Jornal Jurídico Outubro 2015

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A Prova Ilícita no Direito de Família e o Conflito de Valores Rolf Madaleno – p. 1 O Instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica nos Processos de Licitações Públicas – Carlos Eduardo Araujo de Assis e Daniel Cardoso Gerhard – p. 13 O Protesto Indevido de Certidão de Dívida Ativa e o Dano Moral: Consequências Lógicas da Lei nº 12.767/2012 à Luz da Jurisprudência do STJ – Rodrigo Figueira Silva – p. 25 O Trabalho das Pessoas com Deficiência e a Lei nº 13.146/2015 – Adalberto Martins e Helena Silveira A. Waitman – p. 32 Investimento Direto Estrangeiro e Sustentabilidade: Interação, Efetividade e Impacto de Políticas Ambientais no Fluxo de Capital Externo – Vinicius Diniz Vizzotto – p. 44 A Prisão Domiciliar e a Falta de Vagas no Sistema Prisional. Os Direitos e as Garantias dos Apenados na Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre e nos Tribunais Superiores – Adriano Marcos Lehnen – p. 59

Jornal Jurídico Outubro/2015 – Edição 223

Acórdão na Íntegra – Superior Tribunal de Justiça – Aldo Medeiros Lima Filho – p. 74 Pesquisa Temática – Área de Preservação – p. 83 Jurisprudência Comentada – Prisão Civil por Débito Alimentar: a Caminho da Inaplicabilidade – Aldo Medeiros Lima Filho – p. 86 Medidas Provisórias – p. 91 Normas Legais – p. 94 Indicadores – p. 95


Doutrina

A Prova Ilícita no Direito de Família e o Conflito de Valores ROLF MADALENO

Advogado e Professor de Direito de Família e Sucessões na PUCRS, Diretor Nacional do IBDFAM. Vice-Presidente do Iargs.

SUMÁRIO: 1 A prova; 2 A formação da convicção pela prova; 3 Princípios da prova; 4 Provas típicas e atípicas; 5 Prova ilícita e prova ilegítima; 6 Provas ilícitas; 7 A utilização das provas ilícitas no direito de família; 8 Princípio da proporcionalidade.

1 A PROVA Segundo Francesco Carnelutti1, entre todos os fatos afirmados pelas partes em um processo, existe uma zona neutra de ações afirmadas tão só por uma ou algumas das partes, mas não admitidos, embora possam existir ou não. São acontecimentos havidos por controvertidos e, portanto, se constituem em matéria de prova, deparando-se o julgador com a afirmação positiva de um e a negativa do outro, sendo necessário proporcionar os meios processuais de prova para a solução do impasse entre duas aparentes, mas contraditórias verdades. 1 CARNELUTTI, Francesco. La prueba civil. 2. ed. Buenos Aires: Depalma, 1982. p. 15.

A função da prova processual é fornecer ao juiz os elementos e argumentos de sua decisão, afastando suas dúvidas e inquietações, para que possa concluir com convicção e segurança. Assim, só haverá necessidade de prova a despeito de alguma alegação contestada, cuja exatidão e verossimilhança precisarão ser comprovadas, de regra, pela iniciativa das partes interessadas na sua demonstração processual, com influência no resultado da sentença, sendo certo aduzir que o juiz não está restrito à iniciativa probatória dos litigantes, porque não atua na demanda como se fosse um mero espectador, mas, ao contrário, pode e até deve, de ofício, comandar a busca dos elementos comprobatórios havidos como necessários à instrução do processo, inclusive indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias (art. 130 do CPC). Contudo, salvo expressas exceções, quem alega tem a tarefa de demonstrar a veracidade entre o fato constitutivo de seu direito e o fundamento jurídico de seu pedido, pois disso depende a formação de convencimento do juiz, cuja avaliação da prova é discricionária, atendendo aos elementos constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes, mas ditará na sua sentença os motivos que lhe formaram o convencimento (art. 131 do CPC).

2 A FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO PELA PROVA Como é da estrutura do procedimento ordinário brasileiro, há uma fase do processo destinado especificamente à instrução da demanda, desta feita destinada à coleta de um conjunto complementar e tradicional de provas, consistente nos depoimentos pessoais das partes e audiência das testemunhas arroladas e, se necessário e viável, também pode ser realizada prova pericial. A rigor, contudo, a fase de instrução do processo não responde a um momento exato do procedimento, e assim acontece porque, por


admitidos como incontroversos e, por fim, aqueles fatos em cujo favor milita presunção legal da existência ou de veracidade (art. 334 do CPC). O art. 212 do Código Civil admite a prova do fato jurídico pela confissão, documento, testemunha, presunção ou perícia, enquanto que o art. 440 do Código de Processo Civil também abre a possibilidade da inspeção judicial de pessoas ou coisas, como importante elemento de pesquisa da verdade dos acontecimentos.

Entretanto, nenhum rigor absoluto comanda a instrução do feito, mesmo porque nem toda a demanda prescinde da determinação de provas, quando, por exemplo, a questão de mérito for apenas de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzi-la em audiência, ou, ainda, quando ocorrer à revelia, permitindo possa o juiz conhecer diretamente do pedido, proferindo sentença (art. 330 do CPC), não se tratando de direitos indisponíveis (art. 320, II, do CPC), como usualmente são aqueles provenientes das relações de família. Também não dependem de prova os fatos notórios afirmados por uma das partes e confessados pela outra, bem como aqueles

Nesse contexto, os meios probatórios buscam alcançar a verdade e a partir dela ou o mais próximo possível da realidade realizar a justiça das decisões judiciais, mas não uma justiça a qualquer preço e sem nenhum limite, tendo em conta que certos meios probatórios podem ser vetados, quando afetam direito fundamental considerado mais relevante.

3 PRINCÍPIOS DA PROVA A função atual do Direito é a de estimular o desenvolvimento social da ação humana, no pertinente ao valor supremo da dignidade pessoal; em seu nome são criadas as regras jurídicas a serem aplicadas pelo juiz. Entretanto, na dinâmica da vida e dos interesses sociais, nem sempre o Direito tem seu sistema de regras inteiramente contextualizado, não sendo nada raro deparar com lacunas e antinomias, ou simplesmente não encontrar respostas para o caso concreto e não previsto em lei.

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exemplo, no tocante às provas materiais, o autor tem a obrigação de instruir a petição inicial com os documentos indispensáveis à propositura da ação (art. 283 do CPC) e, por sua vez, tem o réu o ônus de especificar as provas que deseja produzir, juntando com a contestação o acervo material relacionado à sua defesa para servir de contraprova processual.

Em qualquer caso, pode o juiz determinar de ofício ou a requerimento da parte as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias (art. 130 do CPC), apreciando livremente a prova, atento aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; embora deva indicar na sentença os motivos que lhe formaram o convencimento (art. 131 do CPC).

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Também a realidade muda e o Direito precisa contemplar esses novos parâmetros sociais, o que tem sido obtido com o uso da jurisprudência, ao promover o harmonioso encontro do Direito com os novos padrões de conduta, sintonizados com a felicidade e a realização da pessoa humana. Portanto, em uma dimensão acima das regras, figuram os princípios, como base de sustentação de todo o sistema legal brasileiro, quer no campo do direito material como processual.

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Assim também sucede no âmbito da prova no processo civil, instituto envolto em diversos princípios, todos eles atuando como pilares fundamentais de sua estrutura e direção. Sendo o processo judiciário uma ciência autônoma, a prova está dotada de princípios próprios, considerados verdadeiros enunciados, muitos deles com assento na Constituição Federal, como “o do contraditório, da ampla defesa, da oralidade, da imediatidade física do juiz, da concentração, da publicidade, da verdade real, do livre convencimento motivado, da comunhão, da imaculação”, ou da proibição de prova obtida por meios ilícitos (art. 5º, incisos XII e LVI, da CF)2.

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Disposição estabelecida por igual, no art. 332 do Código de Processo Civil, de serem admitidos todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados no Código. Destarte, na conformidade do art. 332 do CPC, como princípio de prova, todos os meios legais são aptos para demonstrar a verdade dos fatos, sobre os quais se funda o pedido da ação ou da defesa, ainda que não tenham sido legalmente previstos, mas só servirão como prova se forem moralmente legítimos. 2 GIORGIS, José Carlos Teixeira. O direito de família e as provas ilícitas. In: WELTER, Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf Hanssen. (Coords.). Direitos fundamentais do direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 140.

Impõe assim a Carta Federal restrições à liberdade probatória, não admitindo a prova ilícita, que rompe o equilíbrio das partes no processo, tal qual aquela obtida por meios moralmente ilegítimos, como ocorre com a violação do sigilo de correspondência, podendo integrar esse rol a interceptação da correspondência virtual, e das comunicações telegráficas, ou de dados e comunicações telefônicas, à exceção, nesta última hipótese, quando realizada por ordem judicial para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (art. 5º, inciso XII, da CF). O valor maior a ser protegido é o da dignidade da pessoa humana, o qual permite consignar a possibilidade de relativização da garantia constitucional de vedação da prova ilícita, quando estiver em risco a supremacia dos direitos da pessoa humana, sua honra e sua dignidade.

4 PROVAS TÍPICAS E ATÍPICAS As provas textualmente identificadas em lei são denominadas de típicas, em contraponto com as provas chamadas de atípicas ou inominadas3. São provas não reguladas expressamente em lei; contudo, tampouco vetadas, mas, ao contrário, surgem de diversas passagens da legislação processual, tanto que o juiz pode buscar nessas outras fontes de convencimento maiores subsídios para atender aos postulados judiciais. Essas provas atípicas ou menos convencionais podem servir como úteis elementos de revelação da verdade, como ocorre, por exemplo, com a prova emprestada de outro processo; ou quando o oficial de justiça certifica em seu mandado qualquer passagem fática ou circunstância que interesse à elucidação da demanda, ainda que não tenha sido especialmente ordenado o 3 CAMBI, Eduardo. A prova civil, admissibilidade e relevância, São Paulo: RT, 2006. p. 40.


Ingressam ainda nesse rol de provas atípicas as declarações fornecidas por terceiros; ou comportamento das partes e das testemunhas fora do processo, sob cujas circunstâncias podem ter inequívoca influência na formação do convencimento do juiz, como no caso de entrevistas concedidas à imprensa falada, escrita e televisada. Essas situações podem contribuir indiretamente para a elucidação da causa, embora o juiz não possa fundamentar sua sentença com lastro nesses elementos recolhidos no comportamento extraprocessual das partes e testemunhas, mas seguramente servirão para a melhor compreensão do julgador no exame da matéria probatória 4. Darci Guimarães Ribeiro indica como fonte adicional de prova atípica os fatos notórios, que dispensam comprovação, conforme inciso I do art. 334 do CPC, integrando ainda a nominata: as presunções, previstas no inciso IV do art. 334 do CPC e no art. 212, inciso IV, do Código Civil, as regras de experiência, do art. 335 do CPC, que se dividem em comuns ou técnicas, conforme prescindam ou não de conhecimento especializado5. Acresce ser preciso levar também em consideração a tecnologia virtual, surgida com a disseminação do clonado documento eletrônico, que, em uma definição genérica, é aquele confeccio4 LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 170-171. 5 RIBEIRO, Darci Guimarães. Provas atípicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 96-110.

nado pelo computador6. É fantástico o universo da comunicação virtual da Internet, onde a ciência da computação revolucionou os meios de comunicação, como no passado sucedeu com o telégrafo e o telefone, não mais se concebendo uma sociedade que não se sirva da comunicação virtual. A circunstância de serem provas atípicas não as torna diferenciadas e estranhas ao ordenamento processual brasileiro, porque a lei brasileira aceita todos os meios de prova em direito admitidos, conforme o art. 332 do CPC, que estatui: “Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”.

5 PROVA ILÍCITA E PROVA ILEGÍTIMA Há certo conjunto de provas considerado proibido ou vedado, e compreende duas categorias: a das provas ilegítimas, quando produzidas em afronta à lei, como no caso de profissionais que devem guardar sigilo daquilo que lhes é dito em razão de sua profissão ou ofício; e a das provas obtidas por meio de meios ilícitos, violando a lei material. O art. 5º da Constituição Federal acolhe qualquer meio de prova processual que não tenha sido obtido por meios ilícitos. Para José Carlos Teixeira Giorgis, a prova ilícita é obtida com violação das garantias constitucionais e do direito material, ao passo que a prova ilegítima decorre da transgressão das regras processuais 7. A violação de correspondência ou a interceptação telefônica é prova ilícita, como ilícita é a prova obtida mediante tortura ou maus-tratos (art. 5º, inciso X, da CF), enquanto ilegítima é a prova consistente do depoimento 6 Idem, ibidem, p. 133. 7 GIORGIS, José Carlos Teixeira. Op. cit., p. 150.

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seu deslocamento para a verificação de algum fato específico. Também quando peritos prestam esclarecimento diretamente em juízo, ou quando as partes apresentarem pareceres técnicos e documentos elucidativos (art. 427 do CPC).

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escrito de advogado que tenha representado profissionalmente a parte, contra quem este documento é produzido, ou do padre que deve guardar segredo das confissões que lhe são passadas por seu ofício religioso.

provas ilícitas, mas ponderáveis pelo princípio da proporcionalidade.

Para Luiz Francisco Torquato Avolio8, a prova ilegítima fere normas de direito processual, como no caso da testemunha com dever profissional de sigilo, que tem a obrigação de se recusar a depor, ou na hipótese do testemunho de parente consanguíneo ou por afinidade. Uma vez colhidos os depoimentos dessas pessoas, que devem guardar sigilo em função do ofício, da profissão ou do parentesco, a prova é nula, por violar lei material, salvo que essa prova ilícita seja determinante para o resultado do processo9.

Segundo Eduardo Cambi10, a busca da verdade não é um valor absoluto no processo e tampouco justifica ir ao seu encalço a qualquer preço. Ela precisa ser temperada com os demais valores presentes no contexto processual e assim naturalmente sujeita às restrições dos excessos e desvarios de uma incontida ilicitude, tudo em consideração a valores de maior estatura moral.

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A prova ilicitamente obtida fere de morte os direitos fundamentais previstos pela Constituição Federal e atinentes à intimidade, à liberdade e à dignidade humana, além de outras garantias definidas em normas infraconstitucionais, capazes de violar direitos, como a integridade física, a propriedade, a inviolabilidade do domicílio, o sigilo da correspondência e o da comunicação telefônica.

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Contudo, os direitos fundamentais vinculados à intimidade e à dignidade da pessoa encontram larga proteção nas demandas cíveis, muito especialmente nas causas familistas, que são confrontados na suposição de proteção de um valor maior, quando buscam preservar a intimidade dos cônjuges, a integridade psíquica dos filhos e a garantia da subsistência em que houver dependência alimentar, permitindo quebrar o sigilo e o uso de 8 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas, interceptações telefônicas e gravações clandestinas. São Paulo: RT, 1995. p. 39. 9 CARNAÚBA, Maria Cecília Pontes. Prova ilícita. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 79.

6 PROVAS ILÍCITAS

Daí a vedação legal à prova ilícita contida tanto no art. 5º, inciso LVI, da Carta Federal quanto no art. 332 do Código de Processo Civil, ao aduzirem ambos os dispositivos só serem admitidos os meios de prova legais e moralmente legítimos, mesmo que não previstos expressamente em lei. Para João Batista Lopes11, a prova ilícita está agrupada em quatro correntes doutrinárias: a) aquela que admite a prova ilícita; b) a que não admite as provas obtidas por meios ilícitos; c) a que as rejeita com fundamento em princípios constitucionais; e d) a corrente que não aceita as provas ilícitas como princípio geral de direito, contudo admite eventuais exceções. Segundo João Batista Lopes12, o sistema brasileiro está inquestionavelmente vinculado ao fundamento constitucional da prova ilícita, o que explica por que Cambi propõe o abandono definitivo da dicotomia provas ilícitas/provas ilegítimas, devendo ser san10 CAMBI, Eduardo. Op. cit., p. 63. 11 LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 96-97. 12 Idem, ibidem, p. 97.


Valendo-se da lição de José Carlos Barbosa Moreira, em exaustivo estudo sobre a prova ilícita nas ações de destituição do poder familiar, Douglas Fischer14 aponta a existência de duas correntes para o problema jurídico da chamada prova ilícita, cuidando uma dessas doutrinas da constatação do ato ilícito e do seu categórico afastamento como meio probatório, e a outra corrente pautando pela admissão da prova, mas respondendo o autor da prova por sua ilicitude na seara própria. O aproveitamento das provas obtidas com infringência às normas de direito material tem sido alvo de calorosas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, prevalecendo o entendimento de que o juiz não deve considerá-las. Muito embora, e já de longo tempo, pois é texto escrito ainda sob a égide da Constituição Federal de 1979, Alcides de Mendonça Lima15 dizia não poder o juiz se abstrair de conhecer o fato e julgá-lo apenas porque a prova foi considerada ilícita ou imoral. Especialmente se a parte dispuser somente daquela prova, por cuja natureza não enseja, normalmente, outro meio, pois sua repulsa irá ensejar uma sentença injusta e para o juiz importa é fazer justiça. 13 CAMBI, Eduardo. A prova civil... cit., p. 67. 14 FISCHER, Douglas. Prova ilícita na ação de destituição do poder familiar – uma investigação à luz da hermenêutica constitucional. In: MADALENO, Rolf (Coord.). Ações de direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 192. 15 LIMA, Alcides de Mendonça. A eficácia do meio de prova ilícito no CPC brasileiro. Ajuris, Porto Alegre, v. 38, p.106, nov. 1986.

Se o ato for ilegal ou imoral e favorecer aquele que somente levanta a imoralidade ou a ilicitude do meio, e nada contrapõe à autenticidade da prova e à veracidade dos fatos atestados por esta mesma prova, conclui Mendonça Lima, naquele tempo, que um direito não pode servir para cometer uma injustiça e, por evidente, já defendia o juízo da ponderação. Prevalece, portanto, pela moderna doutrina a tese do abrandamento da proibição da prova ilícita em casos excepcionais para tutelar direitos constitucionais proporcionalmente mais valorados, pois o cerne da questão está em encontrar o equilíbrio entre os dois valores contrapostos16. Assim também pensa José Carlos Teixeira Giorgis17, ao explicitar viver o juiz um cruciante dilema para decidir entre a verdade e a segurança jurídica, pois se afastasse prova considerada ilícita, em contrapartida terminaria afetando direito protegido pela ordem constitucional e pela dignidade da pessoa humana.

7 A UTILIZAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS NO DIREITO DE FAMÍLIA A própria natureza das questões processuais debatidas no âmbito do Direito de Família é peculiar e deve ser vista com um evidente e indissociável juízo de ponderação. Prova de aplicação desse juízo de ponderação consiste na possibilidade de serem auscultadas no juízo familista as pessoas que são impedidas de depor, como o cônjuge, ascendentes, descendentes e colaterais até o terceiro grau (art. 405, § 2º, inciso I, do CPC), 16 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. São Paulo: RT, 1991. p. 96. 17 GIORGIS, José Carlos Teixeira. Op. cit., p. 159.

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cionado tratamento unitário para a ilicitude, passando a denominar ambas de provas inconstitucionais, porquanto infringem o art. 5º, inciso LVI, da CF. Assim, sempre que violarem direitos fundamentais constitucionalmente tutelados, não poderão ser admitidas como meio de prova13.

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salvo se assim o exigir o interesse público, ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não houver outro modo de obter a prova.

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Mesmo no caso de depoimento de criados e serviçais com liames de dependência, que por causa dos vínculos não poderiam depor, salvo quando estritamente necessário (§ 4º do art. 405), e usualmente serão testemunhos necessários pela proximidade que têm com os fatos e a intimidade verificada na privacidade do domicílio familiar.

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Não se pode perder de vista, no entanto, que será decisão do juiz avaliar a necessidade ou conveniência da tomada desses depoimentos de pessoas, em princípio, impedidas de depor, como será exclusivamente do decisor avaliar a real e final prestabilidade desses testemunhos, que sabe, de antemão, estão imantados de uma carga muito elevada e compreensível de parcialidade, cometendo ao magistrado promover a conveniente filtragem dessa prova que entrelaça sentimentos, interesses e comprometimento pessoal.

São admitidos os depoimentos de empregados domésticos nas ações de família, como disse Sérgio Gilberto Porto18, não somente porque essas pessoas conhecem os fatos ocorridos no recesso do lar, mas porque muitas vezes elas mantêm vínculos com ambos os litigantes, surgindo justamente dessa particularidade o conhecimento daquilo que ocorre na intimidade da casa.

Aqui se faz notoriamente presente o juízo da adequação entre os meios e os fins, em que o próprio legislador tratou de estabelecer os mecanismos de razoabilidade na utilização da prova que, em princípio, seria vetada, não admitindo a ouvida de testemunhas impedidas, contudo, considerando razoável a coleta dessa prova em situações preestabelecidas, pertinentes ao interesse público ou ao estado das pessoas.

No entanto, esse vínculo bilateral já não se faz mais presente nas ações revisionais de alimentos, quando são largamente utilizados os depoimentos dos servidores domésticos para provarem a necessidade de majoração dos alimentos, ou nas demandas de alteração de guarda ou de regulamentação de visitas, quando os casais já estão separados e as testemunhas guardam apenas um vínculo unilateral de trabalho e de dependência financeira.

Na seara do Direito de Família, a pretensão visada pela ordem jurídica não é como poderia parecer em um primeiro momento, o interesse particular de cada um dos litigantes contrapostos na demanda, ou um desses protagonistas em relação aos seus filhos ou parentes, mas, sim, a intangibilidade da própria instituição familiar, que tem valor transcendental.

De qualquer modo, não há, efetivamente, como desprezar com a natural moderação o depoimento de parentes e empregados domésticos, quando geralmente são eles que podem prestar os esclarecimentos dos fatos ocorridos na vida familiar. 18 PORTO, Sérgio Gilberto. Prova: Generalidades da teoria e particularidades do direito de família. Ajuris, Porto Alegre, n. 39, p. 124, mar. 1987.

Lembra Lourival de Jesus Serejo Sousa19 ser frequente a utilização de escutas telefônicas, gravações clandestinas e movimentação de detetives particulares nas demandas de separação judicial ou de custódia judicial dos filhos. 19 SOUZA, Lourival de Jesus Serejo. As provas ilícitas e as questões de direito de família. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese – IBDFAM, v. 2, p. 10, jul./ago./set. 1999.


Diante da dificuldade em obter a prova direta do adultério, precisamente pelos cuidados dos quais se cerca o par adúltero para evitar o flagrante, Cahali considera admissível o recurso a todo o gênero de provas do adultério no juízo cível, para efeitos de dissolução da sociedade conjugal, e justamente em razão das peculiaridades dessa infração considerada pela doutrina como a mais infamante das causas de separação21. Portanto, há um afrouxamento no rigor da prova direta do adultério, mas também há, em contrapartida, um afrouxamento dos meios utilizados para a mesma prova da infidelidade carnal. 20 CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 6. ed. São Paulo: RT, t. 1, 1991. p. 720. 21 MADALENO, Rolf. A infidelidade e o mito causal da separação. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese-IBDFAM, n. 11, p. 152, out./nov./dez. 2001. A propósito do adultério como a mais infamante das causas separatórias, é de ser observado não ser ela a única forma de violação do dever de fidelidade, que tem conceito muito mais amplo, estando o adultério apenas na antessala da infidelidade. Fidelidade é gênero do qual o adultério é apenas uma das espécies de infração. Dependesse o divórcio da prova direta do adultério e raros seriam os processos, aceitando a jurisprudência a presunção do adultério, quando demonstrados deslizes conjugais flagrados na conduta leviana ou irregular do cônjuge com terceiro, a excessiva intimidade ou afeição carnal com pessoa de outro sexo.

O depoimento do cúmplice no adultério, por exemplo, está protegido pela regra do art. 406, inciso I, do CPC, ao estabelecer a possibilidade de o partícipe do adultério se escusar de depor sobre fatos que lhe acarretem grave dano. Contudo, só essa recusa em depor já seria, provavelmente, suficiente para aplicar o princípio de veracidade por presunção, instituída pelo art. 335 do Código de Processo Civil, que permite ao juiz aplicar as regras de experiência comum, subministradas pela observação daquilo que ordinariamente acontece, de sorte que melhor seria a testemunha indicada como co-autora do adultério negar o fato em juízo ou a sua co-autoria. Ao lado do adultério tradicional, surge o adultério virtual, cuja expressão Marilene Guimarães22 prefere substituir por infidelidade virtual, considerando só existir adultério virtual se da troca das comunicações eletrônicas resultar o relacionamento carnal. Na relação virtual que se ressente do contato físico, existiria tão somente um laço erótico-afetivo platônico, mantido à distância por meio de um computador, podendo ser falado em quase adultério, em verdade, apenas em infidelidade moral23. Esses relacionamentos virtuais que navegam pelo véu da Internet, Alexandre Rosa24 os compara aos tempos em que os amantes mantinham seus contatos às escondidas, nas alcovas retratadas pelo Marquês de Sade. E nessa alcova virtual a intimidade também merece preservação constitucional, por ser prova ilícita aquela obtida no campo da 22 GUIMARÃES, Marilene Silveira. Adultério virtual, infidelidade virtual. Anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família – A família na travessia do milênio. Belo Horizonte: IBDFAM, p. 439, 2000. 23 Idem, ibidem, p. 445. 24 ROSA, Alexandre. Amante virtual, (in)consequências no direito de família e penal. Florianópolis: Habitus, 2001. p. 21.

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Recorda Yussef Said Cahali20 quão raras são as provas diretas do adultério na ação de separação judicial, uma vez que seus protagonistas se cercam de todos os cuidados, buscando se desviar dos olhares denunciadores. Consequentemente, os autores das ações separatórias se valem da prova indireta do adultério, aportando aos feitos toda sorte de indicativos e elementos que, na sua soma, resultam em fortes indícios e presunções, quase invencíveis, da ocorrência de infidelidade conjugal.

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informática, se interceptada ao tempo da emissão do e-mail ou se já estiver armazenado na caixa postal do usuário25. Alexandre Rosa também observa ser proibido adentrar nos arquivos do companheiro sem o devido consentimento, salvo sendo comum a conta do provedor, mas desde que não existam senhas individuais, em cuja hipótese haveria arbitrária intromissão e violação de sigilo de comunicação. É prova ilícita a utilização judicial de documentos abortados de dados transmitidos pela Internet para a comprovação de infidelidade virtual, e vai além, pois entende também não existir nenhuma possibilidade de autorização judicial para a invasão dos fluxos de dados transmitidos via telefone, como no caso do e-mail, por completa falta de previsão legal26.

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A interceptação pelo consorte da correspondência endereçada a terceiro por seu cônjuge, por suspeita de adultério, tem dividido a doutrina, entendendo alguns que, por exemplo, o marido tem o direito de interceptar a correspondência da mulher para com o seu cúmplice, enquanto outros descartam a produção dessa prova obtida por meio ilícito.

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Yussef Said Cahali27 acredita na admissibilidade dessa modalidade de prova, sendo irrelevante se a carta foi obtida por meios ilícitos ou desleais, ou interceptada pelo acaso dos acontecimentos, sendo função dos juízes decidir conforme as provas lhes forem apresentadas e se elas foram hábeis para dar certeza e condições de convicção ao julgador, desimporta ao processo tenha essa correspondência sido interceptada ilicitamente. 25 SOUZA, Lourival de Jesus Serejo de. As provas ilícitas e as questões de direito de família. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, p. 12, jul./ago./set. 1999. 26 ROSA, Alexandre. Op. cit., p. 41. 27 CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 726.

Tenha-se, por exemplo, em consideração a possibilidade legal de o juiz compelir terceiro a exibir a correspondência pela via processual da exibição de documento ou coisa, ajuizada em caráter incidental e apensa ao processo ordinário de separação judicial. Portanto, não parece se revista de ilicitude o entranhamento direto de missiva interceptada pelo cônjuge que desconfiava da fidelidade de sua mulher, assim como não viola nenhum valor extremo quando a mulher vítima de adultério localiza correspondência de infidelidade virtual de seu cônjuge com terceiro. Ainda na doutrina de Yussef Said Cahali28, também a prova colhida por grampo telefônico tem sido admitida de forma incondicional em sede de atuação das ações de Direito de Família, desde que reste demonstrada a autenticidade da voz e da gravação e verificada a impossibilidade de fraude ou de inserção maliciosa de trechos, ou a sua mera subtração, que pudesse permitir a intolerável distorção do real sentido da fala captada, forjando a sua descontextualização. Sua admissibilidade estaria implícita no art. 332 do CPC, quando admite todos os meios legais, bem como moralmente legítimos de prova, não tendo consignado nenhuma ressalva à gravação, só existindo restrições do uso de gravações clandestinas no plano do processo penal, porque haveria afronta ao sigilo de comunicações, muito embora Cahali reconheça a tendência jurisprudencial em não admitir como prova a gravação obtida pelo cônjuge inocente, por meio de gravação interceptada do cônjuge culpado e terceiro29. 28 Idem, ibidem, p. 732. 29 “Indenização por perdas e danos. Abalo oral. União estável. Infidelidade do companheiro. Análise da culpa para aplicação do instituto. Uso de aparato eletrônico para flagrante de adultério. Prova ilícita” (TJRS, AC 70006974711, 7ª C.Cív., Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, J. 17.12.2003). Ou em sentido contrário, por não envolver conversa telefônica envolvendo terceiro: “Processo civil. Prova. Gravação de


Termina por advogar em verdade a ponderação casuística da prova que em princípio se afigura ilícita, mas pode ser admitida para decidir os interesses conflitantes. Não é por outra razão que José Carlos Teixeira Giorgis31, referindo-se ao Direito de Família, anota ser tema delicado a aplicação do princípio da proporcionalidade, que deve ser bem temperado para não permitir excessos.

conversa telefônica feita pela autora da ação de investigação de paternidade com a testemunha do processo. Requerimento de juntada da fita, após a audiência da testemunha, que foi deferido pelo juiz. Tal não representa procedimento em ofensa ao disposto no art. 332 do CPC, pois aqui o meio de produção da prova não é ilegal, nem moralmente ilegítimo. Ilegal é a interceptação, ou a escuta de conversa telefônica alheia. Objetivo do processo, em termos de apuração da verdade material (‘a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa’). Recurso especial não conhecido. Votos vencidos” (REsp 9.012/RJ, Rel. Min. Nilson Naves, J. 24.02.1997). 30 CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 738. 31 GIORGIS, José Carlos Teixeira. Op. cit., p. 166.

8 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE Em defesa do juízo de ponderação já se apresentava Pontes de Miranda32, quando afirmava existir o direito ao sigilo e de resguardo da personalidade, mas é um direito que cede diante de outro mais importante a ser protegido, como nas hipóteses em que confronta com o direito à vida, à integridade física, à verdade ou à honra. O princípio da proporcionalidade no âmbito probatório foi aplicado pelos tribunais alemães ao admitirem em caráter excepcional a prova obtida com violação ao mandamento constitucional, desde que fosse a única prova possível e razoável trazida com o propósito de proteger outros valores fundamentais havidos como mais urgentes na avaliação dos julgadores33. O princípio da proporcionalidade reconhece a ilicitude da prova; entretanto, permite que o juiz coteje os valores postos em entrechoque, no propósito de escolher e decidir pelo melhor caminho na aplicação da justiça, tendo em conta que os direitos fundamentais comportam restrições em favor e na defesa da ordem jurídica, assentado exatamente na ponderação de dois ou mais valores de aparente identidade de dimensão, mas que no caso concreto terminam por ceder naquelas hipóteses “em que a sua observância intransigente levaria à lesão de um outro direito fundamental ainda mais valorado”34. O caminho a ser encontrado é o do equilíbrio entre dois valores que entram em rota de colisão, considerando ser essa a orientação constitucional, cujo objetivo não é outro senão o de proteger 32 PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. São Paulo: RT, v. 7, 1983. p. 131. 33 BERGMANN, Érico R. A Constituição de 1988 e o princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Estudo MP 5, 1992. p. 16. 34 Idem, ibidem, p. 18.

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Pensa Cahali que sequer inviabiliza a sua utilização como prova judicial a circunstância de a Constituição Federal de 1988 ter inserido entre os direitos e garantias fundamentais do indivíduo, ao prescrever ser inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas, salvo por ordem judicial, e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (art. 5º, inciso XII) e de serem inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, inciso LVI), porque um direito não pode servir para encobrir uma injustiça cometida, sendo função do juiz dar valor ao conteúdo da prova e não ao modo como ela foi obtida, ainda que violado algum direito registrado em lei30.

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os direitos fundamentais da pessoa. De lembrar, contudo, que o constituinte brasileiro contemplou extenso rol aberto de direitos fundamentais explícitos e outros não previstos expressamente, encontrando-se entre eles a ponderação de princípios.

causa separatória, se não o for para a amarga solução, fato de grave repercussão social e familiar, como acontece na disputa da guarda ou do poder familiar, e inconciliável a guarda conjunta.

Os princípios respeitam a um axioma inexorável e inafastável, senão pela regra da sua proporcionalidade, pois são os princípios e não as regras os mais importantes a serem considerados, até porque as regras encontram sua fundamentação nos princípios de Direito.

Como não admitir, na ponderação de valores em entrechoque, a coleta clandestina de gravações de vídeo ou de voz, de cenas de maus-tratos físicos ou mentais à criança, ou de abusos sexuais, para, no melhor interesse do menor, embasar a troca de sua custódia legal37.

O princípio da proporcionalidade se impõe como instrumento de solução de conflitos que se entrechocam; e se surgir conflito de princípios, pondera Rizzato Nunes35, “o caso concreto apontará o caminho a ser trilhado para que o intérprete coloque em relevo esse ou aquele princípio”, podendo existir alguns que, de antemão, já se apresentam mais importantes do que outros, ou não. Equilibrando os valores e os interesses de princípios contrapostos, certamente logrará o juiz harmonizar os diferentes valores constitucionais, podendo ponderar sobre a restrição probatória, por exemplo, para proteger valor jurídico mais relevante.

O magistrado não deixa de ponderar valores probatórios quando decide sobre a exumação de um cadáver para a realização de prova científica em DNA em investigatória de paternidade, pois tratará de atribuir maior valor à identidade da pessoa do investigante em detrimento da preservação do cadáver exumado.

