59. 46 HEIDEGGER, Martin. Sein und Zeit. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1967. p. 143 e 176. 47 Idem, p. 193.


Na construção onto-antropológica do ilícito, a fundamentação jurídica filosófica do direito penal, sua legitimidade material, estaria no “cuidar”, no proteger os bens ou valores que em uma determinada comunidade circunscrita espaço-temporalmente constituem o mínimo ético que “não pode ser, nem mais, nem menos, do que o núcleo duro dos valores que a comunidade assume como seu”50. A proteção destes valores permite que a comunidade e todos os seus membros, de forma individual, encontrem pleno desenvolvimento em paz e tensão de equilíbrio, entre perigo e cuidado-de-perigo51. Sendo assim, pode-se dizer que o fundamento material do direito penal estaria no reconhecimento de uma teia comunicacional, de cuidados recíprocos, cujo desdobramento na dogmática penal revela o reposicionamento do ilícito (Unrecht) para a base das proposições normativas52. 48 STEIN, Ernildo. Introdução ao pensamento de Martin Heidegger. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2011. p. 59. 49 PASQUA, Hervé. Intrdução à leitura do ser e tempo de Martin Heidegger. Trad. Joana Chaves. Lisboa: Instituto Piaget, 1993. p. 96. 50 FARIA COSTA, José Francisco de. O perigo em direito penal: contributo para a sua fundamentação e compreensão dogmáticas. Coimbra: Coimbra, 2000. p. 302. 51 Idem, p. 302. 52 As palavras do autor, in verbis: “[...] no reconhecimento de uma teia de cuidados recíprocos que estrutura o ser comunitário e cuja ressonância em âmbito normativo-dogmático resulta, em assumida oposição a elaborações funcionalistas e conseqüencialistas, no reposicionamento do ilícito

Considerando que a comunidade jurídica é, ontologicamente, uma comunidade de cuidado-de-perigo fundada na relação primeva de cuidado-de-perigo e que o fundamento do direito penal é o “cuidado” aos bens e valores que, historicamente, constituem o mínimo ético de determinada comunidade. Então é precisamente neste segundo nível, isto é, em uma dimensão que não sendo originária está a ela profundamente ligada, que a norma de proibição penal, enquanto definição ético-jurídica dos comportamentos relevantes, se impõe como referente de cuidado53. Nesta relação entre o cuidado originário e o cuidado absorvido pela normatividade penal, fundado naquele primeiro, a ontologia fundamental vem novamente iluminar nossas proposições. Considerando que a existência é o próprio ser-sendo do Ser-aí que pode se relacionar dessa ou daquela maneira com o “Ser”, com o qual o Ser-aí sempre se relaciona de alguma maneira e que a existência é uma questão ôntica do Ser-aí�. Depreende-se do ensinamento retirado de Ser e Tempo que a dimensão ontológica do “Ser” fundamenta as possibilidades de escolha do ente, enquanto categoria ôntica. Em outras palavras, é justamente nesta dimensão de livre escolha ôntica do Ser-aí, o ente que somos nós, fundada nas possibilidades ontológicas que emanam do “Ser”, que deve se dar o referencial do ilícito54. (Unrecht) para o centro da proposição normativa e do debate penalístico acerca da validade das leis penais” (D’AVILA, Fabio Roberto. Os limites normativos da política criminal no âmbito da ciência conjunta do direito penal. Zeitschrift für Internationale Strafrechtsdogmatik, Kiel: 10/2008. p. 493-494). 53 FARIA COSTA, José Francisco de. O perigo em direito penal: contributo para a sua fundamentação e compreensão dogmáticas. Coimbra: Coimbra, 2000. p. 251. 54 FARIA COSTA, José Francisco de. O perigo em direito penal: contributo para a sua fundamentação e compreensão dogmáticas. Coimbra: Coimbra, 2000. p. 251.

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compõe e unifica as três dimensões básicas que estruturam o Ser-aí, quais sejam, a faticidade, a existência e a decaída. O Ser-aí se apresenta como um já-ser-no-mundo para-adiante-de-si e junto aos outros entes, então, ele corre para a morte, futuro, volta ao já-estar-jogado, passado, assume-o como culpa (Shuld) e, então, realiza o presente48. Neste sentido, o cuidado é o existencial que unifica a concepção ontológica do Ser-aí, enquanto o ente que somos nós49.

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O cuidado do qual a normatividade penal se apropria diz respeito, deste modo, a esta segunda categoria, ôntica, ao passo em que, fundamentado no cuidado ontológico originário, este cuidado pode ser rompido por uma escolha do Ser-aí, o ente que somos nós55. De fato, invariavelmente a teia matricial de cuidado-de-perigo é rompida, dando sentido à perversão do cuidado matricial que constitui o elemento fundante para existência de um crime56.

na ofensividade a bens jurídico-penalmente relevantes, que se afaste das teorias funcionalistas, mas pretende, também, corresponder à ressonância, em âmbito dogmático, do modo mais íntimo do ser do homem em comunidade. Isto é, busca encontrar suas raízes em uma dimensão mais profunda, em uma relação onto-antropológica de cuidado-de-perigo58.

Não de outro modo, é precisamente a possibilidade deste rompimento que vai legitimar a proteção, pelo direito penal, aos valores mais caros de determinada comunidade em determinado período histórico e é, justamente, na relação entre o cuidado originário e o cuidado-de-perigo da norma penal que surge o limite e o fundamento da concepção onto-antropológica do ilícito57.

Conclui-se, desta maneira, que o fundamento onto-antropológico pode representar para a dogmática penal o resgate de uma dimensão de anteparo limitador do espectro de atuação da política criminal. Anteparo não no sentido de bloqueio, mas no sentido de filtro a legitimar a intervenção criminal apenas, e tão somente, quando representar o cuidado efetivo a valores que se circunscrevem como aqueles consagrados como o mínimo ético de determinada comunidade humana. Ao fundamentar o ilícito na teia comunicacional matricial primeva de cuidado-de-perigo, esta perspectiva teorética fornece um substrato axiológico importante para construção da normatividade penal. Parte-se do pressuposto de que é evidente que os nódulos problemáticos do direito penal demandam ponderações valorativas.

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Diante do exposto, é preciso dizer que o fundamento onto-antropológico do direito penal pretende não só iluminar a dogmática penal com uma estrutura material de delito fincada

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55 Idem, p. 251. 56 FARIA COSTA, José Francisco de. Linhas de direito penal e de filosofia. Coimbra: Coimbra, 2005. p. 223-224. 57 Neste sentido, as palavras do autor, in verbis: “[...] esta relação de cuidado-de-perigo, colocada em segundo plano, que, quando cotejada com aquela outra, constitui a teia matricial do direito que pode ser rompida. Rompimento que é, outrossim, uma invariante da própria vivencia histórica da comunidade e que, por isso, se aproxima daquele cuidado originário. [...] para além de que, porque há coincidência entre a relação de cuidado-de-perigo pertencente ao direito penal e a primitiva relação (incorruptível), o retorno faz-se normalmente na confluência do novo chamamento que o ‘buraco’ da ruptura deixou em aberto e que o princípio da unidade do ser não permite que se mantenha escandalosamente revelado, enquanto expressão de um não ser” (FARIA COSTA, José Francisco de. O perigo em direito penal: contributo para a sua fundamentação e compreensão dogmáticas. Coimbra: Coimbra, 2000. p. 401).

3 BREVES CONCLUSÕES

O legado dos neokantistas vive e o caminho não parece ser eliminar a axiologia da teoria do delito; pelo contrário, o horizonte aponta para o relevo cada vez mais evidente de elementos normativos em detrimento dos naturalistas, em se tratando de teoria do crime. Porém, parece-nos evidente, da mesma forma, que estes valores a nortear a racionalização da intervenção criminal não são de política criminal como querem os funcionalistas. Estes valores são da própria dogmática penal que deve se 58 FARIA COSTA, José Francisco de. O perigo em direito penal: contributo para a sua fundamentação e compreensão dogmáticas. Coimbra: Coimbra, 2000. p. 251.


fortalecer em sua relação com a política criminal. O fundamento onto-antropológico resgata uma profunda dimensão valorativa do ser do homem em sociedade, não negligenciando, porém, a posição que deve ser sustentada pela dogmática penal em face da atuação político-criminal. A ciência jurídico-penal deve oferecer limite e legitimidade à atuação política, sob pena de sucumbir ao equívoco metodológico utilitarista como querem os funcionalistas. O fundamento onto-antropológico do direito penal, neste sentido, pretende o reforço e a renovação da dogmática penal no âmbito da ciência conjunta do direito penal (die gesamte Strafrechtwissenschaft), onde o ilícito (Unrecht) deve ser o alfa e o ômega das ponderações valorativas. Este modo de ver as coisas do direito penal mostra-se, especialmente, emergencial no caso brasileiro onde a dimensão de expansão penal coexiste com uma constante e peculiar tensão entre garantias e direitos fundamentais e fins políticos de criminalização.

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Doutrina

Correlações entre a Segurança Pública, Cidadania, Corrupção e os Direitos Constitucionais de Petição, Representação e Reunião

ABSTRACT: This article was concerned to demonstrate the correlation between public safety, the role of society, police corruption and the constitutional rights of petition, representation and assembly. We sought to establish mechanisms available to citizens to cooperate with public security, it is incumbent both the state and individuals. Aimed to express how the police power must be run so that public order is fully observed and what are the bottlenecks of corruption that are exhibited in this way achieving the public peace. And finally, if aspirated explain how the constitutional right of petition, representation and assembly can serve as important to the preservation of public order, people and heritage instruments. SUMÁRIO: Introdução; I, – Direito de petição aos poderes públicos contra ilegalidade ou abuso de poder; II – Do direito de representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na Administração Pública; IV – Direito de reunião; Conclusão.

CASSIO ROBERTO CONSERINO

Promotor de Justiça - Gaeco/Santos. Autor dos Livros Lavagem de Dinheiro e Crime Organizado e Institutos Correlatos.

RESUMO: O presente artigo preocupou-se em demonstrar a correlação existente entre a segurança pública, o papel da sociedade, a corrupção policial e os direitos constitucionais de petição, representação e reunião. Buscou-se demonstrar mecanismos disponíveis aos cidadãos para cooperar com a segurança pública, que é incumbência tanto do Estado quanto dos particulares. Objetivou-se expressar como o poder de polícia tem de ser executado para que a ordem pública seja plenamente observada e quais são os gargalos de corrupção que se exibem neste caminho de combate à criminalidade e consecução da paz pública. E, por fim, aspirou-se explicitar como os direitos constitucionais de petição, de representação e de reunião podem servir de instrumentos importantes para a preservação da ordem pública, das pessoas e do patrimônio. PALAVRAS-CHAVES: Segurança pública; cidadania; corrupção; direitos constitucionais de petição, representação e reunião.

INTRODUÇÃO Conquanto não muito presente e concretizada no cotidiano brasileiro, certo é que a segurança pública constitui-se em direito e garantia individual previstos no art. 5º, caput, da Constituição da República. É regra de aplicabilidade imediata. Situa-se na mesma esfera de proteção da vida, da liberdade, da igualdade e da propriedade. Trata-se de cláusula pétrea. Direito difuso por excelência. Portanto, de todos e para todos indistintamente. E deve ser perseguido incondicionalmente pelas pessoas políticas e pelos cidadãos. Por se tratar de cláusula pétrea, é limitação material ao poder reformador, de acordo com o art. 60, § 4º, da CF. Assim, não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. Logo, a segurança pública é um direito a ser conquistado inexoravelmente. Sob a ótica da insigne Maria Helena Diniz, trata-se de norma constitucional de eficácia absoluta:


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São as intangíveis; contra elas nem mesmo há o poder de emendar. Daí conterem uma força paralisante total de toda a legislação que, explícita ou implicitamente, vier a contrariá-las. Distinguem-se, portanto, das normas constitucionais de eficácia plena, que, apesar de incidirem imediatamente sem legislação complementar posterior, são emendáveis. Por exemplo, os textos constitucionais que ampararam a federação (art. 1º), o voto direto, secreto, universal e periódico (art. 14), a separação de poderes (art. 2º) e os direitos e garantias individuais (art. 5º, I a LXXVII), por serem insuscetíveis de emenda, são intangíveis, por força dos arts. 60, § 4º, e 34, VII, a e b.1

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Nesse diapasão, destaca-se o art. 144, caput, da Constituição Federal, o qual estatuiu que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio por meio de órgãos policiais. Especificamente caberá à Polícia Militar o trabalho de polícia ostensiva, enquanto caberão à Polícia Civil as funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais. Registre-se que caberá à Polícia Militar, primordialmente, a preservação da ordem pública, do ponto de vista preventivo; à Polícia Civil caberá, de outro lado, essencialmente, a preservação da ordem pública, do ponto de vista repressivo. Por meio do policiamento ostensivo e do serviço de inteligência, a polícia militar terá plenas condições de atuar preventivamente a fim de resguardar a ordem pública; já, por sua vez, por intermédio, igualmente, do serviço de inteligência, mas, sobretudo, da função de polícia judiciária na investigação e resolução de crimes, a polícia civil atuará na tutela da ordem pública repressivamente. Ao cidadão cabe, quando lhe for materialmente e juridicamente exigível, inclusive, a possibilidade do exercício da prisão em flagrante, nos termos do art. 301 do CPP. Trata-se, todavia, de uma faculdade. Porém, diferentemente desta faculdade deverá expender esforços para atuar também em prol da segurança pública, consoante se verifica da dicção 1 DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 98-103.

do art. 144 da Carta Magna (“a segurança pública é direito e responsabilidade de todos”). Não é lícito ao cidadão se esquivar desta responsabilidade. Por essa razão, pululam em nosso ordenamento jurídico diversos artigos que contemplam esse dever/ responsabilidade do cidadão. Desta maneira, no patamar constitucional, temos o art. 5º, caput (previsão explícita do direito à segurança); art. 5º, XXXIV, da CF (direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder); art. 37, § 3º, inciso III, da CF (disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na Administração Pública); no plano infraconstitucional temos o art. 5º, II, § 1º, alíneas a, b, c, do CPP (requerimento do ofendido para instauração de inquérito policial), art. 5º, § 3º do CPP (representação à autoridade policial de qualquer do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal), art. 27 do CPP (representação ao Ministério Público de qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal), art. 29 do CPP (possibilidade de ação penal privada subsidiária da pública em caso de inércia do Ministério Público), art. 39 do CPP (possibilidade de ação penal privada por parte do particular em determinados crimes). Por derradeiro, no plano administrativo temos, ainda, a possibilidade de comunicação anônima ou não, via telefone, à Polícia Militar da existência de crimes em andamento ou de situações potencialmente danosas à sociedade. Vê-se, portanto, que, para a total satisfação da segurança pública, há de haver um amálgama de esforços entre o Estado e o particular. Há de haver uma sinergia de empenhos para que a engrenagem funcione regularmente, considerando-se nesse conceito o bom funcionamento das instituições policiais e órgãos congêneres que atuam direta ou indiretamente em benefício da segurança pública, considerando-se também a higidez da ordem pública e a plena interação e participação do particular nesse complexo sistema, atuando ativamente na tutela da segurança pública. Importante registrar que o conceito de ordem pública está intimamente relacionado com o poder de


Destarte, para que a ordem pública incida, faz-se mister a realização integral e irrestrita do poder de polícia, segundo o qual, de acordo com o escólio de Marçal Justen Filho, “compreenderia a utilização da força e a estruturação de um aparato estatal destinado à coerção dos particulares. Propicia a intervenção estatal na órbita individual e no âmbito subjetivo”3. Trata-se, em 2 Droit Administratif. 12. ed. Paris: PUF, t. 2, 1992. p. 684. 3 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva,

verdade, da limitação do exercício de liberdades individuais em benefício do interesse público. E o particular, na esteira da recomendação constitucional, visando, pois, a encerrar esforços e colaborações em torno da segurança pública, poderá concorrer para a satisfação do poder de polícia, que tem, além de sua conotação administrativa, também uma conotação policial. E é justamente nesse tópico que vamos nos debruçar, ou seja, como descortinar ferramentas legais previamente existentes e oferecê-las de modo sistemático aos cidadãos para levar a efeito o dever/responsabilidade de concorrer para a obtenção da segurança pública, evitando, pois, a indesejável omissão e inação policial/fiscais com a consequente manutenção e às vezes elevação de verdadeiros gargalos de corrupção, que levam à degeneração moral e orgânica das instituições policiais e municipais, afetando indiscutivelmente a ordem pública e diretamente a segurança pública. O particular, portanto, pode e deve colocar-se em posição ativa em relação a esse tormentoso assunto. Constitucionalmente, pode e deve fazê-lo. Da mesma forma que a Constituição Federal trouxe a segurança pública como cláusula pétrea, isto é, cláusula que será perseguida a todo custo pela República Federativa do Brasil (atualmente, infelizmente, a perseguição é meramente hipotética), outrossim, estipulou que é responsabilidade de todos, do Estado e do particular, a sua conquista e manutenção. Propiciou, igualmente, meios e mecanismos para que o particular leve a cabo o seu desiderato, entre os quais o direito de petição, o direito de representação e o de reunião são alguns deles e serão a seguir analisados. Em verdade, tais normas constitucionais se complementam e se harmonizam: de um lado, temos a previsão legal da existência do direito “segurança 2005. p. 386.

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polícia. À bem da verdade, conforme Vedel e Devolvé, “o poder de polícia é considerado como instrumento de manutenção da ordem pública, vale dizer, da segurança, da tranquilidade, da saúde”2. Há quem inclua, ainda, neste conceito a manutenção da cultura, da família, da organização econômica; enfim, do bem-estar geral da sociedade, nos moldes do art. 29, § 2º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Note-se, desta forma, que a ordem pública é muito mais abrangente, congloba uma série de elementos e a segurança pública é uma de suas facetas. Assim sendo, verifica-se que a ordem pública contempla outros fatores que não apenas a segurança pública, e a saúde pública, por exemplo, é um deles. Enuncia-se, desta forma, que a segurança pública possui fatores endógenos e exógenos. Os fatores endógenos dizem respeito à funcionalidade e à fisiologia dos órgãos e organismos que atuam em prol da segurança pública, tais quais existência de infraestrutura adequada, recursos humanos suficientes, a salubridade e a correção dos trabalhos policiais, estratégia policial, serviço de inteligência eficiente, metas a seguir; e, adiante, os fatores exógenos, segundo os quais são aqueles sentidos e suportados pela população em geral, quais sejam concreção efetiva da segurança, efeitos reais de um sistema de inteligência estruturado, patrulhamentos ostensivos multiplicados em todos os pontos críticos da cidade, diminuição de índices de criminalidade ou em franca diminuição, sensação de segurança, resolução dos crimes etc.

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pública”, e, de outro lado, ferramentas para que a segurança pública se concretize.

