Edição Novembro 2013

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Imposto de Renda Retido na Fonte no Afretamento de Plataformas Marítimas – Rodrigo Brunelli Machado e Guilherme Kluck Gomes – p. 1

Condomínio Fechado, Associação de Moradores e Lei Municipal – Paulo Fernando Silveira – p. 7 Bem Jurídico e Direito Penal: Reflexões sobre a Criminalização e os Seus Limites – Fernanda Grossi Severino – p. 27 As Responsabilidades Administrativa e Civil por Dano Ambiental e Suas Diferenças Básicas – Toshio Mukai – p. 48 Não Incidência de Contribuições Previdenciárias sobre o Adicional de Horas Extras – Equívocos da Jurisprudência Que Afirma a Natureza Salarial do Adicional – Luiz Ricardo de Azeredo Sá – p. 51

Jornal Jurídico

Controvérsias sobre a Indenização nas Ações de Desapropriação no Brasil – Elói Martins Senhoras e Ariane Raquel Almeida de Souza Cruz– p. 62 Acórdão na Íntegra – Superior Tribunal de Justiça – p. 65 Pesquisa Temática – Responsabilidade Civil – p. 70 Jurisprudência Comentada – Bem de Família: Critérios para Aplicação da Lei nº 8.009/1990 – Rafael Del Faveri e Thereza C. Nahas – p. 74

N ove m b r o / 2 0 1 3 – E d i ç ã o 2 0 0

Medida Provisória – p. 82 Normas Legais – p. 86 Indicadores – p. 87


Doutrina

Imposto de Renda Retido na Fonte no Afretamento de Plataformas Marítimas RODRIGO BRUNELLI MACHADO

Mestre (LL.M.) em Tributação Internacional pela Universidade de Leiden – Holanda, Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, Membro Fundador do Instituto de Pesquisas Tributárias – IPT, Ex-Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas – TIT de São Paulo, Sócio Conselheiro de Ulhôa Canto, Rezende e Guerra – Advogados.

GUILHERME KLUCK GOMES

Formado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – Fadusp, Sócio de Ulhôa Canto, Rezende e Guerra – Advogados.

RESUMO: O conceito de embarcação compreende as plataformas marítimas, de forma que o benefício fiscal previsto no art. 1º, I, da Lei nº 9.481/1997 é aplicável aos rendimentos de afretamentos de plataformas marítimas. PALAVRAS-CHAVE: Embarcação; plataformas marítimas; Imposto de Renda. ABSTRACT: The concept of vessel comprises the marine platforms, so that the fiscal benefit provided by article 1º, I, of Law nº 9.481/1997 is applicable to the income from the charter of maritime platforms. KEY WORDS: Vessel; marine platforms; income tax. SUMÁRIO: I – Introdução; II – Conceito de embarcação; III – Efeitos fiscais.

I – INTRODUÇÃO O objetivo do presente trabalho é analisar o conceito de embarcação adotado pelo Direito brasileiro, a fim de delimitar o alcance da regra prevista no art. 1º, I, da Lei nº 9.481, de 13.08.1997, com a redação dada pela Lei nº 9.532, de 10.12.1997, especificamente em relação ao afretamento de plataformas: Art. 1º A alíquota do imposto de renda na fonte incidente sobre os rendimentos auferidos no País, por residentes ou domiciliados no exterior, fica reduzida para zero, nas seguintes hipóteses: I – receitas de fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamentos de embarcações marítimas ou fluviais ou de aeronaves estrangeiras, feitos por empresas, desde que tenham sido aprovados pelas autoridades competentes, bem assim os pagamentos de aluguel de containers, sobrestadia e outros relativos ao uso de serviços de instalações portuárias; [...]

Assim, no que importa a este trabalho, o dispositivo transcrito acima prevê a aplicação de alíquota zero do Imposto de Renda na Fonte incidente sobre a remessa de rendimentos decorrentes do afretamento de embarcações marítimas ou fluviais auferidos por não residentes1. O tema delimitado acima ganha especial relevância em face da interpretação adotada pelo antigo Conselho de Contribuintes, atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF em dois acór1 Anteriormente à publicação da Lei nº 9.481, o Decreto-Lei nº 5.844, de 23.09.1943, com redação dada pelo art. 46 da Lei nº 4.862, de 29.11.1965, previa uma isenção do Imposto de Renda na Fonte para os rendimentos atribuídos a residentes ou domiciliados no exterior, correspondentes a receitas de fretes, afretamentos aluguéis ou arrendamentos de embarcações marítimas ou fluviais. Esse benefício foi revogado pela Lei nº 9.430, de 27.12.1996.


De fato, no Acórdão nº 106-14.431, o CARF adotou, pelo voto de qualidade, interpretação restritiva do conceito de embarcação e excluiu, do referido conceito, as plataformas marítimas: Plataforma. Conceito. Plataforma para prospecção de petróleo classifica-se na posição tarifária 8905.20.00, não estando abrangida no conceito de embarcação, pois lhe falta a função precípua de transporte, nem mesmo como função acessória, nos termos determinados no Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias e Notas Explicativas, mediante a Convenção Internacional assinada pelo Brasil em 1986 e incorporada ao Ordenamento jurídico nacional mediante o Decreto Legislativo nº 71, de 11 de outubro de 1988.

Agravo de instrumento. Tutela de urgência. Suspensão da exigibilidade de crédito tributário. Presença dos requisitos autorizadores. Definição de embarcação ditada pela Lei nº 9.537/1997. Incidência da alíquota zero sobre receitas auferidas pelo afretamento de plataforma flutuante. Leis nºs 9.537/1997 e 9.481/1997. 1. Presentes os requisitos autorizadores da tutela de urgência, a teor do art. 273 do CPC, impõe-se a concessão da providência judicial direcionada à suspensão da exigibilidade de crédito tributário. 2. A definição de embarcação é dada pela legislação marítima ou de controle aquaviário, e não pela legislação tributária. A Lei nº 9.481/1997 prevê a incidência da alíquota zero quando a receita decorrente de afretamento de embarcação for auferida por pessoa residente ou domiciliada no exterior. Por sua vez, a Lei nº 9.537/1997 define a plataforma flutuante como embarcação. 3. Aplica-se a regra de desoneração pela técnica de alíquota zero na hipótese de afretamento de plataforma flutuante. 4. Agravo de instrumento provido. (AI 2012.02.01.003008-4, Rel. Juiz Fed. Conv. Theophilo Miguel, 07.08.2012 – grifou-se)

Recurso negado. Pelo voto de qualidade, negar provimento ao recurso. Vencidos os Conselheiros Romeu Bueno de Camargo, Gonçalo Bonet Allage, José Carlos da Matta Rivitti e Wilfrido Augusto Marques. (Ac. 106-14.431, Rel. Luiz Antonio de Paula, 24.02.2005)

Em 29.10.2012, foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido do contribuinte.

Na mesma sessão em que foi proferido o acórdão acima, o mesmo Conselheiro Relator reiterou essa interpretação a respeito do conceito de embarcação no Processo nº 18471.001620/2003-36, conforme ficou consignado no Acórdão nº 106-14.432, também adotado pelo voto de qualidade.

Não obstante, a interpretação restritiva do conceito de embarcação acima mencionada não encontra respaldo na legislação brasileira. Conforme se demonstrará abaixo, o entendimento até então consolidado na doutrina e jurisprudência é aquele adotado pelo TRF2 no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2012.02.01.003008-4, nos termos do acórdão transcrito acima.

Em face do Acórdão nº 106-14.432, o contribuinte ajuizou ação ordinária anulatória de lançamento fiscal, que deu origem ao Processo nº 2012.51.01.002887-0 na 29ª Vara Federal do Rio de Janeiro. No âmbito desse processo foi proferida, em 05.03.2012, decisão que indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela. Em 07.08.2012, a Terceira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região – TRF2 – proferiu acórdão que suspendeu a exigibilidade do crédito tributário objeto do Processo nº 2012.51.01.002887-0 até o seu julgamento final, conforme a ementa transcrita abaixo:

II – CONCEITO DE EMBARCAÇÃO A correta interpretação do termo embarcação já foi tema de diversos debates. J. C. Sampaio de Lacerda2, ao analisar os usos das expressões embarcação e navio, demonstra que o termo embarcação foi 2 Curso de direito comercial marítimo e aeronáutico. Editora Freitas Bastos, 1949, p. 49/50.

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dãos, um dos quais posteriormente confirmado pela primeira instância da Justiça Federal do Rio de Janeiro.

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interpretado de forma bastante ampla, a significar qualquer construção suscetível de se locomover na água: 22 – Embarcação e navio. O nosso código usa indiferentemente das expressões embarcação e navio. Contudo alguns autores pretendem distinguí-las. Hugo Simas, julga ser embarcação tôda a construção destinada a correr sôbre a água, reservando a palavra navio para a embarcação utilizada na indústria da navegação. Stoll Gonçalves, reconhecendo não haver na lei distinção clara, diz que, geralmente, embarcação é designação dada aos meios de transporte da pequena tonelagem, empregados no interior dos portos. Vê-se assim quão incerta é a diferenciação, uma vez que código não a esclareceu.

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É verdade que o Regulamento para a Capitania dos Portos adotou critério semelhante à orientação de Hugo Simas, por isso que conceituou embarcação como tôda construção, suscetível de se locomover na água, quaisquer que sejam seus característicos (art. 187) e, em seguida (art. 190), classificando as embarcações incluiu certos corpos flutuantes que devem ser excluídos da noção de navio (dragas, guindastes, etc.). Parece razoável interpretar-se nestes termos os dispositivos do Regulamento para a Capitania dos Portos, pois assim se saberá quando se devam aplicar as normas do direito marítimo, não as estendendo a tôdas as embarcações indicadas no art. 187 e apenas às que se enquadrarem no conceito verdadeiro de navio acima formulado (vide também o art. 180, § 1º, do Reg. Capit. dos Portos).

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Mais recentemente, Eliane M. Octaviano Martins3 afirma que o termo embarcação continua a ter alcance amplo, abrangendo quaisquer construções náuticas exploradas economicamente nos mercados de frete, turismo, rebocagem, petróleo e outros: Na esfera do conceito de embarcações, inserem-se as construções náuticas – ou engenhos flutuantes suscetíveis de locomoção na água – dotados ou não de propulsão própria e exploradas economicamente nos mercados de frete, no turismo, na rebocagem, na indústria de petróleo e em outros mercados específicos relacionados ao tráfego e tráfico marítimos. Consideram-se ainda as vias navegáveis e as atividades de exploração e explotação dos recursos do mar. Designadamente, a 3 Curso de direito marítimo. 4. ed. rev. e ampl. Bauru: Manole, v. I, 2013. p. 122.

indústria de transporte marítimo explora embarcações destinadas ao transporte de mercadorias, destacando-se, ainda, o mercado de rebocagem. Na indústria de turismo, insere-se a exploração de navios no setor de transporte de pessoas, principalmente dos navios transatlânticos. Nas atividades da indústria petrolífera, destacam-se as plataformas marítimas e as embarcações de exploração, explotação e transporte de óleo e gás.

De fato, esse parece ser o conceito adotado pela legislação brasileira. O Decreto nº 87.648, de 24.09.1982, que aprovou o Regulamento para o Tráfego Marítimo (já revogado pelo Decreto nº 2.596, de 18.05.1998), tratava as embarcações como gênero, do qual as plataformas seriam espécies: Art. 138. As embarcações abaixo especificadas, e que não estejam compreendidas nos artigos deste capítulo, terão os tripulantes julgados necessários pelos seus proprietários, desde que a juízo da Capitania dos Portos ou Órgão subordinado, satisfaçam todas as exigências do serviço: I – empregadas na navegação de Alto-Mar, Costeira, Interior e Regional; II – lameiros, cábreas, dragas e barcas d’água; III – sem propulsão mecânica, pontões, barcaças, catraias e chatas; IV – das repartições federais, estaduais, municipais e de praticagem; V – plataformas tripuláveis; VI – embarcações a vela.

No mesmo sentido é a definição adotada pelo art. 2º da Lei nº 9.537, de 08.01.1997, que dispõe sobre a ordenação do transporte aquaviário: Art. 2º Para os efeitos desta lei, ficam estabelecidos os seguintes conceitos e definições: [...]


V – Embarcação – qualquer construção, inclusive as plataformas flutuantes e, quando rebocadas, as fixas, sujeita a inscrição na autoridade marítima e suscetível de se locomover na água, por meios próprios ou não, transportando pessoas ou cargas;

de se locomover, pelo menos para alcançar e se afastar do local de produção, já é suficiente para qualificá-las como embarcações. Ainda que assim não seja, é inegável que tais tipos de plataformas marítimas flutuam sobre os mares durante o desempenho da função de produção.

[...]

No Brasil, a qualificação de embarcação das plataformas marítimas foi reconhecida pela Lei nº 9.537, de 11.12.1997 (Lei nº 9.537/1997), que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional, tal como dispõe o seu art. 2º, inciso V c/c inciso XIV:

3. Definições a) Embarcação – qualquer construção, inclusive as plataformas flutuantes e, quando rebocadas, as fixas, sujeita à inscrição na Autoridade Marítima e suscetível de se locomover na água, por meios próprios ou não, transportando pessoas ou cargas; [...]

Com efeito, no desempenho de suas atividades, as plataformas marítimas locomovem-se e flutuam sobre a água, com o que se enquadram perfeitamente no conceito delineado acima. Nesse sentido, esclarece Maria Augusta Paim4: Como visto, considera-se embarcação toda e qualquer estrutura marítima capaz de se locomover ou de flutuar sobre as águas. Ora, se as atividades de exploração e de produção de petróleo e gás natural são desenvolvidas pelas plataformas marítimas no mar, não há dúvidas de que tais estruturas se locomovem e flutuam sobre as águas. Isso é evidente no caso das plataformas marítimas usadas na exploração, que, inclusive, desempenham a navegação frequente, para se locomoverem de um poço de perfuração a outro, após o período de algumas semanas em que ficam fixas sobre o ponto de exploração. No caso das plataformas marítimas usadas na produção, não é sempre que se locomovem sobre as águas, mas o fato de que são capazes

4 Plataforma jurídica é embarcação. Revista de Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário, Porto Alegre: Síntese, a. II, n. 8, maio/jun. 2012.

[...]

Maria Augusta Paim salienta, ainda, que o enquadramento das plataformas no conceito de embarcação já foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 76.133, de 13.09.1974, que versava a respeito de isenção concedida no âmbito do Imposto sobre Produtos Industrializados5: Plataforma autoelevadora para perfuração submarina constitui embarcação e está isenta do IPI, como expressa o art. 10, XXXIX, do Regulamento aprovado pelo Decreto nº 61.514-67. 2. Recursos extraordinários providos pela 2ª Turma do STF.

Nesse mesmo sentido vem se manifestando o TRF2, notadamente em relação à aplicação de benefícios fiscais referentes ao Imposto de Importação – II e ao Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI6: 5 A respeito da natureza das plataformas marítimas, citem-se ainda os artigos “Exigibilidade do Imposto de Renda nas remessas ao exterior a título de arrendamento/afretamento de embarcações utilizadas no processo de produção de petróleo”, de Marcos André Vinhas Catão, e “A natureza jurídica das plataformas marítimas”, de Camila Mendes Vianna Cardoso, ambos publicados na Revista de Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário, a. II, n. 8, maio/jun. 2012, mencionada na nota anterior. 6 Nesse mesmo sentido, os acórdãos proferidos nos seguintes processos, todos do TRF2: Apelação Cível nº 1998.51.01.028564-8, de 22.05.2012; Apelação Cível nº 1998.51.03.300161-4, de 20.04.2010; Apelação Cível nº 2000.02.01.066288-8, de 20.04.2010; Apelação Cível nº 2001.02.01.011560-2,

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A Norma da Autoridade Marítima – Normam nº 01 conceitua embarcação exatamente da mesma forma:

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Tributário. Plataformas flutuantes. Embarcação. Lei nº 9.537/1997. Segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional. Isenção prevista no art. 2º, II, j, da Lei nº 8.032/1990. Peças e componentes destinados ao seu reparo. I – A Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997, que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional, inclui expressamente as plataformas flutuantes no conceito de embarcação. II – Pacificada, portanto, a questão da conceituação da plataforma como embarcação, infere-se que as partes, peças e componentes destinados ao seu reparo, revisão e manutenção fazem jus à isenção prevista no art. 2º, II, j, da Lei nº 8.032/1990, ao revés do afirmado pela autoridade impetrada quando da negativa ao desembaraço aduaneiro sem o pagamento de tributos, merecendo ser mantida a sentença ora guerreada. III – A Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação cível. (AC 98.02.30093-4, 4ª Turma Especializada do TRF 2ª R., Rel. Des. Fed. Alberto Nogueira, 15.09.2009)

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remessa necessária, nos termos do voto do relator. (AC 9802424587, 3ª Turma Especializada do TRF 2ª R., Rel. Juiz Fed. Conv. José Antonio Lisboa Neiva, 09.06.2009 – grifou-se) Tributário. Importação. Regime de admissão temporária. Equipamentos de reparação, reposição e manutenção. IN/SRF 136/1987. Regime comum de importação. Isenção. Leis nºs 8.032/1990 e 8.402/1992. 1. Os equipamentos importados pela autora para reparo, revisão e manutenção da Plataforma SEDCO 710 sujeitam-se ao regime comum de importação, eis que não se submetem ao regime de admissão temporária, por encontrarem-se previstos no anexo da Instrução Normativa nº 136/1987, bem como ao regime de trânsito aduaneiro, tendo em vista que a plataforma a qual se destinam encontra-se operando, e não estacionada ou de passagem. 2. Os referidos equipamentos, contudo, se enquadram na isenção prevista na Lei nº 8.032/1990, já em vigor à época da importação, tendo em vista que a plataforma é uma espécie de embarcação, como se pode inferir da leitura do Regulamento para o Tráfego Marítimo (Decreto nº 87.648, de 24.09.1982, revogado pelo Decreto nº 2.596, de 18 de maio de 1998) e a Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997, que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional. 3. Recurso e remessa, como existente, improvidos. (AC 9802348660, 3ª Turma Especializada do TRF 2ª R., 03.06.2008, Rel. Juiz Fed. Conv. Luiz Matos – grifou-se)

Apelação cível. Tributário. Repetição de indébito. IPI. Plataforma de petróleo. Questão de mérito decidida em recurso extraordinário. Isenção conferida face à natureza de embarcação. Índices de correção monetária aplicáveis. Expurgos inflacionários. Incidência em ações de repetição de indébito. Apelação e remessa conhecidas e desprovidas. 1. Descabe a discussão acerca do mérito da existência do indébito, posto que considerada a cobrança indevida por julgamento definitivo em sede de recurso extraordinário. 2. Sendo a plataforma espécie de embarcação, é, portanto, isenta do IPI. 3. Sobre o tema da correção monetária, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou-se no sentido de que, “sendo a correção monetária mera atualização do valor da moeda, em face de sua notória corrosão pela inflação, não representando acréscimo ou pena a sua inclusão na conta, porque apenas recompõe a diminuição patrimonial sofrida pelo credor, não representa inovação ao cálculo, donde a inocorrência da alegada preclusão” (EDREsp 70.765). 4. É cabível a inclusão dos índices referentes a expurgos inflacionários no cálculo de atualização monetária. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça em ações de repetição de indébito. 5. Inexiste julgamento extra petita ou ultra petita, porque a inclusão dos índices nos cálculos da correção monetária apenas recompõe o valor da moeda. 6. Apelação e remessa necessária conhecidas e desprovidas. Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso e à

Em sentido semelhante, o acórdão proferido no Recurso em Sentido Estrito nº 2012.51.03.000850-5, a respeito de limitação de competência de julgamento de crime ambiental:

de 20.04.2010; Apelação Cível nº 1999.02.01.047922-6, de 10.06.2008; Remessa Ex Officio nº 1999.02.01.047933-0, de 10.06.2008; Apelação Cível nº 98.02.348678, de 03.06.2008.

Vê-se, pois, que a jurisprudência tem se posicionado no sentido de que o termo embarcações, conforme empregado pela

[...] VII – A plataforma em que sucederam os fatos tem, segundo precedentes desta Corte, natureza jurídica de embarcação, porém, pelo que informa o próprio MPF, sua bandeira é liberiana, de modo que não tem incidência o art. 89 do CPP. VIII – Recurso ministerial não provido. (Recurso em Sentido Estrito nº 2012.51.03.000850-5, 1ª Turma Especializada do TRF 2ª R., Rel. Des. Fed. Abel Gomes, 17.10.2012)


III – EFEITOS FISCAIS O direito tributário é um direito de sobreposição, que utiliza os conceitos de outros ramos do direito sem, contudo, modificar seus sentidos. A esse respeito, determina o art. 110 do Código Tributário Nacional: Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

Esse princípio tem sido adotado há muito tempo pelo STF. Nesse particular, é emblemático o voto proferido pelo Ministro Luiz Gallotti no RE 71.758/GB, em 14.06.1972 – talvez o voto mais citado pela doutrina e jurisprudência brasileira em matéria fiscal: [...] se a lei pudesse chamar de compra o que não é compra, de importação o que não é importação, de exportação o que não é exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na Constituição.

Na mesma linha, o acórdão proferido no julgamento do RE 116.121/SP fundamentou-se justamente no art. 110 para afastar a possibilidade de incidência do Imposto sobre Serviços – ISS sobre contrato de locação de bens móveis: Tributo. Figurino constitucional. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos. Imposto Sobre Serviços. Contrato de locação. A terminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável – art. 110 do Código Tributário Nacional. (RE 116.121/SP, Rel. p/o Ac. Min. Marco Aurélio, 11.10.2000)

Aplicando a fórmula consagrada no trecho do voto proferido pelo Ministro Luiz Gallotti, transcrito acima, não poderia a lei deixar de chamar de embarcação o que é – e sempre foi assim considerada – embarcação. Dessa forma, uma vez que o conceito de embarcações compreende as plataformas marítimas, o que é reconhecido há tempos por doutrina e jurisprudência, não cabe ao direito tributário desvirtuar esse conceito para fins de aplicação do benefício fiscal previsto no art. 1º, I, da Lei nº 9.481/1997. Novembro/2013 – Ed. 200

legislação brasileira, refere-se a um gênero, que engloba, entre outras espécies, as plataformas marítimas.

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Doutrina

Condomínio Fechado, Associação de Moradores e Lei Municipal PAULO FERNANDO SILVEIRA

Juiz Federal Aposentado, Jurista e Escritor, Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro – ALTM, Conselheiro de Honra da Revista Artigo 5º da Associação Cultural Artigo 5º Delegados de Polícia Federal pela Democracia – São Paulo/SP, ao lado de figuras eminentes, como Fábio Konder Comparato.

SUMÁRIO: I – Objeto do presente artigo; II – Dos loteamentos e condomínios; III – Incompetência do Município para legislar sobre loteamentos e condomínios; IV – Competência da Justiça Federal; V – Ausência de interesse público para desafetação, por lei, dos bens de uso comum e para a assinatura do contrato administrativo de concessão de direito real de uso; VI – Violação de direitos individuais fundamentais; VII – Impossibilidade de fechamento de bairro antigo, com ruas e praças abertas ao público; VIII – Direito constitucional de não se associar; IX – Falácia do argumento do enriquecimento ilícito por serviços não encomendados; X – Cobrança indevida, ilegal e inconstitucional: preço público ou tributo?; XI – Inviabilidade jurídica de aquisição forçada de bens públicos; Referências.

I – OBJETO DO PRESENTE ARTIGO 1. Tem-se noticiado, com frequência, o fechamento de vias públicas (praças e ruas de uso comum do povo), a fim de transformá-las em condomínio particular fechado, mediante autorização veiculada por lei municipal. Essa legislação autoriza o executivo local a outorgar

título de concessão de direito real de uso por prazo determinado (alguns alcançando quase um século), a uma determinada associação de moradores, mediante a retribuição em pecúnia, por parte dela, calculada sobre o valor dos bens públicos cedidos. A associação, por sua vez, se incumbe do fechamento dos logradouros, de sua manutenção particular (contratação dos serviços de segurança, limpeza, etc.), do recebimento do preço público dos imóveis transferidos e das contribuições associativas dos seus membros e, mesmo, coercitivamente, daqueles outros proprietários que não desejam participar, voluntariamente, do condomínio privado recém-implantado. Pretende-se demonstrar, por meio deste artigo, as inúmeras ilegalidades e inconstitucionalidades que estão sendo praticadas pelos Municípios e pelas associações dos moradores, sob o amparo dessas pretensas leis.

II – DOS LOTEAMENTOS E CONDOMÍNIOS 1. O parcelamento do solo urbano, seu loteamento e desmembramento são regulados pela Lei Federal nº 6.766/1979, com as alterações introduzidas pelas leis posteriores (Leis nºs 9.785/1999, 10.932/2004 e 11.445/2007). 2. Esse diploma legal previu apenas dois tipos de parcelamentos de solo: o loteamento e o desmembramento. Forneceu, ainda, as características de cada um, ao estatuir que: Art. 2º O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta lei e das legislações estaduais e municipais pertinentes.


§ 2º Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique a abertura de novas vias e logradouros públicos, nem o prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

Aos Estados e Municípios facultou-se, apenas, o direito de estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solo municipal para adequá-lo ao previsto na legislação federal e às peculiaridades regionais e locais (Lei nº 6.766/1979, art. 1º, parágrafo único). 3. Os condomínios, por sua vez, são objetos de leis federais que regulam tanto o condomínio horizontal de prédios de apartamentos (Lei nº 4.591/1964 e alterações posteriores) – também chamado de edilício pelo Código Civil, que cuida de suas normas básicas (Lei nº 10.406/2002, arts. 1.331/1.358) –, como o especial de casas térreas ou assobradadas (Lei nº 4.59l/1964, art. 8º), o voluntário ou convencional (duas ou mais pessoas são donas de uma casa, de uma fazenda, etc.) e o necessário (meação de paredes, muros, cercas e valas), estes dois últimos regidos especificamente pelo Código Civil (arts. 1.314/1.330). 4. Constata-se, de pronto, que a Lei Federal nº 4.59l/1964 já cuida, exaustivamente, tanto dos condomínios edilícios (de prédios, de apartamentos), como dos condomínios privados e fechados de casas térreas ou assobradadas, chamados de especiais. Sobre estes últimos, ela dispõe, verbis: Art. 8º Quando, em terreno onde não houver edificação, o proprietário, o promitente-vendedor, o cessionário deste ou o promitente cessionário sobre ele desejarem erigir mais de uma edificação, observar-se-á também o seguinte:

a) em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela eventualmente reservada como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal de todo o terreno e de partes comuns, que corresponderão às unidades; b) em relação às unidades autônomas que constituírem edifícios de dois ou mais pavimentos, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação, aquela que eventualmente for reservada como de utilização exclusiva, correspondente às unidades do edifício, e, ainda, a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá a cada uma das unidades; c) serão discriminadas as partes do total do terreno que poderão ser utilizadas em comum pelos titulares de direito sobre os vários tipos de unidades autônomas; d) serão discriminada as áreas que se constituírem em passagem comum para as vias públicas ou para as unidades entre si.

5. Nesse tipo de condomínio particular fechado, denominado especial: O princípio dominante é o mesmo do edifício urbano, guardadas as peculiaridades especiais. Cada titular é o dono da unidade e, como se lhe reserva um terreno à utilização exclusiva, pode cercá-lo ou fechá-lo, observando o tipo de tapume previsto na convenção. Pode aliená-lo com o terreno reservado. Mas não lhe assiste o direito de dissociar a sua unidade do conjunto condominial nem separá-la da fração ideal que lhe corresponde nesse conjunto. E muito menos apropriar-se das partes de uso comum ou embaraçar sua utilização pelos demais.1

6. Atente-se, ainda, para o fato de que, nesse tipo de condomínio fechado e particular, não há ruas públicas, ainda que os espaços comuns venham a ter essa designação, apenas para efeito de identificação.

1 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 71/2.

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§ 1º Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.

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7. A propósito, há precisa e segura orientação emanada do egrégio Superior Tribunal de Justiça – STJ, a qual, por advir da mais elevada Corte de Justiça, no que se refere à legalidade dos atos normativos e administrativos, deve merecer o maior respeito e acatamento por parte dos poderes legislativo e executivo, notadamente os municipais, no sentido de que “nada impede que os moradores de determinado loteamento constituam condomínio, mas deve ser obedecido o que dispõe o art. 8º da Lei nº 4.591/1964” (REsp 623274/RJ, 3ª T., Min. Carlos Alberto Menezes Direito, em 07.05.2007, DJ 18.06.2007, p. 254).

III – INCOMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA LEGISLAR SOBRE LOTEAMENTOS E CONDOMÍNIOS 1. Dispõe a Constituição Federal (CF, art. 22, I) que compete, privativamente, à União legislar sobre o direito civil, que abrange, obviamente, o direito de propriedade e a classificação dos bens, públicos e particulares.

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2. A União detém, ainda, concorrentemente com os Estados e Municípios, competência para legislar sobre o direito urbanístico, baixando normas gerais (CF, art. 24, I, e § 1º).

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3. Aos Municípios, portanto, foram assegurados (CF, art. 24, I, e § 1º), apenas, a faculdade de legislar sobre matéria urbanística (observadas as normas gerais editadas pela União) e o direito de promover, no que couber, o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (CF, art. 30, VIII), sem prejuízo, é lógico, da edição de leis que cuidem de assuntos de interesse local (CF, art. 30, I), entendendo-se, por isso, aquelas matérias em que o interesse local se constituir de um núcleo prevalente e sobrepujante, por isso mesmo intocável pelos outros entes políticos, regional e nacional, nesse aspecto periféricos.

4. O loteamento urbano e o condomínio, em qualquer de suas modalidades, ficam sujeitos às normas civis estabelecidas pela União (Código Civil, Lei nº 4.59l/1964, Lei nº 6.766/1979 e posteriores) e às normas urbanísticas impostas pelo Município na legislação edilícia adequada às peculiaridades locais. 5. Explicitando melhor a distribuição da competência constitucional sobre a matéria em exame, Hely Lopes de Meireles assevera que: Como procedimento ou atividade de repartição do solo urbano ou urbanizável, o loteamento sujeita-se a cláusulas convencionais e a normas legais de duas ordens: civis e urbanísticas. As cláusulas convencionais são as que constarem do memorial arquivado no registro imobiliário, para transcrição nas escrituras de alienação dos lotes; as normas civis são expressas na legislação federal pertinente e visam a garantir aos adquirentes de lotes a legitimidade da propriedade e a transferência do domínio ao término do pagamento do preço; as normas urbanísticas são as constantes da legislação municipal e objetivam assegurar ao loteamento os equipamentos e condições mínimas de habitabilidade e conforto, bem como harmonizá-lo com o plano diretor do Município, para a correta expansão de sua área urbana.2 (grifou-se)

6. Adverte, ainda, o ilustre administrativista que a competência para intervir na propriedade e atuar no domínio econômico não se distribui igualmente entre as entidades estatais. A legislação sobre direito de propriedade e intervenção no domínio econômico é privativa da União (arts. 22, II e III, e 173). Aos Estados e Municípios só cabem as medidas de polícia administrativa, de condicionamento de uso da propriedade ao bem-estar social e de ordenamento das atividades econômicas, nos limites das normas federais.3 2 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, apud FOSCHINI, Regina Célia. Loteamento fechado: a absoluta falta de amparo legal. Fórum Ambiental da Alta Paulista, v. IV, a. 2008. p. 7. 3 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 499.


notadamente as editadas pelo Município, dizem respeito à ordenação do território, tendo em vista o traçado urbano, o sistema viário, as áreas livres, a construção urbana, a estética da cidade, expressas em limitações urbanísticas que organizam os espaços habitáveis, propiciando ao homem melhores condições de vida em comunidade, regrando o uso da propriedade.4

8. Portanto, são as regras federais que comandam solitariamente o direito de propriedade, abrangendo, em suas múltiplas facetas, tanto o parcelamento do solo quanto a criação de condomínios. Por encerrarem, também, normas urbanísticas gerais, com força vinculante para os Estados e Municípios, não podem ser modificadas pelo legislador local, sob pena de usurpação de competência legislativa privativa da União. 9. Observe-se que os loteamentos convencionais, assim como os condomínios fechados em terrenos particulares, são regidos, respectivamente, pela Lei Federal nº 6.766/1979 e Lei Federal nº 4.591/1964, art. 8º. Assim, fica claramente visível que a criação de loteamentos fechados – principalmente envolvendo bens públicos de uso comum do povo –, por meio de lei municipal, seguida de ato administrativo de concessão de direito real de uso, contraria, de frente, a lei federal, já que constituem uma mescla de loteamentos e condomínios, ou seja, um terceiro gênero. 10. Assim, ao criar um misto de loteamento e condomínio fechado, a lei municipal inovou nessas duas áreas restritas, intocáveis e alterou o regime jurídico original do loteamento, delineado por 4 FREITAS, José Carlos de. Da legalidade dos loteamentos fechados. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/sitioslagos/documentos/ ilegalidade.html>. Acesso em: 13 out. 2010, p. 4.

lei federal. Ao agir assim, invadiu, indevidamente, a competência legislativa privativa da União. 11. José Carlos de Freitas5 condena os loteamentos condominiais, instituídos por lei municipal, asseverando [...] que são fechados por ato do loteador ou de uma associação de moradores, demonstrando a sua ilegalidade. Com efeito, “os tais loteamentos fechados” juridicamente não existem; não há legislação que os ampare, constituem uma distorção e uma deformação de duas instituições jurídicas: do aproveitamento condominial de espaço e do loteamento ou do desmembramento. [...] Os Municípios não podem autorizar essa forma de “loteamento condominial”. Lei municipal que preveja ou regule sua implantação contamina o ato de aprovação de flagrante ilegalidade, porque o Município não tem competência legislativa em matéria de condomínio. (grifou-se).

12. Agora, a lição, juridicamente bem sustentada, é de Regina Célia Foschini6: Por consequência, a lei municipal que concede ao particular o uso de bem comum do povo é inconstitucional, anulável, pois além de atingir diversos princípios constitucionais, a sua concessão não atende o interesse público, mas um número limitado de particulares. No mais, cabe à União legislar sobre direito urbanístico (CF, art. 24, I) e ao Município apenas legislar sobre matéria que for de interesse local (CF, art. 30, I). Assim, não pode o Município criar novas formas de direito urbanístico, utilizando como escudo o fato de ter o poder de regulamentar sobre ordenação de seu território, vez que não tem competência para legislar sobre o assunto. (grifou-se)

13. Esta ilustre advogada acrescenta, ainda, que: O loteamento fechado contraria os princípios constitucionais insculpidos no art. 5º, caput, e inciso XV da Constituição Federal de 1988 e fere o princípio da isonomia, pois, ao impedir o acesso das pessoas não moradoras às ruas e demais logradouros públicos localizados dentro desses 5 FREITAS, José Carlos de. Op. cit., p. 9/10. 6 FOSCHINI, Regina Célia. Op. cit., p. 17.

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7. Em estudo profundo e acurado sobre o assunto, o ilustre Promotor de Justiça de São Paulo José Carlos de Freitas esclarece que as normas urbanísticas,

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loteamentos, infringe o direito de ir e vir de qualquer cidadão a um bem público e de uso comum do povo, além de garantir privilégios apenas aos proprietários de imóveis e moradores do bairro de usufruírem, de forma exclusiva, dos bens públicos de uso comum quando, na verdade, deveriam estar em situação de igualdade com qualquer do povo.7

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14. Repare que, adotando essa linha de raciocínio, o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou, recentemente (02.06.2010), por seu colendo Órgão Especial, a inconstitucionalidade da Lei nº 13/1994, do Município de Vargem Grande do Sul, que dispõe sobre a desafetação de áreas de uso comum de diversos loteamentos e sua integração à categoria de bens dominicais e outorga de concessão de uso. Pelo seu art. 2º, o Executivo Municipal estaria autorizado, independentemente de licitação, a transferir o uso das áreas desafetadas a terceiros, mediante concessão com cláusula de exclusividade e condições que especifica. Outorgada a concessão, a concessionária ficaria autorizada a fechar a respectiva área e controlar o ingresso de estranhos em suas dependências. (Apelação nº 994040726401, (3539404400), 5ª CDPriv., Relª Desª Christine Santini Anafe).

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15. É de se ver, ainda, que – embora em alguns Estados da federação, o Judiciário esteja eventual e ilegalmente permitindo a criação de loteamento fechado por meio de lei municipal, com desafetação de áreas públicas –, há precedente já estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal – STF, de boa lavra do culto Ministro Eros Grau8, em que foi declarada a inconstitucionalidade da Lei nº 1.713/1997, do Distrito Federal, que permitia o fechamento de superquadras e sua administração por “pseudoprefeituras” ou por associação de moradores. Eis o seu teor: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI DISTRITAL Nº 1.713, DE 3 DE SETEMBRO DE 1997 – QUADRAS RESIDENCIAIS DO PLANO PILOTO DA ASA NORTE E DA ASA SUL – ADMINISTRAÇÃO 7 Idem, p. 15. 8 ADI 1706/DF, J. 09.04.2008, DJe-172, publicado em 12.09.2008.

POR PREFEITURAS OU ASSOCIAÇÕES DE MORADORES – TAXA DE MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO – SUBDIVISÃO DO DISTRITO FEDERAL – FIXAÇÃO DE OBSTÁCULOS QUE DIFICULTEM O TRÂNSITO DE VEÍCULOS E PESSOAS – BEM DE USO COMUM – TOMBAMENTO – COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO PARA ESTABELECER AS RESTRIÇÕES DO DIREITO DE PROPRIEDADE – VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTS. 2º, 32 E 37, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL – 1. A Lei nº 1.713 autoriza a divisão do Distrito Federal em unidades relativamente autônomas, em afronta ao texto da Constituição do Brasil – art. 32 –, que proíbe a subdivisão do Distrito Federal em Municípios. 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito que permite que os serviços sejam prestados por particulares, independente de licitação [art. 37, inciso XXI, da CB/1988]. 3. Ninguém é obrigado a associar-se em “condomínios” não regularmente instituídos. 4. O art. 4º da lei possibilita a fixação de obstáculos a fim de dificultar a entrada e saída de veículos nos limites externos das quadras ou conjuntos. Violação do direito à circulação, que é a manifestação mais característica do direito de locomoção. A Administração não poderá impedir o trânsito de pessoas no que toca aos bens de uso comum. 5. O tombamento é constituído mediante ato do Poder Executivo que estabelece o alcance da limitação ao direito de propriedade. Incompetência do Poder Legislativo no que toca a essas restrições, pena de violação ao disposto no art. 2º da Constituição do Brasil. 6. É incabível a delegação da execução de determinados serviços públicos às “Prefeituras” das quadras, bem como a instituição de taxas remuneratórias, na medida em que essas “Prefeituras” não detém capacidade tributária. 7. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 1.713 do Distrito Federal. (grifou-se).