Segundo Eduardo Cambi36, o princípio da proporcionalidade é o de harmonizar os diversos direitos, bens ou valores constitucionalmente reconhecidos, cabendo ao magistrado ponderar sobre a necessidade e a conveniência da prova ilícita trazida aos autos, dela podendo evidentemente se utilizar quando assim lhe parecer absolutamente imprescindível para a apuração da verdade. Pode ser no âmbito penal, para evitar a condenação de um inocente, ou no juízo de família, para comprovar uma

35 NUNES, Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 34. 36 CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. São Paulo: RT, 2001. p. 170.

Não age de forma distinta quando autoriza a quebra do sigilo bancário para apurar a capacidade econômico-financeira do devedor de alimentos de um profissional liberal ou trabalhador autônomo, e cuja quebra de sigilo seria o único meio de prova, senão o mais relevante, já que demonstraria de forma direta a exata exteriorização de riqueza do alimentante. Ou quando em um caso de gravação clandestina de conversa providenciada pela mulher com o ex-marido, o julgador se utilizou do critério da proporcionalidade ao valorar mais o direito à prova do que o sacrifício da intimidade38. 37 FISCHER, Douglas. Op. cit., p. 204. 38 “Ação pauliana. Gravação de conversa entre marido e mulher. Pedido de juntada pela última. Prova de defraudação do patrimônio comum. Decisão que considera a prova como ilícita. Ofensa ao direito da intimidade. Descabimento. Aplicação do princípio da proporcionalidade. Ponderação do direito à prova. Limitação que cede à prova relevante. Interesses da busca da verdade e da segurança jurídica que sacrificam, no caso concreto, a tutela da intimidade.


Restrição constitucional superada pela originalidade da prova para a descoberta da verdade. Assim, é razoável a utilização de gravação de conversa entre marido e mulher, mesmo que um dos interlocutores desconheça a impressão sônica feita pelo outro. A preservação da garantia constitucional da privacidade, por não ser absoluta, não pode servir para cometimento de injustiça, nem obstáculo invencível que venha a favorecer quem violou o direito material que alicerça a pretensão contraposta, cabendo ao juiz dar valor ao conteúdo da prova, independente do meio com que foi obtida, ainda que com superação de certos direitos consignados na Lei Magna ou na legislação ordinária. No âmbito do Direito de Família, a prova tem singularidades que impõem um tratamento específico diversamente dos outros campos jurídicos, e que decorrem da natureza da relação conjugal, onde as violações do dever são clandestinas, embaraçando a sua visibilidade e constatação. O direito à intimidade, como qualquer outro, não pode se sobrepor de maneira absoluta a outros dignos da tutela judiciária, podendo submeter-se ao direito à prova, também constitucionalmente assegurado, aplicando-se o princípio da proporcionalidade, aqui se ponderando favoravelmente os interesses ligados à reta administração da justiça e sacrificando-se a privacidade. O direito à prova é o direito da parte em utilizar todas as provas de que dispõe para demonstrar a veracidade dos fatos em que se funda a pretensão e que seria inútil se não se vinculasse ao direito de aquisição da prova, desde que admissíveis e relevantes. Assim, o objeto do direito à prova é o direito da parte à prova relevante, que cede aos direitos fundamentais, desde que ela não detenha outra forma de comprovação. Desta forma, prevalecem os interesses da verdade e da segurança jurídica, restando à coletividade assegurar-se contra a obtenção ilícita com o manejo da responsabilidade civil ou penal para o autor que malferiu a moral. É razoável a produção de prova oriunda de gravação de conversa entre marido e mulher, em que se utilizaram meios comuns, mesmo que um deles desconheça a existência da impressão sônica, uma vez que não há quebra da privacidade. Agravo provido, para autorizar a produção do clichê sônico.” (TJRS, AI 70005183561, 7ª C.Cív., Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, J. 12.03.2003).

justa solução da demanda39.Fazer uso da proporcionalidade nada mais significa do que proteger da melhor forma possível a dignidade da pessoa, tendo anotado pontualmente Moacyr Amaral Santos40 só poder estar de um lado a certeza sobre a relação de direito litigiosa. E essa certeza, acrescenta José Carlos Teixeira Giorgis41, é a que justamente leva a não poder existir uma interpretação rígida do Texto Constitucional, notoriamente quando a própria Constituição Federal ressalva a quebra do sigilo telefônico na seara penal, não havendo como se imaginar que em demandas cíveis se relevassem valores de menor importância, estando a depender o uso da prova ilicitamente coletada da casuística processual, sem esquecer que o legislador processual especificou no art. 131 do Código de Ritos a livre apreciação judicial das provas, levado o juiz apenas por seu convencimento pessoal fundamentado, mas sem se descurar, como em boa hora ensina María Josefa Méndez Costa42, que a família é o primeiro e mais fundamental, o mais específico, mais real e concreto encontro humano do homem, razão pela qual tudo nela é fundamental, pois é a família a base de toda a sociedade. 39 “Processo civil. Prova. Gravação de conversa telefônica feita pela autora da ação de investigação de paternidade com testemunha do processo. Requerimento de juntada da fita, após a audiência da testemunha, que foi deferido pelo juiz. Tal não representa procedimento em ofensa ao disposto no art. 332 do CPC, pois aqui o meio de produção da prova não é ilegal, nem moralmente ilegítimo. Ilegal é a interceptação, ou a escuta de conversa telefônica alheia. Objetivo do processo, em termos de apuração da verdade material (‘a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa’). Recurso especial não conhecido. Votos vencidos.” (REsp 9.012/RJ, Rel. Min. Nilson Naves, J. 24.02.1997) 40 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 1983. p. 443. 41 GIORGIS, José Carlos Teixeira. Op. cit., p. 159. 42 COSTA, María Josefa Méndez. Los princípios jurídicos em las relaciones de família. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2006. p. 37.

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É de ser ponderado que, em todos esses exemplos trazidos da prática processual do juízo de família, o próprio julgador tem deferido a utilização desses que são considerados meios proibidos de prova e constitucionalmente protegidos, mas que antes de mais nada cuidam, de fato, de buscar a necessária verdade, valendo-se, enfim, da compreensível relativização da proibição constitucional de uso da prova dita ilícita, especialmente no juízo familiarista, sempre que se mostrarem relevantes para a

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Doutrina

O Instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica nos Processos de Licitações Públicas CARLOS EDUARDO ARAUJO DE ASSIS Graduado em Ciências Navais pela Escola Naval, Pós-Graduado em Administração Pública pelo Centro de Instrução Almirante Wandenkolk, Graduando do Curso de Direito da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

DANIEL CARDOSO GERHARD Professor do Departamento de Direito Público da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Mestre em Filosofia do Direito pela FAJE – Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia (Belo Horizonte/MG), Pós-Graduado em Direito Público pelo Instituto Metodista Izabela Hendrix (Belo Horizonte/MG).

RESUMO: Este artigo se destina a ampliar a discussão sobre a possibilidade da utilização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica nos processos de contratações públicas, concluindo-se pela admissibilidade de aplicação direta na via administrativa somente para fins de afastamento de licitante e na via judicial para a reparação de danos causados pelas contratadas perante a Administração Pública. PALAVRAS-CHAVE: CDC; consumidor; desconsideração; licitação; afastamento; pessoa jurídica; personalidade.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Legislação e princípios administrativos aplicáveis às contratações públicas; 1.1 Legislação; 1.2 Princípios; 2 Contratos da Administração e teoria geral dos contratos; 2.1 Contratos administrativos; 2.2 Subsidiariedade de aplicação da teoria geral dos contratos aos contratos administrativos; 3 Desconsideração da personalidade jurídica; 3.1 Conceito; 3.2 Teorias; 3.2.1 Teoria menor; 3.2.2 Teoria maior; 3.3 Alcance; 3.4 Subsidiariedade de aplicação do CDC às relações de consumo administrativas; 4 Possibilidades de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito administrativo; 4.1 Afastamento de licitante; 4.2 Processos de punição por inadimplemento; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO A prática da abertura de novas empresas, em um mesmo ramo de atividade econômica, por dirigentes de empresas punidas com suspensão temporária (art. 87, III, da Lei nº 8.666/1993), impedimento de licitar (art. 7º da Lei nº 10.520/2002 e art. 47 da Lei nº 12.462/2011), declaração de inidoneidade (art. 87, IV, da Lei nº 8.666/1993) e, mais recentemente, as que possivelmente serão condenadas com base na Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) com o simples intuito de burlar, ludibriar, fugir ou atenuar o cumprimento da penalidade, prejudica a Administração no sentido de que causa no agente público incerteza jurídica quanto à integridade e à capacidade de cumprir o objeto por parte do contratado, tendo em vista que a sanção não ultrapassa a pessoa jurídica imputada, não se estendendo aos seus administradores. Esta dificuldade em alcançar a pessoa física dos administradores para também puni-la fica evidente ao analisar a recente lei citada no parágrafo anterior – a Lei nº 12.846, sancionada em 1º de agosto de 2013, apelidada de Lei Anticorrupção – por ter como fundamento existencial dispor sobre


“Art. 22. Fica criado no âmbito do Poder Executivo federal o Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP, que reunirá e dará publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo com base nesta lei. § 1º Os órgãos e entidades referidos no caput deverão informar e manter atualizados, no CNEP, os dados relativos às sanções por eles aplicadas. § 2º O CNEP conterá, entre outras, as seguintes informações acerca das sanções aplicadas: I – razão social e número de inscrição da pessoa jurídica ou entidade no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ; II – tipo de sanção; e III – data de aplicação e data final da vigência do efeito limitador ou impeditivo da sanção, quando for o caso.”

Do acima transcrito, percebe-se que, em nenhum momento, o dispositivo legal faz qualquer menção à pessoa do administrador, ao empresário, vez que nos registros do CNEP irão constar apenas informações atinentes à pessoa jurídica: razão social e inscrição no CNPJ. Diante disto, mister se faz ampliar o horizonte punitivo para alcançar a pessoa física dos administradores/gestores das pessoas jurídicas que causam dano à Administração Pública a fim de se garantir, primeiro, o respeito ao princípio da eficiência – norma axiológica de suma importância nas relações contratuais do Estado e fundamento punitivo quando violada, haja vista a previsão do art. 5º da Lei nº 12.846/2013 e, segundo, a eficácia das leis de responsabilidade anteriormente mencionadas. A desconsideração da personalidade jurídica é um instituto previsto pelo art. 50 do Código Civil1, como forma de se atender as 1 “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo

relações entre particulares, provendo de segurança a parte prejudicada pela que se utilizou de desvio de finalidade ou confusão patrimonial e provocou lesão. Mais tarde, houve também a sua positivação para a proteção ao consumidor, o que foi estabelecido pelo § 5º do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor2. Por outro lado, a atuação da Administração Pública deverá ser regida por lei, de acordo com o princípio da legalidade, estabelecido no caput do art. 37 da CF/19883. Por conseguinte, ocorre que os contratos administrativos, quando por ocasião das aquisições públicas, são regidos pela Lei nº 8.666/1993, o Estatuto Geral dos Contratos Administrativos e dos Procedimentos Licitatórios. E esses contratos dispõem sobre as hipóteses em que a contratada poderá ser sancionada, concretizando a cláusula exorbitante prevista no seu art. 874.

desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” 2 § 5º do art. 28: “Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”. 3 “Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]” 4 “Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: I – advertência; II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato; III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos; IV – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após

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a responsabilidade administrativa e civil das pessoas jurídicas que cometam dano à Administração Pública, seja ela interna ou externa. Isto porque o art. 22 da supracitada lei, que trata da criação do CNEP – Cadastro Nacional das Empresas Punidas, assim dispõe, ipsis litteris:

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Em segundo plano, de acordo com o caput do art. 545 da lei mencionada, é possível a aplicação subsidiária da teoria dos contratos regidos pelo direito civil nas relações entre Estado e particulares. E, dentro dessa teoria, encontra-se a possibilidade da desconsideração ora em comento.

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Sábias são as palavras do brilhante Professor Celso Antônio Bandeira de Mello (2013: 864, 865), quando nos ensina que a razão para a qualificação de certos comportamentos como infrações administrativas, que preveem sanções, é a de desestimular a prática daquelas condutas censuradas ou constranger ao cumprimento das obrigatórias. Prossegue ensinando que não se trata de causar uma aflição, um mal, objetivando castigar o sujeito ou levá-lo à expiação pela nocividade da sua conduta. Finaliza dizendo ter o Direito a finalidade unicamente de disciplinar a vida social e a conveniente organização dela, para o bom convívio de todos e o bom sucesso do todo social, nisto se esgotando seu objeto.

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Dessa maneira, o objetivo deste artigo é apresentar um estudo técnico que oriente a tomada de decisão, ainda dentro do processo de contratação ou num processo sancionatório, pela desconsideração da personalidade jurídica a empresas que tenham integrantes (sócios ou dirigentes) que estejam cumprindo suspensão, impedimento de licitar ou declaração de inidoneidade, evitando a participação das empresas envolvidas em novas aquisições públicas e responsabilizando os seus dirigentes de maneira direta nos casos de punição administrativa e com isso, ainda que no âmbito administrativo, possibilitar, no caso concreto, que o interesse público na contratação seja resguardado. decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.” 5 “Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.”

1 LEGISLAÇÃO E PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS APLICÁVEIS ÀS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS 1.1 Legislação Operacionalizando o inciso XXI do art. 37 da CF6, o legislador promulgou a Lei nº 8.666/1993, que estabelece normas gerais dos contratos administrativos e procedimentos licitatórios. Entretanto, cabe ressaltar que, no direito administrativo pátrio, como bem leciona Marçal Justen Filho (2014: 24)7, não há de se pensar que os processos de contratação de obras, serviços e compras somente serão realizados de acordo com essa lei. Todo o ordenamento jurídico deverá ser levado em consideração, no momento em que se restar verificada uma lacuna legislativa. Ademais, assim estabelece o art. 4º do Decreto-Lei

6 “XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” 7 A edição da Lei nº 8.666/1993 não produziu a “exaustão” da competência legislativa federal para editar normas gerais sobre a matéria. Nada impede que a União edite outras leis disciplinando o mesmo tema. A competência para produzir “normas gerais” não significa o dever de concentrar todas elas em um único diploma legislativo. Aliás, e como as normas gerais sobre licitações e contratações administrativas não demandam lei complementar, é descabido presumir que uma lei federal posterior encontraria algum obstáculo para disciplinar a mesma matéria. A Lei nº 8.666/1993 não é hierarquicamente superior a outra lei ordinária. Por isso, é perfeitamente constitucional que outra lei federal contenha normas gerais sobre a matéria. Se for incompatível com aquelas constantes da Lei nº 8.666/1993, aplicar-se-ão os princípios da posteridade (lei posterior revoga a anterior, quando for com ela incompatível) e da especialidade (a lei especial não revoga a geral, nem vice-versa).


Com a necessidade de melhorar, imprimir velocidade nas contratações de bens e serviços comuns, houve a aprovação da Lei nº 10.520/2002, que instituiu a modalidade de licitação chamada de pregão. Anos mais tarde, houve também a aprovação da Lei nº 12.462/2011, que visou inicialmente à contratação das obras para grandes eventos esportivos que foram e serão sediados no Brasil – Regime Diferenciado de Contratações para licitações e contratos atinentes à Copa das Confederações de 2013, Copa do Mundo de Futebol de 2014, Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016. Entretanto, em algumas situações, pudemos verificar a aplicação subsidiária de diversas leis nos processos de contratação da máquina pública. Uma das decisões mais importantes, nesse sentido, foi a tomada pelo Tribunal de Contas da União9, quando avaliou qual deveria ser o prazo de resposta a pedido de impugnação: 1. As impugnações apresentadas por licitantes contra disposições de editais devem ser respondidas no prazo de cinco dias e anteriormente à abertura das propostas, tendo em vista o que prescrevem o art. 41, § 2º, da Lei nº 8.666/1993 e o art. 24 da Lei nº 9.784/1999. Representação formulada por consórcio de empresas apontou supostas irregularidades na Concorrência Pública nº 011/2011, conduzida pela Companhia Docas do Estado de São Paulo – Codesp, que tem por objeto a contratação de empresa especializada para a execução das obras de alinhamento do Cais de Outerinhos, no Porto de Santos/SP. No entender do relator, remanesceu não esclarecida a intempestividade de resposta a impugnação de licitante (dezoito dias após a protocolização do pedido, quinze dias após a abertura dos envelopes de habilitação e dois dias após a decisão de inabilitação). Ao examinar esse aspecto da representação, divergiu do entendimento esposado pela unidade técnica no sentido de que “o § 1º 8 “Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” 9 Informativo de Licitações e Contratos do TCU nº 113.

do art. 41 da Lei nº 8.666/1993 estabelece as regras para que qualquer cidadão apresente impugnação ao edital de licitação. Para o caso de licitantes, as regras estão consignadas no § 2º do mesmo artigo, o qual não fixa prazo para a administração responder a impugnação da licitante” (grifos do original). Segundo o relator, caso tal entendimento prevalecesse, restaria comprometida a possibilidade de o licitante impugnar o edital. “Se todos os atos licitatórios posteriores já se aperfeiçoarem e só então a Administração decida sobre mácula anterior, a anulação de todos os atos já tomados, ex tunc, iria de encontro à eficiência e à racionalidade administrativa”. Lembrou do rito delineado nos §§ 5º e 6º do art. 43 da Lei nº 8.666/1993 e registrou: “Quando ultrapassada a fase de classificação [...], se não julgadas as impugnações – que muitas vezes podem se referir à própria exequibilidade do objeto –, não vejo como exigir que a licitante sustente a sua proposta, se ela mesma a questionou em fase anterior. A segurança jurídica para a contratação estaria comprometida”. Prosseguiu: “Qualquer que seja a modalidade de licitação, [...] não poderá ser declarado o vencedor antes de concluídas todas as etapas e observados os prazos de divulgação, impugnação, interposição de recursos”. Em face desse panorama e ante a ausência de prazo explícito na Lei nº 8.666/1993, considerou aplicável, “de forma subsidiária”, o regramento contido na Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal: “Art. 24. Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força maior”. O Tribunal, então, ao acolher proposta do relator, decidiu notificar a Codesp para que, doravante, “em cumprimento ao art. 41, § 2º, da Lei nº 8.666/1993 e em atenção ao Acórdão nº 1.201/2006-Plenário, responda tempestivamente às impugnações apresentadas por licitantes contra os editais de suas licitações, atentando para o prazo de cinco dias constante no art. 24 da Lei nº 9.784/1999 e necessariamente anterior à data de abertura das propostas”. Precedente mencionado: Acórdão nº 1.201/2006-Plenário. Acórdão nº 1686/2012-Plenário, TC-011.934/2012-3, Rel. Min. Valmir Campelo, 04.07.2011.

Tal decisão evidencia plenamente a possibilidade de se aplicar a Lei nº 9.784/1992, que trata sobre o processo administrativo federal, nos casos de omissão quanto aos processos de licitações.

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nº 4.657/1942, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB8, que autoriza a utilização da analogia para a tomada da melhor decisão possível.

Até mesmo a Lei nº 8.666/1993 nos relembra que o nosso Direito é uno, quando afirma a possibilidade de aplicação subsidiária da

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teoria geral dos contratos10 quando houver a omissão do Estatuto Geral da Licitações, o que nos possibilita deduzir que é possível a utilização do Código Civil, na presença da lacuna legislativa.

1.2 Princípios É extremamente importante lembrar que toda a nossa legislação foi estabelecida com base em princípios largamente aceitos pela nossa comunidade jurídica, muito embora a nossa Constituição firme o entendimento de que a nossa principal fonte do direito é a lei. Não podemos permitir que as decisões administrativas sejam afastadas da observação dos princípios básicos, entre os quais devemos trazer à tona.

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1.2.1 Legalidade (juridicidade)

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1.2.3 Probidade administrativa Objetivamente definida quando o administrador não enriquece ilicitamente, não causa prejuízo ao Erário e não atenta contra os princípios administrativos.

1.2.4 Contraditório Possibilidade de resposta assegurada contra qualquer acusação ou incidente.

1.2.5 Ampla defesa Exercício de defesa, que é possibilitado, inclusive, pelo levantamento de provas e argumentação que sejam de seu interesse no desenvolvimento da lide.

Fiel observância não somente das leis constituídas para a tomada de decisão (legalidade), hoje é entendido em um sentido mais amplo o da juridicidade – busca da conformidade com o sistema11 normativo do direito pátrio. Baliza os limites da atuação da Administração Pública, a sua discricionariedade.

1.2.6 Motivação

1.2.2 Moralidade

Efetivação de esforços administrativos para a consecução dos objetivos a serem alcançados para a satisfação do interesse público.

Os atos da Administração estarão pautados pelas melhores regras de moral e conduta do povo brasileiro. Podemos também entender a moralidade como a observância a um conjunto de valores socialmente aceitos. É um importante suporte do princípio da legalidade, eis que, na lacuna ordenamental, a moralidade regula a discricionariedade dos atos administrativos. 10 “Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.” 11 Sistema aqui empregado no sentido que Claus-Wilhelm Canaris empregou em seu livro Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p. 05: sistema é um todo coerente e unitário.

Os atos da Administração devem possuir perfeitas justificativas, que estejam em consonância com a legislação instituída.

1.2.7 Finalidade

1.2.8 Interesse público (supremacia e indisponibilidade) Este princípio pode ser analisado sob dois prismas. O primeiro é o da sua supremacia, que nos orienta a admitir que o interesse público, social, está acima dos interesses dos particulares. A sua indisponibilidade determina que o administrador não poderá deixar de se utilizar das ferramentas coercitivas dispostas à sua atividade para a consecução desses objetivos.

1.2.9 Razoabilidade e proporcionalidade A razoabilidade é a diretriz de senso comum, de bom senso no exercício da discricionariedade da Administração, cujas


2 CONTRATOS DA ADMINISTRAÇÃO E TEORIA GERAL DOS CONTRATOS 2.1 Contratos administrativos Por contratos da Administração, entende Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2013: 260), uma expressão de sentido amplo que abrange todos os contratos celebrados pela Administração Pública, seja sob o regime de direito público, seja sob o regime do direito privado. A ilustre professora diferencia o contrato administrativo como sendo espécie de contrato da Administração, definindo-o como o ajuste que a Administração, nessa qualidade, celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, para a consecução de fins públicos segundo regime jurídico de direito público. Os contratos administrativos para as aquisições públicas são regidos pelas leis que regem as modalidades de licitações possíveis de serem utilizadas no nosso direito, e em especial pela Lei nº 8.666/1993, e se caracterizam, dentre outras também muito importantes, por conter cláusulas que desigualam o ente público do particular, as chamadas cláusulas exorbitantes. Em especial, chamam atenção as cláusulas que versam sobre as penalidades administrativas, que somente poderão ser impostas pela Administração ao particular, desde que seguido o devido processo administrativo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa. O já citado art. 87 da Lei nº 8.666/1993 possibilita a aplicação de quatro tipos diferentes de punição administrativa: advertência, multa, suspensão temporária e declaração de inidoneidade, sendo as duas últimas as mais importantes para o nosso estudo, que apresentam,

como característica principal, a impossibilidade de contratação. Como sustenta a ampla maioria da doutrina, a suspensão temporária deve alcançar somente o âmbito do órgão que contratou a obra, o serviço ou o fornecimento. Já a declaração de inidoneidade alcança todos os órgãos de todas as esferas federativas. O art. 7º da Lei nº 10.520/0212 prevê para a contratação precedida da modalidade pregão a punição intitulada de impedimento de licitar, que alcança todos os órgãos hierarquicamente subordinados ou vinculados a esfera federativa do órgão que promoveu a contratação. Tal punição também foi prevista no art. 47 da Lei nº 12.462/201113, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratação – RDC. O que esses dispositivos legais possuem em comum é o fato de temporariamente impedirem a contratação de alguma pessoa 12 “Art. 7º Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4º desta lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais.” 13 “Art. 47. Ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas no instrumento convocatório e no contrato, bem como das demais cominações legais, o licitante que: I – convocado dentro do prazo de validade da sua proposta não celebrar o contrato, inclusive nas hipóteses previstas no parágrafo único do art. 40 e no art. 41 desta lei; II – deixar de entregar a documentação exigida para o certame ou apresentar documento falso; III – ensejar o retardamento da execução ou da entrega do objeto da licitação sem motivo justificado; IV – não mantiver a proposta, salvo se em decorrência de fato superveniente, devidamente justificado; V – fraudar a licitação ou praticar atos fraudulentos na execução do contrato; VI – comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal; ou VII – der causa à inexecução total ou parcial do contrato.”

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decisões deverão obedecer a critérios racionais e suficientes de pessoas minimamente equilibradas. Complementa-se com a proporcionalidade, que nada mais é que uma adequação entre os meios e fins pretendidos no caso concreto.

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física ou jurídica em virtude de conduta considerada como grave ou gravíssima pela Administração.

2.2 Subsidiariedade de aplicação da teoria geral dos contratos aos contratos administrativos De maneira a possibilitar uma perfeita integração pelo administrador quando constatado o vazio legislativo, optou o legislador por incluir, na redação do art. 54 da Lei nº 8.666/1993, a aplicação subsidiária dos princípios que orientam a teoria geral dos contratos e da legislação que rege os contratos entre os particulares, dispostas primordialmente no Código Civil. Infelizmente, não houve a positivação no ordenamento administrativo de dispositivo que previsse a desconsideração da personalidade jurídica, muito embora essa possibilidade não seja afastada por isso, como à frente iremos demonstrar.

3 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

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3.1 Conceito

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A pessoa jurídica é uma criação, uma ficção legal, um artifício jurídico que possui identidade organizacional própria e que não pode ser confundida com os seus sócios ou dirigentes. Pode-se dizer que a pessoa jurídica é a reunião de vontades (intenções) de pessoas físicas que se plasmam em uma realidade prática a qual o direito confere existência. Como dispõe o nosso ordenamento jurídico, é capaz de direitos e obrigações, sendo essas últimas geradas pelos atos de seus “administradores”, desde que exercidos dentro dos limites de seus poderes. Assim, no campo do Direito, poderá ser responsabilizada pelos seus atos e, nesse caso, via de regra, somente responderá por débitos dentro dos limites do seu capital social, sendo a responsabilidade dos sócios em relação às dívidas sociais sempre subsidiária.

Ocorre que a própria história demonstrou que, em virtude dessa possibilidade, dirigentes de empresas utilizaram a pessoa jurídica de maneira inadequada, desviando-as de seus fins, provocando fraudes e lesando outras pessoas e instituições. De maneira a coibir tais atitudes, foi positivado no nosso Direito, conforme a determinação do art. 50 do Código Civil, que, se for verificado que a pessoa jurídica atua de forma abusiva, caracterizada pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, poderá ser aplicado, no caso concreto, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Tal instrumento, de acordo com os ensinamentos de Flávio Tartucce14 (2014: 156), permite que a justiça deixe de considerar, em determinados momentos, os efeitos da separação patrimonial de maneira que os sócios sejam devidamente responsabilizados. Para isso, não se retira ou extingue a personalidade jurídica, mas ela apenas é desconsiderada para uma determinada finalidade. Assim, não podemos confundir a “despersonificação” com a “desconsideração”.

3.2 Teorias 3.2.1 Teoria Menor Exige um único fator, o prejuízo ao credor15. Para os seus pensadores, por essa teoria não seria necessária a comprovação 14 Tal instituto permite ao juiz não mais considerar os efeitos da personificação da sociedade para atingir e vincular responsabilidades dos sócios, com intuito de impedir a consumação de fraudes e abusos por eles cometidos, desde que causem prejuízos e danos a terceiros, principalmente a credores da empresa. Dessa forma, os bens particulares dos sócios podem responder pelos danos causados a terceiros. Em suma, o escudo, no caso a pessoa jurídica, é retirado para que se possa atingir quem está atrás dele, o sócio ou administrador. 15 Teoria Menor – a desconsideração da personalidade jurídica exige um único elemento, qual seja, o prejuízo ao credor. Essa teoria foi adotada


da presença de dolo ou de confusão patrimonial. No nosso ordenamento jurídico, foi a opção feita pelo Código de Defesa do Consumidor16 e, por analogia, alcança o direto do trabalho e ambiental.

pos do Direito. Ela é episódica, somente incidindo em situações muito específicas, sendo mais um mecanismo de proteção da pessoa jurídica, que visa à preservação da sua identidade e manutenção da busca dos seus fins.

3.2.2 Teoria Maior

Ocorre por ordem judicial mediante provocação, como determinado pelo art. 50 do Código Civil, e o seu alcance será fixado na sentença prolatada de maneira exata. Entretanto, existe a possibilidade da sua aplicação ocorrer na própria seara administrativa, em que pese o texto legal proporcionar uma interpretação mais legalista e tendente a somente admitir a via judicial. Opinião diversa tem quem adota a Teoria Menor, admitindo-se até mesmo que o juiz poderá, de ofício, determinar a desconsideração, embasado na redação do dispositivo consumerista, que não indica a necessidade de requerimento das partes.

É, sem dúvida, a teoria que mais possui adeptos no que concerne à desconsideração da personalidade jurídica.

3.3 Alcance Muito embora essa teoria tenha surgido dentro dos estudos referentes ao direito civil, é possível aplicá-la em todos os campela Lei nº 9.605/1998 – para os danos ambientais – e, supostamente, pelo art. 28 do Código de Defesa do Consumidor. 16 “Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.” 17 Teoria Maior – a desconsideração, para ser deferida, exige a presença de dois requisitos: o abuso da personalidade jurídica + o prejuízo ao credor. Essa teoria foi adotada pelo art. 50 do CC/2002.

A utilização desse instituto permite não só o alcance das pessoas físicas que cometem erros na condução das suas empresas, como também é possível ainda o contrário, por meio do que se convencionou chamar de desconsideração inversa. Entretanto, o mais comum é o acontecimento da primeira, objeto do nosso estudo.

3.4 Subsidiariedade de aplicação do CDC às relações de consumo administrativas Não menos importante é lembrar que, quando a Administração instaura um processo de aquisição, ela, de fato, torna-se uma consumidora de serviços e materiais. E ainda que as cláusulas exorbitantes tenham força coativa para que o objeto seja perfeitamente executado, a maioria da doutrina acredita na possibilidade de a Administração ser beneficiada pelos institutos previstos no CDC, ainda que de forma subsidiária.

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Para seus adeptos17, para a desconsideração ser deferida, é necessário haver constatada no processo a presença de abuso da personalidade jurídica além do prejuízo ao credor, donde constatamos que foi a opção feita pelo Código Civil. São levados em consideração aspectos subjetivos, perquirindo-se sobre a intenção dos agentes, buscando-se a caracterização da má-fé utilizada por eles. Dentro dessa corrente doutrinária, alicerça-se uma divisão que entende ser necessária a caracterização da insolvência da pessoa jurídica envolvida.

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Para os fins deste estudo, podemos dizer que o CDC claramente define em dois momentos distintos a definição sobre o que é ser consumidor, o que poderemos depreender da simples leitura de dois artigos. Inicialmente, transcrevamos o art. 2º: Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Dentro do Capítulo V, que trata sobre as práticas comerciais, ainda temos a definição prevista no art. 29: Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

Ora, uma pessoa jurídica de direito público, se contrata serviços e adquire produtos e é exposta a práticas comerciais, ela é consumidora, mesmo que não tenha sido expressamente a destinatária principal do Código em comento.

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A responsabilização pelo vício do objeto será proporcionada pelo seu art. 12, que assim determina:

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O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

4 POSSIBILIDADES DE APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO ADMINISTRATIVO Mesmo que não seja aceitável o argumento da aplicação subsidiária da legislação civil ao processo de contratação pública na esfera federal, não há de se negar a possibilidade que nos permite a aplicação dos princípios constitucionais e infralegais, sempre que presentes evidências relacionadas a fraudes e abuso de direitos. A utilização dos princípios enseja à Administração assegurar o impedimento da prática de fraudes ou desvios. Nunca é demais lembrar que, a partir do início do século XX, os princípios foram incorporados ao ambiente normativo com autoridade hierárquica perante as demais regras de Direito. Dito isto, considerável iniciativa foi a do legislador baiano, que instituiu esse fundamento normativo no art. 200 do seu Estatuto de Licitações, a Lei Estadual nº 9.433/2005: Art. 200. Fica impedida de participar de licitação e de contratar com a Administração Pública a pessoa jurídica constituída por membros de sociedade que, em data anterior à sua criação, haja sofrido penalidade de suspensão do direito de licitar e contratar com a Administração ou tenha sido declarada inidônea para licitar e contratar e que tenha objeto similar ao da empresa punida.

Então, se a Administração é consumidora e o fornecedor pode ser responsabilizado por isso, os dispositivos do CDC podem ser aplicados subsidiariamente, mesmo sem haver expressa previsão legal, baseando-nos nos princípios envolvidos.

Naquele Estado, portanto, a sanção imposta a uma empresa pode alcançar uma outra, desde que seus sócios e objetivos sociais sejam comuns entre as duas.

Provada a admissibilidade da proteção consumerista à Administração, torna-se possível a ideia de admitir que a Teoria Menor seja também aplicada aos contratos administrativos.

Vale ressaltar que a doutrina aponta a necessidade de se assegurar o contraditório e a ampla defesa em processo específico, antes da tomada de decisão.