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I – DIREITO DE PETIÇÃO AOS PODERES PÚBLICOS CONTRA ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER

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O direito constitucional de petição, previsto no art. 5º, XXXIV, alínea a, da CF, utilizado comumente em questões administrativas, também poderá fomentar o poder de polícia e, consequentemente, produzir a tutela da segurança pública. O direito de petição – right of petition – já se fazia previsto e tutelado na Idade Média. A sua progênie sucedeu na Inglaterra e o seu fundamento encerrou-se no direito dos cidadãos de dirigirem pretensões a qualquer dos Poderes do Estado, na condição de pessoa física ou jurídica, na defesa de seus interesses. Também se fez alusão a essa prerrogativa nas Declarações de Direito da Pensilvânia, promulgada em 1776 (art. 16). Igualmente tem-se o registro de suas determinações na Constituição Francesa, de 1791 (art. 3º). E a menção de sua existência na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, promulgada em 1948, especificamente, no artigo XXIV: “Toda pessoa tem o direito de apresentar petições respeitosas a qualquer autoridade competente, quer por motivo de interesse geral, quer de interesse particular, assim como o de obter uma solução rápida”. De acordo com a doutrina, a Constituição Federal assegura o direito de petição, isentando-o do pagamento de taxas. O direito de petição pode ser exercitado “em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”. Nesse sentido pode assumir uma índole individual ou coletiva. Ao aduzir “defesa de direitos”, o texto constitucional não fez restrições. Antes, empregou locução genérica, que certamente acoberta a tutela de todas as espécies de direitos, quer de índole individual, quer coletiva. Assim, o direito de petição pode ser exercitado, por exemplo, para denunciar uma atividade poluente, como o não tratamento dos esgotos domésticos

pelo Poder Público, ou ainda para demonstrar um abuso contra direito individual, como a invasão de domicílio por policiais sem a aquiescência do morador.4 (grifos nossos)

Neste último exemplo doutrinário, o signatário exercerá o direito de petição com o propósito de exteriorizar a prática de um crime. Agiu repressivamente. Agiu depois de sofrer o crime do art. 150 do CP. Atua como vítima. No entanto, é possível ao particular, antes de agir como vítima, agir movido pelo dever/ responsabilidade de concorrer para a satisfação da segurança pública, podendo, pois, peticionar a polícia para fazer cessar um crime ou impedir a prática reiterada de um crime. Cita-se, outrossim, a lição dos Constitucionalistas portugueses Gomes Canotilho e Vital Moreira, em comento a dispositivo semelhante da Constituição da República Portuguesa: “o exercício do direito de petição possui caráter essencialmente informal, sem que preexistam fórmulas obrigatórias, fato, contudo, que não dispensa, ao menos, a forma escrita e a identificação do peticionante”5. Anote-se, desta feita, que é perfeitamente possível ao particular se utilizar do constitucional direito de petição e exigir providências ao Poder Executivo, notadamente à polícia, quando estiver em face de eventual indolência. E o fundamento do pleito considerando a inércia é a ilegalidade. Suponhamos, por exemplo, que o Distrito Policial afeto a determinada circunscrição territorial não combata notório comércio de desmanches de veículos. É absolutamente viável que particulares, a despeito de tutelar a segurança pública, de acordo com os anseios constitucionais, exijam providências policiais para o combate minimamente necessário, já que é cediço que o comércio de desmanche de veículos é o pano de fundo para os crimes de receptação, roubo e furto de veículos, que atormentam sobremodo os 4 Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 124/125. 5 Constituição da República Portuguesa anotada, p. 280.


Também é possível lançar mão deste expediente para exigir o combate às contravenções de jogo do bicho, que movimentam milhões de reais e que são sustentação de várias infrações penais contra a Administração Pública. Não raro, verdadeiras organizações criminosas estão por detrás da singela contravenção penal. Da mesma forma, poder-se-ão questionar o comércio de tintas de tatuagens desprovidas do registro no órgão técnico de vigilância sanitária, ou seja, da Anvisa (Agência Nacional da Vigilância Sanitária), já que quem expõe, tem em depósito, vende ou, de qualquer foram, distribui ou entrega a consumo produto médico sem registro quando exigível, sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização, em tese, produz o crime do art. 273 do CP. E, indiscutivelmente,

centenas de marcas de tintas de tatuagem são comercializadas fora dos padrões técnicos, científicos e da vigilância sanitária, tudo por conta da complacência de quem deveria investigar ou fiscalizar. Apenas três marcas de tintas de tatuagem são providas do necessário registro no Brasil; entrementes, há inúmeros estúdios e fábricas de tatuagem que comercializam outras marcas à revelia da legalidade; aliás, reúnem-se até mesmo em encontros abertos ao público e, ao que parece, nem a polícia, nem a fiscalização municipal tomam qualquer providência para sanar o problema absolutamente perigoso à saúde pública, já que, em recente investigação do Ministério Público do Estado de São Paulo, comprovou-se pericialmente que nestes produtos são intrujados metais pesados, os quais, uma vez injetados na corrente sanguínea, podem trazer males incomensuráveis à saúde dos indivíduos. Igualmente, poderão impugnar a comercialização de produtos pirateados expostos aos milhares em centros comerciais. São todas situações que revelam típicos gargalos de corrupção, e que estão umbilicalmente vinculadas à fragilidade da segurança pública. Logo, o direito de petição nesta seara apresenta uma proposta tipicamente proativa. É a base constitucional para a representação ou para o requerimento de instauração de inquérito policial. Todavia, urge frisar que tanto a representação quanto o requerimento referem-se eminentemente a ofensas individuais, ao passo que o direito de petição trará em seus contornos ofensas difusas e que tutelarão a segurança pública nos termos constitucionais. As exigências populares retratadas em petições trarão uma melhoria na segurança pública, sob o aspecto funcional ou corporativo, e também o combate adequado a essas infrações, não se esgotando nelas próprias, mas trazendo reflexos desejáveis em face de outros crimes mais graves e, corolário, o anseio constitucional restará observado. É preferível que a petição seja despersonalizada e os sujeitos ativos sejam associações ou congêneres. Ora, se a Constituição permite o menos, ou seja, contemple ao particular o dever/responsabilidade de proporcionar meios para a segurança

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membros da coletividade. No caso vertente, a fundamentação da petição será a ilegalidade tanto da situação envolvendo a comercialização de peças de automóveis ou motocicletas sem origem lícita e sem fiscalização adequada, com possibilidade, inclusive, de adulteração de chassis dos veículos ali expostos, bem como a ilegalidade da Polícia Civil em não levar a efeito a sua incumbência de apurar infrações penais, aliás, incumbência de norte constitucional. Esse comportamento passivo pode gerar, dependendo das circunstâncias, até mesmo a revelação de uma prevaricação entre outros crimes. A ilegalidade não precisa dirigir-se necessariamente àquele que exercita o direito de petição, mas poderá ter conteúdo difuso, ou seja, uma situação de ilegalidade que atinge indistintamente os membros da coletividade. Ou, por exemplo, manusear o direito de petição com o objetivo de compelir a polícia a combater a exploração das máquinas caça-níqueis em estabelecimentos comerciais regulares ou clandestinos. Referida exploração só se consubstancia porque a polícia se mostra inerte ao enfrentá-lo, já que o cenário que envolve essas explorações invariavelmente traz em seu cerne crimes contra a Administração Pública (corrupção ativa, passiva, prevaricação, contrabando, descaminho) e a indiscutível lavagem de dinheiro.

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pública, obviamente que permitirá que grupos de particulares integrados em associações assim procedam. Ademais, é muito melhor, porquanto despersonaliza o sujeito ativo do petitório, inviabilizando-se, inclusive, represálias em torno do subscritor.

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Nessa linha de ideias, é perfeitamente possível manusear o pedido para o Secretário de Segurança Pública. Suponhamos a seguinte situação em que o particular ou um grupo de particulares peticionem a determinada autoridade policial pedindo o combate necessário à exploração da prostituição alheia em casas de prostituição (outro gargalo quase que intocável de corrupção), mas não obtenham qualquer resposta positiva da autoridade policial, a qual se nega a instaurar inquérito policial. Nada impede que os peticionários interponham na sequência recurso administrativo à Secretaria da Segurança Pública, de acordo com a regra do art. 5º, § 2º, do CP6.

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Vale dizer que não só a polícia, eventualmente, se vale desta relação quase simbiótica entre inação e corrupção; mas, outrossim, fiscais municipais que deixam de fiscalizar o estabelecimento comercial ou que dão alvarás indevidos àqueles para que explorem. A indolência e a corrupção, em tese, não são apenas policiais. É, outrossim, de funcionários públicos municipais que concedem indevidamente autorização, por exemplo, para um estabelecimento explorar máquina caça-níquel, sob o objeto social lan house e não fiscalizam posteriormente as atividades do local; ou, por derradeiro, autorizam o funcionamento de lojas que comercializam produtos contrafeitos em verdadeiros centros comerciais situados aos “olhos” de todos. Assim a petição poderá ser dirigida tanto à autoridade policial quanto à Prefeitura Municipal, pedindo providências no sentido de debelar tais práticas. 6 “ [...] do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito policial caberá recurso ao Chefe de Polícia.”

II – DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO CONTRA O EXERCÍCIO NEGLIGENTE OU ABUSIVO DE CARGO, EMPREGO OU FUNÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O direito de representação em questão dirigir-se-á especialmente aos integrantes do Poder Público Executivo (qualquer integrante). Basta fundamentar o requerimento no exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função. É um excelente mecanismo de controle pelo particular das ações de integrantes da Administração Pública, mormente no que pertine à segurança pública. Relevante apontar que nem mesmo eventual argumentação da autoridade demandada de que a sua atuação é discricionária não pode subsistir, porquanto é de conhecimento geral que a discricionariedade é poder de opção de atuação dentro de critérios de conveniência, oportunidade e conteúdo, mas, obviamente, em que pese essa liberdade de opção, há de haver perseguição irrestrita aos objetivos determinados pela Lei, pela Carta Magna, e a segurança é um deles. Celso Antonio Bandeira de Mello, por sua vez, discorda da expressão “poder”, e salienta que discricionariedade seria a margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com a sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal.

Essa conceituação prescreve claramente que, embora discricionária a atuação, a sua finalidade primacial é o cumprimento da Lei. Portanto, assevera-se que discricionariedade administrativa não é salvo-conduto para não agir, para não se empenhar, para manter-se indolente. À bem da verdade, a perseguição a uma segurança minimamente decente deve ser considerada na esfera administrativa como ato administrativo vinculado. Se o peticionário conseguir demonstrar o exercício negligente do cargo no sentido de que áreas cruciais de combate às infrações


7 Desmanche de veículos, exploração do jogo do bicho, caça-níqueis e prostituição, comércio de produtos pirateados ou contrafeitos, exposição à venda e consumo de terceiros de tintas de tatuagens desprovidas do registro no órgão de vigilância sanitária. 8 Prazo para que órgãos da administração centralizada ou autárquica, empresa pública, sociedade de economia mista e fundações públicas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios expeçam certidões nos termos do art. 5º, XXXIV, alínea b, da CF. 9 Apelação Cível nº 199.114-2, Rel. Nelson Schiesari, São Vicente, 30.03.1993.

nada impediria que algum particular ou grupo de particulares afetados pela negligência no atendimento no Distrito Policial formulasse a reclamação via direito de representação contra o exercício negligente de cargo e obtivesse o efeito ora descrito.

IV – DIREITO DE REUNIÃO O direito à reunião está previsto no art. 5º, XVI, da CF e, basicamente, possibilita a todos reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente comprovada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente. Possui, igualmente, a mesma natureza jurídica do direito de petição. Trata-se, pois, de direito de garantia individual dos particulares, com aplicabilidade imediata. Os únicos requisitos exigíveis são: (i) manifestação pacífica; (ii) desprovida de qualquer tipo de arma, inclusive, branca; (iii) não frustre outra reunião anteriormente fixadas e que haja prévio aviso à autoridade. Em relação ao último item, aviso não é autorização. Basta, portanto, avisar. Entrementes, não se estipulou qual seria o lapso temporal máximo ou mínimo entre o aviso e o evento e nem mesmo quem seria a autoridade pública competente para receber o aviso. Cogita-se, ainda, que as exigências são autoexplicativas: manifestação pacífica é aquela em que não há agressão, não há brigas, não há contendas, não há entreveros; que seja desprovida de qualquer arma, ou seja, reunião com integrantes desarmados e, por último, que não frustre outra reunião anteriormente fixada. Menciona-se, ainda, por oportuno, que, além de desarmados, não poderão estar mascarados. Aliás, essa questão é importantíssima, porque é de conhecimento de todos que integrantes de grupos mascarados denominados “Black Bloc” mesclaram-se nas reuniões democráticas e impuseram, em tese, o terror nas últimas manifestações que ocorreram no país, segundo o que se veiculou na mídia impressa e televisiva: houve atos de depredação de prédios

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penais e que possibilitam, em tese, situação de corrupção7 não são combatidas e estão relegadas ao total esquecimento, a representação deverá ser recebida. Se a representação for dirigida, por exemplo, a um Delegado de Polícia, caberá ao peticionário aguardar o prazo improrrogável de 15 dias, aplicado analogicamente à espécie e previsto na Lei nº 9.051/19958 para obtenção de uma resposta. Caso a resposta não venha nesse interregno temporal, o(s) peticionário(s) poderá recorrer ao Delegado Geral de Polícia e, em seguida, ao Secretário da Segurança Pública, e assim por diante até o Governador do Estado, caso, efetivamente, nada seja feito. Porém, se o pleito tiver por foco uma atuação da Polícia Militar (melhoria ou realização de novos patrulhamentos ostensivos em determinada circunscrição territorial com índices criminais altos), caberá ao peticionário aguardar o mesmo prazo quando, então, dependendo da resposta, recorrerá ao Comando Geral da Polícia Militar, e assim por diante. De toda forma, caso a representação não seja sequer recebida, a parte poderá impetrar mandado de segurança, nos termos do art. 5º, LXIX, da CF9. Recentemente obtivemos informações por meio da mídia de que a Chefe de Polícia Civil do Rio de Janeiro teria determinado a remoção de um Delegado de Polícia de um determinado bairro daquela cidade por desídia no atendimento da população na virada do fim do ano de 2013/2014. Ao que consta, a decisão foi unilateral e não partiu de nenhuma provocação formal de quem quer seja; todavia,

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privados e públicos, saques de estabelecimentos comerciais, pichações de muros e confrontação com a polícia atribuídos a esse grupo de mascarados; enfim, desnaturaram sobremaneira o teor democrático destas salutares manifestações e enveredaram para condutas criminosas. O objetivo indisfarçável das máscaras é inviabilizar a identidade dos componentes do grupo, que, propositalmente, extrapolaram. Ocorre, todavia, que é contravenção penal a recusa de dados sobre a própria identidade ou qualificação, nos termos do art. 68 do Decreto-Lei nº 688/1941. Por isso, a abordagem destes indivíduos pela polícia é perfeitamente lícita e regular; aliás, indiscutível exercício do poder de polícia. Adentrou-se neste tópico justamente porque, por meio do direito constitucional de reunião, os particulares podem contribuir terminantemente para a incrementação ou manutenção de políticas públicas necessárias à segurança pública. O exemplo vivo disso foi a postura da manutenção dos poderes investigatórios do Ministério Público que a PEC 37 quis extirpar em notório prejuízo da sociedade e, em última análise, da própria segurança pública. Não se pode negar que as manifestações populares em típico exercício do direito de reunião constitucional concorreram inequivocamente para a manutenção dos regulares poderes investigatórios do Parquet.

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Estabelece-se, facilmente, que o direito constitucional à reunião pacífica reflete um autêntico direito e garantia individual, porquanto na acepção de direito dá margem à exteriorização de reclamações, opiniões, críticas e sugestões de cunho público e,

na faceta de garantia, permite que tais reclamações, opiniões, críticas e sugestões sejam explicitadas a quem de direito e, eventualmente, sopesadas dentro de um contexto político de segurança pública, satisfazendo o anseio constitucional.

CONCLUSÃO A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, constitui-se direito e garantia individual com aplicabilidade imediata. Portanto, tem de ser perseguida incondicionalmente e inquestionavelmente. Tanto Estado quanto cidadãos são responsáveis pela preservação da ordem pública e, notadamente, de uma de suas facetas, a segurança pública. O cidadão, por sua vez, individualmente ou coletivamente, poderá, por meio do direito constitucional de petição, questionar perante o Poder Público qualquer situação de ilegalidade, bem como poderá exercer o direito de representação contra o exercício negligente do cargo, emprego ou função na Administração Pública; além disso, poderão se reunir para contribuir terminantemente para a incrementação ou manutenção de políticas públicas necessárias à segurança pública, tudo, pois, com o desiderato de expender esforços para atuar preventivamente ou, então, repressivamente, no enfrentamento da criminalidade, especialmente quando órgãos policiais ou congêneres não enfrentam convenientemente crimes que se consubstanciam em verdadeiros gargalos de corrupção.


Doutrina

Concubinato e Proteção Previdenciária: Tratamento em Igual Respeito e Consideração CAROLLINE SCOFIELD AMARAL

Mestre em Direito Constitucional pela UFMG, Professora Universitária, Advogada.

the death of the insured. It is argued that the Constitution of 1988 did not bring closed models of family, concubinage impure being able to form a family unit. The paper analyzes the current family arrangements based on affection, diversity and stability, it highlights the purpose of Social Security which is the protection of economic dependents of the insured as well as it examines the extraordinary resources on the topic judged by the First Chamber of the Supreme Court. In view of the principle of human dignity, right to equality, and forbidden discrimination, it claims that the partner, dependent economy, of the insured is entitled to social security protection and should be treated by the law with equal respect and consideration, taking as north theoretical conceptions developed by Ronald Dworkin in his book Taking rights seriously. KEYWORDS: Family arrangements; plurality; concubinage impure; social security; protection.