16. Talvez, em face desse precedente, é que o eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reviu sua posição e tem declarado, ultimamente, a inconstitucionalidade de leis municipais que desatendam a orientação suprema. Por isso, o Ministério Público do Estado de São Paulo tem ingressado reiteradamente com ações civis públicas postulando: a) a anulação da lei municipal, por ter, indevidamente, privatizado bens públicos de uso comum, impedindo o acesso do povo a eles; b) a anulação de eventual termo de outorga de concessão administrativa desses bens públicos em favor das respectivas associações de moradores; c) a responsabilização, por improbidade administrativa,


17. É de se acrescentar, ainda, mais algumas inconstitucionalidades desse tipo de legislação municipal: a) a medida é antidemocrática e antirrepublicana, eis que privilegia, ao estilo monárquico, uns poucos moradores, em detrimento da população; b) quebra o princípio isonômico (todos são iguais perante a lei), já que cria uma casta privilegiada de cidadãos, a qual se apropria de bens de uso comum do povo e torna os moradores dos outros bairros cidadãos de segunda categoria, excluídos, já que não podem mais adentrar em parte determinada de sua própria cidade; c) numa era de inclusão social, a prefeitura está criando “ilhas”, “enclaves” e “tribos” na cidade, estanques e impenetráveis para o homem comum. Daqui uns dias, poderá haver lei municipal proibindo o ingresso no âmbito do município de pessoas que forem consideradas indesejáveis (famílias paupérrimas, doentes, deficientes, idosos, desempregados, etc.). À semelhança do apartheid racial, está se instituindo a segregação social, ou melhor, a formação de castas à moda indiana. Enfim, a prefeitura está privatizando, em benefício de uns poucos, mediante venda de áreas de uso comum do povo, visando fugir às suas obrigações de prestadora de serviços públicos indelegáveis, para a execução dos quais recebe antecipadamente os impostos, taxas e outros tipos de tributos legais. Isso, sem dúvida, constitui uma forma imoral e ilícita de arrecadação pecuniária.

18. A propósito, valem ser lembrados alguns fatos interessantes: l. Em Los Angeles, a prefeitura não estabelece nenhuma restrição, impedimento ou obstáculo à visitação do bairro dos artistas (Beverly Hills). Apenas não permite a parada dos ônibus de turistas em frente às mansões das celebridades, a fim de evitar tumulto e a quebra de seu sossego e de sua privacidade. 2. Na União Soviética, no tempo da ditadura estalinista, é que se exigia passaporte para uma pessoa ir de uma cidade a outra, tendo, ainda, de justificar o motivo da viagem, o qual passava pelo crivo subjetivo da autoridade.

3. Na cidade em que suas ruas e praças públicas forem transformadas em condomínios fechados, seus habitantes ordinários não poderão mais passear por um determinado bairro público, que está sendo indevida e ilegalmente fechado, paradoxalmente por força de atos indelegáveis do Poder Público, de quem deveria se esperar o resguardo do interesse público, prevalente e irrenunciável.

19. Não sendo observado o precedente da mais elevada Corte de Justiça do País (o Supremo tem o poder final de dizer o que a lei é em face da Constituição Federal), as decisões estaduais, que dispuserem em contrário, carecem de legitimidade.

IV – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL 1. A fim de se evitar a ditadura e a tirania, o poder político – que antes residia uno, absoluto e intocável nas mãos do rei, imperador, tirano ou ditador – foi dividido de duas formas. Num corte horizontal, foram fixadas as competências legislativas e materiais, privativas ou concorrentes, da União, Estados-membros e Municípios, com o surgimento do federalismo (CF, arts. 1º, 18, 21/25 e 30). Verticalmente, o fracionamento ocorreu entre os ramos Legislativo, Executivo e Judiciário, gerando o princípio da separação dos poderes (CF, art. 2º). Assim, tendo sido o poder político duplamente dividido, impossibilitou-se a sua concentração nas mãos despóticas de um só homem ou nas de um só grupo de pessoas que estejam chefiando um ente político ou um ramo do governo. 2. A doutrina ensina que “uma segunda razão para dividir o poder – mencionado com ênfase por Madison – era a prevenção da tirania. Ou seja, acima de tudo, a distribuição dos Poderes entre os três separados ramos serve como poderoso controle contra ações arbitrárias”9, preservando-se, indiretamente, a liberdade individual.

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dos elaboradores de tais diplomas legais (v. REsp 947596/SP, Min. Eliana Calmon, em 25.08.2009).

9 SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal (due process of law).

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3. Para completar o controle do poder político, de modo a não permitir que algum ramo do governo, ou mesmo que um ente político, sobreponha-se aos outros, aumentando, ilegitimamente, o seu limite de atuação e, com isso, pondo em risco a democracia, surgiu, ancilarmente, a doutrina dos freios e contrapesos (checks and balances). Por meio dela, cada detentor do poder exerce severa vigilância sobre os demais, a fim de preservar sua competência constitucional e evitar os indevidos avanços, os abusos e as intrusões, ficando claro que a Carta Magna outorgou ao Judiciário o poder final de se pronunciar sobre a validade das leis (judicial review), podendo, consequentemente, anulá-las, sendo que as suas decisões finais só podem ser suplantadas por emendas constitucionais.

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Para democratizar esse poder não eleito, instituiu-se o tribunal do júri, que, num verdadeiro governo do povo para o povo, deveria ser competente para todos os julgamentos criminais (exceto os sujeitos a transações penais) e os cíveis de maior vulto financeiro. Nenhum poder político, porém, fica acima da sociedade civil, que o controla, principalmente, pela imprensa livre, aí compreendidos os modernos veículos de comunicação da mídia (rádio, televisão, internet, etc.) e, notadamente, pelo meio exponencial de exercício da cidadania: o voto.

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4. Então, debaixo dessas doutrinas e visando dar efetividade plena a esses princípios constitucionais (democracia, federalismo e separação dos poderes), faz-se necessário que cada ente político ou ramo governamental lute para preservar sua competência constitucional. Não se pode permitir, impunemente, que o detentor de uma fatia de poder abocanhe parte atribuída a outro. O agredido, ao ficar inerte, está admitindo e dando legitimidade à intrusão, à invasão e à usurpação indevida e não 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 99, com base nos The Federalist Papers by Hamilton, Madison and Jay. USA: Penguin Group, 1961. p. 321.

permitida pela Carta Política. Com isso, o que está em jogo é a própria democracia e, por consequência, a liberdade individual. 5. Já ensinava Madison, no The Federalist Papers, nº 51, que a grande segurança contra a gradual concentração de muitos poderes no mesmo departamento consiste em dar àqueles que administram cada departamento os meios constitucionais e motivos pessoais para resistir aos avanços dos outros. (But the great security against a gradual concentration of the several powers in the same department, consist in giving to those who administer each department the necessary constitutional means and personal motives to resist encroachments of the others)10. 6. Se a competência para legislar sobre loteamentos e condomínios é privativa da União, emerge, de maneira lógica e evidente, que ela tem, necessariamente, o interesse em e o dever de defender sua privativa esfera constitucional de atuação. Não se pode reconhecer a incompetência legislativa do Município e inferir que a União deva ficar passiva, inerte, apática, sem desejo de anular a legislação que invade, diminui e limita o seu poder político como ente federado, esperando que os poderes estaduais venham em seu socorro. Ao fazer a intrusão, a lei municipal fere o princípio federalista e agride, simultaneamente, o regime democrático, já que este pressupõe a correta observância da repartição de poderes legislativos entre os entes políticos, de modo a evitar que, pela usurpação, se instale a tirania ou a anarquia. 7. Também não se pode esperar que o indivíduo prejudicado pela legislação municipal venha defender a competência da União, quando, para isso, ela dispõe de seus órgãos institucionais. Infere-se, porém, que – ante a inércia do órgão federal, que deveria agir, já que as duas legislações, federal e municipal, não 10 MADISON, James. The federalist, n. 51. USA: The Easton Press, 1979, p. 347.


podem conviver no mundo jurídico, eis que são essencialmente antagônicas –, o indivíduo não deverá ficar prejudicado, podendo levantar em juízo a questão da inconstitucionalidade, como matéria de direito, bem como o Magistrado, ainda que estadual (nas emergências, todo juiz detém competência provisória), reconhecê-la de ofício no bojo de uma demanda cível.

que a Lei nº 6.766/1979, art. 9º, § 2º, incisos III e IV, determina que o memorial descritivo deverá conter “a indicação das áreas públicas que passarão ao domínio do Município no ato do registro do loteamento” e “a enumeração dos equipamentos urbanos, comunitários e dos serviços públicos ou de utilidade pública, já existentes no loteamento e adjacências”.

8. A incolumidade da competência da União deve ser resguardada por um de seus órgãos, no caso o Ministério Público Federal, já que lhe incumbe, precipuamente, a defesa da ordem jurídica e do regime democrático (CF, art. 127) e tem por função institucional “zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos” (CF, art. 129, II).

2. Desse modo, na visão, agora, de Roberto Barroso:

I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; [...] (grifou-se)

Portanto, na espécie, o interesse da União de manter a sua competência legislativa intocada é tão óbvia e evidente que, data venia, dispensa maiores fundamentações.

V – AUSÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO PARA DESAFETAÇÃO, POR LEI, DOS BENS DE USO COMUM E PARA A ASSINATURA DO CONTRATO ADMINISTRATIVO DE CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO 1. Com efeito, as ruas e praças de um loteamento passam para o domínio público desde a sua constituição original, uma vez

3. A partir de sua incorporação ao patrimônio público, esses bens passam a ser regidos, além do direito administrativo, pelo Código Civil, que os considera, em razão de sua destinação e afetação a fins públicos, como “de uso comum do povo” e, portanto, não podem ser alienados para atender pretensões unicamente particulares, nem podem ser objeto de usucapião (CC, arts. 99, I, 100 e 102). 4. Na precisa lição de Maria S. Z. Di Prieto12: Consideram-se bens de uso comum do povo aqueles que, por determinação legal ou por sua própria natureza, podem ser utilizados por todos em igualdade de condições, sem necessidade de consentimento individualizado por parte da Administração.

11 BARROSO, Roberto apud FREITAS, José Carlos de. Op. cit., p. 2. 12 DI PRIETO, Maria Sylvia Zanela. Direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1992. p. 372.

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9. Conclui-se, então, que a competência para anular a lei municipal, que usurpa sua atuação privativa, é da Justiça Federal, a teor do art. 109, I, da Constituição Federal, verbis:

Aprovado o loteamento pela municipalidade, os espaços livres, as vias e praças, assim como outras áreas destinadas a equipamentos urbanos tornam-se inalienáveis; e, com o registro do loteamento, transmitem-se, automaticamente, ao domínio público, com a afetação ao interesse público especificado no Plano do Loteamento. Tal transferência dos bens ao domínio público e sua afetação aos fins públicos indicados no Plano de Loteamento independem de qualquer ato jurídico de natureza civil ou administrativa (escritura ou termo de doação) ou ato declaratório de afetação.11

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5. Assim – enuncia, agora, com propriedade, o egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo –, por serem o arruamento e os demais espaços livres bens de uso comum do povo, “o Poder Público é obrigado a garantir o livre trânsito das pessoas, independentemente de lei, a teor do disposto no art. 5º, XV, da Constituição da República” (AC 225629-1/5, de 16.02.1995, Comarca do Guarujá, Rel. Des. Aguilar Cortez)13.

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6. Se isso não acontecer, aquele que for impedido de desfrutar dos bens públicos de uso comum pode se valer dos remédios heróicos constitucionais, isto é, do writ of mandamus (contra o agente público que praticar ou autorizar o ato obstaculizante) e do habeas corpus (contra o particular que o executar), pois teve cerceado o seu direito imemorial do livre acesso, bem como o fácil e desimpedido trânsito pelos espaços públicos. O seu direito inalienável de ir, vir e ficar é protegido pela Carta Política (CF, art. 5º, LXVIII): “Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.

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7. É sabido, pelos estudiosos do Direito, que a desafetação de um bem público, notadamente o de uso comum do povo, como é o caso de ruas e praças públicas, só pode ocorrer, de modo legalmente válido e constitucional, se houver, como objetivo a alcançar pela Administração, um manifesto, sobrepujante e específico interesse público; jamais para atender pleitos particulares, sem maior relevância social, principalmente quando conduzem à divisão territorial da cidade em núcleos fechados e à criação de classes sociais distintas e separadas do povo. 8. Logo, se os bens de uso comum do povo são inalienáveis, estando a sua desafetação sujeita ao interesse público, não podem 13 FOSCHINI, Regina Célia. Op. cit., p. 15.

ser cedidos, usados, controlados ou explorados por particulares, a menos que esteja evidenciada a existência de um interesse público relevante, determinante e sobrepujante, que justifique a edição de lei – e do posterior contrato administrativo – para extinguir o seu natural uso pelo povo e sua outorga remunerada a um pequeno grupo de particulares. Note-se que a concessão de direito real de uso é um contrato firmado pela administração com o particular para que este utilize o bem público em fins específicos, imantados pelo interesse social14. 9. Correto, pois, é o seguinte raciocínio: Como se sabe, a desafetação de uma rua, ainda que precedida de autorização legislativa, deve conter um elemento fundamental: ter perdido, de fato, sua utilização pública, seu sentido de via de circulação, ter se tornado desabitada. Não basta a lei para desafetá-la. É preciso atender ao interesse público, como qualquer ato administrativo, sem o qual haverá fundamento para contestar a transmudação operada pela lei ordinária que promove a desafetação.15

10. O contrato de concessão de direito real de uso não se presta, tampouco, para a prefeitura se furtar da prestação de serviços necessários ou da execução de obras públicas para as quais recebe, antecipadamente, todo ano, impostos e taxas. Essas funções são ínsitas à natural e imprescindível existência da Administração Pública. Em suma, constituem sua essência, sua própria razão de ser! 11. Desse modo, não provando o poder local – o ônus da prova é seu – a existência de um interesse público prevalente, que do ato resulte um proveito geral para a coletividade (e não apenas, particularmente, para um grupo seleto de pessoas ou para algum indivíduo), a desafetação dos bens públicos de uso comum, originariamente inalienáveis, e a respectiva concessão de direito 14 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p. 436 15 FREITAS, José Carlos de. Op. cit., p. 14.


12. Apropriada, pois – por confirmar esse entendimento –, é a colocação no sentido de que, [...] quando a concessão implica utilização de bem de uso comum do povo, a outorga só é possível para fins de interesse público, isto porque, em decorrência da concessão, o bem público concedido tem sua finalidade desviada e, no caso de loteamentos fechados, a concessão atende interesses públicos, apenas de um grupo limitado de particulares.16

13. Pergunta-se: qual é o interesse público manifesto e sobrepujante (que cause benefício aos habitantes de qualquer cidade) que impele o município a autorizar, por meio de lei, e em virtude de contrato administrativo de concessão de direito real de uso, a privatizar bens de uso comum do povo (ruas e praças públicas) e desnaturá-los para transformá-los em condomínio fechado particular? A resposta é óbvia e ululante: nenhum! Conclusão: se a lei, ou o inquinado contrato administrativo da concessão, visou apenas beneficiar o particular (ainda que um grupo de pessoas), ela ou ele não se sustenta, legal ou constitucionalmente, porque, primeiro, viola as leis federais (Código Civil, lei do parcelamento do solo urbano e dos condomínios), que dispõem que esses bens são de livre desfrute do povo, salvo quando desafetados por interesse público, o que não é o caso, e, segundo, porque afronta os princípios constitucionais que resguardam a boa administração dos bens públicos e a prática dos atos administrativos (principalmente o da impessoalidade – não beneficiar ou prejudicar pessoas determinadas, já que o comportamento

16 FOSCHINI, Regina Célia. Op.cit., p. 12/13.

do administrador deve estar norteado unicamente pelo interesse público – e o da eficiência – resultado concreto no sentido de se obter, com eficácia, na prática do ato, um proveito efetivo a favor de toda a população), nos termos do art. 37, caput, da Constituição Federal. 14. Referindo-se à concessão de direito real de uso de ruas, praças, espaços livres, áreas verdes e institucionais para a formação dos “loteamentos fechados”, o nobre promotor de justiça paulista17 esclarece ainda que: Logo, essa modalidade de concessão não se presta a ser utilizada para os bens de uso comum, que pressupõem a universalidade, a impessoalidade e a gratuidade de uso, sem contraprestação pecuniária ou indenização ao particular, além do que “[...] o princípio geral que rege a utilização dos bens de uso comum é o de que o uso de um seja transitório e precário, não impedindo o uso dos demais [...].” (grifou-se)

15. A propósito, imaginem-se o inusitado, o despropósito e a insustentabilidade de uma lei municipal que autorizasse, por exemplo, o fechamento de uma praça pública e a transformasse num condomínio fechado particular, para uso e desfrute apenas dos moradores de seu entorno, ainda que agregados em forma de associação, mediante a simples obrigação de adquirir, mediante a contraprestação pecuniária, o espaço público e dele cuidar particularmente. 16. Muito menos pode a Administração coagir os moradores de um bairro antigo, já consolidado no tempo, a adquirir essas áreas – que passarão para o uso exclusivamente particular e sobre as quais incidirá o IPTU –, e a assumir as obrigações inerentes ao Poder Público (para isso é que ele existe), enviando-lhes guias de cobrança do valor da área cedida, com advertência de multa se o boleto não for pago no vencimento.

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real de uso à associação de moradores apresentam-se, seguramente, como ilegais – por afronta às leis federais que dispõem, competentemente, sobre a matéria –, e inconstitucionais, já que o livre acesso a eles e o seu desfrute pelo povo ficaram tolhidos e prejudicados (CC, arts. 99, I e 100; Lei Federal nº 6.766/1979; e CF, arts. 22, I, 24 e 37, caput).

17 FREITAS, José Carlos. Op. cit., p. 15.

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VI – VIOLAÇÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS FUNDAMENTAIS

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1. Poder-se-ia argumentar, afoitamente, que, em tendo o Poder Legislativo aprovado a lei, ele representaria a vontade da maioria dos habitantes da cidade e, com isso, estar-se-ia estabelecido o interesse público. É um argumento kelsiano, extremamente primário e positivista, ou seja, se há lei, ela já diz tudo e santifica qualquer pecado em que tenha incorrido, ainda que nulificada pelo vício da inconstitucionalidade. Esquece-se de que, no regime da hierarquia das leis, é a Constituição que valida as normas infraconstitucionais e que estas não se sustentam se afrontar aquela, fonte de sua legitimidade.

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2. Deve ser esclarecido, primeiramente, de que “maioria” está se falando. Evidentemente, a vontade de alguns poucos moradores de ruas e praças públicas não se sobrepõe à da maioria dos habitantes da cidade, detentores do direito de usar e gozar dos bens públicos de uso comum (CC, art. 99, I). Depois, é sabido que a vontade da maioria, mesmo expressa através de lei, não pode maltratar direitos fundamentais da minoria, ou do próprio indivíduo. Nossa Constituição Federal proíbe, terminantemente, não só a lei, mas, também, qualquer proposta de emenda constitucional que extinga, ou sequer seja tendente a abolir, os direitos e garantias individuais (CF, art. 60, § 4º, inciso IV). Entre esses direitos fundamentais, avultam, na espécie, o ato jurídico perfeito (quando se comprou o terreno, debaixo de uma legislação federal pertinente aos loteamentos abertos, não havia condomínio fechado) e o direito adquirido, daí decorrente, consolidado no tempo por longos anos, de morar em casa individuada em rua pública, o direito da livre locomoção por vias e logradouros públicos de uso comum do povo, e o direito de não ser compelido a se associar a uma associação de moradores e o direito à igualdade de todos perante a lei (CF, art. 5º, caput, incisos XIV, XX, XXXVI, LXVIII).

3. Efetivamente, a proteção do indivíduo ou de minorias contra leis opressivas está assegurada em nossa Carta Política como cláusula pétrea. Fica claro que os direitos fundamentais não podem ser objeto sequer de emenda constitucional, muito menos de leis abusivas e excludentes, que tentem suprimi-los. No caso, a lei municipal viola o ato jurídico perfeito ao alterar o regime jurídico (loteamento aberto), delineado por lei federal, no ato do registro imobiliário da escritura pública de aquisição do terreno, transformando-o em loteamento fechado, em regime condominial privado. Em consequência, o direito adquirido decorrente do desfrute do imóvel na sua condição original também foi maltratado. 4. Simplista é o argumento de que a vontade geral da população foi revelada por seus representantes legítimos ao editarem a lei municipal. Na espécie, ao contrário, as sentidas necessidades da população (de continuar tendo uma cidade livre e aberta) e do indivíduo (poder exercer o direito inalienável de locomoção) não podem ser ignoradas por nenhum dos poderes da República, muito menos pelos órgãos que têm o dever de defender o interesse público. 5. Outra afirmação incoerente, que tem sido lançada, é o de se exigir indenização (cobrança compulsória do preço público relativo aos bens objeto do contrato de direito real de uso firmado pela administração com a associação de moradores) de quem reside em bairro aberto ao público – que guarda a característica original do respectivo loteamento –, pelo uso de ruas e praças públicas, as quais a agremiação pretende fechar ilegalmente, ex vi de lei municipal, uma vez que, para o seu uso e desfrute, o proprietário do imóvel já paga os tributos correspondentes (impostos, taxas e contribuição de melhoria). Ademais, não há que se falar em pagamento prévio de indenização por apropriação futura de bens públicos, aliás, inalienáveis por natureza e não sujeitos a usucapião (CC, arts. 100 e 102).


VII – IMPOSSIBILIDADE DE FECHAMENTO DE BAIRRO ANTIGO, COM RUAS E PRAÇAS ABERTAS AO PÚBLICO 1. O bairro, quando estritamente constituído de casas residenciais edificadas, há longos anos, em ruas e praças públicas abertas, não se caracteriza como loteamento fechado, condomínio de fato, nem se trata de uma vila de casas (conjunto de casas em rua particular, de um só acesso, formando uma vila), ou rua pública sem saída (cul de sac), com única via de entrada. Portanto, se as ruas e praças públicas têm entradas e saídas independentes, o bairro não se enquadra, de fato, como “loteamento residencial fechado”, nem pode ser considerado juridicamente irregular, eis que se presta ao seu uso natural e normal. 2. Merece destacar que, neste caso, as casas são independentes, distintas e bem individuadas, a grande maioria construída há muitos anos, não se tratando, portanto, de empreendimento novo, nem de loteamento ou condomínio anteriormente formado de modo legal, ou considerado fechado de fato, no qual o ad-

quirente do imóvel já saberia de sua existência. Diversamente, os logradouros são públicos, de uso comum da comunidade, pelos quais o povo em geral sempre teve, e ainda tem, acesso e por eles livremente transita e trafega, sem nenhum impedimento, embaraço ou obstáculo. Fica evidenciado que esse tipo de proprietário optou por viver numa rua pública. Se quisesse morar em condomínio, teria comprado um apartamento ou uma casa num condomínio instituído legalmente. Mesmo assim, escolheria um que estivesse de acordo com as suas pretensões, quanto à localização do edifício, ao tamanho da área útil, ao número de quartos, se tem salão de festa e outras facilidades suntuárias, como piscina e quadra de esporte, portaria 24 horas, tudo isso em decorrência do nível social, do tamanho de sua família, se solteiro, casado ou idoso, se tem crianças, etc., e levando-se em consideração, sobretudo, o alcance de suas finanças, para ver se podem suportar as despesas coletivas. Agora, tendo optado por residir em rua pública, em casa individualizada, para atender o seu modo particular de vida, não pode sofrer coação para aderir à vontade de uns poucos vizinhos que pretendem lhe impor, coercitivamente, uma convivência condominial, debaixo da vontade da maioria deles (se quiserem, agora, poderão edificar obras nas praças públicas, tais como galpões para salão de jogos, academias de dança e de exercícios físicos, etc.), com enorme agregação de custo não previsto em seu orçamento particular. 3. Decorre daí que merece ser aplicado a esse tipo de condomínio forçado, com utilização de bens de uso do povo, por sua inteira pertinência, o trecho contido no voto recente (08.06.2010) do Exmo. Desembargador do eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Dr. Antônio Carlos Malheiros, ao apreciar caso semelhante (Apelação Cível nº 410.802-5/3, Mairinque/São Roque), a ver: No entanto, à época da aprovação do loteamento, o ato foi regido pelo Decreto nº 271/1967, antecessor da Lei nº 6.766/1979, que, em seu art.

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6. A solução que foi dada por algumas prefeituras ao problema de certos condomínios irregularmente fechados, situados em bairros periféricos, afigura-se, data venia, bastante equivocada. Para reparar o erro da ilegal obstrução de ruas e praças públicas, perpetrou-se um engano ainda maior: o de precisamente forçar a execução da ilicitude. Assim, autorizou-se, sem rebuço, o isolamento desses locais mediante lei municipal. Visou-se, em contrapartida, a uma questionável indenização pela utilização desses bens, que teriam sido indevidamente apropriados. A solução correta, a meu ver, consiste, simplesmente, em a administração municipal determinar a imediata abertura ao povo dessas vias e praças, com eliminação das guaritas, sob as penas da lei.

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4º, previa que as vias, as praças e áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos constantes do projeto e do memorial descritivo, com a inscrição de que o loteamento passe a integrar o domínio público do Município. Referida lei acresceu ao rol dos bens que passavam ao domínio público os espaços livres e proibiu o loteador de alterar sua destinação, por ocasião da aprovação do loteamento, ressalvada a hipótese de caducidade da licença ou desistência do loteador antes do registro. A Associação Amigos Porta do Sol, com permissão da Municipalidade de Mairinque, colocou cancelas nas portarias e seguranças armados para interceptar, identificar, fiscalizar e até impedir o ingresso e circulação dos cidadãos ao bairro, determinando, ainda, que os proprietários sejam obrigados a identificar seus carros com selos nos para-brisas, e que os funcionários das residências, bem como as pessoas moradoras de outros bairros, que necessitem atravessar o loteamento para chegar a um bairro vizinho. [...] Não sendo o loteamento Porta do Sol um loteamento fechado quando de seu registro, fechar as ruas com portarias, cancelas, vigilantes ou qualquer outro meio coercitivo constitui-se flagrante ilegalidade, ferindo o direito de ir e vir do cidadão assegurado pela Constituição Federal, além de, nos termos do art. 99, I, do Código Civil em vigor, as ruas, avenidas e praças são classificadas como bens públicos de uso comum, aos quais qualquer cidadão pode circular e transitar livremente. (grifou-se)

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4. Relevante, ainda, é a advertência feita pelo nobre Relator do caso:

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Por outro lado, deve-se relembrar que as autorizações de uso destinam-se às edificações temporárias. Portanto, a edificação em área pública por meio de autorização deverá ser, por prazo determinado, mediante pagamento de preço público e de caráter temporário, sem a utilização de materiais definitivos e de fácil remoção, o que não é o caso, eis que a guarita é de alvenaria.

5. O ilustre Desembargador paulista critica, também, o pretendido serviço de vigilância, ao arrematar o seu lúcido e lógico raciocínio, observando, com acuidade, que: Cuida-se, portanto, de uma clara delegação do Poder de Polícia. Com efeito, a autorização para uso de área pública, visando ao interesse privado, não pode jamais servir para delegar o Poder de Polícia do Estado, permitindo o controle de vias de trânsito e de pedestres com a utilização de guaritas ou cancelas de segurança e cercas com portões.

[...] Trata-se, portanto, de uma prerrogativa da Administração, decorrente de sua posição de supremacia perante os administrados, não podendo ser transferido a particulares.

6. Tem-se notícia de que, no Município de Uberaba, a concessão de direito real de uso foi autorizada por noventa e nove anos (Lei Municipal nº 10.940/2010, art. 1º), isto é, por um século. Aí, vê-se nitidamente que a Administração Pública abdicou, de vez, definitivamente, sem o menor rebuço, de sua total e indelegável supremacia administrativa. 7. É inadmissível a transformação de bairro com vias abertas ao público em condomínio privado fechado, por mais os seguintes argumentos: a) Primeiramente, por se entender que nenhuma associação – máxime daquela de que o proprietário não é membro – por meio de simples deliberação em assembleia, ou mesmo o poder público, por meio de lei municipal, pode, legítima e constitucionalmente, obrigar um morador, que vive há muitos anos em rua aberta ao público, a se tornar condômino de entidade particular fechada, debaixo dos ônus associativos, e a comprar, coativamente, fração ideal dos logradouros públicos administrativamente desafetados e, ainda, a assumir os encargos e serviços próprios do Poder Público (limpeza, recapeamento asfáltico, coleta de lixo, reparos na iluminação pública, água e esgoto, pessoal contratado para a segurança (guarita) e outras obras e serviços, que forem necessários), para os quais já paga os respectivos impostos e taxas. Ou seja, o Município nada dá; apenas se livra de encargos que só dizem respeito à Administração Pública, inclusive abrindo mão de seu poder indelegável de polícia, e vai, ainda, receber anualmente, para sempre, o IPTU das áreas privatizadas (praças e ruas), que passam a ser consideradas áreas de uso comum do condomínio privado. b) Veja que, nesse caso, a absurda lei municipal está, ilegal e inconstitucionalmente, autorizando fechar um bairro antigo da cidade – que sempre foi aberto ao livre trânsito de pessoas e tráfego de veículos, já que sua principal rua dá acesso a outros logradouros públicos –, e com isso impedindo, ali, a livre circulação dos moradores de outros bairros da mesma cidade. Para terceiros, o bairro, antigamente público, vai ficar, agora – em se perpetrando essa teratologia jurídica –, totalmente


c) Lembre-se de que, quando do loteamento original, o Município recebeu, gratuitamente, ex vi legis, as ruas e praças, que se tornaram bens públicos. Logo, se – para se desvencilhar-se da prestação e execução de serviços que lhe são inerentes, a que está legalmente obrigada – a prefeitura coage, indistintamente, todos os proprietários a comprar esses mesmos bens (o nome empregado, concessão de direito real de uso, ou a destinação da “contrapartida” de dinheiro para um fundo específico, não altera a essência da coisa), abdicando-se indevidamente de seu poder de polícia, para a formação de um condomínio fechado particular, ainda que usando uma associação civil de moradores como interposta pessoa – da qual alguns proprietários não fazem parte –, manifesta, seguramente, pretensão arbitrária, ilegal e inconstitucional, repelida pelo Direito. d) Observe-se que a decisão de se criar uma associação de bairro e, por meio dela, impor a todos os proprietários os ônus financeiros da transformação do local em condomínio particular fechado, está sendo tomada apenas por um grupo de pessoas, o que, no caso, se afigura ilegal, já que, para se alterar o regime jurídico de um logradouro público (em que se vive há decênios, desfrutando livremente das propriedades privadas individuais), em condomínio fechado – coagindo todos os moradores a custear as despesas assumidas por uma associação de que não fazem parte, com compra dos bens públicos –, haveria necessidade, a nosso sentir (se isso fosse possível), a par da lei municipal autorizadora, da concordância unânime, expressa e por escrito, de todos os proprietários do bairro, principalmente daqueles mais prejudicados com o fechamento das saídas, anuência essa que, de modo geral, não está sendo dada em sua plenitude, como se pode notar pelas ações judiciais em curso nos tribunais. e) Porém, somente esse consenso unânime dos atuais proprietários não seria legalmente suficiente! Seria imprescindível, ainda, que a referida associação de moradores obtivesse, previamente, a anuência do Ministério Público, que é o defensor dos interesses da coletividade, eis que várias ruas e praças estão sendo privatizadas, em detrimento de toda a comunidade, que está perdendo o livre acesso a esses bens públicos, de uso comum do povo, e o direito de, sem qualquer formalidade prévia, desfrutá-los e transitar por eles. Considerando-se, porém, que a lei municipal que concede ao particular o uso de bem de uso comum é ilegal e inconstitucional, portanto anulável, por infringir diversos

preceitos das leis federais e da Constituição, principalmente porque a concessão não atende ao interesse público, mas apenas a pretensão egoística de um número reduzido de particulares, o representante do Ministério Público, certamente, não só não concordará, como ingressará, imediatamente, com as medidas legais e judiciais cabíveis e pertinentes, a fim de tornar sem efeito essa afoita legislação, que contraria, de frente, o interesse público. f) Conclusão: na espécie, tanto a lei municipal quanto o contrato administrativo da concessão do direito real de uso carecem de interesse público, já que visam beneficiar apenas um reduzido grupo de particulares, e não a maioria dos habitantes da cidade, violando a regra de que a lei, usualmente, deve ter caráter geral, isto é, trazer um benefício amplo, para todos, e não individual ou particular, salvo quando confere direitos previstos em outras leis gerais ou na Constituição (p.ex.: concede pensão a determinado grupo de pessoas, como os pracinhas da 2º guerra), e a Administração Pública deve se reger, entre outros, pelos princípios da impessoalidade e eficiência (CF, art. 37, caput). Portanto, no caso em estudo, ambos, lei e contrato público, são, nesse particular aspecto, visceralmente inconstitucionais e, portanto, nulos, sem valor algum.

VIII – DIREITO CONSTITUCIONAL DE NÃO SE ASSOCIAR 1. Atada, irremediavelmente, aos efeitos derivados da lei municipal e da concessão do direito real de uso dos bens públicos outorgada a uma associação de moradores, formada com o só propósito, claro e insofismável, de se fechar os espaços públicos (ainda que, presentemente, estejam abertos, mas que serão interditados ao povo, logo que vier a legislação, se não houver uma intervenção oportuna do Ministério Público), encontra-se a questão de se sujeitar o proprietário, não membro, ao poder dessa famigerada agremiação. 2. Inicialmente, esclareça-se que não ser associado da concessionária, ou seja, da associação de moradores, nem desejar sê-lo, constitui direito fundamental do indivíduo, amparado pelo preceito constitucional que diz que “ninguém poderá ser

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sitiado, já que será proibido o ingresso nele do resto da população: os moradores de outros bairros e os visitantes de outras partes do país.

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compelido a associar-se ou a permanecer associado” (CF, art. 5º, inciso XX).

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3. Esse direito fundamental, de não ser obrigado a se associar coativamente, está atrelado, indissoluvelmente, a outro, que é, também, resguardado pela nossa Carta política, ou seja, o direito à privacidade ou à intimidade. Trata-se de uma das mais abrangentes e significativas espécies da liberdade conferida ao indivíduo, ou seja, o direito de não ser importunado, o de estar só consigo, o de estar sozinho, sem ser perturbado, ou de não ser obrigado a fazer ou deixar de fazer senão o que a lei (legítima e constitucionalmente editada) determina, livre de intrusões, constrangimentos ou ameaças. Ele constitui um dos direitos mais fundamentais do homem e o mais valorizado por pessoas democráticas, decentes e civilizadas, que respeitam os pensamentos divergentes e as atitudes discordantes das minorias. Por isso, a nossa Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso X, assegura-o, ao afirmar que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização e dano material e moral decorrente de sua violação”.

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4. Portanto, uma vez que determinado proprietário não é associado da referida concessionária, não pode, legal e juridicamente, ser compelido a arcar com os ônus associativos, ou seja, ser alcançado por obrigações assumidas pela associação de moradores junto a particulares, ou perante o Poder Público, por se tratar de res inter alios. Daí por que a prefeitura também não pode, legalmente, mandar-lhe diretamente a cobrança do preço público dos bens concedidos, a não ser que ele tenha expressamente concordado com a criação do condomínio. 5. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça – STJ (seguindo o precedente, retrotranscrito, traçado pelo Supremo Tribunal Federal) repudiou, de vez, a ilegal pretensão de grupo de moradores de uma rua ou de um bairro, ainda que momentanea-

mente majoritário, de tentar dominar e oprimir os seus vizinhos, impondo-lhes obrigações associativas – fechando ruas, com desrespeito ao público em geral –, ao pacificar tema semelhante através de suas 3ª e 4ª Turmas, que formam a 2ª Seção daquela egrégia Corte, a mais alta do País, a última palavra no que concerne à legalidade de atos jurídicos, públicos e privados: CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE COBRANÇA – COTAS CONDOMINIAIS – NÃO ASSOCIADO – IMPOSSIBILIDADE As taxas de manutenção instituídas por associação de moradores não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que fixou o encargo. (STJ, AgRg-AI 1179073/RJ, (2009/0068751-5), 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, DJ 15.12.2009, DJe 02.02.2010) PROCESSUAL CIVIL – ASSOCIAÇÃO DE MORADORES – TAXA DE MANUTENÇÃO – PAGAMENTO IMPOSTO A PROPRIETÁRIO NÃO ASSOCIADO – IMPOSSIBILIDADE – PRECEDENTES 1. Os proprietários de imóveis que não integram ou não aderiram à associação de moradores não estão obrigados ao pagamento compulsório de taxas condominiais ou de outras contribuições. Precedentes. 2. Agravo regimental provido. (STJ, AgRg-AI 953621/RJ, (2007/ 0224682-0), 4ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 01.12.2009, DJe 14.12.2009) AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – ASSOCIAÇÃO DE MORADORES – TAXAS DE MANUTENÇÃO DO LOTEAMENTO – IMPOSIÇÃO A QUEM NÃO É ASSOCIADO – IMPOSSIBILIDADE 1. Por ocasião do julgamento dos Embargos de Divergência no REsp nº 444.931/SP, a Segunda Seção desta Corte consolidou entendimento no sentido de que “as taxas de manutenção criadas por associação de moradores não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo” (EREsp 444931/SP, 2ª S., Rel. Min. Fernando Gonçalves, Rel. p/o Ac. Min. Humberto Gomes de Barros, J. 26.10.2005, DJ 01.02.2006, p. 427). 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, AgRg-EDcl-AI 551483/SP, (2003/0171600-0), 3ª T., Rel. Min. Vasco Della Giustina (Des. Conv. do TJRS), J. 19.11.2009, DJe 02.12.2009)


1. Consoante entendimento firmado pela Segunda Seção do STJ, “as taxas de manutenção criadas por associação de moradores não podem ser impostas a proprietários de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo” (EREsp 444.931/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Rel. p/o Ac. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 01.02.2006). 2. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg-REsp 613474/RJ, (2003/0208815-8), 4ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, J. 17.09.2009, DJe 05.10.2009)

6. No precedente invocado (Embargos Divergentes no Recurso Especial nº 444.931/SP), o ilustre Ministro Humberto Gomes de Barros assim sumariou o seu voto-vencedor: A questão é simples: o embargado não participou da constituição da associação embargante. Já era proprietário do imóvel, antes mesmo de criada a associação. As deliberações desta, ainda que revertam em prol de todos os moradores do loteamento, não podem ser impostas ao embargado. Ele tinha a faculdade – mais que isso, o direito constitucional – de associar-se ou não. E não o fez. Assim, não pode ser atingido no rateio das despesas de manutenção do loteamento, decididas e implementadas pela associação. Em nosso ordenamento jurídico há somente três fontes de obrigações: a lei, o contrato e o débito. No caso, não atuam qualquer dessas fontes. (grifou-se).