As melhores práticas para um controle efetivo da máquina pública ocorrem com a adoção de mecanismos preventivos, que acontecem antes mesmo das realizações das tarefas na busca do cumprimento dos seus objetivos regimentais. Com isso, visando a resguardar o interesse público, o intuito seria evitar que pessoas jurídicas controladas por administradores de outras sancionadas sejam contratadas. Para esses casos, os mecanismos de controle podem ser introduzidos nas verificações da habilitação da licitante. Notadamente, podemos perceber que o legislador tem se esforçado para garantir ao administrador respaldo legal para realizar os processos de contratação com segurança, resguardando, com isso, o interesse público envolvido. Nos processos licitatórios, verificações como a consulta ao Cadastro de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS), Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por Ato de Improbidade Administrativa e Cadastro de Licitantes Inidôneas do TCU surgem como forma auxiliar de diminuição no risco da contratação. Tais consultas servem para que não seja feita a contratação de pessoas impedidas de participar na licitação, sob pena de crime, tipificado no art. 97 da Lei nº 8.666/199318. É sabido que se faz necessário ainda realizar uma centralização de informações referentes às punições administrativas, comentadas nesse estudo, referentes a todas as unidades da federação (União, Estados, Municípios e Distrito Federal). E, mesmo que 18 “Art. 97. Admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que, declarado inidôneo, venha a licitar ou a contratar com a Administração.”

seja sabido que as punições administrativas não ultrapassam da pessoa jurídica, faz-se necessária a vinculação das pessoas físicas que respondem por elas, visando a coibir a geração de novas empresas para se escapar dos efeitos sancionatórios posto pelo ente. O Cadastro de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS), que pode ser consultado no Portal da Transparência do Governo Federal19, não dispõe as informações dos proprietários/administradores das pessoas jurídicas sancionadas. Entretanto, é possível verificar junto à Serasa, em um nível nacional, quais são as pessoas jurídicas que estão vinculadas aos CPF dos sócios/ administradores. Com esses dados, as consultas poderão ser ampliadas, em nome desses novos CNPJ vinculados. A simples contratação desse serviço de consulta, para toda a esfera administrativa, poderia resolver o problema. É possível realizar a consulta à Junta Comercial ou ao Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas, muito embora a consulta tenha uma base de dados limitada a uma restrita circunscrição, não havendo, até o momento, a confirmação de que esses órgãos atuem em conjunto com os localizados em outros estados. Entretanto, esse tipo de consulta não ocorre na modalidade online, o que demandaria atrasos na condução dos processos de contratação. Outra possibilidade a ser desenvolvida seria a disponibilização de uma consulta própria pela Receita Federal do Brasil, informando a vinculação entre os CPF e CNPJ envolvidos. Uma vez que o próprio Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores do Governo Federal – Sicaf se comunica com os sistemas da Receita Federal, a funcionalidade facilmente poderia ser implementada. Contudo, cabe aqui relembrar que 19 Disponível em: <http://www.transparencia.gov.br/ceis/Consulta.seam>. Acesso em: 5 mar. 2015.

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4.1 Afastamento de licitante

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é possível a realização do pedido por meio de requerimento formal ao órgão de receita. Ressalta-se que, pela elevada quantidade de informações disponíveis de empresas que utilizam “laranjas”, os nomes dos seus representantes ou procuradores também deverão ser incluídos nessas buscas. Assim, é possível, pelo menos, que sejam abertos processos de averiguação das empresas e seus sócios junto aos portais e órgãos relacionados ao tema e que seja incentivado nos editais que os licitantes elaborem suas representações quando houver alguma suspeita.

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A observância ao contraditório e à ampla defesa poderá ocorrer na própria fase recursal da licitação quando da decisão pelo afastamento da licitante, onde se recomenda a dilatação dos prazos envolvidos para que a licitante afastada tenha tempo razoável para a elaboração da sua argumentação. Entretanto, nada impede que seja feita a realização da suspensão administrativa do processo para a instauração de procedimento investigativo específico, viabilizados por meio de diligências e consultas formais, em que sejam garantidos o contraditório e a ampla defesa ao licitante investigado.

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Já se posicionou pela desconsideração de personalidade jurídica o Superior Tribunal de Justiça, nos casos em que for verificada a abertura de uma nova empresa, com os mesmos sócios, objetivos e endereço, na tentativa de se burlar uma sanção: Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Licitação. Sanção de inidoneidade para licitar. Extensão de efeitos à sociedade com o mesmo objeto social, mesmos sócios e mesmo endereço. Fraude à lei e abuso de forma. Desconsideração da personalidade jurídica na esfera administrativa. Possibilidade. Princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos. A constituição de

nova sociedade, com o mesmo objeto social, com os mesmos sócios e com o mesmo endereço, em substituição a outra declarada inidônea para licitar com a Administração Pública Estadual, com o objetivo de burlar à aplicação da sanção administrativa, constitui abuso de forma e fraude à Lei de Licitações – Lei nº 8.666/1993, de modo a possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para estenderem-se os efeitos da sanção administrativa à nova sociedade constituída. A Administração Pública pode, em observância ao princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos tutelados, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com abuso de forma e fraude à lei, desde que facultado ao administrado o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo regular. Recurso a que se nega provimento. (RMS 15166/BA, (2002/0094265-7), 2ª T., Min. Castro Meira, 06.08.2003, DJ 08.09.2003, p. 262; RDR v. 27, p. 378; RSTJ v. 172, p. 247)

Dessa forma, resta comprovada a possibilidade de afastamento da licitante a bem da Administração, aplicando-se, neste caso, a Teoria Maior.

4.2 Processos de punição por inadimplemento contratual Vislumbram-se duas possibilidades de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em processos de punição: multas e ressarcimentos em decorrência de vício de objeto. Nesses casos específicos, o instituto será muito útil nos casos de insolvência ou dissolução proposital das empresas envolvidas. Aqui, via de regra, haverá processo estabelecido unicamente para esse fim, aplicando-se a Teoria Menor, uma vez que a relação de consumo já está efetivada pelo contrato e sua publicação. Não é muito raro ter conhecimento de pessoas jurídicas que foram abandonadas ou extintas em virtude de um processo sancionatório que determinou o pagamento de multa ou ressarci-


Parece-nos que não existe a possibilidade de a Administração, por si mesma, determinar a desconsideração da personalidade jurídica, pois aqui se faz necessária a judicialização da lide em respeito ao devido processo legal, diferentemente do afastamento da licitante dentro do processo administrativo de aquisição, em que a Administração busca somente a segurança na contratação para a preservação do interesse público, uma forma de autoproteção. Neste caso, para alcançar os bens pessoais dos sócios e administradores, a Administração não conta com legislação e ferramentas para a solução do problema. Cabe ao juiz fazer realizar a determinação. Entretanto, as Procuradorias poderão subsidiar o processo fazendo constar esse pedido. Em tempo, há de se salientar que os bens em nome da nova pessoa jurídica, que sejam comuns com a anterior, poderão também ser alcançados para a devida quitação.

CONCLUSÃO Findo o estudo, podemos concluir que a desconsideração poderá ser prevista e aplicada diretamente nos processos licitatórios, seja para afastar licitantes, seja para alcançar pessoas físicas por ocasião de responsabilização administrativa. Além disso, é desejável que isso ocorra, eis que é condição de possibilidade ético-jurídica para que se dê eficiência e efetividade às normas que regulamentam a matéria. Entretanto, para que a sua utilização seja feita com mais eficiência, deverá ocorrer o desenvolvimento de legislação e sistemas de informação no sentido de se vincular e se disponibilizar os

dados das pessoas físicas envolvidas nos processos sancionatórios de modo que os pregoeiros e comissões de licitação consigam proteger melhor o interesse público na contratação.

REFERÊNCIAS BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 30. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2013. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao. htm>. Acesso em: 2 ago. 2014. ______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 26 nov. 2014. ______. Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10520.htm>. Acesso em: 18 abr. 2015. ______. Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Lei/L12462.htm>. Acesso em: 18 abr. 2015. ______. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 18 abr. 2014. ______. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666cons.htm>. Acesso em: 3 jun. 2014. ______. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm>. Acesso em: 18 abr. 2015. ______. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9784.htm>. Acesso em: 18 abr. 2015. ______. Tribunal de Contas da União. Informativo de Licitações e Contratos do TCU nº 113. Disponível em: <http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/ TCU/jurisprudencia/informativos/info_licitacoes>. Acesso em: 4 mar. 2015. CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2013. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 4. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Método, 2014.

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mento com valores significativos. Normalmente esses processos esgotam a esfera administrativa e seguem para a execução já na esfera judicial.

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Doutrina

O Protesto Indevido de Certidão de Dívida Ativa e o Dano Moral: Consequências Lógicas da Lei nº 12.767/2012 à Luz da Jurisprudência do STJ The “unjustified protest” of a CDA and the punitive damage: logical consequences from the Lei nº 12.767/2012 analyzed on STJ’s jurisprudence RODRIGO FIGUEIRA SILVA

Advogado Associado ao Escritório Zoauin, Rizk, Colodetti & Advogados Associados.

RESUMO: O presente trabalho visa analisar a necessidade de o Poder Judiciário reconhecer o dano moral nas hipóteses em que o Poder Público protesta indevidamente a Certidão de Dívida Ativa. PALAVRAS-CHAVE: Certidão de Dívida Ativa; Lei nº 12.767/2012; protesto indevido; STJ; dano moral in re ipsa; jurisprudência. ABSTRACT: The goal of the present article is to analyze the punitive damage and the necessity of its acknowledgment by the Judiciary when Public Administration does an “unjustified protest” of a CDA. KEYWORDS: REPETRO; CDA; Lei nº 12.767/2012; unjustisfied protest; STJ; in re ipsa punitive damage; jurisprudence.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Do protesto indevido (e do dano moral dele decorrente) na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça; 2 Da desconstrução da presunção de liquidez e certeza e do cabimento do dano moral por protesto indevido da certidão de dívida ativa; Conclusão.

INTRODUÇÃO A despeito das inúmeras prerrogativas já existentes para que o Poder Público busque o adimplemento de seus créditos, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.126.515/PR1, autorizou o protesto extrajudicial das Certidões de Dívida Ativa (CDA) da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas. Embora a questão levada à apreciação da Corte Superior fosse anterior à Lei nº 12.767/2012, é inegável a influência da inovação legislativa na redação do art. 1º da Lei nº 9.492/19972 – inclusive com reconhecimento de tal fato pelo Relator, Ministro Herman Benjamim3. 1 Publicado em 16 de dezembro de 2013. 2 “Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida. Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas. (Incluído pela Lei nº 12.767, de 2012).” 3 “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – PROTESTO DE CDA – LEI Nº 9.492/1997 – INTERPRETAÇÃO CONTEXTUAL COM A DINÂMICA MODERNA DAS RELAÇÕES SOCIAIS E O ‘II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO’ – SUPERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ – 1. Trata-se de recurso especial que discute, à luz do art. 1º da Lei nº 9.492/1997, a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA), título executivo extrajudicial (art. 586, VIII, do CPC) que aparelha a Execução Fiscal, regida pela Lei nº 6.830/1980. 2. Merece destaque a publicação da Lei nº 12.767/2012, que promoveu a inclusão do parágrafo único no art. 1º da Lei nº 9.492/1997, para expressamente consignar que estão incluídas ‘entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de


Em primeiro lugar, dada a forma com que se apresenta o dispositivo alterado, é possível vislumbrar a utilização do novel procedimento como “meio indireto para a cobrança de tributos”, ainda que com outra indumentária tanto o Fisco quanto o Poder Judiciário busquem revestí-lo5. Em segundo lugar, fica escancarado o desconhecimento – ou, quem sabe, certa indiferença – quanto à realidade da condução de boa parte dos processos administrativos fiscais no Brasil, não raro permeados de vícios congênitos, nulidades insanáveis e lesão a garantias constitucionais básicas: basta relembrar como é comum que o sócio seja incluído na CDA sem que tenha sido apurada sua responsabilidade na seara administrativa. dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas’. 3. Não bastasse isso, mostra-se imperiosa a superação da orientação jurisprudencial do STJ a respeito da questão. [...].” (REsp 1126515/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, Julgado em 03.12.2013, DJe 16.12.2013) 4 Recordemos que o protesto judicial por parte do Fisco é um anseio que “vem de longe”, parafraseando um velho político gaúcho. Basta recordar que em 2010 fora editada a Portaria Interministerial nº 574-A, autorizando o protesto extrajudicial das Certidões de Dívida Ativa da União. O ato em questão era constantemente declarado nulo pelo Poder Judiciário em virtude da ausência de escoro legal, tendo sido objeto de ação anulatória manejada pelo Conselho Federal da OAB em junho de 2012. 5 No mesmo sentido: “É óbvio que o protesto tem por objetivo agilizar a cobrança do crédito tributário mediante coação indireta do contribuinte devedor. Embora o propósito não seja o de denegrir a imagem do devedor a grande verdade é que o contribuinte, para não ter a sua imagem arranhada perante os clientes e fornecedores, acaba sacrificando recursos financeiros destinados a outros fins relevantes do ponto de vista político-social e econômico para procurar quitar o débito tributário, nem sempre de natureza indiscutível” (HARADA, Kiyoshi. Protesto da CDA. Portaria equivocada. Disponível em: <http://www.haradaadvogados.com. br/publicacoes/Artigos/779.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2014).

Ainda que se ultrapassem as questõs postas no parágrafo anterior, ao analisar as possíveis repercussões do protesto levado a cabo pela Fazenda é que se conclui pelo descompasso entre o interesse público e os potenciais prejuízos ao administrado6 protestado. Imaginemos a restrição de acesso ao crédito em decorrência de protesto de Certidão de Dívida Ativa e a lenta asfixia financeira da pessoa jurídica, com consequências aos sócios, empregados e a outras empresas a ela vinculadas direta ou indiretamente7. Ou, pior, ao contribuinte pessoa física que, sem meios financeiros para ingressar em juízo, vê-se compelido a pagar tributo indevido como forma de “limpar” seu nome junto aos registros creditícios. O escopo do presente estudo não é discutir a legalidade ou constitucionalidade8 da medida, sua razoabilidade ou as conse6 Diz-se “administrado” porque, a rigor, conforme mencionado no parágrafo anterior, muitas vezes aquele que se encontra entabulado na Certidão de Dívida Ativa não é o responsável, devedor ou mesmo contribuinte do imposto. 7 É curioso notar que, também neste ponto, a alteração legislativa e jurisprudencial vai de encontro ao que outros ramos do direito e o próprio Parlamento têm tentado fazer com o fito de salvaguardar as atividades empresariais da pessoa jurídica. Com efeito, citamos, por exemplo, o Projeto de Lei nº 3.969/2012 que altera o art. 31 da Lei nº 8.666/1993 e o art. 52 da Lei nº 11.101/2005 para expressamente permitir a participação, em licitações, de empresas em processo de recuperação judicial. Trata-se de alteração legislativa que dirime, de uma vez por todas, a cizânia doutrinária e jurisprudencial acerca do enquadramento da “recuperação judicial” ao conceito de “concordata”. Felizmente, conquanto houvesse quem equivalesse os conceitos, a jurisprudência do Tribunal de Contas da União vinha se posicionamento a favor da participação de empresas em recuperação judicial nos Certames do Poder Público desde que “desde que amparada em certidão emitida pela instância judicial competente, que certifique que a interessada está apta econômica e financeiramente a participar de procedimento licitatório” (Acórdão nº 8272/2011, DOU de 04.10.2011). 8 Além da inconstitucionalidade por vício de iniciativa na conversão da MP 577/2013 na Lei nº 12.767/2013 e da ausência de pertinência lógica e afinidade entre as matérias tratadas na MP e protesto de CDA – brilhantemente apontada pela 4ª Câmara de Direito Público do TJSP (AI

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Com o permissivo legal4 e a chancela do col. STJ, o futuro é sombrio para o contribuinte/devedor.

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quências negativas advindas do protesto9. Busca-se, aqui, analisar a possibilidade de, a partir de um protesto flagrantemente indevido, o contribuinte buscar a tutela jurisdicional para que sejam reparados os danos aos seus direitos da personalidade.

1 DO PROTESTO INDEVIDO (E DO DANO MORAL DELE DECORRENTE) NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Como é cediço, o protesto afigura-se como ferramenta apta à prova da inadimplência e/ou do descumprimento de obrigação plasmada em títulos ou outros documentos de dívidas nas hipóteses em que, não obstante a manifestação de vontade do devedor, este não honra com o compromisso avençado. É o que diz o art. 1º da Lei nº 9.492/1997.

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Embora existam diferenças ontológicas entre dívidas de natureza cíveis e tributárias, como, por exemplo, a diversidade entre

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2014547-26.2014.8.26.0000) – entendemos haver inconstitucionalidade também por ausência de razoabilidade e proporcionalidade na inclusão do parágrafo único à Lei nº 9.492/1997, na esteira de outras decisões do STF que já adotou tal princípio como parâmetro para o controle de normas (ADIn-MC 855, ADIn-MC 1.158 e ADIn-MC 1.813) 9 Aqui, salutar mencionar trecho de decisão lavrada pelo Desembargador Johonsom Di Salvo (Tribunal Regional da 3ª Região) que, em irretocável e cautelosa decisão, pontuou o seguinte: “Pode-se dizer que no âmbito do Direito Tributário o protesto da CDA não é necessário, pois: (1) o prazo para pagamento da obrigação tributária é aquele previsto na lei, e em atos normativos expedidos pelo Fisco quando autorizado pela norma legal a marcá-lo, de modo que a mora do contribuinte resta configurada imediatamente após tal prazo (dies interpellat pro homine); (2) a existência da dívida tributária não necessita ser conhecida por terceiros, além do que todo aquele que ao contratar com outrem deseje conhecer a situação do contratado perante o Fisco, poderá solicitar a apresentação de certidão de regularidade fiscal de pessoas físicas ou jurídicas; e (3) o CTN somente admite o protesto, ainda assim sob a forma judicial do art. 867 e ss. do CPC, como meio para interromper a prescrição da ação de Execução Fiscal (art. 174, parágrafo único, inciso II) (grifo nosso)” (Disponível em: <http://web. trf3.jus.br/noticias/Noticias/Noticia/Exibir/308557>. Acesso em: 19 fev. 2014).

o elemento volitivo dos devedores, fato é que o legislador – e, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça – tratou ambas as situações como títulos protestáveis, aproximando o título executivo extrajudicial “público”, por assim dizer, daquele nascido na esfera cível, particular. E se assim o fez conceitualmente, deve fazê-lo integral e incondicionalmente, razão pela qual nos importa verificar como foi edificada a construção jurisprudencial sobre o protesto de título na esfera particular. O conceito de “protesto indevido”, por si só, não traz dificuldades de intelecção: é o protesto impróprio, inconveniente, sem pertinência ou imerecido. Nesse talante, o protesto cujo débito entabulado é inexistente ou que se escora em dívida prescrita afigura-se como indevidos segundo a jurisprudência do col. STJ10. Também o protesto de título com vício formal é considerado indevido, ensejando indenização por dano moral – vide REsp 1.213.256/RS11. A rigor, o STJ desincumbe o protestado de demonstrar as consequências nefastas nas hipóteses narradas anteriormente12. A demonstra10 “AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – PROTESTO INDEVIDO – TÍTULO PRESCRITO – DANOS MORAIS – PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA Nº 211/STJ – FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE – SÚMULAS NºS 182/STJ E 284/STF – REEXAME DE PROVAS – SÚMULA Nº 7/STJ – 1. [...] 4. A prescrição da dívida torna inviável a ação executória contra o devedor. 5. Agravo regimental desprovido.” (AgRg-EDcl-AREsp 114.208/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 3ª Turma, Julgado em 11.02.2014, DJe 18.02.2014) 11 Em outro julgado, com idêntica conclusão: AgRg-AREsp 218.773/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, Julgado em 02.10.2012, DJe 09.10.2012. 12 “Não há como negar sua influencia no cadastro individual da pessoa do devedor, cujo nome figura no registro de protestos. Neste caso, a pessoa dificilmente consegue comparar a prazo, ajustar uma locação imobiliária ou obter um emprego, tornando-se difíceis seus negócios.” (COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito de acordo com o novo código civil. 1. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 245)


ção da repercussão negativa e do prejuízo econômico oriundos das restrições creditícias por motivo indevido13 fica em segundo plano.

outra ação para que o Poder Público lance mão da presunção anteriormente mencionada.

Também aqui nos parece desnecessário citar acórdãos lavrados pelo Superior Tribunal de Justiça. A questão é clara e não suscita maiores debates, bastando uma rápida pesquisa no sítio da Corte para aquiescer quanto à existência de caudalosa jurisprudência nesse sentido. O que nos importa consignar são a posição da Corte Superior a respeito do dano moral no protesto indevido e os motivos pelos quais o protesto é tido como indevido.

Advirta-se: não se discute a presunção em si, mas apenas a forma com que, frequentemente, ela tem servido como subterfúgio para que não se analisem questões pontuais – mas de suma importância – na formação do título executivo fiscal.

A presunção de liquidez e certeza da Certidão de Dívida Ativa frequentemente é utilizada como trunfo do Fisco nas hipóteses em que o executado se vê incluído como corresponsável tributário: basta questionar qualquer elemento inerente à formação do título executivo fiscal em ação ordinária, exceção de pré-executividade, embargos à Execução Fiscal ou em qualquer 13 “PROCESSO CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL – LEI DE FALÊNCIAS E RECUPERAÇÃO – RECURSO ESPECIAL – SUSPENSÃO DAS AÇÕES E EXECUÇÕES INDIVIDUAIS – EMISSÃO FRAUDULENTA DE DUPLICATAS – DANO MORAL – SÚMULA Nº 7 DO STJ – PROVA DO DANO SOFRIDO PELA PESSOA JURÍDICA – DESNECESSIDADE – VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – COMPETÊNCIA DO STF – [...] 4. A jurisprudência desta Corte já se posicionou no sentido de que o dano moral direto decorrente do protesto indevido de título de crédito ou de inscrição indevida nos cadastros de maus pagadores prescinde de prova efetiva do prejuízo econômico, uma vez que implica ‘efetiva diminuição do conceito ou da reputação da empresa cujo título foi protestado’, porquanto, ‘a partir de um juízo da experiência, [...] qualquer um sabe os efeitos danosos que daí decorrem’ (REsp 487.979/RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 08.09.2003). 5. Recurso especial não provido.” (REsp 1116328/RN, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, Julgado em 10.09.2013, DJe 24.09.2013)

Retornemos, contudo, à trilha principal. Há hipóteses em que, formado o título executivo extrajudicial, pode o contribuinte optar por uma ação declaratória buscando, 14 Ensina Dinamarco que “pela sede de sua preparação, as provas são pré-constituídas, como as provas emprestadas e os documentos em geral, que já foram formados e existem antes e fora do processo; ou constituendas, que são aquelas a serem formadas no curso do próprio processo (prova testemunhal, depoimento pessoal, perícias, inspeções judiciais” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, v. III, 2009. p. 92). A Súmula nº 393/STJ faz clara restrição quanto ao uso da exceptio em Execução Fiscal ao dispor que: “A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória”. Corolário óbvio: se o alegado pelo excipiente não poderá ser demonstrado em dilação probatória (prova constituenda), a única via possível ao interessado é juntar, já na petição de objeção, a prova pré-constituída do que pretende provar.

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2 DA DESCONTRUÇÃO DA PRESUNÇÃO DE LIQUIDEZ E CERTEZA E DO CABIMENTO DO DANO MORAL POR PROTESTO INDEVIDO DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA

Ora, quando o Poder Judiciário deixa de apreciar/acolher uma exceção de pré-executividade na qual se demonstra cabalmente a nulidade do processo administrativo sob o argumento de que a exceção não comporta dilação probatória (ainda que a prova esteja pré-constituída nos autos e a matéria seja cognoscível de ofício) o motivo não é apenas a má utilização do precedente jurisprudencial (o célebre REsp 1.104.900/ES) ou o baralhamento dos conceitos de “dilação probatória” e “prova pré-constituída”14, mas também indícios de que o atributo da “liquidez e certeza” vem sendo mal empregado.

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por exemplo, a declaração de nulidade do processo administrativo, a prescrição do débito executado e a inexistência de relação jurídico-tributária. E se lhe é possível demonstrar tais questões, abre-se a possibilidade de que, em tese, o Poder Judiciário venha a declarar a nulidade da CDA protestada.

É inegável, portanto, que o legislador atribuiu à própria Fazenda Pública o dever de zelar pela higidez na formação do título, de controlar os procedimentos anteriores à inscrição em dívida ativa, de verificar a liquidez do crédito que se pretende executar, etc.

Neste ponto é que surge o direito do contribuinte ao dano moral in re ipsa decorrente de protesto indevido de título extrajudicial. E há, no ordenamento pátrio, uma série de dispositivos a escorar a pretensão aqui mencionada.

Daí é que se afirma que o Fisco, quando protesta título nulo, com vícios formais, créditos prescritos, etc. o faz indevidamente e, pior, ciente de que o título não deveria ser protestado porque possui vícios congênitos. Aqui não há qualquer esforço intelectivo: se existem vários mecanismos de controle administrativo para que, ao final, seja editado o ato de inscrição em dívida ativa, a Administração Pública é obrigada a segui-los por força do princípio da legalidade, pedra basilar do regime jurídico-administrativo.

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O art. 39 da Lei nº 4.320/1964 estabelece que o Fisco deverá apurar a certeza e liquidez dos créditos tributários e não tributários antes de inscrevê-los em dívida ativa15. Outro não é o sentido conferido pelo Código Tributário Nacional em seu art. 20116, cuja redação exige a obediência à lei ou o processo regular para a inscrição da dívida. No mesmo diapasão, a Lei nº 6.830/198017 não só confere a natureza de “ato administrativo” à inscrição, como estabelece que o órgão responsável pela inscrição na dívida deverá apurar a liquidez e certeza do crédito tributário.

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15 “Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias. § 1º Os créditos de que trata este artigo, exigíveis pelo transcurso do prazo para pagamento, serão inscritos, na forma da legislação própria, como Dívida Ativa, em registro próprio, após apurada a sua liquidez e certeza, e a respectiva receita será escriturada a esse título.” 16 “Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular.” 17 Art. 2º, § 3º: “A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo”.

Tracemos um exemplo. A Fazenda Federal inscreve o sócio da pessoa jurídica (por inadimplemento da obrigação tributária da empresa) em dívida ativa como corresponsável tributário. No processo administrativo fiscal, contudo, não foi sequer discutida a responsabilidade do art. 135, III, do CTN e, por óbvio, não houve intimação/notificação para que este sócio participasse do procedimento. É evidente a nulidade na formação do título, conforme já estabelecido pela jurisprudência das Cortes Superiores18 e pela doutrina especializada19. 18 Ementa: “AGRAVO REGIMENTAL – TRIBUTÁRIO – RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA – AUSÊNCIA DE CORRETA CARACTERIZAÇÃO JURÍDICA POR ERRO DA AUTORIDADE FISCAL – VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL – INEXISTÊNCIA NO CASO CONCRETO – Os princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se plenamente à constituição do crédito tributário em desfavor de qualquer espécie de sujeito passivo, irrelevante sua nomenclatura legal (contribuintes, responsáveis, substitutos, devedores solidários, etc.). (RE 608426-AgRg, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, Julgado em 04.10.2011) e ainda REsp 1.073.494/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, Julgado em 14.09.2010, DJe 29.09.2010)”. 19 “Não é lícito à Fazenda inscrever o nome de possíveis corresponsáveis pelo débito tributário sem o mínimo de certeza jurídica de que se trata de uma das


Forte nessas razões, o sócio da pessoa jurídica ingressa com ação anulatória pugnando pela sua retirada da CDA. Nesse meio tempo, o título é protestado, não tendo sido concedida liminar apta a suspender a exigibilidade do crédito tributário na ação anulatória. Anos depois, com os efeitos do protesto a castigar a esfera particular do sócio da pessoa jurídica, o Poder Judiciário declara nula a Certidão de Dívida Ativa levada ao Cartório de Protesto.

conforme se observa dos arts. 202 e 203 do Código Tributário Nacional.

Ora, se no exemplo anterior o processo administrativo é flagrantemente nulo e a Certidão de Dívida Ativa não deveria mencionar o sócio da pessoa jurídica, é inconcebível que o Poder Público, ao arrepio das atribuições de zelo que lhe foram conferidas, proteste esse título, abusando de sua novel prerrogativa. Surge daí não só o ato ilícito, como também a responsabilidade civil do Estado, autorizada pelo art. 37, § 6º, da Constituição Federal20.

De se rememorar, ainda, o princípio reconhecido22 da autotutela, dever inerente à atuação regular, pautada na lei (e no princípio da legalidade) que autoriza o Fisco a sanar as irregularidades observadas no processo administrativo não só porque possui esse dever legal (vide os artigos das Leis nº 4.320/1964 e nº 6.830 e do CTN anteriormente citados) a recomendar essa conduta.

Não nos esqueçamos que a inscrição é ato administrativo formal e que, como todo ato administrativo, possui contornos muito bem delineados acerca de seus requisitos de validade, seus elementos, forma de exteriorização e a produção de efeitos no mundo empírico. E estes pontos independem do fato de que, na seara tributária, o legislador tenha sido leniente com os requisitos formais do termo de inscrição em dívida ativa,

Feita essa breve digressão ao direito administrativo, recordemo-nos que o Superior Tribunal de Justiça entende que “o endossatário que recebe, por endosso translativo, título de crédito contendo vício formal, sendo inexistente a causa para conferir lastro à emissão de duplicata, responde pelos danos causados diante de protesto indevido”23. Da mesma forma, há entendimento cristalizado de que “a boa-fé da instituição financeira não afasta a sua responsabilidade, porque, ao levar o título a protesto sem

hipóteses legais de responsabilidade tributária (CTN, arts. 129 a 135). Por conseguinte, deverá figurar na CDA somente o devedor ou co-devedores, caso não tenha sido apurado no processo administrativo a responsabilidade tributária de outros responsáveis. Saliente-se que a necessária inclusão do nome de eventuais responsáveis na CDA se destina a atestar que o responsável teve o direito de eventualmente contestar a constituição do crédito tributário voltado contra ele.” (NUNES, Cléucio Santos. Curso de direito processual tributário. São Paulo: Dialética, 2010. p. 370/371) 20 “§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

21 Conforme ensina Carvalho Filho, “só é legítima a atividade do administrador público se estiver condizente com o disposto na lei” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 20). 22 “Além dos princípios expressos, a Administração Pública ainda se orienta por outras diretrizes que também se incluem em sua principiologia, e que por isso da mesma relevância que aqueles. Doutrina e jurisprudência usualmente a elas se referem, o que revela a sua aceitação geral como regras de proceder da Administração.” (Idem, p. 33) 23 REsp 1213256/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª Seção, Julgado em 28.09.2011, DJe 14.11.2011.

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De mais a mais, sendo uma atuação administrativa, deve o Fisco pautar-se nos princípios expressos da Constituição Federal, elencados no art. 37 da Constituição Federal, em especial o da legalidade cujo conteúdo exige que a atuação do Poder Público seja consentânea ao que diz a lei21.

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as devidas cautelas, assume o risco sobre eventual prejuízo acarretado a terceiros, alheios à relação entre endossante e endossatário”24. Corolário óbvio: se cabe dano moral nas hipóteses em que um terceiro protesta indevidamente o título, ainda que de boa-fé, o que dizer do protesto de título nulo, quando quem o efetua é o próprio Poder Público, responsável por formar unilateralmente o título executivo e a quem, por lei, cabe zelar por sua higidez? Conforme mencionado alhures, o próprio protesto extrajudicial da Certidão de Dívida Ativa foi questão discutida e rechaçada pelo Poder Judiciário, tendo em vista não só a desnecessidade da medida face às prerrogativas do Fisco no curso de uma Execução Fiscal como também pelo fato de a Portaria Interministerial nº 574-A – que, então, regulava o tema – desbordar à ilegalidade por não existir à época lei que lhe desse lastro.

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O que fez, então, a União Federal? De forma a legitimar o protesto extrajudicial da CDA, editou a Medida Provisória nº 577/2013 convertida na Lei nº 12.767/2013 – recheada de inconstitucionalidades que vão desde a falta de razoabilidade e proporcionalidade a vício de iniciativa – para que seu desejo tivesse amparo legal.

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Dado o panorama anterior, não nos parece razoável entender que, uma vez inserido a fórceps no ordenamento jurídico pátrio, o protesto extrajudicial indevido das Certidões de Dívida Ativa não obriga ao Estado reparar o dano vivenciado pelo particular ou pela pessoa jurídica especialmente porque era ele, Estado, quem deveria zelar para que a formação do título não fosse viciada. 24 AgRg-Ag 777.258/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, Rel. p/o Ac. Min. Massami Uyeda, 4ª Turma, Julgado em 16.04.2009, DJe 08.06.2009.

É de bom tom que o Poder Judiciário harmonize a questão em torno do tema, reconhecendo o dano moral à pessoa jurídica ou física cujo protesto levado à cabo pelo Fisco seja indevido.

CONCLUSÃO É preciso que se continue a questionar a constitucionalidade da Lei nº 12.767/2012 por todas as questões já conhecidas da comunidade jurídica, entre as quais, destacamos aqui, o caráter de coerção existente nesta prerrogativa do Poder Público que, como exequente, já possui outras suficientes ao adimplemento do seu crédito. Até que o Supremo Tribunal Federal venha a se pronunciar sobre o tema – ou após o seu pronunciamento, caso favorável ao Fisco – é fundamental que o Poder Judiciário reconheça o direito do contribuinte ao dano moral na hipótese de protesto indevido da CDA, não criando, diante do mesmo contexto, diferenciações desaconselháveis, excepcionando um posicionamento já sedimentado no col. STJ

REFERÊNCIAS CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012 COSTA, Wille Duarte. Títulos de crédito de acordo com o novo código civil. 1. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, v. III, 2009 HARADA, Kiyoshi. Protesto da CDA. Portaria equivocada. Disponível em: <http://www.haradaadvogados.com.br/publicacoes/Artigos/779.pdf>. NUNES, Cléucio Santos. Curso de direito processual tributário. São Paulo: Dialética, 2010.


Doutrina

O Trabalho das Pessoas com Deficiência e a Lei nº 13.146/2015 ADALBERTO MARTINS

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Professor Doutor da Faculdade de Direito (Cursos de Graduação e Pós-Graduação) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professor licenciado dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas, Vice-Diretor da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Membro da Asociación Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior.

HELENA SILVEIRA A. WAITMAN

Advogada Trabalhista, Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Mestranda em Direito do Trabalho da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Coordenadora da área trabalhista do Escritório Franco Advogados.