RESUMO: O presente artigo versa sobre o concubinato impuro, relação, em regra, formada entre homem e mulher sendo um deles ou ambos impedidos de casar, e o direito da parceira à proteção previdenciária após a morte do segurado. Sustenta-se que a Constituição de 1988 não trouxe modelos fechados de família, sendo o concubinato impuro apto a formar uma entidade familiar. O trabalho analisa os arranjos familiares atuais baseados no afeto, pluralidade e estabilidade, destaca o objetivo da Previdência Social que é a proteção dos dependentes econômicos do segurado, bem como examina os recursos extraordinários sobre o tema julgados pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Em vista do princípio da dignidade da pessoa humana, direito à igualdade e a vedação à discriminação, sustenta que a parceira, dependente econômica, do segurado faz jus à proteção previdenciária e deve ser tratada pela ordem jurídica com igual respeito e consideração, tomando, como norte teórico, as concepções desenvolvidas por Ronald Dworkin em sua obra Levando os direitos a sério. PALAVRAS-CHAVE: Família; pluralidade; concubinato; Previdência Social; proteção. ABSTRACT: This article focuses on concubinage impure relationship, as a rule, formed between man and woman being one or both of them prevented to marry, and the right to protection of the partner pension after

SUMÁRIO: Introdução; 1 Família hoje: afeto e pluralidade; 2 Concubinato: mundo da vida; 3 Proteção previdenciária: objetivo; 4 Supremo Tribunal: análise dos Recursos Extraordinários nºs 397.762, 590.779 e 669.465 – Repercussão geral; 5 Conclusão: o direito é o juiz do amor?; Referências. “Só por amor Só por paixão Só por você Você que nunca disse não Só por saber Que o coração Sabe demais Que a razão não tem razão Por você que foi só minha Sem jamais pensar por quê Por você que apenas tinha Razões e mais razões para não ser Só por amor


Só por amado Só por amar Meu amor, muito obrigado Meu amor, muito obrigado” (Vinicius de Moraes & Baden Powell)

INTRODUÇÃO O presente trabalho trata do denominado concubinato impuro e seus reflexos previdenciários, especialmente no que diz respeito à proteção previdenciária a que faz jus a concubina quando da morte ou prisão do segurado.

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Para tanto, buscar-se-á um delineamento dos diversos arranjos familiares atuais revelados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2011 – PNAD, demonstrando a superação da família matrimonial e a construção de entidades familiares diversas construídas com base na afetividade, pluralidade e estabilidades das relações.

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Nos estreitos limites deste trabalho, o concubinato será analisado tendo como eixo norteador os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e vedação à discriminação, partindo da concepção plural e democrática da família, tentando-se distanciar1 do estigma social machista-patriarcal, bem como religioso, que marca tal instituto.

Em um segundo momento, o artigo fará uma breve incursão na concepção doutrinária de concubinato, diferenciando-o da união estável, sustentando que aquele é sim forma de arranjo familiar que não pode ser renegado à invisibilidade jurídica. Após, o trabalho discorrerá sobre o objetivo da proteção previdenciária que é a garantia de um mínimo de subsistência para os dependentes do segurado falecido ou preso. Sustentará que, sendo demonstrada a simultaneidade conjugal não eventual, dotada de estabilidade, publicidade e sendo a parceira dependente econômica do segurado, deve-se proceder à divisão do benefício previdenciário entre a viúva e a parceira. Por fim, o artigo apresentará os principais recursos extraordinários analisados pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, expondo os argumentos da corrente vencedora e vencida, bem como a expectativa para o posicionamento do Plenário daquela Corte no RE 669.465 dotado de repercussão geral. Vale frisar que o presente trabalho não tem o condão de levantar qualquer bandeira a favor ou contra a existência de relações extraconjugais eventuais ou não eventuais, mas defende que tais relações existem, fazem parte da realidade social e são aptas à formação de uma entidade familiar que não pode ser marginalizada pelo Direito, não cabendo a este a imposição a cada indivíduo de qual é o modelo ideal de família.

1 FAMÍLIA HOJE: AFETO E PLURALIDADE 1 A autora entende que o ser humano tem gravado em sua concepção de vida e de mundo parte de sua história e do meio social em que viveu e foi criado. Obviamente, não se tem a ilusão de uma análise absolutamente apartada das concepções e conceitos nas quais a autora foi criada, não se olvidando da sua formação familiar católica-cristã, bem como educacional nos maravilhosos anos de estudo na Escola Estadual Madre Serafina de Jesus dirigida por clarissas franciscanas e no Colégio Santo Antônio dirigido pela Ordem dos Frades Menores.

Tradicionalmente, os Textos Constitucionais brasileiros identificavam a família como aquela constituída pelo casamento2 civil 2 Vejam: arts. 144 a 146 da Constituição de 1934, arts. 124 a 125 da Constituição de 1937, art. 163 da Constituição de 1946 e art. 167 da Constituição de 1967. Inseridas no paradigma do Estado liberal, as Constituições de 1824 e 1891 não dispuseram em seu bojo sobre o instituto da família.


A Constituição Federal de 1988 – CF/1988, inserida no paradigma do Estado Democrático de Direito, cujo eixo norteador é a dignidade da pessoa humana, e, obviamente, influenciada pelos reflexos da revolução sexual e feminista ocorrida nas décadas anteriores, rompeu com esta identificação estreita, formal, individualista e patriarcal de família, cujo monopólio residia no casamento. Em seu art. 226, trouxe a família como base da sociedade e dotada de especial proteção estatal, sem mais vinculá-la ao casamento. Reconheceu como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, bem como a comunidade formada por qualquer dos pais e seus dependentes. Entende-se que o constituinte de 1988 não taxou os modelos familiares à família matrimonial, à união estável e à família monoparental, que foram expressamente previstas. Ao contrário, ao deixar de identificar a família ao casamento, como nos textos pretéritos, o constituinte de outubro abriu, de forma exemplificativa, a proteção estatal para outros arranjos de convivência, sempre tendo como norte a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/1988), bem como a promoção do bem de todos, “sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, III, da CF/1988). O voto do Ministro Ayres Britto, condutor do julgamento da ADIn 4.277 e da ADPF 132, afirmou esta visão não reducionista da concepção de família do nosso Texto Constitucional:

E assim é que, mais uma vez, a Constituição Federal não faz a menor diferenciação entre a família formalmente constituída e aquela existente ao rés dos fatos. Como também não distingue entre a família que se forma por sujeitos heteroafetivos e a que se constitui por pessoas de inclinação homoafetiva. Por isso que, sem nenhuma ginástica mental ou alquimia interpretativa, dá para compreender que a nossa Magna Carta não emprestou ao substantivo “família” nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica. Recolheu-o com o sentido coloquial praticamente aberto que sempre portou como realidade do mundo do ser. Assim como dá para inferir que, quanto maior o número dos espaços doméstica e autonomamente estruturados, maior a possibilidade de efetiva colaboração entre esses núcleos familiares, o Estado e a sociedade, na perspectiva do cumprimento de conjugados deveres que são funções essenciais à plenificação da cidadania, da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho. (Britto, ADIn 4.277, p. 38)

Não cabe ao Direito decidir a priori ou impor sobre quais os modelos a entidade familiar deve ser construída, tal intento seria opressor, formalista e socialmente inglório. A construção da entidade familiar é, por essência, impossível de se circunscrever a uma moldura legal estreita e distanciada da realidade social. Cabe a cada indivíduo, orientado pelo seu projeto de felicidade, decidir a forma como construir sua família, com base em uma convivência estável, ostensiva e baseada no afeto, cabendo à ordem jurídica protegê-los. Nesse sentido leciona Carlos Albuquerque Filho: Entendemos, no que concerne à intervenção estatal no âmbito da família e das entidades familiares, que a intervenção do Estado deve se dar apenas no sentido da proteção, nos precisos termos da CF, e não numa perspectiva de exclusão. Portanto, não cabe ao Estado predeterminar qual entidade familiar que se pode constituir, mas, apenas, declarar a sua formação, outorgando-lhe a proteção social por considerá-la base da sociedade. (Albuquerque Filho, 2002, p. 150)

Na esteira dessa concepção porosa de família, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2011 – PNAD, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, demonstrou a pluralidade, a diversidade de arranjos de convivência na sociedade brasileira.

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indissolúvel, tendo o casamento religioso os mesmos efeitos do civil desde que observados os requisitos legais. Os demais arranjos afetivos estavam à margem da proteção e reconhecimento legal que não obedeciam ao modelo estatal posto, obtendo-se, quando muito, a proteção legal mínima para os então denominados filhos ilegítimos.

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Do cenário traçado pela PNAD 2011, tem-se que na realidade brasileira há muito não prevalece a estrutura familiar fechada que tinha como suporte o casamento. Ao contrário, a pesquisa revelou que são nos laços de solidariedade, afeto, auxílio recíproco que se fundam a família brasileira, tendo como características ser natural, plural, multifacetária, democrática e não discriminatória. Sobre a “cara” da família moderna, Maria Berenice Dias ensina que:

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O novo modelo de família funda-se sobre os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, impingindo nova roupagem axiológica ao direito de família. Agora, a tônica reside no indivíduo, e não mais nos bens ou coisas que guarnecem a relação familiar. A família-instituição foi substituída pela família-instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes como para o crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com isso, a sua proteção pelo Estado. (Dias, 2011, p. 43, negrito no original)

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A Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que buscou coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, trouxe importante contribuição para a moderna concepção de família. Em seu art. 5º, inciso II, considera-se âmbito familiar “a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”. O inciso III, por sua vez, traz a relação íntima de afeto como caracterizadora da violência doméstica familiar contra a mulher. O parágrafo único do art. 5º frisa que as relações pessoais ali previstas independem da orientação sexual dos envolvidos. Da dicção legal e do levantamento realizado pela PNAD, tem-se que a concepção formal de família cedeu lugar para a denominada família eudemonista marcada pela afetividade que vincula seus membros. Segundo Maria Berenice Dias, “a busca da felicidade, a supremacia do amor, a vitória da solidariedade ensejam o reconhecimento do afeto como único modo eficaz de definição da família e de preservação da vida. Esse, dos novos

vértices sociais, é o mais inovador” (DIAS, 2011, p. 55, negrito no original). No presente trabalho, as expressões “família” e “entidade familiar” serão utilizadas de forma indistinta, como termos sinônimos, no sentido delineado por Carlos Albuquerque Filho como “unidade integrada pela possibilidade de manifestação de afeto, através da (con)vivência, publicidade e estabilidade” (Albuquerque Filho, 2002, p. 144), abraçando, assim, “os mais diversos arranjos familiares, dentro de uma perspectiva pluralista, de respeito à dignidade da pessoa humana” (Albuquerque Filho, 2002, p. 144).

2 CONCUBINATO: MUNDO DA VIDA De início, mister se faz definir o termo a ser utilizado: “Concubinato”. O art. 1.727 do Código Civil de 2002 – CC/2002 traz a seguinte dicção: “As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem o concubinato”. O termo “concubinato”, no Direito brasileiro, foi, historicamente, dotado de sentido múltiplo. Ora para se referir genericamente a uniões livres entre o homem e a mulher realizadas sem as formalidades do casamento (civil ou religioso), ora para se referir à união livre entre homem e mulher não estando presentes quaisquer impedimentos para o matrimônio, também denominado concubinato puro, e, finalmente, a união entre homem e mulher estando presentes impedimentos para o casamento, sendo o mais comum o fato de o homem ser casado e não estar separado de fato, recebendo a denominação de concubinato impuro. Após a Constituição de 1988 (art. 226, § 3º), concubinato puro recebeu o dignificação de união estável, compreendida como “convivência pública, contínua, duradoura entre homem e mulher desimpedidos para casar ou separados, com intuito de estabe-


Vale frisar que todos os casos que chegaram às portas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, cujo pano de fundo eram os reflexos previdenciários do concubinato, diziam respeito à relação formada por homem e mulher, estando o primeiro impedido de casar, e foram movidos pela parceira feminina após a morte do parceiro masculino. A consulta realizada, no dia 20 de maio do corrente ano, nos sítios eletrônicos do Supremo Tribunal Federal (www.stf.jus.br) e Superior Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br), utilizou os termos “pensão” e “concubinato” e não fixou parâmetro temporal. Observa-se que até o julgamento do RE 35.780, em 4 de fevereiro de 1994, Rel. Min. Marco Aurélio, a expressão “concubinato” presente nos acórdãos do Supremo Tribunal Federal foi utilizada como sinônimo de união estável. As decisões posteriores adotaram os termos “união estável” e “concubinato” com significados diversos, referindo-se o segundo ao denominado concubinato impuro anteriormente já conceituado. Entende-se que não há qualquer vedação legal ao concubinato impuro, não se proíbe que um homem ou mulher impedidos de celebrar o matrimônio legal tenham uma relação extraconjugal, seja eventual ou não eventual. Vale lembrar que o art. 240 do Código Penal, que previa o adultério como infração penal, foi revogado pela Lei nº 11.106/2005, sendo que muito antes da revogação legal já tinha caído em absoluta ineficácia social. O descumprimento dos deveres dos cônjuges previstos no art. 1.566 do CC/2002, especialmente fidelidade recíproca e respeito e consideração mútuos, pode, em tese, levar a um pleito indenizatório por danos morais. Mas não a afirmação que o concubinato é ilegal e é incapaz de gerar quaisquer efeitos jurídicos.

Ressalta-se, também, que o concubinato impuro não é sinônimo nem se confunde com a bigamia, esta diz respeito à conduta de contrair novo casamento, sendo o agente já legalmente casado, violando-se a proibição prevista no art. 1.521, VI3, do Código Civil de 2002; trata-se de infração penal prevista no art. 235 do Código Penal. A carga estigmatizante que envolve o signo concubinato está presente nas definições doutrinárias do instituto, inclusive no sentido de não constituir uma entidade familiar. Vejamos. Milton Paulo de Carvalho Filho afirma que a definição do art. 1.727 do CC/2002 esclarece a diferença entre concubinato e união estável, sendo aquele definido no artigo correspondente ao concubinato impuro ou adulterino (o puro é a união estável), que se caracteriza pela clandestinidade e deslealdade do relacionamento não eventual, daquelas pessoas de sexos diferentes que estão impedidas de se casar e, portanto, constituir família. Da conjugação do texto deste artigo com aquele do art. 1.523, § 1º, pode-se concluir que estas pessoas impedidas de se casar são, na verdade, as já casadas, pois, assim não fosse, aquelas separadas de fato ou separadas judicialmente, que ainda não podem casar-se novamente, porque dependentes do divórcio, não estariam autorizadas a manter outra relação não eventual – união estável –, praticando o concubinato tratado no dispositivo. (Carvalho Filho, 2012, p. 2052)

Rodrigo da Cunha Pereira, em sua conhecida obra Concubinato e união estável, destaca que o concubinato impuro [...] é uma relação paralela ao casamento e uma das pessoas, geralmente o homem, mantém duas ou mais relações, uma oficial e outra(s) extraoficial(is). Mesmo que a relação com a “outra” se assemelhe a união estável e constitua, em alguns casos, uma sociedade de fato, passível de partilhamento de bens adquiridos com o esforço comum direto, não se pode identificá-la como a união estável. 3 “Art. 1.521. Não podem casar: [...] VI – as pessoas já casadas.”

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lecer família” (FIGUEREDO, 2011, p. 19). No que diz respeito à separação como elemento caracterizador da união estável, esta pode ser de fato ou legal (art. 1.723, § 1º, do CC/2002).

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Não há proteção ao concubinato adulterino [...] a amásia não tem lugar em uma sociedade monogâmica. É um paradoxo o Direito proteger duas situações concomitantemente. Isto poderia destruir toda a lógica do nosso ordenamento jurídico, que gira em torno da monogamia. [...] a proteção jurídica às relações livres como entidades familiares é somente aplicável àquelas não adulterinas. (Pereira, 2004, p. 65/66)

Lado outro. Parte da doutrina, no intuito de afastar o sentido preconceituoso do termo “concubinato”, refere-se a relações paralelas, simultaneidade de conjugalidades, famílias simultâneas, poliamor. Nesse sentido, a sempre atual lição de Maria Berenice Dias: O concubinato chamado de adulterino, impuro, impróprio, espúrio, de má-fé e até concubinagem, é alvo do repúdio social. Mas nem assim essas uniões deixam de existir, e em larga escala. Passaram agora a serem chamadas de poliamor. A repulsa aos vínculos afetivos concomitantes não os faz desaparecer, e a invisibilidade a que são condenados só privilegia o “bígamo”. São relações de afeto e, apesar de serem consideradas uniões adulterinas, geram efeitos jurídicos. [...]

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O novo Código Civil continuou punindo a “concubina”, cúmplice de um adultério, negando-lhe os direitos assegurados à companheira na união estável. Os relacionamentos paralelos, além de receberem denominações pejorativas, são condenados à invisibilidade. Simplesmente a tendência é não reconhecer sequer sua existência.

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[...] Negar a existência de famílias paralelas – quer um casamento e uma união estável, quer duas ou mais uniões estáveis – é simplesmente não ver a realidade. (Dias, 2011, p. 50-51, negrito no original)

Com efeito, o termo “concubinato” utilizado no decorrer do presente artigo não é sinônimo de união estável (heteroafetiva ou homoafetiva), mas sim o censurado concubinato impuro formado, tradicionalmente, entre o homem e mulher impedidos de se casarem e, porque não, entre pessoas do mesmo sexo impedidas de se casarem.

Entretanto, não é qualquer relação extraconjugal episódica, eventual, que caracteriza concubinato impuro. Para a formação da entidade familiar paralela, necessária uma relação fundada no afeto, de natureza pública4 (ostensiva), não eventual, com a existência ou não de filhos. É despiciendo para tal caracterização o fato da(o) consorte, dita oficial, ter ou não conhecimento da relação conjugal simultânea. Mas, caso a segunda parceira não saiba da relação oficial do seu parceiro, e acredite de boa-fé que este não tem qualquer impedimento para o casamento, entende-se configurada a união estável putativa e não o concubinato impuro, devendo-se aplicar, por analogia, o disposto sobre o casamento putativo nos termos dos arts. 1.561 e seguintes do CC/2002. O Supremo Tribunal Federal, em sede do julgamento da ADIn 4.277 e da ADPF 132, deu interpretação conforme ao art. 1.723 do Código Civil de 2002, que trata da união estável, firmando-se no sentido de excluir do mencionado dispositivo legal: [...] qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de “família”. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. (Britto, ADIn 4.277, p. 46)

Em 14 de maio do corrente ano, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ aprovou a Resolução nº 175. que proibiu as autoridades competentes recusar solicitações de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo. 4 Ressalta-se que a relação paralela mesmo pública pode ser desconhecida da família “oficial”.