Em seu voto preliminar, já asseverara: “Na verdade, essa cobrança tem toda a característica de uma taxa e, mesmo a taxa tributária, só é impositiva em função da lei, aí não há um fundamento legal” (idem). 7. Então, para se resguardar, o proprietário não membro deve endereçar correspondência à associação de moradores, a qual está lhe fazendo a cobrança indevida, advertindo-a, por escrito,

do constrangimento ilegal que está causando, o qual ensejará – caso ela persista, de má-fé, na prática da ação temerária –, a responsabilização civil, com a obrigação de indenizar os danos materiais e morais. Eventualmente, ela poderá vir a responder criminalmente, caso sua conduta venha a caracterizar o delito previsto no art. 146 do Código Penal (constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou fazer o que ela não manda), preceito este que tem assento constitucional (CF, art. 5º, II), já que a nossa Carta Magna reza que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

IX – FALÁCIA DO ARGUMENTO DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO POR SERVIÇOS NÃO ENCOMENDADOS 1. Parece-me descabida e inconsistente a opinião que defende o pagamento obrigatório dos serviços prestados, ou obras edificadas, por associação de moradores, ainda que não solicitados por quem dela não é membro, sob o argumento do enriquecimento ilícito, em virtude da pretensa fruição dos benefícios oriundos dessa atividade unilateral. De imediato, duas razões emergem: a) há evidente desrespeito ao Superior Tribunal de Justiça – STJ, que já se manifestou em sentido oposto sobre a matéria, pacificando a questão; e b) porque a jurisprudência, anteriormente adotada nos tribunais estaduais, já mudou, evoluiu, não sendo mais correta a invocação de desastrados precedentes que adotaram essa perigosa tese, felizmente já superada. 2. Para desfazer e colocar por terra, definitivamente, esse ilógico argumento, é de se perguntar: caso uma empresa de segurança mandasse, por conta própria, à revelia do interessado, um guarda para vigiar um estabelecimento comercial, ou uma residência, e, ao fim do mês, endereçasse-lhe um boleto, sob o argumento

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AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO ESPECIAL – CIVIL – AÇÃO DE COBRANÇA – ASSOCIAÇÃO DE MORADORES – CONDOMÍNIO ATÍPICO – COTAS RESULTANTES DE DESPESAS EM PROL DA SEGURANÇA E CONSERVAÇÃO DE ÁREA COMUM – COBRANÇA DE QUEM NÃO É ASSOCIADO – IMPOSSIBILIDADE

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de que houve benefício pelo serviço prestado, seria lícita essa cobrança? Ou, então, se um indivíduo procurasse o dono de um terreno vago e lhe dissesse que, embora sem ajuste prévio, o limpou e murou, para atender ao código de postura municipal, teria esse prestador de serviço o direito ao pagamento do seu labor e materiais ali empregados, sob falso argumento do enriquecimento ilícito? Evidentemente que não! Quem decide se quer um benefício e se esse realmente lhe confere um proveito real, se é conveniente e oportuno – já que pode ser apenas um pretenso auxílio, ou, então, praticado fora de hora, em que o favorecido pode não contar com os recursos financeiros suficientes naquele momento –, é aquele que o contrata e não o prestador, que age, quando o serviço não é solicitado, por sua exclusiva conta e risco. Por isso, este deve, solitariamente, assumir o ônus de sua própria imprudente iniciativa. Do contrário, estar-se-ia criando uma nova fonte de obrigações cíveis contratuais, não decorrente da lei, mas absurdamente impositiva: a nascida, sem justa causa, pela vontade unilateral de uma das partes.

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3. De propósito, sobre a matéria em enfoque, trazem-se à colação os bem lançados pronunciamentos de dois ilustres Desembargadores do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo. Asseverou o primeiro deles (Desembargador José Carlos Ferreira Alves):

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10. Ora, malgrado seja incontroverso que os serviços e benfeitorias realizadas no loteamento atingiram a todos, não vislumbro ser hipótese de compelir o apelante a ter que efetuar referidos pagamentos. 11. A uma, porque é evidente que tem o direito e a liberdade constitucional de associação e, nos autos, é incontroverso o fato de que, em nenhum momento, o apelante teve a intenção de participar do quadro de associados da apelada e tampouco votou ou anuiu com as deliberações por ela tomadas. 12. A duas, porque, também ficou comprovado que, no caso sub judice, o apelante já era proprietário de imóvel localizado no loteamento do Jardim Apolo antes mesmo que houvesse a intenção da apelada em fechar as ruas, tornando-o um “loteamento fechado”, ou “condomínio fechado” de fato, porquanto não observadas as formalidades da Lei nº 4.591/1964. 13. Ora, não me parece razoável compelir

o proprietário de imóvel individualizado, que jamais teve a intenção de associar-se à sociedade de moradores e tampouco de viver em “loteamento fechado”, a suportar os encargos com os quais não anuiu e foram criados em momento ulterior à sua propriedade no local. 14. Com efeito, se, de um lado, as despesas com a manutenção e conservação do loteamento são tidas por benefícios aos moradores pela associação apelada, de outro, são totalmente contrárias aos interesses do apelante. 15. Afinal, sob seu enfoque, o fechamento das ruas implicou cerceamento ao direito de ir e vir, a segurança dos moradores ficou mais vulnerável do que antes, as custas com a manutenção de portarias é deveras elevado e há controvérsias acerca de eventual valorização do imóvel, já que o condomínio formado não fora planejado. 16. Diante desse cenário, ainda que as obras realizadas e os serviços prestados sejam destinados direta ou indiretamente a todos os moradores do loteamento, as despesas daí decorrentes não podem ser cobradas do morador não associado que, além de não ter solicitado os serviços, discorda de sua prestação. (TRJP, Ap. 994090429252, (6366784000), de São José dos Campos, 2ª CDPriv., Des. José Carlos Ferreira Alves, 13.07.2010)

Por sua vez, enfatizou a Desembargadora Christine Santini Anafe: Como bem salientou o MM. Juízo a quo, “uma vez prestados tais serviços por quem não detém legitimidade para tanto, cabe àquele que os presta arcar com os custos e a responsabilidade pelas despesas efetivadas nesse sentido. A associação autora, enquanto pessoa jurídica constituída em razão da manifestação de vontade de seus associados, deve suportar os ônus decorrentes de seus atos, descabendo impor a terceiros dela não participantes tal encargo”. Assim, mostra-se patente a nulidade dos dispositivos contratuais que estabelecem a vinculação obrigatória dos proprietários de lotes à associação autora, não havendo amparo legal para a promoção da cobrança. (TJSP, Ap. 994040726401, (3539404400), 5ª CDPriv., Des. Christine Santini Anafe, em 02.06.2010, registro em 22.06.2010)

4. A prosperar essa extravagante e insensata tese do enriquecimento ilícito por serviços prestados sem ajuste prévio entre as partes interessadas, o direito civil perde os seus sólidos e milenares fundamentos, inaugurando-se o caos social, passando a prevalecer, de modo aleatório e imprevisível, a vontade


X – COBRANÇA INDEVIDA, ILEGAL E INCONSTITUCIONAL: PREÇO PÚBLICO OU TRIBUTO? 1. Reporto-me às guias de arrecadação municipal que têm sido, costumeiramente, expedidas pela prefeitura diretamente em nome dos proprietários não membros das associações de moradores, relativas aos contratos de concessão de direito real de uso de área pública, de que tratam as leis municipais que autorizam a formação do condomínio fechado. 2. Como o contrato administrativo foi firmado entre o Município e a respectiva associação de moradores, a prefeitura deve efetuar o lançamento de seu crédito diretamente contra a entidade associativa, já que ela é o legítimo sujeito passivo da obrigação contratual. Ao assinar o termo, a concessionária ficou pessoalmente vinculada à obrigação assumida de pagar o preço público e, depois, ressarcir-se dos seus associados e apenas destes. 3. Desse modo, é indevida e ilegal a emissão das guias de cobrança diretamente em nome de quem não é membro da associação de moradores, muito menos com a advertência de que haverá a incidência de multa e atualização monetária caso não sejam pagas no vencimento. Pendência concernente à relação jurídica estabelecida entre o Poder Público e a concessionária

deve ser resolvida unicamente entre essas duas partes, não podendo atingir terceiros estranhos ao pacto. Portanto, se, na ótica das autoridades executivas municipais, há valores devidos, a cobrança deve se voltar contra a legítima devedora (a concessionária), e não contra terceiros, estranhos ao termo do contrato administrativo de concessão de direito real de uso de área pública, os quais a associação não representa, nem fala por eles. Essa argumentação não se invalida mesmo que a lei municipal disponha, ilegalmente, de modo contrário. 4. Ademais, em relação ao terceiro, não signatário do contrato administrativo, não se trata de preço público, mas tributo. O preço público se caracteriza pela liberdade que tem o particular em assumir voluntariamente a obrigação, que gera a remuneração pública, pelo facultativo uso de um serviço público (não obrigatório), ou pelo, também, espontâneo uso ou aquisição de bens do Estado. A marca do tributo, por sua vez, é a coercitividade18. É impositivo. Ninguém, alcançado pela lei que o institui, dele escapa impunemente. O imposto, por exemplo, é genérico. A taxa, por sua vez, tipifica-se pelo seu pagamento compulsório em razão do uso – sem opção alternativa – de um serviço público ou em decorrência do poder de polícia. 5. Já no caso em estudo, a cobrança de uma remuneração em virtude da concessão do direito real de uso de bens públicos, em relação aos não participantes da associação de moradores, a qual assumiu solitária e voluntariamente a obrigação oriunda do contrato administrativo, sem dúvida caracteriza-se como um tributo inominado (eis que não se cuida de imposto, taxa, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório, ou qualquer tipo de contribuição social), não previsto em lei ou na própria Consti-

18 BRITO MACHADO, Hugo de. Curso de direito tributário. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 335/338.

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absoluta, às vezes inescrupulosa ou eivada de suspeição, de aproveitadores, estelionatários, fraudadores e de outros elementos desse mesmo naipe. Ou seja, por conta dessa desastrada doutrina, uma pessoa fica indevidamente à mercê de outra, eis que nada os une ou ata, isto é, inexiste liame que advenha da lei, de alguma relação jurídica contratual, ou obrigação decorrente de ato ilícito. Por consequência, a responsabilização cível sem justa causa, por ser odiosa, não é permitida pelo Direito, nem pela Ética.

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tuição Federal (CF, arts. 145, 148 e 149). Portanto, sua instituição e cobrança são absoluta e irremediavelmente inconstitucionais. 6. De qualquer sorte, como se trata de uma imposição fiscal, ainda que com base em lei municipal inconstitucional, deve se reger pelas normas tributárias. Fica claro, primeiramente, que não houve a observância do devido processo legal (due process of law) na apuração do débito, que, na realidade, se transformou, automaticamente, em dívida fiscal, eis que os moradores não foram intimados dos atos de constituição do crédito tributário (autuação e lançamento), mas foram, ao contrário, apenas notificados para efetuar o seu pagamento. Evidentemente, não se observou, na constituição do crédito fiscal, os princípios tributários, legais (Código Tributário Nacional – Lei nº 5.172/1966) e constitucionais (CF, arts. 146 e 150).

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7. Logo, a cobrança, de valor apurado e lançado unilateralmente, feita diretamente pela prefeitura ao morador não associado, revela-se indevida, já que ele nada tem a ver com a associação, que assumiu sozinha a responsabilidade financeira pela forma-

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ção do condomínio. É ilegal, porque não foram cumpridas as formalidades exigidas pelo CTN para a constituição válida do crédito tributário. Manifesta-se, ainda, inconstitucional, eis que essa espécie de tributo não está prevista na nossa Constituição, ou autorizada sua criação por ela. 8. Veja que a cobrança indevida traz consigo sérias implicações sociais, profissionais, comerciais e legais, como a impossibilidade de se obter certidão negativa junto ao ente local. Por consequência, ela gera a responsabilidade para o Município de indenizar os danos materiais e morais, decorrente do constrangimento ilegal, nos termos da lei civil (CC, arts. 186, 927 a 954).

XI – INVIABILIDADE JURÍDICA DE AQUISIÇÃO FORÇADA DE BENS PÚBLICOS 1. Também merece especial atenção determinar-se a correta natureza jurídica daquilo que a prefeitura pretende cobrar de cada proprietário do condomínio privado que, sob seus auspícios, pretende-se inaugurar ou já foi implantado. Ou seja, do valor referente à fração ideal dos bens públicos, inconstitucionalmente desafetados (ruas e praças de uso comum do povo), que estão sendo transferidos para um grupo seleto de particulares, para fins de formação de um condomínio privado e fechado. Releva observar que a concessão de direito real de uso, outorgada para durar por longos anos (algumas por quase um século), com exigência legal de “contrapartida” financeira imediata para os cofres do Município, na realidade equivale a uma venda forçada de bens públicos, já que o nome utilizado no contrato administrativo não altera a essência jurídica do ato (CC, art. 112: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem”).


3. Indaga-se: pode alguém ser coagido a fazer uma compra, máxime de um bem público, sobre cujo valor e prazo de pagamento não houve negociação, nem acordo, mas que foram definidos a sós pelo vendedor (o Município) – que acrescentou penas pecuniárias para o caso de inadimplemento da obrigação no dia do vencimento por ele fixado de modo arbitrário –, notadamente se o pretenso comprador não está interessado no negócio e, às vezes, nem tem o dinheiro suficiente para, na data unilateralmente aprazada, suportar o encargo imposto coativamente?

4. Enfática e obviamente, a Constituição Federal e o direito administrativo pátrio, aliados ao senso comum, próprio de pessoas razoáveis, dão uma vigorosa resposta negativa.

REFERÊNCIAS MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1992. DI PRIETO, Maria Sylvia Zanela. Direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1992. FOSCHINI, Regina Célia. Loteamento fechado: a absoluta falta de amparo legal. Fórum Ambiental da Alta Paulista, v. IV, a. 2008. FREITAS, José Carlos de. Da legalidade dos loteamentos fechados. S.Paulo, 22 jan. 1998. Disponível em: www.mp.sp.gov.br. Acesso em: 13 jul. 2010. MADISON, James. The federalist. n. 51. USA: The Easton Press, 1979. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal (due process of law). 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

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2. Então, em face de nosso ordenamento jurídico, fica bem claro que, mesmo com a autorização veiculada por meio de lei municipal, não é lícito obrigar todos os moradores do bairro, sem exceção, a comprar, proporcionalmente às áreas de seus terrenos, as ruas e praças públicas que estão sendo ilegalmente liberadas para fim de formação de condomínio fechado, e sobre as quais, futuramente, vai, seguramente, incidir o IPTU, vez que passarão a ser consideradas áreas privadas de uso comum apenas dos condôminos. Tampouco é permitido compeli-los, ainda, a arcar com as despesas associativas de manutenção e conservação desses espaços, eis que, para esses serviços públicos, que estão sendo indevidamente transferidos para a agremiação particular, os proprietários já pagam os respectivos impostos e taxas.

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Doutrina

Bem Jurídico e Direito Penal: Reflexões sobre a Criminalização e os Seus Limites*

jurídicos diretamente ligados a um direito fundamental, seria reduzido o número condutas criminalizadas, amenizando o caos do atual sistema penal. O mesmo raciocínio poderia ser adotado pelos juízes, em sede de controle difuso, excluindo a subsistência do crime quando não constatada lesão a um bem jurídico merecedor de tutela.

FERNANDA GROSSI SEVERINO

ABSTRACT: This paper has as a goal the discussion of the necessary relation between protected legal interest and Criminal Law. Initially, it is stated that the recognition of legal interests that deserves Criminal protection must be a task previous to its normative reception. Given its importance, it is necessary for legal interests to be acknowledged in the social conscience. It is also observed that in Brazil a crime is committed when there is an offense to a legal interest, as defined by the Federal Constitution, which sets material limits to the legislative action. It can be identified in the Constitution the obligations imposed to the legislator with the intent to penalize, prohibit the criminalization and, in other cases, the concession to do so, always tying the activity to the protection of the Fundamental Rights. It is shown that the appearance of new spaces in Criminal Law has led to the distancing of crime in relation to the ties that recognize the offense to legal interests, leading them to interfere with criminal political interests, influencing in the creation of types of criminal offense that do not attend to the structure determined by the Constitution. In conclusion, if there was an exact correlation between types of criminal offenses and legal interests connected to a Fundamental Right, the number of criminalized conducts would be reduced, diminishing the chaos of the current Criminal system. The same line of thought could be adopted by judges, in diffused control, excluding the subsistence of crime when it is not ascertained the offense to a legal interest deserving of protection.

Assessora de Procuradoria de Justiça no Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, Graduada em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis/ Uniritter, Especialista em Direito Penal e Processual pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul.

RESUMO: No presente artigo, visou-se a discutir a necessária relação entre bem jurídico e direito penal. Inicialmente, constatou-se que o reconhecimento dos bens que merecem tutela penal deve ser tarefa anterior à sua recepção normativa, pois, dada a sua importância, é necessário que sejam assim reputados na consciência social. Observou-se, ainda, que, no Brasil, ocorre o crime quando há ofensa a um bem jurídico, assim definido pela Constituição Federal, que estabelece limites materiais à atuação legislativa. Naquela são identificadas obrigações impostas ao legislador de penalizar, proibições de criminalizar e, em outros casos, a concessão para fazê-lo, sempre vinculando a atividade à proteção dos direitos fundamentais. Demonstrou-se que o surgimento de novos espaços no direito penal tem acarretado um afastamento do delito em relação aos vínculos que dão o reconhecimento da ofensividade a bens jurídicos, fazendo se misturarem com interesses de política criminal, induzindo a criação de tipos penais que desatendem a estrutura determinada pela Constituição. Conclui-se que, se houvesse uma exata correlação entre os tipos penais e os bens *

Artigo apresentado como exigência para a conclusão do Curso de Pós-Graduação em Direito Penal e Processual Penal, da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. A pesquisa e a escrita foram desenvolvidas entre novembro de 2012 e fevereiro de 2013, sob a orientação da Professora Mestre Renata Jardim da Cunha Rieger.

PALAVRAS-CHAVE: Bem jurídico; direito penal; Constituição Federal; direitos fundamentais; ofensividade.

KEYWORDS: Legal interest; criminal law; Federal Constitution; fundamental rights; offensiviness. SUMÁRIO: Considerações introdutórias; 1 A tutela penal e os direitos fundamentais; 2 O bem jurídico, a Constituição e a percepção comunitária: avanços e retrocessos; 3 Direito penal e Constituição: da proibição ao mandado de criminalização; 4 Reflexões sobre direito penal, Constituição e ofensividade; Considerações finais; Referências.


dupla concepção de proporcionalidade, dedicada à proibição

A definição de crime depende do modelo de Estado adotado, e, como brevemente resume Figueiredo Dias, “a adequada definição da função do direito penal só é exequível sob a perspectiva da concepção do Estado e do modelo valorativo jurídico-constitucional em que ela se traduz”1. A íntima relação entre os modelos de crime e os modelos de Estado sinaliza o grau de dificuldade de compreensão das formas de estruturação dos ilícitos-típicos2.

de excessos e à proibição de proteção deficiente4.

No Brasil, Estado Democrático e Social de Direito, ocorre o crime quando há ofensa a um bem jurídico (princípio da ofensividade), sendo que, como se pretende demonstrar no presente artigo, os bens jurídicos são definidos pela Constituição Federal, ou seja, é nela que estão estabelecidos aqueles que merecem tutela do direito penal. E isso não significa que esteja sendo o legislador infraconstitucional amarrado dentro da sua atividade, mas apenas atrelado a limites para que desenvolva sua função de forma legítima. Tanto é assim que a incidência constitucional no direito penal não se limita apenas ao controle acerca da legitimidade das normas sancionatórias editadas, mas, também, fiscaliza a falta destas nos casos em que deveriam existir. É, como afirma Feldens3, a

1 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito penal e estado-de-direito material. Revista de Direito Penal e Criminologia, Rio de Janeiro: Forense, v. 31, p. 43, 1981. 2 Conforme D’Avila, p. 51: “Afinal, como a própria história demonstra, não só a compreensão do ilícito sempre disse muito sobre o modelo de Estado em que é implementada, como o Modelo de Estado sobre a acepção de ilicitude que recepciona” (D’AVILA, Fabio Roberto. Ofensividade em direito penal: escritos sobre a teoria do crime como ofensa a bens jurídicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009). 3 FELDENS, Luciano. A Constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 24.

4 Esse enfoque, não é demais dizer, já tem sido reconhecido pela Suprema Corte brasileira, como expressam os trechos a seguir: “Habeas corpus. Porte ilegal de arma de fogo desmuniciada. (a) Tipicidade da conduta. Controle de constitucionalidade das leis penais. Mandatos constitucionais de criminalização e modelo exigente de controle de constitucionalidade das leis em matéria penal. [...] Ordem denegada. 1. Controle de constitucionalidade das leis penais. 1.1. Mandatos constitucionais de criminalização: A Constituição de 1988 contém significativo elenco de normas que, em princípio, não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas (CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, § 4º). Em todas essas é possível identificar um mandato de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos. Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), como também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote). Os mandatos constitucionais de criminalização, portanto, impõem ao legislador, para seu devido cumprimento, o dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. [...] O Tribunal deve sempre levar em conta que a Constituição confere ao legislador amplas margens de ação para eleger os bens jurídicos penais e avaliar as medidas adequadas e necessárias para a efetiva proteção desses bens. Porém, uma vez que se ateste que as medidas legislativas adotadas transbordam os limites impostos pela Constituição – o que poderá ser verificado com base no princípio da proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) –, deverá o Tribunal exercer um rígido controle sobre a atividade legislativa, declarando a inconstitucionalidade de leis penais transgressoras de princípios constitucionais. [...]. Portanto, pode o legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de decisão, definir quais as medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva proteção de determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher espécies de tipificação próprias de um direito penal preventivo. Apenas a atividade legislativa que, nessa hipótese, transborde os limites da proporcionalidade, poderá ser tachada de inconstitucional. 3. Legitimidade da criminalização do porte de arma. há, no contexto empírico legitimador da veiculação da norma, aparente lesividade da conduta, porquanto se tutela a segurança pública (arts. 6º e 144 da CF) e indiretamente a vida, a liberdade, a integridade física e psíquica do indivíduo etc. Há inequívoco interesse público e social na proscrição da conduta. É que

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CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

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Embora a questão que se apresenta pareça estar, já há algum tempo, bem sedimentada, a evolução da sociedade e o surgimento de novos e complexos espaços no direito penal têm, como bem observa D’Avila5, acarretado um afastamento do delito em relação aos vínculos objetivos que dão o reconhecimento da ofensividade a bens jurídicos como elemento de garantia. Tal flexibilidade faz os bens tutelados se misturarem com interesses de política criminal, perdendo seu caráter fundamental preconizado pela Constituição Federal.

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Na Itália, Estado que também é delineado pela Constituição, o direito penal também consiste no instrumento de proteção de bens jurídicos e tem como modelo de crime a ofensa a bens jurídicos6. E, embora o sistema italiano divirja em parte do nosso,

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a arma de fogo, diferentemente de outros objetos e artefatos (faca, vidro etc.) tem, inerente à sua natureza, a característica da lesividade. A danosidade é intrínseca ao objeto. A questão, portanto, de possíveis injustiças pontuais, de absoluta ausência de significado lesivo deve ser aferida concretamente e não em linha diretiva de ilegitimidade normativa. 4. Ordem denegada” (HC 102087, 2ª T., Rel. Min. Celso de Mello, Rel. p/o Ac. Min. Gilmar Mendes, J. 28.02.2012, DJe-159). 5 D’AVILA, Fabio Roberto. Ofensividade e crimes omissivos próprios (contributo à compreensão do crime como ofensa ao bem jurídico). Coimbra/ Portugal: Coimbra Editora, 2005. p. 57. 6 A propósito: “O repúdio de qualquer visão subjetivista do direito penal encontra, de resto, explícita confirmação nos princípios que a Constituição dedica especificamente ao direito penal. Acolhem-se, aí, os clássicos princípios liberais da legalidade dos crimes e das penas e da irretroactividade da lei penal, tomando por eixo uma ideia de crime incarnada, não – subjectivamente – naquilo que o homem ‘é’ ou ‘quer’, mas antes – objectivamente – naquilo que o homem ‘faz’: ‘ninguém pode ser punido’ – dispõe com efeito o art. 25, n. 2, da Constituição – ‘a não ser por força de uma lei que tenha entrado em vigor antes da prática do facto’. Iluminada por toda a fisionomia do Estado desenhado pela Constituição italiana e pela aproximação aos princípios da legalidade e da irretroactividade, a expressão ‘facto’ revela, em última análise, o seu tradicional significado liberal: facto é sinônimo de ofensa a bens jurídicos” (DOLCINI, Emilio; MARINUCCI, Giorgio (Org.). Constituição e escolha dos bens jurídicos.

lá, inegavelmente, também há séria preocupação com relação à definição de bens jurídicos carecedores de tutela penal. O presente estudo não pretende adotar uma visão garantista ou legalista do direito penal, mas somente perquirir se esta ciência do Direito está cumprindo exclusivamente a sua função, ou, por vezes, se ocupando de condutas que poderiam ser coibidas por outros meios.

1 A TUTELA PENAL E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS A relevância do tema se assenta no estudo do bem jurídico como poder limitador material do direito penal, a fim de que aquele esteja relacionado com, ao menos, um direito fundamental, para que se configure um ilícito penal em caso de lesão ou ameaça de lesão ao bem. Conforme Paschoal7, “para a máxima intervenção estatal ser admissível, não basta que a lei penal não entre em conflito com a Constituição, devendo, necessariamente, recair sobre condutas que firam os valores de relevância constitucional”. Com a ampliação dos direitos fundamentais, houve o consequente alargamento do direito penal, que, por vezes, parece estar extrapolando o seu limite de atuação, pois cria tipos penais que, nem sempre, atingem a um bem juridicamente relevante, que efetivamente mereça a proteção penal. A relevância da determinação clara acerca do bem jurídico digno de tutela penal é que viabiliza uma delimitação criteriosa do seu núcleo de valor, para que seja possível identificar, em um segundo momento, se ele efetivamente é ofendido (dano ou de perigo de dano). O afastamento dessa precisa delimitação é que dá origem ao aumento de bens Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Lisboa/Portugal: Aequitas Editorial Notícias, a. 4, fasc. 2, p. 152, 1994). 7 PASCHOAL, Janaina Conceição. Constituição, criminalização e direito penal mínimo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 59.


8 Neste específico ponto, nas técnicas de tutela, surge um espaço verdadeiramente problemático, como, por exemplo, a ampliação – muitas vezes de forma despreocupada e, até mesmo, de duvidosa constitucionalidade – dos chamados “crimes de perigo”, a excessiva utilização de “normas penais em branco” e a substituição dos delitos de ação por delitos de omissão. Conforme D’Avila e Darcie, em visão crítica acerca do tratamento que os delitos de perigo têm recebido do direito penal, nos crimes de perigo abstrato – ao contrário daqueles de perigo concreto, em que o perigo constitui elementar do tipo – ele representa apenas um atributo genérico da conduta. Por tal razão, a sua efetiva verificação no caso concreto se mostra dispensável à finalidade a que se destina a lei, que é a de reprimir a prática da própria conduta. Segundo os autores, nesse contexto: “[...] o princípio da ofensividade resulta mitigado em importância e aplicabilidade”. Um dos exemplos por eles trazido é o crime de possuir/portar arma de fogo desacompanhada de munição, ou, desta, sem aquela. Nestes casos, estaria excluída a potencialidade ofensiva e, portanto, inviabilizado perigo de dano ao bem jurídico tutelado. (D’AVILA, Fabio Roberto; DARCIE, Stephan Doering. Algumas reflexões sobre os crimes de perigo concreto. In: Boletim IBCCrim, São Paulo: IBCCrim, a. 19, n. 218, p. 08-09, jan. 2011). Para bem ilustrar o caso, traz-se recente julgado do Supremo Tribunal Federal, em que fica bem demonstrado que o descaso dado à ofensividade alcança não apenas ao legislador ordinário, mas também ao Judiciário: “Penal. Habeas corpus. Porte de munição. [...]. Ausência de lesividade da conduta. Inteligência do art. 14 da Lei nº 10.826/2003. Tipicidade reconhecida. Crime de perigo abstrato. Writ parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegada a ordem. [...] II – A objetividade jurídica da norma penal em comento transcende a mera proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela da liberdade individual e do corpo social como um todo, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança coletiva que a lei propicia. III – Mostra-se irrelevante, no caso, cogitar-se da lesividade da conduta de portar apenas a munição, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para cuja caracterização não importa o resultado concreto da ação. IV – Habeas corpus conhecido em parte e, nessa extensão, denegada a ordem” (HC 113295, 2ª T., Rel. Min. 9 a autora afirma que o direito não pode se afastar de tal questão. Salienta, contudo, que a intervenção jurídica, em especial a penal, está ocorrendo de forma descriteriosa, preocupada apenas com utilidade e eficiência, gerando uma expansão na tutela do meio ambiente de forma exagerada,

evidenciando “a ampliação quase ilimitada do nexo causal, a excessiva antecipação de tutela, a utilização demasiada da técnica legislativa da ‘norma penal em branco’ e, até mesmo, o afastamento do princípio da ofensividade” (RIEGER, Renata Jardim da Cunha. A posição de garantia no direito penal ambiental: o dever de tutela no meio ambiente na criminalidade de empresa. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 25-7). Com relação aos crimes ambientais, pode-se exemplificar a problemática em questão com o art. 60 da Lei nº 9.605: “Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes”. Como se observa, o delito em comento, evidentemente, pune somente meras desobediências a determinações administrativas, sem proteger qualquer bem jurídico digno de tutela penal. Por tal razão, a prática das condutas previstas no tipo penal em questão poderia (deveria) ser objeto somente de infrações administrativas, especialmente porque eventual dano ambiental delas decorrente poderá configurar, em tese, um delito específico – que proteja bem jurídico efetivamente digno de tutela penal. Nesse sentido, bem sintetizaram Rieger e Saavedra em peça processual publicada: “Ora, o cerne da ilicitude penal desse tipo envolve apenas a inobservância de norma administrativa, e não a ofensa a algum bem jurídico, dado que exige, simplesmente, o desrespeito a qualquer licença, autorização ou regulamento. Eleva-se aqui o descumprimento de norma administrativa ao nível de descumprimento de norma penal. Em outras palavras, o agente é punido não por ter praticado o fato ou por ter exercido tal ou qual atividade considerada danosa ao meio ambiente, mas sim por não ter observado determinadas condicionantes ou determinações legais ou regulamentares. Nesse contexto, o direito penal é chamado como um recurso secundário de reforço à organização administrativa e social. E esta concepção, urge reconhecer, tende à negação do bem jurídico e funda-se na possibilidade de o núcleo do delito estar em normas administrativas. Com isso, o ‘direito penal perde a sua identidade, passando a ser manipulado exclusivamente em razão de seu caráter simbólico e estigmatizante’” (RIEGER, Renata Jardim da Cunha; SAAVEDRA, Giovani Agostini. Resposta à acusação. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre: Síntese, v. 13, n. 73, p. 238, abr./maio 2012).

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ilusoriamente carecedores de proteção penal e, consequentemente, às técnicas de tutela casuísticas e ilegítimas8-9.

10 Com razão, pois, Figueiredo, ao afirmar que é nesse contexto que o legislador se fortalece para utilizar de técnicas de proteção antecipadas, como é o caso dos crimes de perigo abstrato, aos quais são cumulados normas

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Embora o enfoque em questão seja a função limitadora material do direito penal, não se pode deixar de mencionar – o que foi abordado com muita pertinência por Streck10 – acerca da recenticidade da nossa Constituição Federal e da falta de adequada compreensão dela pelos intérpretes, afirmando que é do sentido que temos de Constituição que depende o processo de interpretação dos textos normativos do sistema. Avança, lembrando que o texto de uma norma é produto da atribuição de um sentido que somente será válido se estiver em conformidade com a Lei Maior e que esta conformidade dependerá da correta pré-compreensão da Constituição pelo intérprete. Segue, então, fazendo a crítica de que a pouca compreensão daquilo que a Constituição significa no Estado Democrático de Direito inevitavelmente acarreta na deficiente aplicação do Direito pelos juristas. Aprofunda, afirmando que as condições para que o intérprete possa entender um texto normativo implica que haja uma pré-compreensão do sistema jurídico-político-social como um todo e, sendo a Constituição o fundamento de validade de todo o sistema jurídico, é da sua interpretação que virá, ou não, a efetividade. Avalia, ainda, que, desde a promulgação da Constituição, não houve maiores avanços na superação da crise da operacionalidade do Direito.

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Também não se pode deixar de lado, porque importante para a compreensão e o desenvolvimento do tema proposto, que a ciência penal

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penais em branco que exprimem uma ofensividade própria, a qual não se coaduna com a propensão programática do sistema. Aprofunda o autor: “Assistimos, assim, a um fenômeno que a doutrina alude criticamente como ‘administrativização’ do direito penal. Quer ele significar que o direito penal, a partir da mudança de rumo sumariamente descrita, passa a ter por norte critérios de legitimação que o aproximariam mais propriamente do direito administrativo sancionador. Certamente, a busca de padrões de legitimidade tendentes a suportar um direito penal ‘maximalista’ – ou seja, um direito penal mais interveniente, tanto no que tange à edição de tipos penais quanto à amplitude e intensidade da tutela ofertada – traduz-se na assunção pelo legislador de um pensamento que privilegia a eficiência” (FIGUEIREDO. Guilherme Gouvêa de. Direito penal secundário, inflação legislativa e white-collar crimes. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 87, p. 298, p. 5, nov. 2010). 10 STRECK, Lenio Luiz. Constituição, bem jurídico e controle social: a criminalização da pobreza ou de como “la ley es como la serpiente, solo pica a lós descalzos”. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre: Nota Dez, a. VIII, v. 8, n. 31, p. 65-96, out./dez. 2008.

depende do momento e do local onde está inserida, porquanto decorre dos valores culturais de uma sociedade. Aponta Feldens (2005, p. 30) que foi durante o período denominado de Estado Moderno que surgiu a ideia de direito positivado, incorporando o princípio da legalidade como limitador do Estado. Esse marco evolutivo, todavia, era uma noção ainda muito superficial, pois o critério exclusivo de identificação do Direito válido era fundado no princípio da legalidade, e a lei era a sua única forma de legitimação. Na sequência, no período pós-guerra, aumentaram as preocupações no âmbito social, culminando no surgimento de Constituições rígidas, pelas quais passou a se submeter o antigo modelo de legalidade11. E daí às raízes do Estado Constitucional, que aos poucos foi evoluindo até o modelo atual.

A evolução do Estado Liberal para o Estado Social e o surgimento de novos direitos – que ultrapassam a esfera individual – fizeram surgir a necessidade de intervenção normativa penal, com o objetivo de resguardar novos bens jurídicos de índole penal, tendo em conta novas e complexas situações de perigo12. Surgiu a preocupação em criar uma conexão de determinados direitos e garantias individuais com direitos sociais – articulação da igualdade jurídica, com a igualdade social; e da segurança jurídica, com a segurança social13. 11 Conforme Paschoal (2003, p. 59): “Trata-se justamente daquela segunda acepção do princípio da legalidade, pautado não só na lei, mas na própria Constituição, a qual reflete os valores sociais e alberga o bem jurídico liberdade, potencialmente ferido pelo direito penal”. 12 Nas palavras de Prado: “Esses bens jurídicos, próprios do Estado Social de Direito, são primordiais para o desenvolvimento das potencialidades do ser humano enquanto pessoa, bem como sua real integração (social, política, cultural e econômica) em uma coletividade organizada. Numa sociedade complexa e altamente conflituosa, um número crescente de atividades atinge, de um lado, os cidadãos particulares, mas, de outro, também a coletividade, grupos de pessoas cujas relações apresentam peculiaridades e uma importância incomum” (PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 107). 13 Um exemplo acerca da evolução social, que implica criação de novos


[...] o modelo de crime como ofensa a bem jurídicos em sua vertente principiológica, o denominado princípio da ofensividade é, antes de qualquer coisa, uma projeção principal de base político-ideológica que reflete uma forma de pensar o direito penal e o fenômeno criminoso não só adequada, mas até mesmo intrínseca ao modelo de Estado Democrático e Social de Direito. (p. 68)

Em outras palavras, isso nada mais é do que uma forma diversa de se dizer que o Estado está firmemente comprometido para com os direitos e garantias fundamentais, um Estado onde não impera o autoritarismo, que visa a punir fatos e não pessoas, assegurando que todos possam exercer a cidadania, resguardados pelas garantias e direitos fundamentais14.

direitos, é a recente legislação publicada (em 30 de novembro de 2012, que entra em vigor após 120 dias), a Lei nº 12.737. Ela trata de delitos cometidos no âmbito da informática e de outros recursos disponíveis na atualidade, como o uso de cartão de crédito e de débito, com o objetivo de proteger a inviolabilidade de correspondência, a fé pública e também a prestação de serviços públicos por meio telegráfico, radiotelegráfico ou telefônico, criando e alterando tipos penais do Código Penal. 14 Nesse sentido, Prado (2003, p. 92): “Aliás, o próprio conteúdo liberal do conceito de bem jurídico exige que sua proteção seja feita tanto pelo direito penal como ante o direito penal. Encontram-se, portanto, na norma constitucional, as linhas substanciais prioritárias para a incriminação ou não de condutas. O fundamento primeiro da ilicitude material deita, pois, suas raízes no texto magno. Só assim a noção de bem jurídico pode desempenhar uma função verdadeiramente restritiva”.

2 O BEM JURÍDICO, A CONSTITUIÇÃO E A PERCEPÇÃO COMUNITÁRIA: AVANÇOS E RETROCESSOS Segundo Feldens (2005, p. 38), a Constituição garante o desenvolvimento dogmático do direito penal mediante estruturas valorativas que lhes sejam próprias, e, também, estabelece limites materiais que não podem ser ultrapassados pelo legislador penal. Aliás, este papel é feito com exclusividade pela Constituição, ou seja, apenas o poder constituinte tem o condão de condicionar a atividade do Poder Legislativo. Isso ocorre porque, em tendo o nosso ordenamento jurídico adotado a forma de Constituição normativa e um conceito formal de lei, somente dela devem provir restrições previamente dadas ao legislador, evitando que haja arbitrariedades. Neste ponto, é de relevo sinalizar que o reconhecimento dos bens que efetivamente merecem a tutela é – ou, ao menos, deve ser – tarefa anterior à sua recepção normativa, pois, antes de serem “escolhidos” pelo Direito pela sua importância, foram assim reputados na consciência social15. Sendo assim, as leis evidentemente não criam valores, apenas os captam, por meio da positivação, como forma de protegê-los. O ponto de partida de construção de uma norma é um juízo positivo de valor, que nada mais é, segundo D’Avila16, do que o original momento jurídico de reconhecimento da concepção 15 Os bens que efetivamente merecem tutela, para Renata Jardim da Cunha Rieger, “[...] não são e não devem ser ‘criados’ pelo direito penal: aqueles preexistem a este e podem, apenas, ser reconhecidos” (RIEGER, 2011, p. 22). 16 D’AVILA, Fabio Roberto. Aproximações à teoria da exclusiva proteção de bens jurídicos no direito penal contemporâneo. Criminologia e sistemas jurídico-penais contemporâneos II [recurso eletrônico]. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010. p. 206.