RESUMO: As pessoas com deficiência passaram da invisibilidade social para a condição de protagonistas do direito ao respeito de suas diferenças, com observância dos direitos fundamentais assegurados na Constituição da República, notadamente o direito ao trabalho (art. 6º da CR); “de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidade com as demais pessoas” (art. 34 da Lei nº 13.146/2015). Neste contexto, se apresenta o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que tem o mérito de inserir no ordenamento jurídico a construção doutrinária e jurisprudencial que vinha se estabelecendo em torno da inclusão da pessoa com deficiência, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. PALAVRAS-CHAVE: Pessoas com deficiência; empregados com deficiência; cotas de empregados com deficiência; Estatuto da Pessoa com Deficiência; Lei nº 13.146/2015. ABSTRACT: Persons with disabilities have moved from social invisibility to protagonists of the right to be respected beyond their differences, in compliance

with the fundamental rights guaranteed in the Constitution, notably the right to work (art. 6º da CR) “of their choice and acceptance, in an accessible and inclusive environment, in equal opportunity with others” (art. 34 of Law nº 13.146/2015). In this context, the Person with Disabilities Statute (Law nº 13.146/2015) stands, which has the merit of including in the legal system the doctrinal understanding and case law that had been established about the inclusion of persons with disabilities based on the principle of human dignity. KEYWORDS: Persons with disabilities; employees with disabilities; quota of disabled employees; Person with Disabilities Statute; Law nº 13.146/2015. SUMÁRIO: Introdução; 1 Histórico da proteção constitucional do direito ao trabalho das pessoas com deficiência; 1.1 A proteção das pessoas com deficiência na atual Constituição da República; 2 A proteção das pessoas com deficiência na legislação ordinária; 2.1 Pessoa com deficiência: conceito e terminologia; 2.2 A não discriminação da pessoa com deficiência; 2.3 As ações afirmativas; 2.4 O sistema de cotas de empregados com deficiência; 3 A dispensa do empregado com deficiência; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO Durante muito tempo as pessoas com deficiência ficaram segregadas da vida em sociedade, em uma situação de invisibilidade social ou sofrendo discriminação, ignoradas pelo próprio ordenamento jurídico. As constituições anteriores àquela que emerge da Emenda Constitucional nº 1/1969 silenciavam completamente sobre a situação de referido contingente de brasileiros, limitando-se a disciplinar algumas situações de invalidez superveniente ao ingresso no mercado de trabalho, enquanto aquela se preocupou com a educação das pessoas com deficiência intelectual. A situação começou a dar sinais de mudança a partir da Emenda Constitucional nº 12/1978, e seu artigo único, especialmente destinado às pessoas com deficiência, na qual se estabeleceu a melhoria da condição social e econômica da pessoa com deficiência, por meio do acesso à educação especial e gratuita e proibição de discriminação, inclusive quanto a salário e aos critérios de admissão.


A Constituição da República, promulgada em 05.10.1988, com os seus fundamentos de cidadania e dignidade da pessoa humana, pautada na vedação expressa a qualquer tipo de discriminação, alicerçou a elaboração legislativa que se seguiu em torno da questão, notadamente o sistema de cotas de empregados com deficiência (art. 93 da Lei nº 8.213/1991, culminando na Lei nº 13.146, de 06.07.2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), com o objetivo de “assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania” (art. 1º).

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A edição da Lei nº 13.146/2015 se traduz em importante contribuição para a efetiva inclusão de pessoas com deficiência no meio social, notadamente no mercado de trabalho, haja vista as dificuldades relatadas por muitas empresas para encontrar profissional qualificado. Isto porque o art. 94 da Lei mencionada assegura o benefício do auxílio-inclusão à pessoa com deficiência moderada ou grave que receba o benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei nº 8.742/1993.

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Com efeito, o último censo do IBGE (2010) revelou que o Brasil tem uma população de 190 milhões de pessoas, sendo 45 milhões (23,9%) com alguma deficiência, dos quais 60% se encontram em idade economicamente ativa. Além disso, uma pesquisa da Unicamp revelou que 6 milhões de pessoas com deficiência apresentam perfil necessário para compor o sistema de cotas do art. 93 da Lei nº 8.213/1991 que, se cumprido integralmente, empregaria 1 milhão de pessoas com deficiência, enquanto no Brasil seria cumprido apenas 27% da cota, ou seja, temos cerca de 5,7 milhões pessoas com deficiência em condições de assumir um posto de trabalho1. 1 Cf. AMATO, Luciano. Uma reflexão sobre a qualidade da inclusão de pessoas com deficiência, publicado no caderno Negócios e Carreiras. Jornal Folha de São Paulo, p. 10, 17 maio 2015.

Neste sentido, caberá às empresas, obrigadas ao cumprimento das cotas de empregados com deficiência, envidar os esforços necessários à qualificação necessária da mão de obra para o desiderato legal, inclusive com adaptação das condições de trabalho à pessoa com deficiência, proporcionando os recursos de acessibilidade e de tecnologia requerida para o exercício da função, da qual jamais se poderá exigir a aptidão plena (art. 34, § 3º, da Lei nº 13.146/2015).

1 HISTÓRICO DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO AO TRABALHO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA A Constituição imperial de 1824 previa, no inciso XIII do art. 179, que “a lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um”. Previa, ainda, em seu inciso XIV do mesmo artigo, que “todo o cidadão pode ser admitido aos cargos públicos civis, políticos, ou militares, sem outra diferença que não seja a de seus talen-


Por sua vez, a primeira Constituição republicana, promulgada em 24.02.1891, estabelecia, no § 2º do art. 72, que “todos são iguais perante a lei”, e reafirmou, em seu art. 73, que “os cargos públicos civis ou militares são acessíveis a todos os brasileiros, observadas as condições de capacidade que a lei estatuir”, se permitindo inferir que a legislação ordinária poderia estabelecer distinções, por motivo de deficiência que pudesse inviabilizar o exercício do cargo público, e despertando a atenção o fato de que o art. 75 dispunha que “a aposentadoria só poderá ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço da Nação”, o que revela a preocupação com a circunstância de o servidor se tornar incapacitado posteriormente ao ingresso na função pública. No entanto, referida Constituição não proibia a discriminação por motivo de raça/cor ou de sexo. A Constituição de 1934, inspirada nas Constituições do México (1917) e de Weimar (1919), previa, na alínea a do § 1º do art. 121, a “proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil”, estabelecendo, nos termos do art. 121, § 1º, alínea h, a “instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte”. Por fim, o art. 138, alínea a, estabelecia a incumbência da União, dos Estados e dos Municípios, nos termos das leis correspondentes, de “assegurar amparo aos desvalidos, criando serviços especializados e animando os serviços sociais, cuja orientação procurarão coordenar”, enquanto a Constituição outorgada em 10.11.1937, no regime totalitário de Getúlio Vargas, limitou-se a declarar que “todos são iguais perante a lei”, não viabilizando os direitos sociais das pessoas com deficiência. Na Constituição de 1946 verifica-se maior atenção aos direitos sociais, tendo o art. 157 estabelecido os preceitos que seriam

observados pela legislação do trabalho e da previdência social, merecendo especial destaque o inciso XVI, que dispôs sobre a “previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as consequências da doença, da velhice, da invalidez e da morte”, e o inciso XVII, que consagrou a “obrigatoriedade da instituição do seguro pelo empregador contra os acidentes do trabalho”; e, na Constituição de 1967, o art. 158, inciso XIX, previa as “colônias de férias e clínicas de repouso, recuperação e convalescença, mantidas pela União, conforme dispuser a lei”. Contudo, a Constituição de 1969, fruto da Emenda Constitucional nº 1 (17.10.1969), foi o primeiro diploma constitucional a revelar, de forma específica, a preocupação com a pessoa com deficiência, ao estabelecer a igualdade perante a lei (art. 153, § 1º) e que lei especial iria dispor sobre a assistência à maternidade, à infância e à adolescência e sobre a educação de excepcionais (art. 175, § 4º – grifos nossos). A Emenda Constitucional nº 12, promulgada em 17.10.1978, avançou no que se refere à inserção das pessoas com deficiência, ao dispor, em seu artigo único: É assegurado aos deficientes a melhoria de sua condição social e econômica especialmente mediante: I – educação especial e gratuita; II – assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do País; III – proibição de discriminação, inclusive quanto à admissão no trabalho ou ao serviço público e a salários; IV – possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos.

Referida emenda constitucional pode ser entendida como um marco substancial da proteção à pessoa com deficiência no ordenamento jurídico pátrio. Isto porque a Emenda Constitucional nº 1, de 17.10.1969, apenas se referida à educação das pessoas com deficiência intelectual, impropriamente denominadas “ex-

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tos, e virtudes”, não fazendo distinção em relação às pessoas com deficiência.

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cepcionais” naquela época, enquanto as Constituições anteriores apenas demonstraram preocupação com algumas situações específicas de verificação superveniente de uma deficiência física.

previstas na Lei nº 10.690/2003, aquela que possui limitação ou incapacidade para o desempenho de atividade e se enquadra nas categorias: a) deficiência física; b) deficiência auditiva; c) deficiência visual; d) deficiência mental; e) deficiência múltipla.

1.1 A proteção das pessoas com deficiência na atual Constituição da República

Diante da promulgação da Convenção das Pessoas com Deficiência pelo Decreto nº 6.949/2009, com o seu status constitucional, nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição da República, o conceito perante a legislação infraconstitucional foi alterado, nos termos do art. 3º da Lei nº 12.470/2011, que atribuiu nova redação ao art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/1993, nos seguintes termos:

A Constituição da República, promulgada em 05.10.1988, inaugurou um novo paradigma de proteção social, trazendo diversos princípios e regras tendentes a combater a discriminação das minorias sociais, merecendo destaque, para os objetivos deste estudo, as pessoas com deficiência.

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Em seu art. 1º, incisos II e III, destacam-se como um de seus fundamentos a “cidadania” e “dignidade da pessoa humana”, princípios que norteiam todo o ordenamento jurídico na elaboração e interpretação das normas. Apresenta-se, ainda, como os seus objetivos fundamentais a construção de “uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, inciso I), bem como a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, IV), afirmando, em seu art. 5º, a igualdade perante a lei, pavimentando o caminho para a elaboração legislativa que objetivou a inserção das pessoas com deficiência nas esferas da vida em sociedade.

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2 A PROTEÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NA LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA No plano infraconstitucional, o art. 1º da Lei nº 7.853/1989 estabelece “normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiências, e sua efetiva integração social, nos termos da lei”, não trazendo conceito sobre quem deveria ser considerada pessoa com deficiência. O art. 5º, § 1º, inciso I, do Decreto nº 5.296/2004 dispunha que será considerada pessoa portadora de deficiência, além das

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Atualmente, a definição de pessoa com deficiência emerge da art. 2º da Lei nº 13.146, de 06.07.2015, que se traduz na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também denominada Estatuto da Pessoa com Deficiência, que procura corrigir algumas distorções que poderiam surgir a partir da definição anterior: Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

A partir da definição mencionada, a Lei nº 13.146/2015 sintetiza a preocupação e o compromisso de inclusão da pessoa com deficiência em todas as dimensões da vida em sociedade, incluindo o direito à saúde, à educação, à moradia e ao trabalho, estabelecendo as obrigações do Poder Público, da sociedade em geral e dos empregadores.

2.1 Pessoa com deficiência: conceito e terminologia Apesar da relevância do conceito difundido para definir “pessoas com deficiência”, conforme o art. 1º da Convenção sobre


Por outro lado, verifica-se, desde a promulgação da Convenção das Pessoas com Deficiência pelo Decreto nº 6.949/2009, o abandono do vocábulo “portadora”, que já vinha sendo criticado pela doutrina, vez que a deficiência não se porta, mas sim está na pessoa ou com a pessoa. Trata-se de observação conceitual que surtiu efeito perante a legislação interna, também inspirado pelos conceitos formulados por normas internacionais, não obstante a menção a “pessoas portadoras de deficiência” no bojo da atual Constituição da República, que deve ser debitada ao momento histórico da promulgação do diploma, e que restou superada com o Decreto nº 6.949/2009, o qual possui efeito de emenda constitucional, a teor do art. 5º, § 3º, da Constituição da República, expressão reafirmada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (art. 2º). Igualmente, não se deve admitir a expressão “pessoas com necessidades especiais”, pois se trata de “gênero que contém as pessoas com deficiência, mas também acolhe os idosos, as gestantes, enfim, qualquer situação que implique tratamento diferenciado”2. Desta forma, não se deve confundir os termos “pessoa com deficiência” – utilizado para aquelas pessoas que tem impedimento físico, mental, intelectual ou sensorial, impedindo ou dificultando a sua participação na sociedade – e “pessoas com necessidades 2 FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. O trabalho da pessoa com deficiência e a lapidação dos direitos humanos: o direito do trabalho, uma ação afirmativa. São Paulo: LTr, 2006. p. 270.

especiais”, como os idosos ou as gestantes. Igualmente, deve ser abolida a expressão “pessoas portadoras de deficiência” pelos motivos já explicitados e, também, não se pode admitir a expressão “pessoas excepcionais” para se referir àquelas com deficiência intelectual, expressão adotada na Constituição de 1969 e que pode ser motivo de chacota na atualidade.

2.2 A não discriminação da pessoa com deficiência Sabemos que os princípios traduzem mandamentos de otimização, ou seja, formulam a exigência de que “algo seja realizado, na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”3, vale dizer, não apresentam um mandamento definitivo, e sim prima facie. As regras, por outro lado, “exigem que seja feito exatamente aquilo que elas ordenam, elas têm uma determinação da extensão de seu conteúdo no âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas”4. Neste sentido, ao contrário do que afirmaram Arnaldo Süssekind, Alfredo J. Ruprecht e tantos outros autores5, a não discriminação não é, propriamente, um princípio, e sim uma regra, na medida em que a prática da discriminação se encontra expressamente vedada, conforme teremos a oportunidade de analisar nas linhas seguintes. Trata-se de regra que deriva do princípio da isonomia, segundo o qual “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (art. 5º da CR), 3 Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5ª edição alemã. São Paulo: Malheiros, 2008. p.104. 4 Idem. 5 Nós também o fizemos em nosso Manual didático de direito do trabalho (4. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 81-82).

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os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 6.949/2009, reitera-se o acerto da definição que emerge do art. 2º da Lei nº 13.146/2015, que tem o mérito de evitar as distorções que poderiam ocorrer ao se desconsiderar que a obstrução à participação plena e efetiva da pessoa com deficiência, em igualdade de condições com as demais pessoas, poderia decorrer da interação de apenas uma barreira, e não necessariamente da interação de várias barreiras.

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do qual decorrem os desdobramentos que se apresentam nos diversos incisos do mencionado art. 5º da Constituição da República, com especial destaque para o fato de que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (inciso I).

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A importância do princípio da igualdade, do qual deriva a regra da não discriminação, está bem sintetizada na lição de Gomes Canotilho6, segundo o qual se trata de “um dos princípios estruturantes do sistema constitucional global, conjugando dialecticamente as dimensões liberais, democráticas e sociais inerentes ao conceito de Estado de direito democrático e social”, cuja base constitucional é a dignidade da pessoa humana, tão bem delineada no art. 1º, III, da Constituição da República, e que é resgatado no art. 7º, XXX (“proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”), no art.7º, XXXI (“proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”) e no art. 7º, XXXII (“proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos”).

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O princípio da igualdade (isonomia) assegurado constitucionalmente (art. 5º da CR) preconiza a igualdade de tratamento perante a lei, vedando “as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça”7. Vale dizer, referido princípio deve ser examinado sob três ângulos: a igualdade formal, a igualdade material e a igualdade real. 6 Cf. Constituição da República Portuguesa anotada. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, Coimbra/PT: Coimbra, 2007. p. 336-337. 7 Cf. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 36.

A igualdade formal, oriunda da reflexão de Aristóteles, decorre da isonomia. Todos devem ser tratados de forma igual, independentemente de sua origem. A crítica a esta modalidade do princípio surge por não tratar das classes minoritárias. Para Aristóteles, a existência de classes minoritárias, como os soldados inválidos pela guerra, em sua época, não tem o condão de ferir o conceito do princípio da igualdade como para ele formulado, haja vista que o sobressalto de determinado individuo em sua classe social seria fruto de seu empenho ou merecimento. Isso levou, com o tempo, a evolução para a igualdade material. Apesar de não superado, ordinariamente, o princípio da igualdade formal deve ser visto sob o ângulo abstrato dos direitos individuais civis e políticos, como estampado pela nossa Constituição da República, nos termos do art. 5º. Já a igualdade material, advinda da criação dos direitos sociais, tem como espelho a proibição de discriminação, tomando feição diante do Estado Moderno para a inserção ou o conjunto de leis que objetivam inibir a discriminação. Entretanto, o dever genérico de obtenção das condições mínimas de dignidade do ser humano mostrou-se insuficiente à atenção que se deve atribuir às necessidades específicas de determinados indivíduos ou grupos sociais, estando aí o sustentáculo para o surgimento da igualdade real. Na igualdade real, o seu objeto é a especificidade da dignidade humana, em especial as minorias, como pode ocorrer com as pessoas com deficiência. A síntese de Alexandre de Moraes, reproduzida alhures, com a observação de que o art. 5º da Constituição da República, não inibe o tratamento desigual aos desiguais, e que apenas veda as discriminações absurdas, remete-nos ao ensinamento de


Assim, permite-se a diferenciação quando o elemento discriminador objetiva uma finalidade acolhida pelo direito9; vale dizer, o discrímen deve se prestar à finalidade da norma, hipótese em que se revela possível identificar a discriminação sem ofensa ao princípio da igualdade10. Neste sentido, verificamos, no âmbito trabalhista, a proteção especial às pessoas com deficiência, à mulher, às crianças e aos adolescentes, e que não destoam das disposições constitucionais (art. 7º, XXX, XXXI e XXXII, da CR). A regra da não discriminação, no âmbito trabalhista, esteve presente no Tratado de Versalhes (1919)11, estabelecendo que o trabalho igual deve ter salário igual, sem distinção de idade, sexo, estado civil, religião ou ideais políticos, que passou a inspirar a legislação trabalhista dos países signatários, inclusive do Brasil. Com efeito, no âmbito das relações de trabalho, a regra da não discriminação proíbe a diferença de critério de admissão, de exercício de funções e de salário por motivo de raça, de estado civil, idade e sexo (art. 7º, XXX, da CR), por motivo de 8 CANOTILHO, Gomes. Ob. cit., p. 340. 9 Cf. BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2º v., 1989. p. 7. 10 Idem, p. 8-9. 11 Cf. RUPRECHT, Alfredo J. Os princípios do direito do trabalho. Trad. Edilson Alkmin Cunha. São Paulo: LTr, 1995. p. 102.

deficiência (art. 7º, XXXI); e o mesmo se diga, em relação às normas gerais, entre o trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os respectivos profissionais (art. 7º, XXXII). Além disso, por se tratar de um corolário do princípio da igualdade (art. 5º da CR) e que também emerge da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CR), é possível concluir que o inciso XXX do art. 7º apresenta um rol exemplificativo dos motivos que podem desencadear a injusta e repudiável discriminação no âmbito das relações de trabalho. Em síntese, o comportamento discriminatório, sob o enfoque jurídico, é aquele que implica exclusão ou preferências preconceituosas, de pessoas ou grupos, por motivos raciais, étnicos, de gênero, características físicas e outros, e que corresponde à discriminação propriamente dita, enquanto as distinções legítimas seriam enquadradas como discriminação positiva. Em síntese, a discriminação pode assumir as seguintes formas: a) discriminação direta: são as práticas intencionais e conscientes que acarretem prejuízos, exclusões ou anulem direitos de pessoa ou grupo determinado; b) discriminação indireta: ocorrerá quando uma disposição, um critério ou uma prática neutra afetar uma proporção substancialmente maior de membros da sociedade; c) discriminação oculta: diverge da discriminação indireta, já que nesta há a intenção, ao passo que, na oculta, inexiste. É implícita, que camufla medidas aparentemente neutras (p. ex., a contratação de empregados de uma determinada religião); d) discriminação institucional: surge na própria estrutura organizacional da sociedade, o modo de relacionamento entre os grupos sociais, os critérios de aceitação dos

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Gomes Canotilho, segundo o qual a proibição de discriminação “não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento”8. Em verdade, a vedação constitucional se restringe à discriminação negativa, ou seja, aquela que não se justifica segundo os critérios de razoabilidade e se apresenta de forma absolutamente arbitrária.

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indivíduos nesses mesmos grupos ou em relação ao acesso das pessoas aos espaços sociais; e) discriminação na aplicação do direito: expõe como uma derivação da discriminação indireta, mas que se revela na edição das normas legais; f) discriminação presumida: aquela que decorre da manifestação objetiva de que em uma determinada empresa ou órgão público inexistem representantes de determinados grupos;

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g) discriminação legítima: aquela que se justifica em face do tipo de atividade, que excluiria a possibilidade do acesso de grupos específicos.

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Neste sentido, o art. 34, § 3º, da Lei nº 13.146/2015 veda a restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer discriminação em razão de sua condição, tanto nas fases que antecedem a efetiva admissão (recrutamento, seleção, exame admissional) quanto na permanência no emprego, nos exames periódicos, na ascensão e na reabilitação profissional, não se podendo exigir-lhe a aptidão plena. Ademais, ao trabalhador com deficiência deve estar assegurada a acessibilidade em cursos de formação e capacitação (art. 34, § 5º, da Lei nº 13.146/2015), que objetivam promoções, bonificações e incentivos profissionais oferecidos pelo empregador, nas mesmas condições dos demais empregados (art. 34, § 4º, da Lei nº 13.146/2015), dispositivos legais que visam a tornar efetivo o direito fundamental ao trabalho (art. 6º da CR).

nalizar medidas que supram desvantagens históricas, passou a discriminar positivamente. A discriminação positiva se faz por meio das ações afirmativas. As ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero, por motivo de deficiência e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais, como a educação e o emprego. São modalidades das ações afirmativas: a) Ações afirmativas decorrentes do Estado: as constituições elegem critérios e princípios prioritários que se refletem na ação do Poder Legislativo, vindo a lei a estabelecer a eleição dos grupos protegidos e a forma da proteção; b) Ações afirmativas na esfera privada: se refletem na organização do terceiro setor da sociedade civil, que se mobiliza em razão de motivação assistencial, religiosa, política e ideológica, a fim de patrocinar interesses que lhe digam respeito diretamente;

2.3 As ações afirmativas

c) Ações afirmativas cogentes: são sempre provindas do Estado, seja por meio de lei ou de decisões judiciais, e implicam a utilização de cotas ou a eleição de preferências na destinação de recursos públicos, cuja finalidade visa a atender grupos sociais específicos;

Inicialmente, conforme vimos em tópicos precedentes, o direito ignorou a existência da discriminação; em momento posterior, passou a proibi-la e, na atualidade, com o objetivo de operacio-

d) Ações afirmativas facultativas: decorrem de medidas espontâneas ou estimuladas pelo Estado, seja por meio de cotas ou incentivos, por meio de renúncia fiscal.


A função social da empresa tem assento constitucional (arts. 1º e 170), e de referido princípio emerge o art. 93 da Lei nº 8.213/1991, que exterioriza uma ação afirmativa cogente: A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: I – até 200 empregados.... 2%; II – de 201 a 500... 3%; III – de 501 a 1.000...4%; IV – de 1.001 em diante.... 5%.

Neste contexto, verifica-se a justa crítica de Ricardo Tadeu Marques da Fonseca quanto ao fato de que as empresas com menos de 100 empregados estão dispensadas de observar a cota de empregados com deficiência: A primeira peculiaridade do ordenamento brasileiro é a exclusão das pequenas e microempresas da obrigatoriedade em questão, o que afasta as que mais empregam, segundo estatísticas oficiais, seja em razão da alta incidência dessas empresas no mercado, seja em razão do processo menos automatizado que as caracteriza.12

O art. 10, § 1º, da Instrução Normativa nº 20/2001 do Ministério do Trabalho e Emprego afirma o seguinte: “Para efeito de aferição dos percentuais dispostos neste artigo, será considerado o número de empregados da totalidade dos estabelecimentos da empresa”. 12 FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. Ob. cit., p. 280.

Para Fábio Ulhoa Coelho13, empresa “pode ser conceituada como a pessoa jurídica de direito privado não estatal, que explora empresarialmente seu objeto social ou a forma de sociedade por ações”. Assim, a leitura do artigo deve ser feita levando em consideração o número de empregados da empresa em seu todo, e não em cada estabelecimento. Nesse sentido, determina o § 2º do art. 10 da Instrução Normativa nº 20/2001 do Ministério do Trabalho e Emprego: “Os trabalhadores a que se refere o caput poderão estar distribuídos nos diversos estabelecimentos da empresa ou centralizados em um deles”.

3 A DISPENSA DO EMPREGADO COM DEFICIÊNCIA Entendemos que não há propriamente uma garantia provisória no emprego da pessoa com deficiência, mas sim uma condição expressa para o exercício do direito potestativo do empregador14, 13 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 111. 14 Neste sentido também caminha a jurisprudência trabalhista, a exemplo das seguintes ementas: “[...] REINTEGRAÇÃO DE EMPREGADO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA – […] Já, no § 1º do art. 93 da Lei nº 8.213/1991, está previsto que a dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa dias) e a imotivada, no contrato a prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante. Verifica-se, portanto, que a norma em questão não assegura estabilidade no emprego ao trabalhador portador de deficiência física, todavia, por meio do § 1º, impõe limites ao direito potestativo do empregador de despedir ao estabelecer a obrigação de prévia contratação de substituto em condições semelhantes, mesmo que a reclamada tenha mantido, em seu quadro funcional, o percentual mínimo de empregados reabilitados ou portadores de deficiência, nos termos previstos no caput do art. 93 da Lei nº 8.213/1991. Recurso de revista não conhecido neste tema” (RR

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2.4 O sistema de cotas de empregados com deficiência

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haja vista que, além do caráter social e dignificante da medida, a ordem jurídica internacional já se posicionou a respeito, conforme conteúdo do art. 2º da Convenção nº 159 da OIT, promulgada pelo Decreto nº 129/1991, a seguir transcrito: Para efeitos desta Convenção, todo o País-Membro deverá considerar que a finalidade da reabilitação profissional é a de permitir que a pessoa deficiente obtenha e conserve um emprego e progrida no mesmo, e que se promova, assim a integração ou a reintegração dessa pessoa na sociedade. (grifos nossos)

Nesse sentido, o § 1º do art. 93 da Lei nº 8.213/1991, com redação determinada pela Lei nº 13.146, de 06.07.2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), consagra que:

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A dispensa de pessoa com deficiência ou de beneficiário reabilitado da Previdência Social ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias e a dispensa imotivada em contrato por prazo indeterminado somente poderão ocorrer após a contratação de outro trabalhador com deficiência ou beneficiário reabilitado da Previdência Social.

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3860063.2005.5.17.0181, 2ª Turma, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 13.04.2011, Data de Publicação: 29.04.2011); “Garantia indireta de emprego art. 93, § 1º, Lei nº 8.213/1991. O art. 93, § 1º, Lei nº 8.213/1991, determina que ‘a dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato a prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante’. Assim, a lei previdenciária impôs limite ao direito potestativo do empregador rescindir o contrato do empregado que se encontre nas condições que menciona, o que só poderá ocorrer após a contratação de outro na mesma condição (trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado). Portanto, tendo o reclamante sido dispensado antes de a ré contratar outro trabalhador com deficiência, faz jus o autor ao pagamento dos salários e demais verbas trabalhistas do período de afastamento até a data da contratação do novo empregado. Recurso do autor provido parcialmente” (Processo TRT/SP nº 0000647-72.2011.5.02.0472, 8ª Turma, Rel. Des. Adalberto Martins, Data de Julgamento: 12.12.2012, Data da Publicação: 19.12.2012).

Verifica-se que a pessoa com deficiência ou reabilitada, desde que contratada por prazo indeterminado ou por prazo não inferior a 90 dias, não pode ser despedida imotivadamente, sob pena de reintegração, conforme entendimento jurisprudencial majoritário que já vinha sendo adotado15, e que agora se vê 15 Neste sentido as seguintes ementas de julgados: “RECURSO DE REVISTA – REINTEGRAÇÃO – EMPREGADO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA OU REABILITADO – ART. 93, § 1º, DA LEI Nº 8.213/1991 – O direito de o empregador efetuar a dispensa do empregado portador de deficiência física ou reabilitado está condicionado à contratação de outro empregado em condição semelhante. Portanto, o não atendimento de expressa determinação legal, inserta no § 1º do art. 95 da Lei nº 8.213/1991, gera o direito do empregado à reintegração no emprego, diante da nulidade da dispensa. Tal disposição legal visa a resguardar os direitos consagrados, inclusive constitucionalmente (art. 7º, XXXI), de um grupo de trabalhadores que demandam uma assistência especial. Recurso de revista conhecido e desprovido” (RR 72900-74.2007.5.15.0007, 6ª Turma, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 01.09.2010, Data de Publicação: 10.09.2010); “AGRAVO DE INSTRUMENTO – PROVIMENTO – REINTEGRAÇÃO – ART. 93, § 1º, DA LEI Nº 8.213/1991 – DISPENSA DE EMPREGADO REABILITADO OU PORTADOR DE DEFICIÊNCIA – NECESSIDADE DE CONTRATAÇÃO DE TRABALHADOR EM CONDIÇÃO SEMELHANTE PARA O MESMO CARGO – Demonstrada a afronta ao art. 93, § 1º, da Lei nº 8.213/1991, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. RECURSO DE REVISTA – REINTEGRAÇÃO – ART. 93, § 1º, DA LEI Nº 8.213/1991 – DISPENSA DE EMPREGADO REABILITADO OU PORTADOR DE DEFICIÊNCIA – NECESSIDADE DE CONTRATAÇÃO DE TRABALHADOR EM CONDIÇÃO SEMELHANTE PARA O MESMO CARGO – 1. Das expressas disposições do art. 93, § 1º, da Lei nº 8.213/1991 extrai-se clara limitação ao direito potestativo do empregador de promover a dispensa de trabalhadores reabilitados ou portadores de deficiência habilitados. Tal disposição cumpre relevante papel na preservação do alcance social da norma, na medida em que vincula a validade da dispensa de tais empregados à comprovada contratação de substituto em condição semelhante. 2. A expressão substituto, contida no referido dispositivo legal, tem significado específico, indicando a necessidade de contratação de trabalhador em condição semelhante para o mesmo cargo do empregado dispensado. Do contrário, abrir-se-ia oportunidade ao preenchimento da quota sempre nos cargos de hierarquia inferior, desatendendo ao fim


chancelado pela atual redação dos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 9.029/1995, determinada pelo art. 107 Lei nº 13.146/2015: Art. 1º É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal. Art. 3º Sem prejuízo do prescrito no art. 2º desta Lei e nos dispositivos legais que tipificam os crimes resultantes de preconceito de etnia, raça, cor ou deficiência, as infrações ao disposto nesta Lei são passíveis das seguintes cominações: [...]. (grifamos)

I – a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais: [...].

Além disso, no caso de contrato de aprendizagem, o desempenho insuficiente ou a inadaptação do aprendiz não legitima a rescisão antecipada do contrato, desde que se trate de empregado aprendiz com deficiência e o empregador não tenha proporcionado os “recursos de acessibilidade, de tecnologias assistivas e de apoio necessário ao desempenho de suas atividades”, conforme o art. 433, I, da CLT, com redação atribuída pelo art. 97 da Lei nº 13.146/2015.

Art. 4º [...]

CONCLUSÃO A dignidade da pessoa humana é, sem sombra de dúvidas, um dos principais direitos fundamentais assegurados pela atual Constituição da República, do qual emerge todo o ordenamento jurídico. Uma das formas de realização plena desse princípio é a garantia do direito ao trabalho a todas as pessoas indistintamente, instrumento este que a Constituição declara fundamental para a concretização de uma sociedade livre, justa e solidária, nos termos do inciso I do seu art. 3º. A deficiência não pode servir de obstáculo para a inserção no mercado de trabalho e, consequentemente, no meio social. Para o Estado, é uma forma de desvincular-se de encargos previdenciários e assistenciais; para a pessoa com deficiência, uma maneira de alcançar a plena dignidade. A determinação de cotas para as pessoas com deficiência é uma maneira rígida, mas eficaz, para a inserção destes trabalhadores ao mercado de trabalho, tendo a atuação dos órgãos respon-

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colimado pelo legislador ao editar a norma protetiva sob exame. 3. Na hipótese dos autos, o Tribunal Regional consignou expressamente que o reclamado comprovou a contratação de outros portadores de deficiência, considerando irrelevante, contudo, que tal contratação não tenha sido procedida para o mesmo cargo ocupado pela empregada dispensada e ressaltando a necessidade de observância apenas do número mínimo de quotas. 4. Tem-se, num tal contexto, que a admissão de outros empregados em condição semelhante à da reclamante, mas em cargo distinto, não satisfaz o requisito previsto no § 1º do art. 93 da Lei nº 8.213/1991 para a validade da dispensa. Hipótese em que devida a reintegração no emprego postulada. 5. Recurso de revista conhecido e provido” (RR 231700-03.2009.5.02.0070, 1ª Turma, Rel. Min. Lélio Bentes Corrêa, Data de Julgamento: 06.02.2013, Data de Publicação: 26.04.2013); “[...] REINTEGRAÇÃO – EMPREGADO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 93, § 1º, DA LEI Nº 8.213/1991 – Esta Corte tem entendimento consolidado de que o art. 93, § 1º, da Lei nº 8.213/1991 estabelece uma garantia indireta de emprego, porque limita o poder potestativo do empregador em efetivar a dispensa de empregado reabilitado ou de deficiente físico à prévia contratação de substituto em condição semelhante. Assim, descumprida essa exigência legal, impõe-se a reintegração no emprego, até a efetiva contratação de substituto em condição semelhante. [...]” (TST, AR 50581.2011.5.03.0006, 5ª Turma, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, DEJT 29.11.2013).

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sáveis, como o Ministério Público do Trabalho e Ministério do Trabalho e Emprego, fator fundamental para o seu cumprimento. O sistema de cotas é uma forma de ação afirmativa que pretende dar eficácia ao direito fundamental ao trabalho (art. 6º da CR) da pessoa com deficiência, e começa a se consolidar a partir da vigência da Lei nº 13.146, de 09.07.2015, que objetiva a inclusão da pessoa com deficiência em todas as dimensões da vida em sociedade, com absoluto respeito à dignidade da pessoa humana e respeito aos direitos de cidadania.