O sistema de Seguridade Social brasileiro, rede de proteção social que integra políticas de Previdência Social, assistência social e saúde, inaugurado pela CF/1988, foi influenciado e adotou, em parte, o modelo denominado de Plano Beveridge de 1942, que sustenta a universalidade da proteção, uma maior distribuição de renda dentro de uma mesma geração e proteção do berço ao túmulo. A Previdência Social, art. 201 da CF/1988, é política de proteção social de natureza contributiva e obrigatória para todos os segurados, nos termos do art. 1º da Lei nº 8.213/1991, “tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente”. O sistema previdenciário não tem o escopo de proteger o segurado ou seus dependentes de todo e qualquer risco social, mas somente aqueles previstos em lei e que são os mais comezinhos na vida do cidadão que compromete sua capacidade de se autoprover, bem como de prover seus dependentes, garantindo-lhes o mínimo para uma sobrevivência digna, como defendido por William Beveridge5 já na primeira metade do século passado. O art. 16 da Lei nº 8.213/1991 traz o rol de dependentes previdenciários do Regime Geral de Previdência Social, estando no inciso I os dependentes preferenciais, cuja dependência 5 “A ideia fundamental que o Plano procura atingir é, de facto, o de estabelecer um mínimo, um padrão de vida necessário e suficiente para um homem de nosso tempo. Pode dizer-se que essa aspiração veemente se resume numa expressão, que bem se poria como ex-ergo na portada do Relatório – a luta contra a Miséria, a libertação da Miséria (The way to Freedom from Want).” (BEVERIDGE, Marques Guedes, 1943, p. 148-149, itálico no original)

econômica em relação ao segurado é presumida, sendo estes o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente. O inciso II traz os pais e o inciso III traz o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente; em ambas as hipóteses, a dependência econômica em relação ao segurado deve ser comprovada. Os dependentes da mesma classe concorrem entre si, fazendo jus a quotas-partes iguais do benefício (art. 77 da Lei nº 8.213/1991), sendo que a presença dos dependentes de qualquer uma das classes exclui o direito dos demais (art. 16, § 1º, da Lei nº 8.213/1991). Os menores tutelados e os enteados, mediante declaração do segurado e desde que comprovem a dependência econômica, concorrem com os dependentes preferenciais (art. 16, § 2º). Nos termos do art. 76, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, também concorrerá com os dependentes preferenciais “o cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato que recebia pensão de alimentos”. Há precedentes6 das Cortes Regionais Federais no sentido de que, por exemplo, o pagamento regular de aluguéis e de contas de água, luz, plano de saúde, realização de compras de gêneros alimentícios, entre outros, demonstram o auxílio material prestado pelo segurado a seu ex-cônjuge, caracterizando a 6 Vejam: TRF1, AC 200601990458830; Ap-RE 200551015004838; Ap-RE 200651015042534; TRF2, EI-AC 200002010608547; TRF3, AC 00396315320104039999, TRF4, Ap-Reex 200572070019427; TRF5, AC 200181000099636; TNU, Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal nº 200684005094360.

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3 PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA: OBJETIVO

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dependência previdenciária, mesmo que não fixada formalmente pensão de alimentos. Os benefícios e serviços concedidos aos dependentes do segurado são: a pensão por morte (arts. 74 a 79 da Lei nº 8.213/1991) na hipótese de morte natural ou presumida; auxílio-reclusão (art. 80 da Lei nº 8.213/1991) para famílias de baixa renda na hipótese de prisão do segurado; o serviço social (art. 88 da Lei nº 8.213/1991); e a habilitação/reabilitação profissional (arts. 89 a 93 da Lei nº 8.213/1991).

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Verifica-se que a proteção previdenciária dos dependentes do segurado tem como norte a dependência econômica (presumida ou não), pois não se concebe em um Estado Democrático de Direito fundado na dignidade da pessoa humana, que haja o total abandono e desamparo por parte do Estado àqueles que eram providos, no todo ou em parte, pelo segurado falecido ou preso.

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Na lição de Ingo Sarlet, de um lado, a dignidade da pessoa humana demarca ou limita a atuação estatal no sentido de não se imiscuir na esfera privada do indivíduo, de outro lado, significa que a atuação estatal deverá ter, como norte definitivo, a “proteção, promoção e realização concreta de uma vida com dignidade para todos” (Sarlet, 2010, p. 126). Citando Pérez Luno, Sarlet destaca que “a dignidade da pessoa humana constitui não apenas a garantia negativa de que a pessoa não será objeto de ofensas ou humilhações, mas implica também, num sentido positivo, o pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo” (Sarlet, 2010, p. 126). A Previdência Social não tem a atribuição de perquirir, analisar a moralidade ou não de conjugalidades simultâneas, bem como se os envolvidos tinham ou não impedimento para o casamento. Sua finalidade é a proteção social, é a garantia do mínimo para que os dependentes econômicos do segurado possam manter-se com um padrão de vida mínimo.

Destarte, à Previdência Social, sendo requerido o benefício, cabe analisar a existência de dependência econômica da parceira em relação ao segurado, seja por meio de fornecimento de alimentos ou outra espécie de auxílio material regular e relevante para sua subsistência, podendo ser norteada pelo disposto no art. 22, § 3º, do Decreto nº 3.048/1999, que traz lista exemplificativa de documentos aptos a demonstrar a dependência econômica previdenciária. No atual paradigma constitucional, não se concebe mais um Direito que vire as costas ao mundo da vida, que discrimine e abandone seus cidadãos pelo fato de construírem uma entidade familiar, que apesar de baseada no afeto, solidariedade, estabilidade, não se enquadra na moral social vigente. O concubinato é uma realidade social e constitui uma entidade familiar, não podendo ser renegado à invisibilidade ou irrelevância jurídica. Na lição de Carlos Albuquerque Filho: O pluralismo das entidades familiares impõe o reconhecimento de outros arranjos familiares além dos expressamente previstos constitucionalmente. Afinal, existindo a possibilidade de manifestação de afeto, através da convivência, publicidade e estabilidade, estaremos diante de uma entidade familiar. Indubitavelmente, em relações simultâneas estáveis, existe convivência, vida em comum, e, também, um mínimo de publicidade, pois ao menos algumas pessoas, parentes próximos, amigos íntimos, têm conhecimento daquela relação. Negar essa perspectiva significa negar a própria realidade, pois o concubino adulterino importa, sim, para o Direito. As relações intersubjetivas estabelecidas repercutem no mundo jurídico, pois os concubinos, que preferimos chamar de companheiros, convivem, às vezes têm filhos, existe construção patrimonial em comum. Destratar mencionada relação não lhes outorgando qualquer efeito atenta contra a dignidade dos partícipes, companheiro(a), filhos porventura existentes. Além disso, reconhecer apenas efeitos patrimoniais, como sociedade de fato, consiste em uma mentira jurídica, porquanto os companheiros não se uniram para constituir uma sociedade. Por fim, desconsiderar a participação do


Conforme leciona Ronald Dworkin em sua obra Levando os direitos a sério, enquanto indivíduos, têm os cidadãos o direito a dois tipos de direito de igualdade. O primeiro é o direito a igual tratamento (equal treatment), “que é o direito a uma igual distribuição de alguma oportunidade, recurso ou encargo” (Dworkin, 2002, p. 349/350); o segundo é o direito ao tratamento como igual (treatment as equal), “que é o direito de ser tratado com o mesmo respeito e consideração que qualquer outra pessoa” (Dworkin, 2002, p. 349/350). No tocante à concepção de igualdade dworkiana e à proteção dada pela Constituição de 1988, destaca-se a reflexão de Janaína Penalva Lima da Silva: Igual consideração é então a primeira exigência que se faz ao Estado, por isso, seja em relação a bens, recursos ou direitos, não há espaço para considerações mínimas na Constituição Brasileira de 1988. Os parceiros de uma comunidade política que aceitam ser regidos pelo direito mais amplo a um tratamento em igual respeito e consideração precisam que as leis e as políticas adotadas não dependam de quem eles sejam – em termos econômicos, de raça, gênero, competências ou deficiências. Esse é o princípio de igual importância. Além disso, é preciso que o Estado se empenhe em tornar o destino desses cidadãos sensível às opções que fizeram, conforme enuncia o princípio da responsabilidade especial (Dworkin, 2005). (Silva, 2011, p. 11)

A Lei nº 8.213/1991 não faz qualquer referência ao concubinato, trazendo expressa a menção à união estável em seu art. 16, § 3º, no qual considera “companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal”. Por sua vez, a atual redação do art. 16, § 6º, do Decreto nº 3.048/1999 restringe tal conceito ao dispor que “considera-se união estável aquela configurada na convivência

pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, estabelecida com intenção de constituição de família, observado o § 1º do art. 1.723 do Código Civil, instituído pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002”. Entrementes, o Direito é um fenômeno histórico e interpretativo. A prática jurídica é essencialmente uma atividade interpretativa, aberta, contextualizada, a qual deve ser norteada pelos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, vedação a qualquer forma de preconceito e discriminação e tratamento em igual respeito e consideração a todo indivíduo, independentemente do seu arranjo familiar, do seu projeto particular de felicidade. Urge sobre o tema uma interpretação sistemático-teleológica do art. 16, I, da Lei nº 8.213/1991, conforme magistral lição de Francesco Ferrara: O jurista há-de ter sempre diante dos olhos o fim da lei, o resultado que quer alcançar na sua actuação prática; a lei é um ordenamento de proteção que entende satisfazer certas necessidades, e deve interpretar-se no sentido que melhor responda a esta finalidade, e portanto em toda plenitude que assegure tal tutela. [...] Não se pode afirmar a priori como absolutamente certa uma dada interpretação, embora consiga num dado momento o aplauso mais ou menos incontrastado da doutrina ou magistratura. A interpretação pode sempre mudar quando se reconheça errónea ou incompleta. Como tôda a obra científica, a interpretação progride, afina-se. (Ferrara, 1937, p. 23)

Por fim, vale firmar que a tese defendida no presente trabalho não esbarra na vedação do § 5º do art. 195 da CF/1988, que exige o prévio custeio nos seguintes termos: “Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”. A regra de preexistência de custeio para criação, majoração e extensão de benefícios previdenciários é fundamental para o equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social, para sua própria perpetuação no tempo e está presente nos Textos Cons-

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companheiro(a) casado(a) na relação concubinária, a fim de entendê-la como monoparental em havendo filho(s), ofende o princípio da livre escolha de entidade familiar, de família, pois estaríamos diante de uma entidade monoparental imposta. (Albuquerque Filho, 2002, p. 159/160)

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titucionais brasileiros desde a EC 11/1965, que acrescentou o § 2º ao art. 157 da Constituição de 1946. Conforme define Sérgio Pinto Martins (Martins, 2009, p. 60), a criação diz respeito a um benefício novo antes inexistente, a majoração trata de um benefício já existente e que foi aumentado e a extensão versa sobre um benefício já existente e que passa a abranger outras hipóteses. Não há nenhuma das três hipóteses anteriormente referidas, pois o que se sustenta é que a concubina, que comprove a dependência econômica com o segurado, faz jus à concessão e/ou à divisão com os demais dependentes do art. 16, I, da Lei nº 8.213/1991 do benefício previdenciário (pensão por morte ou auxílio-reclusão), buscando-se, assim, uma tratamento em igual respeito e consideração, não levando a qualquer aumento de gasto aos cofres previdenciários.

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5 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ANÁLISE DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS NºS 397.762, 590.779 E 669.465 – REPERCUSSÃO GERAL

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A possibilidade de rateio da pensão por morte entre a esposa e a concubina já foi analisado pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, o leading case sobre o tema foi o RE 397.762, Relator Ministro Marco Aurélio, cujo julgamento, na Primeira Turma, teve início em 4 de maio de 2005, sendo suspenso por pedido de vista do Ministro Ayres Britto e concluído em 30 de junho de 2008. Tratava-se de recurso ajuizado pelo Estado da Bahia em face de decisão do Tribunal de Justiça daquele Estado, o qual determinou o rateio entre a viúva e a concubina da pensão por morte de servidor público estadual, que manteve relação conjugal paralela por 37 anos, tendo desta resultado nove filhos e da relação oficial uma prole de 11 filhos.

Em seu voto, o Relator destacou que a Corte baiana vislumbrou união estável onde somente havia concubinato, sendo este passível de gerar apenas sociedade de fato (Mello, 2008, p. 617). Deu, assim, provimento ao recurso extraordinário por entender violado o disposto no art. 226, § 3º, da CF/1988, não devendo a pensão por morte ser dividida entre a viúva e a concubina, apesar da longevidade da relação. Em seu voto vista, o Ministro Ayres Britto toma posição consonante com a defendida neste trabalho, que o concubinato constitui uma entidade familiar que deve ser protegida pelo Estado, não podendo esta espécie de arranjo familiar ser objeto de discriminação; afirma que o termo “concubinato” é palavra “azeda, feia, discriminadora, preconceituosa” (Britto, 2008, p. 628), afirma, também, que “não há concubinos para a Lei Mais Alta do nosso País, porém casais em situação de companheirismo” (Britto, 2008, p. 629). Ressalta que no caso em tela restaram demonstradas a estabilidade da relação de companheirismo e a dependência econômica da companheira em relação ao segurado falecido. Por fim, aduz que: Com efeito, à luz do direito constitucional brasileiro, o que importa é a formação em si de um novo e duradouro núcleo doméstico. A concreta disposição do casal para construir um lar com subjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente confirma. Isto é família, pouco importando se um dos parceiros mantém uma concomitante relação sentimental a dois. No que andou bem a nossa Lei Maior, ajuízo, pois ao Direito não é dado sentir ciúmes pela parte supostamente traída, sabido que esse órgão chamado coração “é terra que ninguém pisou”. Ele, coração humano, a se integrar num contexto empírico da mais entranhada privacidade, perante a qual o Ordenamento Jurídico somente pode atuar como instância protetiva. Não censora ou por qualquer modo “embaraçante”. Sinta-se que, no âmbito mesmo do capítulo constitucional de nº VII, título VIII, o dever que se impõe à família para assistir amplamente a criança e o adolescente (art. 227, cabeça) não cessa pelo fato de se tratar de casal impedido de contrair matrimônio civil.i\ Nada disso! O casal é destinatário, sim, da imposição constitucional de múltiplos


Após intensos debates, os Ministros Menezes Direito, Carmen Lúcia e Ricardo Lewandowski acompanharam o voto do Relator Ministro Marco Aurélio no sentido de que a proteção dada pelo art. 226, especialmente seu § 3º, da CF/1988 não abarca o concubinato, restando assim ementada: COMPANHEIRA E CONCUBINA – DISTINÇÃO – Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. União estável. Proteção do Estado. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato. Pensão. Servidor público. Mulher. Concubina. Direito. A titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina.

Em 10 de fevereiro de 2009, a Primeira Turma do STF novamente analisou o tema no julgamento do RE 590.779, de relatoria do Ministro Marco Aurélio. Tratou-se de recurso extraordinário movido pela viúva de segurado, que manteve conjugalidade simultânea por 30 anos e com uma filha, contra decisão da Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais em Vitória/ES que determinou o rateio da pensão previdenciária. Na mesma linha adotada no julgamento anterior, o Ministro Marco Aurélio deu provimento ao recurso por entender que o art. 226, § 3º, da CF/1988 pressupõe a possibilidade de conversão em casamento, não se igualando o concubinato à união estável, gerando, quando muito, sociedade de fato, não devendo a pensão por morte ser dividida.

Também neste caso o Ministro Ayres Britto restou vencido, destacando, contudo, que: Se há um núcleo doméstico estabilizado no tempo, é dever do Estado ampará-lo como se entidade familiar fosse, como real entidade familiar, até porque os filhos, que merecem absoluta proteção do Estado, não têm nada a ver com a natureza da relação entre os pais. Interessa é que o núcleo familiar em si mesmo merece toda proteção. (Britto, 2009, p. 1070)

Em 8 de março de 2012, o STF reconheceu a repercussão geral da matéria no RE 669.465, Relator Ministro Luiz Fux, que, conforme consulta à movimentação processual no sítio eletrônico, em 20 de maio de 2013, já foi juntado parecer do Procurador-Geral da República e o processo se encontra concluso ao Relator desde 27 de novembro de 2012. Trata-se de recurso extraordinário ajuizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS contra decisão da Turma Recursal dos Juizados Especiais do Espírito Santo que determinou o rateio da pensão por morte entre a esposa e a concubina com a qual o segurado falecido conviveu paralelamente por mais de 20 anos e teve uma filha. O Ministro Luiz Fux, em seu voto relativo à existência de repercussão geral, destacou que “a matéria não é novidade nesta Corte, tendo sido apreciada algumas vezes nos órgãos fracionários, sem que se possa, contudo, afirmar que se estabeleceu jurisprudência” (Fux, 2012, p. 2). Diferentemente dos precedentes alhures analisados, o RE 669.465 será julgado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal e dotado de repercussão geral. Sendo o recurso extraordinário provido, a interpretação dada pelo STF terá repercussão em milhares de casos que versam sobre o mesmo tema no próprio Tribunal e nas demais instâncias do Judiciário.

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deveres, tanto quanto seus filhos até à adolescência se fazem titulares de todos os direitos ali expressamente listados. E se o casal não tem como se escusar de tal imposição jurídica, claro está que a família por ele constituída faz jus “à proteção especial” de que versa a cabeça do art. 226. Verso e reverso de uma só medalha. Estrada de mão dupla como imperativo de política pública e justiça material. (Britto, 2008, p. 629/630, destaques no original)

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5 CONCLUSÃO: O DIREITO É O JUIZ DO AMOR? Nos precedentes analisados, percebe-se claramente que a tese vencedora capitaneada pelo Ministro Marco Aurélio se prendeu ao disposto no art. 226, § 3º, da CF sobre a possibilidade ou facilidade que tem a união estável de se converter em casamento. Todavia, data maxima venia, entende-se que tal análise é equivocada e parcial, não vislumbra o tema da proteção previdenciária ao concubinato em todas as suas facetas e complexidade, ficando adstrita a uma concepção ultrapassada ou restrita de família.

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A solução não é igualar o concubinato à união estável, nem ficar preso a conceitos ou preconceitos. A CF/1988, em breve, completará 25 anos. Vivemos, hoje, em uma sociedade muito diversa à de quase três décadas atrás. O Texto Constitucional representou um inimaginável avanço à sua época ao trazer, expressamente, a família matrimonial, a união estável e a monoparental, mas não pode ficar “congelado” no tempo e no espaço, indiferente aos atuais arranjos familiares.