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Afirma D’Avila (2009) que

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jurídico-penal de bem jurídico. Segue explicando que a primeira dimensão da teoria do bem jurídico é sempre um momento axiológico de signo positivo. Em outros termos, é o momento em que a comunidade organizada, em um momento histórico definido, reconhece a “boa e desejada existência de determinadas realidades sociais”, de bens valiosos, mobilizando-se em favor da sua continuidade. É a construção de valores de comunhão comunitária, os quais resultam na definição dos espaços de possível penalização, que é a questão principal da teoria do bem jurídico-penal17.

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A ideia de que a Constituição é a fonte exclusiva de bens jurídicos merecedores de proteção penal, contudo, teve e ainda tem muitas objeções. Segundo Feldens (2005, p. 52), inicialmente, tal concepção foi apontada como ambígua, característica própria dos textos constitucionais, da qual derivaria uma dificuldade na concreção dos bens jurídicos que da Constituição se pretende extrair. Há também apontamentos no sentido de que a derivação direta e exclusiva dos bens jurídicos à Constituição imporia ao legislador um campo limitado, que desdenharia o princípio do pluralismo político e também a separação de poderes, concedendo ao bem jurídico um caráter estático.

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Para refutar tais críticas, o mencionado autor argumenta apontando que ambas trazem notórias contradições, pois de um lado se censura a flexibilidade, que é a base do pluralismo político, e, de outro, se atribui a falta de respeito ao próprio pluralismo 17 Nesse contexto, cumpre transcrever: “[...] bem jurídico político-criminalmente tutelado existe ali – e só ali – onde se encontre reflectido num valor jurídico-constitucionalmente reconhecido em nome do sistema social total e que, deste modo, se pode afirmar que ‘preexiste’ ao ordenamento jurídico penal. O que por sua vez significa que entre a ordem axiológica jurídico-constitucional e a ordem legal – jurídico-penal – dos bens jurídicos tem por força de verificar-se uma qualquer relação de mútua referência” (FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Temas básicos da doutrina penal. Coimbra: Coimbra, 2001. p. 47).

político. Segue afirmando que as criticadas flexibilidade e ambiguidade, antes de serem defeitos do texto constitucional, configuram virtudes derivadas justamente do pluralismo político, que é uma via de incorporação de novos valores que surgem com a evolução social18, que transforma, de maneira pacífica, o respectivo marco de convivência de cada momento histórico preexistente. Embora se aponte a Constituição – os direitos fundamentais nela previstos – como fonte exclusiva de bens jurídicos dignos de proteção penal, não se ignora que, em razão da amplitude da Constituição, quase sempre será possível fazer uma correlação de um bem jurídico penalmente tutelado a um referente constitucional. Todavia, é justamente a identificação desse “referente constitucional” que deve ser guiada com muita cautela e fundamentada com muita razoabilidade. O rigor de tais exigências 18 Em artigo dedicado ao exame do direito público na transição da sociedade liberal clássica para a sociedade industrial avançada, ou, “sociedade do risco”, assim denominada por Dias, o autor se preocupou com a postura a ser assumida pelo direito penal, em razão da crescente necessidade de tutela de bens jurídicos transindividuais. Desenvolvendo raciocínio coerente, aprofundando a análise de questões pertinentes e incidentes à questão, assim concluiu com muita propriedade: “O direito penal deve continuar a resguardar-se de tentativas de instrumentalização como forma de governo, de propulsão e promoção de finalidades da política estadual, ou de tutela de ordenamentos morais – porque aí mesmo abica o movimento da secularização que se apresenta como um dos factores mais importantes de superação da razão instrumental. A dogmática penal deve evoluir, fornecendo ao aplicador critérios e instrumentos que não podem ser decerto os dos séculos passados como formas adequadas de resolver os problemas do século XXI, mas sem por isso ceder à tentação de ‘dogmáticas alternativas’ que podem, a todo o momento, volver-se em ‘alternativas à dogmática’ incompatíveis com a regra do Estado de direito e, como tal, democraticamente ilegítimas” (FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. O direito penal entre a “sociedade industrial” e a “sociedade do risco”. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 9, n. 33, p. 65, jan./mar. 2001).


Na Itália, embora também impere o modelo de crime como ofensa a um bem jurídico, o conceito de merecimento de tutela penal é um pouco diferente. Segundo Dolcini e Marinuci, não são apenas os bens constitucionalmente relevantes explicitados na Carta Maior que são suscetíveis de tutela penal. Além daqueles bens referidos na Constituição, também merecem proteção penal alguns que, embora não tenham status constitucional, estejam ligados a um valor constitucional por uma relação de vinculação necessária, ou seja, a lesão àquele acarretará perigo a este19. Os autores apontam como exemplo a segurança viária, cuja lesão poria em perigo a vida ou a segurança, que são bens dotados de relevo constitucional. Explicam, ainda, que a repressão em comento, em determinados casos, visa a preservar “bens” importantes, mas que não tenham relevo constitucional nem estejam ligados obrigatoriamente a bens referidos na Constituição. O sistema italiano entende, aliás, que a não previsão de alguns bens na Constituição não os coloca, necessariamente, em uma escala inferior de valores como é o caso do meio ambiente, bem de inegável relevância, mas que não consta na Constituição italiana. A explicação para isto reside no fato de que, no Brasil, a Constituição é suficiente fonte valorativa do direito penal, pois prevê 19 Dolcini e Marinucci (1994, p. 166): “[...] são considerados constitucionalmente relevantes mesmo os bens só ‘implicitamente garantidos pela Carta Constitucional’, e por isso todo o bem ‘ligado a um valor constitucional por uma relação de pressuposição necessária’, no sentido de que ‘a lesão do primeiro seja necessária e inequivocamente idónea para colocar em perigo o segundo’”.

exaustivamente bens jurídicos que merecem essa tutela20. Na Itália, contudo, há a necessidade de se buscar outras fontes valorativas em razão de a Constituição ser muito mais limitada. Na Constituição italiana, existem sólidas garantias a bens de extrema importância, mas que não possuem garantia constitucional, como a vida e a fé-pública. Lá, portanto, a Constituição não impõe um limite ao legislador infraconstitucional na escolha dos bens penalmente relevantes. Contrapondo, em breve exame da Constituição Federal, é possível identificar obrigações impostas ao legislador infraconstitucional de penalizar, proibições de criminalizar e, em outros casos, a concessão e a legitimidade para fazê-lo. E essa relação de poder constitui uma causa constitucional que, em harmonia com um rol de direitos, forma o conteúdo material do direito penal, ou a razão essencial de uma Constituição verdadeiramente democrática.

3 DIREITO PENAL E CONSTITUIÇÃO: DA PROIBIÇÃO AO MANDADO DE CRIMINALIZAÇÃO Embora haja críticas21 à teoria da formulação de normas penais incriminadoras com base nos direitos fundamentais previstos 20 O meio ambiente ocupa espaço de importância, mas recebe tutela indireta pela Constituição italiana. No Brasil, é bem jurídico inegavelmente valioso, digno de tutela penal, tanto que consta expressamente no art. 225 da Constituição Federal, nos seguintes termos: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [...] § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. 21 Tal tarefa foi muito bem sintetizada por Scalcon. Aponta a autora, como

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serve para que não seja ofendida a ideia de Constituição como fonte exclusiva de bens jurídicos efetivamente merecedores de proteção penal, pois, caso contrário, seriam poucos aqueles sobre os quais se poderia afirmar que não possuem mínima conexão, ainda que implícita, à Constituição.

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constitucionalmente, a relação entre a Constituição e o direito penal – como limite material, como fonte valorativa e como fundamento normativo – é explicada com muita propriedade por Feldens, ao fazer uma analogia com os sinais de um semáforo. Segundo o autor, aparece a figura do sinal vermelho quando a

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problemática, a equivocada interpretação da proporcionalidade como justificação da teoria para a necessidade da tutela penal (mandados de criminalização). Afirma que aquela trata de uma relação concreta de um meio com um fim, sem analisar as espécies de relação existentes entre os vários meios disponíveis e o fim que se deve promover, abandonando a análise concreta das consequências da criminalização. Sustenta que a teoria sob análise exige que a promoção do fim seja eficiente, pressupondo que outros meios de tutela não penais sejam ineficazes ao objetivo, enquanto que a tutela penal faria uma melhor proteção aos direitos fundamentais. Sinaliza, também, a falta de ponderação acerca da questão da eficácia da norma penal enquanto meio de prevenção, mencionando que a teoria em questão cuida apenas da função retributiva e punitiva da aplicação da norma penal, não sob o cariz da proteção do ordenamento contra agressões, mas sim de produzir nos cidadãos uma ilusória confiança no sistema jurídico estatal, realizada através do direito penal. Critica, também, a forma de verificação da “necessidade” da utilização do direito penal meio, aduzindo que deveria passar pelo exame da “igualdade da adequação dos meios” e o do “meio menos restritivo”. Caso contrário, não vislumbra justificativa para que os meios extrapenais sejam reputados menos eficientes na função de proteção dos direitos fundamentais. Destaca que os defensores da ideia dos mandados constitucionais de criminalização concluem que, em determinados casos, os outros meios disponíveis ao legislador, que não o meio penal, são insuficientes à tutela de bens jurídicos, considerando que a penalização da conduta é a única medida legitimada a ser escolhida pelo legislador. Disso resultaria ao legislador uma liberdade anulada, restando a ele apenas acatar aos mandamentos criminalizadores de grande repercussão no âmbito de liberdade dos cidadãos (SCALCON, Raquel Lima. Crítica à teoria dos mandados constitucionais implícitos de criminalização: podemos manter o legislador ordinário penal na prisão? Res Severa Verum Gaudium – Revista Científica dos Estudantes da UFRGS, v. 1, p. 167-184, 2009). O tema também foi tradado pela autora no seu trabalho de conclusão de graduação da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da UFRGS: Mandados constitucionais (implícitos) de criminalização? 2009, p. 85-89.

Constituição, por meio dos direitos fundamentais, impõe limites ao legislador ordinário, proibindo-o de atuar em áreas que careçam de importância social e também no âmbito das liberdades garantidas constitucionalmente (limite material)22. Ao estabelecer, no art. 5º, XXXIX, o princípio da estrita legalidade, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, a Constituição transferiu ao legislador penal ordinário tanto a decisão sobre quais condutas deverão ser consideradas criminosas quanto a definição sobre a sanção atribuível a tais condutas. Contudo, torna-se necessário salientar que o princípio constitucional da legalidade nada significaria se o legislador penal ordinário pudesse fixar, com ilimitada liberdade, o alcance dos conceitos de crime e de sanção penal. Por isso, decorrem da Constituição proibições de penalização. Interessante, nesse ponto, destacar o pertinente exemplo trazido pelo autor: a liberação das manifestações pela descriminação das drogas (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 187, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, no ano de 2011). O caso ilustra bem a ilegitimidade de criminalização de comportamentos constitucionalmente garantidos, no caso, a liberdade de expressão e de reunião, bem como o direito à livre manifestação do pensamento, princípios fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988. No que toca à ilegitimidade da criminalização em proteção a valores ou interesses constitucionalmente proscritos, podemos apontar a impossibilidade de penalização, por exemplo, de casamento entre pessoas de diferentes raças. Ora, se a Constituição define a igualdade dos cidadãos perante a lei (art. 5º), bem como o direito fundamental a não ser discriminado (inciso IV do art. 3º: “[...] sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, 22 FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal: a constituição penal. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2012. p. 65.


idade e quaisquer outras formas de discriminação”), não poderia ser lícita a criminalização de condutas que protegessem valores proibidos, no caso, a discriminação da miscigenação. Por derradeiro, ainda na esfera do sinal vermelho, sinaliza-se a impossibilidade de criminalização de condutas socialmente irrelevantes, insignificantes, que não ofendem a qualquer bem digo de tutela penal, como, por exemplo, criticar duramente a atuação em campo de time de futebol adversário.

Há, como se vê, uma hierarquia normativa, e o direito penal é o meio utilizado para a proteção dos direitos fundamentais, assim definidos pela Constituição. A obrigação de criminalização pelo legislador infraconstitucional provém de uma ordem de valores pronunciada pela Constituição, que o vincula. Os mandamentos expressos de criminalização sinalizam ao legislador ordinário a necessidade de criação de tipos penais para a proteção de determinados bens, ou, caso aqueles já existam, para que não sejam retirados do ordenamento jurídico, pois dizem respeito a um conteúdo mínimo e irrenunciável de coerção, de intervenção penal necessária.

No exemplo em apreço, vislumbra-se que não há uma proibição de legislar em matéria penal, todavia essa providência deveria ter sido realizada sob a perspectiva de necessidade e adequação. Em que pese o tipo penal preveja uma conduta que potencialmente ofende a um direito do consumidor, a questão evidentemente poderia – deveria – ser resolvida em outra esfera que não a penal. Nesse caso, a restrição à liberdade do agente mostra-se desproporcional ao “ato praticado”; houve, portanto, um avanço ao sinal amarelo.

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No que tange à Constituição como fonte valorativa, surge o sinal amarelo, porque a intervenção penal é possível. A Constituição orienta o legislador na cautelosa escolha de bens dignos de tutela penal, aos quais não haja vedação e nem imposição de intervenção penal (Feldens, 2012, p. 68). Aqui estariam, entre outros, os delitos cometidos contra o consumidor, cujos fundamentos constitucionais que os legitimam estão previstos no inciso XXXII do art. 5º e no inciso V do art. 170. Contudo, o reconhecimento da possibilidade de criminalizar tais condutas não significa que toda e qualquer conduta configurará ilícito penal. Há situações em que houve verdadeiro excesso do legislador ordinário, como, por exemplo, o delito previsto no art. 74 do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe: “Deixar de entregar ao consumidor o termo de garantia adequadamente preenchido e com especificação clara de seu conteúdo”.

expressamente a necessidade de proteção penal – são os chamados mandados constitucionais de penalização, que impõem ao legislador uma zona obrigatória de criminalização (Feldens, 2012, p. 73). Seria o caso do § 4º do art. 227 da Constituição Federal, que prevê expressamente: “A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”.

Por fim, na modalidade de fundamento normativo é que ocorre o sinal verde do semáforo. Nesse ponto, a Constituição indica

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Segundo Dolcini e Marinucci (1994, p. 172), a razão para que, nas Constituições de vários países, haja mandados de criminalização expressos seria tanto a importância destacada dos bens contra os quais se dirigem o fato a incriminar, quanto a necessidade de imposição de sanção penal, por ser este o único instrumento capaz de assegurar ao bem uma tutela eficaz. É o binômio merecimento do bem e necessidade de pena que irá inspirar o legislador ordinário. Avançam os autores no sentido de que, entre as previsões constitucionais que impõem previsões expressas de penalização, muitas visam a impedir que experiências negativas vivenciadas pelas nações no passado voltem a ocorrer23.

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Em uma feição inversa, há, também, comandos expressos de criminalização previstos nas Constituições que têm por objetivo defender a integridade de determinados bens dada a sua importância presente e futura, para evitar que sejam alvo de agressões mais graves e frequentes, como é o caso do meio ambiente, que, além da sua indiscutível relevância presente, deve ser preservado para as gerações que virão24. Em outros

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23 Apontam que a Constituição da Alemanha impõe obrigações de criminalizar atividades preparatórias de guerra, evidenciando, de forma vinculante, a ideia de paz daquele povo, como resposta aos episódios do período do nacional-socialismo. No Brasil, exemplificam apontando os mandados de criminalização expressos que impõem ao legislador ordinário a obrigação de punir os atentados à liberdade e aos direitos fundamentais, da prática da tortura, da ação de grupos armados contra a ordem constitucional e contra a democracia, em clara intenção de repelir qualquer ato que faça mera menção a comportamentos típicos do regime da ditadura militar. 24 Schünemann, em entrevista concedida a Martinelli, com o auxílio de Greco, chegou a afirmar que a lesão ao meio ambiente é o “protótipo do crime”. Da entrevista, destaca-se: “O senhor defende o uso do direito penal para a tutela de bens jurídicos difusos, principalmente a ordem econômica após a grande crise mundial iniciada em 2008? BS – Os bens jurídicos coletivos merecem, definitivamente, ser protegidos pelo direito penal. O meio ambiente, pressuposto da existência de toda a vida na Terra,

termos, a visão constitucional de tais temas vislumbra que apenas a penalização é capaz de prevenir e reprimir com rigor comportamentos potencialmente lesivos a bens de importância presente e, mais ainda, futura. Quando a Constituição Federal refere que determinada conduta deva ser criminalizada, criando uma zona obrigatória de intervenção do legislador penal, está se tratando do fundamento normativo do direito penal. Nesse toar, aponta-se alguns dos mandados de criminalização encontrados na nossa Constituição Federal. A um primeiro olhar, já é possível vislumbrar um acúmulo de tais comandos penalizadores no extenso, mas não taxativo, rol de direitos apontados no art. 5º25. Inicialmente, pode-se lembrar o inciso XLI, ao dispor que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”, ainda que de forma genérica, não só confere ao legislador ordinário legitié, entre todos os bens jurídicos, a rigor, o mais fundamental, de modo que a sua destruição constitui nada menos do que o protótipo de crime” (Revista Liberdades, n. 4, p. 11, maio/ago. 2010. Disponível em: <http:// www.ibccrim.org.br/site/revistaLiberdades/_pdf/04/entrevista.pdf>). 25 Como já mencionado, apesar de extenso, deve-se lembrar que esse rol não é taxativo. Há direitos espalhados por toda a Constituição Federal e, até mesmo, fora dela. O § 2º do art. 5º explicita isso: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. No mesmo sentido, ver Renata Rieger (2011, p. 28) e Ingo Sarlet. Da posição deste, destaca-se: “É, portanto, evidente que uma conceituação meramente formal, no sentido de serem direitos fundamentais aqueles que como tais foram reconhecidos na Constituição, revela sua insuficiência também para o caso brasileiro, uma vez que a nossa Carta Magna, como já referido, admite expressamente a existência de outros direitos fundamentais que não os integrantes do catálogo (Título II da CF), seja com assento na Constituição, seja fora desta, além da circunstância de que tal conceituação estritamente formal nada revela sobre o conteúdo (isto é, a matéria propriamente dita) dos direitos fundamentais” (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 89).


Já no inciso XLII, o comando constitucional é inquestionável: “A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Nesse ponto, fica evidente a finalidade do direito penal, não mais como mero instrumento estatal de restrição do espaço de liberdade individual dos cidadãos, mas que visa a dar proteção normativa ao bem jurídico do direito fundamental sob ameaça da potencial ação ofensiva. E mais, reforça o objetivo fundamental de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, tal como previsto no inciso IV do art. 3º da Constituição. O mandamento constitucional em apreço – que ainda determinou fosse o ilícito inafiançável e imprescritível – se materializou quando o destinatário do comando editou a Lei nº 7.716/1989, que “define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor”, a qual não poderá ser revogada ou ter os delitos ali previstos abrandados, sob pena de ocorrer em inconstitucionalidade. Seguindo no exame do artigo em comento, tem-se o inciso XLIII, o qual prevê que: A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

Aqui a Constituição foi novamente clara e direta, indicando não apenas as condutas que a lei deveria considerar crime, como também vedou que os autores de tais comportamentos – e daqueles considerados hediondos – viessem a ter alguns benefícios penais.

A prática de tortura veio a ser regulamentada e criminalizada pela Lei nº 9.455/1997; o tráfico de entorpecentes, por meio da Lei nº 6.368/1976, posteriormente revogada pela Lei nº 11.343/2006, que passou a tratar o assunto com maior rigor26; e os crimes he26 Cumpre esclarecer que o mencionado “rigor” mais acentuado na novel legislação antidrogas diz respeito à pena do crime de tráfico. A Lei nº 11.343/2006 foi equilibrada, na medida em que apresentou uma situação mais benéfica para o usuário e mais gravosa ao traficante. Com relação ao usuário, ocorreu uma novatio legis in melius, já que é mais benéfica, pois, adequadamente, não mais pune o usuário ou dependente com pena privativa de liberdade. Neste ponto, convém mencionar, brevemente, que houve até parte da doutrina – Luiz Flávio Gomes – sustentando a ocorrência de descriminalização. Aqui, pertinente destacar partes de ementa de julgado do Supremo Tribunal Federal acerca do caso, que afasta tal argumento: “I – Posse de droga para consumo pessoal: (art. 28 da Lei nº 11.343/2006 – nova lei de drogas): natureza jurídica de crime. 1. O art. 1º da LICP – que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção – não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime – como o fez o art. 28 da Lei nº 11.343/2006 – pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/1988, art. 5º, XLVI e XLVII). 2. Não se pode, na interpretação da Lei nº 11.343/2006, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo ‘rigor técnico’, que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado ‘Dos Crimes e das Penas’, só a ele referentes (Lei nº 11.343/2006, Título III, Capítulo III, arts. 27/30). 3. [...]. 6. Ocorrência, pois, de ‘despenalização’, entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade. 7. Questão de ordem resolvida no sentido de que a Lei nº 11.343/2006 não implicou abolitio criminis [...]” (RE 430105 QO, 1ª T., Rel. Min. Sepúlveda Pertence, J. 13.02.2007). De outra parte, no que toca ao tráfico de entorpecentes, a nova lei é mais severa, pois aumentou a pena cominada para reclusão de cinco a quinze anos, mais multa de 500 a 1500 dias-multa, enquanto que, na antiga lei, era prevista pena mínima de 3 anos de reclusão, com multa de 50 a 360 dias-multa. Neste caso, portanto, foi possível observar que o legislador apresentou equilíbrio ao diferenciar em muito o tratamento dado ao usuário (penas alternativas) e ao traficante (pena de reclusão mais rigorosa), observando os princípios da nova política criminal, que visa a punir gravosamente condutas relevantes e reinserir no meio social, condutas socialmente consideradas mais brandas.

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midade para a criação de tipos penais que reprimam a tal ação, como, também, sinaliza o dever de fazê-lo.

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diondos foram assim definidos pela Lei nº 8.072/1990, que também lhes estabeleceu tratamento especialmente mais gravoso. No que toca ao terrorismo, há uma lacuna legislativa, pois ainda não receberam a determinada perseguição penal. A lei antiterrorismo, por questões políticas de muita complexidade, cuja discussão não cabe neste exame, jamais foi criada.

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Importa, aqui, mencionar as considerações pertinentes feitas por Dolcini e Marinucci (1994, p. 175) acerca da força vinculante que as obrigações constitucionais de incriminação exercem sobre o legislador ordinário27. Conforme os autores, as cláusulas

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27 No caso em comento (não criminalização do terrorismo), a carência legislativa acarreta no prejuízo de ações de prevenção contra o financiamento ao terrorismo no Brasil. A situação é preocupante, especialmente no atual cenário, pois, apesar da proximidade com a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, o país ainda não possui uma lei que defina de modo adequado o que são atividades terroristas. Tem-se, no caso, norma constitucional, mas que não é autoexequivel. A omissão pelo legislador ordinário – de leis que lhe confira aplicabilidade – configura a inconstitucionalidade. No Brasil, a medida que se vislumbra cavíbel ao caso é a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, prevista no art. 103, § 2º, da Constituição Federal, que retrata um importante instrumento criado pelo constituinte originário para assegurar a força normativa da Constituição. Nessa linha, destaca Gilmar Mendes: “A concretização da ordem fundamental estabelecida na Constituição de 1988 carece, nas linhas essenciais, de lei. Compete às instâncias políticas e, precipuamente, ao legislador, a tarefa de construção do Estado constitucional. Como a Constituição não basta em si mesma, têm os órgãos legislativos o poder e o dever de emprestar conformação à realidade social. A omissão legislativa constitui, portanto, objeto fundamental da ação direta de inconstitucionalidade em apreço” (MENDES, Gilmar. Jurisdição constitucional no Brasil: o problema da omissão legislativa inconstitucional. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Lituania. pdf>). No mesmo sendido, Ferreira Filho: “A Constituição prevê a ação de inconstitucionalidade por omissão para corrigir a inação por parte do legislador” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 29. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 35). A ação direta de inconstitucionalidade por omissão atua para desencadear

expressas de incriminação de fatos podem encontrar, na legislação infraconstitucional, uma concretização apenas parcial, pois a omissão do legislador ordinário, diante dos comandos constitucionais, é desprovida de consequências jurídicas, por ausência de regramento que trate de tal inconstitucionalidade omissiva28. Por sua vez, o inciso XLIV dispõe que “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. Como se observa nesse caso, o mandamento constitucional de criminali-

o processo legislativo. Contudo, o destinatário da ordem a ser emanada pelo órgão judiciário (Supremo Tribunal Federal) é o Poder Legislativo. Sendo assim, em havendo inércia da discussão e votação da legislação omissa no âmbito das Casas Legislativas, surge outro problema – a deliberação não recebeu do constituinte disciplina acerca do prazo para a apreciação dos projetos de lei – não há garantia quanto à aprovação dentro de determinado prazo. Fica assim a questão: qual a providência a ser tomada quando, mesmo instado, o Congresso não age? Para finalizar, merece referência o julgado do Supremo Tribunal Federal, sobre o art. 18, § 4º, da Constituição Federal, quando houve determinação para que o Congresso Nacional elaborasse lei complementar em 18 meses, o que não foi cumprido. Embora o caso não envolva matéria penal, demonstra concretamente a ausência de instrumentos previstos para os casos em que o Congresso Nacional se mantém inerte, mesmo diante de determinação judicial da Corte Máxima do país (ADIn 3682, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 09.05.2007)”. 28 A questão também é lembrada por Palazzo: “Outro aspecto característico do problema e, também, o concernente com o inadimplemento, por parte do legislador, da obrigação de propor uma adequada tutela penal para bens constitucionalmente dela merecedores. [...] Antes de tudo, retomando a distinção entre omissões legislativas absolutas e relativas, parece poder afirmar-se que na rara hipótese de omissão absoluta, isto é, de total ausência da tutela penal, considerando uma dada matéria, não é fácil formular hipóteses nem fixar o objeto da questão de constitucionalidade (PALAZZO, Francesco C. Valori constituzionali e diritto penale (Um contributo compartistico allo studio del tema). Trad. Gerson Pereira Santos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1989. p. 107).


Observado o rol do art. 5º, passa-se a examinar outros dispositivos de nossa Constituição. Identifica-se, facilmente, um mandado expresso de criminalização no inciso X do art. 7º, que assim dispõe: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social [...]. X – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa”. Neste caso, o objeto de proteção tem conteúdo sociopatrimonial, cuidando da contraprestação econômica do trabalhador pela apresentação de sua mão de obra. Em um passar de olhos pelo Código Penal, é possível identificar um tipo penal que atende, ainda que de forma indireta, o comando expresso de criminalização em comento: é o art. 203, que assim criminaliza a conduta de “frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho”. Ao referido delito, é cominada pena de detenção de um ano a dois anos e multa, além da pena correspondente à violência. O art. 225 da Constituição, voltado à questão ambiental – direito fundamental e transindividual –, em razão da relevância da questão29, contém no seu § 3º um comando de criminalização. Prevê o caput:

29 Ao examinar a questão do status constitucional do meio ambiente, bem sintetiza Prado: “O tratamento constitucional aqui adotado reflete, como se vê, tendência exclusiva das constituições contemporâneas, elaboradas num momento em que são fortes a consciência e a preocupação ecológicas dos povos civilizados. A intenção do legislador constituinte brasileiro

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [...]

O § 3º, por sua vez, estabelece que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Neste tema, a Constituição foi novamente expressa no comando incriminador; todavia, determinou que o infrator do bem protegido estaria sujeito às punições penais e administrativas (além da obrigação civil de reparar o dano), deixando, de forma velada, a incumbência de o legislador ordinário ponderar acerca do tipo de sanção, fazendo um cotejo com relação ao grau de ofensividade da conduta. A concretização do mandado em comento deu-se, principalmente, por meio da Lei nº 9.605/1998, que dispõe sobre “as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente”30. A matéria é de importância destafoi dar uma resposta ampla à grave e complexa questão ambiental, como requisito indispensável para garantir a todos uma qualidade de vida digna. Em última instância, valor maior a ser protegido, e que caracteriza a natureza de certo modo instrumental e relativamente personalista da tutela jurídica do ambiente. Aliás, essa é uma consequência lógica da própria concepção de Estado democrático e social de Direito consagrada na Lei Magna. [...] Foi dentro dessa perspectiva de melhoria da qualidade de vida e de bem-estar social a alcançar que o texto maior erigiu como direito fundamental o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, indispensável à vida e ao desenvolvimento do ser humano” (PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 73). 30 Cumpre esclarecer que, em que pese a maioria dos delitos praticados contra o meio ambiente esteja previsto na Lei nº 9.605/1998, existem

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zação tem como objeto de proteção bens de categoria coletiva. Não há muitos estudos acerca deste assunto, mas parece adequado fazer uma ligação de tal comando à Lei nº 7.170/1983, a qual “define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências”.

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cada, especialmente pela danosidade coletiva e macrossocial e pela possibilidade de ocorrência de danos irreversíveis ao meio ambiente. Por último, ainda merece análise o conteúdo do § 4º do art. 227 da Constituição Federal, definido nos seguintes termos: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

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[...]

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aqueles que estão em outras leis esparsas. É o caso, por exemplo, o delito de “molestar cetáceos”, previsto na Lei nº 7.643/1987, que não resiste a uma leitura pelo olhar legitimador da ofensividade. Esse tipo penal estipula a proibição da pesca, ou qualquer forma de molestamento intencional, de toda espécie de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras, estabelecendo pena de reclusão de 2 a 5 anos, além de multa, em caso de descumprimento. Neste caso, vislumbra-se, com facilidade, que dignidade de tutela (previsão constitucional) é fundamental, mas não suficiente para tornar o fato típico. A não especificação do que consiste o tal “molestamento” do cetáceo gera uma insegurança jurídica pelo risco de arbitrariedades, tendo em conta que o enquadramento de uma conduta à norma ficará a critério arbitral do julgador, dependendo do seu entendimento pessoal. E se algum juiz se convencer que a convivência entre pescadores artesanais de tarrafas, ou crianças e mulheres, que se divertem lançando alimentos aos cetáceos, que, notoriamente, circulam nas barras do estuário do Rio Mampituba, em Torres, ou na barra do Rio Tramandaí, ambos no Rio Grande do Sul, configuram o tal “molestamento”? E mais: manter proximidade ou oferecer alimentos aos tais animais seriam condutas capazes de ofender o bem jurídico meio ambiente? Parece evidente que não. Eis aí, mais um exagero e contrassenso na atividade do legislador ordinário, pois não pode a lei prever como “crime” condutas absolutamente genéricas, sem qualquer conteúdo concreto que possa servir de referência ao cidadão comum.

§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

No que toca aos direitos da criança e do adolescente, a Constituição – além de exprimir o comando penalizador ao legislador ordinário – ainda fez questão de destacar o grau de rigor da sanção ao prever “punirá severamente”. Tal expressão não deixa dúvidas de que, no caso, a Constituição mandou que fosse utilizado o recurso penal31, porquanto, além desta, não se vislumbra outra punição possível que seja mais severa. Para proteger esses bens jurídicos, foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), mas não ficou a ele adstrita a incumbência de criminalizar condutas lesivas à criança e ao adolescente, pois há tipos penais previstos também no Código Penal, como, por exemplo, nos arts. 217-A e seguintes. Ao tratar da força normativa dos mandamentos de criminalização, Feldens (2005, p. 76) refere que ela acaba por interferir na liberdade do legislador ordinário, em que pese a atuação deste permaneça irrenunciável, em decorrência do princípio da legalidade. Em outros termos, explica que, embora os mandados constitucionais imponham a penalização de determinada ação, não possuem eficácia criminalizadora automática, pois é tarefa da legislação infraconstitucional a criação de tipos penais que vinculem aos cidadãos – surge novamente a figura do princípio da legalidade. De forma enfática, adverte o autor: “O fato de exigir-se a interpositio legislatoris apenas afasta a possibilidade de punição com base direta, exclusiva no texto constitucional”. 31 Expressão que, deve-se dizer, não é encontrada em qualquer outro trecho de nossa Lei Maior; o constituinte não a utilizou nem mesmo em delitos de indubitável gravidade, como os hediondos e a eles equiparados.


Uma primeira aproximação entre as funções da Constituição e as finalidades do direito penal nos permitirá afirmar que o legislador penal se encontra materialmente vinculado à Constituição precisamente naquilo que diz respeito ao epicentro dessa anunciada relação entre a ordem constitucional e o direito penal: a tutela dos direitos fundamentais. (p. 39)

A noção de bem jurídico, portanto, manifesta-se dentro de certos parâmetros de natureza constitucional, os quais são aptos a impor uma correta e necessária diretriz restritiva ao legislador infraconstitucional no momento da formação do tipo penal. Tal tarefa deve estar o máximo possível atrelada a determinados critérios de direção positivados na Constituição, que atuam como referências, tanto gerais, como de previsão específica, de bens jurídicos dignos de proteção penal, em razão do caráter limitador deste tipo de tutela33.

32 Feldens (2005, p. 39): “[...] pode-se afirmar, categoricamente, que a liberdade de configuração do legislador penal não é absoluta. É relativa. Embora detentor de um amplo espaço de atuação, não lhe é lícito editar uma lei qualquer em nome de sua legitimidade democrática. Cabe registrar, neste particular, que a democracia não se reduz a uma regra formal da maioria”. 33 Como bem observa Bitencourt: “[...] o caráter fragmentário do direito penal significa que o direito penal não deve sancionar todas as condutas lesivas a bens jurídicos, mas tão somente aquelas condutas mais graves e mais perigosas praticadas contra bens relevantes” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, v. I, 2008. p. 15).

4 REFLEXÕES SOBRE DIREITO PENAL, CONSTITUIÇÃO E OFENSIVIDADE A legitimação da intervenção penal possui vinculação com a função do direito penal, que não servirá para a defesa de qualquer ordem moral, mas para a proteção da ordem legal dos bem jurídicos, necessariamente referida à ordem axiológica constitucional, ou seja, está condicionada aos fundamentos jurídico-políticos oriundos da concepção de Constituição e, mais uma vez, do modelo de Estado que adotamos34. A perceptível diferença visualizada entre a prática político-criminal atualmente realizada pelo Estado e o compromisso político jurídico assumido pela Constituição é que demonstra a 34 Ao tratar do modelo de crime como ofensa a bens jurídicos, Machado assim se posiciona: “É importante salientar que o modelo de crime como ofensa a bens jurídico-penais, em apertada síntese, nada mais é do que o reflexo, no plano jurídico, da concepção onto-antropológica e que permite, com base em uma acertada dogmática penal, atribuir papel de destaque ao ilícito penal, quer pela expressão dogmática do específico juízo de desvalor que a infração penal carrega, quer, ainda, pela sua capacidade de expressar ‘a própria função do direito penal, como propõe a noção de ofensa a bens jurídicos, a noção de resultado jurídico como a pedra angular do ilícito típico’. Além disso, merece destaque o fato de que, para além do centramento do fato criminoso a partir de uma compreensão material, o modelo de crime como ofensa ao bem jurídico permite a nítida projeção do princípio da ofensividade (nullum crimen sine iniuria) na seara jurídico penal. Princípio esse que se traduz enquanto expressão verdadeira de um Estado plural, laico e que, por essa razão, se mostra orientado pelo respeito e pela primazia da liberdade. Um Estado em que todo o poder é emanado do povo soberano e no qual o homem é reconhecido como ser dotado de dignidade e portador de um núcleo de direitos invioláveis” (MACHADO, Tomás Grings. Ofensa de cuidado-de-perigo e legitimação dos crimes ambientais: o princípio da ofensividade como limite à criminalização de condutas. 2008. Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. p. 73/74).

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A liberdade para legislar em matéria penal, no Brasil, é, portanto, relativa, pois, embora possua o legislador infraconstitucional amplo espaço de atuação, não lhe é permitido editar leis quaisquer, como, por exemplo, por vontade da maioria do povo32. O legislador penal está, assim, vinculado à Constituição, precisamente no tocante à proteção dos direitos fundamentais. Nesse sentido, destaca Feldens (2005):

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importância de se ressaltar a existência de limites razoavelmente seguros para os processos de criminalização35. Mais do que isso, é a imprescindibilidade de revisão de critérios constitucionais suficientemente aptos a delimitar adequadamente os processos legislativo e hermenêutico-aplicativo.