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Doutrina

Investimento Direto Estrangeiro e Sustentabilidade: Interação, Efetividade e Impacto de Políticas Ambientais no Fluxo de Capital Externo

ABSTRACT: The present article has as its core objective to establish the conceptual and practical foundations of foreign direct investment as well as of sustainability, verifying throughout bibliographic and empirical research the possibilities of linking the level of environmental regulation on a given target country to the flow of foreign direct investment. First chapter is more theoretical and establishes the foundations of both institutes, verifying points of tension and confluence. Second chapter after establishing the foundation of regulatory law, analyzes different regulatory scenarios on the environmental sphere and its relationship with the foreign direct investment inflow, in order to test what regulatory theory predicts in terms of capital flow. KEYWORDS: Foreign direct investment; environmental regulation; sustainability SUMÁRIO: Introdução; 1 Investimento direto estrangeiro; 1.1 Fundamentos econômicos, políticos e legais; 1.2 Investimento estrangeiro direto e sustentabilidade; 2 Competição regulatória na área ambiental: possibilidade de união entre IDE e sustentabilidade?; 2.1 Fundamentos do direito da regulação; 2.2 Regulamentação ambiental e fluxo de investimento direto externo; Considerações finais; Referências.

VINICIUS DINIZ VIZZOTTO

Mestre em Direito Internacional Econômico pela UFRGS, LL.M em Análise Econômica do Direito (Bologna/Ghent/ Hamburgo), Especialista em Direito Internacional pela UFRGS, Advogado.

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo estabelecer os fundamentos conceituais e práticos do investimento direto estrangeiro e bem assim os da sustentabilidade, verificando, por meio de pesquisa bibliográfica e empírica, as possibilidades de vincular o nível de regulação ambiental de determinado país com o fluxo de investimento direto estrangeiro. O primeiro capítulo é mais teórico e estabelece as bases de ambos os institutos, verificando pontos de tensão e conjunção. O segundo capítulo, após traçar os fundamentos de direito regulatório, analisa diferentes cenários regulatórios na esfera ambiental e sua relação com o fluxo de investimento direto estrangeiro, a fim de testar o que a teoria regulatória refere em termos de fluxo de investimento.

Jorge Madeira Nogueira1, em palestra realizada em Brasília, referiu que “as conseqüências econômicas do incremento do comércio e do investimento externos em decorrência de uma maior integração econômica entre países é um tema presente na agenda dos estudiosos da Economia há décadas”. Na mesma esteira, refere que a interface “meio ambiente” e “setor externo” tem sido um dos mais desafiadores tópicos de

PALAVRAS-CHAVE: Investimento direto estrangeiro; regulação ambiental; sustentabilidade.

1 Nogueira, 2008.

INTRODUÇÃO


pesquisa econômica desde o início da década passada. Existe, em realidade, um debate entre aqueles que são a favor e os que são contra a tese de incompatibilidade entre aumento do comércio e manutenção de um padrão de desenvolvimento econômico e ambientalmente sustentável. Amplia-se o espectro da tese quando se analisa a eventual incompatibilidade entre o movimento do capital financeiro internacional e do investimento direto estrangeiro com a sustentabilidade, tópico central deste artigo.

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Assim, a interface “meio ambiente” e “setor externo” envolve, também, segundo o autor, a possibilidade de uso de restrições comerciais (regime de comércio internacional) para impor objetivos ambientais (regime ambiental internacional). O autor refere que, para que se tenha uma compreensão do tema, devem ser considerados 4 aspectos: i) efeitos do incremento do comércio internacional sobre meio ambiente e recursos naturais; ii) distribuição espacial do IDE – concorrência regulatória; iii) certificação ambiental (barreira não tarifária ou projeto de sociedade internacional?) e iv) análise econômica dos acordos ambientais internacionais.

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Veja-se que a situação é premente e envolve as discussões mais atuais sobre o tema. O ministro do Meio Ambiente indiano, por exemplo, referiu que o nível de investimento direto estrangeiro decaiu em seu país, devido ao nível de regulações ambientais da Índia, que foram reforçados2. 2 Seguem trechos da notícia, no original: “While India hardsells itself at Davos as a favoured destination among emerging economies like China, Brazil, Mexico and Indonesia among others, environment minister Jairam Ramesh’s ‘environment sensitive policies’ seem to be driving foreign direct investments (FDI) away from the country. At least this is what the Reserve Bank of India (RBI) suggests in its quarterly review of economy released on Monday as one of the key factors affecting ‘investors sentiment’. The central bank recorded an ‘almost 36%’ dip in inward FDI during the first-half (April-September 2010) of the current fiscal. […] The Reserve Bank,

O presente artigo tem dois questionamentos principais, quais sejam: a) É possível conjugar desenvolvimento sustentável (em especial a parte referente a progresso ambiental) e investimento direto estrangeiro? Em caso positivo, como?; e b) Qual o impacto de regulamentações ambientais no fluxo de capital estrangeiro em determinado país? O primeiro capítulo é mais teórico e estabelece as bases de ambos os institutos, verificando pontos de tensão e conjunção. O segundo capítulo analisa diferentes cenários regulatórios na esfera ambiental e sua relação com o fluxo de investimento direto estrangeiro, a fim de testar o que a teoria regulatória refere em termos de fluxo de investimento.

1 INVESTIMENTO DIRETO ESTRANGEIRO 1.1 Fundamentos econômicos, políticos e legais Entre os fundamentos econômicos do investimento direto estrangeiro, podemos referir os seguintes: a) considerado como importante fator para o desenvolvimento econômico; b) traz a tecnologia necessária, expertise e recursos financeiros para economias em desenvolvimento; c) o investimento

in its report, pointed out that inward FDI during this period stood at only about $12.6 billion as against $19.8 billion inward flow witnessed during the same period last fiscal. That it was not a global phenomenon is borne out of the fact that FDI inflow into other emerging economies during this period was up in the range of 6-53%. ‘Net FDI flows to India declined by almost 36%, year-on year, during April-September 2010. According to the latest estimates of UNCTAD (January 2011), FDI flows to major EMEs like China, Brazil, Mexico and Thailand recorded increases in the range of 6-53% in 2010. Notably, Indonesia recorded about a three-fold rise in FDI inflows’, says the chapter on External Economy. […]” (Reserve Bank of India Jairam’s policies for FDI dip. Disponível em: <http://www.indianexpress.com/news/rbi-blames-jairams-policies-for-fdi-dip/742560/>. Acesso em: 11 mar. 2015).


Ainda em termos econômicos, ele pode, potencialmente, trazer dois grandes tipos de benefício econômico: a) crescimento econômico (alavancado pelo aumento na renda, no nível de emprego local, taxa de câmbio, distribuição de renda); e b) aumento das capacidades produtivas (transferência de tecnologia, spillovers em relação a fornecedores locais e subcontratados; externalidades (positivas), tais como efeitos de aglomeração; estímulo do investimento doméstico; aumento na produtividade de empresas domésticas; aumento na integração de mercados globais; diminuição dos custos e aumento das taxas de pesquisa e desenvolvimento (R&D) e inovação. Toda e qualquer opção política bem como instituto pode trazer pontos positivos e/ou negativos para uma determinada economia. Tudo depende do contexto e do nível regulatório em que são desenvolvidas. Assim, para os otimistas, o investimento direto estrangeiro traz: a) crescimento da economia; b) renda e empregos; c) transferência de tecnologia, podendo se configurar como lead driver para o desenvolvimento sustentável. Por sua vez, os pessimistas referem que o aumento de fluxos de investimento direto estrangeiro, dentro de um contexto “neo-liberal” pode: a) acelerar a degradação ambiental; e b) aumentar as diferenças entre ricos e pobres. O fato, porém, é que os países receptores, ou na expressão inglesa host countries continuam desejando captar investimento direto estrangeiro, conforme refere Karl Sauvant (2011) Os países receptores estão interessados nos recursos tangíveis e intangíveis que o IDE representa, sopesando quaisquer efeitos negativos

que estejam associados com eles. Esses recursos incluem capital e, mais importante ainda, habilidades, know how tecnológico e acesso a mercados (muitas vezes combinados com nomes de marcas). O último é particularmente importante para países que perseguem uma estratégia baseada na exportação, já que é extremamente difícil entrar em mercados altamente competitivos, principalmente no mundo desenvolvido. Hoje, quase todos os países no mundo procuram atrair IDE e eles perseguem estratégias cada vez mais similares a este respeito. A estratégia mais básica foi, e continua sendo, fazer com que a estrutura regulatória para Investimento Direto Estrangeiro seja atrativa. Isto inclui, em primeiro lugar, abrir mais setores para investimento estrangeiro. Acontecerem 2.349 mudanças em leis nacionais sobre investimento direto estrangeiro no período de 1991 a 2005, 92% delas na direção de criar um clima mais favorável para investidores estrangeiros.

Conforme referem Moraes et al (2010), citando Eiteman e Stonehill, “dentre as vantagens competitivas usufruídas pelas EMNs (empresas multinacionais) que investiram com sucesso no exterior estão: 1) economias de escala; 2) conhecimento administrativo; 3) tecnologia superior baseada em uma forte ênfase em pesquisas; 4) força financeira; 5) produtos diferenciados; e 6) competitividade de seus mercados domésticos. A OECD (2008:7), em seu glossário, define investimento direto estrangeiro nos seguintes termos: Investimento estrangeiro reflete o objetivo de obter um interesse permanente por uma entidade residente em uma economia (“investidor direto”) em uma entidade residente em uma economia outra que não a do investidor (“empresa de investimento direto”). O interesse permanente implica na existência de uma relação de longo prazo entre o investidor direto e a empresa e um grau significante de influência na administração da empresa. Investimento direto envolve tanto a transação inicial entre duas entidades e todas as transações de capital subseqüentes entre eles e as empresas afiliadas, tanto incorporadas como não incorporadas.

Em termos de fundamentos políticos, é fato que aqueles que se encontram nos cargos de direção de um país, especialmente o

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direto estrangeiro pode oferecer oportunidades para melhoria da capacidade dos países em desenvolvimento aumentar sua capacidade de exportação ocasionada pelo livre-comércio e mercados abertos (Gray, 2002).

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primeiro escalão do Poder Executivo, terão como um de seus objetivos atrair investimento direto estrangeiro, em verdadeira atividade de rent seeking, tendo em vista que a atração de investimento direto estrangeiro: i) aumenta a arrecadação de impostos; ii) ocasiona melhoria da infraestrutura; iii) aumenta a reputação do País perante a comunidade internacional; iv) o eventual crescimento do País ocasiona apoio do povo ao governo de plantão; v) melhora o ambiente político (interação entre o público e o privado); vi) reduz o nível de burocracia etc. Existem inúmeras leis e regulamentos locais sobre investimento direto estrangeiro. O próprio Brasil tem legislação que conceitua o instituto e também regra o fluxo de capitais3 relativo a este tipo de investimento.

Os fluxos de investimento ao longo de 1990 a 2002 demonstram um crescimento considerável. Em 1990, o investimento alcançava o valor de US$ 200 bilhões, concentrado em países desenvolvidos. Em 2002, este valor alcançou o total de US$ 1,4 trilhão, valor recorde, que, em princípio, foi ultrapassado pelo valor do ano de 2011, o qual atingiu o valor de US$ 1,5 trilhão, conforme relatório da UNCTAD (2011).

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Dados estatísticos também têm seu espaço neste artigo. Eles são importantes a fim de realçar o fato de que o fluxo de investimento direto estrangeiro em determinado país tem impacto em políticas regulatórias, na implementação de infraestrutura de um determinado país (seja desenvolvido ou em desenvolvimento, importante realçar), no estabelecimento de uma concorrência mais acirrada no mercado, na transferência de tecnologia, na inovação.

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3 O art. 1º da Lei nº 4.131/1962 refere que são capitais estrangeiros os bens, máquinas e equipamentos que entraram no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços, bem como os recursos financeiros ou monetários, introduzidos no País, para aplicação em atividades econômicas, desde que, em ambas as hipóteses, pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior. Esta não é a única lei sobre o tema, uma vez que existem outras resoluções: a) Resolução Conselho Monetário Nacional – CMN (Bacen) nº 3884/2010 (DOU 23.03.2010); b) Anexo I à Resolução nº 3884/2010; c) Circular Diretoria Colegiada do Banco Central do Brasil nº 3.491/2010 (DOU 26.03.2010) – altera o Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais (RMCCI).

Relatório da UNCTAD (2011) apresenta o fluxo de stock de investimento direto externo na América do Sul no período compreendido entre 1980 a 2011. O Brasil sempre liderou, mas, a partir de 2005, houve um fluxo muito maior de investimento (ou de incremento do estoque). Isso prova que a América do Sul transformou-se em um dos maiores destinos (tanto em termos proporcionais como em absolutos) para investimento, conforme se denota a seguir.


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A Cepal (2011) apresentou dados referentes à entrada de investimento direto estrangeiro no período de 2009 e 2010. Apenas nesse período, houve um aporte de US$ 45 bilhões no Brasil, quase o dobro do ano anterior, que oscilou por volta de US$ 27 bilhões.

Dentro dos países em desenvolvimento em si, existem certas tendências importantes nos setores em que há investimento. Conforme dados da UNCTAD (2000) para o conjunto de anos entre 1988 e 1998, por exemplo, na Ásia, houve uma manutenção do investimento no setor secundário. Na África, em 1988, metade do investimento era utilizado no setor primário, situação que se modificou em 1998, quando houve aumento e diversificação dos investimentos nos setores secundário e terciário. Em relação à América Latina, o setor secundário, foco de 60,2% dos recursos em 1988, reduziu sua participação para 32,8% e foi ultrapassado pelo terciário, que, em 1999, detinha 52,2% do total dos investimentos. Nos países do leste europeu, os recursos se concentram nos setores secundário e terciário. A seguir, tabela com o resumo dos dados UNCTAD (2000):

O mais recente relatório da UNCTAD (2014) refere o atual panorama do IDE desde 1995:

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Um recorte concentrado em blocos econômicos apresenta as seguintes tendências no período 2005-2007 e 2013:

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Em relação aos fluxos de capital, as 20 economias que mais recebem recursos na forma de IDE são as seguintes, também pelo relatório UNCTAD (2014):

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Importante referir que não existem tendências estanques de IDE. Na década de 1960, o investimento avançava no hemisfério norte, entre as nações desenvolvidas. O Japão foi o foco na década de 1970. Nas décadas seguintes, outras regiões do mundo foram integrando-se. Em 2010, pela primeira vez, o investimento direto estrangeiro foi mais direcionado para países em desenvolvimento. E o dinamismo dos fluxos de capital não estaciona. A China, por exemplo, tem também investido no exterior, o que reconfigura o sistema, sendo que agora fluxos de investimento Sul-Norte e Sul-Sul também concorrem com o tradicional fluxo Norte-Norte ou Norte-Sul. Em termos gerais, a tendência, segundo informação da UNCTAD, vai no sentido de se alcançar US$ 1,7 trilhão em 2015 e US$ 1,8 trilhão em 2016 de IDE. O conjunto das estatísticas indicam as seguintes tendências: i) os fluxos de capital estrangeiro configuram-se como um dos fatores de maior influência nas economias do mundo, seja desenvolvido ou em desenvolvimento, demonstrando o nível de inserção global dos países; ii) o capital investido tem criado aumento da produção mundial de bens, sejam commodities ou bens manufaturados, o que, em termos gerais, aumenta a oferta de bens, reduzindo o preço global e incluindo mais pessoas nos mercados consumidores; iii) a sustentabilidade do investimento dependerá do


1.2 Investimento estrangeiro direto e sustentabilidade É importante, mais uma vez, estabelecer os fundamentos da sustentabilidade. Neste artigo, o importante é refletir a motivação de uma empresa estrangeira para investir nesta seara. Milton Friedman, nos anos 1970, escreveu um artigo intitulado “A responsabilidade social das empresas é aumentar seus lucros”4. Conforme o autor, os executivos das corporações deveriam utilizar os recursos dos acionistas essencialmente para aumentar o valor da companhia e não de outra forma, por exemplo, para reduzir a poluição ocasionada por sua empresa (um exemplo de internalização de externalidades). Atualmente, o argumento parece fora da realidade vigente, considerando que a literatura estabelecida refere que interesses tanto dos acionistas como da sociedade civil devem ser considerados a fim de maximizar o valor da companhia5, o que vai, por via reflexa, também aumentar o bem-estar social. Nesta linha, o conceito de sustentabilidade, seminal naquela década, hoje está no centro das discussões profissionais e acadêmicas. Ética nos negócios6 e no mercado 4 Friedman, 1970. 5 Jensen, 2001. 6 Sen, 1991.

financeiro, o papel da confiança e as vantagens de cooperação em relações de longo prazo são alguns dos fundamentos filosóficos dessa nova onda de investimento7. Como consequência deste novo paradigma, o mercado de firmas de consultoria financeira que consideram nas suas avaliações fatores ambientais, sociais e de governança e o fluxo de dinheiro neste tipo de investimento está rapidamente aumentando8. É o dinheiro dos acionistas sendo usado para aumentar a sustentabilidade, o que, em muitos casos, cria retornos financeiros positivos. Esta é uma afirmação reforçada, inclusive, por estudos conectados com a governança ambiental, promovidos pela agência ambiental britânica9. Como a maioria das empresas de grande porte atualmente é multinacional ou transnacional, esses apontamentos também refletem no investimento direto estrangeiro. Veja-se que, conforme Vellani e Nakao, investimento em desenvolvimento sustentável é útil para as empresas: Com as análises dos casos, o trabalho conseguiu confirmar a hipótese que o investimento em desenvolvimento sustentável diminuiu custos para as empresas. Assim, a idéia de que os investimentos ambientais não geram benefícios econômicos e financeiros é falsa para muitas situações. [...] O objetivo da existência da empresa passa a ser a geração de riqueza com desenvolvimento de uma sociedade sustentável. No entanto, enquanto os valores do mundo corporativo forem a geração de valor independente da relação da empresa com seu meio ambiente os estudiosos de Contabilidade da Gestão Ambiental deverão informar a comunidade empresarial que investir em desenvolvimento sustentável diminui custos, garante a continuidade da empresa e gera valor aos acionistas e aos stakeholders.10

7 Dupre e Girerd-Potin, 2004. 8 A Unep (2008) diz que até 2012 se investirá US$ 450 bilhões por ano na área, aumentando para mais de US$ 600 bilhões por ano a partir de 2020. 9 White e Kiernan, 2004. 10 Vellani e Nakao, 2009.

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setor em que ele for direcionado, assim, v.g., investimentos nos setores secundários e terciários terão uma exposição menor ao risco ambiental, por exemplo, do que no setor primário (extração de recursos naturais e setor agropecuário); iv) tendo em vista os altos valores em jogo, e, via de consequência, os impactos nas condições econômicas, torna-se necessário um certo nível de regulação nos mercados que recebem tais aportes, o que dependerá de cada caso em específico, levando em consideração, especialmente, as condições estruturais das economias em jogo, bem assim o panorama legal e de governança existente, conforme mencionado por Globerman e Shapiro (2002).

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Existem estudos que traçam os pontos de confluência entre o investimento direto estrangeiro e a sustentabilidade. Porém, o fato é que ainda não existe um framework efetivo para guiar e avaliar projetos de IDE e políticas governamentais. Em termos amplos, projetos de IDE Sustentável sustainable FDI e políticas em países em desenvolvimento deveriam: a) aumentar capacidades produtivas locais; b) reforçar a resiliência social e solidariedade, incluindo a redução de desigualdade; c) melhorar a performance ambiental, tanto diretamente como aumentando as capacidades de regulação. Em todo caso, ainda não existem dados uniformes sobre a matéria. Um exemplo de que não há uma vinculação direta ou absoluta entre sustentabilidade e investimento direto estrangeiro é o fato de que, conforme índice ambiental (uma fórmula que leva em consideração fatores ambientais e de sustentabilidade) a seguir, existem países com índice ambiental menor que recebem mais investimento ambiental. Veja-se que 3 países que possuem índice ambiental menor que 50% apresentam nível altíssimo de investimento ambiental. Percebe-se assim que outros elementos têm influência talvez de maior impacto do que a efetividade ambiental, tais como potencial de desenvolvimento do mercado, tamanho do mercado, marco legal e regulatório etc.

Veja que pode, inclusive, existir conflito entre investimento direto estrangeiro e sustentabilidade. Alguns desses mecanismos, principalmente aqueles referentes a políticas de governo, industriais e de ambiente, podem entrar em conflito com acordos de investimento, especialmente se negociados sob a égide da Organização Mundial do Comércio. O Trims (Agreement on Trade-Related Investment Measures) ainda não foi aprovado. Porém, os princípios da igualdade (tratamento nacional/nação mais favorecida) e não discriminação estão vigentes. Requerer padrões ambientais mais altos para companhias estrangeiras do que companhias domésticas pode ocasionar lesão ao princípio da “não discriminação” em acordos de investimento, mesmo que o objetivo fosse discriminar não com base na propriedade (doméstica vs. estrangeira), mas com base em impactos ambientais (idade da tecnologia, requisitos de administração etc.). Faltam instituições para determinar se uma discriminação pode ser justificada em termos ambientais ou sociais, sendo a União Europeia uma das exceções. Independentemente disso, já foram efetuados estudos a fim de mensurar indicadores da sustentabilidade do investimento direto externo, os quais foram tripartidos, conforme tabela a seguir:

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Tipo

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Exemplo de Indicador Total de Investimento Direto Estrangeiro (IDE); Total de Investimento Direto Estrangeiro como percentual do PIB; Mudança Total da participação no share global de IDE; Investimento e Transferência total de recursos; Produtividade Razão da transferência total agregada de recursos (longo prazo) em relação ao PIB (%) Gasto local com Pesquisa e Desenvolvimento derivado do IDE % de IDE Econômico em investimentos greenfield (construção de fábricas do zero). Razão do Desenvolvimento Oficial Total; Assistência ao PIB; Razão da dívida externa em relação ao PIB; Outros Fatores Razão de serviço de cobrança em relação à exportação Financeiros de bens e serviços, incluindo economia doméstica e investimento per capita.


Ambiental

A própria OECD (2008) estabeleceu os princípios que as indústrias multinacionais devem seguir dentro do contexto de leis, regulações e práticas administrativas nos países nos quais elas operam, levando em total conta a necessidade de proteção do ambiente, da saúde pública e da segurança. Assim, devem as empresas levar em conta: i) estabelecer e manter um sistema de gerenciamento ambiental apropriado à empresa; ii) levar em conta preocupações sobre custo, confidencialidade do negócio e a proteção de direitos de propriedade intelectual; iii) avaliar e apontar em processo de decisão, os impactos ambientais, de saúde e segurança previsíveis e relacionados com os processos, bens e serviços da empresa ao longo de todo seu ciclo vital; iv) de acordo com os entendimentos técnico-científicos dos riscos, nos quais exista ameaça de dano sério ao meio ambiente, levar em conta a saúde humana e segurança, não o uso de falta de certeza científica como razão de adiar medidas de custo-efetivo para prevenir ou diminuir tais danos; v) manter planos de contingência para prevenir, mitigar e controlar danos ambientais e de saúde sérios provenientes de suas operações, incluindo acidentes e emergências; e mecanismos para informações imediatas às competentes autoridades; vi) continuamente procurar melhorar a performance empresarial ambiental, encorajando quando apropriado, atividades como adoção de novas tecnologias, desenvolvimento de produtos sem impactos

ambientais, desenvolver alto nível de cuidado sobre questões ambientais entre clientes; vii) dar educação e treinamento aos empregados em saúde ambiental e assuntos de segurança, incluindo o manuseio de materiais tóxicos e a prevenção de acidentes ambientais; viii) contribuir para o desenvolvimento de políticas significativa e economicamente eficientes. Dentro deste contexto de vinculação entre investimento direto estrangeiro e meio ambiente, outro aspecto importante e que deve ser reiterado é que a decisão de efetuar uma fusão ou aquisição é guiada por análise racional de custo-benefício. O valor investido será resgatado para sua origem, cedo ou tarde. Ao longo deste processo, diferentes resultados (positivos ou negativos) podem acontecer, inclusive ao mesmo tempo. Fabiana Elicker (2007) aponta estes fatores: As economias receptoras do IDE, incluindo-se o Brasil, sofrem impactos através das ETNs (empresas transacionais). Seus principais aspectos são: após uma contribuição inicial, a empresa estrangeira pode remeter seus dividendos à matriz; o recebimento de operações de baixo valor agregado não traz perspectiva de crescimento de longo prazo; ETNs de países com sistemas organizacionais e tecnológicos mais avançados podem trazer maiores benefícios para a economia receptora; a capacidade da economia receptora e das suas empresas de absorverem tecnologias e capacidade gerencial de seus concorrentes estrangeiros e, finalmente, o impacto das ETNs poderia ser avaliado pela comparação do que teria ocorrido se o IDE não tivesse se realizado, o que é de difícil mensuração.

2 COMPETIÇÃO REGULATÓRIA NA ÁREA AMBIENTAL: POSSIBILIDADE DE UNIÃO ENTRE IDE E SUSTENTABILIDADE? 2.1 Fundamentos do direito da regulação Ao longo da primeira parte, foram traçados os aspectos econômicos, políticos e legais do investimento direto, bem assim a interação entre investimento direto e sustentabilidade. Não foi

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Social

Tipo Exemplo de Indicador Padrões Adoção dos padrões da OIT e indicadores ambientais e % de empregos criados na economia receptora pelo emprego IDE (direto/indireto). Vagas preenchidas conforme nível de educação, Educação gastos públicos e privados em educação/treinamento, expectativa de anos de educação formal. Adoção de sistema de gerenciamento ambiental; Melhores relatórios ambientais, eficiência energética, contabilidade Práticas verde, e.g., produto nacional verde economia genuína Ambientais etc. % do IDE em setores ambientalmente sensíveis; razão Proteção de gastos com proteção ambiental e PIB; nível de Ambiental implementação de acordos ambientais multilaterais.

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possível constatar uma vinculação direta e absoluta entre ambos; o que foi possível foi encontrar pontos de contato e confluência. Tal constatação corrobora o fato de que cada país e empresa possuem suas próprias idiossincrasias, e cada caso deve levar em conta uma miríade de fatores econômicos, sociais e políticos.

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A questão regulamentar está inserida dentro do contexto de framework institucional, e, portanto, não envolve apenas a regulação ambiental. Envolve outras áreas, que também influenciam a decisão do investidor estrangeiro. Em realidade, o surgimento das agências reguladoras é reflexo do novo panorama administrativo do Estado, o qual demanda a descentralização, bem como exigências de celeridade, eficiência e eficácia fiscalizatória, no dizer de Alexandre de Moraes11. Está-se diante de um Estado regulador de uma economia de livre mercado, que envolve, entre outros fatores, a captação de investimentos do exterior. Este novo perfil do Estado, como bem esclarece Dinorá Adelaide Musetti Grotti, “impõe a redução das suas dimensões, envolvendo as questões de privatização, terceirização e publicização; a recuperação da sua capacidade financeira e administrativa; a necessidade de fortalecimento de sua função reguladora, fiscalizadora e fomentadora; e o desmonte do Estado produtor, interventor e protecionista; o aumento da governabilidade”12.

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Todo este conjunto de medidas sinalizam a falência do Estado-empresário – para utilizar a expressão de Luis Roberto Barroso13 – em uma mudança operacional em sentido gerencial, sendo que palavras como desburocratização, transparência, accountability, ética, profissionalismo, competitividade e enfoque no cidadão passam a ser as pedras de toque da gestão pública. 11 Moraes, 2002:17. 12 Grotti, 2006. 13 Barroso, 2002.

E tanto o é, pelo fato de que, conforme referido pela Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica a principal função das agências reguladoras é a de preservar a harmonia entre os interesses do consumidor, assim como a viabilidade econômica da atividade econômica que regulam, de forma a garantir o atendimento aos interesses da sociedade. A experiência internacional indica que as agências reguladoras devem ser consideradas como órgãos do Estado, e não de governo. É importante prover as mesmas de mandatos fixos, independência orçamentária e autonomia para suas decisões eminentemente técnicas. Essa estabilidade do arcabouço regulatório favorece o ingresso de IDE no País14. Analisando o contexto norte-americano, a respeito da delegação legislativa para as agências reguladoras, José Roberto Pimenta Oliveira é muito feliz ao observar que trata-se de uma solução pragmática: “reconhece-se que as delegações são necessárias pela proliferação de atividades das agências em setores muito diversos, e que o Congresso não tem os conhecimentos técnicos e a experiência necessária para legislar exaustivamente sobre todas as matérias”15. Alexandre dos Santos Aragão sintetiza algumas das características comuns das agências reguladoras nos países que foram analisados: (a) a “independência” de que são dotados consiste na realidade em uma autonomia reforçada em relação ao aparato tradicional da administração direta e indireta; (b) a restrição ao poder de exoneração dos dirigentes dos órgãos ou entidades independentes de regulação não compromete o poder de direção do governo, sendo este compreendido nos termos das respectivas leis criadoras; (c) todas elas concentram 14 Boletim nº 48 da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica. Disponível em: <http://www.sobeet. org.br/boletim/boletim48.pdf>. Acesso em: 5 fev. 2015. 15 Oliveira, 2000.


A regulação deve seguir alguns princípios básicos. Diogo de Figueiredo Neto efetua um elenco tripartite: i) competência regulatória (a partir da deslegalização e da adoção de funções híbridas); ii) independência regulatória (a funcional, a dos agentes e a financeira); iii) participação regulatória (pela publicidade e pela processualidade aberta)17. A doutrina tem elencado alguns requisitos para que as agências reguladoras possam agir plenamente, atingindo assim seu objetivo final, que é regular determinados mercados com o objetivo de tornar eficientes suas estruturas. Gesner Oliveira, e.g., elenca cinco pontos fundamentais para que as agências reguladoras ajam de modo eficaz, quais sejam: i) independência, a fim de que a agência seja órgão de Estado, não de governo, incólume aos influxos políticos; ii) transparência, o que reflete em constante prestação de contas à sociedade, como, por exemplo, publicação dos pareceres técnicos que embasaram a tomada de decisão do órgão; iii) definição precisa de sua missão para, em um segundo momento, integrar e coordenar agências que tenham pontos de conexão; iv) recursos humanos com capacitação técnica de alto nível; e v) criação de incentivos para a concorrência18. Em síntese: um mercado com uma 16 Aragão, 2002:261. 17 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatório. A alternativa participativa e flexível para a administração pública de relações setoriais complexas no estado democrático. São Paulo: Renovar, 2003. p. 168. 18 Maiores detalhes em: A experiência brasileira com agências reguladoras. Marcos regulatórios no Brasil – O que foi feito e o que falta fazer. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, 2005, em coautoria com Thomas Fujiwara e Eduardo Luiz Machado. Rio de Janeiro/RJ. Disponível em:

estrutura regulatória mais transparente e estabelecida atrairá mais investimento, inclusive dentro de um mesmo país. Assim, por exemplo, agências regulatórias ambientais têm papel importante, seja para a atração como para a implementação da sustentabilidade, por exemplo. Existem inúmeras discussões a respeito da possibilidade de vinculação entre investimento sustentável e regulação ambiental. O estudioso francês Schonard (2002) refere que existe preocupação dos investidores em razão dos deveres que são estabelecidos em momento posterior ao estabelecimento do investimento.

2.2 Regulamentação ambiental e fluxo de investimento direto externo Em teoria regulatória ambiental, existem basicamente 4 grandes correntes. São elas: i) Pollution Haven (paraísos de poluição); ii) Race to The Bottom (corrida para o fundo, ou, em outros termos degradação das regulações ambientais); iii) Race to the Top (corrida ao topo ou melhoria das regulações); e iv) Regulatory Chill (paralisia das regulações). Adaptando estes termos ao contexto de investimento direto estrangeiro, a denominada pollution haven preconiza que países em que há pouca ou diminuta regulação ambiental atrairiam investimentos estrangeiros, uma vez que os custos de transação de adequação ambiental nesse país (que é um competidor por investimentos) seriam menores do que em um país com legislação mais forte e impositiva. A race to the bottom é a competição negativa – ou seja, a inação dos atores estatais e privados na área ambiental faz com que ocorra um maior aporte de inves-

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poderes fiscalizatórios, sancionatórios, compõem conflitos e editam regulamentos; e d) os amplos poderes regulamentares que geralmente possuem são admitidos desde que a lei fixe os standards em que deverão se desenvolver.16

<http://www.goassociados.com.br/Papers/Agencias_IPEA_Final.pdf>.