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O Seguro Social, desde a sua origem, sempre procurou proteger o segurado nos momentos de perda ou diminuição de sua capacidade de trabalho nas hipóteses de doença, idade avançada, invalidez, desemprego involuntário, bem como proteger aqueles que dependiam economicamente do segurado, especialmente na hipótese de morte. O objetivo da Previdência Social é essencialmente protetivo, de garantida do mínimo para uma sobrevivência digna, não podendo, com efeito, delimitar a priori qual espécie de companheira tem direito a esta proteção, deixando ao léu a outra parceira, após anos e anos de relação, ficando esta descoberta, desprotegida pelo fato de sua relação não ser passível de ser convertida em casamento. Nesse aspecto, relevante a lição de Carlos Albuquerque Filho:

Portanto, um Estado que se quer democrático, em que a dignidade da pessoa humana é erigida à condição de fundamento da república, não pode, sob pena de contrariar frontalmente o ordenamento constitucional, partir de uma perspectiva de exclusão dos arranjos familiares, entenda-se, tecnicamente, entidades familiares não mencionadas expressamente pela CF, a que denominamos entidades familiares implicitamente constitucionalizadas, como é a hipótese do concubinato adulterino. (Albuquerque Filho, 2002, p. 150)

Necessário sempre ter em mente que a Constituição é um texto aberto às mudanças sociais, sob pena de rápida fossilização. Como afirmado no decorrer do presente trabalho, a Carta Magna de 1988 não taxou quais os modelos familiares, apenas os exemplificou com base na sociedade da sua época. O próprio STF recentemente tratou da família homoafetiva, tema inimaginável em outubro de 1988, exatamente fulcrado na dignidade da pessoa humana e em uma concepção plural e democrática de família. O Poder Judiciário é a caixa de ressonância da sociedade, tem importante papel na garantia e efetivação dos direitos fundamentais. Conforme sublimar lição de Ronald Dworkin7 trazida para o contexto do presente artigo, pode-se firmar que um Estado que não leva a sério e não tutela em condições de igualdade previdenciária as parceiras que construíram, mesmo que ao lado de uma relação oficial, uma entidade familiar baseada no afeto, publicidade, estabilidade de toda uma vida, não leva a sério a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, não trata com a devida humanidade e com igual respeito e consideração todos os seus cidadãos, discrimina-os em razão dos seus projetos particulares de vida e de busca da felicidade. 7 “Se não podemos exigir que o governo chegue a respostas corretas sobre os direitos de seus cidadãos, podemos ao menos exigir que o tente. Podemos exigir que leve os direitos a sério, que siga uma teoria coerente sobre a natureza desses direitos, e que aja de maneira consistente com suas próprias convicções.” (Dworkin, 2002, p. 286)


ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de. Famílias simultâneas e concubinato adulterino. In: Família e cidadania: o novo CCB e a Vacatio Legis. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família. Coordenador: Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: IBDFam/Del Rey, 2002, p. 143/161. BEVERIDGE, William. MARQUES GUEDES, Armando. O Plano Beveridge. 2. ed. Lisboa: Editorial Século, 1943. 342p. BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: www. planalto.gov.br. Acesso em: 18 maio 2013. ______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 18 maio 2013. ______. Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 18 maio 2013. ______. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 18 maio 2013. ______. Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 18 maio 2013. ______. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 590.779/ES. Rel. Min. Luiz Fux. Disponível em: <http://www. stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp>. Acesso em: 20 maio 2013. ______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.277/DF. Rel. Min. Carlos Ayres Britto, voto do Min. Carlos Ayres Britto proferido na sessão plenária de 4 de maio de 2011. Disponível em: <http:// www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp>. Acesso em: 18 maio 2013.

______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 590.779/ES. Rel. Min. Marco Aurélio. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp>. Acesso em: 18 maio 2013. ______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 397.762/BA. Rel. Min. Marco Aurélio. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp>. Acesso em: 18 maio 2013. CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. 1339p. CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Código Civil comentado. Coordenação do Ministro Cezar Peluso. 6. ed. Barueri: Manole, 2012. 2483p. CONSELHO Nacional de Justiça. Resolução nº 175, de 14 de maio de 2013. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atosnormativos?tipo%5B%5 D=7&numero=175&data=2013&origem=Todos&expressao=&pesq=1>. Acesso em: 18 maio 2013. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 688p. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 568p. FERRARA, Francesco. Interpretação e aplicação das leis. Tradução Manuel A. D. de Andrade. 2. ed. São Paulo: Livraria Acadêmica/Saraiva & Cia, 1937. 114p. FIGUEREDO, Luciano. Monogamia: princípio jurídico? Revista brasileira de direito das famílias e sucessões, São Paulo, a. XII, n. 23, p. 15-40, ago./ set. 2011. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 15. ed. RJ: Impetus, 2010. 939p. ______. O concubinato na Previdência Social. Revista de Previdência Social, São Paulo: LTr, a. XXXIV, n. 361, p. 1045/1049, dez. 2010. INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: síntese de indicadores 2011. Disponível em: <http://loja.ibge.gov.br/pnad-2011-sintese-dos-indicadores.html>. Acesso em: 18 maio 2013. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2009. 543p. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. 219p.

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REFERÊNCIAS

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SILVA, Janaína Lima Penalva da. A igualdade sem mínimos: direitos sociais, dignidade e assistência social em um Estado democrático de direito – Um estudo de caso sobre o Benefício de prestação continuada no Supremo Tribunal Federal. Tese de Doutorado. Universidade de Brasília, Brasília, 2011. 203p.

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Acórdão na Íntegra

Superior Tribunal de Justiça Agravo Regimental no Conflito de Competência nº 131.224/RN (2013⁄0379551-0) Relator: Ministro Sérgio Kukina Agravante: Estado do Rio Grande do Norte Procuradores: Doraciano Freire do Nascimento e outro(s) Procurador: Marconi Medeiros Marques de Oliveira Agravado: Francisca de Roma Paulino Araújo Advogado: Marcos Antonio Inácio da Silva

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. As Sras. Ministras Regina Helena Costa e Marga Tessler (Juíza Federal convocada do TRF 4ª Região) e os Srs. Ministros Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília/DF, 22 de outubro de 2014 (data do Julgamento). Ministro Sérgio Kukina Relator

EMENTA AGRAVO REGIMENTAL EM CONFLITO DE COMPETÊNCIA – EMPREGADA CONTRATADA SOB REGIME CELETISTA, POSTERIORMENTE ALTERADO PARA ESTATUTÁRIO – ACUMULAÇÃO DE PEDIDOS – COMPETÊNCIA DO JUÍZO TRABALHISTA LIMITADA À APRECIAÇÃO DOS PEDIDOS FUNDADOS NA CLT – COMBINADA INTELIGÊNCIA DAS SÚMULAS NºS 97 E 170 DO STJ – AGRAVO NÃO PROVIDO 1. A reclamante foi contratada em 1º de novembro de 1984 como empregada pública, sob o regime celetista, que perdurou por cerca de dez anos, até a vigência da Lei Municipal nº 122, em 1º de julho de 1994. Na inicial, dirige-se à Justiça Trabalhista para formular pedidos fundados na CLT, bem como a nulidade da norma que posteriormente a submeteu ao regime estatutário. 2. Nesse contexto, inafastável a incidência dos comandos contidos nos Enunciados Sumulares nºs 97 e 170 desta Corte, a firmar a competência da Justiça Trabalhista, em que originariamente ajuizada a subjacente ação, “nos exatos limites de sua competência, delineados nos aludidos enunciados sumulares desta Corte”. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.

RELATÓRIO Ministro Sérgio Kukina (Relator): Trata-se de agravo regimental, interposto pelo Estado do Rio Grande do Norte, contra a decisão às fls. 266 a 268, pela qual, em harmonia com o parecer ministerial e com fundamento nas Súmulas nºs 97 e 170 desta Corte, bem como em precedentes da e. Primeira Seção, atribuiu-se à Justiça Trabalhista a competência para, “nos exatos limites da sua competência, delineados nos aludidos enunciados sumulares” (fl. 268), decidir reclamação trabalhista ajuizada pela ora agravada. Argumenta que “na hipótese vertente, o pedido prejudicial é de natureza estatutária e consiste na anulação do ato administrativo que transmudou o vínculo do agravante com a Administração Pública” (fl. 276). Requer, por isso, a reconsideração da decisão agravada ou sua apreciação pelo colegiado. É o relatório.


VOTO Ministro Sérgio Kukina (Relator): Tem-se, na origem, conflito negativo de competência entre o Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Portalegre (suscitante) e o Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (suscitado), ambos do Rio Grande do Norte, nos autos da reclamação trabalhista ajuizada em 5 de janeiro de 2010 por Francisca de Roma Paulino Araújo em desfavor do Estado do Rio Grande do Norte, objetivando o recebimento de valores que seriam devidos ao FGTS. A ação foi proposta perante a Vara do Trabalho de Pau dos Ferros/RN, que, fundada em precedente da própria Vara, extinguiu o feito, sem resolução do mérito, alegando a incompetência absoluta da Justiça Obreira, em razão da matéria, decisão posteriormente confirmada pelo Tribunal suscitado, em sede de recurso ordinário. O Ministério Público Federal manifestou-se, com fundamento nas Súmulas nºs 97 e 170 do STJ, pela competência da Justiça do Trabalho.

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Esse o contexto que deu suporte à decisão ora agravada que, ancorada em Súmulas do STJ e em precedentes da Primeira Seção desta Corte, tem o seguinte teor:

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Relata a autora ter sido contratada pelo Estado em 1º de novembro de 1984 como empregada pública, sujeita ao regime celetista, para desempenho da função de auxiliar de serviços gerais, que ainda desempenha, agora sob regime estatutário. Busca receber direitos que entende cerceados, por conta da alteração do regime. Nesse contexto, acertadas as considerações do parecer ministerial – cujos fundamentos também adoto como razão de decidir – impondo-se, pelas peculiaridades fáticas, a competência da Justiça do Trabalho, a teor do princípio contido nas Súmulas nºs 97 e 170 do STJ, verbis: Súmula nº 97/STJ: “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar reclamação de servidor público relativamente a vantagens trabalhistas anteriores à instituição do regime jurídico único.”

Súmula nº 170/STJ: “Compete ao juízo onde primeiro for intentada a ação envolvendo acumulação de pedidos, trabalhista e estatutário, decidi-la nos limites da sua jurisdição, sem prejuízo do ajuizamento de nova causa, com o pedido remanescente, no juízo próprio. A propósito, registro as recentes decisões proferidas pelos Ministros Mauro Campbell Marques (EDcl-CC 132.465/PE, DJe de 09.05.2014), Ari Pargendler (CC 132.140/RN, DJe de 30.04.2014), Herman Benjamin (CC 129.653/RN, DJe de 6 de setembro de 2013) e Og Fernandes (CC 133.140/RN, DJe de 25.04.2014), nas quais Suas Excelências, analisando hipóteses análogas, decidiram,igualmente, pela competência da Justiça Obreira. Conheço, pois, do conflito e o decido, com fundamento no que dispõe o art. 120, parágrafo único, do CPC, para declarar competente o Juízo da Vara do Trabalho de Pau dos Ferros/RN, para, superada a preliminar, prosseguir no processamento e julgamento do mérito da causa, como entender de direito, nos exatos limites de sua competência, delineados nos aludidos enunciados sumulares desta Corte.

Por tudo isso, e em que pese a argumentação do agravante, certo é que a reclamante foi contratada em 1º de novembro de 1984 como empregada pública, sob o regime celetista, que perdurou por cerca de dez anos, até a vigência da Lei Municipal nº 122, em 1º de julho de 1994. Na inicial dirige-se à Justiça Trabalhista para formular pedidos fundados na CLT, bem como a nulidade da norma que a submeteu ao regime estatutário. Assim, e como também anotado no parecer ministerial, inafastável a incidência dos comandos contidos nos Enunciados Sumulares nºs 97 e 170 desta Corte: Súmula nº 97/STJ: “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar reclamação de servidor público relativamente a vantagens trabalhistas anteriores à instituição do regime jurídico único.” Súmula nº 170/STJ: “Compete ao juízo onde primeiro for intentada a ação envolvendo acumulação de pedidos, trabalhista e estatutário, decidi-la nos limites da sua jurisdição, sem prejuízo do ajuizamento de nova causa, com o pedido remanescente, no juízo próprio.”


Eis, portanto, a razão da ressalva posta na parte dispositiva da decisão agravada: Conheço, pois, do conflito e o decido, com fundamento no que dispõe o art. 120, parágrafo único, do CPC, para declarar competente o Juízo da Vara do Trabalho de Pau dos Ferros/RN, para, superada a preliminar, prosseguir no processamento e julgamento do mérito da causa, como entender de direito, nos exatos limites de sua competência, delineados nos aludidos enunciados sumulares desta Corte.

Por todo o exposto, tenho por inabalados os fundamentos da decisão agravada, pelo que nego provimento ao presente agravo regimental. É como voto.

AUTUAÇÃO Suscitante: Juízo de Direito de Portalegre – RN Suscitado: Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região Interes.: Francisca de Roma Paulino Araújo Advogado: Marcos Antonio Inácio da Silva Interes.: Estado do Rio Grande do Norte Procurador: Doraciano Freire do Nascimento e outro(s) Assunto: Direito administrativo e outras matérias de direito público – Empregado público/temporário

AGRAVO REGIMENTAL Agravante: Estado do Rio Grande do Norte

CERTIDÃO DE JULGAMENTO PRIMEIRA SEÇÃO AgRg-CC 131.224/RN

Procuradores: Marconi Medeiros Marques de Oliveira Procurador: Doraciano Freire do Nascimento e outro(s) Agravado: Francisca de Roma Paulino Araújo Advogado: Marcos Antonio Inácio da Silva

Número Registro: 2013/0379551-0

Números Origem: 00001957120128200150 18003820105210023 1957120128200150 Pauta: 22.10.2014 Julgado: 22.10.2014 Relator: Exmo. Sr. Ministro Sérgio Kukina Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Flavio Giron Secretária: Belª Carolina Véras

CERTIDÃO Certifico que a egrégia Primeira Seção, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: “A Seção, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.”

As Sras. Ministras Regina Helena Costa e Marga Tessler (Juíza Federal convocada do TRF 4ª Região) e os Srs. Ministros Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Processo Eletrônico

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Pesquisa Temática

Condomínio Condomínio – ação de cobrança – compromisso de compra e venda – transferência da posse “Agravo regimental. Recurso especial. Ação de cobrança. Despesas condominiais. Compromisso de compra e venda. Transferência da posse. Conhecimento do condomínio. Legitimidade passiva. Denunciação da lide. Princípios da celeridade e economia processuais. Perda do direito de regresso. Prequestionamento. Aplicação das Súmulas nºs 282 e 356 do STF. Incidência das Súmulas nºs 7, 83 e 182 do STJ. 1. A jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de, uma vez demonstrado que o promissário-comprador imitiu-se na posse do bem e sendo comprovado que o condomínio teve ciência inequívoca da transação, afastar a legitimidade passiva do promitente-vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário-comprador. 2. Consoante tem entendido o STJ, a denunciação da lide tem cabimento quando não comprometer os princípios da economia e da celeridade processuais, observando-se ainda que o instituto só se faz obrigatório quando implicar a perda do direito de regresso. 3. Para o conhecimento do recurso especial é indispensável o prequestionamento da questão de direito federal, que ocorre com manifestação inequívoca acerca da tese pelo acórdão recorrido, condição que não se verificou na hipótese dos autos. Incidência da vedação prevista nos Verbetes Sumulares nºs 282 e 356/STF. 4. A revisão do julgado estadual impõe reexame da matéria fática dos autos, intuito vedado pelo óbice do Enunciado Sumular nº 7 do STJ. 5. Acórdão de origem em harmonia com o entendimento jurisprudencial do STJ (Enunciado nº 83 da súmula). 6. As razões do agravo regimental não impugnam especificamente toda a fundamentação da decisão agravada, o que atrai a incidência do Verbete nº 182 do STJ. 7. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.320.500 – (2012/0084902-0) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 11.06.2013)

Condomínio – ação de cobrança – cumprimento de sentença “Agravo regimental. Ação de cobrança de despesas condominiais em acórdão recorrido. Inexistência. Fundamento inatacado. Súmula nº 283/ Processo Civil, destinam-se os embargos de declaração a expungir do julgase caracterizando via própria ao rejulgamento da causa. 2. Inviável o recurso por si só, para manter a conclusão do julgado, atraindo a aplicação da Súmula improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 268.642 – (2012/0258987-7) – 3ª T. – Rel. Min.

fase de cumprimento de sentença. Omissão do STF. 1. Consoante dispõe o art. 535 do Código de do eventual omissão, obscuridade ou contradição, não especial que deixa de impugnar fundamento suficiente, nº 283 do Supremo Tribunal Federal. 3. Agravo regimental Sidnei Beneti – DJe 11.06.2013)

Condomínio – ação de cobrança – ilegitimidade ativa “Apelação cível. Ação de cobrança despesas de condomínio. Alegação de ilegitimidade ativa do condomínio. Contrato de cobrança formulado com empresa especializada. Sub-rogação. Inocorrência. Precedentes. Cerceamento de defesa. Preclusão do direito de produzir provas. Legitimidade passiva da Cohab configurada. Divida propter rem que acompanha o imóvel. Honorários advocatícios fixados corretamente. Sentença mantida. Recurso desprovido. 1. O condomínio é parte legitima para figurar no pólo ativo da ação de cobrança, vez que o fato de se valer de empresa especializada para cobrança de taxas de condomínio, mediante sistema de antecipação de pagamento do débito pelos condôminos, não constitui sub-rogação em favor desta. 2. Quando a parte deixa de ingressar com o recurso adequado, no momento em que foi intimada da decisão que anuncia o julgamento antecipado da lide; Quedando-se silente, configura-se a preclusão (art. 300 do CPC) não podendo mais alegar cerceamento de prova. 3. A legitimidade da Cohab, para figurar no pólo passivo da lide, decorre da sua condição de proprietária, pois ao readquirir o imóvel, assumiu para si o ônus que sobre este recaia, por se tratar de obrigação propter rem. 4. As cotas de condomínio incluem-se na espécie, entre as prestações periódicas, que se consideram implícitas no pedido, devendo ser incluídas na condenação, se não pagas, enquanto durar a obrigação (Superior Tribunal de Justiça, REsp 155.714/ES, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, J. 16.11.1999, Public. DJ 21.02.2000, p. 128).” (TJPR – AC 0936072-7 – 9ª C.Cív. – Rel. Juiz Conv. Subst. Sérgio Luiz Patitucci – DJe 06.03.2013)

Condomínio – cobrança de despesas – penhora sobre a totalidade do imóvel “Cobrança de despesas condominiais. Cumprimento de sentença. Penhora sobre a totalidade do imóvel, independentemente de a ação ter sido ajuizada somente contra um dos coproprietários. Inviabilidade de o credor suscitar ‘dúvida registral’, como determinado pela r. decisão agravada, após negativa do cartório do registro de imóveis quando da averbação


da penhora. Determinação de que seja expedido ofício a fim de que seja averbada a penhora sobre a totalidade da unidade condominial. Observação quanto à necessidade de intimação do coproprietário da penhora levada a efeito. Decisão reformada. Agravo de instrumento provido, com observação.” (TJSP – AI 0240247-25.2012.8.26.0000 – São Paulo – 34ª CDPriv. – Relª Cristina Zucchi – DJe 05.06.2013)