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Neste ponto, recai sobre o plano constitucional o questionamento acerca da existência de uma exigência constitucional de ofensividade (direitos fundamentais), que aponta para os bens jurídicos como sendo não apenas uma orientação, mas um dos principais limites de contenção da política criminal contemporânea. Essa política gradativamente vem pondo tal regra em segundo plano, criando tipos penais que desatendem a estrutura determinada pela Constituição Federal, gerando um verdadeiro inchaço de condutas criminalizadas, as quais poderiam ser coibidas satisfatoriamente com outros meios, de esferas jurídicas diversas da penal36.·

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35 Segundo D’Avila (2009, p. 32): “[...] o priorizar da dimensão político-criminal termina por inverter a correta ordem de enfrentamento dos problemas penais, suprimindo um momento prévio e fundamental de se pensar a prática penal: antes de discutirmos a bondade dos interesses político-criminais em questão, antes de perguntarmos pela adequação e utilidade político-criminal de determinadas medidas ou propostas, é preciso interrogar acerca da sua possibilidade jurídico-penal e jurídico-constitucional já como pergunta”. 36 Interessante, nesse contexto, mencionar a designação “ciência conjunta do direito penal”, desenvolvida por Liszt nos fins do século XIX, que bem demonstra os motivos pelos quais se mostra necessária a delimitação da incidência da política criminal. Sustenta o autor, que o direito penal (Strafrecht) não podia ser reduzido a uma mera tarefa técnica, dogmática ou sistemática, de aplicação do direito ao caso concreto, mas deveria atuar conjuntamente com a política criminal e com a criminologia, ou sociologia criminal. A função da política criminal (Kriminalpolitik) seria a de trazer ao legislador as estratégias e os meios eficazes para o combate à criminalidade, investigando as causas dos crimes e as consequências das penas. E, para subsidiar a política criminal, com instruções necessárias ao desenvolvimento da sua função, surge o papel da criminologia,

A atual decadência do sistema penal brasileiro chegou a um ponto que não encontra solução com a mera implementação de novas políticas criminais, pois estas somente amenizam o problema e, muitas vezes, por curto espaço de tempo. A relevância da questão trazida a estudo reside na ousadia de tentar contribuir para uma eficaz reestruturação do sistema penal, sinalizando que grande parcela do caos enfrentado pelo sistema penal atual tem como origem, justamente, a inobservância de regras constitucionais por parte dos legisladores ordinários. Conforme se infere dos ensinamentos de D’Avila (2009, p. 57), o crescimento do âmbito de intervenção penal tem acarretado o afastamento do modelo de crime dos vínculos objetivos de reconhecimento da ofensividade como elemento de garantia, dificultando a verificação dos valores que efetivamente carecem de tutela penal. Em outras palavras, o papel do bem jurídico e a necessária incidência da ofensividade para a caracterização dos tipos penais vêm sendo esquecidos, ou ignorados, de modo que o número de condutas criminalizadas cresce de forma desordenada, ultrapassando os limites da legitimidade concedida pela Constituição no sentido do conhecimento empírico da realidade dos fatores sociais e psicológicos associados aos comportamentos criminosos. O papel do direito penal, ou dogmática penal, contudo, deveria permanecer sobreposto às demais, que serviriam como ciências auxiliares. Isso porque o direito penal seguiria na posição, não de protetor da ordem jurídica, mas sim de guardião dos princípios normativos garantidores dos direitos individuais fundamentais dos autores de crimes. As garantias fundamentais dos indivíduos violadores das normas fariam o controle da legitimidade das estratégias e meios propostos pela política criminal, aparecendo o direito penal como barreira intransponível da política criminal (LISZT, Franz Von. Tratado de direito penal allemão. Trad. por José Hygino Duarte Pereira. Rio de Janeiro: Briguiet, t. I, 1899. p. 1/4). Tais aspectos importantes foram bem examinados por D’AVILA, 2009, p. 18/20, e por CARVALHO, Américo Taipa de. Direito penal. Parte geral. Questões fundamentais. Teoria geral do crime. 2. ed. Coimbra/Portugal: Coimbra Editora, 2008. p. 11/16.


Se houver uma exata correlação entre os tipos penais com os bens jurídicos que, quando ofendidos, necessariamente atingem um ou mais direitos fundamentais definidos na Constituição Federal, certamente seria reduzido o número condutas criminalizadas. Com isso, além de o direito penal incidir somente nos casos em que efetivamente se mostra necessária a sua tutela, atendendo ao comando constitucional, há, como já referido, a possibilidade de que venha também a amenizar a falência do sistema, que decorre de problemas sociais graves, como a superlotação dos estabelecimentos prisionais e o inchaço do Judiciário, pois somente os casos de gravidade acentuada seriam objeto de processos judiciais37. 37 Questão atual que bem demonstra tais problemas críticos (superlotação carcerária e ações judiciais em massa) é a atual situação calamitosa do Presídio Central de Porto Alegre e, também, o recente pedido feito pela Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul ao Judiciário, para que 500 presos tivessem concedido o direito ao cumprimento de suas penas em regime domiciliar, por terem direito à progressão para os regimes semiaberto e aberto, aos quais não são transferidos por ausência de vagas. Essa situação foi amplamente divulgada na mídia. Disponível em: <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2012/04/presidio-central-passa-por-fase-mais-critica-desde-inauguracao-diz-juiz-3717640.html> e <http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/policia/noticia/2012/11/judiciario-recebe-500-novos-pedidos-de-prisao-domiciliar-3948939.html>. Importante destacar, que, na prática, detentos em igual situação acabam ficando à “mercê da sorte”, diante de posicionamentos judiciais antagônicos acerca do cumprimento das penas em regimes mais gravosos pelos quais foram condenados, em razão da falta de vagas nas casas prisionais. Concedendo os pedidos de prisão domiciliar na situação em comento, podemos apontar as seguintes ementas: TJRS, Agravo nº 70048783674, 6ª C.Crim., Rel. João Batista Marques Tovo, J. 28.06.2012, e STJ, AgRg-HC 230.126/SP, 5ª T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, J. 07.08.2012, DJe

Embora a ofensividade não seja objeto específico deste estudo, pela sua íntima relação com o assunto não se pode deixar de relacioná-la, ainda mais quando é inevitável que se faça uma simples referência à colidência de bens jurídicos em uma mesma questão. Ora, ao se criminalizar uma conduta, em razão da ofensa a um bem jurídico tutelado que, segundo a Lei Maior, merece tutela do direito penal, se estabelece uma sanção, é evidente que estará se restringindo o direito fundamental à liberdade. Nesse caso, entra a necessidade da ponderação, sendo pertinente apontar a seguinte lição: A análise quanto a um efetivo respaldo da Constituição para a penalização deve sempre tomar em conta a liberdade afetada, observada a adequação e a necessidade (proporcionalidade em sentido amplo)

22.08.2012. Em sentido contrário, sinaliza-se: TJRS, HC 70050102938, 7ª C.Crim., Relª Laura Louzada Jaccottet, J. 09.08.2012. Em razão de a questão atingir expressivo número interessados e da divergência jurisprudencial, a questão está em discussão no Supremo Tribunal Federal e teve a repercussão geral da matéria reconhecida, valendo transcrever a ementa do caso: “Constitucional. 2. Direito processual penal. 3. Execução penal. 4. Cumprimento de pena em regime menos gravoso, diante da impossibilidade de o Estado fornecer vagas para o cumprimento no regime originalmente estabelecido na condenação penal. 5. Violação dos arts. 1º, III, e 5º, II, XLVI e LXV, ambos da Constituição Federal. 6. Repercussão geral reconhecida” (RE 641320/RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 16.06.2011, DJe-162 Divulg. 23.08.2011, Public. 24.08.2011, Ement. v. 02572-03, p. 00474). Para finalizar, vale registrar que a gravidade das condições atuais do Presídio Central alcançou tamanha dimensão, que chegou a haver mobilização na esfera internacional. Após entidades de direitos humanos denunciarem o Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), fora solicitado à União informações acerca das medidas de controle voltadas à proteção da vida e da integridade dos detentos; os detalhes sobre a assistência de saúde; as providências adotadas como fim de reduzir em curto prazo a superpopulação do estabelecimento prisional; e os planos de emergência contra incêndios.

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Federal ao legislador infraconstitucional, violando, também, o princípio da subsidiariedade, que orienta a utilização do direito penal somente quando o problema não encontrar solução nos demais ramos do Direito.

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da intervenção jurídico-penal, por definição fragmentária e subsidiária. (Feldens, 2012, p. 69)38

Conforme leciona D’Avila (2009, p. 53), a criminalização resulta, consequentemente, em uma limitação à liberdade de agir. Assim, ao se tipificar uma conduta como ilícito penal, há de ser realizada uma ponderação de bens, na qual a liberdade irá sucumbir em favor da proteção de outro bem, ou valor, como a vida no homicídio, a saúde pública no tráfico ilícito de entorpecentes. Portanto, para que seja praticável tal limitação – respeito ao direito constitucional fundamental do bem jurídico liberdade – devem ser atendidos requisitos mínimos, entre eles o resguardo exclusivo de bens ou valores que possuam status constitucional, de modo a justificar a intensa restrição à liberdade ocasionada pela criminalização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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À guisa de conclusão, insta retomar as principais questões analisadas no artigo. Constatou-se que o reconhecimento dos bens

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38 No mesmo sentido sustenta Mariângela Gomes: “Da importância constitucional conferida à liberdade, por exemplo, inserida no rol dos direitos e garantias fundamentais, é possível observar a consequente necessidade de que toda e qualquer intervenção estatal que possa significar interferência na esfera de liberdade do cidadão seja ponderada e avaliada, e só utilizada quando indubitavelmente necessária. Essa diretriz a ser observada quando da elaboração legislativa, denominada princípio da intervenção mínima, impõe, num primeiro momento, que o Estado se valha de meios menos lesivos ao indivíduo, utilizando o direito penal de forma subsidiária, somente quando outros ramos do direito não se mostrarem suficientes para tal tutela; significa, também, que ao direito penal não cabe tutelar todos os bens jurídicos, mas apenas os fundamentais, e perante os ataques que se apresentarem como os mais intoleráveis” (GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. Periculosidade no direito penal contemporâneo. In: MENDES, Gilmar Ferreira; BOTTINNI, Pierpaolo Cruz; PACELLI, Eugênio (Org.). Direito Penal Contemporâneo. Questões controvertidas. São Paulo: Saraiva, 2011).

que efetivamente merecem tutela é providência que deve ser anterior à sua recepção normativa, pois, antes de serem eleitos pelo Direito, pela sua relevância, foram assim considerados na consciência social. A partir da identificação dos valores de comunhão comunitária, surge a necessidade de proteção desses valores, o que se dá por meio da positivação. Determinados tais valores, a Constituição assegura o desenvolvimento dogmático do direito penal, fixando limites que não podem ser ultrapassados pelo legislador penal, ou seja, o direito penal é o meio utilizado para a proteção dos direitos fundamentais, assim definidos pela Constituição. Nela estão contidas as diretrizes determinantes, restritivas e legitimadoras impostas ao legislador infraconstitucional na função penalizadora – proibindo-o de atuar em áreas que careçam de importância social e também no âmbito das liberdades garantidas constitucionalmente (limite material) –, orientando-o na prudente escolha de bens dignos de proteção penal – aos quais não haja vedação nem imposição de intervenção penal – e, indicando-o, expressamente, os casos de necessária e irrenunciável tutela penal (mandados expressos de criminalização). Sendo assim, mostrou-se que a noção de bem jurídico traduz-se dentro de parâmetros de natureza constitucional, traçando uma correta e necessária diretriz limitadora ao legislador infraconstitucional no momento da criação do tipo penal. A inobservância recorrente dessas diretrizes por parte do legislador infraconstitucional é que justifica o reexame da questão do bem jurídico, como função limitadora dos processos de criminalização. Atualmente, é notável que as políticas criminais adotadas pelo Estado vêm impulsionando o alargamento do âmbito de intervenção penal, de forma dissociada do modelo de crime e dos vínculos objetivos de reconhecimento da ofensividade como elemento de garantia, dificultando a verificação dos valores que efetivamente merecem a proteção penal.


No decorrer do artigo, discorreu-se amplamente no sentido de que um fato não pode ser criminalizado se não ofender um bem jurídico tutelado (princípio da ofensividade) – isso, porém, no âmbito legislativo. Em caso de falha, outra possibilidade vislumbrada para o avanço de uma eficaz reestruturação do sistema recai sobre o plano jurisdicional. Os juízes devem fazer uma análise do fato sob a perspectiva do princípio da ofensividade e, em constatando que não houve lesão ou ameaça de lesão a um bem pela inofensividade concreta da conduta, em sede de controle difuso, deverá excluir a subsistência do crime39. Isso porque, do modelo em exame, decorrem consequências que vinculam tanto o legislador quanto o intérprete (juiz). O primeiro somente poderá criar normas que prevejam punição para aquele que cometer lesão ou impor risco 39 Examinando o princípio da ofensividade nesse contexto, D’Avila assim se posiciona: “Tratando-se de um princípio constitucional segundo o qual tanto o legislador encontra-se obrigado à construção de tipos em consonância com a necessária ofensividade quanto o intérprete a identificar a sua efetiva concreção, diante de uma elaboração legislativa dissonante, caberá ao Magistrado, obrigatoriamente, a reconstrução do tipo conforme a diretriz imposta. Na sua impossibilidade, o tipo penal deverá ser considerado, necessariamente e sem margem a exceções, inconstitucional” (D’Avila, 2005, p. 59).

de lesão a bens jurídicos relevantes, ao passo que o segundo deverá interpretar a lei, que, às vezes, tem múltiplos significados, de acordo com o critério do bem jurídico, retirando do tipo penal incriminador os comportamentos não ofensivos ao bem. É sabido que tal providência é corriqueira no âmbito formal dos ilícitos; por que, então, não aparecer de forma mais rigorosa, também, na esfera material? Caso o julgador resolva assim fazer, sua atividade terá respaldo tanto na regra constitucional, através da interpretação correta da Constituição Federal, quanto na doutrina que bem explica a questão, além dos princípios que regem o direito penal (fragmentariedade, subsidiariedade, entre outros). Assim, além de assegurar, na prática, que algumas garantias dos cidadãos não sejam desprezadas pelo Estado, poderá o intérprete-juiz, quem sabe, através da jurisprudência, inspirar o legislador a agir de forma mais vinculada aos limites impostos pela Constituição.

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Mostrou, então, que a consequência disso é a intervenção arbitrária do Estado frente aos direitos fundamentais dos cidadãos, mediante o aumento de bens ilusoriamente necessitados de proteção penal, implementação de técnicas de tutela de legitimidade altamente questionável, desencadeando o crescimento do número de condutas criminalizadas, as quais poderiam ser reprimidas com medidas de âmbito não penal. Entre outros fatores, parece que isso acarretou – ou, ao menos, potencializou – o colapso do sistema penal brasileiro, visualizado de forma concreta pela superlotação dos estabelecimentos prisionais e demanda invencível de processos judiciais.

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Doutrina

As Responsabilidades Administrativa e Civil por Dano Ambiental e Suas Diferenças Básicas TOSHIO MUKAI Mestre e Doutor em Direito do Estado (USP), Especialista em Direito Administrativo, Urbanístico e Ambiental.

1. Já tivemos a oportunidade de escrever sobre diversas diferenças que cercam as responsabilidades administrativas e civis no âmbito ambiental, o que ocorre em todos os setores de Direito. Basicamente, demonstramos que, enquanto a responsabilidade administrativa depende da demonstração da culpabilidade do poluidor, na responsabilidade civil, por ato comissivo, prescinde-se da culpabilidade, eis que é ela de natureza objetiva. Demonstramos em artigo intitulado “O Nexo de Causalidade na Responsabilidade Objetiva Ambiental. Causa é Ato Comissivo” que somente quando houver ato comissivo (causa) é que se pode falar em responsabilidade objetiva. Quando o ato for omissivo, a responsabilidade é de ordem subjetiva, porque omissão não é a causa do ato danoso, mas sim condição da causa, tal o ensinamento brilhante de Celso Antônio Bandeira de Mello.

2. Agora, em 12 de abril de 2012, o STJ, pela sua 2ª Turma, veio demonstrar outra diferença que existe entre os dois tipos de responsabilidade. Ou seja, enquanto a responsabilidade civil por danos ao meio ambiente é propter rem, a responsabilidade administrativa não se transmite aos sucessores da pessoa que cometeu o ilícito administrativo. 3. Acórdão impecável do STJ (REsp 1251697/PR, Rel. Min. Mauro Campbell, julgado em 12.04.2012, DJe 17.04.2012) decidiu a questão de modo exemplar. O acórdão é longo, constando de 15 (quinze) itens. Tratava-se, na origem, de embargos à execução fiscal, ajuizado pelo recorrente por figurar no polo passivo de feito executivo levado a cabo pelo Ibama para cobrar multa aplicada por infração ambiental. Alegara o recorrente que o crédito executado diz respeito à violação dos arts. 37 do Decreto nº 3.179/1999, c/c 25 da Lei nº 9.605/1998 e 14 da Lei nº 6.938/1981, mas que o auto de infração foi lavrado em face de seu pai, que, à época, era o dono da propriedade. (Observação nossa: todos os diplomas legais não se prestavam para dar legalidade ao auto de infração: a) o Decreto nº 3.179/1999, assim como o Decreto nº 6.514, que o substituiu, eram e são inconstitucionais, pois as sanções administrativas devem vir contempladas em lei formal, eis que “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (inciso II do art. 5º da CF); b) a Lei nº 9.605/1998 é de natureza penal e não pode, à evidência, fundar uma sanção administrativa; c) o art. 14 da Lei nº 6.938/1981 contempla a responsabilidade civil por danos ambientais, sendo objetiva, e não se presta para legitimar uma sanção administrativa.)


Diz o acórdão, contudo, que a instância ordinária entendeu que o caráter propter rem e solidário das obrigações ambientais seria suficiente para justificar que, mesmo a infração tendo sido cometida e lançada em face de seu pai, o ora recorrente arcasse com seu pagamento em execução fiscal. Nas razões do especial, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos arts. 3º e 568 do CPC e 3º, inciso IV, e 14 da Lei nº 6.938/1981, falecendo legitimidade passiva na execução fiscal levada a cabo pelo Ibama, a fim de ver quitada a multa aplicada. Observa, ainda, o acórdão que: Esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de que a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos. Foi essa a jurisprudência invocada pela origem para manter a decisão aprovada.

O ponto controverso nesses autos, contudo, é outro. Discute-se, aqui, a possibilidade de que terceiro responda por sanção aplicada por infração ambiental.

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A questão, portanto, não se cinge ao plano da responsabilidade civil, mas da responsabilidade administrativa por dano ambiental.

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Pelo princípio da intranscendência das penas (art. 5º, inciso XLV, CF/1988), aplicável não só ao âmbito penal, mas também a todo Direito sancionado, não é possível ajuizar execução fiscal em face do recorrente para cobrar multa aplicada em face de condutas imputáveis a seu pai. Esclarece o acórdão: “Isto porque a aplicação da penalidade administrativa não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera civil (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria de culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado

transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.

Adianta: A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981, segundo o qual “[S] em obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo [entre elas, frise-se, a multa], é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por suas atividades”.

O art. 14, caput, também é claro: [S] em prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela depredação da qualidade ambiental sujeitará o transgressor [...].

Em resumo: a aplicação e a execução das penas limitam-se aos transgressores; a reparação ambiental de cunho civil, a seu turno, pode abranger todos os poluidores, a quem a própria legislação define como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, inciso IV, do mesmo diploma normativo). No item “13”, há um esclarecimento interpretativo sobre o porquê da responsabilidade civil ser do tipo propter rem, que era oportuno se analisar e se explicar, e que é muito bem feita pelo Ministro Relator: Note-se que nem seria necessária toda a construção doutrinária e jurisprudencial no sentido de que a obrigação civil de reparar o dano ambiental é do tipo propter rem, porque, na verdade, lei já define como poluidor todo aquele que seja responsável pela degradação ambiental – e aquele que, adquirindo a propriedade, não reverte o dano ambiental, ainda que não causado por ele, já seria um responsável indireto pela degradação ambiental (poluidor, pois).


E no item “14” (final) arremata-se com estas assertivas complementares:

A título de esclarecimento, o inciso XLV do art. 5º da Constituição Federal reza a respeito:

Mas o fato é que o uso do vocábulo “transgressores” no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra “poluidor” do § 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das penas: a responsabilidade por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensas ambientais praticadas por outrem (grifamos).

XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles ser executado, até o limite do valor do patrimônio transferido.

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15. Recurso especial provido.

Portanto, a diferenciação básica entre a responsabilidade administrativa e a reparação civil está expressamente prevista na Constituição de 1988.

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Doutrina

Não Incidência de Contribuições Previdenciárias sobre o Adicional de Horas Extras – Equívocos da Jurisprudência Que Afirma a Natureza Salarial do Adicional LUIZ RICARDO DE AZEREDO SÁ

Advogado, Sócio da Totum Empresarial, Coordenador da Área Contenciosa e de Tribunais Superiores do Escritório Villarinho, Sá, Lubisco & Prevedello Advogados.

RESUMO: Aborda-se e reflete-se, no presente artigo, sobre os equívocos das premissas até aqui adotadas pelas decisões judiciais que têm afirmado a natureza salarial de tal adicional e, por isso, que o mesmo configuraria hipótese de incidência das contribuições previdenciárias e RAT a cargo do empregador. PALAVRAS-CHAVE: Adicional de hora extra; não incidência; contribuições previdenciárias; natureza indenizatória. SUMÁRIO: Considerações iniciais; 1 A jurisprudência do STJ e dos TRFs; 2 Diferença entre a contribuição do empregador e a contribuição do empregado do setor privado; 3 O artigo 201, § 11, da Constituição Federal – Impossibilidade de nele justificar a exigência de contribuição previdenciária a cargo do empregador; 4 O artigo 7º, incisos IX e XVI, da Constituição Federal – Impossibilidade de neles justificar a exigência de contribuição previdenciária a cargo do empregador; 5 Interpretação que colide com outros dispositivos constitucionais; 6 A natureza indenizatória do

adicional de horas extras; 7 Artigos 457 e 458 da CLT – Impossibilidade de se dar às referidas normas força de tornar lícita a cobrança de contribuição previdenciária sobre o adicional de horas extras; Conclusão; Referências.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS A questão em exame envolve a discussão sobre a natureza do adicional de horas extras, se indenizatória ou salarial, e, por conta disso, se o referido adicional é fato gerador das contribuições sociais, inclusive RAT, exigidas do empregador. A jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais, amparada naquela que hoje se verifica no âmbito do eg. STJ, afirma que o referido adicional possui natureza remuneratória e que, por isso, é fato gerador das contribuições sociais (previdenciárias e RAT). Os contribuintes, estribados na jurisprudência do Excelso STF e, bem assim, à vista dos aspectos fáticos e jurídicos que norteiam tal adicional, têm defendido que o adicional de horas extras ostenta natureza indenizatória e que, por isso, não é fato gerador das contribuições sociais em questão. No presente trabalho, que tem a pretensão de provocar uma maior reflexão sobre o tema em foco, se buscará demonstrar que as premissas até aqui adotadas pelas decisões que têm sintetizado a posição do STJ e, por reflexo, dos TRFs não são acertadas.

1 A JURISPRUDÊNCIA DO STJ E DOS TRFS A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e, por reflexo e influência dela, dos Tribunais Regionais Federais, tem decidido e


Os fundamentos elencados em tais decisões podem ser assim sintetizados: – o art. 7º, IX e XVI, atribuiria ao adicional de horas extras natureza salarial; – os arts. 457 e 458 da CLT atribuiriam ao adicional de horas extras natureza salarial; e – o adicional de horas extras, a teor do art. 201, § 11, da CF/1988 integraria o salário de contribuição e o salário de benefício do empregado.

Examinaremos, a seguir, cada uma das premissas citadas, não sem antes registrar desde já que, no presente trabalho, se está a tratar da contribuição social do empregador, a qual tem base de cálculo diversa e regramento distinto daqueles relativos às contribuições dos empregados, questão que não tem sido levada em consideração pelas decisões do STJ e TRFs.

2 DIFERENÇA ENTRE A CONTRIBUIÇÃO DO EMPREGADOR E A CONTRIBUIÇÃO DO EMPREGADO DO SETOR PRIVADO A contribuição do empregado vinculado ao regime celetista tem como base de incidência o salário de contribuição, rubrica esta que não se confunde com o salário percebido pelo empregado, já que o salário de contribuição, em razão da limitação estabelecida para o salário de benefício, sofre uma limitação que, hoje, beira os R$ 4.000,00. Assim, independentemente de o empregado ganhar um salário superior a R$ 4.000,00, a sua contribuição previdenciária inci-

dirá apenas sobre o salário de contribuição, uma vez que o seu benefício previdenciário (salário de benefício) será igualmente limitado, em valores de hoje, aos R$ 4.000,00. A razão do limitador da contribuição e, por isso, da criação do salário de contribuição é lógica e decorre da idêntica limitação estabelecida para o salário de benefício, e se justifica em razão de que não seria justo exigir contribuição sobre salário superior àquele que vai ser considerado para o cálculo do benefício. A contribuição do empregador, diferentemente do que ocorre no caso da contribuição do empregado, incide sobre a folha de salários, não sofrendo qualquer limitação. Vale dizer: qualquer valor recebido pelo empregado e que ostente natureza salarial, como tal se entendendo aquela verba que traduza contraprestação financeira pelo trabalho prestado ou posto à disposição do empregador, integrará a folha de salários e, por isso, constituirá base para a incidência das contribuições previdenciária e RAT a cargo do empregador. Não importa, para fim de integrar ou não a folha de salários, se a verba integrará ou não o salário de benefício do empregado ou se ela integra ou não o salário de contribuição deste. O fator que faz ou não a verba integrar a folha de salários é se tratar ou não de verba de natureza salarial. Se a verba ostentar tal natureza, ela integrará a folha de salários para fins de incidência das contribuições previdenciárias. Se ela não tiver natureza salarial, ela não integrará a folha de salários e, por isso, não será base para a incidência das contribuições. No caso do empregado vinculado ao Regime Geral da Previdência Social – RGPS, diferentemente, o que prepondera não é a natureza salarial em si, mas o fato de ela integrar ou não o salário de contribuição, e isto porque, como já se disse, mesmo verbas de natureza salarial que extrapolem o limite do salário

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afirmado que o adicional de horas extras possui natureza salarial/ remuneratória, de sorte que, por isso e por supostamente integrar os salários de contribuição e benefício, deve ele integrar a base de incidência das contribuições previdenciárias.

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de contribuição não serão dele integrantes e, por conseguinte, não serão base para a contribuição do empregado.

salário de contribuição, não contribuindo sobre as verbas que não forem consideradas para os seus proventos.

O grande diferencial entre a contribuição do empregado e a do empregador, assim, é o fato de que, com relação ao primeiro, o que importa é se a verba integra o salário de contribuição, enquanto que, para o caso do empregador, o fator distintivo é se tratar de verba de natureza salarial.

Assim, é invalida a aplicação, em discussões que se debruçam sobre a contribuição previdenciária e RAT a cargo do empregador, do raciocínio anteriormente fustigado.

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Diante de tal distinção, não remanesce dúvida de que não se pode, com vistas a legitimar a cobrança de contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre adicional de horas extras, argumentar que tal verba integraria o salário de benefício da futura aposentadoria do empregado.

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Mais uma vez se diz – sem por ora discutir aqui se a hora extra integra ou não os salários de contribuição/benefício – que a relação entre salário de benefício e salário de contribuição, a teor da qual o que integra e é considerado para o primeiro, deve, por conseguinte, integrar e ser considerado na composição do segundo, não é regra nem raciocínio que se possa aplicar à contribuição do empregador, eis que esta não decorre da relação e equilíbrio atuarial entre contribuição e benefício, mas sim, e por força legal, se justifica em razão da natureza jurídica da verba, já que a lei, tanto em nível constitucional quanto infraconstitucional, fixou que é a folha de salário, portanto verbas salariais, a base da contribuição do empregador. Por força do sistema normativo (constitucional e infraconstitucional), o empregador contribui para a previdência social sobre tudo aquilo que pagar ao seu empregado em contraprestação ao trabalho efetivamente prestado ou posto à disposição. O empregado, ao contrário, contribui sobre todas as verbas que por força de lei devam ser consideradas e incorporadas ao seu futuro benefício previdenciário, considerada em qualquer hipótese a limitação legal do benefício e, por conseguinte, do

3 O ARTIGO 201, § 11, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – IMPOSSIBILIDADE DE NELE JUSTIFICAR A EXIGÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A CARGO DO EMPREGADOR Ora, como evidenciado supra, é abissal a diferença entre os motivos pelos quais pode ser exigida contribuição previdenciária do empregado vinculado ao RGPS e do empregador, e isto porque também abissal a diferença entre a hipótese de incidência de uma e de outra contribuição, valendo mais uma vez ressaltar que, para integrar a base de cálculo da contribuição do empregado, a verba obrigatoriamente deve ser daquelas que integrarão os seus proventos de aposentadoria, enquanto que, para integrar a base das contribuições do empregador, tal verba deve unicamente se tratar de verba cuja natureza seja salarial. Isso, por si só, seria o bastante para impedir que se justifique, na regra prevista para a contribuição dos empregados (art. 201, § 11, da CF/1988), os motivos para a inclusão de verbas na base de cálculo da contribuição devida pelo empregador. Todavia, outro motivo há e tão relevante quanto o até aqui exposto. Com efeito, a despeito do que se disse nos tópicos anteriores, importa destacar que, a teor do § 11 do art. 201 da CF/1988, apenas as parcelas pagas com habitualidade integram o salário de benefício e, por conseguinte, o salário de contribuição, o que


Assim, não é verdadeiro afirmar que as horas extras – quer no que respeita ao pagamento feito em contraprestação ao trabalho em si, quer no que respeita ao adicional de horas extras –, como regra, integrem o salário de benefício, e isto porque, como antes se disse, a hora extra é, por sua natureza, condicional e eventual. Ora, tanto o § 11 do art. 201 da CF/1988 quanto o art. 28, § 9º, item 7, letra e, da Lei nº 8.212/1991 são enfáticos – o primeiro a contrário senso – ao excluírem do salário de contribuição e de benefício as importâncias recebidas a título de ganhos eventuais. Aliás, exatamente por tal motivo já decidiu o Excelso STF que o adicional de horas extras não integra a base das contribuições previdenciárias dos servidores públicos: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE AS HORAS EXTRAS E O TERÇO DE FÉRIAS – IMPOSSIBILIDADE – PRECEDENTES – Esta Corte fixou entendimento no sentido que somente as parcelas incorporáveis ao salário do servidor sofrem a incidência da contribuição previdenciária. Agravo regimental a que se nega provimento.1

No mesmo sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – CONTRIBUIÇÃO SOCIAL INCIDENTE SOBRE HORAS EXTRAS E TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS – IMPOSSIBILIDADE – Somente as parcelas incorporáveis ao salário do servidor sofrem a incidência da contribuição previdenciária. Agravo regimental a que se nega provimento.2 1 AI 727958-AgRg, 2ª T., Rel. Min. Eros Grau, J. 16.12.2008, DJe-038 Divulg. 26.02.2009, Publ. 27.02.2009; Ement., v. 02350-12, p. 02375. 2 RE 389903-AgRg, 1ª T., Rel. Min. Eros Grau, J. 21.02.2006, DJ 05.05.2006,

Assim, como se vê, apenas nos casos em que as horas extras forem habituais, não eventuais – o que não é a regra tampouco a natureza das horas extras –, é que as mesmas, em tese, poderiam vir a incorporar o salário para fins de benefício, e, ainda assim, desde que não ultrapassassem o limite para este fixado no RGPS, não sendo razoável afirmar, pois, que o adicional de horas extras integra o salário de contribuição para fins de cálculo do salário de benefício. Assim, a premissa que tem sido adotada nas decisões que hoje afirmam legal a incidência das contribuições em questão sobre o adicional de horas extras se mostra equivocada.

4 O ARTIGO 7º, INCISOS IX E XVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – IMPOSSIBILIDADE DE NELES JUSTIFICAR A EXIGÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A CARGO DO EMPREGADOR Outro fundamento que tem sido invocado nas decisões que afirmam legal a cobrança de contribuições previdenciárias do empregador sobre o adicional de horas extras é o de que a natureza salarial e remuneratória do referido adicional estaria consagrada nos incisos IX e XVI do art. 7º da CF/1988. São do seguinte teor os incisos IX e XVI do art. 7º da Constituição Federal vigente: [...] IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; [...] p. 00015; Ement., v. 02231-03, p. 00613.

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não é o caso do adicional de horas extras, haja vista que as horas extras englobam-se dentro do conceito de verbas transitórias, eventuais, cujo pagamento, por isso, está condicionado à sua ocorrência.

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XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; [...].

As normas em questão contêm a expressão “remuneração”. Tal constatação, todavia, não permite afirmar que tais normas, por isso, atribuam ao adicional de horas extras natureza remuneratória. A expressão “remuneração”, em seu sentido latu, ao mesmo tempo em que pode significar contraprestação e pagamento pelo trabalho, pode também significar recompensa.

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Recompensar, segundo um dos seus significados listados no dicionário on-line “Michaellis” (http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues), é indenizar, reparar.

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Assim, não se pode dizer que, pelo simples fato de utilizarem a expressão “remuneração”, os incisos IX e XVI do art. 7º teriam atribuído ao adicional de horas extras natureza remuneratória ou salarial, uma vez que, como dito, as normas em questão utilizaram a expressão remuneração em seu sentido latu, nelas não contendo qualquer elemento que permita concluir que a expressão remuneração tenha sido usada como sinônimo de “pagamento do trabalho”. O exame dos dois dispositivos evidencia que os comandos neles contidos simplesmente determinam que o trabalho noturno e o trabalho em jornada extraordinária sejam acrescidos de adicional que o remunere (sentido latu) em patamar superior ao da jornada normal. As normas em questão asseguram o direito à remuneração majorada por meio de adicional, sem, contudo, descerem ao detalhe de identificar qual é a natureza jurídica de tal adicional, sendo relevante, mais uma vez, ressaltar que entre os vários

significados da palavra “remuneração” consta como sinônimo o verbo indenizar. Os incisos IX e XVI, assim, asseguram a remuneração/indenização da jornada noturna por um adicional que a majore em relação à jornada normal. Assim, não se pode sustentar que a natureza do adicional de horas extras seja remuneratória, na acepção de contraprestação pecuniária do labor, porque os incisos IX e XVI do art. 7º da Constituição assim o diriam, porque tais normas assim não o dizem. Se a expressão possui, entre os seus sinônimos, dois significados distintos (pagamento e contraprestação do labor ou recompensa e indenização do descanso sacrificado), não pode o intérprete e aplicador da lei simplesmente optar por um deles. A interpretação do correto significado da expressão utilizada na norma deve se dar à luz dos demais elementos técnicos, científicos e jurídicos que, sistematicamente analisados, permitirão identificar em cada caso o significado correto da norma. Oportuno registrar, nesse ponto, que o Excelso STF, que constitucionalmente detém a prerrogativa de uniformizar a interpretação das normas constitucionais, no exercício de seu mister jurisdicional, já consagrou que o adicional de horas extras possui natureza indenizatória. Com efeito, em acórdão em que foi Relator o culto Ministro Gilmar Mendes, no RE 545317/DF, restou assentado que o adicional de hora extra possui natureza indenizatória e, por isso, não integra a base de cálculo das contribuições previdenciárias. Confira-se a ementa: Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Prequestionamento. Ocorrência. 3. Servidores públicos federais. Incidência de contribuição


previdenciária. Férias e horas extras. Verbas indenizatórias. Impossibilidade. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.3

5002063-28.2010.404.7108, 1ª Turma do eg. TRF da 4ª Região, Relator p/o Acórdão Joel Ilan Paciornik, DE 12.07.2012:

Logo, se a Corte, a qual a Constituição Federal atribui o mister de interpretar e unificar a interpretação da Constituição da República, afirma por sua reiterada jurisprudência que a natureza jurídica do adicional de horas extras é indenizatória, soa evidente o equívoco da interpretação emprestada à referida norma pela jurisprudência atual do STJ e dos TRFs.

Sobeja a conclusão de que o fato gerador referido no art. 195, inciso I, da Constituição, na sua redação original, envolve todas as verbas alcançadas pelo empregador, a título de remuneração, ao empregado que lhe presta serviços. Importa, para elucidar a inteligência desse dispositivo, verificar a natureza dos pagamentos feitos ao empregado, não a denominação da parcela integrante da remuneração. Se tiver caráter salarial, enquadra-se na hipótese de incidência da norma prescrita na Constituição; se não o tiver, o legislador ordinário não pode elencá-lo como fato gerador da contribuição previdenciária, incorrendo em inconstitucionalidade caso o faça. A prescrição constitucional restou observada na Lei nº 8.212/1991, sendo arrolados os casos em que não está presente a natureza salarial no § 9º do art. 28 da Lei nº 8.212/1991. Esse rol não é exaustivo, podendo ocorrer situação não prevista pelo legislador que não enseje a cobrança da contribuição. [...].4

5 INTERPRETAÇÃO QUE COLIDE COM OUTROS DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS A interpretação no sentido de que os incisos IX e XVI teriam atribuído ao adicional de horas extras natureza remuneratória não é compatível com a interpretação sistemática das normas constitucionais que incidem na espécie aqui em comento. Com efeito, a dicção “[...] demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título...” constante da alínea a do inciso I do art. 195 da CF/1988 deixa bastante claro que somente podem ser fato gerador de contribuição previdenciária os rendimentos pagos em contraprestação ao trabalho em si. A propósito e em convergência com o entendimento esposado anteriormente, cita-se excerto de voto da lavra do culto Desembargador Joel Ilan Paciornick no julgamento da Ap-Reex 3 RE 545317-AgRg, 2ª T., Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 19.02.2008, DJe047 Divulg. 13.03.2008, Publ. 14.03.2008; Ement., v. 02311-06, p. 01068; LEXSTF, v. 30, n. 355, 2008, p. 306-311.

Na mesma linha, pela costumeira excelência que lhe é peculiar, vale citar o magistério do culto Jurista Ives Gandra Martins em artigo publicado na Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário (n. 19): Um segundo ponto preambular é também de ser comentado. O art. 195 da CF, antes da Emenda nº 20/1998, tinha a seguinte dicção: [...] Alguns intérpretes mal avisados pretenderam ler, na expressão “rendimentos do trabalho pago ou creditados a qualquer título”, que qualquer que fosse o benefício recebido pelo trabalhador – ou seja remuneratório do trabalho ou indenizatório – estaria sujeito à contribuição previdenciária. Apenas uma leitura superficial do dispositivo poderia levar a tais conclusões. 4 TRF 4ª R., Ap-Reex 5002063-28.2010.404.7108, 1ª T., Rel. p/o Ac. Joel Ilan Paciornik, DE 12.07.2012.

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É equivocado afirmar que os incisos IX e XVI do art. 7º da Carta vigente dizem aquilo que os mesmos não dizem, especialmente quando tal interpretação é contrária e colidente com outras normas constitucionais.

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Em um exame mais aprofundado do dispositivo verifica-se que somente as remunerações do trabalho, exclusivamente do trabalho e rigorosamente do trabalho, é que são tributadas pela referida contribuição. A dicção é claríssima: demais rendimentos do trabalho. Nem mesmo uma expressão mais abrangente, como: de trabalho foi adotada pelo constituinte.