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timento direto estrangeiro – uma vez que a variável ambiental é negligenciada. A denominada race to the top ocorre em um contexto em que os países competem entre si a fim de se alcançar o mais alto nível de regulação em termos ambientais e de sustentabilidade. Por fim, o regulatory chill é uma paralisia de ação do ambiente regulatório. Em que pese o que a teoria, no sentido de que, com menos custos de transação ambiental, ocorrerá um maior aporte de IDE, Gray (2002) observa que:

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Em termos gerais, é difícil fazer uma ligação causal entre o fluxo de investimento e o grau e alcance de regulação e políticas ambientais. Leis mais fortes podem ser influenciadas por vários fatores, incluindo pressão da comunidade, movimentos da sociedade civil fortes ou até mesmo iniciados pelo setor privado. A falta de legislação pode ser atribuída mais para déficits institucionais, recursos limitados ou simplesmente falta de vontade política. Apesar de existir alguma evidência que companhias podem migrar para países com falta de um regime ambiental rígido ou que países podem usar regulação ambiental, ou exceções, como um incentivo, dados indicando padrões consistentes sobre estes fenômenos não estão presentes. Como resultado, é problemático conjecturar definitivamente que existe, de fato, competição entre países para atrair investimento estrangeiro.19

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Gray refere que outros fatores são mais importantes para determinar o investimento direto estrangeiro, tais como custos com tributação, condições domésticas do mercado e restrições em relação a moedas estrangeiras. Petrović-Randjelović segue a mesma linha de argumentação, no sentido de que: A conclusão geral é que custos ambientais não estão incluídos como fatores cruciais em decisões sobre localização de investimentos. Apesar

19 Gray, 2002:307.

do fato de que a efetividade do custo pode ser um fator importante para atividades de investimento no exterior, corporações multinacionais preferem operar no país com uma estrutura ambiental adequada do que em outros que não a possuem. Se as companhias fazem os investimentos para melhorar o ambiente, muitos custos de produção vão diminuir com uma maior qualidade do meio ambiente. Quando eles decidem fazer uma decisão para investir, os custos ambientais parece ser apenas uma pequena parte do total dos fatores de localização. A significância dos custos ambientais, como parte constitutiva dos custos de produção, vai variar dependendo da indústria em questão e dos setores envolvido.20

Veja-se que, considerando que o fluxo de investimento estrangeiro abarca mais de um país, a regulação talvez a nível somente nacional talvez não é suficiente, devendo ser complementada por meio de regulação internacional, dentro do contexto da sustentabilidade. Com essa motivação que Mabey e Mcnally21, por meio de relatório publicado sob os auspícios do World Wildlife Fund, inclusive propõem uma estrutura que tenha como objetivo fazer com que o investimento direto estrangeiro produza sustentabilidade. Assim, os fatores prelecionados pelos autores são os seguintes: a) promoção de boas práticas de investimento e o papel de requerimentos obrigatórios mínimos; b) regulação de setores ambientalmente sensíveis; c) redução das práticas danosas referentes à competição por investimento; d) melhorando a governança por meio do fortalecimento da sociedade; e) construção de mercados sustentáveis, por meio de governança social e econômica. Por fim, independentemente do nível de regulação ambiental, a fim de que se alcance o desenvolvimento sustentável, Zarsky e Gallagher (2003) referem que “uma estratégia coerente de desenvolvimento e políticas efetivas para promovê-lo são centrais 20 Petrovi -Randjelovi , 2007:187. 21 Mabey e Macnally, 1998.


CONSIDERAÇÕES FINAIS Estudos de casos na área de IDE e Sustentabilidade revelam 3 áreas em que se necessita mais pesquisa, conforme referido por Zarsky e Gallagher (2003): (i) a importância de uma estratégia coerente de desenvolvimento e efetivas políticas para promovê-la; (ii) a vontade das multinacionais em estabelecer padrões altos em suas operações globais e cooperar com parceiros para alcançar objetivos de desenvolvimento sustentável; (iii) a necessidade de se incluir padrões de responsabilidade corporativa em regimes de investimento e criar regras de investimento que permitam políticas diversas e inovação institucional em nível nacional. Relatório do Grupo de Trabalho em Desenvolvimento e Meio-Ambiente nas Américas (2009) aponta as seguintes conclusões: a) a política de IDE precisa ser conduzida em paralelo com políticas domésticas significativas e focadas que promovam as capacitações das firmas nacionais e forneçam um padrão de proteção ambiental. Há diversas políticas nacionais específicas que estão sendo ou implementadas ou debatidas no que concerne às formas com que as nações latino-americanas e caribenhas podem superar as externalidades de informação e de coordenação, lidar com problemas de crédito e questões de competitividade no âmbito das firmas domésticas. Com 22 Zarksy e Gallagher, 2003.

relação a esse aspecto, paralelos ou lições da Ásia podem ser extraídos, uma vez que muitas nações desta região adotaram políticas industriais para conectar firmas domésticas a firmas estrangeiras ao ponto de as empresas domésticas se tornarem exportadores competitivos; b) acordos internacionais, tanto ao nível da OMC quanto ao nível de acordos comerciais e/ou de investimento nacionais ou bilaterais (RBTIAs) devem deixar às nações em desenvolvimento o “espaço para política” para perseguirem as políticas domésticas necessárias ao desenvolvimento sustentável por meio do IDE. O emergente regime internacional de regras para o investimento internacional está restringindo a habilidade das nações em desenvolvimento de perseguir alguns dos instrumentos de políticas que têm sido exitosos em canalizar o IDE para o desenvolvimento na Ásia e em outros lugares; c) ao agir coletivamente sob o auspício da OMC, nações em desenvolvimento têm obtido grande sucesso em bloquear propostas que restringiriam ainda mais tal espaço para política. No entanto, o movimento mais lento nos debates de comércio global tem conduzido a uma proliferação dos RBTIAs entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, em que países emergentes apresentam um poder de barganha muito menor e acabam trocando espaço político por acesso ao mercado. O mesmo relatório aponta que o IDE não é um fim, mas um meio para o desenvolvimento sustentável. Simplesmente atrair IDE não é suficiente para gerar crescimento econômico de um modo ambientalmente sustentável. O relatório expõe que mesmo em nações que receberam a principal parcela do IDE na região – Brasil, Argentina e México –, o IDE falhou em gerar spillovers e crescimento econômico sustentável. O IDE precisa ser parte de uma estratégia de desenvolvimento mais abrangente destinada a aumentar o padrão de vida da população nacional com danos mínimos ao meio ambiente.

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ao se utilizar o IDE para promover desenvolvimento sustentável. Abertura econômica e liberalização de investimento, mesmo com esforços para se criar um ‘ambiente propício’ e forte proteção para investidores estrangeiros, não garante nem que o IDE vai se materializar ou que vai promover desenvolvimento ou objetivos ambientais”22.

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É importante realçar, ainda, que o mais recente relatório da UNCTAD (2014:187) teve como tema a utilização de IDE para alavancar os “objetivos de desenvolvimento sustentável” da ONU. Para se alcançar isso, seria necessária a implementação de i) uma nova geração de promoção de estratégias de investimento e instituições; ii) uma reorientação dos incentivos para investimento; iii) regionalização de investimentos nos “objetivos de desenvolvimento sustentável”, iv) novas formas de parceria para investimento sustentável; v) promover o financiamento inovador e reorientação dos mercados financeiros (com a abertura de bolsas financeiras sustentáveis, por exemplo); e vi) modificar a atual mentalidade global sobre os negócios (com a realização de cursos e programas educacionais de impacto global).

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Por fim, em relação ao uso de políticas ambientais e seu efeito no fluxo de IED, ainda não foram obtidos dados empíricos confirmando o que a teoria preconiza, conforme exposto por Gray (2002). Cada caso tem suas características específicas, e inúmeros fatores exercem influência no direcionamento do fluxo de capital. Portanto, são necessárias mais pesquisas, a fim de que o discurso descritivo possa tornar-se mais concreto e normativo, com efeitos práticos e com utilidade para futuros aprimoramentos concretos do tema.

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Doutrina

A Prisão Domiciliar e a Falta de Vagas no Sistema Prisional. Os Direitos e as Garantias dos Apenados na Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre e nos Tribunais Superiores* ADRIANO MARCOS LEHNEN

Advogado, formado pela Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.

RESUMO: O objetivo do presente artigo é fazer uma análise dos contornos da prisão domiciliar em resposta à falta de vagas no sistema prisional. O estudo foi realizado à luz dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da individualização da pena, da vedação a penas cruéis e do respeito à integridade física do apenado no cumprimento da pena. Foram também levados em consideração elementos de processos de execução da Vara de Execuções Criminais da Comarca de Porto Alegre, examinados em pesquisa que abrangeu processos de execução dos anos de 2012 e 2013. Por fim, foram apreciadas as decisões dos Tribunais Superiores e a audiência pública realizada em meados de 2013 pelo Supremo Tribunal Federal. PALAVRAS-CHAVE: Prisão domiciliar; falta de vagas no sistema prisional; dignidade; individualização; vedação de penas cruéis; precariedade do sistema prisional brasileiro; Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre; Tribunais Superiores. *

Artigo escrito a partir do trabalho de conclusão apresentado na Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre em 2 de junho de 2014, o qual auferiu nota máxima com indicação de publicação de artigo científico. Banca composta pelos Professores Renata Jardim da Cunha Rieger (orientadora do trabalho), Fabiano Clementel e Lucio Antônio Machado Almeida.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Do conceito da prisão domiciliar e suas possibilidades jurídicas; 1.1 Da prisão domiciliar em resposta à falta de vagas no sistema prisional brasileiro; 1.2 A prisão domiciliar e a Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre; 2 A concessão da prisão domiciliar e a Constituição Federal da República brasileira; 2.1 Da dignidade da pessoa humana; 2.2 Da individualização da pena; 2.2.1 Da fiscalização da prisão domiciliar; 2.3 A prisão domiciliar e o Supremo Tribunal Federal; 2.3.1 Do Recurso Extraordinário nº 641.320; 2.3.2 Da audiência pública; Referências.

INTRODUÇÃO A Constituição da República Federativa do Brasil prevê uma gama de direitos e de garantias fundamentais a seus indivíduos, que são essenciais para a consolidação do Estado Democrático brasileiro. Entre tais direitos e garantias, existem inúmeros direcionados a indivíduos que devem cumprir algum tipo de sanção criminal, pena imposta por atos que infligiram a lei. Nesta percepção do respeito às garantias constitucionais, vem sendo concedida a prisão domiciliar pelo Judiciário gaúcho nos casos em que inexistem vagas nas prisões no regime aberto e semiaberto, assim demonstrando a fragilidade do sistema prisional brasileiro. Esta situação (concessão da prisão domiciliar frente à falta de vagas) também vem sendo ratificada pelo Superior Tribunal de Justiça e, algumas vezes, pelo Supremo Tribunal Federal, sob o fundamento de que a falta de vagas adequadas no sistema prisional violaria os direitos fundamentais garantidos pela Constituição brasileira e por inúmeros tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. No intuito de compreender e de analisar este instituto (prisão domiciliar), será realizada uma breve consideração sobre o conceito e o amparo legal para a prisão domiciliar. Nesta linha, pretende-se identificar as razões que levam o Judiciário (Vara de Execuções


Logo depois, tratar-se-á da concessão da prisão domiciliar sob a ótica da Constituição da República Federativa do Brasil, analisando-se quais seriam os princípios que justificariam a concessão da prisão domiciliar por parte do Judiciário gaúcho com amparo pelos Tribunais Superiores, em especial o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Neste ponto, far-se-á especialmente importante a análise da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena.

1 DO CONCEITO DA PRISÃO DOMICILIAR E SUAS POSSIBILIDADES JURÍDICAS A prisão domiciliar pode ser conceituada como a possibilidade de que o indivíduo possa vir a cumprir a sua detenção em sua residência, podendo ser aplicada na forma preventiva ou durante

a execução de sua pena restritiva de liberdade. Na concepção de Marcão1, “a prisão-albergue domiciliar é a modalidade de prisão aberta na letra da lei. Trata-se de um regime em residência particular, conforme dispõe o art. 117 da Lei de Execução Penal”. No Direito brasileiro, a prisão domiciliar está disciplinada pelos arts. 317 e 318 do Código de Processo Penal, na forma de prisão preventiva, e pelo art. 117 da Lei de Execuções Penais, quando em substituição à pena definitiva. A prisão domiciliar poderá ser concedida em casos muito especiais, na forma das modalidades estipuladas em lei, observando os requisitos por ela definidos e a particularidade de cada caso concreto. Neste sentido, Marcão2 refere que, “levando em conta certas situações especialmente particulares, o legislador houve por bem abrandar o rigor punitivo, mesmo em pena a ser resgatada no regime aberto”. Inicialmente, pode se verificar que os motivos justificadores da concessão de prisão domiciliar na prisão preventiva e na execução da pena têm semelhanças. Poder-se-ia citar como exemplo o fato de o Superior Tribunal de Justiça utilizar os mesmos requisitos para hipóteses de doença grave, exigindo comprovação documental, com laudos médicos que comprovem a alegação. Ainda, no caso de pedido de prisão domiciliar justificado pelo motivo de ter filho menor de seis anos sob a sua responsabilidade, deverá ser comprovada pelo requerente que esta é a única pessoa responsável para cuidar e educar o mesmo3 e, assim, 1 MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 186. 2 Idem, p. 187. 3 BRASIL. Superior Tribunal Justiça, Habeas Corpus nº 424.658/SP, 5ª Turma, Relator Ministro Jorge Mussi, Paciente: Elaine Cristina Martins Santos, Julgado em 06.09.2012, Diário da Justiça eletrônico 30.10.2012. BRASIL. Superior Tribunal Justiça, Recurso em Habeas Corpus nº 40.043/SP, 5ª Turma, Relatora Ministra Laurita Vaz, Paciente: S.P.F., Julgado em 03.04.2014, Diário da Justiça eletrônico 14.14.2014.

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Criminais de Porto Alegre e Tribunais Superiores) a conceder a prisão domiciliar sem previsão expressa em lei. Para tanto, foi realizada pesquisa qualificativa em Porto Alegre nos processos em que houve a concessão da prisão domiciliar durante o período compreendido entre janeiro de 2012 a novembro de 2013. Com isto, objetivou-se analisar elementos concretos e próximos à nossa realidade. Elementos que podem trazer condições de uma melhor compreensão da concessão do benefício aos apenados, o que tem sido objeto de severas críticas pela sociedade.

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haver a concessão de tal benesse. Uma diferença crucial entre as duas modalidades é o momento em que será aplicada. A primeira, no caso de uma prisão cautelar. E a segunda, durante a execução da pena.

1.1 Da prisão domiciliar em resposta à falta de vagas no sistema prisional brasileiro

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Ressalta-se que, atualmente, inexiste hipótese legal de cumprimento de pena privativa de liberdade em regime domiciliar por ausência de estabelecimento prisional que atenda a todos os requisitos da Lei de Execuções Penais. Assim, dado que a concessão de prisão domiciliar por falta de vagas não se enquadra nas situações previstas no art. 117 da Lei de Execução Penal, poder-se-ia – em um primeiro momento – afastar a possibilidade jurídica de deferimento de tal benefício. Por outro lado, levando em conta o caos do sistema prisional brasileiro e considerando o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, a vedação constitucional no art. 5º, de cumprimento de penas cruéis e, em consequência, assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral, faz-se necessário refletir acerca da taxatividade das hipóteses.

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Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal vem ratificando a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e tem concedido prisão domiciliar em resposta à falta de vagas no sistema prisional, mesmo que esta hipótese não esteja prevista na Lei de Execução Penal, visto que o rol estabelecido pela lei não é, no entendimento da Corte, taxativo. Além disso, a permanência dos apenados nestas condições afrontam os direitos fundamentais garantidos na Constituição da República Federativa do Brasil.

Esse entendimento pode ser extraído do Habeas Corpus nº 113.3344, em que o Ministro Dias Toffoli consignou que, ao aplicar a prisão domiciliar, o Juízo da Vara de Execução Criminal observou a necessidade de respeitar o direito do réu de não cumprir a sua pena em regime mais severo do que aquele que lhe foi imposto, sendo, assim, a decisão totalmente legal, não extrapolando a sua competência. Também foi observado pelo Ministro que esta decisão é condicionada à falta de vagas adequadas. Quando estas vierem a surgir, a decisão poderá ser revista5. Por fim, o Ministro mencionou que a ineficiência do Estado em criar vagas que respeitem os termos das condenações e o previsto na Lei de Execução Penal não justifica que o apenado seja prejudicado, vindo a cumprir uma pena mais severa do que aquela aplicada pelo juiz na condenação.

1.2 A prisão domiciliar e a Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre Conforme abordado anteriormente, realizou-se uma pesquisa junto à Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, que tinha por objetivo analisar como a modalidade de prisão domiciliar em resposta à falta de vagas em presídios tem sido aplicada. Foram analisados 34 processos em que houve a concessão da prisão domiciliar, sendo 17 processos referentes ao ano de 2012 e os outros 17 processos correspondentes ao ano de 2013, com o preenchimento de um questionário previamente elaborado. No momento, pode ser constatado que, durante o ano de 2012, 23,52% das concessões de prisão domiciliar foram concedidas 4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus nº 113.334, 1ª Turma, Relatora Ministra Rosa Weber, Relator p/o Acórdão Ministro Dias Toffoli, Paciente: Rodinei de Souza, Julgado em 18.02.2014, Diário de Justiça eletrônico 20.03.2014. 5 Nas palavras do Ministro Dias Toffoli, “a decisão é condicional, pois estabelece o regime mais brando apenas enquanto não houver vaga em casa prisional que atenda a todos os requisitos da condenação”.


para mulheres e 76,47% para homens. Em 2013, o percentual de mulheres beneficiadas com a concessão da prisão domiciliar diminuiu em relação ao ano anterior, ficando em 17% das mulheres e 83% dos homens beneficiados. Esses números são o reflexo de que a maioria dos apenados no Estado do Rio Grande do Sul é do sexo masculino6.

O levantamento desses dados teve como objetivo fundamental consubstanciar, no decorrer do artigo, se a observância dessas condições especiais, peculiares a cada caso, foi considerada pelo Judiciário gaúcho no momento da concessão da prisão domiciliar em resposta à falta de vagas no sistema prisional.

No que tange ao tipo de delito cometido pelos beneficiários, pode-se observar que a imensa maioria foi condenada por crimes patrimoniais como roubo e furto e, em segundo lugar, por crimes de homicídio no ano de 2012 e tráfico de drogas em 2013, como pode se observar no gráfico a seguir:

2 A CONCESSÃO DA PRISÃO DOMICILIAR E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA REPÚBLICA BRASILEIRA

táfico de drogas

8 6

homicídio

4 2

porte de armas

0 2012

2013 corupção de menor

Figura 1. Dado coletado junto aos processos de execuções penas que crimes contra ade liberdade sexual Alegre. tramitam junto à Vara de Execuções Criminais de Porto

6 Notícia sobre a proporção de presos em relação ao sexo masculino e feminino. Portal do Fórum. Disponível em: <http://www.revistaforum.com. br/blog/2012/11/pesquisa-revela-em-numeros-realidade-carceraria-do-pais/>. Acesso em: 20 mar. 2014. “Nos últimos 20 anos, a população carcerária do país cresceu 350% até chegar a mais de meio milhão de presos, atrás apenas dos Estados Unidos, China e Rússia.” O Brasil tem hoje a 4ª maior população carcerária do mundo, são 514.582 pessoas privadas de liberdade por crimes como tráfico de drogas e roubo. A informação é de “Direito Direito”, equipe que presta serviço de informação jurídica para leigos, e foi divulgada no infográfico “O Brasil atrás das grades”, na última semana. O infográfico mostra que, destas, quase 515 mil pessoas 93,7% são homens e 6,3% são mulheres. Quanto à escolaridade dos detentos, 275,9 mil terminaram o ensino fundamental, 89,2 mil terminaram o ensino médio, 58,4 mil são apenas alfabetizados, 26,6 mil são analfabetos e 5,6 mil concluíram o ensino superior.

7 Para aprofundamento do tema, ver: LEHNEN, Adriano Marcos. A prisão domiciliar e a falta de vagas no sistema prisional. Os direitos e garantias dos apenados na Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre e nos Tribunais Superiores. Trabalho de Conclusão do Curso de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Porto Alegre, 2014. p. 36-38. 8 Idem, p. 38-44. 9 Parece, contudo, que o melhor entendimento acerca da aplicação da reserva do possível é do atual julgado: “DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS RELACIONADO A INÚMERAS IRREGULARIDADES ESTRUTURAIS E SANITÁRIAS EM CADEIA PÚBLICA – Constatando-se inúmeras irregularidades em cadeia pública – superlotação, celas sem condições mínimas de salubridade para a permanência de presos, notadamente em razão de defeitos estruturais, de ausência de ventilação, de iluminação e de instalações sanitárias adequadas, desrespeito à integridade física e moral dos detentos, havendo, inclusive, relato de que as visitas íntimas seriam

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furto e roubo 10

Para uma melhor compreensão da prisão domiciliar, é necessário analisar a prisão domiciliar do ponto de vista constitucional. Para tanto, será imprescindível trazer considerações acerca da dignidade da pessoa humana, com a respectiva vedação a penas cruéis e com a garantia da integridade do preso7, bem como a individualização da pena e a justificativa dada pelo Poder Executivo sobre a falta de verba para fazer um investimento adequado no sistema prisional previsto na Lei de Execuções Penais, amparado no princípio da reserva do possível8-9.

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realizadas dentro das próprias celas e em grupos, e que existiriam detentas acomodadas improvisadamente –, a alegação de ausência de previsão orçamentária não impede que seja julgada procedente ação civil pública que, entre outras medidas, objetive obrigar o Estado a adotar providências administrativas e respectiva previsão orçamentária para reformar a referida cadeia pública ou construir nova unidade, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. De fato, evidencia-se, na hipótese em análise, clara situação de violação à garantia constitucional de respeito da integridade física e moral do preso (art. 5º, XLIX, da CF) e aos princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial. Nessas circunstâncias – em que o exercício da discricionariedade administrativa pelo não desenvolvimento de determinadas políticas públicas acarreta grave vulneração a direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição –, a intervenção do Poder Judiciário se justifica como forma de implementar, concreta e eficientemente, os valores que o constituinte elegeu como ‘supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos fundada na harmonia social’, como apregoa o preâmbulo da CF. Há, inclusive, precedentes do STF (RE-AgR 795.749, Segunda Turma, DJe 20.05.2014; e ARE-AgR 639.337, Segunda Turma, DJe 15.09.2011) e do STJ (AgRg-REsp 1.107.511/RS, Segunda Turma, DJe 06.12.2013) endossando a possibilidade de excepcional controle judicial de políticas públicas. Além disso, não há, na intervenção em análise, ofensa ao princípio da separação dos poderes. Isso porque a concretização dos direitos sociais não pode ficar condicionada à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. Ademais, também não há como falar em ofensa aos arts. 4º, 6º e 60 da Lei nº 4.320/1964 (que preveem a necessidade de previsão orçamentária para a realização das obras em apreço), na medida em que a ação civil pública analisada objetiva obrigar o Estado a realizar previsão orçamentária das obras solicitadas, não desconsiderando, portanto, a necessidade de previsão orçamentária das obras. Além do mais, tem-se visto, recorrentemente, a invocação da

teoria da reserva do possível, importada do Direito alemão, como escudo para o Estado se escusar do cumprimento de suas obrigações prioritárias. Não se pode deixar de reconhecer que as limitações orçamentárias são um entrave para a efetivação dos direitos sociais. No entanto, é preciso ter em mente que o princípio da reserva do possível não pode ser utilizado de forma indiscriminada. Na verdade, o direito alemão construiu essa teoria no sentido de que o indivíduo só pode requerer do Estado uma prestação que se dê nos limites do razoável, ou seja, na qual o peticionante atenda aos requisitos objetivos para sua fruição. Informa a doutrina especializada que, de acordo com a jurisprudência da Corte Constitucional alemã, os direitos sociais prestacionais estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade. Ocorre que não se podem importar preceitos do direito comparado sem atentar para Estado brasileiro. Na Alemanha, os cidadãos já dispõem de um mínimo de prestações materiais capazes de assegurar existência digna. Por esse motivo, o indivíduo não pode exigir do Estado prestações supérfluas, pois isso escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica. Todavia, situação completamente diversa é a que se observa nos países periféricos, como é o caso do Brasil, país no qual ainda não foram asseguradas, para a maioria dos cidadãos, condições mínimas para uma vida digna. Nesse caso, qualquer pleito que vise a fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem razão, pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado brasileiro. É por isso que o princípio da reserva do possível não pode ser oposto a um outro princípio, conhecido como princípio do mínimo existencial. Desse modo, somente depois de atingido esse mínimo existencial é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em quais outros projetos se deve investir. Ou seja, não se nega que haja ausência de recursos suficientes para atender a todas as atribuições que a Constituição e a Lei impuseram ao estado. Todavia, se não se pode cumprir tudo, deve-se, ao menos, garantir aos cidadãos um mínimo de direitos que são essenciais a uma vida digna, entre os quais, sem a menor dúvida, podemos incluir um padrão mínimo de dignidade às pessoas encarceradas em estabelecimentos prisionais. Por esse motivo, não havendo comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário determine a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político” (REsp 1.389.952/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, Julgado em 03.06.2014).


A dignidade da pessoa humana é um fundamento constitucional que justifica a concessão de prisão domiciliar em resposta à falta de vagas nos regimes aberto e semiaberto no sistema prisional brasileiro, um dos principais fundamentos dos Estados modernos, que foi consagrado somente após a Segunda Guerra Mundial. Neste ponto, aqui cabe mencionar os escritos de Sarlet, no sentido que desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas10 a dignidade da pessoa humana vem sendo reconhecida e expressa nas Constituições11. No Brasil, a dignidade da pessoa humana foi consagrada pela Constituição da República Federativa do Brasil como fundamento do Estado Democrático de Direito. E, neste sentido, Comparato nos ensina que hoje se reconhece a vigência dos direitos humanos, independente de sua declaração em Constituições, leis ou tratados, isto pela simples razão de estar diante da exigência do respeito à dignidade da pessoa humana exercida contra todos os poderes estabelecidos pela sociedade, sejam oficiais ou não12. 10 Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo I: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” (Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 21 maio 2014). 11 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 97. Afirma que “o valor fundamental da dignidade da pessoa humana passou a ser reconhecido expressamente nas constituições. De modo especial, após ter sido consagrado pela Declaração Universal da Organização das Nações Unidas (ONU) em seu art. 1º”. 12 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 277.

Bonavides entende que o princípio da dignidade da pessoa humana é o mais valioso para compendiar a unidade material da Constituição da República Federativa do Brasil, sendo um dos fundamentos da estruturação do Estado brasileiro. Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas é também da ordem política, social, econômica e cultural13. Por se tratar de um núcleo da Constituição brasileira, do princípio da dignidade da pessoa humana surgem os demais princípios constitucionais que servem para nortear a legislação interna e a sua aplicação. Por esta razão, é um dos princípios fundamentais que regem o Estado brasileiro, estando expresso no art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil. No entanto, apesar de ser um dos pilares da Constituição da República Federativa do Brasil, este princípio é constantemente desrespeitado dentro do sistema penitenciário brasileiro. Atualmente, o sistema abriga um número de presos muitas vezes maior do que a sua capacidade, com celas desprovidas de instalações sanitárias, atendimento médico, entre outros requisitos mínimos para uma vida digna de um ser humano, como fica muito bem evidenciado na notícia do próprio Conselho Nacional de Justiça14. 13 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. 14 Notícia veiculada no site do Conselho Nacional de Justiça sobre o sistema prisional. CNJ apresenta radiografia do sistema penitenciário brasileiro em SP. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content &view=article&id=7484:judiciario-do-es-desenvolve-sistema-de-controle-de-presos-provisorios&catid=1:>. Acesso em: 20 abr. 2013. “O déficit de vagas no sistema penitenciário brasileiro, estatísticas, irregularidades na execução da pena e sugestões sobre o assunto foram apresentadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nesta quarta-feira (16/09), em São Paulo, no Curso de Direito Penal e Processual Penal da Justiça Federal promovido pela Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região. O juiz auxiliar da presidência do CNJ e coordenador nacional dos mutirões carcerários, Erivaldo Ribeiro dos Santos, apresentou

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2.1 Da dignidade da pessoa humana

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A despeito da impossibilidade de se reduzir o conteúdo da dignidade da pessoa humana a uma fórmula geral e abstrata, é possível se chegar a situações que integram o âmbito da proteção do princípio. Entre elas, pode-se situar a garantia de condições justas e adequadas de vida para o indivíduo e a sua família, que correspondem justamente à proteção contra as necessidades de ordem material e a garantia de uma existência com dignidade15. É nesta realidade que o Judiciário vem concedendo tal pedido, em virtude da falta de vagas no regime aberto. É necessário, contudo, trazer a observação feita por Nucci: “Infelizmente, em muitos locais, na ausência de casa do albergado, passou-se a deferir a todo e qualquer condenado, sujeito ao regime aberto, o cumprimento da pena em sua própria residência. O que não condiz com o objetivo da Lei de Execução Penal, mas é fruto da desastrada ação do Estado no trato da questão”16.

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Cabe ressaltar, em relação ao sistema prisional caótico, que a falta de vagas se dá por inexistência de estabelecimentos adequados,

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a juízes federais uma radiografia do sistema penitenciário, que revela as principais dificuldades relacionadas à manutenção das prisões no país. Os dados foram colhidos com base em informações dos mutirões carcerários realizados pelo Conselho, bem como em estatísticas do Departamento Penitenciário (Depen). O juiz revelou que o Brasil possui atualmente um déficit de 170 mil vagas nos presídios e que, para sanar essa falta de vagas, seria necessário um investimento na ordem de R$ 3 bilhões. Segundo Erivaldo Ribeiro, o déficit de vagas pode ser ainda maior, pois os mutirões têm encontrado, em alguns Estados, quantidade de presos bem superiores às informadas pelas estatísticas do Depen. ‘Na Bahia, por exemplo, encontramos 5.800 presos a mais que estavam nas delegacias e não faziam parte das estatísticas oficiais’, relatou.” 15 Nessa linha: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 117 e 118. 16 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 1033.

albergues, para o cumprimento da pena quando há a progressão de regime para o aberto. É competência do Estado garantir condições para que sejam dadas condições adequadas, como foi defendido no acórdão do Habeas Corpus nº 248.358/RS17, julgado do Superior Tribunal de Justiça, tendo como Relatora a Ministra Maria Thereza de Assis de Moura. Em seu voto, defendeu que é dever do Estado proporcionar as condições necessárias para o cumprimento da pena pelo apenado. Referiu, ainda, que o não cumprimento pelo Estado das garantias gera violação ao princípio da dignidade da pessoa humana18. Assim, fica evidente a necessidade de o Poder Público buscar alternativas à falta de vagas no sistema prisional ou outras hipóteses de cumprimento de penas. E uma das soluções que está sendo adotada pelo Judiciário é a concessão de prisão domiciliar, que tem gerado muita discussão e repercussão na mídia19. Verificam-se decisões concedendo a garantia dos prin17 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus nº 248358/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Impetrante: Adriana Hervé Chaves Barcelos – Defensoria Pública, Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Paciente: Thiago Alves da Silva, Julgado em 24.04.2013. 18 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus nº 248358/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Impetrante: Adriana Hervé Chaves Barcelos – Defensoria Pública, Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Paciente: Thiago Alves da Silva, Julgado em 24.04.2013. Transcreve-se trecho do seu voto: “Entendimento diverso, em meu sentir, implica ofensa ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e ao princípio que lhe é correlato, em sede de execução penal, o princípio da humanidade da pena”. 19 Notícia sobre o grave problema da falta de vagas em casas prisionais, vinculada no site Estadão.com.br. São Paulo, 14 maio 2013. Se não houver vaga, o preso deve cumprir prisão domiciliar? Disponível em: <http://www. estadao.com.br/noticias/impresso,se-nao-houver-vaga-o-preso-deve-cumprir-prisao-domiciliar,1031498,0.htm>. Acesso em: 22.05.2013. No mesmo sentido notícia vinculada no site G1 Brasil, 26 abr. 2013. “Falta de vagas pode levar 23 mil do semiaberto à prisão domiciliar. Regra já é


2.2 Da individualização da pena O princípio constitucional da individualização da pena, previsto no art. 5º, inciso XLVI, da Constituição da República Federativa do Brasil21, garante aos indivíduos no momento de uma condenação em um processo penal que a sua pena seja individualizada, isto é, levando em conta as peculiaridades aplicadas para cada caso em concreto. Cabe aqui salientar que, para Nucci, o conceito de individualização de pena quer dizer particularizar o que antes era um caso adotada por alguns juízes; STF vai decidir se valerá para todos. Maioria ainda fica no regime fechado, onde preso é ‘animal’”, afirma detenta. Disponível em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/04/falta-de-vagas-pode-levar-23-mil-do-semiaberto-prisao-domiciliar.html?active=1>. Acesso em: 22 maio 2013. E ainda notícia vinculada no site do Estadão, 16 maio 2013. “O colapso do sistema prisional”. Disponível em: <http://www.estadao.com. br/noticias/impresso,o-colapso-do-sistema-prisional,1032327,0.htm>. Acesso em: 22 maio 2013. 20 A título meramente exemplificativo: BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus nº 107810/PR, Relator Ministro Marco Aurélio, Paciente: Ellen Regina Lima Bove, Julgado em 17.04.2012, Diário da Justiça eletrônico 03.05.2012. BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus nº 110417/SP, Relator Ministro Gilmar Mendes, Paciente: Paulo José de Almeida, Julgado em 14.02.2012, Diário da Justiça eletrônico 06.03.2012. 21 A regulamentação da individualização da pena está expressa na Constituição da República Federativa do Brasil no art. 5º, inciso XLVI: “A lei regulará a individualização da pena”.

genérico, levando em conta as peculiaridades de cada caso, de eleger a justa e adequada sanção penal, quanto ao montante, ao perfil e aos efeitos daquele sentenciado, tornando ele único e diferente dos demais infratores22. A aplicação do princípio da individualização da pena pode ser dividida em três etapas diferentes. O primeiro momento é uma etapa que se chama de fase in abstrato. Aqui, o legislador faz a aplicação deste princípio para elaboração do tipo penal incriminador, com a determinação das penas em abstrato estabelecendo os patamares mínimo e máximo de pena que poderá ser aplicado pelo juiz a cada caso concreto. A segunda fase, a individualização judiciária, é o momento em que o juiz faz a aplicação do tipo penal ao ato que o acusado cometeu, verificando qual será a pena mais adequada, levando em conta as características pessoais de cada réu. E a última fase, quanto à aplicação da sanção, é aquela em que o magistrado responsável pela execução da pena do apenado vai determinar o cumprimento individualizado da sanção aplicada23. Na fase da execução, a individualização da pena está intimamente ligada aos princípios da personalidade e da proporcionalidade. Em relação à personalidade, faz referência no sentido de que a pena seja dirigida individualmente ao apenado, não sendo permitido que a pena aplicada passe para outra pessoa, inclusive com vedação constitucional24. Dessa forma, garante ao apenado o direito de ser identificado e registrado o motivo de sua prisão, momento em que ela foi efetivada, bem como a autoridade competente que a determinou. Determina, ainda, que seja classificado de acordo com suas condições individuais, assim como 22 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 34. 23 Idem, p. 36. 24 A Constituição da República Federativa do Brasil, no art. 5º, inciso XLV, prevê que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”.

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cípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana. E, em sentido oposto, verificam-se outras que negam o pedido, com o argumento de que não existe previsão legal. Além de gerar uma sensação de impunidade perante a população, tal discussão acabou chegando ao Supremo Tribunal Federal por meio de diversos recursos20.