Condomínio – cotas – ação de cobrança – ausência de registro do contrato de compra e venda “Agravo regimental no agravo de instrumento. Ação de cobrança de cotas condominiais. Ausência de registro do contrato de compra e venda e de ciência do condomínio. Legitimidade passiva do vendedor, antigo proprietário. Alegação de que houve comunicação ao condomínio. Reexame de fatos e provas. Súmula nº 7/STJ. 1. A jurisprudência desta eg. Corte pacificou-se no sentido de considerar que, a despeito de se conceber a possibilidade de atribuir responsabilidade ao vendedor pelo pagamento de despesas condominiais, referentes ao período posterior à celebração do contrato de compra e venda, há de ser observado que a escolha quanto à legitimidade para responder pelos débitos não fica ao inteiro arbítrio do credor. Se ficar demonstrado que o condomínio teve ciência da realização da transferência do imóvel a um terceiro e que este passou a ter a posse do bem ou titularizou direitos de gozo ou fruição, caberá apenas a este a legitimidade para responder sobre as cotas condominiais. 2. Tendo o Tribunal de origem assentado que não houve ciência inequívoca do condomínio, é inviável a pretensão recursal que busca demonstrar o contrário, uma vez que tal providência demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que se sabe vedado em sede de recurso especial. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-EDcl-AI 1.092.904 – (2008/0193825-2) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 07.05.2013)

Condomínio – cotas – ação de cobrança – ausência de registro do contrato de compra e venda e de ciência do condomínio – legitimidade passiva do vendedor “Agravo regimental no agravo de instrumento. Ação de cobrança de cotas condominiais. Ausência de registro do contrato de compra e venda e de ciência do condomínio. Legitimidade passiva do vendedor, antigo proprietário. Alegação de que houve comunicação ao condomínio. reexame de fatos e provas. Súmula nº 7/STJ. 1. A jurisprudência desta eg. Corte pacificou-se no sentido de considerar que, a despeito de se conceber a possibilidade de atribuir responsabilidade ao vendedor pelo pagamento de despesas condominiais, referentes ao período posterior à celebração do contrato de compra e venda, há de ser observado que a escolha quanto à legitimidade para responder pelos débitos não fica ao inteiro arbítrio do credor. Se ficar demonstrado que o condomínio teve ciência da realização da transferência do imóvel a um terceiro e que este passou a ter a posse do bem ou titularizou direitos de gozo ou fruição, caberá apenas a este a legitimidade para responder sobre as cotas condominiais. 2. Tendo o Tribunal de origem assentado que não houve ciência inequívoca do condomínio, é inviável a pretensão recursal que busca demonstrar o contrário, uma vez que tal providência demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que se sabe vedado em sede de recurso especial. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-EDcl-AI 1.092.904 – (2008/0193825-2) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 07.05.2013)

“Condomínio edilício. Recurso especial. Quorum para alteração do regimento interno de condomínio. Matéria que deve ser disciplinada pela convenção de condomínio, com a vigência da Lei nº 10.931/2004, que alterou a redação do art. 1.531 do Código Civil, conferindo, no ponto, liberdade para que a convenção condominial discipline a matéria. Admissão de alteração do regimento interno por maioria simples dos condôminos, em inobservância à norma estatutária. Descabimento. 1. O art. 1.333 do Código Civil, ao dispor que a convenção que constitui o condomínio edilício torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção, não tem, assim como toda a ordem jurídica, a preocupação de levantar paredes em torno da atividade individual. É intuitivo que não pode coexistir o arbítrio de cada um com o dos demais, sem uma delimitação harmônica das liberdades, por isso, na verdade, o direito delimita para libertar: quando limita, liberta (REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 64). 2. Com efeito, para propiciar a vida em comum, cabe aos condôminos observar as disposições contidas na convenção de condomínio, que tem clara natureza estatutária. Nesse passo, com a modificação promovida no art. 1.351 do Código Civil, pela Lei nº 10.931/2004, o legislador promoveu ampliação da autonomia privada, de modo que os condôminos pudessem ter maior liberdade no que tange à alteração do regimento interno; visto que, à luz dos arts. 1.334, III e V, do Código Civil e art. 9º da Lei nº 4.591/1964, é matéria a ser disciplinada pela convenção de condomínio. 3. No caso em julgamento, a pretendida admissão de quorum (maioria simples), em dissonância com o previsto pelo estatuto condominial – que prevê maioria qualificada (dois terços dos condôminos) -, resultaria em violação da autonomia privada, princípio constitucionalmente protegido. 4. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.169.865 – (2009/0237862-0) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 02.09.2013)

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Condomínio edilício – alteração do regimento – quorum

Condomínio – embargos de retenção por benfeitorias – arrematação judicial – ação de extinção – posse – rescisória – anulação da hasta – boa-fé – manutenção “Direito civil. Embargos de retenção por benfeitorias. Arrematação judicial. Ação de extinção de condomínio. Posse. Rescisória. Anulação da hasta. Boa-fé. Manutenção. Retenção por benfeitorias. Restituição do valor pago. Evicção. 1. Controvérsia acerca da caracterização do possuidor como de má-fé em razão da sua ciência sobre a tramitação de

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ação rescisória visando a anular a decisão que lhe conferiu a posse sobre imóvel. 2. A ausência de decisão sobre os dispositivos legais supostamente violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula nº 211/STJ. 3. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível. 4. A ausência de fundamentação ou a sua deficiência implica o não conhecimento do recurso quanto ao tema. 5. Embora seja certo que o recorrido sempre teve ciência da mencionada ação rescisória, tendo sido, inclusive, citado para respondê-la, na qualidade de parte (réu), esse fato não transmuda sua posse de boa-fé em posse de má-fé, situação que afastaria o direito de retenção pelas benfeitorias realizadas no imóvel. 6. O fato dos recorrentes terem promovido a ação rescisória não implicaria necessariamente que lhes fosse outorgada a tutela jurisdicional pretendida, de declaração de nulidade da ação de extinção de condomínio, permanecendo, portanto, incólume a boa-fé do recorrido no exercício da posse do bem. 7. O fundamento do recebimento do valor que foi pago pelo recorrido na arrematação anulada decorre da garantia da evicção e da boa-fé do recorrido quando da aquisição em hasta pública. 8. A análise da existência do dissídio é inviável, porque não foram cumpridos os requisitos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ. 9. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 1.217.597 – (2010/0184427-8) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 06.09.2013)

Condomínio – exploração comercial de vagas de garagem – destinação do imóvel prevista em convenção – alteração “Agravo regimental no agravo em recurso especial. Civil e processual civil. Condomínio. Exploração comercial de vagas de garagem. Destinação do imóvel prevista em convenção condominial. Alteração. Não ocorrência. Súmulas nºs 5 e 7 do Superior Tribunal de Justiça. 1. Elidir as conclusões do aresto impugnado, acerca da não ocorrência de alteração da destinação do imóvel, prevista em convenção condominial, em virtude da exploração comercial de vagas de garagem, demanda o revolvimento dos meios de convicção dos autos, em especial das cláusulas estabelecidas pelos condôminos, providência vedada nesta sede especial a teor das Súmulas nºs 5 e 7/STJ. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-AG-REsp 22.039 – (2011/0083691-0) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 15.04.2013)

Condomínio irregular – ação de cobrança – taxas – aprovação em convenção “Civil e processo civil. Ação de cobrança. Taxas condominiais. Condomínio irregular. Aprovação em convenção. Sujeição do condômino aos valores estipulados. 1. Conforme jurisprudência deste Tribunal de Justiça, o condomínio irregular pode promover ação para cobrança de taxas condominiais, quando a incidência possui esteio tanto na convenção do condomínio quanto nas deliberações regularmente aprovadas em assembleia pelos demais condôminos, consolidando situação de fato. 2. Se a unidade autônoma está inserida nos limites territoriais do condomínio, o réu deve sujeitar-se ao cumprimento das obrigações estipuladas internamente (Súmula nº 260 do Superior Tribunal de Justiça). 3. O condômino que não paga a sua contribuição estará sujeito à incidência de multa e juros de mora, além da correção monetária, conforme estipulado em convenção, não havendo falar em abusividade em referida cobrança. 4. Recurso não provido.” (TJDFT – Proc. 20120710132717 – (642587) – Rel. Des. Cruz Macedo – DJe 07.01.2013)

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Condomínio – taxas ordinárias – recebimento – recusa – consignação – mora – afastada – taxas extraordinárias – locador – obrigação propter rem

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“Condomínio. Taxas ordinárias. Recebimento. Recusa. Consignação. Mora afastada. Taxas extraordinárias. Locador. Obrigação propter rem. 1. Constatada a recusa em receber pagamento referente às taxas ordinárias de condomínio, afastam-se os efeitos da mora, devendo ser considerados hígidos os valores consignados. 2. O fato de que se trata de obrigação propter rem não transfere ao locador a responsabilidade conferida pela legislação de regência ao locatário, sendo certo apenas que, em caso de inadimplemento da dívida, esta poderá ser cobrada de qualquer um deles, ao qual restará a faculdade de ajuizar ação de regresso. 3. A Lei nº 8.245/1991 estabelece, nos arts. 22, inciso X, e 23, inciso XII, os deveres do locador e do locatário, incumbindo ao primeiro o pagamento das despesas extraordinárias de condomínio e ao segundo o das ordinárias. 4. Ainda que a parte entenda devidas pelo locador as despesas extraordinárias de condomínio, tal fato não autoriza a recusa ao recebimento das ordinárias, sob pena de descaracterização da mora. 5. Apelação desprovida. Unânime.” (TJDFT – Proc. 20080110707657 – (683199) – Rel. Des. Romeu Gonzaga Neiva – DJe 12.06.2013)

Condomínio – vazamentos e infiltrações – danos materiais – improcedência da ação principal e da reconvenção “Recurso especial. Processual civil. Condomínio. Vazamentos e infiltrações. Danos materiais. Improcedência da ação principal e da reconvenção. Distribuição da verba sucumbencial (CPC, art. 21). Autonomia dos feitos. Precedentes. Recurso desprovido. 1. Sendo a ação principal e a reconvenção feitos autônomos, seus resultados devem ser considerados em relação à pretensão deduzida em cada ação para efeito de fixação de verba honorária advocatícia de sucumbência. 2. No caso, tendo ambas as partes sucumbido na totalidade de seus respectivos pedidos, correto o v. aresto recorrido ao decidir pela ocorrência de sucumbência recíproca, devendo as custas serem rateadas por ambas as partes e cada uma arcar com os honorários advocatícios do respectivo patrono. 3. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 851.893 – (2006/0099640-0) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 24.06.2013)


Jurisprudência Comentada

Poluição Sonora: Interesse Individual ou Difuso? Da Legitimidade do Ministério Público para Ingressar com Ação Civil Pública FERNANDA FIGUEIREDO REIS

Advogada, Editora de Produtos IOB Ligados às Áreas de Direito Administrativo, Direito Constitucional e Administração Pública, Pós-Graduada em Direito Administrativo, Ambiental e Urbanístico pela Unifmu, Pós-Graduanda em Direito Tributário pela Unisul/LFG.

Ementa PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – MEIO AMBIENTE – POLUIÇÃO SONORA – INTERESSE DIFUSO – LEGITIMIDADE AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO 1. O Ministério Público ostenta legitimidade para propor ação civil pública em defesa do meio ambiente, inclusive, na hipótese de poluição sonora decorrente de excesso de ruídos, com supedâneo nos arts. 1º e 5º da Lei nº 7.347/1985 e art. 129, III, da Constituição Federal. Precedentes desta Corte: REsp 791.653/RS, DJ 15.02.2007; REsp 94.307/MS, DJ 06.06.2005; AgRg-REsp 170.958/SP, DJ 30.06.2004; REsp 216.269/MG, DJ 28.08.2000; e REsp 97.684/SP, DJ 03.02.1997, Rel. Min. Ruy Rosado Aguiar. 2. Recurso especial provido. (STJ – REsp 858.547/MG – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – DJe 04.08.2008)

Comentários A discussão central do caso em epígrafe é a possibilidade de o Ministério Público ajuizar ação civil pública por conta de poluição sonora. Isso porque, não obstante a ação civil pública, conforme a Lei nº 7.347/1985, seja o instrumento eficaz para proteção do meio ambiente, alguns operadores do Direito entendem não se tratar de ação adequada para discussões relacionadas à poluição sonora, sob a alegação de que referida questão relaciona-se a direito de vizinhança e, portanto, interesse individual. De acordo com esse posicionamento – do qual ousamos discordar –, não sendo a ação civil pública instrumento hábil para discutir poluição sonora, consequentemente o Ministério Público não teria legitimidade ativa. Ora, a poluição sonora, ou seja, a emissão de ruídos em volume superior aos níveis considerados aceitáveis, níveis estes previstos na NBR 10.152, pode, de fato, ser considerada de interesse individual, e não difuso? Nessa toada, é de todo oportuno mencionar as lições de Paulo Affonso Leme Machado: “Como se apontou no conceito de ruído, este é caracterizado por atingir pontos de recepção ao acaso. Assim, vê-se que uma das características da poluição sonora é atingir pessoas várias, que, na maioria das vezes, são indeterminadas”1. De fato, a poluição sonora é um fenômeno diretamente relacionado à degradação ambiental, na medida em que suas consequências 1 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 17 ed. rev. São Paulo: Editores, 2009. p. 673-674.


interferem de forma negativa no meio ambiente. Pelos inconvenientes que ocasiona, trata-se, sem nenhuma dúvida, de fator de degradação da qualidade de vida da população, ainda que justificados no desenvolvimento e nas inovações inerentes ao mundo contemporâneo.

No artigo transcrito, há também o conceito básico de meio ambiente, e, ao analisarmos, concluímos que sua abrangência é amplíssima, não abarcando apenas as florestas, os rios e os mares, mas o hábitat humano como um todo, inclusive o lugar em que vivemos, em que trabalhamos.

Perfeitamente aplicáveis, então, as conceituações de poluição e poluidor contidas no art. 3º da Lei Federal nº 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente:

Nessa toada, há que se comentar a classificação doutrinária das “espécies” de meio ambiente, quais sejam:

Art. 3º Para os fins previstos nesta lei, entende-se por:

1. Meio ambiente natural ou físico: flora, fauna, solo, água, atmosfera, enfim, todo ecossistema;

I – meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida, em todas as suas formas;

2. Meio ambiente cultural: abrange patrimônio cultural, artístico, arqueológico, histórico, paisagístico, manifestações populares, entre outras;

II – degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das características do meio ambiente;

3. Meio ambiente do trabalho: local em que se exerce atividade laboral. Sua previsão está contida no art. 200, VIII, in fine, da Constituição Federal;

III – poluição: a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

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c) afetem desfavoravelmente a biota;

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d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; IV – poluidor: a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; V – recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora. (grifamos)

4. Meio ambiente artificial ou urbano: o conjunto de edificações particulares ou públicas, urbanas em sua maioria, mas rurais também, e de áreas urbanas em geral. Salientamos que a classificação citada é apenas doutrinária tendo em vista que meio ambiente é um todo, e como lecionam Celso Antônio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha: Quando se fala em classificação do meio ambiente, na verdade não se quer estabelecer divisões isolantes ou estanques do meio ambiente, até porque, se assim fosse, estaríamos criando dificuldades para o tratamento da sua tutela. Mas exatamente pelo motivo inverso, qual seja, de buscar uma maior identificação com a atividade degradante e o bem imediatamente agredido.2 (grifamos) 2 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito ambiental e legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 53-54.


Oportuno salientar, outrossim, a importância que a Constituição Federal dedicou à proteção do meio ambiente, de modo a manter a “sadia qualidade de vida” dos seres humanos: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Sendo a nossa residência considerada como parte do meio ambiente, haja vista a classificação de meio ambiente artificial, tudo aquilo que afeta o seu equilíbrio pode ser considerado como degradação. Ora, se os ruídos geram perturbação do sossego, isto é, poluição sonora, que consequentemente agridem a quem lá habita, não há como negar o cabimento e adequação da ação civil pública nesse caso. A poluição sonora é, sem sombra de dúvidas, um dos principais problemas atuais nos grandes centros urbanos. Daí decorre a importância de sua discussão. Para entender a questão debatida no acórdão ora comentado, importante também diferenciarmos, ainda que de forma breve, interesses coletivos de interesses difusos. Quando falamos de interesses coletivos, nos referimos aos interesses de grupos de pessoas determináveis de alguma forma, quer seja por força de lei, contrato ou circunstâncias temporais, locais, entre outras, como, por exemplo, os moradores de uma determinada rua, os trabalhadores de uma empresa, os integrantes de um conselho de classe. Já os interesses difusos, embora decorram dos interesses coletivos, transcendem a essa natureza, por isso são chamados metaindividuais, e, desta feita, já não é mais possível identificar

quais são os sujeitos ou o grupo de pessoas atingidas por aquele interesse e nem quais são seus efeitos decorrentes. O sujeito é indeterminado. Nesse mister, aqui se encaixam questões relacionadas à preservação do meio ambiente como um todo: o direito ao ar puro, à preservação das águas, ao meio ambiente sadio e isento de poluição, inclusive sonora, fundamentais para assegurar o repouso e, em outras proporções e dependendo do caso, para o bom desenvolvimento da atividade laboral, e até mesmo para o lazer (a leitura de uma obra literária, por exemplo). Quando falamos em tais direitos, referimo-nos a todos, indistintamente, e quando tratamos de direitos difusos, de interesses metaindividuais, o Ministério Público nos parece mais apto e adequado para representá-los e, se necessário for, requerer sua tutela. No caso da poluição sonora, ainda que se diga tratar-se de direito de vizinhança e, portanto, de interesse privado, é possível precisar quais são as pessoas lesadas por seus efeitos? É possível afirmar que, em todos os casos, trata-se de interesse particular? Em nosso ponto de vista, cada caso deve ser analisado com cautela, pois entendemos que, em diversas hipóteses de poluição sonora, não é possível determinar com exatidão os lesados por seus efeitos. Menciono, a título de exemplificação, um caso que vivenciei: Por um período, enfrentei um sério problema para dormir em alguns dias da semana (quinta, sexta, sábado e domingo), em decorrência de uma espécie de “baile funk” a céu aberto, que era promovido continuamente em local que demorei muito tempo para identificar, já que o evento não acontecia em local tão próximo ao meu local de repouso – ou que deveria sê-lo. Sequer o bairro era o mesmo. Desnecessário detalhar as consequências das noites maldormidas em razão do evento que acontecia de forma irregular, em total falta de respeito não só às normas jurídicas, mas também às pessoas. É certo que um “sem número”

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Importante reiterar que a Lei nº 7.347/1985 prevê a defesa do meio ambiente como uma das hipóteses para o ingresso da ação civil pública.

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de pessoas foi afetada pelo mesmo flagelo... mas como saber quem são? Como precisar o alcance do som ensurdecedor produzido por esses recorrentes “eventos”? Creio que em um caso como esse, não estamos a falar de direito de vizinhança, mas de algo que o transcende. A corroborar nosso entendimento, eis o posicionamento do Promotor de Justiça Fernando Célio de Brito Nogueira:

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Não se pode mais encarar a poluição sonora como simples problema de vizinhança, como se apenas o Código Civil de 1916, concebido no princípio do século, à sombra de uma sociedade bem menos industrializada e ainda distante das inovações culturais, econômicas e tecnológicas do próximo milênio, pudesse resolver as controvérsias oriundas da poluição sonora e atender às necessidades, anseios e expectativas da sociedade atual.