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Muito embora tenha eu a impressão de que, mesmo que tivesse dito “de trabalho” (expressão genérica) e não “do trabalho” (expressão específica e limitativa), apenas as remunerações devidas pelo trabalho, continuariam sendo tributáveis; vale dizer, quaisquer formas possíveis de rendimentos que fossem originados do trabalho. Não falou, o constituinte, que as compensações, as indenizações pela perda do lazer ou do descanso deveriam ser incididas. E a jurisprudência, de resto, consagrou esse entendimento, nos diversos Tribunais e instâncias, tendente, inclusive, a alcançar outras formas indenizatórias, como se vê nos acórdãos abaixo transcritos:

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“[...] 2. A contribuição previdenciária incide sobre base de cálculo de nítido caráter salarial, de sorte que não a integra as parcelas de natureza indenizatória. 3. O auxílio-creche, conforme precedente da Primeira Seção (EREsp 394.530/PR), não integra a base de cálculo da contribuição previdenciária. 4. O auxílio-quilometragem, quando pago ao empregado como indenização pelo uso de seu veículo particular no serviço da empresa, mediante prestação de contas, é de caráter indenizatório, não servindo de base para a cobrança de contribuição previdenciária. 5. A gratificação-semestral equivale a participação nos lucros da empresa, cuja natureza jurídica é desvinculada do salário, por força de previsão constitucional (art. 7º, XI), estando previsto na Lei das Sociedades Anônimas o pagamento da parcela, o que descarta a incidência da contribuição para a Previdência Social. [...] Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Castro Meira e Francisco Peçanha Martins votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Franciulli Netto.” (REsp 420390/PR, 2002/0031526-0, 2ª T., Relª Min. Eliana Calmon (1114), DJ 11.10.2004, p. 257)

“VERBAS INDENIZATÓRIAS – FÉRIAS NÃO GOZADAS – LICENÇA-PRÊMIO E APIP – NÃO-INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA – AJUSTE ANUAL DO TRIBUTO – DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO PARA FINS DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL CONFIGURADA – VIOLAÇÃO AOS ARTS. 165 DO CTN E 66 DA LEI Nº 8.383/1991 – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – PRECEDENTES – [...]” (REsp 769364/PR, 2ª T., Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 06.03.2006) “Repetição de indébito. Imposto de Renda Retido na Fonte. Férias não gozadas. Natureza indenizatória. Não-incidência. Desnecessidade de comprovação pelo contribuinte de que não houve compensação dos valores indevidamente retidos na declaração anual de ajuste. Orientação sedimentada em ambas as Turmas da 1ª Seção. REsp improvido.” (REsp 733.104/SC, 1ª T., Rel. Min. Teori Albino Zavascki) “NÃO-INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA NOS VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE LICENÇA PRÊMIO, FÉRIAS E ABONO DE FÉRIAS – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 83/STJ – A impossibilidade dos recorridos de usufruir dos benefícios, criada pelo empregador ou por opção deles, titulares, gera a indenização, porque, negado o direito que deveria ser desfrutado in natura, surge o substitutivo da indenização em pecúnia. O dinheiro pago em substituição a essa recompensa não se traduz em riqueza nova, nem tampouco em acréscimo patrimonial, mas apenas recompõe o patrimônio do empregado que sofreu prejuízo por não exercitar esse direito. O adicional de 1/3 sobre as férias, quando estas são gozadas, tem natureza salarial, estando, portanto, sujeito à tributação; contudo, quando as férias são indenizadas sendo o adicional um acessório, segue a sorte do principal, não estando, também, sujeito à incidência do Imposto de Renda. Não-configurada, portanto, hipótese de incidência do imposto de renda previsto no art. 43 do CTN.Incidência da Súmula nº 83 deste Sodalício. Recurso especial não-conhecido.” (REsp 663.396/CE, 2ª T., Rel. Min. Franciulli Netto)5 5 MARTINS, Ives Gandra da Silva. A natureza não salarial do adicional de horas extras: caráter indenizatório e não sujeição à incidência do imposto sobre a renda e das contribuições sociais. Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário, Porto Alegre: Magister, v. 4, n. 19, p. 5-19, jul./ago. 2007.


6 A NATUREZA INDENIZATÓRIA DO ADICIONAL DE HORA EXTRA Importante referir, ao início deste tópico, que o presente trabalho versa sobre a incidência das contribuições previdenciárias somente sobre o adicional de horas extras, ou seja, sobre aquele valor que é acrescido ao preço da hora normal trabalhada, e não sobre toda a sua remuneração. Exemplifica-se: se o trabalhador recebe ordinariamente R$ 100,00 pela hora trabalhada e R$ 150,00 pela hora extra trabalhada, aqui se está a tratar da incidência do tributo apenas sobre o acréscimo de R$ 50,00 incidente sobre o salário normal, vez que esse difere da remuneração, tendo por razão exatamente indenizar ao trabalhador o horário de descanso e de lazer sacrificado. Com efeito, quando o trabalhador labora durante o seu horário normal, a contraprestação salarial recebida tem por natureza remunerar, contraprestar a força de trabalho posta à disposição do empregador, o que se dá dentro daquele valor que, previamente, empregado e empregador ajustaram atribuir a esta força de trabalho. A natureza da contraprestação salarial, em hipóteses tais, é incontestavelmente remuneratória. Da mesma forma, quando, além da jornada normal o trabalhador avança com seu labor em jornada extraordinária, sua força

de trabalho continua a ser remunerada pelo mesmo valor que é remunerada a jornada normal, eis que se trata da mesma força de trabalho, a qual, por isso, tem o mesmo valor. Todavia, em razão de que o trabalhador, para empregar a sua força de trabalho na jornada extraordinária, obrigatoriamente tem de sacrificar o tempo que dispunha para o seu descanso, lazer e convívio familiar, em indenização a este sacrifício paga-se o adicional que a lei estipula para as horas extraordinárias, verba esta que, por isso, ostenta nítida natureza indenizatória. A jurisprudência atual, renovada vênia, parte de uma premissa equivocada, qual seja, a de que o referido adicional tratar-se-ia de mera remuneração que o empregado recebe complementarmente por estar trabalhando em jornada extra ou sob condições especiais. Mais uma vez se diz: a força de trabalho despendida na jornada extraordinária é remunerada pelo mesmo valor que remunera aquela despendida na jornada normal, porque, novamente se explica, trata-se da mesma força de trabalho. E isso não se discute. O que está em pauta é apenas o acréscimo decorrente das horas extras, a indenização pelo prejuízo oriundo do trabalho extraordinário. Quando o trabalhador labora em jornada normal, ele vende ao seu empregador a sua força de trabalho; quando em jornada extraordinária, além de vender a sua força de trabalho, sacrifica o seu tempo destinado ao descanso e lazer, prejuízo que é indenizado pelo adicional de horas extras. Diga-se, em prol da tese aqui advogada, que a quantidade de horas extras que o empregado pode laborar sofre limitação legal (art. 59 da CLT), que se dá exatamente em face da natureza prejudicial que o labor em jornada extraordinária representa ao direito de o obreiro repousar e estabelecer o seu convívio

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É, sem dúvida, pois, que a interpretação sistemática da Constituição Federal não conduz à conclusão outra que não a de que o adicional de hora extra não pode integrar a base de cálculo das contribuições previdenciárias/RAT, não se podendo atribuir aos incisos IX e XVI a interpretação que lhes tem sido dada pelos que defendem legal a cobrança de contribuição previdenciária sobre o adicional de horas extras.

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social e familiar. Tanto é assim que a prorrogação da jornada extraordinária além do limite legal é considerada infração que, aliás, não se elide nem com o pagamento da hora trabalhada e o seu respectivo adicional. Em suma: o labor em jornada extraordinária causa dano ao trabalhador e, por isso, o adicional que legalmente lhe é assegurado tem nítida natureza indenizatória. Enfatiza-se que tal é a natureza indenizatória do adicional de horas extras que quanto mais importante o período de descanso e de lazer sacrificado, maior o percentual do adicional de horas extras.

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Se o labor extraordinário foi prestado, por exemplo, no domingo ou feriado, o adicional, em regra, é bem maior do que aquele que incide na jornada extra desenvolvida em dia útil, pois o sacrifício do convívio familiar no dia de domingo ou feriado representa dano maior, demandando, por isso, indenização maior.

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Da mesma forma, a jornada extraordinária noturna, por representar sacrifício ao direito de repouso preferencial à noite, é mais danosa e, portanto, o adicional em hipóteses tais é mais elevado do que aquele previsto para o trabalho extraordinário em horário diurno. Não se tem dúvida, pois, que, quando o trabalhador labora em jornada extraordinária, ele lança mão de um direito, sacrificando-o, e, por isso, por este sacrifício faz jus à devida indenização, a qual está assegurada pelos incisos IX e XVI do art. 7º da Constituição da República e se dá pela incidência do adicional de horas extras, já que se trata de indenização em lei pré-tarifada. Aliás, hipótese em tudo análoga ao adicional de horas extras é a do abono de férias previsto nos arts. 143 e 144 da CLT, verba sobre a qual, por expressa previsão contida no item 6 da alínea

e do § 9º do art. 28 da Lei nº 8.212/1991, não incidem as contribuições previdenciárias. O abono de férias – que é a conversão em pecúnia de 1/3 do período de férias –, popularmente chamado de “férias vendidas”, é legalmente isento das contribuições previdenciárias, porque, nada obstante recebido em razão do trabalho que o obreiro prestou durante o período que por direito poderia ter gozado férias, como o adicional de horas extras, não se destina a contraprestar o trabalho, já que este será contraprestado pelo ordenado normal que o obreiro receberá pelos dias trabalhados. O valor do abono se destina a indenizar o período de descanso e lazer que o trabalhador sacrificou ao vender uma parte de suas férias. Ora, quando o trabalhador labora em jornada extraordinária, tal qual como o faz quando trabalha em período em que deveria estar gozando suas férias, sacrifica o seu período de descanso, lazer e convívio social e familiar. Logo, se no caso do abono pecuniário o valor por tal sacrifício recebido é pela lei reconhecido como indenizatório, por que o mesmo não ocorreria com o adicional de horas extras, que é o acréscimo pago ao trabalhador pelo mesmo sacrifício? A resposta é simples: não há motivo para dar a hipóteses análogas tratamento diferenciado. O adicional de horas extras tem natureza indenizatória, como também o tem o abono pecuniário, uma vez que ambos, sem distinção alguma, visam a compensar pecuniariamente a perda de um direito, qual seja, o direito ao descanso, ao lazer, ao convívio familiar e social, perda esta que se opera quando em um e outro caso o obreiro labora durante o período que, por força de lei, lhe era lícito e, considera a lei, necessário estar descansando. Ressalta-se que, como bem citado por Ives Gandra Martins em artigo de sua autoria intitulado “A natureza não salarial do


Já decidiu o STJ, sumulando inclusive a matéria, que os juízes que trabalham em Câmaras de Férias não recebem, por seu trabalho, vencimentos, mas indenização, visto que sacrificam, a bem do serviço público, seu lazer, para julgar as questões, hoje em número maior do que a capacidade do Poder Judiciário de atender aos jurisdicionados.6

Do mesmo artigo citado destaca-se: [...] Salários, subsídios, vencimentos recebidos como compensação de trabalho realizado em hora de lazer, não têm natureza remuneratória do trabalho, mas indenizatória de lazer perdido a bem do serviço público ou de terceiros. Não consigo ver qualquer diferença entre a remuneração de horas extras, em que o lazer do trabalhador é sacrificado por imposição da empresa, e a remuneração que percebem, por trabalharem nas férias, os desembargadores dos Tribunais Estaduais, embora esta seja considerada compensatória de lazer ou de descanso perdido, a favor do bem público.

nas de periculosidade e insalubridade, e isto porque, diferentemente do trabalho perigoso e insalubre, o trabalho extraordinário não é trabalho prestado em condições especiais. Com efeito, tanto o adicional de insalubridade quanto o de periculosidade majoram o preço do trabalho porque o consideram prestado em condições especiais. Ou seja, em razão das condições especiais em que o trabalho é prestado (ambiente insalubre ou em situação e perigo), o preço do trabalho é majorado pelos citados adicionais. No adicional de horas extras não é isso que se verifica, pois, como já se disse, o labor prestado em jornada extraordinária é o mesmo prestado na jornada normal e é prestado em condições idênticas ao prestado na jornada normal. O preço do trabalho, assim, é o mesmo e não sofre majoração alguma. O que o adicional de horas extras faz é produzir indenização pecuniária pelo direito sacrificado pelo empregado.

O sentido do art. 170 da CF, que tem os seus poderes maiores assentados na livre iniciativa e na valorização do trabalho humano, estaria fortemente maculado, se tal valorização do trabalho implicasse em “menos valia” do legítimo direito do trabalhador de gozar seu descanso e seu lazer, a não ser que compensado para trabalhar, durante o período em que deveria gozar de seu “direito de não trabalhar”.7

Aliás, tanto é assim que a legislação do trabalho permite que o labor prestado em jornada extraordinária seja compensado com a redução do labor prestado durante a jornada normal (banco de horas).

Como se vê, é incontestável a natureza indenizatória do adicional de horas extras, o que, salienta-se, é questão que o Excelso STF, como antes se evidenciou, vem reconhecendo e pacificando.

Assim, não resta dúvida de se estar diante de verba indenizatória. Dessa forma, não há que se falar em caráter remuneratório da parcela, tampouco se pode aceitar a sua inclusão na folha de salários como verba salarial.

Registre-se, por oportuno, que não é possível comparar, como tem feito a jurisprudência, o adicional de horas extras aos adicio6 Idem, p 5-19. 7 Idem, ibidem.

7 ARTIGOS 457 E 458 DA CLT – IMPOSSIBILIDADE DE SE DAR ÀS REFERIDAS NORMAS FORÇA DE TORNAR LÍCITA A COBRANÇA DE

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adicional de horas extras: caráter indenizatório e não sujeição à incidência do imposto sobre a renda e das contribuições sociais”:

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CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE O ADICIONAL DE HORAS EXTRAS Por fim, também não se mostra correto afirmar que a contribuição previdenciária deva incidir sobre o adicional de horas extras por força ou efeito do quanto dispõem os arts. 457 e 458 da CLT. Primeiro, porque as normas em questão não versam sobre as horas extras e os seus adicionais, referindo-se a gorjetas e pagamentos in natura, tais como habitação, alimentação, entre outros. Segundo, porque as verbas sobre as quais versam os arts. 457 e 458 da CLT não se confundem, do ponto da natureza jurídica, com o adicional de horas extras, e isto porque as rubricas ali mencionadas são aquelas que costumeiramente o empregador alcança ao empregado, in natura, para contraprestar o trabalho e não para indenizar dano ou direito sacrificado.

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Com efeito, quando o empregador dá ao seu empregado, in natura, veículo, habitação, alimentação, entre outros, ele não está indenizando nenhum sacrifício, mas, por via diversa e paralela ao salário, contraprestando in natura o trabalho. Por isso, nesta hipótese a lei estipula que, para todos os fins, tais contraprestações devem ser consideradas e integradas ao salário.

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O objetivo da lei é o de impedir a fraude aos direitos trabalhistas, assegurando a integridade do salário que deve servir de base para todos os demais consectários que a lei garante ao trabalhador. O adicional de horas extras, ao contrário, como à exaustão já se falou, além de ser eventual, condicionado à prestação do labor em jornada extraordinária – o que, por si só, já difere daquelas

rubricas mencionadas nos arts. 457 e 458 –, não se destina a contraprestar trabalho, eis que tal função é cumprida pelo preço normal da hora de trabalho, mas sim a indenizar o descanso sacrificado. Assim, não se mostra verdadeira também a premissa no sentido de que os arts. 457 e 458 atribuiriam ao adicional de horas extras natureza salarial.

CONCLUSÃO Deste modo, os valores pagos a título de indenização pelas horas extras, clara e notadamente os valores relativos ao adicional de hora extra, extrapolam o campo de incidência das contribuições previdenciárias e RAT, eis que o adicional ostenta nítida natureza indenizatória, sendo esta, inclusive, a interpretação dada pelo Excelso STF, não se mostrando corretas as premissas e os fundamentos adotados pelas decisões que têm reconhecido legítima a cobrança de contribuições previdenciárias sobre o adicional de horas extras.

REFERÊNCIA MARTINS, Ives Gandra da Silva. A natureza não salarial do adicional de horas extras: caráter indenizatório e não sujeição à incidência do imposto sobre a renda e das contribuições sociais. Revista Magister de Direito Trabalhista e Previdenciário, Porto Alegre: Magister, v. 4, n. 19, p. 5-19, jul./ago. 2007.


Doutrina

Controvérsias sobre a Indenização nas Ações de Desapropriação no Brasil ELÓI MARTINS SENHORAS Professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Especialista, Mestre e Doutor pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Visiting Scholar na University of Texas at Austin (UT), na Universidad de Buenos Aires (UBA), na Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (Flacso, Mexico), na Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e na National Defense University (NDU). Visiting researcher na University of British Columbia (UBC), na University of California, Los Angeles (UCLA) e na Escola de Administração Fazendária (ESAF). Professor visitante do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Outros trabalhos do autor podem ser encontrados em http://works.bepress.com/eloi.

ARIANE RAQUEL ALMEIDA DE SOUZA CRUZ Auxiliar de Pesquisa, Auxiliar Jurídica, Bacharel em Direito e Estudante de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral.

A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em sua axiologia pró-liberal, consolidou a noção, que viria a se tornar clássica para a conformação contemporânea do Estado Democrático de Direito, de que a propriedade é sagrada, inviolável e que alguém só poderá perdê-la por meio do instituto da desapropriação por um motivo legalmente indicado, mediante prévia e justa indenização.

No mundo, esse fenômeno de longa duração, desde os remotos sistemas jurídicos da Antiguidade, passa a se consagrar em princípio e axiologia nos sistemas normativos da atualidade, com base no desenvolvimento dos campos do direito constitucional e do direito administrativo, ao se fundamentar pela noção liberal de pagamento de indenização nas ações de desapropriação da propriedade. No Brasil, a previsão de indenização por ações de desapropriação esteve presente desde a Carta Magna de 1824 em todas as subsequentes Constituições nacionais, com exceção à Carta Ditatorial do Estado Novo – e destaque às Constituições de 1934 e de 1988, quanto ao uso do adjetivo justo para qualificar a compensação (Campos Jr., 2004). A prevalência da lógica do interesse público sobre o interesse privado na Administração Pública conduziu naturalmente ao surgimento de ações de desapropriação como um instrumento do Estado que afeta o direito de propriedade, ao transferir bens para seu domínio ou de terceiros com determinadas finalidades pública e social mediante indenização. Conforme Cretella Jr. (1991), há um sentido amplo na desapropriação, por se tratar de um ato de direito público pelo qual a Administração Pública, fundamentado na necessidade pública, ou no interesse social, que subtrai em benefício próprio ou de terceiros os direitos de propriedade sobre determinado bem, mediante prévia e justa indenização, que confere sentido restrito à desapropriação. A desapropriação é um ato de direito público mediante o qual a administração, com base na necessidade pública, na utilidade pública ou no interesse social, desvincula um bem de seu legítimo proprietário para transferir sua


propriedade a um ente estatal ou a particulares, com prévia e justa indenização. (Pinto, 1994, p. 315)

Por um lado, a desapropriação caracteriza-se como um instrumento eficaz para efetivar a titulação da propriedade por parte do Poder Público, uma vez que representa um modo coativo de aquisição da propriedade no qual a parte expropriada ou o Poder Judiciário não podem contestar as justificativas da ação. Por outro lado, toda ação de desapropriação tem uma natureza estrutural de subotimização na aquisição e efetivação de titularidade da propriedade pelo Poder Público frente a outras opções como compra, permuta ou doação, haja vista o seu alto custo e tempo de tramitação processual. Independente dos prós e contras à desapropriação, observa-se uma característica suis generis a este instrumento jurídico para a aquisição de determinado bem pertencente a particular pelo Poder Público em função de justificação de necessidade ou de interesse social que é restrita de uso pelo Estado, tal como o usucapião, que é de utilização exclusiva da iniciativa particular.

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Quadro 1 – Classificação das ações de desapropriação

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Desapropriação por utilidade pública

Desapropriação por interesse social

Instituída pelo Decreto-Lei nº 3.365/1941 para casos de necessidade ou utilidade pública como a abertura de logradouros públicos, de saúde pública, de execução de planos de urbanização. Instituída pela Lei nº 4.132/1962 para casos de interesse social que visam à posse em terrenos nos quais se formam núcleos habitacionais ou à construção de casas populares. Instituída pela Lei Complementar nº 76/1993, que dispõe sobre o procedimento de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária.

Fonte: Pressburguer (1987).

Como o Poder Judiciário brasileiro concentra-se nas ações de desapropriação apenas à atividade de arbitrar ou fixar o valor das indenizações, sem incorrer em análise das justificativas que conduzem às ações de desapropriação, perícia e laudos técnicos são componentes indispensáveis e que merecem destaque. O que não for questionado pelo expropriado é tido, por força da disponibilidade conatural aos direitos patrimoniais, como aceito pelo administrado. Ora, se o expropriado, em sendo capaz, pode abrir mão da integralidade da indenização, nenhum impedimento que o faça quanto à parcela desta. Daí segue que o laudo pericial não poderá sugerir elevação no valor do bem quando, a esse respeito, não houver insurgência específica do particular. (Nobre Jr., 2004, p. 128)

Embora a desapropriação de bem público seja vedada ao particular, ela pode ser consentida em duas situações verticais em que o Poder Público se vê presente, segundo lógicas de hierarquização opostas, tanto de cima para baixo (top-down) quanto de baixo para cima (botton-up). A lógica top-down acontece quando o expropriante pertence ao nível de governo hierarquicamente superior, ad exemplum, nas situações em que a União desapropria bens dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, ou em que os Estados desapropriam bens dos Municípios contidos em seu território. A lógica botton-up, por sua vez, surge, com base no Decreto-Lei nº 178, de 16 de fevereiro de 1967, para a cessão gratuita para a transferência de imóvel da União, quando o interessado se tratar de Estados, Municípios, entidades privadas com finalidades sociais ou organizações sociais de interesse público. Independente da lógica de verticalização originária do poder, toda ação de desapropriação lato sensu incorre em um problema estrutural de falta de agilidade e de criação de insegurança jurídica, uma vez incorre em negociações políticas, muitas vezes entre diferentes escalas de poder, com recorrente espaço aberto para disputas judiciais exclusivamente quanto a valores.


A lógica da desapropriação tem, nos marcos constitucionais, a proposta de uma justa e prévia indenização, sem distinguir imóveis urbanos e rurais a fim de garantir a preservação do valor real e não se configurar como um confisco de bens, embora, na prática, gere uma distorção nos efeitos de direito de propriedade nos meios urbano e rural. No meio urbano, como as desapropriações não podem ser contestadas quanto às justificativas de suas fundamentações, os expropriados acabam contestando os valores de indenização sistematicamente, recorrendo até a última instância de apelação judicial, já que a lei determina que a indenização seja paga pelo “justo e prévio valor em dinheiro”, o que gera, em muitas das vezes, um ganho patrimonial de otimização. No meio rural, a ação expropriatória, a partir da Constituição de 1988, passa a impactar no direito de propriedade do meio rural quanto à finalidade produtiva, o que gera sintomaticamente perdas na otimização patrimonial devido a custos de oportunidade intertemporal, haja vista que a desapropriação, para fins de reforma agrária, em propriedades que não cumprem a função social, tem como resultado o “ônus” de uma indenização que é resgatada em títulos da dívida agrária, com carência mínima de dois anos e prazo de resgate de até vinte anos1. 1 “A intenção do legislador foi clara ao determinar que a propriedade rural só mereça respeito como direito individual preenchendo os requisitos previstos para a função social. Se não os atende, sofre a dupla penalidade: a) da intervenção pela desapropriação e b) da indenização respectiva em títulos da dívida agrária.” (Barros, p. 41)

Com base nessas discussões, conclui-se que o instrumento da desapropriação tem uma relevância estratégica para a garantia dos interesses público e social, embora, no Brasil, tenha trazido efeitos assimétricos no campo e na cidade, de maneira a ser pró-ativo à reforma agrária, embora apresentando grau de subotimização frente a outros instrumentos jurídicos para a transferência de propriedade por parte do Poder Público devido aos elevados custos nas cidades frente à possibilidade de uso de outros institutos.

REFERÊNCIAS BARROS, W. P. Curso de direito agrário e legislação complementar. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. BRASIL. Decreto-Lei nº 3.365, 21 de junho de 1942. Disponível em: www. planalto.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2013. ______. Decreto-Lei nº 178, de 16 de fevereiro de 1967. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2013. ______. Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962. Disponível em: www. planalto.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2013. ______. Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2013. CAMPOS JR., R. A. O problema da indenização das áreas de preservação florestal. Revista da Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 6, 2004. COMPANS, R. A regularização fundiária de favelas no estado do Rio de Janeiro. Revista Rio de Janeiro, n. 9, jan./abr. 2003. CRETELLA JR., J. Comentários à lei da desapropriação. Rio de Janeiro: Forense, 1991. NOBRE JR., E. P. A prova técnica na desapropriação agrária. Revista da Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, n. 6, 2004. PINTO, F. Curso de direito agrário. São Paulo: Saraiva, 1994. PRESSBURGUER, M. Para conhecer a desapropriação. Rio de Janeiro: Ajup/Fase, 1987.

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Para evitar que a ação se prolongue indefinidamente, na maioria das vezes o Poder Público negocia com o expropriado o pagamento de importância superior ao real valor de mercado, onerando sobremaneira o custo desta operação imobiliária, além de contribuir para a elevação dos preços do mercado imobiliário como um todo. (Compans, 2003, p. 47)

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Acórdão na Íntegra

Superior Tribunal de Justiça Recurso em Mandado de Segurança nº 43.139/DF (2013/0207185-2) Relatora: Ministra Eliana Calmon Recorrente: Raulino Palha de Miranda Advogados: Vagney Palha de Miranda Laurinda Palha Neta Recorrido: União EMENTA ADMINISTRATIVO – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO PARA A MAGISTRATURA – PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL – DIREITO AUTORAL – MATÉRIA RELACIONADA AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE E DA PROPRIEDADE, AMBOS CONSAGRADOS NO DIREITO CIVIL – SEGURANÇA DENEGADA 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência no sentido de que o exame dos atos da banca examinadora e das normas do edital de concurso público pelo Judiciário restringe-se aos aspectos da legalidade e da vinculação ao edital (Precedentes). 2. Embora regulados em legislação específica (Lei nº 9.610/1998), os direitos autorais decorrem, em seus aspectos moral e patrimonial, respectivamente, dos direitos da personalidade e da propriedade, ambos consagrados no Direito Civil. 3. Se o edital prevê expressamente conhecimentos acerca dos direitos da personalidade e da propriedade, é possível ao examinador formular questões relacionadas a direito autoral. 4. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior

Tribunal de Justiça “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)”. Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília/DF, 17 de setembro de 2013 (data do Julgamento). Ministra Eliana Calmon Relatora RELATÓRIO A Exma. Sra. Ministra Eliana Calmon: Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto com fundamento no art. 105, II, b, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assim ementado: ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO – PROVA DISSERTATIVA – IMPUGNAÇÃO DE QUESTÃO – ADEQUAÇÃO AO EDITAL – SEGURANÇA DENEGADA 1. Considerando que o tema “direitos autorais” integra os direitos da personalidade/propriedade, tópicos estes incluídos no Programa de Direito Civil, desarrazoada a impugnação à questão contida em prova dissertativa do XIV Concurso Público para provimento de cargo de Juiz Federal Substituto do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. 2. A competência do Poder Judiciário, em se tratando de concurso público, limita-se ao exame da legalidade das normas instituídas no edital e dos atos praticados na realização do certame, sendo vedado o exame dos critérios de formulação de questões, de correção de provas e atribuição de notas aos candidatos, matérias cuja responsabilidade é da banca examinadora. Apenas excepcionalmente, em havendo flagrante ilegalidade de questão objetiva de prova de concurso público


3. Agravo Regimental não conhecido. Segurança denegada.

VOTO A Exma. Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): O recurso não merece prosperar.

Afirma o requerente, participante do XIV Concurso Público de Juiz Federal Substituto do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que impetrou mandado de segurança impugnando a segunda parte da Questão 2 da prova discursiva (P2), realizada em janeiro do corrente ano, em razão da cobrança, pela banca examinadora, de matéria estranha ao edital do certame, que consistia em saber as diferenças e semelhanças entre direitos de propriedade industrial e direitos autorais.

A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a competência do Poder Judiciário, em matéria de concurso público, restringe-se à análise da observância aos princípios da legalidade e da vinculação ao edital, sendo-lhe vedado substituir-se à banca examinadora para rever os critérios de correção de provas e de atribuição de notas.

Sustenta que o edital não previa a cobrança de questões versando sobre direito autoral, matéria sui generis que não apresenta analogia com nenhum outro ramo do direito, não se podendo afirmar que simples previsão editalícia acerca dos direitos da personalidade e do direito de propriedade seja suficiente para a cobrança de tema específico envolvendo direito autoral.

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA – ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO – ANALISTA JUDICIÁRIO DO TJDFT (ÁREA JUDICIÁRIA, ESPECIALIDADE EXECUÇÃO DE MANDADOS) – PROVA OBJETIVA – ANULAÇÃO DE QUESTÃO – CORREÇÃO E MÉRITO DAS FORMULAÇÕES – COMPETÊNCIA DA BANCA EXAMINADORA – INADMISSIBILIDADE DE REVISÃO JUDICIAL – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – CORRELAÇÃO TEMÁTICA COM O CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DO EDITAL – POSSIBILIDADE DE EXAME PELO PODER JUDICIÁRIO – INEXISTÊNCIA DE INCONSISTÊNCIA

Ressalta que a anulação do item elaborado com vício levaria a nota da prova subjetiva para 6,15, suficiente para ter suas sentenças corrigidas. Traz julgados desta Corte nos quais se decidiu que não é razoável exigir que candidatos tenham que expor conhecimentos de temas que não foram prévia e expressamente exigidos no respectivo edital da abertura. Requer seja o presente recurso conhecido, processado e provido para o fim de reformar o acórdão recorrido. Decorrido o prazo para apresentação das contrarrazões e admitido o recurso na origem, subiram os autos. O Ministério Público Federal opina pelo não provimento do recurso. É o relatório.

Nesse sentido, os seguintes julgados:

[...] 2. Não há falar em teratologia das questões formuladas em prova objetiva de concurso público se não apresentam incoerências nem duplicidade de respostas ou ausência destas. 3. Não cabe ao Poder Judiciário, no exercício do controle jurisdicional de legalidade do concurso público, substituir a banca examinadora, em respeito ao princípio constitucional da separação de poderes, mormente se for para reexaminar critérios de correção de provas e de atribuição de notas, ou, ainda, para revisar conteúdo de questões ou parâmetros científicos utilizados na formulação de itens. 4. O Poder Judiciário pode examinar se a questão objetiva em concurso público foi elaborada de acordo com o conteúdo programático previsto no edital do certame, pois tal proceder constitui aspecto relacionado ao princípio da legalidade, e não ao mérito administrativo. Em se tratando de mandado de segurança, a prova deve vir pré-constituída, sendo vedada a dilação probatória.

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ou a ausência de observância às regras previstas no edital, tem-se admitido sua anulação pelo Judiciário por ofensa ao princípio da legalidade. Precedentes.

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5. Das provas documentais trazidas aos autos, infere-se que inexiste desconformidade entre os temas tratados nas questões impugnadas e o conteúdo programático do edital. 6. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no RMS 29.039/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, Julgado em 25.09.2012, DJe de 02.10.2012) ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO – INSCRIÇÃO EM VAGAS RESERVADAS A AFRODESCENDENTES – BANCA EXAMINADORA CONSIDEROU QUE O CANDIDATO NÃO OBEDECE AOS CRITÉRIOS DO EDITAL – AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO 1. A atuação do Poder Judiciário em concursos públicos deve se restringir à verificação da observância dos princípios da legalidade e da vinculação ao edital, em razão da discricionariedade da Administração Pública. Precedentes do STJ. 2. In casu, ficou constatado pelo acórdão recorrido que não há direito líquido e certo a ser protegido, pois há obediência pela Banca Examinadora dos critérios de avaliação da condição de afrodescendente do candidato, previstos no edital do concurso, bem como dos princípios constitucionais da legalidade e da igualdade. 3. Agravo Regimental não provido.

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(AgRg no RMS 33.654/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, Julgado em 14.08.2012, DJe de 27.08.2012)

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No caso, a controvérsia está delimitada pela alegação de que o edital não previa a cobrança de questões versando sobre direito autoral, matéria sui generis que não apresenta analogia com nenhum outro ramo do direito. Defende o recorrente que simples previsão editalícia acerca dos direitos da personalidade e do direito de propriedade não é suficiente para a cobrança de tema específico envolvendo direito autoral. De acordo com o edital do certame, a prova discursiva (P2) versou sobre matéria do programa (Anexo I) e noções gerais de Direito e formação humanística (conforme matérias discriminadas no Anexo II).

A questão impugnada pelo requerente está assim formulada: “Estabeleça as principais semelhanças e diferenças entre propriedade intelectual e propriedade convencional, bem como as existentes entre os direitos de propriedade industrial e os direitos autorais” (grifei). No conteúdo de Direito Civil, conforme regras do edital (Anexo I), o examinador inseriu os seguintes temas: 1. Lei de Introdução ao Código Civil. Pessoas naturais: Personalidade e capacidade. Direitos da personalidade. Morte presumida. Ausência. Tutela. Curatela. Pessoas jurídicas: Conceito. Classificação. Registro. Administração. Desconsideração da personalidade jurídica. Associações. Fundações. 2. Domicílio. Bens. Negócios jurídicos: conceito. Representação. Condição. Termo. Encargo. Defeitos. Invalidade. Atos jurídicos lícitos e ilícitos. 3. Prescrição e decadência. Prova. 4. Obrigações: conceito. Elementos constitutivos. Modalidades. Transmissão. Adimplemento e extinção. Inadimplemento. 5. Contratos em geral: teoria geral dos contratos. Princípios. Elementos constitutivos. Pressupostos de validade. Revisão. Extinção. 6. Contratos em espécie: compra e venda. Permuta. Contrato Estimatório. Doação. Locação. Empréstimo. Prestação de serviço. Empreitada. Depósito. Mandato. Comissão. Agência e distribuição. Corretagem. Transporte. Seguro. Constituição de renda. Jogo e aposta. Fiança. Transação. Compromisso. Atos unilaterais: promessa de recompensa. Gestão de negócios. Pagamento indevido. Enriquecimento sem causa. 7. Responsabilidade civil. Elementos. Responsabilidade por fato de outrem. Responsabilidade por fato da coisa. Teorias subjetiva e objetiva da responsabilidade civil. Dano moral e material. Indenização. 8. Posse. Definição. Natureza jurídica. Classificação de posse. Aquisição da posse. Efeitos da posse. Composse. Proteção possessória. Perda da posse. Propriedade. Definição. Elementos. Classificação. Extensão da propriedade. Restrições à propriedade. Aquisição ou constituição da propriedade. Propriedade imóvel. Propriedade móvel. Propriedade


9. Superfície. Servidões. Usufruto. Uso. Habitação. Penhor. Hipoteca. Registros públicos. Estatuto da Terra. (sem destaque no original)

Embora regulados em legislação específica (Lei nº 9.610/1998), os direitos autorais decorrem, em seus aspectos moral e patrimonial, respectivamente, dos direitos da personalidade e da propriedade, ambos consagrados no Direito Civil, valendo conferir, a esse respeito, a lição de Carlos Alberto Bittar e Carlos Alberto Bittar Filho, in verbis: Os direitos respeitantes ao liame pessoal entre autor e obra são inseridos, pela doutrina, na categoria dos direitos da personalidade, muito embora decorram, por força do poder de exploração econômica da criação, proventos considerados direitos patrimoniais, ou seja, de cunho real. (Tutela dos direitos da personalidade e dos direitos autorais nas atividades empresariais. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 19)

Não destoam desse entendimento as lições doutrinárias citadas no acórdão recorrido, as quais peço vênia para transcrever: Uns entendem-no como um direito da personalidade (Bertand, Dahn, Bluntschli, Heymann, Tobias Barreto e Gierke), pois o direito de autor constitui um elemento de personalidade, cujo objeto é a obra intelectual, tida como integrante da esfera da própria personalidade. Outros, como Kohler, Escarra e Dabin, Ahrens, Ihering, Demburg, consideram-no como uma modalidade especial de propriedade, ou seja, a propriedade incorpórea, imaterial ou intelectual. (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 27. ed. São Paulo: Saraiva, v. 4, direito das coisas, 2010. p. 344) Concluindo, portanto, o direito autoral é considerado sui generis pela doutrina porque é composto por uma vertente moral e outra patrimonial, sendo certo que, como direito subjetivo patrimonial, é tecnicamente um direito de propriedade – intelectual, especificamente –, portanto, trata-se de direito real, a encontrar guarida no art. 1.225, I, do Novo Diploma Civil.

Já quanto ao seu aspecto moral, a doutrina o considera como parte integrante do rol dos direitos da personalidade, caracterizados por serem inerentes ao indivíduo, como pressuposto da sua própria condição humana. (CASASSANTA, Eduardo M. de Castro. Gestão coletiva dos direitos autorais: análise da Lei nº 9.610/1998. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2009. p. 33)

Entende-se, pois, que o tema relacionado ao direito autoral é ínsito às matérias do conteúdo de Direito Civil, valendo destacar que o edital, ao longo de todo o conteúdo programático, não restringiu o alcance das matérias passíveis de avaliação mediante citação de legislação específica sobre determinado assunto. Em situação análoga, já decidiu esta Corte que “se o edital exige conhecimentos acerca dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, é, no mínimo, exigível que o candidato conheça a jurisprudência da Corte Suprema – a quem incumbe, em última instância, a exata interpretação das normas constitucionais – a respeito desse tema, bem como de todos aqueles inseridos no conteúdo de Direito Constitucional. Dentre as diversas fontes do Direito estão a lei, a doutrina e a jurisprudência, não se podendo pretender que o examinador tenha a sua área de atuação restrita à letra fria da lei” (RMS 19.353/RS, Relª Min. Denise Arruda, Primeira Turma, Julgado em 27.02.2007, DJ de 14.06.2007). Mutatis mutandi, se o edital previu expressamente conhecimentos acerca dos direitos da personalidade e da propriedade, não resta dúvida acerca da possibilidade de o examinador formular questões relacionadas ao direito autoral, sobretudo em se tratando de concurso de tamanha importância, destinado ao provimento do cargo de magistrado, devendo o candidato demonstrar absoluto domínio de toda a matéria jurídica constante do edital. Com estas considerações, nego provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança. É o voto.

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resolúvel e fiduciária. Perda da propriedade móvel e imóvel. Função social da propriedade. Política agrícola e reforma agrária.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA Número Registro: 2013/0207185-2 Processo Eletrônico RMS 43.139/DF Números Origem: 00315468820124010000 315468820124010000

Laurinda Palha Neta Recorrido: União Assunto: Direito administrativo e outras matérias de direito público – Concurso público/edital – Anulação e correção de provas/ questões

Pauta: 17.09.2013 Julgado: 17.09.2013

CERTIDÃO

Relatora: Exma. Sra. Ministra Eliana Calmon Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. José Flaubert Machado Araújo Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

AUTUAÇÃO Recorrente: Raulino Palha de Miranda

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Advogados: Vagney Palha de Miranda

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Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.