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mecanismos que garantem condições para que este apenado possa retornar ao convívio familiar e em sociedade, como, por exemplo, acesso à formação profissional e assistência social, acesso à saúde e garantia do livre desenvolvimento individual25. Esta última e terceira etapa do princípio da individualização da pena que tem relação direta com este artigo. Isto porque é neste momento em que está sendo concedida a prisão domiciliar, muitas vezes de forma indiscriminada. No curso da pesquisa desenvolvida na Vara de Execução Criminal de Porto Alegre, observou-se que, algumas vezes, o Juiz das Execuções Criminais não está analisando algumas das circunstâncias pessoais do condenado, como a natureza e gravidade do delito e o processo de ressocialização do apenado. Falta, assim, atenção à individualização da pena.

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Por outro lado, não concedendo a prisão domiciliar, também está sendo violado o princípio da individualização da pena, no momento em que um apenado estará cumprindo pena em um regime mais severo do que aquele que deveria estar. No caso de uma progressão para o regime semiaberto, na falta de vagas, ele fica obrigado a cumprir pena no regime fechado.

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O Superior Tribunal de Justiça já possui um entendimento pacífico26 de que deixar o preso cumprir pena em regime mais severo é constrangimento ilegal. Neste sentido, cabe citar, por 25 BARROS, Carmen Silvia de Moraes. A individualização da pena na execução penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 132. 26 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus nº 248358/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Impetrante: Adriana Hervé Chaves Barcelos – Defensoria Pública, Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Paciente: Thiago Alves da Silva, Julgado em 24.04.2013. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus nº 272.506/SP, Ministra Relatora Assusete Magalhães, Impetrante: Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Paciente: Anderson Lourenço, Julgado em 05.09.2013.

exemplo, o Habeas Corpus nº 248.358/RS27, de relatoria da Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Moura, referindo-se que a mistura de diversos presos que estão cumprindo pena em diferentes regimes viola o princípio da individualização da pena. E, por fim, no mesmo julgado, a Relatora manifesta a sua opinião em consonância com o entendimento da Corte Cidadã de que a ausência de vagas no sistema prisional brasileiro não justifica que o apenado venha a cumprir pena em outro regime: “Afinal, carência de vagas em estabelecimento prisional é falha do sistema carcerário estatal, que deve ser arrogado ao Poder Público, sendo inadmissível que o apenado sofra, injustamente, as consequências dessa deficiência”28. Por se tratar de um princípio fundamental, para entender a concessão da prisão domiciliar, a individualização da pena foi um dos principais pontos a serem analisados nos processos da Vara de Execuções Penais de Porto Alegre em que houve a concessão de tal benesse. A pergunta inicialmente formulada foi: “Houve análise de cada caso antes da concessão da prisão domiciliar ou ela foi aplicada indiscriminadamente a todos os presos que atingiram um requisito temporal?” 27 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus nº 248358/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Impetrante: Adriana Hervé Chaves Barcelos – Defensoria Pública, Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Paciente: Thiago Alves da Silva, Julgado em 24.04.2013. Nas palavras da Ministra Relatora, “a mistura indiscriminada entre presos dos regimes aberto e semiaberto, a administração prisional passa a tratar todos eles como se fossem de um mesmo regime, desprezando a individualização da pena”. 28 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus nº 248358/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Impetrante: Adriana Hervé Chaves Barcelos – Defensoria Pública, Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Paciente: Thiago Alves da Silva, Julgado em 24.04.2013.


O órgão judiciário concedeu o benefício com base na mera constatação de o apenado ter atingido o requisito temporal para a progressão de regime ou ser condenado a cumprir pena nestes regimes, sem fazer uma análise de todas as circunstâncias específicas do crime. A saber: a espécie de crime, o bem jurídico e os valores violados pela conduta punida, a gravidade da conduta, a extensão da pena, o processo de ressocialização do apenado e a sua aptidão para o retorno ao convívio social. Desta forma, concedeu-se prisão domiciliar, por exemplo, no Processo de Execução Penal nº 475033. Neste processo, o preso foi condenado a vinte anos de prisão no regime fechado pelo crime de tentativa de homicídio doloso combinado com roubo. Após o cumprimento de 7 (sete) anos de pena privativa de liberdade, foi concedida a prisão domiciliar em virtude de o apenado ter atingido o requisito temporal para a progressão e em resposta à falta de vagas e à precariedade no sistema prisional. Deixou-se, assim, de analisar as condições pessoais inerentes ao apenado, como, por exemplo, se o cidadão era reincidente. No mesmo sentido, cabe mencionar a decisão do Processo de Execução Penal nº 528609, que concedeu a prisão domiciliar a um preso condenado pelo crime de homicídio qualificado a uma pena de 17 (dezessete) anos e 9 (nove) meses de prisão no regime fechado. Da mesma forma que ao caso citado anteriormente (Processo de Execução Penal nº 475033), foi concedida a benesse após o cumprimento de 7 (sete) anos e 5

(cinco) meses da pena, pela mesma justificativa de ter atingido o requisito temporal para progressão, devido à falta de vagas e à precariedade do sistema prisional. Para condenados com penas bem menores, também foram somente observados os mesmos requisitos, como, por exemplo, no Processo de Execução Criminal nº 436828, em que o apenado foi condenado a uma pena de 3 (três) anos por porte de arma de fogo de uso restrito. Pena essa que foi substituída por prestação de serviços à comunidade, mas que não foi cumprida pelo apenado. Este não cumprimento da prestação de serviço à comunidade ocasionou a conversão de tal medida à pena original, que era a pena privativa de liberdade. E, em consequência da falta de vagas no regime aberto, o Judiciário concedeu ao apenado o benefício de cumprir a sua pena na modalidade de prisão domiciliar. Do mesmo modo, no Processo de Execução Criminal nº 731064, em que o apenado foi condenado a uma pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão no regime semiaberto. Cumpridos 11 (onze) meses e 5 (cinco) dias, sobreveio decisão que concedeu para o réu a prisão domiciliar, pelo preenchimento do requisito temporal para a progressão de regime, além de ser justificada a medida pela falta de vagas e a precariedade do sistema prisional. A partir da análise dos processos da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, conjuntamente com o entendimento consolidado do Superior Tribunal Justiça, parece necessário dimensionar um meio termo na concessão da prisão domiciliar. No caso de progressão de regime, deve ser respeitado o direito ao apenado de mudar para um regime mais brando; contudo, não se pode deixar de observar as peculiaridades de cada caso concreto e as condições pessoais de cada apenado para conceder a prisão domiciliar.

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A partir do levantamento de dados coletados dos questionários, preenchidos por meio da análise dos processos da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, pode ser observado que a prisão domiciliar foi concedida a todos os detentos em que houve a progressão dos regimes fechado e semiaberto para o aberto. Parece que se observou apenas o lapso temporal para a progressão de regime, sem a análise da história do crime e do preso.

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Por fim, como mais um elemento que evidencia o desrespeito à individualização da pena é que, por meio da análise dos processos de execução criminal da Comarca de Porto Alegre, foi constatado que, na grande maioria dos processos, foi concedida a prisão domiciliar de forma indiscriminada. Muitas decisões são iguais, padronizadas, citam-se, a título exemplificativo, os Processos de Execuções Criminais nºs 73106-4, 74086-1, 68496-1, 46098-2, processos que têm textos iguais, que justificam a concessão da prisão domiciliar.

2.2.1 Da fiscalização da prisão domiciliar

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Na pesquisa, observou-se que, na Comarca de Porto Alegre, a Vara responsável pela execução e fiscalização das penas de restrição a liberdade impostas aos condenados de um processo penal é Vara de Execuções Criminais (VEC).

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Observou-se que a condição para manter o benefício de prisão domiciliar era de inteira responsabilidade do apenado para efetivar o seu cumprimento, não havendo indicação de profissional técnico para fazer o acompanhamento ao apenado, o que garantiria uma melhor ressocialização ao convívio familiar e comunitário. E mais: percebeu-se que não existia nenhuma fiscalização no sentido de se ter um profissional que realizasse alguma visita ao apenado, no local informado, pelo menos no juízo, como estipulado no item “f” da decisão que concedeu o benefício29, para constatar se o mesmo estava recolhido à resi29 Condições para a concessão da prisão domiciliar extraídas do Processo de Execução Criminal nº 46098-2, da Comarca de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, nos seguintes termos: “Ante o exposto, defiro o cumprimento da pena nas condições da prisão domiciliar, quais sejam: a) Poderá o apenado pernoitar em sua residência, recolhendo-se ao lar a partir das 19h até às 6h do dia seguinte;

dência e somente saindo para o exercício de alguma atividade laborativa, de estudo ou tratamento médico seu ou de algum familiar. Assim, verificou-se que a única forma efetiva de fiscalização da prisão domiciliar era a apresentação trimestral do apenado na Vara de Execução Criminal. Como consequência desta fiscalização falha, é possível que o apenado não cumpra as condições impostas a ele para a concessão da prisão domiciliar e que essa notícia da inobservância das condições não chegue ao Judiciário, prejudicando, assim, qualquer possibilidade de aplicação de uma sanção em resposta ao não cumprimento das mesmas.

2.3 A prisão domiciliar e o Supremo Tribunal Federal A discussão sobre a possibilidade de concessão da prisão domiciliar em resposta à falta de vagas no sistema prisional brasileiro foi levada ao Supremo Tribunal Federal, que já apreciou por diversas vezes este tema. Isto porque é um assunto de suma importância para a sociedade brasileira, visto que, por um lado, b) Poderá ausentar-se de sua residência apenas para desenvolver atividade laborativa, estudo, tratamento médico seu e de seus filhos, devendo nela permanecer nos horários e dias de folga; c) Não poderá mudar de residência sem prévia comunicação a este juízo, devendo obter autorização na hipótese de transferência para outra Comarca; d) Deverá se apresentar trimestralmente ao juízo da execução, durante o período do benefício, informando suas atividades laborativas, estudantis ou tratamento médico; e) não se envolver em novos delitos; f) Por fim, o apenado deverá se apresentar, em 48h, neste juízo, para indicar seu endereço e comprometer-se com as condições, mediante fiscalização. Oficie-se à casa prisional, com cópia desta decisão, para que seja dado conhecimento ao apenado das condições elencadas.”


o Estado tem o dever de garantir os direitos fundamentais aos apenados, conforme preceitua o art. 5º da Constituição Federal, assim devendo ser respeitados e cumpridos durante a execução da pena do mesmo e, por outro lado, existe o dever de o Estado brasileiro garantir segurança pública para a sua população.

concessão, em caráter excepcional, da prisão domiciliar, no caso de inexistir no local casa de albergado, enquanto se aguarda surgimento de vaga em estabelecimento prisional adequado”.

Uma das primeiras decisões em que a Corte se manifestou sobre a questão foi no julgamento do Habeas Corpus nº 68.01230, de 19.12.1990, no qual se afirmou que a inexistência de casa de albergado não autoriza a concessão de prisão domiciliar ao condenado a cumprir pena em regime aberto (muito menos, portanto, se estiver o apenado no regime semiaberto).

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul interpôs recurso extraordinário contra a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que manteve a concessão da prisão domiciliar ao apenado pela falta de vagas adequadas no sistema prisional, sob a argumentação de que tal decisão contraria a separação dos poderes, o princípio da legalidade, da igualdade, da individualização da pena e da segurança jurídica. O Supremo Tribunal Federal acabou reconhecendo e declarando repercussão geral sobre o tema da prisão domiciliar no Recurso Extraordinário nº 641.32031.

No tocante à possibilidade de concessão da prisão domiciliar, o Superior Tribunal de Justiça possui um entendimento consolidado, diverso ao do Supremo Tribunal Federal, de que é possível a concessão de tal benesse em resposta à falta de vagas no sistema prisional, como pode se observar no julgado recente do Habeas Corpus nº 248.358/RS, em que a Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Moura faz a seguinte referência: “Possível é a 30 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Recurso em Habeas Corpus nº 68.012, Relator p/o Acórdão Ministro Celso de Mello, Recorrente: José Raimundo Alves Pereira, Recorrido: Ministério Público Federal, Julgado em 19.12.1990.

Desta forma, revela-se um tema com manifesta importância jurídica e social que transcende os interesses subjetivos do processo, visto que esta decisão afeta, de alguma forma, toda a sociedade brasileira. Seja no tocante à segurança jurídica, isto porque não se sabe em que momento o apenado poderá ser colocado em liberdade, ou, ainda, à própria insegurança pública e sensação de impunidade, quando o apenado não estiver cumprindo toda a pena estipulada na sentença condenatória.

31 “Trata-se de discussão que alcança, certamente, grande número de interessados, sendo necessária a manifestação desta Corte para a pacificação da matéria. Verifica-se, ademais, que na jurisprudência desta Corte, encontram-se posicionamentos divergentes sobre o assunto (RHC 82.329, Rel. Sydney Sanches, DJ 11.04.2003; Rcl 1.950, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 28.10.2004; HC 94.810, Relª Min. Cármen Lúcia, DJe 06.03.2009; HC 94.526, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 29.08.2008). Portanto, revela-se tema com manifesta relevância social e jurídica, que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Nesse sentido, entendo configurada a repercussão geral da matéria constitucional.”

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Como se pode constatar, o voto do Ministro Celso de Mello aponta que, naquele momento, não era adequada a concessão de prisão domiciliar em resposta à falha no sistema prisional pelo simples motivo de que a falta de recursos do Estado brasileiro para investir na construção de novas casas de albergado não justificaria a concessão desta benesse e, assim, trazendo a discussão contemporânea sobre a reserva do possível na garantia dos direitos fundamentais, ao consignar que a eficácia plena do direito a cumprir pena em regime aberto em casa de albergado está condicionada ao materialmente possível.

2.3.1 Do Recurso Extraordinário nº 641.320

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2.3.2 Da audiência pública Para subsidiar o julgamento do Recurso Extraordinário nº 641.320, com repercussão geral declarada, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes convocou uma audiência pública para ouvir a opinião dos mais diversos segmentos da sociedade brasileira sobre a concessão da prisão domiciliar. Foram convocados defensores públicos, juízes, promotores, advogados, secretários de segurança pública, representantes do Ministério da Justiça, da Ordem de Advogados do Brasil, do Conselho Nacional de Justiça, entre outros especialistas.

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A audiência pública foi realizada nos dias 27 e 28 de maio de 2013, e, em uma avaliação do Ministro Gilmar Mendes, a audiência proporcionou uma constatação unânime de que a progressão de regime parece pura ilusão, diante da escassez de unidades apropriadas. O Ministro Gilmar Mendes ainda ressaltou o crescente número de habeas corpus impetrados nos Tribunais Superiores relativos a pedidos de progressão e regime prisional e liberdade provisória. “Não se cuida aqui de um problema pontual. São Paulo, por exemplo, que tem a maior população carcerária do país, há cerca de 6 mil presos que teriam direito à progressão de regime para o semiaberto por falta de estrutura adequada”, afirmou. Segundo ele, é preciso repensar o modelo de concessão de cautelares32.

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Até o presente momento, o Supremo Tribunal Federal ainda não realizou o julgamento do Recurso Extraordinário nº 614.320, com repercussão geral reconhecida, assim estando em aberto a discussão sobre a possibilidade de os magistrados concederam a prisão domiciliar em resposta à falta de vagas no sistema 32 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Notícia STF: Ministro Gilmar Mendes encerra audiência pública sobre regime prisional, terça-feira, 28 maio 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe. asp?idConteudo=239699>.

prisional brasileiro. A decisão do Tribunal sobre este tema poderá trazer uma maior segurança para a sociedade, consolidando, assim, o entendimento de que a concessão garante aos apenados o direito de que o Estado brasileiro deverá tomar todas as medidas necessárias para que o mesmo possa cumprir a sua pena, nos moldes definidos pela Constituição Federal e pela Lei de Execução Penal. Para finalizar, insta citar a afirmação do Defensor Público Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Nilton Arnecke Maria, na audiência pública33: “A agressão aos direitos fundamentais de uma pessoa, mesmo que esta pessoa seja um condenado, é a violação e a transgressão dos direitos fundamentais de toda a sociedade”.

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______. Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus nº 248358/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Impetrante: Adriana Hervé Chaves Barcelos – Defensoria Pública, Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Paciente: Thiago Alves da Silva, Julgado em 24.04.2013.

______. Supremo Tribunal Federal, Comentário da Subprocuradora-Geral da República, Raquel Dodge. Notícia STF: Ministro Gilmar Mendes encerra audiência pública sobre regime prisional, terça-feira, 28 maio 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe. asp?idConteudo=239699> Acesso em: 20 maio 2014.

______. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1.068.731/RS, Relator Ministro Hermam Benjamin, Recorrente: Ministério Público Estadual, Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul Julgado em 17.02.2012.

______. Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus nº 110417/SP, Relator Ministro Gilmar Mendes, Paciente: Paulo José de Almeida, Julgado em 14.02.2012, Diário da Justiça eletrônico 03.03.2012.

______. Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus nº 272.506/SP, Relatora Ministra Assusete Magalhães, Impetrante: Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Paciente: Anderson Lourenço, Julgado em 05.09.2013.

______. Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus nº 113.334, 1ª Turma, Relatora Ministra Rosa Weber, Relator p/o Acórdão Ministro Dias Toffoli, Paciente: Rodinei de Souza, Julgado em 18.02.2014, Diário de Justiça eletrônico 20.03.2014.

______. Superior Tribunal de Justiça, Habeas Corpus nº 248358/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Impetrante: Adriana Hervé Chaves Barcelos – Defensoria Pública, Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Paciente: Thiago Alves da Silva, Julgado em 24.04.2013.

______. Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus nº 98.675-7/ES, 2ª Turma, Relator Ministro Eros Grau, Paciente: Marcos Henrique Muniz Coutinho, Julgado em 09.06.2009, Diário da Justiça Eletrônico 21.08.2009.

______. Superior Tribunal de Justiça, RHC 7.946/SP, 5ª Turma, Relator Ministro José Arnaldo, Impetrante: João Nepomuceno de Maria, Julgado em 10.11.1998, Diário da Justiça eletrônico 07.12.1998.

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Acórdão na Íntegra

Superior Tribunal de Justiça

Agravante: Smaff Automóveis Ltda.

II – Hipótese em que a decisão agravada negou provimento ao Agravo em Recurso Especial, sob o fundamento de que o STJ já consolidou o entendimento de que a irresignação, quanto ao conceito de faturamento, para fins de incidência da contribuição para o PIS e Cofins, implica análise de matéria constitucional, o que é vedado, nesta Corte, sob pena de usurpação da competência do STF. As razões do Agravo Regimental não impugnam, especificamente, o fundamento da decisão agravada e tecem considerações de mérito, acerca de suposta decisão com conteúdo diverso da proferida nos presentes autos, eis que o decisum recorrido não adentrou no mérito do Recurso Especial.

Agravante: Smaff Nordeste Veículos Ltda.

III – Agravo Regimental não conhecido.

AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 691.167/DF (2015/0080779-4) Relatora: Ministra Assusete Magalhães Agravante: Smaff Combustíveis Ltda.

Agravante: Única Brasília Automóveis Ltda. Agravante: Smaff Import Veículos Ltda. Advogado: Germano Cesar de Oliveira Cardoso e outro(s) Agravado: Fazenda Nacional

EMENTA PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – PIS E COFINS – TAXA DE ADMINISTRAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO – CONCEITO DE FATURAMENTO – RAZÕES RECURSAIS DISSOCIADAS DA DECISÃO AGRAVADA E QUE NÃO IMPUGNAM, ESPECIFICAMENTE, O FUNDAMENTO DA DECISÃO RECORRIDA – APLICAÇÃO DAS SÚMULAS NºS 182/STJ E 284/STF – AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO I – Inviável o Agravo Regimental cujas razões não impugnam, especificamente, o fundamento da decisão recorrida e se encontram dissociadas dos fundamentos adotados pela decisão agravada. Incidência das Súmulas nºs 182/ STJ e 284/STF. Precedentes do STJ: AgRg-AREsp 420.996/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe de 27.11.2013; AgRg-REsp 1.420.867/DF, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe de 26.05.2014; AgRg-REsp 1.430.523/SC, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., DJe de 10.04.2014; AgRg-AREsp 442.476/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe de 07.03.2014; AgRg-AREsp 404.461/PE, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª T., DJe de 18.12.2013.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do agravo regimental, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília/DF, 16 de junho de 2015 (data do Julgamento). Ministra Assusete Magalhães Relatora RELATÓRIO Ministra Assusete Magalhães: Trata-se de agravo regimental em agravo em recurso especial, interposto por Smaff Combustíveis Ltda. e outros, em face de decisão que, nos termos do art. 544 do CPC, negou provimento ao agravo em recurso especial, in verbis:


“Trata-se de agravo, interposto por Smaff Combustíveis Ltda. e outros, em face de decisão que negou seguimento a recurso especial, manejado contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assim ementado: ‘TRIBUTÁRIO – PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – PIS E/OU COFINS – BASE DE CÁLCULO – EXCLUSÃO DAS TAXAS DE ADMINISTRAÇÃO DE CARTÕES (CRÉDITO/DÉBITO) – TRF1/T7 I – As bases de cálculo das exações (PIS/Cofins), seja o “faturamento” (receita bruta operacional), para as empresas ainda sujeitas à Lei nº 9.718/1998 (sob o regime cumulativo), seja a “receita bruta”, para as submetidas às Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003 (sob o regime não-cumulativo), denota que tais (faturamento ou receita bruta) diferem de receita “líquida”. Em ambas hipóteses resultam das negociações envolvendo venda de mercadorias/serviços (fato gerador das imposições). O custo da “taxa” resta embutido no preço dos negócios entabulados com os consumidores. II – Reforço de argumento: o § 2º do art. 3º, III, da Lei nº 9.718/1998 (correlato à pretensão), que previa, “observadas normas regulamentares expedidas pelo Poder Executivo”, a exclusão da base de cálculo do PIS/Cofins dos valores/receitas transferidos/repassados a terceiros findou revogado (MP 1.991-18/1999) antes sequer de se tornar eficaz, dado que não era preceito auto-aplicável (REsp 525.915/SC), o que milita contra o impetrante. III – Precedentes da T7/TRF1.

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IV – Apelação não provida.

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V – Peças liberadas pela Relatora, em Brasília, 7 de fevereiro de 2012., para publicação do acórdão’ (fl. 236e). Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados (fls. 275/278e). Em seguida, foi interposto recurso especial, com base na alínea a, do permissivo constitucional, no qual se alega violação aos arts. 3º da Lei nº 9.718/1998, 1º da Lei nº 10.637/2002 e 1º da Lei nº 10.833/2003 defendendo, em síntese, que a parcela correspondente às taxas e comissões cobradas pelas administradoras de cartões, nas operações realizadas com cartões de crédito e/ou débito, não constitui faturamento ou receita das pessoas jurídicas recorrentes, e, por isso, deve ser excluída da base de cálculo do PIS e da Cofins (fls. 285/304e).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 315/332e), foi o recurso especial inadmitido pelo Tribunal de origem (fls. 334/335e), ensejando a interposição do presente agravo (fls. 357/374e). O presente recurso não merece prosperar. A controvérsia dos presentes autos refere-se à possibilidade de as empresas recolherem as contribuições ao PIS e à Cofins apenas sobre os valores efetivamente recebidos das empresas administradoras dos cartões de crédito, sem a inclusão das taxas de administração das operadoras de cartão. Sobre o tema, o STJ já consolidou o entendimento de que a irresignação quanto ao conceito de faturamento, para fins de incidência da contribuição para o PIS e à Cofins, implica análise de matéria constitucional, o que é vedada nesta Corte, sob pena de usurpação da competência do STF. Confiram-se, nesse sentido: ‘PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO ESPECIAL – TRIBUTÁRIO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535, CPC – LEIS NºS 9.718/1998, 10.637/2002 E 10.833/2003 – TAXA DE ADMINISTRAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO – EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS – CONCEITO DE FATURAMENTO – TEMA CONSTITUCIONAL – 1. Analisar a possibilidade de incidência do PIS e Cofins sobre a taxa de Administração dos Cartões de Débito e Crédito implica análise do conceito de faturamento e receita bruta da contribuinte, pois depende da interpretação desses conceitos à luz do art. 195, I, da CF em sua redação original e atual. Exame inviável em sede de recurso especial. 2. Agravo regimental não provido’ (STJ, AgRg-REsp 1.377.482/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe de 09.04.2014) ‘AGRAVO REGIMENTAL – PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA Nº 211/STJ – LEIS NºS 9.718/1998, 10.637/2002 E 10.833/2003 – TAXA DE ADMINISTRAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO – EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS – CONCEITO DE FATURAMENTO – TEMA CONSTITUCIONAL 1. Não foi debatido nos autos o conceito de insumos para efeito de creditamento nas contribuições ao PIS e Cofins não cumulativas,


2. O prequestionamento necessário à admissibilidade do recurso especial exige mais que uma mera menção genérica ao que pleiteado pela recorrente. Há a necessidade de efetivo debate pela Corte de Origem em relação à questão posta. Não há como admitir um recurso especial que se debate contra um vazio argumentativo. 3. A discussão referente ao conceito de faturamento, notadamente no que se refere à definição da base de cálculo do PIS e da Cofins, implica análise de matéria constitucional, o que é vedado nesta Corte Superior, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes: REsp 1017645/CE, 2ª T., Rel.Min. Mauro Campbell Marques, DJe 10.09.2010; AgRg-Ag 1421547/CE, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 24.08.2012; AgRg-REsp 1224734/RN, 1ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 13.06.2012. 4. Agravo regimental não provido.’ (STJ, AgRg-REsp 1.374.628/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe de 07.04.2014) ‘PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA – PIS E COFINS – BASE DE CÁLCULO – INCLUSÃO DO ICMS – SÚMULAS NºS 68 E 94/STJ – SOBRESTAMENTO – INVIABILIDADE – CONCEITO DE FATURAMENTO – MATÉRIA CONSTITUCIONAL 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. O ICMS inclui-se na base de cálculo do PIS e da Cofins, conforme as Súmulas nºs 68 e 94/STJ. 3. O reconhecimento de repercussão geral pelo egrégio STF não impede o julgamento dos recursos no STJ. Precedentes do STJ.

4. No que se refere à ADC 18/DF, o STF prorrogou a liminar lá concedida por 180 dias, ao julgar a terceira questão de ordem na medida cautelar. Na oportunidade, consignou expressamente que aquela seria a última prorrogação e que seu prazo deve ser contado a partir da publicação da ata de julgamento, ocorrida em 15.04.2010. 5. Essa última prorrogação esgotou-se em meados de outubro de 2010, razão pela qual não há como suspender o julgamento no âmbito do STJ. 6. O STJ tem entendido que a interpretação do conceito de faturamento para fins de incidência de contribuição ao PIS e à Cofins é matéria eminentemente constitucional, que foge da sua competência no âmbito do recurso especial. Precedentes: REsp 1.017.645/CE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 10.09.2010; AgRg-REsp 1.224.734/RN, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 13.06.2012. 7. Agravo regimental não provido.’ (STJ, AgRg-AREsp 314.177/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe de 01.08.2013) ‘PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – PIS E COFINS – VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC – INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO – CONCEITO DE FATURAMENTO – MATÉRIA CONSTITUCIONAL – PEDIDO GENÉRICO – COISA JULGADA – QUESTÕES JULGADAS MEDIANTE FUNDAMENTOS AUTÔNOMOS NÃO IMPUGNADOS – SÚMULA Nº 283/STF 1. Os documentos juntados nas fls. 722-724 comprovam que, antes de ter sido proferida a decisão ora agravada (fls. 707-711), o Tribunal Regional Federal da 5ª Região havia homologado, nos autos principais, a pedido da agravante, a desistência parcial do Mandado de Segurança nº 2001.81.00.009187-0 (fl. 724), do qual decorre a presente controvérsia. Desse modo, o Recurso Especial interposto nestes autos perdeu o objeto quanto à questão relativa à “incidência do PIS e da Cofins sobre as receitas decorrentes de locação de venda de imóveis” (fl. 724). [...]

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limitando-se a Corte de Origem a exarar julgamento que afastou o referido creditamento. Silente a origem quanto ao ponto em sede de embargos de declaração, o tema deveria, portanto, ter sido levantado em sede de recurso especial por violação ao art. 535, do CPC. Não o foi. Incidência da Súmula nº 211/STJ: “Inadmissível recurso especial quanto a questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”.

4. Nessa mesma linha, impossível conhecer da alegada ofensa à coisa julgada. O Tribunal Regional afirmou inexistir prova pré-

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-constituída de que a autoridade coatora estaria desrespeitando decisão transitada em julgado em favor da agravante. E, como tal prova não fora apresentada, aquele órgão julgador questionou-lhe o interesse de agir. Em seguida, arremata: “Tal ensejaria a invalidação da presente relação jurídica processual porquanto a coisa julgada apresenta-se como um verdadeiro pressuposto processual negativo” (fls. 271-272). Diante disso, a agravante tinha o ônus de impugnar esse fundamentos no Recurso Especial, mas dele não se desincumbiu.Limitou-se a reiterar que possui coisa julgada outorgando-lhe o bem da vida ora pleiteado. Assim agindo, esbarra no óbice da citada Súmula nº 283/STF. 5. Ademais, nos estreitos limites cognitivos deste agravo de instrumento, é inviável no STJ revolver fatos e provas para comparar as causas de pedir e os pedidos desta demanda e daquela que supostamente teve como desfecho a coisa julgada em favor da agravante, nem a possível resistência administrativa do seu cumprimento, o que, segundo o acórdão recorrido, não foi comprovado (Súmula nº 7/STJ). 6. A discussão atinente à modificação legislativa do conceito de faturamento extraído da norma que rege a competência tributária (art. 195, I, da CF/1988) é matéria de natureza constitucional e, por isso, não pode ser apreciada em recurso especial, sob pena de usurpação da competência do STF. No mesmo sentido, descabe ao STJ julgar suposto conflito entre lei ordinária e lei complementar. Precedentes do STJ.

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7. Agravo Regimental não provido.’ (STJ, AgRg-Ag 1.421.547/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe de 24.08.2012)

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‘TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – VALORES GASTOS COM MATERIAIS – REEMBOLSO POR CLIENTES – EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO DA COFINS – CONCEITO DE FATURAMENTO – MATÉRIA DE ÍNDOLE EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL – AGRAVO NÃO PROVIDO 1. A discussão referente ao conceito de faturamento, notadamente no que se refere à definição da base de cálculo do PIS e da Cofins, implica análise de matéria constitucional, o que é vedado nesta Corte Superior, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal (AgRg-EDcl-REsp 1.135.391/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª T., DJe 06.12.2011).

2. Agravo regimental não provido.’ (STJ, AgRg-REsp 1.224.734/RN, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª T., DJe de 13.06.2012) ‘CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO – PIS E COFINS – ART. 3º DA LEI Nº 9.718/1998 – CONCEITO DE FATURAMENTO – RECEITA BRUTA – ACÓRDÃO FUNDADO EM MATÉRIA DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL – CONTROVÉRSIA ACERCA DA BASE DE CÁLCULO – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO INFRACONSTITUCIONAL AUTÔNOMO CAPAZ DE VIABILIZAR O RECURSO ESPECIAL 1. A irresignação quanto ao conceito de faturamento e aos questionamentos acerca de sua abrangência em relação à receita bruta, expressão essa não prevista no Texto Constitucional original, diz respeito, em verdade, à base de cálculo do PIS e da Cofins. A controvérsia apresenta índole constitucional e, portanto, não pode ser objeto de análise em sede de recurso especial. 2. Recurso especial da Fazenda Nacional não conhecido. PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO POR FAX – CÓPIA ILEGÍVEL 1. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que o recurso interposto por meio de fax deve, necessariamente, estar completo e legível, mesmo que o original seja apresentado durante o prazo legal. Precedentes. 2. Recurso especial da empresa não conhecido.’ (STJ, REsp 1.017.645/CE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe de 10.09.2010) E, ainda, as seguintes decisões monocráticas: STJ, REsp 1.459.135/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 19.08.2014, REsp 1.376.179/PB, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 18.06.2014, REsp 1.444.496/AL, Rel. Min. Og Fernandes, DJe de 28.04.2014. Pelo exposto, nego provimento ao agravo, com fundamento no art. 544, § 4º, II, a, do CPC.” (fls. 417/422e)

Alega a agravante, em síntese, que demonstrou que o acórdão, proferido pelo Tribunal de origem, “vai de encontro ao teor das expressões contidas no inciso I, do art. 195, 145 e 150, IV, todos da CF/1988”, além de ter negado vigência aos arts. 3º da Lei nº 9.718/1998, 1º da Lei nº 10.637/2002 e 1º


Sustenta que a taxa de administração de cartões de crédito e débito não se enquadra nos conceitos de faturamento e receita. Argumenta que “a incidência do PIS e da Cofins sobre o valor bruto da fatura, e não sobre a diferença entre o valor da fatura emitida pelo contribuinte, abatidas às parcelas que não compõem recursos próprios das empresas, infringe o princípio constitucional da capacidade contributiva, segundo o qual a hipótese de incidência do tributo deve descrever atos que façam presumir que quem os pratica, ou por eles é alcançado, possui capacidade econômica para contribuir, sob pena de se tratar de tributo com caráter confiscatório” (fl. 437e). Requer, desse modo, a reconsideração da decisão agravada ou, noutra hipótese, a remessa desse Regimental à Turma julgadora, a fim de que o agravo em recurso especial seja conhecido e provido (fls. 426/440e). É o relatório. VOTO Ministra Assusete Magalhães (Relatora):

O agravo regimental não possui condições de ser conhecido. A decisão ora agravada negou provimento ao agravo em recurso especial da ora agravante, adotando o entendimento, consagrado pela jurisprudência do STJ, no sentido de que a irresignação, quanto ao conceito de faturamento, para fins de incidência da contribuição para o PIS e Cofins, implica análise de matéria constitucional, o que é vedado, nesta Corte, sob pena de usurpação da competência do STF (fls. 417/422e). Nas razões do agravo regimental, a recorrente não se insurgiu, conclusivamente e de forma objetiva, contra o fundamento, adotado pela decisão ora agravada, para negar provimento ao agravo em recurso especial. Ao invés de apresentar razões para impugnar, especificamente, a conclusão da decisão agravada – no sentido da impossibilidade de análise do tema constante dos autos, em recurso especial, por se tratar de matéria constitucional –, teceu considerações de mérito acerca da matéria. Sustentou que o acórdão proferido pelo Tribunal de origem “vai de encontro ao teor das expressões contidas no inciso I, do art. 195, 145 e 150, IV, todos da CF/1988”, além de ter negado vigência aos arts. 3º da Lei nº 9.718/1998, 1º da Lei nº 10.637/2002 e 1º da Lei nº 10.833/2003, “ao não reconhecer o direito da agravante em não incluir as taxas de administração dos cartões de crédito/débito da base de cálculo do PIS e da Cofins, já que tal parcela não se subsume ao conceito de faturamento, base de cálculo de tais contribuições, ao passo que representa acréscimo patrimonial das operadoras de cartões de crédito, subtraindo-se da esfera de conceituação de receita ou faturamento da agravante, o qual não resulta espécie do gênero acréscimo patrimonial capaz de ensejar a cristalização do fato gerador das contribuições” (fls. 428/430e).