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Para concluir, devo registrar que não vejo, com base na CF, na legislação infraconstitucional e na doutrina, como poderá vingar o entendimento de que a poluição sonora diz respeito a interesses simplesmente individuais, disponíveis e que devem ser tratados nos limites estreitos do direito de vizinhança. A melhor jurisprudência por certo não fará coro com essa tese.3

E confirmando o que afirmara em 1997, no acórdão que nos serviu como base para este comentário, restou consignado o entendimento de que se a poluição sonora afeta mais do que o vizinho “de parede”, é possível concluir que o meio ambiente está sendo lesado, razão pela qual o Ministério Público tem legitimidade para atuar no polo ativo da demanda.

Pensar assim significa negar validade a outros mecanismos legais idealizados para as contingências desse final de século: a lei definidora de poluição, de poluidor; a lei reguladora da ação civil pública para defesa dos interesses coletivos e difusos; o direito constitucionalmente assegurado ao meio ambiente sadio.

Referido posicionamento, oriundo da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, também é seguido pela 2ª Turma do mesmo Tribunal, que assim se manifestou em processos cujas discussões centrais versavam sobre poluição sonora.

Significa, também, desatender à sociedade contemporânea sob o pálio de uma legislação ainda vigente e aplicável, desde que a questão verse exclusivamente sobre direitos de vizinhança, mas, por si só, insuficiente quando houver interesses coletivos em jogo.

3 NOGUEIRA, Fernando Célio de Brito. Ação civil pública por poluição sonora – Cabimento e legitimidade do Ministério Público. Disponível em: <http:// www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php>. Acesso em: 25.02.2010.


Medida Provisória

Medida Provisória nº 668, de 30.01.2015 Altera a Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, para elevar alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação, e dá outras providências. (DOU 30.01.2015- Ed. Extra)

Medida Provisória nº 667, de 02.01.2015 Abre crédito extraordinário, em favor dos órgãos e empresas estatais, constantes do Projeto de Lei Orçamentária de 2015, no valor de R$ 74.014.218.398,00, para os fins que especifica. (DOU 05.01.2015)


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Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.

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2.186-16, DE 23.08.2001

Patrimônio Genético. Diversidade Biológica Previdência Social. Alteração na Legislação

2 .156-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene

2.187-13, DE 24.08.2001

2.157-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA

2.189-49, DE 23.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.158-35, DE 24.08.2001

Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação

2.190-34, DE 23.08.2001

Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999

2.159-70, DE 24.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.192-70, DE 24.08.2001

Proes. Bancos Estaduais

2.161-35, DE 23.08.2001

Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997

2.196-3, DE 24.08.2001

Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea

2.162-72, DE 23.08.2001

Notas do Tesouro Nacional – NTN

2.197-43, DE 24.08.2001

SFH. Disposições

2.163-41, DE 23.08.2001

Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998

2.198-5, DE 24.08.2001

Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica

2.164-41, DE 24.08.2001

Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT

2.199-14, DE 24.08.2001

IR. Incentivos Fiscais

2.165-36, DE 23.08.2001

Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte

2.200-2, DE 24.08.2001

Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil

2.166-67, DE 24.08.2001

Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965

2.206-1, DE 06.09.2001

Programa Nacional de Renda Mínima

2.167-53, DE 23.08.2001

Recebimento de Valores Mobiliários pela União

2.208, DE 17.08.2001

Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação

2.168-40, DE 24.08.2001

Cooperativas. Recoop. Sescoop

2.209, DE 29.08.2001

Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica  –  CBEE

2.169-43, DE 24.08.2001

Servidor Público. Vantagem de 28,86%

2.210, DE 29.08.2001

Orçamento. Crédito Extraordinário

2.170-36, DE 23.08.2001

Tesouro Nacional. Administração de Recursos

2.211, DE 29.08.2001

Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes

2.172-32, DE 23.08.2001

Usura. Agiotagem

2.213-1, DE 30.08.2001

Programa Bolsa-Renda. Estiagem

2.173-24, DE 23.08.2001

Anuidades Escolares

2.214, DE 31.08.2001

Administração Pública Federal. Recursos

2.174-28, DE 24.08.2001

União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV

2.215-10, DE 31.08.2001

Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração

2.177-44, DE 24.08.2001

Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998

2.220, DE 04.09.2001

Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU

2.178-36, DE 24.08.2001

Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola

2.224, DE 04.09.2001

Capitais Brasileiros no Exterior

2.225-45, DE 04.09.2001

Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990

2.179-36, DE 24.08.2001

União e Banco Central. Relações Financeiras

2.180-35, DE 24.08.2001

Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação

2.226, DE 04.09.2001

Alteração da CLT

2.181-45, DE 24.08.2001

Operações Financeiras do Tesouro Nacional

2.227, DE 04.09.2001

Plano Real. Correção Monetária. Exceção

2.183-56, DE 24.08.2001

Reforma Agrária. Alteração na Legislação

2.228-1, DE 06.09.2001

2.184-23, DE 24.08.2001

Carreira Policial. Gratificação

Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines

2.185-35, DE 24.08.2001

Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento

2.229-43, DE 06.09.2001

Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação

Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 31.01.2015) Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com. MP 656 656 656 656 656 656 656 656 656 656 656 656

DOU 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014

ART 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 15 16 51

NORMA LEGAL Lei nº 9.250/95 Lei nº 9.430/96 Lei nº 10.865/04 Lei nº 10.931/04 Lei nº 11.196/05 Lei nº 12.024/09 Lei nº 12.375/10 Lei nº 12.715/12 Lei nº 10.820/03 Lei nº 7.433/85 Lei nº 11.977/09 Lei nº 10.931/04

ALTERAÇÃO 12 9º, 10, 11 e 74 8º e 28 4º 30 2º 5º 46 1º, 2º, 3º, 4º e 5º 1º 41 17

MP 656 656 656 656 656 656 656 658 660

DOU 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 08.10.2014 30.10.2014 24.11.2014

ART 52 53 54 56 56 56 56 1 1º

NORMA LEGAL Lei nº 11.076/04 Lei nº 9.514/97 Lei nº 11.250/05 Lei nº 4.380/64 Lei nº 10.150/00 Lei nº 9.430/96 Lei nº 8.177/91 Lei nº 13.019/14 Lei nº 12.800/13

663 664

19.12.2014-extra 30.12.2014-extra

1º 1º

Lei nº 12.096/09 Lei nº 8.213/91

ALTERAÇÃO 49 41 1º e 2º 44 a 53 28 74 18 e 18-A 83 e 88 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 13, 14, 15, 16, 22 e 23-A 1º 25, 26, 29, 43, 60, 74, 75 e 77


DOU 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 30.12.2014-extra 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001

ART 2º 3º 4º 6º 6º 1º 2º 4º 4º 4º 4º 32 32 32 32 32 2º e 93 3º e 93 10 e 93 19 e 93 34 e 75 64 69 70 72 73 73 e 93 75 82 93 93 93 93 93 93 1º e 6º 6º 1º 7º e 8º

NORMA LEGAL Lei nº 10.876/04 Lei nº 8.112/90 Lei nº 10.666/03 Lei nº 8.112/90 Lei nº 8.213/91 Lei nº 7.998/90 Lei nº 10.779/03 Lei nº 7.859/89 Lei nº 7.998/90 Lei nº 8.900/94 Lei nº 10.779/03 DL 1.376/74 DL 2.397/87 Lei nº 8.034/90 Lei nº 9.532/97 DL 1.376/74 Lei nº 9.718/98 Lei nº 9.701/98 Lei nº 9.779/99 Lei nº 9.715/98 Lei nº 9.532/97 D nº 70.235/72 DL 1.455/76 Lei nº 9.430/96 Lei nº 8.218/91 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.532/97 Lei nº 8.981/95 Lei nº 9.432/97 LC 70/91 LC 85/96 Lei nº 7.714/88 Lei nº 9.004/95 Lei nº 9.493/97 Lei nº 9.491/97 Lei nº 9.094/95 Lei nº 9.605/98 Lei nº 7.998/90

2.164-41

27.08.2001

1º e 2º

CLT

2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.165-36 2.165-36 2.166-67

27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra

3º 4º 5º 6º 9º 10 13 13 1º

Lei nº 4.923/65 Lei nº 5.889/73 Lei nº 6.321/76 Lei nº 6.494/77 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.601/98 Lei nº 7.418/85 Lei nº 8.627/93 Lei nº 4.771/65

2.166-67 2.167-53 2.168-40 2.168-40 2.168-40 2.170-36 2.172-32 2.173-24 2.177-44

25.08.2001 24.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001

3º 2º e 3º 13 14 18 8º 7º 1º e 2º 1º e 8º

Lei nº 9.393/96 Lei nº 9.619/98 Lei nº 5.764/71 Lei nº 9.138/95 Lei nº 10.186/01 Lei nº 8.212/91 Lei nº 1.521/51 Lei nº 9.870/99 Lei nº 9.656/98

ALTERAÇÃO 2º 215, 217, 218, 222, 223 e 225 12 216 e 218 17, 59, 60 e 151 3º, 4º, 9º e 9º-A 1º e 2º Revogada 2-Bº, 3º e 9º Revogada 2º 1º e 11 12 1º 2º 1º 3º e 8º 1º 14 e 17 2º e 4º 1º e 64-A 1º, 25 e 64-A 1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A 63 11 e 12 1º e 64-A 9º e 15 1º, 15 e 64-A 29 11 6º e 7º Revogada 5º Revogada 7º 2º, 4º, 5º, 6º e 30 2º 79-A 2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C 58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652 1º 18 2º 1º 19-A, 20, 29-C e 29-D 2º 1º 6º 1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C 10 1º e 4º-A 88 2º 7º 60 4º, § 3º 1º e 6º 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I

MP 2.178-36 2.178-36 2.180-35

DOU 25.08.2001-extra 25.08.2001-extra 27.08.2001

ART 16 32 1º

NORMA LEGAL Lei nº 9.533/97 Lei nº 8.913/97 Lei nº 8.437/92

ALTERAÇÃO 4º Revogada 1º e 4º

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 9.494/97

2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.181-45 2.181-45 2.181-45 2.183-56 2.183-56 2.183-56 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.190-34 2.192-70 2.196-3 2.196-3 2.197-43 2.197-43 2.197-43 2.199-14 2.211 2.211 2.214 2.215-10 2.215-10

27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra 25.08.2001 25.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 30.08.2001 30.08.2001 01.09.2001-extra 01.09.2001 01.09.2001

6º 7º 8º 10 14 21 45 46 52 1º 3º 4º 2º 3º e 16 4º e 16 7º 16 10 11 13 14 7º e 8º 23 12 14 3º e 8º 4º e 8º 5º 18 1º 2º 1º 41 41

Lei nº 7.347/85 Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.704/98 CPC Lei nº 4.348/64 Lei nº 10.257/01 Lei nº 8.177/91 Lei nº 9.365/96 Lei nº 10.150/00 DL 3.365/41 Lei nº 8.177/91 Lei nº 8.629/93 Lei nº 6.015/73 Lei nº 8.212/91 Lei nº 8.213/91 Lei nº 9.639/98 Lei nº 9.711/98 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.250/95 Lei nº 9.430/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.294/96 Lei nº 9.496/97 Lei nº 8.036/90 Lei nº 7.827/89 Lei nº 8.692/93 Lei nº 4.380/64 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.995/00 Lei nº 10.266/01 Lei nº 10.261/01 Lei nº 8.448/92 Lei nº 8.460/92

2.217-3

05.09.2001

Lei nº 10.233/01

2.220 2.224 2.225-45 2.225-45

05.09.2001-extra 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001

15 4º 1º 2º, 3º e 15

Lei nº 6.015/73 Lei nº 4.131/62 Lei nº 6.368/76 Lei nº 8.112/90

2.225-45 2.225-45 2.226 2.226 2.228-1 2.228-1

05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001

4º 5º 1º 3º 51 52 e 53

Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.525/97 CLT Lei nº 9.469/97 Lei nº 8.685/93 Lei nº 8.313/91

2.229-43 2.229-43

10.09.2001 10.09.2001

72 74

Lei nº 9.986/00 Lei nº 8.745/93

1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B 1º e 2º 17 1º 741 4º 53 18 6º 1º 10, 15-A, 15-B e 27 5º 2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A 80 38, 55, 56, 68, 101 e 102 41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147 1º, 2º e 5º 7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 6º, II, 34 e 82, II, f 10 e 25 79 9º 2º, 3º e 7º 1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B 9º 9º-A 23 e 25 9º, 14 e 18 9º, 20, 23, 29-A e 29-B 4º 35 e 70 18, 34, 38 e 51 1º 6º 2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A 74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119 167, I 6º 3º 25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119 17 2º 896-A 6º 5º 3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º 22 4º

Fevereiro/2015 – Ed. 215

MP 664 664 664 664 664 665 665 665 665 665 665 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.157-5 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.161-35 2.162-72 2.163-41 2.164-41

100


Normas Legais Lei nº 13.100, de 27.01.2015 Institui o dia 20 de janeiro como Dia Nacional da Parteira Tradicional. (DOU 28.01.2015) Lei nº 13.099, de 27.01.2015 Institui o Dia do Técnico Agrícola. (DOU 28.01.2015) Lei nº 13.098, de 27.01.2015 Institui o Dia Nacional da Vigilância Sanitária. (DOU 28.01.2015) Lei nº 13.097, de 19.01.2015 Reduz a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP, da COFINS, da Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação incidentes sobre a receita de vendas e na importação de partes utilizadas em aerogeradores; prorroga os benefícios previstos nas Leis nºs 9.250, de 26 de dezembro de 1995, 9.440, de 14 de março de 1997, 10.931, de 2 de agosto de 2004, 11.196, de 21 de novembro de 2005, 12.024, de 27 de agosto de 2009, e 12.375, de 30 de dezembro de 2010; altera o art. 46 da Lei nº 12.715, de 17 de setembro de 2012, que dispõe sobre a devolução ao exterior ou a destruição de mercadoria estrangeira cuja importação não seja autorizada; altera as Leis nºs 9.430, de 27 de dezembro de 1996, 12.546, de 14 de dezembro de 2011, 12.973, de 13 de maio de 2014, 9.826, de 23 de agosto de 1999, 10.833, de 29 de dezembro de 2003, 10.865, de 30 de abril de 2004, 11.051, de 29 de dezembro de 2004, 11.774, de 17 de setembro de 2008, 10.637, de 30 de dezembro de 2002, 12.249, de 11 de junho de 2010, 10.522, de 19 de julho de 2002, 12.865, de 9 de outubro de 2013, 10.820, de 17 de dezembro de 2003, 6.634, de 2 de maio de 1979, 7.433, de 18 de dezembro de 1985, 11.977, de 7 de julho de 2009, 10.931, de 2 de agosto de 2004, 11.076, de 30 de dezembro de 2004, 9.514, de 20 de novembro de 1997, 9.427, de 26 de dezembro de 1996, 9.074, de 7 de julho de 1995, 12.783, de 11 de janeiro de 2013, 11.943, de 28 de maio de 2009, 10.848, de 15 de março de 2004, 7.565, de 19 de dezembro de 1986, 12.462, de 4 de agosto de 2011, 9.503, de 23 de setembro de 1997, 11.442, de 5 de janeiro de 2007, 8.666, de 21 de junho de 1993, 9.782, de 26 de janeiro de 1999, 6.360, de 23 de setembro de 1976, 5.991, de 17 de dezembro de 1973, 12.850, de 2 de agosto de 2013, 5.070, de 7 de julho de 1966, 9.472, de 16 de julho de 1997, 10.480, de 2 de julho de 2002, 8.112, de 11 de dezembro de 1990, 6.530, de 12 de maio de 1978, 5.764, de 16 de dezembro de 1971, 8.080, de 19 de setembro de 1990, 11.079, de 30 de dezembro de 2004, 13.043, de 13 de novembro de 2014, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, 10.925, de 23 de julho de 2004, 12.096, de 24 de novembro de 2009, 11.482, de 31 de maio de 2007, 7.713, de 22 de dezembro de 1988, a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, o Decreto-Lei nº 745, de 7 de agosto de 1969, e o Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972; revoga dispositivos das Leis nºs 4.380, de 21 de agosto de 1964, 6.360, de 23 de setembro de 1976, 7.789, de 23 de novembro de 1989, 8.666, de 21 de junho de 1993, 9.782, de 26 de janeiro de 1999, 10.150, de 21 de dezembro de 2000, 9.430, de 27 de dezembro de 1996, 12.973, de 13 de maio de 2014, 8.177, de 1º de março de 1991, 10.637, de 30 de dezembro de 2002, 10.833, de 29 de dezembro de 2003, 10.865, de 30 de abril de 2004, 11.051, de 29 de dezembro de 2004 e 9.514, de 20 de novembro de 1997, e do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU 20.01.2015) Lei nº 13.096, de 12.01.2015 Institui a Gratificação por Exercício Cumulativo de Jurisdição aos Membros da Justiça Militar da União e dá outras providências. (DOU 13.01.2015) Lei nº 13.095, de 12.01.2015 Institui a Gratificação por Exercício Cumulativo de Jurisdição devida aos membros da Justiça do Trabalho e dá outras providências. (DOU 13.01.2015) Lei nº 13.094, de 12.01.2015 Institui a Gratificação por Exercício Cumulativo de Jurisdição devida aos membros da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. (DOU 13.01.2015) Lei nº 13.093, de 12.01.2015 Institui a gratificação por exercício cumulativo de jurisdição aos membros da Justiça Federal e dá outras providências. (DOU 13.01.2015) Lei nº 13.092, de 12.01.2015 Dispõe sobre o subsídio do Procurador-Geral da República, referido no inciso XI do art. 37 e no § 4º do art. 39, combinados com o § 2º do art. 127 e a alínea c do inciso I do § 5º do art. 128, todos da Constituição Federal; revoga dispositivo da Lei nº 12.770, de 28 de dezembro de 2012; e dá outras providências. (DOU 13.01.2015) Lei nº 13.091, de 12.01.2015 Dispõe sobre o subsídio de Ministro do Supremo Tribunal Federal, referido no inciso XV do art. 48 da Constituição Federal; revoga dispositivo da Lei nº 12.771, de 28 de dezembro de 2012; e dá outras providências. (DOU 13.01.2015) Lei nº 13.090, de 12.01.2015 Altera os limites do Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba, nos Estados do Piauí, Maranhão, Bahia e Tocantins, criado pelo Decreto s/nº de 16 de julho de 2002. (DOU 13.01.2015) Lei nº 13.089, de 12.01.2015 Institui o Estatuto da Metrópole, altera a Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU 13.01.2015) Lei nº 13.088, de 12.01.2015 Dispõe sobre a criação de 1 (uma) vara federal no Estado do Paraná e sobre a criação de cargos efetivos e em comissão e funções comissionadas no Quadro de Pessoal da Justiça Federal e dá outras providências. (DOU 13.01.2015)