Pesquisa Temática

Responsabilidade Civil Responsabilidade civil – acidente ferroviário – queda de trem – danos material e moral “Recurso especial. Civil. Responsabilidade civil. Acidente ferroviário. Queda de trem. Danos material e moral reconhecidos nas instâncias ordinárias. Dano estético autônomo. Direito à reparação. Recurso provido. 1. ‘É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral’ (Súmula nº 387/STJ), ainda que derivados de um mesmo fato, mas desde que um e outro possam ser reconhecidos autonomamente, sendo, portanto, passíveis de identificação em separado. 2. Na hipótese em exame, entende-se configurado também o dano estético da vítima, além do já arbitrado dano moral, na medida em que, em virtude de queda de trem da companhia recorrida, que trafegava de portas abertas, ficou ela acometida de ‘tetraparesia espástica’, a qual consiste em lesão medular incompleta, com perda parcial dos movimentos e atrofia dos membros superiores e inferiores. Portanto, entende-se caracterizada deformidade física em seus membros, capaz de ensejar também prejuízo de ordem estética. 3. Considera-se indenizável o dano estético, autonomamente à aflição de ordem psíquica, devendo a reparação ser fixada de forma proporcional e razoável. 4. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 812.506 – (2006/0005009-7) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 27.04.2012)

Responsabilidade civil – ato do preposto – culpa reconhecida “Responsabilidade civil. Ato do preposto. Culpa reconhecida. Responsabilidade do empregador (art. 1.521, inciso III, do CC/1916; art. 932, inciso III, do CC/2002). Ato praticado fora do horário de serviço e contra as ordens do patrão. Irrelevância. Ação que se relaciona funcionalmente com o trabalho desempenhado. Morte do esposo e pai dos autores. Culpa concorrente. Indenizações por danos materiais e morais devidas. 1. A responsabilidade do empregador depende da apreciação quanto à responsabilidade antecedente do preposto no dano causado – que é subjetiva – e a responsabilidade consequente do preponente, que independe de culpa, observada a exigência de o preposto estar no exercício do trabalho ou o fato ter ocorrido em razão dele. 2. Tanto em casos regidos pelo Código Civil de 1916 quanto nos regidos pelo Código Civil de 2002, responde o empregador pelo ato ilícito do preposto se este, embora não estando efetivamente no exercício do labor que lhe foi confiado ou mesmo fora do horário de trabalho, vale-se das circunstâncias propiciadas pelo trabalho para agir, se de tais circunstâncias resultou facilitação ou auxílio, ainda que de forma incidental, local ou cronológica, à ação do empregado. 3. No caso, o preposto teve acesso à máquina retro-escavadeira – que foi má utilizada para transportar a vítima em sua ‘concha’ – em razão da função de caseiro que desempenhava no sítio de propriedade dos empregadores, no qual a mencionada máquina estava depositada, ficando por isso evidenciado o liame funcional entre o ilícito e o trabalho prestado. 4. Ademais, a jurisprudência sólida da Casa entende ser civilmente responsável o proprietário de veículo automotor por danos gerados por quem lho tomou de forma consentida. Precedentes. 5. Pela aplicação da teoria da guarda da coisa, a condição de guardião é imputada a quem tem o comando intelectual da coisa, não obstante não ostentar o comando material ou mesmo na hipótese de a coisa estar sob a detenção de outrem, como o que ocorre frequentemente nas relações ente preposto e preponente. 6. Em razão da concorrência de culpas, fixa-se a indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), bem como pensionamento mensal em 1/3 do salário mínimo vigente à época de cada pagamento, sendo devido desde o evento danoso até a data em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos de idade. 7. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ – REsp 1.072.577 – (2008/0148222-2) – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 26.04.2012)

Responsabilidade civil – ausência de similitude fática entre os casos confrontados – divergência jurisprudencial não configurada “Processual civil. Embargos de divergência em recurso especial. Responsabilidade civil. Ausência de similitude fática entre os casos confrontados. Divergência jurisprudencial não configurada. Embargos de divergência não conhecidos. 1. De acordo com os ditames do Código de Defesa do Consumidor, os shoppings, hotéis e hipermercados que oferecem estacionamento privativo aos consumidores, mesmo que de forma gratuita, são responsáveis pela segurança tanto dos veículos quanto dos clientes. Aplicação, ainda, da inteligência da Súmula nº 130/STJ. 2. Ausência de similitude fática entre os arestos confrontados. Enquanto o acórdão recorrido constatou falha na prestação do serviço por parte do supermercado, o que caracterizaria sua culpa, o paradigma (REsp 35.827/SP) aplicou a Súmula nº 7/STJ, por considerar necessário o reexame da matéria de fato para afastar a premissa firmada pelo Tribunal local naquele feito, segundo a qual o hipermercado teria tomado as cautelas que lhe eram exigíveis em relação à segurança dos automóveis parqueados no respectivo estacionamento. 3. No tocante à excludente de ilicitude de força maior, os julgados trazidos a cotejo apreciaram a questão levando em conta a natureza da atividade desempenhada


pelas empresas envolvidas, o que os distancia da hipótese em exame, em que a ré executa atividade diversa daquelas. Com efeito, o paradigma produzido no REsp 435.865/SP decidiu pela incidência da excludente em caso de assalto à mão armada ocorrido dentro de ônibus de empresa transportadora de passageiros, por entender tratar-se de fato inteiramente alheio ao transporte em si. Já o precedente oriundo do REsp 402.870/SP considerou aplicável a excludente em hipótese de homicídio ocorrido na via pública, após saque em caixa eletrônico, porque o evento danoso ocorrera fora das dependências do banco, sendo do Estado o ônus da segurança. Inexistência de semelhança fática. 4. A divergência que autoriza o recurso em exame é a que tem sede no título jurídico da questão, constituindo-se o fato, como julgado nas instâncias ordinárias, na sua identidade essencial, no elemento comum dos acórdãos em divergência. Não há falar, inequivocamente, em divergência jurisprudencial qualquer a ser dirimida, fundamentadamente porque os embargos de divergência requisitam que, sobre uma mesma base fática, atribua-se solução normativa diferente, hipótese não ocorrente na espécie. 5. No tocante à multa 538, parágrafo único, do CPC, o acórdão embargado atestou que os embargos de declaração opostos pela segunda vez tinham intuito procrastinatório. É impróprio, nesta via recursal, o reexame de tal assertiva. No que se refere ao assunto, cada situação deve ser analisada de acordo com as peculiaridades do caso. 6. Embargos de divergência não conhecidos.” (STJ – EREsp 419.059/SP – 2ª S. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 12.06.2012)

Responsabilidade civil – endosso mandato – culpa – preclusão consumativa “Direito civil e processual civil. Endosso mandato. Culpa. Responsabilidade civil. Prequestionamento. Processual civil. Recursos. Preclusão consumativa. 1. No presente caso importa saber se o banco que recebeu títulos por endosso mandato pode responder civilmente pelo apontamento indevido desses títulos a protesto. 2. De acordo com a Súmula nº 476/STJ ‘o endossatário de título de crédito por endosso-mandato só responde por danos decorrentes de protesto indevido se extrapolar os poderes de mandatário’. 3. O prequestionamento, entendido como a necessidade de o tema objeto do recurso haver sido examinado pela decisão atacada, constitui exigência inafastável da própria previsão constitucional, ao tratar do recurso especial, impondo-se como um dos principais requisitos ao seu conhecimento. Nos termos das Súmulas nºs 211/STJ, e 282 e 356/STF, não se admite o recurso especial que suscita tema não prequestionado pelo Tribunal de origem. 4. A interposição de recurso pela mesma parte de dois recursos prejudica o conhecimento daquele apresentado em segundo lugar, tendo em vista o advento da preclusão consumativa. 5. Assim, nega-se provimento ao primeiro agravo regimental e não se conhece do segundo agravo regimental.” (STJ – AgRg-REsp 1.294.389 – (2011/0281577-8) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 05.09.2012)

Responsabilidade civil – compra de veículo zero quilômetro – vícios de fábrica – dano moral “Agravo regimental em agravo de instrumento. Responsabilidade civil. Compra de veículo zero quilômetro. Vícios de fábrica. Dano moral. Alegação de dissídio jurisprudencial. Arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, § 2º, do RISTJ. Ausência de demonstração da divergência suscitada. Recurso improvido.” (STJ – AgRg-AI 1.135.117 – (2008/0282155-0) – 3ª T. – Rel. Min. Massami Uyeda – DJe 24.08.2012)

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Responsabilidade civil – inclusão indevida em órgãos de proteção ao crédito – danos morais e materiais “Agravo regimental. Responsabilidade civil. Ação de indenização por danos morais e materiais. Inclusão indevida em órgãos de proteção ao crédito. Decisão monocrática negando provimento a agravo em recurso especial. Insurgência da demandada. 1. Violação do art. 535 do CPC não configurada, pois o acórdão estadual hostilizado enfrentou, de modo fundamentado, todos os aspectos essenciais à resolução da lide. 2. Correta a aplicação da multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC, quando a interposição dos embargos declaratórios tem intuito meramente protelatório. 3. Pronunciado pela Corte de origem o nexo de causalidade entre o serviço defeituoso e os danos morais decorrentes da inclusão indevida nos órgãos de proteção ao crédito, a revisão de tal entendimento demanda o reexame dos aspectos fáticos delineados na lide, o que resta obstado nesta via recursal especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. 4. A indenização por danos morais, fixada em quantum sintonizado ao princípio da razoabilidade, não enseja a possibilidade de interposição do recurso especial, dada a necessidade de exame de elementos de ordem fática, cabendo sua revisão apenas em casos de manifesta excessividade ou irrisoriedade do quantum arbitrado. Incidência novamente da Súmula nº 7/STJ. 5. Recurso desprovido, com aplicação de multa.” (STJ – AgRg-Ag-REsp. 55.245 – (2011/0158856-5) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 03.05.2012)

Responsabilidade civil indireta dos pais pelos atos dos filhos – excludentes – reexame de matéria

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“Direito civil e processual civil. Responsabilidade civil indireta dos pais pelos atos dos filhos. Excludentes. Reexame de matéria fática. 1. Os pais respondem civilmente, de forma objetiva, pelos atos do filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia (art. 932, I, do Código Civil). 2. O fato de o menor não residir com o(a)


genitor(a) não configura, por si só, causa excludente de responsabilidade civil. 3. Há que se investigar se persiste o poder familiar com todos os deveres/poderes de orientação e vigilância que lhe são inerentes. Precedentes. 4. No caso dos autos o Tribunal de origem não esclareceu se, a despeito de o menor não residir com o recorrente, estaria também configurada a ausência de relações entre eles a evidenciar um esfacelamento do poder familiar. O exame da questão, tal como enfocada pela jurisprudência da Corte, demandaria a análise de fatos e provas, o que veda a Súmula nº 7/STJ. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 220.930 – (2012/0177273-1) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 29.10.2012)

Responsabilidade civil – inscrição em cadastro de inadimplentes – fundamento em cobrança indevida – indenização por dano moral – pessoa jurídica – possibilidade “Processual civil. Responsabilidade civil. Apelação cível. Inscrição em cadastro de inadimplentes. Fundamento em cobrança indevida. Indenização por dano moral. Pessoa jurídica. Possibilidade. Prova do dano imaterial. Caracterização. Valor indenizatório. Critérios de fixação do valor da reparação. Binômio reparação/prevenção. Repetição de indébito. Não cabimento. 1. A comprovação da inscrição indevida do nome da pessoa jurídica no cadastro de inadimplentes configura o dano moral in re ipsa por ferimento a sua honra objetiva. 2. Atendendo ao binômio reparabilidade e seu caráter pedagógico, o valor da indenização por dano moral não deve provocar o empobrecimento do autor do dano, nem o enriquecimento desmotivado da vítima, mantendo-se o valor arbitrado por está acobertado pelo princípio da razoabilidade. 3. Se não houve pagamento de dívida cobrada indevidamente, não há se falar em repetição de indébito, ou, menos ainda, em devolução do valor dobrado. 4. Recursos desprovidos.” (TJDFT – PC 20080111387100 – (601935) – Rel. Des. Mario-Zam Belmiro – DJe 13.07.2012)

Responsabilidade civil – inscrição em cadastro restritivo de crédito – quitação da dívida – manutenção indevida da inscrição – quantum indenizatório – majoração “Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Responsabilidade civil. Inscrição em cadastro restritivo de crédito. Quitação da dívida. Manutenção indevida da inscrição. Quantum indenizatório arbitrado por esta corte. Majoração. Impossibilidade. Valor fixado com razoabilidade. Agravo regimental desprovido. 1. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula nº 7/STJ. 2. Contudo, em hipóteses excepcionais, quando manifestamente evidenciado ser irrisório ou exorbitante o valor da indenização, a jurisprudência desta Corte permite o afastamento do referido óbice, para possibilitar a revisão. 3. No caso concreto, o Tribunal a quo majorou para R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a indenização fixada pelo juízo singular em razão da manutenção indevida da inscrição em cadastro de proteção ao crédito, revelando-se excessiva tal quantia. 4. Neste contexto, a fim de adequar o presente caso à jurisprudência desta Corte, impõe-se a redução do quantum indenizatório por danos morais para R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 5. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.291.522 – (2011/0262183-3) – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 06.11.2012)

“Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Responsabilidade civil. Danos morais. Inscrição indevida em cadastro de proteção ao crédito. Dano moral. Aumento da indenização. Inviabilidade. Razoabilidade na fixação do quantum. Recurso manifestamente improcedente. Imposição de multa. Art. 557, § 2º, do CPC. 1. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula nº 7/STJ. 2. Contudo, em hipóteses excepcionais, quando manifestamente evidenciado ser irrisório ou exorbitante o arbitramento da indenização, a jurisprudência desta Corte permite o afastamento do referido óbice, para possibilitar a revisão. 3. No caso concreto, o Tribunal a quo manteve a indenização em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em razão da falha na prestação do serviço bancário, quantia que não se revela excessiva. 4. A interposição de recurso manifestamente inadmissível ou infundado autoriza a imposição de multa, com fundamento no art. 557, § 2º, do CPC. 5. Agravo regimental desprovido, com a condenação do agravante ao pagamento de multa no percentual de 1% (um por cento) sobre o valor corrigido da causa, ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do respectivo valor (art. 557, § 2º, do CPC).” (STJ – AgRg-Ag-REsp 81.456 – (2011/0196569-8) – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 24.08.2012)

Responsabilidade civil – inscrição indevida em órgãos de restrição ao crédito – danos morais – indenização – majoração “Agravo regimental no recurso especial. Responsabilidade civil. Inscrição indevida em órgãos de restrição ao crédito. Pretensão de afastamento da condenação por danos morais. Inovação recursal indevida. Valor da indenização. Irrisório. Majoração. Decisão mantida. 1. Questões levantadas apenas no agravo regimental constituem indevida inovação recursal. 2. É possível a intervenção desta Corte para aumentar o valor indenizatório por dano moral nos casos em que arbitrado pelo acórdão recorrido em montante irrisório, como na espécie. Mantida, portanto, a decisão que majorou a indenização de R$ 2.000,00 para R$ 15.000,00. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.324.782 – (2012/0106565-7) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 05.09.2012)

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Responsabilidade civil – inscrição indevida em cadastro de proteção ao crédito – dano moral

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Responsabilidade civil – multa cominatória – alteração do valor fixado “Processual civil. Agravo regimental em agravo de instrumento. Responsabilidade civil. Multa cominatória. Alteração do valor fixado. 1. A alteração do valor fixado a título de multa cominatória somente é possível em recurso especial nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada, o que não ocorre no presente caso. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-AI 1.408.605 – (2011/0056482-8) – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 18.04.2012)

Responsabilidade civil – pedido de indenização – danos morais e patrimoniais – nexo de causalidade “Responsabilidade civil. Pedido de indenização por danos morais e patrimoniais. Nexo de causalidade. Demonstração. Matéria infraconstitucional. Reexame incabível no âmbito do recurso extraordinário. Impossibilidade de exame, em recurso extraordinário, de alegada violação, acaso existente, situada no âmbito infraconstitucional. Agravo regimental conhecido e não provido.” (STF – AgRg-AI 685.054 – Relª Min. Rosa Weber – DJe 05.09.2012)

Responsabilidade civil – rompimento de cabos de energia elétrica – morte de gado

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“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Ação de reparação de danos materiais. Rompimento de cabos de energia elétrica. Morte de gado. Responsabilidade civil. Dano e nexo de causalidade comprovados. Reexame do conjunto fático-probatório. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. Dissídio jurisprudencial não comprovado. Decisão agravada mantida. Improvimento. 1. A convicção a que chegou o Tribunal a quo, que entendeu pela presença do nexo causal entre os danos causados e o rompimento dos cabos de energia elétrica, decorreu da análise do conjunto fático-probatório, e o acolhimento da pretensão recursal demandaria o reexame do mencionado suporte, obstando a admissibilidade do especial à luz da Súmula nº 7 desta Corte. 2. Não houve demonstração de dissídio jurisprudencial, diante da falta do exigido cotejo analítico entre os julgados mencionados, bem como pela ausência de similitude fática, de maneira que inviável o inconformismo apontado pela alínea c do permissivo constitucional. 3. O agravo não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. 4. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-AREsp 149.980/SP – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 01.06.2012)

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Jurisprudência Comentada

Bem de Família: Critérios para Aplicação da Lei nº 8.009/1990

registrada no local de residência dos devedores aliado ao alto padrão do imóvel seriam suficientes para o afastamento da proteção legal da moradia do devedor e de sua família. No referido acórdão a questão restou assim decidida: EMENTA: EXECUÇÃO – PENHORA

RAFAEL DEL FAVERI

Analista Judiciário do TRT da 2ª Região, Pós-Graduado em Direito Social pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Mestrando em Teoria do Direito e do Estado pela Fundação Eurípedes Soares da Rocha – Univem.

THEREZA C. NAHAS

Professora Universitária, Juíza Titular da 61ª Vara do Trabalho de São Paulo, Juíza Convocada junto à 3ª Turma do TRT da 2ª Região. Autora de livros.

SUMÁRIO: 1 Jurisprudência comentada; 2 Bem de família – Evolução histórica; 3 Distinção entre bem de família voluntário e bem de família legal; 4 Possibilidades para aplicação do bem de família legal – A decisão judicial; Referências.

1 JURISPRUDÊNCIA COMENTADA Em recente decisão proferida pelo eg. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), aquele sodalício houve por afastar a aplicação da Lei nº 8.009/1990 ao caso concreto apresentado ao julgamento, sob o fundamento de que a existência de empresa

Manutenção da penhora em até 30% sobre o imóvel com duplicidade de destinação – residencial e comercial – objetivando o pagamento de dívida com caráter alimentar. A proteção com cláusula de impenhorabilidade de bem de família, prevista em lei, não pode justificar impunidade e a generalização de não pagamento de débito de natureza alimentar. (TRT 4ª R – AP 0122400-92.2005.5.04.0005 – 2ª T. – Red. Desª Vania Mattos – DJe 14.07.2011) Vistos e relatados estes autos de agravo de petição interposto de decisão do Exmo. Juiz da 5ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo agravante Everton Santos Corrêa e agravados ADMI Administração Educacional Ltda., Paulo Roberto da Silva Paz e Jandira Maria Ferreira Paz. O exequente interpõe agravo de petição contra a sentença de embargos à execução, da lavra do Juiz do Trabalho Substituto Eduardo Vianna Xavier, que desconstitui a penhora por ser bem de família e, como tal, impenhorável. Reitera a argumentação de haver possibilidade de desmembramento da matrícula, já que o bem, além de servir de moradia para as famílias dos sócios executados, também possui destinação econômica, o que permite a penhora de 50% sobre o bem.

Invoca jurisprudência sobre o tema. Conclusos para julgamento. É o relatório.


Isto posto: 1. Preliminarmente. 1.1 Do não conhecimento da contraminuta. Inclusão de documentos novos digitalizados. Pelo não conhecimento dos documentos digitalizados e incluídos no corpo das razões da contraminuta por não se tratarem de documentos novos e, portanto, já deveriam estar no processo. O expediente configura tentativa injustificada de induzir o juízo em erro, além de introduzir documentos que não foram objeto do devido contraditório, violando dispositivo constitucional. E como estão incluídos no corpo da contraminuta, invalidam integralmente o ato, razão pela qual não se conhece da contraminuta da executada. 2. No mérito.

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O exequente interpõe agravo de petição contra a sentença de embargos à execução, da lavra do Juiz do Trabalho Substituto Eduardo Vianna Xavier, que desconstitui a penhora por ser bem de família e, como tal, impenhorável. Reitera a argumentação de haver possibilidade de desmembramento da matrícula, já que o bem, além de servir de moradia para as famílias dos sócios executados, também possui destinação econômica, o que permite a penhora de 50% sobre o bem.

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Registre-se que o sócio Paulo Roberto da Silva Paz compareceu na audiência inicial e assinou o acordo (fl. 11). É certo que o endereço de localização do referido imóvel, na Rua 17 de Junho, nº 697, apto. 604 é residência dos sócios executados, mas não menos certo que também sede da empresa, conforme os documentos juntados pelos sócios (fls. 187-189). Não se pode deixar de mencionar que os sócios executados, mesmo na condição de devedores, continuam operando normalmente com a sua empresa, já que não há qualquer indicativo de ter havido baixa da referida empresa na Junta Comercial do Estado. Não bastasse esse argumento de duplicidade de destinação do imóvel em referência, como está comprovado nos autos, o imóvel constitui-se em apartamento duplex ou com cobertura, conforme os dados da matrícula, localizado em bairro residencial de elevado valor econômico no mercado de imóveis, como é o Bairro Menino Deus. A impenhorabilidade do bem não pode ser absoluta, tanto que sede da empresa, além de ser injustificável que os sócios continuem domiciliados em imóvel duplex, muito acima dos padrões de manutenção da impenhorabilidade, por ser bem de família, mesmo que devedores da quantia alimentar a que se obrigaram desde dezembro de 2005, razão pela qual deve prevalecer a penhora incidente até 30% sobre o bem objetivando o pagamento integral da dívida. Não se justifica que os executados mantenham padrão diferenciado de moradia – o valor da avaliação, em 19.11.2010 (fl. 179), atinge a R$ 160.000,00 – e continuem devendo o valor, atualizado em 04.11.2010, de R$ 12.061,90.

A penhora recaiu sobre o bem imóvel descrito no auto da fl. 179, registrado no Ofício de Registro de Imóveis da 5ª Zona de Porto Alegre sob o nº 35.679 (fl. 178), de propriedade de Paulo Roberto da Silva Paz e Jandira Maria Ferreira Paz, sócios da executada. A execução foi redirecionada contra os sócios porque a sociedade não tem bens livres e desembaraçados que possam responder pelos créditos derivados da presente ação, conforme decisão da fl. 51. E, ainda, a penhora recaiu sobre o referido bem porque não indicado pelos executados (sócios) outros bens passíveis de constrição judicial.

Não há dúvida que deve ser reavaliado o bem porque atinge valor superior, o que mais do que justifica a tese de manutenção da penhora, no percentual de até 30%, para integral pagamento do débito.

Inúmeros atos executórios foram realizados no processo objetivando o adimplemento de acordo formalizado entre as partes em 12.12.2005 (fl. 11), no valor, à época, de R$ 10.000,00.

A essência da lei, em qualquer caso, prevê a impunidade ou a generalização da mentalidade dominante de não poder ser penhorado imóvel residencial para garantia de dívida com caráter alimentar. E, em

Ao contrário do que entende o ilustre prolator da sentença, há possibilidade de alienação do bem, retendo em favor dos executados o valor de 70% do valor da avaliação, ou até mais, valor este que os executados não terão qualquer dificuldade na aquisição de outro bem imóvel para a sua residência, obviamente mais modesto, que não inclua a situação em apartamento duplex ou com cobertura em bairro de alto poder aquisitivo.


A adoção do percentual de 30% está embasada em jurisprudência predominante, relativamente à incidência sobre os salários, objetivando a garantia do pagamento de alimentos. Por todo exposto, prospera em parte o recurso do exequente para manter a penhora, em 30% do valor da avaliação, para integral pagamento do débito. Ante o exposto, Acordam os Magistrados integrantes da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: preliminarmente, por unanimidade de votos, não conhecer da contraminuta da executada. E, no mérito, por maioria de votos, vencido o Desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, dar provimento parcial ao agravo de petição do exequente para manter a penhora do imóvel, em até 30% do valor da avaliação, para integral pagamento do débito. Intimem-se. Porto Alegre, 14 de julho de 2011 (quinta-feira). Vania Mattos Relatora

Cumpre ponderar algumas questões acerca do tema tão relevante para a sociedade brasileira, o meio acadêmico e social, especialmente quando postos em confronto os limites interpretativos do direito com efeito direto sobre o patrimônio dos cidadãos.

2 BEM DE FAMÍLIA – EVOLUÇÃO HISTÓRICA O Instituto do Bem de Família surgiu nos Estados Unidos da América no final da colonização inglesa, compunham-se de um

vasto território e solo fértil. Buscavam sua consolidação econômica através da civilização e expansão da agricultura e comércio. No ano de 1839, devido a uma grave crise econômica que o país passava, foi promulgada uma Lei no Estado do Texas, que consistia na cessão de uma propriedade rurícola entre 80 a 160ha a todo chefe de família maior de 21 anos de idade. Após viver cinco anos na propriedade com sua família e dela retirar o sustento de todos, através de plantações e benfeitorias, o chefe de família terá direito ao recebimento do título dominial. A política da cessão de terras tinha por objetivo tornar as terras que antes não eram habitadas em propriedades produtivas para que fosse valorizado todo o território americano. O Jurista Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 407) define o bem de família como “uma porção de bens que a lei resguarda com os característicos e inalienabilidade e impenhorabilidade, em benefício da construção e permanência de uma moradia para o corpo familiar”. Em razão do sucesso na implantação desse instituto, outros Estados daquela Federação passaram a adotar a norma, inclusive, em alguns casos, constatou-se presente até na Constituição local. Foi devido a essa expansão que, definitivamente, deu-se o instituto do homestead. Na linguagem jurídica, homestead significa “uma residência de família”, e o instituto recebeu esse nome porque visava dar somente à entidade familiar a referida porção de terra. Com o homestead buscava-se, antes mesmo da produtividade do solo, a proteção da família, e é por isso que, apesar de não haver mais áreas inabitadas ou inapropriadas, até os dias atuais o instituto do bem de família subsiste.

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qualquer caso, suporta a interpretação de se constituir em bem impenhorável em qualquer situação, como no caso em foco, por se tratar de imóvel muito acima dos padrões que a legislação visa garantir, atenta a princípio constitucional de manutenção da residência das pessoas e da sua família.

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Nesse caminho, Carlos Roberto Gonçalves (2005, p. 509) leciona que: A sua origem remonta ao início do século XIX, quando o Estado do Texas, em consequência da grave crise econômica que assolou os Estados Unidos da América do Norte, promulgou uma lei (homestead act), em 1839, permitindo que ficasse isenta de penhora a pequena propriedade, sob a condição de sua destinação à residência do devedor. Surgiu, assim, o instituto do homestead, que se integrou na legislação de quase todos os Estados norte-americanos e passou para o direito de outros países.

O instituto, portanto, tem origem exclusivamente para a proteção da família, vista como célula primeira da composição da sociedade que quando passa por alguma crise, há de buscar força para ultrapassar as dificuldades no núcleo natural para o fortalecimento do homem e superação dos problemas.

3 DISTINÇÃO ENTRE BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO E BEM DE FAMÍLIA LEGAL

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Importa referir sobre a distinção entre o bem de família chamado voluntário e o bem de família legal.

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Sob o ponto de vista legal contemporâneo, o bem de família chamado voluntário está assentado no Código Civil, que, em seu art. 1.711, limita o valor do imóvel, mas somente no caso de existirem outros imóveis que também sejam residenciais, estabelecendo um valor limite de um terço do patrimônio líquido do instituidor. Observe-se, outrossim, que a reforma do Código Civil deslocou a matéria que antes era tratada na parte geral para o direito de família (parte especial, Livro IV, Título II), implicando no reconhecimento de uma interpretação sistemática, indicando a importância da família em detrimento do patrimônio. Portanto, o bem de família aqui indicado é aquele denominado voluntário, e depende da vontade do seu instituidor, com o devido registro

junto ao Cartório de Registro de Imóveis, para ser oponível a terceiros. Tudo com as ressalva às regras da impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecido em lei especial. Sem perder de vista a legislação ordinária que será a seguir mencionada, o princípio também pode ser observado em favor do pequeno produtor rural na Constituição de 1988, que no art. 5º, XXVI, reza que “a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento”. Surge, pouco depois, outro modelo de bem de família, este imposto pelo Estado, por meio de norma de ordem pública, que pretendia a proteção da entidade familiar em seu núcleo essencial. Estamos falando da Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990, que inaugurou o bem de família legal. Para muitos juristas, trata-se de uma norma de caráter emergencial, surgida após o fracasso de planos econômicos no país, onde a execução de dívidas decorrentes da baixa geral da economia poderia influenciar de modo decisivo negativamente na constituição da família, que, ao final, é fundamento do próprio Estado. Nesses termos, coexistem duas espécies de bem de família na legislação brasileira: (i) o primeiro, que tem origem na vontade dos cônjuges, companheiros e terceiros, regulado pelo Código Civil e dependente de registro público junto à matrícula imobiliária; e (ii) o bem de família legal, que recorre da vontade do legislador em afastar a possibilidade de penhora da residência do executado, ressalvadas as hipóteses relacionadas no diploma legal, independentemente da vontade do próprio devedor, e tem por finalidade última a proteção da família. Feitas tais observações, colhe-se a seguinte definição do instituto:


Sem dúvidas que, no Brasil, a utilização do bem de família voluntário restou relegado à pequena parcela da população, seja em razão da falta de conhecimento do instituto para a proteção da residência da família, ou mesmo em razão dos custos notariais que envolvem a formalização dos negócios imobiliários. O que se verifica usualmente, na prática forense, é a invocação do bem de natureza familiar legal e, na maioria das vezes, como último argumento para sustentar a impossibilidade de espoliação do patrimônio do devedor.

4 POSSIBILIDADES PARA APLICAÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA LEGAL – A DECISÃO JUDICIAL Postas as premissas anteriormente mencionadas, não se pode deixar de mencionar que a regra geral vigente é de que todas as dívidas devem ser pagas, respondendo o devedor com todo o seu patrimônio para tanto. Por outras palavras, tanto os bens presentes e futuros do devedor devem, em regra, servir para o pagamento das dívidas contraídas, nos termos do art. 592 do Código de Processo Civil. Na atual quadra de desenvolvimento social, portanto, qualquer disposição legal que importe no não pagamento das dívidas deve ser interpretada restritivamente, sob pena de penalizar os credores de uma forma geral e, por fim, gerar incertezas no mundo dos negócios, que reflete fortemente de forma negativa para a concretização de contratos em geral.

Por tais razões, o acolhimento dos argumentos para o reconhecimento do não pagamento das dívidas deve estar fundado em fatos e provas robustas o suficiente para que o Poder Judiciário possa proferir decisão frustrando o direito creditício em favor da proteção legal destinada à família. Utilizando-se do critério da ponderação de bens, em cada caso concreto, é que se poderá definir em qual medida os interesses postos em jogo devem ser tutelados pelo Estado. Sob tal ponto de vista, a decisão referida está em sintonia com a importância jurídica que envolve a matéria, pois levou em consideração vários aspectos particulares do caso concreto, culminando em uma acomodação de interesses para a solução do caso concreto. Tal como foi proferida, tende a propiciar a manutenção da residência do executado e sua família, assim como agir de modo decisivo para a efetivação da tutela jurisdicional com a entrega do bem da vida pretendido pelo autor da ação e deferido por sentença. Todavia, cumpre ressaltar que a concomitância de alguma atividade empresarial no âmbito residencial, por si só, não pode ser elemento distintivo para não assegurar-se a proteção legal destinada ao executado. Isso porque a própria origem do instituto no homestead importa no reconhecimento de que, na sua criação, a necessidade de utilização produtiva da pequena propriedade rural seria necessária para o reconhecimento da exceção legal do não pagamento de dívidas. Justamente em razão da proteção que a atividade rural necessita em função das intempéries da natureza que podem arrasar plantações em um determinado ano e, assim, por outro lado, permite a execução da propriedade rural improdutiva.

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O direito de imunidade relativa à apreensão judicial, que se estabelece, havendo cônjuges ou entidade familiar, primeiro por força de lei e em alguns casos ainda por manifestação de vontade, sobre imóvel urbano ou rural, de domínio e/ou posse de integrante, residência efetiva desse grupo, que alcança ainda os bens móveis quitados que a guarneçam, ou somente esses em prédios que não seja próprio, além da pertenças e alfaias, eventuais valores mobiliários afetados e suas rendas. (Ricardo Arcoverde Credie apud Carlos Roberto Gonçalves, 2005, p. 512)

Tomando-se em consideração a migração das populações do campo para as cidades, no Brasil, especialmente a partir da se-

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gunda metade do século XX, não se pode deixar de reconhecer que, mesmo nas cidades, não é pouco incomum a verificação do desenvolvimento de alguma atividade comercial na própria residência das pessoas. O fenômeno, inclusive, ganha maior relevo e importância diante das novas tecnologias postas à disposição das pessoas, pois, com o uso de computadores portáteis, aliado à conectividade proporcionada pela rede mundial de computadores, é possível a realização de uma infinita gama de possibilidades inimagináveis para os novos antigos. De outro lado, se tem a perfeita percepção de que certas atividades comerciais podem perfeitamente estar conjugadas no âmbito da residência das famílias sem que se perca a essência de reunião fraternal de pessoas.

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Em suma, se a proteção legal da propriedade rural apenas pode ser reconhecida àquela que seja produtiva, nada impede, objetivamente, que, havendo algum tipo de atividade comercial em uma residência urbana, lhe seja oponível a previsão da proteção legal contida na Lei nº 8.009/1990.

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Tudo, conforme anteriormente referido, dependerá das nuanças com que o caso concreto é apresentado ao debate. Como no julgamento proferido pelo col. Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1018102/MG, decidiu-se pela possibilidade de penhora da parte de baixo de um prédio, preservando o andar superior para a residência do executado. Veja-se o conteúdo: PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DO DEVEDOR – INÉPCIA DA INICIAL – NÃO CARACTERIZAÇÃO – BEM DE FAMÍLIA – PENHORA DE PARTE COMERCIAL DO IMÓVEL – POSSIBILIDADE I – Segundo a jurisprudência desta Corte, “o indeferimento da petição inicial, quer por força do não preenchimento dos requisitos exigidos nos arts. 282 e 283 do CPC, quer pela verificação de defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, reclama a concessão de prévia oportunidade de emenda pelo autor e o transcurso

in albis do prazo para cumprimento da diligência determinada, ex vi do disposto no art. 284 do CPC” (REsp 812.323/MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 02.10.2008). II – É possível a penhora de parte do bem que não se caracteriza como bem de família quando, levando-se em conta as peculiaridades do caso, não houver prejuízo para a área residencial do imóvel também utilizado para o exercício de comércio. III – Hipótese em que o andar inferior do imóvel é ocupado por duas lojas, ficando restrita a moradia dos recorridos ao andar superior. Recurso especial provido. (STJ, REsp 1018102/MG, 3ª T., Rel. Min. Sidnei Beneti, DJ 23.08.2010)

Sendo assim, o julgador deve estar em sintonia com o espírito da lei, que pretende, por primeiro, a proteção da família, mas também não deixa de exigir a redução das expectativas de não pagamento das dívidas com a pretensão de manter a ordem social e econômica. Quanto ao valor do imóvel em questão, é certo que, em relação ao bem de família legal, não há, na letra da lei, qualquer limitação em relação ao seu valor, para ser garantido ao executado a proteção vigente. Observe-se que a questão já foi debatida e alterada no âmbito do Congresso Nacional, que ao analisar o projeto de lei tendente a limitar o valor do imóvel para ser considerado impenhorável até 1.000 salários-mínimos. Ocorre, porém, que o Presidente da República, na Mensagem nº 1.047, de 6 de dezembro de 2006, comunicou ao presidente do Senado Federal, nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição Federal, informando sua decisão em vetar parcialmente o Projeto de Lei nº 51/2006, que alterava dispositivos da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, em razão de contrariar o interesse público. As razões para o veto são as seguintes: O projeto de lei quebrou o dogma da impenhorabilidade absoluta do bem de família, ao permitir que seja alienado o de valor superior a mil salários mínimos, “caso em que, apurado o valor em dinheiro, a quantia


Dessa maneira, tem-se que “a discricionariedade judicial se distingue, nitidamente, das discricionariedades legislativa e administrativa, correspondendo à liberdade de escolha que se defere ao juiz diante de possibilidades exegéticas consistentes. Floresce ela no espaço que os balizamentos normativos autorizam o julgador a se movimentar, porém com a sensível diferença de que o controle, nesse caso, compete ao próprio órgão ao qual foi deferido o poder discricionário, o que não significa que possa, em harmonia com o sistema, tudo fazer” (RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 308), valendo consignar que a questão, quando vista pelo outro lado da medalha, ganha maior relevância e importância, pois a situação eventual de devedor também pode recair sobre o trabalhador, e nem por isso importará no questionamento acerca do valor da sua residência para lhe garantir a dignidade da família e residência. Sendo assim, visto que nos termos da legislação atual, seja no âmbito constitucional ou infraconstitucional, não há regulamentação que disponha acerca de qualquer limitação em relação ao valor do imóvel para que se garanta ao devedor a impenhorabilidade prevista na lei. A discussão que se trava hoje, em razão das omissões legislativas e em qual seria o limite da decisão judicial, é algo que deve ser debatido em esfera superior, sob pena de se violar um princípio fundante da Constituição Federal que é o da separação de poderes. A discussão que se coloca em pauta é qual seria o limite da atuação judiciária. Como lembra Conrado Hübner Mendes, “o juiz deixa de ser apenas a ‘boca da lei’ perante o Poder Executivo e o cidadão. É também a ‘boca da Constituição’ diante do legislador” (Controle de constitucio-

nalidade e democracia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 21). A judicialização da política autorizada pela Constituição Federal de 1988 permite que a decisão judicial seja mais do que simplesmente um encerramento do processo, possibilitando que se emita “veredicto sobre o alcance de nossos valores políticos mais sensíveis” (op. cit., p. 23). Todavia, não se admite que, segundo nosso entendimento, possa o Judiciário criar regras cuja competência e atribuição é de outro Poder, qual seja, o Legislativo, tudo conduzindo a impossibilidade de se cogitar em limitação da garantia de impenhorabilidade em razão do valor do imóvel que não conste expressamente na lei, o que implicaria na completa falta de juridicidade necessária para fundamentar qualquer decisão judicial. A questão como posta diz respeito à garantia da dignidade da pessoa humana e foi analisada sob esse enfoque pelo col. Tribunal Superior do Trabalho, e não apenas simplesmente sobre o direito de propriedade. Daí não socorre a pretensão de quem quer que seja, de ver sob qualquer pretexto a inaplicabilidade de lei federal em vigor, notadamente em razão da necessidade de observância da chamada reserva de Plenário para a declaração de inconstitucionalidade de lei a ser observada, se o caso, em julgamento proferido por Tribunal, está em sintonia com súmula vinculante editada pelo Supremo Tribunal Federal (STF, Súmula Vinculante nº 10). Analisando questão próxima a que aqui se discute, assim decidiu o col. Tribunal Superior do Trabalho: RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA – I – IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA – LEI Nº 8.009/1990 – 1. OFENSA AO ART. 6º DA CARTA MAGNA – AUSÊNCIA DE APRECIAÇÃO NA DECISÃO RESCINDENDA – Embora a rescisória não se equipare a recurso de índole extraordinária, inaugurando, em verdade, nova fase de conhecimento, necessário será, em se evocando vulneração legal, que, no processo de origem e, em consequência, na decisão atacada, o tema correspondente seja manejado. Do contrário, agora com ofensa ao disposto no art. 474 do CPC, estar-se-ia repetindo a primeira ação, sob novo ângulo. É necessária a efetiva apreciação,

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até aquele limite será entregue ao executado, sob cláusula de impenhorabilidade”. Apesar de razoável, a proposta quebra a tradição surgida com a Lei nº 8.009, de 1990, que “dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família”, no sentido da impenhorabilidade do bem de família independentemente do valor. Novamente, avaliou-se que o vulto da controvérsia em torno da matéria torna conveniente a reabertura do debate a respeito mediante o veto ao dispositivo.