Lei nº 13.087, de 12.01.2015 Concede pensão especial à atleta Lais da Silva Souza. (DOU 13.01.2015) Lei nº 13.086, de 08.01.2015 Institui, no Calendário Oficial do Governo Federal, o Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil. (DOU 09.01.2015) Lei nº 13.085, de 08.01.2015 Dispõe sobre o Dia Nacional de Atenção à Dislexia. (DOU 09.01.2015) Lei nº 13.084, de 08.01.2015 Institui o Dia Nacional do Fisioterapeuta e do Terapeuta Ocupacional. (DOU 09.01.2015) Lei nº 13.083, de 08.01.2015 Institui o Dia Nacional do Pedagogo. (DOU 09.01.2015) Lei nº 13.082, de 08.01.2015 Institui o Dia Nacional do Humorista. (DOU 09.01.2015) Lei nº 13.081, de 02.01.2015 Dispõe sobre a construção e a operação de eclusas ou de outros dispositivos de transposição hidroviária de níveis em vias navegáveis e potencialmente navegáveis; altera as Leis nºs 9.074, de 7 de julho de 1995, 9.984, de 17 de julho de 2000, 10.233, de 5 de junho de 2001, e 12.712, de 30 de agosto de 2012; e dá outras providências. (DOU 05.12.2015)

Fevereiro/2015 – Ed. 215

Lei nº 13.080, de 02.01.2015 Dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2015 e dá outras providências. Mensagem de Veto (DOU 31.12.2015 – Edição extra)

102


Indicadores I  – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas (Vigência: Março/2015 – Atualização: Fevereiro/2015)

1 – Índice de Atualização Monetária até 31 de janeiro de 2015 – Decreto-Lei nº 2.322/1987 combinado com a Lei nº 7.738/1989 (incluindo a Lei nº 8.177/1991 – TR – a partir de fev. 1991) – TR prefixada de 1º fevereiro/2015 a 1º março/2015 (Banco Central) = 0,01680% Mês/Ano 1992 1993 1994 1995 1996 1997

Mês/Ano 2004 2005 2006 2007 2008 2009

JAN

0,002874822 0,000228846 0,008888140 2,325366829 1,766692179 1,612164730

JAN

1,146873442 1,126390944 1,095353808 1,073479170 1,058185105 1,041163704

FEV

0,002291060 0,000180535 0,006284035 2,277509521 1,744836359 1,600258804

FEV

1,145407320 1,124277302 1,092811928 1,071134457 1,057117417 1,039251482

MAR

0,001823947 0,000142828 0,004493090 2,236072855 1,728202411 1,589741045

MAR

1,144882964 1,123196787 1,092020213 1,070362725 1,056860599 1,038782990

ABR

0,001467729 0,000113527 0,003167494 2,185803741 1,714250129 1,579763292

ABR

1,142850975 1,120244942 1,089761138 1,068358485 1,056428520 1,037291365

MAIO

0,001212198 0,000088541 0,002169962 2,112567368 1,703015337 1,570011948

MAIO

1,141852995 1,118005576 1,088830188 1,067001259 1,055420594 1,036820649

JUN

0,001011767 0,000068807 0,001481810 2,046127560 1,693046678 1,560099079

JUN

1,140090416 1,115187498 1,086778351 1,065202133 1,054644375 1,036355325

JUL

0,000835826 0,000052896 2,774445529 1,988726934 1,682783382 1,549970025

JUL

1,138086246 1,111859701 1,084677331 1,064186899 1,053437136 1,035675922

AGO

0,000675742 0,040573702 2,641671123 1,930980949 1,672994690 1,539837891

AGO

1,135869029 1,109004016 1,082781381 1,062625901 1,051424709 1,034588569

SET

0,000548403 0,030428755 2,586546641 1,881965166 1,662562113 1,530243266

SET

1,133596169 1,105173485 1,080150135 1,061070372 1,049772368 1,034384796

OUT

0,000437393 0,022603443 2,524960334 1,846162536 1,651628333 1,520400195

OUT

1,131640694 1,102266807 1,078509722 1,060697007 1,047708382 1,034384796

NOV

0,000349718 0,016555660 2,462052432 1,816123848 1,639465141 1,510501876

NOV

1,130388224 1,099956898 1,076491300 1,059487072 1,045089388 1,034384796

DEZ

0,000283655 0,012158975 2,392176943 1,790365854 1,626217970 1,487689643

DEZ

1,129094282 1,097839166 1,075113006 1,058862344 1,043401165 1,034384796

Mês/Ano 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Mês/Ano 2010 2011 2012 2013 2014 2015

JAN

1,468474653 1,362299002 1,288474980 1,262019151 1,233823137 1,200187400

JAN

1,033833762 1,026761922 1,014507607 1,011576975 1,009648314 1,001046148

FEV

1,451838040 1,355301579 1,285711985 1,260293809 1,230634563 1,194361305

FEV

1,033833762 1,026028311 1,013631829 1,011576975 1,008512728 1,000168000

MAR

1,445390155 1,344147841 1,282725799 1,259830191 1,229195175 1,189465466

MAR

1,033833762 1,025490954 1,013631829 1,011576975 1,007971448 1,000000000

ABR

1,432504775 1,328716132 1,279856361 1,257661982 1,227038042 1,184983857

ABR

1,033015614 1,024249564 1,012550425 1,011576975 1,007703399

MAIO

1,425775116 1,320670606 1,278193432 1,255720638 1,224152714 1,180046542

MAIO

1,033015614 1,023871755 1,012320628 1,011576975 1,007241075

JUN

1,419327113 1,313105804 1,275016092 1,253430620 1,221584943 1,174584723

JUN

1,032489044 1,022266796 1,011847084 1,011576975 1,006633069

JUL

1,412388050 1,309037316 1,272293384 1,251605779 1,219655448 1,169711704

JUL

1,031881266 1,021129258 1,011847084 1,011576975 1,006165202

AGO

1,404658216 1,305209137 1,270328186 1,248558048 1,216424624 1,163353974

AGO

1,030694936 1,019875831 1,011701399 1,011365600 1,005105820

SET

1,399411821 1,301376583 1,267760970 1,244282693 1,213414144 1,158675244

SET

1,029758886 1,017762955 1,011576975 1,011365600 1,004501111

OUT

1,393126037 1,297852913 1,266446399 1,242261534 1,211046548 1,154790528

OUT

1,029036502 1,016743161 1,011576975 1,011285708 1,003624946

NOV

1,380847540 1,294919919 1,264781946 1,238653336 1,207703624 1,151092070

NOV

1,028551026 1,016113171 1,011576975 1,010356180 1,002584264

DEZ

1,372426332 1,292337828 1,263269812 1,236269808 1,204518876 1,149051354

DEZ

1,028205549 1,015458201 1,011576975 1,010147080 1,002100249

OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.


2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.

Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.

Juros Capitalizados Mensalmente Nº Meses

% Efetivo

Nº Meses

% Efetivo

Nº Meses

% Efetivo

01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16

1,0000 2,0100 3,0301 4,0604 5,1010 6,1520 7,2135 8,2856 9,3685 10,4622 11,5668 12,6825 13,8093 14,9474 16,0968 17,2578

17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32

18,4304 19,6147 20,8108 22,0190 23,2391 24,4715 25,7163 26,9734 28,2431 29,5256 30,8208 32,1290 33,4503 34,7848 36,1327 37,4940

33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 –

38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

01.10.1989

NCz$

381,73

Decreto nº 98.211/89

02.10.1989

01.09.1990

Cr$

6.056,31

Port. 3.588/90

03.09.1990

01.11.1989

NCz$

557,33

Decreto nº 98.346/89

31.10.1989

01.10.1990

Cr$

6.425,14

Port. 3.628/90

01.10.1990

01.12.1989

NCz$

788,18

Decreto nº 98.456/89

01.12.1989

01.11.1990

Cr$

8.329,55

Port. 3.719/90

01.11.1990

01.01.1990

NCz$

1.283,95

Decreto nº 98.783/89

29.12.1989

01.12.1990

Cr$

8.836,82

Port. 3.787/90

03.12.1990

Cr$

12.325,50

Port. 3.828/90

31.12.1990

01.02.1990

NCz$

2.004,37

Decreto nº 98.900/90

01.02.1990

01.01.1991

01.03.1990

NCz$

3.674,06

Decreto nº 98.985/90

01.03.1990

01.02.1991

Cr$

15.895,46

MP 295/91

01.02.1991

01.04.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.143/90

24.04.1990

01.03.1991

Cr$

17.000,00

Lei nº 8.178/91

04.03.1991

Cr$

42.000,00

Lei nº 8.222/91

06.09.1991

01.05.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.352/90

23.05.1990

01.09.1991

01.06.1990

Cr$

3.857,76

Port. 3.387/90

04.06.1990

01.01.1992

Cr$

96.037,33

Port. 42/92

21.01.1992

01.07.1990

Cr$

4.904,76

Port. 3.501/90

16.07.1990

01.05.1992

Cr$

230.000,00

Lei nº 8.419/92

08.05.1992

01.08.1990

Cr$

5.203,46

Port. 429/90

01.08.1990

01.09.1992

Cr$

522.186,94

Port. 601/92

31.08.1992

Fevereiro/2015 – Ed. 215

II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989

104


Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

01.01.1993

Cr$

1.250.700,00

Lei nº 8.542/92

24.12.1992

03.04.2000

R$

151,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.03.1993

Cr$

1.709.400,00

Port. Interm. 4/93

01.03.1993

01.04.2001

R$

180,00

MP 2.142/01 (atual 2.194-6)

30.03.2001

01.05.1993

Cr$

3.303.300,00

Port. Interm. 7/93

04.05.1993

01.04.2002

R$

200,00

Lei nº 10.525/02

28.03.2002

01.07.1993

Cr$

4.639.800,00

Port. Interm. 11/93

01.08.1993

01.04.2003

R$

240,00

Lei nº 10.699/03

10.07.2003

01.08.1993

CR$

5.534,00

Port. Interm. 12/93

03.08.1993

01.05.2004

R$

260,00

Lei nº 10.888/04

25.06.2004

01.09.1993

CR$

9.606,00

Port. Interm. 14/93

02.09.1993

01.05.2005

R$

300,00

Lei nº 11.164/05

19.08.2005

01.10.1993

CR$

12.024,00

Port. Interm. 15/93

04.10.1993

01.04.2006

R$

350,00

MP 288/06

31.03.2006

01.11.1993

CR$

15.021,00

Port. Interm. 17/93

03.11.1993

01.04.2006

R$

350,00

Lei nº 11.321/06

10.07.2006

01.12.1993

CR$

18.760,00

Port. Interm. 19/93

02.12.1993

01.04.2007

R$

380,00

MP 362/07

30.03.2007-extra

01.01.1994

CR$

32.882,00

Port. Interm. 20/93

31.12.1993

01.04.2007

R$

380,00

Lei nº 11.498/07

29.06.2007

01.02.1994

CR$

42.829,00

Port. Interm. 02/94

02.02.1994

01.03.2008

R$

415,00

MP 421/08

29.02.2008-extra

01.03.1994

URV

64,79

Port. Interm. 04/94

03.03.1994

01.02.2009

R$

465,00

MP 456/09

30.01.2009-extra

01.07.1994

R$

64,79

Lei nº 9.069/95

30.06.1994/30.06.1995

01.01.2010

R$

510,00

MP 474/09

24.12.2009

01.09.1994

R$

70,00

Lei nº 9.063/95

01.09.1994/20.06.1995

01.01.2011

R$

540,00

MP 516/10

31.12.2010

01.05.1995

R$

100,00

Lei nº 9.032/95

29.04.1995

01.03.2011

R$

545,00

Lei nº 12.382/11

28.02.2011

01.05.1996

R$

112,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2012

RS

622,00

Decreto nº 7.655/11

26.12.2011

01.05.1997

R$

120,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2013

R$

678.00

Decreto nº 7.872/11

26.12.2012

01.05.1998

R$

130,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2014

R$

724,00

Decreto nº 8.166/13

24.12.2013

01.05.1999

R$

136,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2015

R$

788,00

Decreto nº 8.381/14

29.12.2014

Fevereiro/2015 – Ed. 215

III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Janeiro/2015)

105

Salário-de-benefício mínimo Salário-de-benefício máximo Renda mensal vitalícia Salário-família:

Benefícios a idosos e portadores de deficiência

R$ 788,00 R$ 4.663,75 R$ 788,00 I - R$ 37,18 (trinta e sete reais e dezoito centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos); II - R$ 26,20 (vinte e seis reais e vinte centavos) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos) e igual ou inferior a R$ 1.089,72 (um mil e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos). Um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995)


8 – Tabela de contribuição (empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso) para pagamento de remuneração Salário-de-contribuição (R$)

Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)

Até R$ 1.399,12

8,00*

De R$ 1.399,13 até 2.331,8

9,00*

De R$ 2.331,89 até 4.663,75

11,00*

9 – Escala de salários-base para os segurados contribuinte individual e facultativo Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.

* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.

IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL Alíquota %

Parcela a deduzir do imposto em R$

-

-

De 1.787,78 até 2.679,29

7,5

134,08

De 2.679,30 até 3.572,43

15,0

335,03

De 3.572,44 até 4.463,81

22,5

602,96

Acima de 4.463,81

27,5

826,15

Até 1.787,77

Dedução por dependente

O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.

179,71

V – Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho Novos valores para Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho (Ato nº 372/2014 do TST, DJe de 17.07.2014, vigência a partir de 01.08.2014) Recurso Ordinário

R$ 7.485,83

Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória

R$ 14.971,65

Fevereiro/2015 – Ed. 215

Base de cálculo em R$

TABELA PROGRESSIVA ANUAL

Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.

106


VI – Indexadores Indexador

Agosto

Setembro

Outubro

Novembro

Dezembro

Janeiro

INPC IGPM UFIR SELIC

0,18 (-)0,27

0,49 0,20

0,38 0,28

0,53 0,98

0,62 0,29

1,48 (-)0,76

0,96

0,94

Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º.

0,87

0,91

0,95

0,84

Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75

TDA

Valores nominais reajustados – Reais 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 157,23

(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.

VII  – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais

Fevereiro/2015 – Ed. 215

Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.

107

Mês/Ano 1992 1993 1994 1995 1996 1997

Mês/Ano 1998

JAN 11.230,659840 140.277,063840 FEV 14.141,646870 180.634,775106 MAR 17.603,522023 225.414,135854 ABR 21.409,403484 287.583,354522 MAIO 25.871,123170 369.170,752199 JUN 32.209,548346 468.034,679637 JUL 38.925,239176 610.176,811842 AGO 47.519,931986 799,392641 SET 58.154,892764 1065,910147 OUT 72.100,436048 1445,693932 NOV 90.897,019725 1938,964701 DEZ 111.703,347540 2636,991993

JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

3631,929071 5132,642163 7214,955088 10323,157739 14747,663145 21049,339606 11,346741 12,036622 12,693821 12,885497 13,125167 13,554359

13,851199 16,819757 14,082514 17,065325 14,221930 17,186488 14,422459 17,236328 14,699370 17,396625 15,077143 17,619301 15,351547 17,853637 15,729195 18,067880 15,889632 18,158219 16,075540 18,161850 16,300597 18,230865 16,546736 18,292849

18,353215 18,501876 18,585134 18,711512 18,823781 18,844487 18,910442 18,944480 18,938796 18,957734 19,012711 19,041230

1999

2000

2001

2002

19,149765 19,626072 21,280595 22,402504 24,517690 19,312538 19,753641 21,410406 22,575003 24,780029 19,416825 20,008462 21,421111 22,685620 24,856847 19,511967 20,264570 21,448958 22,794510 25,010959 19,599770 20,359813 21,468262 22,985983 25,181033 19,740888 20,369992 21,457527 23,117003 25,203695 19,770499 20,384250 21,521899 23,255705 25,357437 19,715141 20,535093 21,821053 23,513843 25,649047 19,618536 20,648036 22,085087 23,699602 25,869628 19,557718 20,728563 22,180052 23,803880 26,084345 19,579231 20,927557 22,215540 24,027636 26,493869 19,543988 21,124276 22,279965 24,337592 27,392011

2003 28,131595 28,826445 29,247311 29,647999 30,057141 30,354706 30,336493 30,348627 30,403254 30,652560 30,772104 30,885960


Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

2004

2005 2006 2007

31,052744 32,957268 31,310481 33,145124 31,432591 33,290962 31,611756 33,533986 31,741364 33,839145 31,868329 34,076019 32,027670 34,038535 32,261471 34,048746 32,422778 34,048746 32,477896 34,099819 32,533108 34,297597 32,676253 34,482804

2008

2009

34,620735 35,594754 37,429911 34,752293 35,769168 37,688177 34,832223 35,919398 37,869080 34,926270 36,077443 38,062212 34,968181 36,171244 38,305810 35,013639 36,265289 38,673545 34,989129 36,377711 39,025474 35,027617 36,494119 39,251821 35,020611 36,709434 39,334249 35,076643 36,801207 39,393250 35,227472 36,911610 39,590216 35,375427 37,070329 39,740658

39,855905 40,110982 40,235326 40,315796 40,537532 40,780757 40,952036 41,046225 41,079061 41,144787 41,243534 41,396135

Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

2010

2011 2012 2013

41,495485 44,178247 46,864232 41,860645 44,593522 47,103239 42,153669 44,834327 47,286941 42,452960 45,130233 47,372057 42,762866 45,455170 47,675238 42,946746 45,714264 47,937451 42,899504 45,814835 48,062088 42,869474 45,814835 48,268754 42,839465 46,007257 48,485963 43,070798 46,214289 48,791424 43,467049 46,362174 49,137843 43,914759 46,626438 49,403187

2014

2015

49,768770 52,537233 55,809388 50,226642 52,868217 56,635366 50,487820 53,206573 50,790746 53,642866 51,090411 54,061280 51,269227 54,385647 51,412780 54,527049 51,345943 54,597934 51,428096 54,696210 51,566951 54,964221 51,881509 55,173085 52,161669 55,465502

Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.

Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967

NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990

NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970

Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993

Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986

CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994

Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988

R$ (real): de jul./1994 em diante

Exemplo: Atualização, até fevereiro de 2015, do valor de Cz$1.000,00 fixado em janeiro de 1988 Cz$1.000,00 : 596,94 (janeiro/1988) x 56,635366 (fevereiro/2015) = R$94,87

Out./1964 a fev./1986: ORTN Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989

Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989)

Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice)

Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002. Fonte: Site do TJSP * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.

Fevereiro/2015 – Ed. 215

Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:

108


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