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na decisão rescindenda, do conteúdo da norma tida por vulnerada (Súmula nº 298, II), de forma a autorizar o corte rescisório, o que não ocorreu. 2. VIOLAÇÃO LITERAL DOS ARTS. 1º, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, E 5º DA LEI Nº 8.009/1990 – NÃO CONFIGURAÇÃO – O Regional, no acórdão rescindendo, não afastou o enquadramento do bem imóvel penhorado nas disposições dos arts. 1º, caput e parágrafo único, e 5º da Lei nº 8.009/1990, assim não se caracterizando as violações legais indicadas. 3. OFENSA AO ART. 3º, CAPUT E INCISOS I A VII, DA LEI Nº 8.009/1990 – CARACTERIZAÇÃO – 3.1 Decisão rescindenda mediante a qual o TRT, a despeito de reconhecer o enquadramento do imóvel objeto de constrição judicial nas disposições do art. 1º da Lei nº 8.009/1990, afastou a impenhorabilidade arguida, sob o fundamento da ocorrência de renúncia à impenhorabilidade, em face do oferecimento do bem em hipoteca, pela esposa do autor, como garantia de dívida de menor privilégio, contraída pela empresa executada, na qual ela figura como sócia, juntamente com o filho do casal, situação apta a permitir a constrição judicial para garantir créditos trabalhistas, de natureza privilegiada. 3.2 O inciso V do art. 3º da Lei nº 8.009/1990 encerra hipótese em que o imóvel residencial é livremente ofertado em hipoteca, sujeitando-se à penhora para satisfação da dívida contraída. No contexto legalmente estabelecido, a impenhorabilidade não pode ser oposta em face do próprio credor hipotecário, e não, como entendeu o TRT, no acórdão rescindendo, perante outros credores, ainda que detentores de créditos de natureza privilegiada, não especificados entre as exceções taxativamente estabelecidas na Lei nº 8.009/1990. 3.3 Ofensa ao art. 3º, caput e incisos I a VII, da Lei nº 8.009/1990 caracterizada. II – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – INTUITO PROTELATÓRIO – NÃO CARACTERIZAÇÃO – Não evidenciado o intuito manifestamente protelatório no manejo de embargos de declaração, impositiva a exclusão da multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC. Recurso ordinário conhecido e provido. (TST, Recurso Ordinário em Ação Rescisória nº 8310048.2007.5.12.0000, Órgão Judicante: Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Ministro Relator Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DJ de 13.05.2011)

Por tais razões, conclui-se que a garantia de moradia do executado se insere na relação dos direitos fundamentais em nosso ordenamento jurídico, e que o legislador ordinário optou em proteger a família em prejuízo do pagamento de dívidas, inclusive de natureza trabalhista.

Não havendo na legislação determinação expressa no sentido de que a coexistência do uso híbrido da propriedade seja determinante para a não aplicação da lei, não seria correto o afastamento da impenhorabilidade prevista em lei, guardadas sempre as peculiaridades de caso concreto, onde o julgador, por meio do critério interpretativo da ponderação de bens, avaliará com prudência a distribuição na tensão de valores postos ao julgamento e conferirá maior valor àquele que o caso exigir. O valor do imóvel de residência do executado também não é distintivo para a aplicação da condição legal, observado que o chefe do Poder Executivo vetou proposta de modificação legislativa tendente a limitar a impenhorabilidade prevista em lei e, assim, considerando que os espaços de balizamentos por onde o juiz pode mover-se são muito mais restritos do que o Poder Legislativo, o Judiciário deve estar atento para que não haja invasão de competências e desestabilização do sistema, gerando insegurança nas relações jurídicas.

REFERÊNCIAS BRASIL. Constituições da República Federativa do Brasil e do Estado de São Paulo e Declaração Universal dos Direito Humanos. São Paulo: Imprensa Oficial, 2001. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. DALARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, v. 6, 2005. MENDES, Conrado Hübner. Controle de constitucionalidade e democracia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. MORAES FILHO, Evaristo de. O direito e a ordem democrática. São Paulo: LTr, 1984. RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006.


Medida Provisória

Medida Provisória nº 626, de 24.10.2013 Abre crédito extraordinário, em favor de Operações Oficiais de Crédito, no valor de R$ 2.531.486.253,00, para o fim que especifica. (DOU 25.10.2013)


Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com. 2.186-16, DE 23.08.2001

Patrimônio Genético. Diversidade Biológica Previdência Social. Alteração na Legislação

2 .156-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene

2.187-13, DE 24.08.2001

2.157-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA

2.189-49, DE 23.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.158-35, DE 24.08.2001

Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação

2.190-34, DE 23.08.2001

Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999

2.159-70, DE 24.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.192-70, DE 24.08.2001

Proes. Bancos Estaduais

2.161-35, DE 23.08.2001

Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997

2.196-3, DE 24.08.2001

Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea

2.162-72, DE 23.08.2001

Notas do Tesouro Nacional – NTN

2.197-43, DE 24.08.2001

SFH. Disposições

2.163-41, DE 23.08.2001

Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998

2.198-5, DE 24.08.2001

Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica

2.164-41, DE 24.08.2001

Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT

2.199-14, DE 24.08.2001

IR. Incentivos Fiscais

2.165-36, DE 23.08.2001

Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte

2.200-2, DE 24.08.2001

Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil

2.166-67, DE 24.08.2001

Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965

2.206-1, DE 06.09.2001

Programa Nacional de Renda Mínima

2.167-53, DE 23.08.2001

Recebimento de Valores Mobiliários pela União

2.208, DE 17.08.2001

Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação

2.168-40, DE 24.08.2001

Cooperativas. Recoop. Sescoop

2.209, DE 29.08.2001

Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica – CBEE

2.169-43, DE 24.08.2001

Servidor Público. Vantagem de 28,86%

2.210, DE 29.08.2001

Orçamento. Crédito Extraordinário

2.170-36, DE 23.08.2001

Tesouro Nacional. Administração de Recursos

2.211, DE 29.08.2001

Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes

2.172-32, DE 23.08.2001

Usura. Agiotagem

2.213-1, DE 30.08.2001

Programa Bolsa-Renda. Estiagem

2.173-24, DE 23.08.2001

Anuidades Escolares

2.214, DE 31.08.2001

Administração Pública Federal. Recursos

2.174-28, DE 24.08.2001

União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV

2.215-10, DE 31.08.2001

Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração

2.177-44, DE 24.08.2001

Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998

2.220, DE 04.09.2001

Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU

2.178-36, DE 24.08.2001

Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola

2.224, DE 04.09.2001

Capitais Brasileiros no Exterior

2.179-36, DE 24.08.2001

União e Banco Central. Relações Financeiras

2.225-45, DE 04.09.2001

Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990 Alteração da CLT

2.180-35, DE 24.08.2001

Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação

2.226, DE 04.09.2001

2.181-45, DE 24.08.2001

Operações Financeiras do Tesouro Nacional

2.227, DE 04.09.2001

Plano Real. Correção Monetária. Exceção

2.183-56, DE 24.08.2001

Reforma Agrária. Alteração na Legislação

2.228-1, DE 06.09.2001

2.184-23, DE 24.08.2001

Carreira Policial. Gratificação

Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines

2.185-35, DE 24.08.2001

Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento

2.229-43, DE 06.09.2001

Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação

Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 31.10.2013) Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.

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MP

DOU

623

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

19.07.2013 – extra 1º

Lei nº 12.844/13

2.157-5

27.08.2001

32

DL 1.376/74

2.156-5

27.08.2001

32

DL 1.376/74

1º e 11

2.158-35

27.08.2001

2º e 93

Lei nº 9.718/98

3º e 8º

2.156-5

27.08.2001

32

DL 2.397/87

12

2.158-35

27.08.2001

3º e 93

Lei nº 9.701/98

2.156-5

27.08.2001

32

Lei nº 8.034/90

2.158-35

27.08.2001

10 e 93

Lei nº 9.779/99

14 e 17

2.156-5

27.08.2001

32

Lei nº 9.532/97

2.158-35

27.08.2001

19 e 93

Lei nº 9.715/98

2º e 4º


DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

2.158-35

27.08.2001

34 e 75

Lei nº 9.532/97

1º e 64-A

2.167-53

24.08.2001

2º e 3º

Lei nº 9.619/98

1º e 4º-A

2.158-35

27.08.2001

64

D nº 70.235/72

1º, 25 e 64-A

2.168-40

27.08.2001

13

Lei nº 5.764/71

88

2.158-35

27.08.2001

69

DL 1.455/76

1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A

2.168-40

27.08.2001

14

Lei nº 9.138/95

2.158-35

27.08.2001

70

Lei nº 9.430/96

63

2.168-40

27.08.2001

18

Lei nº 10.186/01

2.158-35

27.08.2001

72

Lei nº 8.218/91

11 e 12

2.170-36

24.08.2001

Lei nº 8.212/91

60

2.158-35

27.08.2001

73

Lei nº 9.317/96

1º e 64-A

2.172-32

24.08.2001

Lei nº 1.521/51

4º, § 3º

2.158-35

27.08.2001

73 e 93

Lei nº 9.317/96

9º e 15

2.173-24

24.08.2001

1º e 2º

Lei nº 9.870/99

1º e 6º

2.158-35

27.08.2001

75

Lei nº 9.532/97

1º, 15 e 64-A

2.177-44

27.08.2001

1º e 8º

Lei nº 9.656/98

2.158-35

27.08.2001

82

Lei nº 8.981/95

29

2.158-35

27.08.2001

93

Lei nº 9.432/97

11

2.158-35

27.08.2001

93

LC 70/91

6º e 7º

1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I

2.158-35

27.08.2001

93

LC 85/96

Revogada

2.178-36

25.08.2001-extra

16

Lei nº 9.533/97

25.08.2001-extra

32

Lei nº 8.913/97

Revogada

2.158-35

27.08.2001

93

Lei nº 7.714/88

2.178-36

2.158-35

27.08.2001

93

Lei nº 9.004/95

Revogada

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 8.437/92

1º e 4º

2.158-35

27.08.2001

93

Lei nº 9.493/97

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 9.494/97

1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B

2.161-35

24.08.2001

1º e 6º

Lei nº 9.491/97

2º, 4º, 5º, 6º e 30

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 7.347/85

1º e 2º

2.162-72

24.08.2001

Lei nº 9.094/95

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 8.429/92

17

2.163-41

24.08.2001

Lei nº 9.605/98

79-A

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 9.704/98

2.164-41

27.08.2001

7º e 8º

Lei nº 7.998/90

2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C

2.180-35

27.08.2001

10

CPC

741

2.164-41

27.08.2001

1º e 2º

CLT

58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652

2.180-35

27.08.2001

14

Lei nº 4.348/64

2.180-35

27.08.2001

21

Lei nº 10.257/01

53

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 4.923/65

2.181-45

27.08.2001

45

Lei nº 8.177/91

18

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 5.889/73

18

2.181-45

27.08.2001

46

Lei nº 9.365/96

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 6.321/76

2.181-45

27.08.2001

52

Lei nº 10.150/00

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 6.494/77

2.183-56

27.08.2001

DL 3.365/41

10, 15-A, 15-B e 27

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 8.036/90

19-A, 20, 29-C e 29-D

2.183-56

27.08.2001

Lei nº 8.177/91

2.164-41

27.08.2001

10

Lei nº 9.601/98

2.183-56

27.08.2001

Lei nº 8.629/93

2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A

2.165-36

24.08.2001

13

Lei nº 7.418/85

2.187-13

27.08.2001

Lei nº 6.015/73

80

2.165-36

24.08.2001

13

Lei nº 8.627/93

2.187-13

27.08.2001

3º e 16

Lei nº 8.212/91

38, 55, 56, 68, 101 e 102

2.166-67

25.08.2001-extra

Lei nº 4.771/65

1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C

2.187-13

27.08.2001

4º e 16

Lei nº 8.213/91

41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147

2.166-67

25.08.2001

Lei nº 9.393/96

10

2.187-13

27.08.2001

Lei nº 9.639/98

1º, 2º e 5º

2.187-13

27.08.2001

16

Lei nº 9.711/98

7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17

Novembro/2013 – Ed. 200

MP

84


Novembro/2013 – Ed. 200

85

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

2.189-49

24.08.2001

10

Lei nº 9.532/97

6º, II, 34 e 82, II, f

2.217-3

05.09.2001

Lei nº 10.233/01

2.189-49

24.08.2001

11

Lei nº 9.250/95

10 e 25

2.189-49

24.08.2001

13

Lei nº 9.430/96

79

74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119

2.189-49

24.08.2001

14

Lei nº 9.317/96

2.220

05.09.2001-extra

15

Lei nº 6.015/73

167, I

2.190-34

24.08.2001

7º e 8º

Lei nº 9.294/96

2º, 3º e 7º

2.224

05.09.2001

Lei nº 4.131/62

2.192-70

25.08.2001-extra

23

Lei nº 9.496/97

1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B

2.225-45

05.09.2001

Lei nº 6.368/76

2.196-3

25.08.2001

12

Lei nº 8.036/90

2.225-45

05.09.2001

2º, 3º e 15 Lei nº 8.112/90

2.196-3

25.08.2001

14

Lei nº 7.827/89

9º-A

25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119

2.197-43

27.08.2001

3º e 8º

Lei nº 8.692/93

23 e 25

2.225-45

05.09.2001

Lei nº 8.429/92

17

2.197-43

27.08.2001

4º e 8º

Lei nº 4.380/64

9º, 14 e 18

2.225-45

05.09.2001

Lei nº 9.525/97

2.197-43

27.08.2001

Lei nº 8.036/90

9º, 20, 23, 29-A e 29-B

2.226

05.09.2001

CLT

896-A

2.199-14

27.08.2001

18

Lei nº 9.532/97

2.226

05.09.2001

Lei nº 9.469/97

2.228-1

05.09.2001

51

Lei nº 8.685/93

2.228-1

05.09.2001

52 e 53

Lei nº 8.313/91

3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º

2.229-43

10.09.2001

72

Lei nº 9.986/00

22

2.229-43

10.09.2001

74

Lei nº 8.745/93

2.211

30.08.2001

Lei nº 9.995/00

35 e 70

2.211

30.08.2001

Lei nº 10.266/01

18, 34, 38 e 51

2.214

01.09.2001-extra

Lei nº 10.261/01

2.215-10

01.09.2001

41

Lei nº 8.448/92

2.215-10

01.09.2001

41

Lei nº 8.460/92

2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A


Normas Legais

Outubro/2013 Lei nº 12.877, de 31.10.2013

Abre crédito extraordinário, em favor de Encargos Financeiros da União, no valor de R$ 380.000.000,00, para viabilizar o pagamento de subvenção econômica às unidades industriais produtoras de etanol combustível da Região Nordeste. (DOU 1º.11.2013)

Lei nº 12.876, de 30.10.2013

Altera o Decreto nº 2.784, de 18 de junho de 1913, para restabelecer os fusos horários do Estado do Acre e de parte do Estado do Amazonas, e revoga a Lei nº 11.662, de 24 de abril de 2008. (DOU 31.10.2013)

Lei nº 12.875, de 30.10.2013

Altera as Leis nºs 9.096, de 19 de setembro de 1995, e 9.504, de 30 de setembro de 1997, nos termos que especifica. (DOU 31.10.2013)

Lei nº 12.874, de 29.10.2013

Altera o art. 18 do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, para possibilitar às autoridades consulares brasileiras celebrarem a separação e o divórcio consensuais de brasileiros no exterior. (DOU 30.10.2013)

Lei nº 12.873, de 24.10.2013

Autoriza a Companhia Nacional de Abastecimento a utilizar o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, instituído pela Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, para a contratação de todas as ações relacionadas à reforma, modernização, ampliação ou construção de unidades armazenadoras próprias destinadas às atividades de guarda e conservação de produtos agropecuários em ambiente natural; altera as Leis nºs 8.212, de 24 de julho de 1991, e 8.213, de 24 de julho de 1991, o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1942 – Consolidação das Leis do Trabalho, as Leis nºs 11.491, de 20 de junho de 2007, e 12.512, de 14 de outubro de 2011; dispõe sobre os contratos de financiamento do Fundo de Terras e da Reforma Agrária, de que trata a Lei Complementar nº 93, de 4 de fevereiro de 1998; autoriza a inclusão de despesas acessórias relativas à aquisição de imóvel rural nos financiamentos de que trata a Lei Complementar nº 93, de 4 de fevereiro de 1998; institui o Programa Nacional de Apoio à Captação de Água de Chuva e Outras Tecnologias Sociais de Acesso à Água – Programa Cisternas; altera a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, o Decreto-Lei nº 167, de 14 de fevereiro de 1967, as Leis nºs 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, 9.718, de 27 de novembro de 1998, e 12.546, de 14 de setembro de 2011; autoriza a União a conceder subvenção econômica, referente à safra 2011/2012, para produtores independentes de cana-de-açúcar que desenvolvem suas atividades no Estado do Rio de Janeiro; altera a Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005; institui o Programa de Fortalecimento das Entidades Privadas Filantrópicas e das Entidades sem Fins Lucrativos que Atuam na Área da Saúde e que Participam de Forma Complementar do Sistema Único de Saúde – PROSUS; dispõe sobre a utilização pelos Estados, Distrito Federal e Municípios dos registros de preços realizados pelo Ministério da Saúde; autoriza a União, por intermédio do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, a conceder o uso de bens públicos imobiliários dominicais, mediante emissão de Certificado de Direito de Uso de Bem Público Imobiliário – CEDUPI; altera o Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941; dispõe sobre as dívidas originárias de perdas constatadas nas armazenagens de produtos vinculados à Política de Garantia de Preços Mínimos – PGPM e Estoques Reguladores do Governo Federal, depositados em armazéns de terceiros, anteriores a 31 de dezembro de 2011; altera a Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002; autoriza o Poder Executivo a declarar estado de emergência fitossanitária ou zoossanitária, quando for constatada situação epidemiológica que indique risco iminente de introdução de doença exótica ou praga quarentenária ausente no País, ou haja risco de surto ou epidemia de doença ou praga já existente; altera a Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996; dispõe sobre o repasse pelas entidades privadas filantrópicas e entidades sem fins lucrativos às suas mantenedoras de recursos financeiros recebidos dos entes públicos; altera a Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, as Leis nºs 10.848, de 15 de março de 2004, 12.350, de 20 de dezembro de 2010, 12.096, de 24 de novembro de 2009, 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, 12.087, de 11 de novembro de 2009, e 10.260, de 12 de julho de 2001; e dá outras providências. Mensagem de veto (DOU 25.10.2013)


Indicadores I – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas (Vigência: Outubro/2013 – Atualização: Novembro/2013)

1 – Índice de Atualização Monetária até 30 de novembro de 2013 – Decreto-Lei nº 2.322/1987 combinado com a Lei nº 7.738/1989 (incluindo a Lei nº 8.177/1991 – TR – a partir de fev. 1991) – TR prefixada de 1º noiv./2013 a 1º dez./2013 (Banco Central) = 0,02070% 1990

1991

1992

1993

1994

1995

2003

2004

2005

2006

2007

JAN

Mês/Ano

0,187319934

0,014899996

0,002845944

0,000226548

0,008798857

2,302008168

JAN

1,221429197

1,188131336

1,135352925

1,115076176

1,084350814

1,062695910

FEV

0,119992270

0,012394579

0,002268046

0,000178722

0,006220911

2,254631594

FEV

1,218272653

1,182363766

1,133901531

1,112983767

1,081834467

1,060374750

MAR

0,069448009

0,011583719

0,001805625

0,000141394

0,004447956

2,213611166

MAR

1,216847724

1,177517105

1,133382442

1,111914106

1,081050705

1,059610770

ABR

0,037677957

0,010676239

0,001452986

0,000112387

0,003135676

2,163847012

ABR

1,214712260

1,173080515

1,131370864

1,108991912

1,078814323

1,057626663

MAIO

0,037677957

0,009801009

0,001200021

0,000087651

0,002148165

2,091346310

MAIO

1,211855916

1,168192796

1,130382910

1,106775041

1,077892725

1,056283071

JUN

0,035754371

0,008992576

0,001001604

0,000068116

0,001466925

2,025573900

JUN

1,209313938

1,162785842

1,128638035

1,103985271

1,075861498

1,054502017

JUL

0,032619625

0,008219905

0,000827430

0,000052365

2,746575805

1,968749872

JUL

1,207403825

1,157961773

1,126653998

1,100690903

1,073781583

1,053496980

AGO

0,029442752

0,007469246

0,000668954

0,040166133

2,615135138

1,911583954

AGO

1,204205455

1,151667908

1,124459054

1,097863903

1,071904678

1,051951663

SET

0,026625748

0,006671948

0,000542894

0,030123094

2,560564389

1,863060542

SET

1,201225215

1,147036176

1,122209024

1,094071850

1,069299864

1,050411760

OUT

0,023593929

0,005713263

0,000432999

0,022376388

2,499596726

1,827617555

OUT

1,198881402

1,143190483

1,120273192

1,091194371

1,067675929

1,050042145

NOV

0,020749212

0,004770195

0,000346205

0,016389356

2,437320743

1,797880610

NOV

1,195572059

1,139529176

1,119033303

1,088907665

1,065677783

1,048844365

DEZ

0,017789105

0,003654762

0,000280806

0,012036836

2,368147165

1,772381359

DEZ

1,192419302

1,137508960

1,117752359

1,086811206

1,064313333

1,048225911

1996

2002

1997

1998

1999

2000

2001

2009

2010

2011

2012

2013

JAN

1,748945489

1,595970292

1,453723603

1,348614502

1,275532054

1,249341978

JAN

2008

1,047555476

1,030705058

1,023448746

1,016447943

1,004316725

1,001415532

FEV

1,727309214

1,584183963

1,437254108

1,341687370

1,272796814

1,247633967

FEV

1,046498512

1,028812043

1,023448746

1,015721702

1,003449744

1,001415532

MAR

1,710842357

1,573771856

1,430870993

1,330645673

1,269840625

1,247175006

MAR

1,046244275

1,028348258

1,023448746

1,015189743

1,003449744

1,001415532

ABR

1,697030228

1,563894332

1,418115048

1,315368977

1,267000011

1,245028577

ABR

1,045816536

1,026871617

1,022638816

1,013960822

1,002379203

1,001415532

MAIO

1,685908291

1,554240941

1,411452990

1,307404271

1,265353786

1,243106734

MAIO

1,044818734

1,026405629

1,022638816

1,013586808

1,002151715

1,001415532

JUN

1,676039768

1,544427648

1,405069758

1,299915458

1,262208362

1,240839720

JUN

1,044050313

1,025944980

1,022117536

1,011997972

1,001682927

1,001415532

JUL

1,665879569

1,534400342

1,398200399

1,295887838

1,259513005

1,239033210

JUL

1,042855201

1,025272401

1,021515863

1,010871860

1,001682927

1,001415532

AGO

1,656189206

1,524369987

1,390548212

1,292098114

1,257567548

1,236016094

AGO

1,040862989

1,024195971

1,020341450

1,009631024

1,001538706

1,001206279

SET

1,645861425

1,514871741

1,385354518

1,288304059

1,255026120

1,231783686

SET

1,039227246

1,023994244

1,019414802

1,007539372

1,001415532

1,001206279

OUT

1,635037477

1,505127546

1,379131875

1,284815784

1,253724753

1,229782829

OUT

1,037183993

1,023994244

1,018699675

1,006529823

1,001415532

1,001127190

NOV

1,622996466

1,495328657

1,366976718

1,281912253

1,252077020

1,226210877

NOV

1,034591307

1,023994244

1,018219075

1,005906161

1,001415532

1,000207000

DEZ

1,609882365

1,472745576

1,358640103

1,279356099

1,250580076

1,223851291

DEZ

1,032920043

1,023994244

1,017877069

1,005257770

1,001415532

1,000000000

OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.


* NOTA DO TRT DA 2ª REGIÃO SOBRE O ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA A atualização de débitos trabalhistas é definida no art. 39 da Lei nº 8.177/1991, que não sofreu alteração com a Lei nº 12.703/2012: tal lei modificou os parâmetros para cálculo dos rendimentos da caderneta de poupança, mas não alterou a TR, índice-base para atualização monetária. A TR tem sido calculada com valor “zero” desde setembro de 2012, o que não é nenhuma discrepância, dados os valores mais baixos da Taxa Selic. Observamos que, nas poupanças “novas” (abertas após a Lei nº 12.703/2012), o rendimento tem sido inferior a 0,5%, o que significaria, matematicamente, TR negativa (por isso a TR fica “zerada” nas tabelas de atualização). Lembramos, ainda, que a TR vem apresentando valor mensal muito baixo há muitos anos: o que, efetivamente, garante a preservação do valor dos débitos trabalhistas é a taxa de juros, que, ultimamente, tem sido superior à Selic – daí a TR “negativa” das poupanças novas. A alteração da TR como índice de atualização oficial das tabelas só poderá ser efetuada se houver mudança da legislação, já que a tabela é unificada nacionalmente. Até o fechamento desta edição, a tabela não foi divulgada pelo Tribunal.

2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.

Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.

Juros Capitalizados Mensalmente Nº Meses 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16

% Efetivo Nº Meses 1,0000 17 2,0100 18 3,0301 19 4,0604 20 5,1010 21 6,1520 22 7,2135 23 8,2856 24 9,3685 25 10,4622 26 11,5668 27 12,6825 28 13,8093 29 14,9474 30 16,0968 31 17,2578 32

% Efetivo Nº Meses 18,4304 33 19,6147 34 20,8108 35 22,0190 36 23,2391 37 24,4715 38 25,7163 39 26,9734 40 28,2431 41 29,5256 42 30,8208 43 32,1290 44 33,4503 45 34,7848 46 36,1327 47 37,4940 –

% Efetivo 38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Valor

Norma Legal

DOU

01.10.1989

Vigência

NCz$

381,73

Decreto nº 98.211/89

02.10.1989

VigênciaMoeda 01.09.1990

Cr$

6.056,31

Port. 3.588/90

03.09.1990

01.11.1989

NCz$

557,33

Decreto nº 98.346/89

31.10.1989

01.10.1990

Cr$

6.425,14

Port. 3.628/90

01.10.1990

01.12.1989

NCz$

788,18

Decreto nº 98.456/89

01.12.1989

01.11.1990

Cr$

8.329,55

Port. 3.719/90

01.11.1990

01.01.1990

NCz$

1.283,95

Decreto nº 98.783/89

29.12.1989

01.12.1990

Cr$

8.836,82

Port. 3.787/90

03.12.1990

Cr$

12.325,50

Port. 3.828/90

31.12.1990

01.02.1990

NCz$

2.004,37

Decreto nº 98.900/90

01.02.1990

01.01.1991

01.03.1990

NCz$

3.674,06

Decreto nº 98.985/90

01.03.1990

01.02.1991

Cr$

15.895,46

MP 295/91

01.02.1991

01.04.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.143/90

24.04.1990

01.03.1991

Cr$

17.000,00

Lei nº 8.178/91

04.03.1991

Cr$

42.000,00

Lei nº 8.222/91

06.09.1991

01.05.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.352/90

23.05.1990

01.09.1991

01.06.1990

Cr$

3.857,76

Port. 3.387/90

04.06.1990

01.01.1992

Cr$

96.037,33

Port. 42/92

21.01.1992

01.07.1990

Cr$

4.904,76

Port. 3.501/90

16.07.1990

01.05.1992

Cr$

230.000,00

Lei nº 8.419/92

08.05.1992

01.08.1990

Cr$

5.203,46

Port. 429/90

01.08.1990

01.09.1992

Cr$

522.186,94

Port. 601/92

31.08.1992

Novembro/2013 – Ed. 200

II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989

88


VigênciaMoeda

Valor

Norma Legal

DOU

Valor

Norma Legal

DOU

01.01.1993

Cr$

1.250.700,00

Lei nº 8.542/92

24.12.1992

VigênciaMoeda 01.05.1999

R$

136,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.03.1993

Cr$

1.709.400,00

Port. Interm. 4/93

01.03.1993

03.04.2000

R$

151,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.05.1993

Cr$

3.303.300,00

Port. Interm. 7/93

04.05.1993

01.04.2001

R$

180,00

MP 2.142/01 (atual 2.194-6)

30.03.2001

01.07.1993

Cr$

4.639.800,00

Port. Interm. 11/93

01.08.1993

01.04.2002

R$

200,00

Lei nº 10.525/02

28.03.2002

01.08.1993

CR$

5.534,00

Port. Interm. 12/93

03.08.1993

01.04.2003

R$

240,00

Lei nº 10.699/03

10.07.2003

01.09.1993

CR$

9.606,00

Port. Interm. 14/93

02.09.1993

01.05.2004

R$

260,00

Lei nº 10.888/04

25.06.2004

01.10.1993

CR$

12.024,00

Port. Interm. 15/93

04.10.1993

01.05.2005

R$

300,00

Lei nº 11.164/05

19.08.2005

01.11.1993

CR$

15.021,00

Port. Interm. 17/93

03.11.1993

01.04.2006

R$

350,00

MP 288/06

31.03.2006

01.12.1993

CR$

18.760,00

Port. Interm. 19/93

02.12.1993

01.04.2006

R$

350,00

Lei nº 11.321/06

10.07.2006

01.01.1994

CR$

32.882,00

Port. Interm. 20/93

31.12.1993

01.04.2007

R$

380,00

MP 362/07

30.03.2007-extra

01.02.1994

CR$

42.829,00

Port. Interm. 02/94

02.02.1994

01.04.2007

R$

380,00

Lei nº 11.498/07

29.06.2007

01.03.1994

URV

64,79

Port. Interm. 04/94

03.03.1994

01.03.2008

R$

415,00

MP 421/08

29.02.2008-extra

01.07.1994

R$

64,79

Lei nº 9.069/95

30.06.1994/30.06.1995

01.02.2009

R$

465,00

MP 456/09

30.01.2009-extra

01.09.1994

R$

70,00

Lei nº 9.063/95

01.09.1994/20.06.1995

01.01.2010

R$

510,00

MP 474/09

24.12.2009

01.05.1995

R$

100,00

Lei nº 9.032/95

29.04.1995

01.01.2011

R$

540,00

MP 516/10

31.12.2010

01.05.1996

R$

112,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.03.2011

R$

545,00

Lei nº 12.382/11

28.02.2011

01.05.1997

R$

120,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2012

RS

622,00

Decreto nº 7.655/11

26.12.2011

01.05.1998

R$

130,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2013

R$

678.00

Decreto nº 7.872/11

26.12.2012

Novembro/2013 – Ed. 200

III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Dezembro/2012)

89

1 – Salário-de-benefício mínimo: R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais) 2 – Salário-de-benefício máximo: R$ 3.916,20 (três mil, novecentos e dezesseis reais e vinte centavos) 3 – Renda mensal vitalícia: R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais) 4 – Auxílio-funeral*

– R$ 31,22 (trinta e um reais e vinte e dois centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior R$ 608,80 (seiscentos e oito reais e oitenta e centavos); – R$ 22,00 (vinte e dois reais) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 608,80 (seiscentos e oito reais e oitenta e centavos) e igual ou inferior a R$ 915,05 (nocentos e quinze reais e cinco centavos).

5 – Auxílio-natalidade*

7 – Benefícios a idosos e portadores de deficiência: Valor de um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995).

6 – Salário-família:

* Benefícios extintos a partir de jan. 1996 (Lei nº 8.742/1993, art. 40).


8 – Tabela de contribuição (empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso) para pagamento de remuneração Salário-de-contribuição (R$) Até R$ 1.247,70

Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)

8,00*

De R$ 1.247,71 até R$ 2.079,50

9,00*

De R$ 2.079,51 até R$ 4.159,00

11,00*

9 – Escala de salários-base para os segurados contribuinte individual e facultativo Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.

* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.

IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL Base de cálculo em R$

Alíquota %

-

Parcela a deduzir do imposto em R$

O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.

-

De 1.710,79 até 2.563,91

7,5

128,31

De 2.563,92 até 3.418,59

15,0

320,60

De 3.418,60 até 4.271,59

22,5

577,00

Acima de 4.271,59

27,5

790,58

V – Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho Novos valores para Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho (Ato nº 491/2012 do TST, DJe de 20.07.2012, vigência a partir de 01.08.2012) Recurso Ordinário

R$ 6.598,21

Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória

R$ 13.196,42

Novembro/2013 – Ed. 200

Até 1.710,78

TABELA PROGRESSIVA ANUAL

Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.

90


VI – Indexadores Indexador

Maio

Junho

Julho

Agosto

Setembro

Outubro

INPC IGPM UFIR SELIC

0,35 0,00

0,28 0,75

- 0,13 0,26

0,16 0,71

0,27 0,71

0,61 0,81

1,50

0,86

Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º.

0,60

0,61

0,72

0,15

Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75

TDA

Valores nominais reajustados – Reais 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 157,23

(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.

VII – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.

Novembro/2013 – Ed. 200

Mês/Ano

91

JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

1990

1991

102,527306 1942,726347 160,055377 2329,523162 276,543680 2838,989877 509,725310 3173,706783 738,082248 3332,709492 796,169320 3555,334486 872,203490 3940,377210 984,892180 4418,739003 1103,374709 5108,946035 1244,165321 5906,963405 1420,836796 7152,151290 1642,203168 9046,040951

1992

1993

1994

11230,659840 140277,063840 3631,929071 14141,646870 180634,775106 5132,642163 17603,522023 225414,135854 7214,955088 21409,403484 287583,354522 10323,157739 25871,123170 369170,752199 14747,663145 32209,548346 468034,679637 21049,339606 38925,239176 610176,811842 11,346741 47519,931986 799,392641 12,036622 58154,892764 1065,910147 12,693821 72100,436048 1445,693932 12,885497 90897,019725 1938,964701 13,125167 111703,347540 2636,991993 13,554359

1995 13,851199 14,082514 14,221930 14,422459 14,699370 15,077143 15,351547 15,729195 15,889632 16,075540 16,300597 16,546736

Mês/Ano 1996 JAN 16,819757 FEV 17,065325 MAR 17,186488 ABR 17,236328 MAIO 17,396625 JUN 17,619301 JUL 17,853637 AGO 18,067880 SET 18,158219 OUT 18,161850 NOV 18,230865 DEZ 18,292849

1997 18,353215 18,501876 18,585134 18,711512 18,823781 18,844487 18,910442 18,944480 18,938796 18,957734 19,012711 19,041230

1998 19,149765 19,312538 19,416825 19,511967 19,599770 19,740888 19,770499 19,715141 19,618536 19,557718 19,579231 19,543988

1999 19,626072 19,753641 20,008462 20,264570 20,359813 20,369992 20,384250 20,535093 20,648036 20,728563 20,927557 21,124276

2000 21,280595 21,410406 21,421111 21,448958 21,468262 21,457527 21,521899 21,821053 22,085087 22,180052 22,215540 22,279965

2001 22,402504 22,575003 22,685620 22,794510 22,985983 23,117003 23,255705 23,513843 23,699602 23,803880 24,027636 24,337592


2003 28,131595 28,826445 29,247311 29,647999 30,057141 30,354706 30,336493 30,348627 30,403254 30,652560 30,772104 30,885960

2004 31,052744 31,310481 31,432591 31,611756 31,741364 31,868329 32,027670 32,261471 32,422778 32,477896 32,533108 32,676253

2005 32,957268 33,145124 33,290962 33,533986 33,839145 34,076019 34,038535 34,048746 34,048746 34,099819 34,297597 34,482804

2006 34,620735 34,752293 34,832223 34,926270 34,968181 35,013639 34,989129 35,027617 35,020611 35,076643 35,227472 35,375427

2007 35,594754 35,769168 35,919398 36,077443 36,171244 36,265289 36,377711 36,494119 36,709434 36,801207 36,911610 37,070329

Mês/Ano 2008 JAN 37,429911 FEV 37,688177 MAR 37,869080 ABR 38,062212 MAIO 38,305810 JUN 38,673545 JUL 39,025474 AGO 39,251821 SET 39,334249 OUT 39,393250 NOV 39,590216 DEZ 39,740658

2009 39,855905 40,110982 40,235326 40,315796 40,537532 40,780757 40,952036 41,046225 41,079061 41,144787 41,243534 41,396135

2010 41,495485 41,860645 42,153669 42,452960 42,762866 42,946746 42,899504 42,869474 42,839465 43,070798 43,467049 43,914759

2011 44,178247 44,593522 44,834327 45,130233 45,455170 45,714264 45,814835 45,814835 46,007257 46,214289 46,362174 46,626438

2012 46,864232 47,103239 47,286941 47,372057 47,675238 47,937451 48,062088 48,268754 48,485963 48,791424 49,137843 49,403187

2013 49,768770 50,226642 50,487820 50,790746 51,090411 51,269227 51,412780 51,345943 51,428096 51,566951 51,881509

Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.

Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967

NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990

NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970

Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993

Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986

CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994

Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988

R$ (real): de jul./1994 em diante

Exemplo: Atualização até novembro de 2013, do valor de Cz$ 1.000,00, fixado em janeiro 1988. Cz$ 1.000,00 : 596,94 (jan./1988) x 51,881509 (nov./2013) = R$ R$ 86,91 Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:

Out./1964 a fev./1986: ORTN Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989

Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989)

Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice) Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002. Fonte: DJe, TJSP, Administrativo, 10.10.2013, p. 2. * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.

Novembro/2013 – Ed. 200

Novembro/2013 – Ed. 200

Mês/Ano 2002 JAN 24,517690 FEV 24,780029 MAR 24,856847 ABR 25,010959 MAIO 25,181033 JUN 25,203695 JUL 25,357437 AGO 25,649047 SET 25,869628 OUT 26,084345 NOV 26,493869 DEZ 27,392011

92


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