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da Lei nº 10.833/2003, “ao não reconhecer o direito da agravante em não incluir as taxas de administração dos cartões de crédito/débito da base de cálculo do PIS e da Cofins, já que tal parcela não se subsume ao conceito de faturamento, base de cálculo de tais contribuições, ao passo que representa acréscimo patrimonial das operadoras de cartões de crédito, subtraindo-se da esfera de conceituação de receita ou faturamento da agravante, o qual não resulta espécie do gênero acréscimo patrimonial capaz de ensejar a cristalização do fato gerador das contribuições” (fls. 428/430e).

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Asseverou que, “a incidência do PIS e da Cofins sobre o valor bruto da fatura, e não sobre a diferença entre o valor da fatura emitida pelo contribuinte, abatidas às parcelas que não compõem recursos próprios das empresas, infringe o princípio constitucional da capacidade contributiva, segundo o qual a hipótese de incidência do tributo deve descrever atos que façam presumir que quem os pratica, ou por eles é alcançado, possui capacidade econômica para contribuir, sob pena de se tratar de tributo com caráter confiscatório” (fl. 437e).

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Conforme se observa, o recorrente não impugna, especificamente, o fundamento da decisão agravada, e tece considerações de mérito, acerca de suposta decisão com conteúdo diverso da proferida nos presentes autos, posto que, conforme já indicado e salientado, a decisão agravada não ingressou no mérito do recurso especial, pois, nos termos da jurisprudência consolidada desta Corte, a irresignação, quanto ao conceito de faturamento, para fins de incidência da contribuição para o PIS e Cofins, implica análise de matéria constitucional, o que é vedado, nesta Corte, sob pena de usurpação da competência do STF (fls. 417/422e).

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Assim, verifica-se que a agravante não impugna, especificamente, o fundamento da decisão agravada, apresentando razões recursais divorciadas do fundamento adotado pela decisão recorrida (fls. 426/440e), encontrando-se a fundamentação recursal deficiente. Incidem, portanto, as Súmulas nºs 182/STJ e 284/STF. Nesse sentido: “PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA ESTRITA – FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO E MATÉRIA RECURSAL DE CUNHO EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL – SÚMULA Nº 126/STJ – AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS

FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 182 DO STJ 1. A questão de mérito do recurso especial não foi conhecida, visto que o caráter constitucional do acórdão e da demanda obstava sua modificação pelo STJ, especialmente ante a ausência de interposição de recurso extraordinário, atraindo a Súmula nº 126/STJ, além da inafastável incidência da Súmula nº 280/STF. 2. A agravante limita-se a aduzir a existência de entendimento jurisprudencial favorável à sua tese – imprescindibilidade de publicação da planta genérica de valores –, olvidando-se que os fundamentos apontados para não conhecer do mérito do especial inviabilizam a análise do apelo nobre pela divergência. Precedentes. 3. Verificado que o agravante deixa de infirmar os fundamentos da decisão agravada, não se conhece do agravo regimental, ante o óbice imposto pela Súmula nº 182/STJ, aplicada, mutatis mutandis, ao caso sob exame, conforme pacífico entendimento desta Corte. Agravo regimental não conhecido.” (STJ, AgRg-AREsp 420.996/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe de 27.11.2013) “PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO – ARTIGO APONTADO COMO VIOLADO E TESE A ELE REFERENTE – RAZÕES DISSOCIADAS – INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS NºS 283 E 284/STF – SERVIDOR PÚBLICO – VPNI – INTERPRETAÇÃO DA LEI DISTRITAL NºS 379/2002 E 3.351/2004 – INCORPORAÇÃO DA VANTAGEM – ACÓRDÃO RECORRIDO FUNDAMENTADO EM DIREITO LOCAL – SÚMULA Nº 280/STF 1. Constatada a contradição e consequente dissociação entre as razões do recurso especial e do acórdão recorrido, o conhecimento do recurso especial, neste aspecto, encontra óbice nas Súmulas nºs 283 e 284/STF. 2. A Corte de origem, ao dirimir a controvérsia, o fez com base na interpretação das Leis Distritais nºs 379/2002 e 3.351/2004, e a revisão das teses do mérito do recurso envolve na análise de direito local, que se encontra obstada por força do óbice constante da Súmula nº 280/STF. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg-REsp 1.420.867/DF, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe de 26.05.2014)


“PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – ICMS – PARCELAMENTO – ADESÃO – EXTINÇÃO DO PROCESSO – DECISÃO PROFERIDA POR OUTRO RELATOR, EM PROCESSO DIVERSO – RAZÕES DISSOCIADAS – DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – SÚMULA Nº 284/STF 1. É inviável agravo regimental quando os argumentos deduzidos pelo agravante não correspondem aos fundamentos lançados na decisão agravada para inadmissão do apelo nobre, encontrando-se dela dissociados.

2. O esgotamento de instância é pressuposto de cabimento do recurso especial (Súmula nº 281/STF). 3. Agravo regimental não conhecido.” (STJ, AgRg-AREsp 404.461/PE, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª T., DJe de 18.12.2013) “PROCESSO CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – RAZÕES DISSOCIADAS DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA – SÚMULAS NºS 182 DO STJ E 284/ST

2. Incide, pois, na espécie, por analogia, a orientação fixada pela Súmula nº 284/STF, mormente quando a decisão agravada contra a qual se insurge o agravante foi proferida por outro relator, em processo diverso do ora em análise.

1. É inviável agravo regimental cujas razões estão dissociadas dos fundamentos da decisão agravada (Súmula nº 284/STF).

3. Agravo regimental não conhecido.” (STJ, AgRg-REsp 1.430.523/SC, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., DJe de 10.04.2014)

2. O agravante deve infirmar todos os fundamentos da decisão impugnada, mostrando-se inadmissível o recurso que não se insurge contra todos eles – inteligência da Sumula nº 182/STJ.

“PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – RAZÕES DISSOCIADAS DA DECISÃO AGRAVADA – APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA SÚMULA Nº 284/STF

3. Agravo regimental não conhecido.” (STJ, AgRg-AREsp 338.830/SP, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe de 19.09.2013)

1. É deficiente o Agravo Regimental cujas razões encontram-se divorciadas da matéria apreciada na decisão monocrática.

“AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – RAZÕES DISSOCIADAS DO DECIDIDO – SÚMULA 284/STF – ART. 544, § 4º, I, DO CPC – DECISÃO SINGULAR DE RELATOR – SÚMULA Nº 281/STF

1. O acórdão recorrido julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada. Não é o órgão julgador obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresentaram. Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução. A agravante pretende rediscutir a matéria à luz da afirmada legalidade da tarifa média e da interpretação da Lei nº 11.445/2007, o que se mostra descabido em aclaratórios.

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2. Hipótese em que a Fazenda Nacional defende a aplicação da lei de compensação vigente ao tempo da propositura da demanda, mas a decisão agravada analisou exclusivamente a incidência dos expurgos inflacionários na apuração do crédito do contribuinte a ser utilizado no encontro de contas.

“PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – AUSÊNCIA DE OMISSÃO – RAZÕES DISSOCIADAS DO CONTEÚDO DA DECISÃO AGRAVADA – SÚMULA Nº 284/STF – IMPOSSIBILIDADE – UTILIZAÇÃO – TARIFA MÉDIA – HIDRÔMETRO INSTALADO – REDISCUSSÃO DO MÉRITO – DANOS MORAIS – EXORBITÂNCIA – SÚMULA Nº 7/STJ

1. Não se conhece de agravo que não tenha atacado especificamente todos os fundamentos da decisão agravada (art. 544, § 4º, I, CPC e Súmula nº 284/STF).

2. A existência de hidrômetro no local afasta a legitimidade da tarifa média. Súmula nº 7/STJ.

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3. Agravo Regimental não conhecido.” (STJ, AgRg-AREsp 442.476/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe de 07.03.2014)


3. Em relação ao dano moral, a revisão dos valores fixados a título de compensação só é admitida quando estes forem irrisórios ou exorbitantes, o que não se configura neste caso. A diminuição do quantum indenizatório atrai o óbice da Súmula nº 7/STJ. 4. As razões recursais acerca da legalidade da tarifa progressiva encontram-se dissociadas do mérito da decisão ora agravada, que diz respeito à impossibilidade de utilização da tarifa média se existe hidrômetro instalado. Por esse motivo, o agravo regimental esbarra, nessa parte, na Súmula nº 284/STF, aplicável por analogia. 5. Agravo Regimental não provido.” (STJ, AgRg-AREsp 396.174/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe de 06.12.2013)

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Ademais, apenas a título de esclarecimento, é oportuno ressaltar que, conforme destacado na decisão agravada, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que “analisar a possibilidade de incidência do PIS e Cofins sobre a taxa de Administração dos Cartões de Débito e Crédito implica análise do conceito de faturamento e receita bruta da contribuinte, pois depende da interpretação desses conceitos à luz do art. 195, I, da CF em sua redação original e atual” (STJ, AgRg-REsp 1.377.482/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe de 09.04.2014).

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2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ, AgRg-REsp 1.416.351/PE, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., DJe de 15.09.2014) “PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO ESPECIAL – TRIBUTÁRIO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535, CPC – LEIS NºS 9.718/1998, 10.637/2002 E 10.833/2003 – TAXA DE ADMINISTRAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO – EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS – CONCEITO DE FATURAMENTO – TEMA CONSTITUCIONAL 1. Analisar a possibilidade de incidência do PIS e Cofins sobre a taxa de Administração dos Cartões de Débito e Crédito implica análise do conceito de faturamento e receita bruta da contribuinte, pois depende da interpretação desses conceitos à luz do art. 195, I, da CF em sua redação original e atual. Exame inviável em sede de recurso especial. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ, AgRg-REsp 1.377.482/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe de 09.04.2014) “AGRAVO REGIMENTAL – PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA Nº 211/STJ – LEIS NºS 9.718/1998, 10.637/2002 E 10.833/2003 – TAXA DE ADMINISTRAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO – EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS – CONCEITO DE FATURAMENTO – TEMA CONSTITUCIONAL

“TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – TAXA DE ADMINISTRAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO E DÉBITO – BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS – CONCEITO DE FATURAMENTO – MATÉRIA EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL

1. Não foi debatido nos autos o conceito de insumos para efeito de creditamento nas contribuições ao PIS e Cofins não cumulativas, limitando-se a Corte de Origem a exarar julgamento que afastou o referido creditamento. Silente a origem quanto ao ponto em sede de embargos de declaração, o tema deveria, portanto, ter sido levantado em sede de recurso especial por violação ao art. 535, do CPC. Não o foi. Incidência da Súmula nº 211/STJ: ‘Inadmissível recurso especial quanto a questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo’.

1. A verificação se a taxa de administração dos cartões de débito e crédito deve integrar a base de cálculo do PIS e da Cofins incorre, necessariamente, na definição de faturamento. A análise esta vedada a esta Corte Superior por se tratar de matéria eminentemente constitucional, sob pena de usurpação da competência do STF.

2. O prequestionamento necessário à admissibilidade do recurso especial exige mais que uma mera menção genérica ao que pleiteado pela recorrente. Há a necessidade de efetivo debate pela Corte de Origem em relação à questão posta. Não há como admitir um recurso especial que se debate contra um vazio argumentativo.

A propósito, confiram-se, a título exemplificativo, os seguintes precedentes:


3. A discussão referente ao conceito de faturamento, notadamente no que se refere à definição da base de cálculo do PIS e da Cofins, implica análise de matéria constitucional, o que é vedado nesta Corte Superior, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes: REsp 1017645/CE, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 10.09.2010; AgRg-Ag 1421547/CE, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 24.08.2012; AgRg-REsp 1224734/RN, 1ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 13.06.2012.

Agravante: Smaff Nordeste Veículos Ltda.

4. Agravo regimental não provido.” (STJ, AgRg-REsp 1.374.628/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe de 07.04.2014)

Assunto: Direito tributário – Contribuições – Contribuições Sociais – PIS

Com essas considerações, não conheço do agravo regimental. É o voto.

Agravante: Única Brasília Automóveis Ltda. Agravante: Smaff Import Veículos Ltda. Advogados: Germano Cesar de Oliveira Cardoso e outro(s) Agravado: Fazenda Nacional

AGRAVO REGIMENTAL Agravante: Smaff Combustíveis Ltda. Agravante: Smaff Automóveis Ltda.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA AgRg-AREsp 691.167/DF

Número Registro: 2015/0080779-4

Números Origem: 00066348020104013400 66348020104013400 8531196 Pauta: 16.06.2015

Julgado: 16.06.2015

Agravante: Smaff Nordeste Veículos Ltda. Agravante: Única Brasília Automóveis Ltda. Agravante: Smaff Import Veículos Ltda. Advogados: Germano Cesar de Oliveira Cardoso e outro(s) Agravado: Fazenda Nacional

Relatora: Exma. Sra. Ministra Assusete Magalhães

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. José Elaeres Marques Teixeira

CERTIDÃO Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi “A Turma, por unanimidade, não conheceu do agravo regimental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

AUTUAÇÃO Agravante: Smaff Combustíveis Ltda. Agravante: Smaff Automóveis Ltda.

Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques

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Pesquisa Temática

Área de Preservação Área de preservação ambiental – direito de propriedade – restrição de uso – atividade de extração mineral – inviabilização – indenização – não cabimento “Administrativo. Lei municipal. Criação de área de preservação ambiental. Limitação imposta ao direito de propriedade. Atividade de extração mineral inviabilizada. Indenização indevida. Direito de lavra que não se traduz em garantia ao livre exercício da atividade de prospecção mineral. 1. O simples condicionamento do direito de propriedade, normalmente chamado de limitação administrativa, não gera direito à indenização, pois configura mera restrição de uso, que não implica desapossamento. 2. A criação de área de preservação ambiental, inviabilizando a exploração de atividade de extração mineral, sabidamente prejudicial ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, não dá azo à indenização por lucros cessantes e danos emergentes. A solução do conflito de interesses – direito à ordem econômica de um lado e direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado de outro – passa pelo comando do art. 170 da Lei Fundamental, que afirma que a ordem econômica deve respeitar o princípio constitucional da defesa ao meio ambiente. 3. O direito adquirido de lavra não assegura à empresa mineradora o livre exercício da atividade de prospecção mineral, que perpassa, inevitavelmente, pela análise da adequação à legislação ambiental e, sobretudo, à Constituição da República.” (TJSC – AC 2010.019573-3 – 3ª CDPúb. – Rel. Des. Luiz Cezar Medeiros – DJe 10.01.2011)

Área de preservação ambiental – ocupação irregular – construção de muro, quiosque e píer em lagoa – dano ambiental – constatação – responsabilidade objetiva dos infratores – reconhecimento “Dano ambiental. Ocupação irregular de área de preservação ambiental. Construção de muro, quiosque e píer no interior da lagoa grande do Abais. Degradação do meio ambiente constatada por relatório da Adema. Responsabilidade objetiva dos infratores. Impossibilidade de reparação dos danos morais, ante a inexistência de prova de situação fática que traduza o constrangimento da coletividade, afetando o sentimento coletivo. Danos materiais de aferição impossível. Determinação de medida alternativa que minimiza os efeitos da degradação. Omissão do município de estância em fiscalizar a ocupação do local. Concessão arbitrária de alvarás para construção às margens da lagoa. Ex-prefeito excluído da relação processual. Recurso de apelação deste interposto indevidamente. Erro grosseiro. Impossibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade recursal. Apelação não conhecida. Apelo do município conhecido e não provido. Apelo do réu Paulo César dos Santos conhecido e parcialmente provido, para afastar a condenação por danos materiais e morais.” (TJSE – AC 2009202315 – (3494/2011) – 1ª C.Cív. – Relª Desª Maria Aparecida Santos Gama da Silva – DJe 06.04.2011 – p. 26)

Área de preservação permanente – construção de apart-hotel – impacto ambiental de pequeno porte – estudo de verificação ambiental – licenciamento – concessão – legalidade “Administrativo e ambiental. Mandado de segurança. Implantação de apart-hotel em área de preservação permanente. Agravo retido. Suspensão de auto de infração. Discussão que se confunde com o mérito do apelo. Impacto ambiental de pequeno porte. Licenciamento. Competência do órgão estadual de proteção ambiental. Competência supletiva do Ibama. Licenciamento concedido com base em estudo de verificação ambiental. Legalidade. Apelação e remessa oficial improvidas. Agravo retido prejudicado. 1. Hipótese em que se discute se a potencialidade do impacto ambiental decorrente da construção de apart-hotel, em área de proteção permanente, justifica a necessidade de licenciamento pelo Ibama, bem como se o Estudo de Verificação Ambiental realizado é apto para autorizar a continuidade da obra. 2. A questão atinente à suspensão da autuação e da multa está diretamente relacionada à regularidade do licenciamento, que é objeto de apreciação no presente apelo, de forma que a matéria discutida no agravo retido nos


autos se confunde e está inserta no próprio mérito do apelo, o que prejudica a apreciação do agravo. 3. No tocante à competência para o licenciamento ambiental, a Constituição Federal não estabeleceu nenhum nexo entre a dominialidade do bem jurídico porventura afetado ou a extensão nacional, regional ou local de eventuais impactos ambientais. 4. A competência do Ibama é reservada aos casos de licenciamento de obras que envolvam significativo impacto ambiental, de âmbito regional ou nacional, o que não se verifica no caso presente. Assim, o fato de o empreendimento em questão estar sendo edificado em área de preservação permanente por si só, não legitima o embargo da obra imposto pela Autarquia Federal apelante. 5. Deve ser reconhecida a higidez da licença concedida pelo órgão estadual de proteção ambiental, uma vez que os estudos técnicos realizados concluíram que o empreendimento em debate não é potencialmente capaz de provocar o dano ambiental em proporção que justifique a necessidade de licenciamento pela apelante. 6. Por se enquadrar como empreendimento imobiliário de impacto ambiental de pequeno porte, não há ilegalidade na autorização da obra com amparo em Estudo de Viabilidade Ambiental, sendo descipienda a realização de EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental) como pretende o apelante. 7. Apelação e remessa oficial improvidas. Agravo retido prejudicado.” (TRF 5ª R. – Ap-Reex 9347 – Proc. 2008.81.00.015908-1/CE – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Barros Dias – DJe 03.03.2011)

Área de preservação permanente – construções irregulares – omissão do município – decisão judicial – fixação de multa para hipótese de descumprimento – cabimento “Administrativo. Ambiental. Área de preservação permanente. Construções irregulares. Multa pelo descumprimento de decisão judicial. Ação civil pública. Honorários advocatícios. 1. Reconhecida a responsabilidade do Município em demolir as construções localizadas em áreas de preservação permanente, constatada sua omissão em impedi-las. 2. É cabível a fixação de multa para a hipótese de descumprimento de decisão judicial arbitrada em face do Poder Público. 3. Pelo princípio da simetria, descabe a condenação do réu em honorários advocatícios em ação civil pública, salvo em caso de comprovada má-fé.” (TRF 4ª R. – AC 2006.72.00.003748-2/SC – 4ª T. – Rel. Juiz Fed. Sérgio Renato Tejada Garcia – J. 26.01.2011 – DEJF 07.02.2011 – p. 462)

Área de preservação permanente – desmatamento ilegal – processo de regeneração natural – indenização pelos danos causados – obrigatoriedade

Área de preservação permanente – estação ecológica – dever fiscalizatório do município – omissão – interferência do Judiciário – possibilidade “Ambiental e administrativo. Área de preservação permanente. Mangue. Estação Ecológica de Carijós. Omissão fiscalizatória do município. Ato vinculado. Obrigação do Poder Executivo de atuar conforme sua competência precípua. Compete ao Município, juntamente com a sociedade diretamente interessada, definir a política urbana, que é limitada pelo princípio da legalidade, principalmente no que se refere à legislação ambiental. Definido o modo de ocupação das áreas do Município, também incumbe a este a fiscalização do cumprimento das diretrizes locais, bem como a iniciativa de tomar as providências necessárias à manutenção do meio ambiente equilibrado, conforme preestabelecido. Não é razoável, por outro lado, que, após longo período de omissão do Poder Executivo local, o Poder Judiciário seja impelido a resolver questão complexa e delicada, de forte impacto social, a qual o ente municipal convenientemente negligenciou. É certo que o Judiciário não pode definir o critério de conveniência ou de oportunidade com

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“Ação civil pública. Dano ambiental. Desmatamento em área de preservação permanente. Reparação in natura. Indenização pecuniária. Constatado o desmatamento ilegal de área de preservação permanente, e ainda que esta se encontre em processo de regeneração natural, subsiste a obrigação de indenizar os danos causados, tendo em vista o período em que a coletividade se viu privada das benesses dali advindas, e o caráter pedagógico da medida, coibindo a prática do desmatamento ilegal.” (TJMG – AC 1.0400.07.026971-9/001 – 8ª C.Cív. – Rel. Bitencourt Marcondes – DJe 25.03.2011)

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relação aos atos praticados no exercício de competência discricionária do Executivo. Porém, tratando-se de omissão que compromete a eficácia e a integridade de normas cogentes, as quais invariavelmente deveriam ser observadas e cujo cumprimento deveria ser exigido, justificável a interferência para fazer valer a diretiva constitucional da obrigação de ‘proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas’ (CF, art. 23, VI). Assim, recomendável que o administrador público planeje e execute os meios viáveis de recuperação da área degradada de maneira global e eficaz. O Ministério Público, por sua vez, em caso de necessidade ou diante da renitente omissão por parte do ente municipal, poderá vir a juízo defender o interesse difuso ao meio ambiente equilibrado, para que, então sim, o Poder Executivo Local seja diretamente compelido a tomar as providências até então negligenciadas.” (TJSC – AC 2010.006138-4 – 3ª CDPúb. – Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros – DJe 28.03.2011)

Área de preservação permanente – imóvel particular – restrições de uso – imposição da Administração para fins de proteção ambiental – desapropriação indireta – caracterização “Apelações cíveis. Reexame necessário. Agravo retido. Ação de desapropriação indireta. Imóvel inserido em área de preservação permanente. Área non aedificandi. Restrição imposta por lei. Prescrição. Prazo vintenário consoante entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 119). Início do prazo. Publicação da lei que criou a limitação. Lei municipal editada no ano de 1976 (Lei nº 1.440/1976). Ação ajuizada em 2004. Prescrição verificada. Extinção do feito com resolução do mérito. Inteligência do art. 269, IV, do Código de Processo Civil. Reexame necessário e apelos prejudicados. ‘A jurisprudência vem firmando o entendimento de que as restrições de uso de propriedade particular impostas pela Administração, para fins de proteção ambiental, constituem desapropriação indireta, devendo a indenização ser buscada mediante ação de natureza real, cujo prazo prescricional é vintenário’ (REsp 149.834/SP, Rel. Min. José Delgado, DJU 21.03.1999, p. 81). Levando-se em conta que a edição da Lei Municipal nº 1.440/1976 (que criou a restrição) se deu no ano de 1976, bem como que a ação foi ajuizada no ano de 2004, portanto, 28 (vinte e oito) anos depois, é de ser reconhecida a prescrição da pretensão da autora, devendo a ação ser extinta com resolução do mérito, nos termos do art. 269, IV, do Código de Processo Civil.” (TJSC – AC 2010.030278-5 – 2ª CDPúb. – Rel. Des. Cid Goulart – DJe 04.04.2011)

Área de preservação permanente – muro de contenção – construção feita em parceria com o município – dano ambiental – configuração – obrigação de reparar – necessidade – condenação solidária – cabimento

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“Constitucional. Administrativo. Ação civil pública. Dano ambiental. Área de preservação permanente. Muro de contenção. Licenciamento. Inocorrência. Construção promovida pelo proprietário em concurso com o município. Dano. Incontrovérsia. Obrigação de reparar. Configuração. Condenação solidária. Cabimento. 1. Sendo incontroversa a causação de dano ambiental decorrente da construção de muro de contenção sem o devido licenciamento ambiental, deve ser mantida a sentença que condena os interventores, solidariamente, à adoção das medidas necessárias ao restabelecimento da integridade da área de preservação permanente. 2. Sentença confirmada, em reexame necessário, e recurso voluntário prejudicado.” (TJMG – AC-RN 1.0133.06.028586-2/001 – 8ª C.Cív. – Rel. Edgard Penna Amorim – DJe 25.03.2011)

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Área de preservação permanente – subtração de madeira e danificação de floresta – materialidade e autoria configuradas – condenação – cabimento “Apelação criminal. Delito contra o patrimônio e crime ambiental. Subtração de madeira, objeto especial de proteção, e danificação de floresta em área de preservação permanente (art. 155, § 4º, IV, c/c o art. 14, II, ambos do Código Penal e art. 38, caput, c/c o art. 53, II, c, ambos da Lei nº 9.605/1998). Materialidade e autoria devidamente configuradas. Conformidade entre a prova oral e os demais elementos carreados aos autos. Condenações mantidas. Dosimetria. Flora ameaçada de extinção. Circunstância que constituiu elemento do tipo, nos termos do art. 3º, f, do Código Florestal. Impossibilidade de reconhecimento da majorante trazida no art. 53, II, c, da Lei nº 9.605/1998, sob pena de bis in idem. Adequação de ofício. Extensão dos efeitos ao corréu não apelante. Almejada oportunização do sursis processual. Somatório das penas cominadas que extrapolam os limites legais estabelecidos para a aplicação do instituto referido. Precedentes. Corréu absolvido de um dos delitos em primeiro grau. Pena mínima prevista, tocante ao crime remanescente, igual a um ano. Sobrestamento dos efeitos do acórdão para que na origem seja analisado o cabimento da suspensão condicional do processo. Provimento no ponto. Honorários advocatícios. Defensor dativo. Arbitramento de URHs já realizado na sentença. Obediência aos critérios exigidos pela Lei Complementar nº 155/1997. Defesa em processo que abrange a interposição de eventual recurso. Verba honorária indevida.” (TJSC – ACr 2010.061193-8 – 3ª C.Crim. – Rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho – DJe 31.03.2011)


Jurisprudência Comentada

Prisão Civil por Débito Alimentar: a Caminho da Inaplicabilidade

Discute-se acerca da prisão civil do devedor de prestações alimentícias. O foco é a eventual perda do caráter configurador do grave dano a justificar o cerceamento da liberdade do cidadão, quando as prestações reclamadas são anteriores às três últimas parcelas mensais. No caso específico, a busca de descaracterizar a hipótese de prisão civil fundamenta-se na demora do trâmite do processo de execução.

ALDO MEDEIROS LIMA FILHO

A própria 1ª Câmara Criminal do eg. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que apreciou o pedido de habeas corpus aqui noticiado, tem súmula com o seguinte teor: “Dívida de alimento antiga (aquela vencida há mais de 3 meses antes do início da execução) perde o caráter alimentar”.

Advogado e Procurador do Município de Natal/RN.

No caso específico, as prestações pedidas na inicial – exatamente as três últimas – foram vencidas antes do início da execução e, portanto, não se trata de alimentos pretéritos, nem de dívida que já fugiu ou perdeu o caráter alimentar.

EMENTA PRISÃO CIVIL – PRESTAÇÕES PRETÉRITAS – DILIGÊNCIA DA REQUERENTE – DEMORA NA EXECUÇÃO – PERDA DO CARÁTER ALIMENTAR – NÃO OCORRÊNCIA Não há que se falar em prestações pretéritas, tampouco em perda do caráter alimentar da obrigação, uma vez que a diligência da requerente e a demora em se decretar a prisão civil, em virtude do lento desenrolar do processo executivo, são circunstâncias que não favorecem o paciente. (TJMG – HC 182.597-5/00 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Zulman Galdino – J. 25.04.2000)

COMENTÁRIO

INTRODUÇÃO Apresenta-se, a seguir, alguns comentários acerca de jurisprudência criminal produzida pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, cujo r. acórdão está anteriormente reproduzido.

O julgado configura a pronta iniciativa da requerente e o lento desenrolar do processo executivo como elementos a legitimar a decretação da prisão civil do devedor.

1 A PRISÃO CIVIL POR DÉBITO ALIMENTAR NO DIREITO BRASILEIRO Somente em caráter excepcionalíssimo admite o nosso ordenamento jurídico a prisão civil por dívida. As situações, apenas duas, estão registradas em comando constitucional, sendo sua aplicação condicionada a limites normativos estreitos que, pelo menos no caso da prisão do devedor de prestação alimentícia, estão se tornando quase inaplicáveis, ante a interpretação que se mostra majoritária nos tribunais pátrios. Não se sabe com que fundamento antropológico ou biológico as construções jurisprudenciais fixaram um critério temporal para que a parte prejudicada pela sonegação dos alimentos que lhe são devidos recorra às vias judiciais, sob pena de não mais poder usar


o remédio excepcional apontado pelo Constituinte de 1988, de supressão da liberdade do devedor. Nesse sentido, adota-se amplamente o critério de que aquele que sobreviver três meses sem receber alimentos somente pode promover execução se for adotada a via de dívida patrimonial, o que exclui a possibilidade de prisão civil. Entendem que, após o prazo trimestral, há presunção de perda da urgência caracterizadora da verba alimentar.

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Os que militam nas varas de família verificam a cada dia a elevação dos casos em que o devedor apresenta pretextos dos mais variados para atrasar as prestações alimentícias, sempre sobre promessa da iminência de uma situação sanadora do débito, obtendo, com facilidade, a concordância da parte, que sobrevive às expensas de familiares sem obrigação de suprir sua manutenção, mas envolvidos emocionalmente com o drama familiar.

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Ultrapassado o prazo fatídico fixado pela jurisprudência majoritária, o devedor assume a cômoda postura de demonstrar que não mais adimplirá sua obrigação, orientado, muitas vezes, ante a possibilidade de garantir o juízo no processo executivo a ser enfrentado, uma vez que as parcelas mensais de alimentos devidos aos seus filhos (quase sempre somente aos filhos) já são tecnicamente consideradas “dívida pretérita”, com natureza meramente indenizatória. Nesta Revista Brasileira de Direito de Família, no seu exemplar primeiro, o eminente Magistrado Jorge Luís Costa Beber publicou brilhante estudo no qual demonstra os diversos aspectos denunciadores da fragilidade de fundamentos dessa corrente doutrinária que se consolida em perverso processo de autocrescimento, sendo cada vez mais produzidas decisões com o simples argumento de que esta é a tendência mais moderna dos tribunais, em grave prejuízo da parte hipossuficiente.

Certo é que, na maioria das vezes, os credores de prestações alimentícias, até pela obviedade de somente disporem de meios materiais providos pelo devedor, têm dificuldades em promover o devido executivo alimentar no trimestre fatídico adotado pelos tribunais. Quando cuidam, são forçados a trilhar os íngremes caminhos da execução por quantia certa, tal como estabelecida no art. 652 do Código de Processo Civil, com moroso e quase sempre inacabado rito processual, em que se busca a constrição patrimonial do alimentante, quase sempre impraticável. Isso ocorre por conta do ímpeto que tomou conta da maioria dos nossos tribunais, nos diferentes graus de jurisdição, onde adota-se o marco temporal diferenciador de débito alimentar (até três meses da data da execução) do considerado como dívida pretérita (acima de três meses de débito), sem que sejam levados em conta o mérito da ausência de pagamento, a efetiva situação patrimonial e de rendimentos do credor e também as razões justificadoras ou não da falta de diligência do credor nos noventa dias iniciais ao inadimplemento do devedor. Ao contrário, a aplicação automática e insensível do entendimento jurisprudencial aqui apontado consolida situação de extrema injustiça, por beneficiar quase sempre o detentor de poder econômico e beneficiário de rendimentos consideráveis em detrimento dos alimentados, quase sempre crianças, adolescentes ou mesmo adultos, todos tendo em comum a impossibilidade de autossustento.


O r. julgamento aqui comentado teve o grande mérito de, embora aceitando o conceito de que dívida superior a três meses é considerada imprestável para execução nos termos do art. 733 do Código de Processo Civil, distinguiu a razão da demora como sendo decorrente da tramitação judicial do processo executivo e não por inércia da parte. Com esta feliz posição foi confirmada a determinação de prisão civil ao devedor dos alimentos. Adotando-se uma análise acerca dos julgados dos nossos principais tribunais, verifica-se a absoluta consonância do entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais no acórdão aqui apresentado com a jurisprudência majoritária. Veja-se, por exemplo, a seguinte decisão: HABEAS CORPUS – PRISÃO CIVIL – DEVEDOR DE ALIMENTOS – EXECUÇÃO NA FORMA DO ART. 733 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – Na execução de alimentos, prevista pelo art. 733 do Código de Processo Civil, ilegítima se afigura a prisão civil do devedor fundada no inadimplemento de prestações pretéritas, assim consideradas as anteriores às três últimas prestações vencidas antes do ajuizamento da execução. Ordem parcialmente concedida. (STJ, HC 11.040/SP, (199900966252), 4ª T., Rel. Min. César Asfor Rocha, DJU 27.03.2000, p. 00105) (Juris Síntese Millennium, 26, Porto Alegre: Síntese)

O cerne do julgado é o aspecto temporal das prestações devidas. Beneficiado o devedor em detrimento do credor, normalmente a parte mais frágil da relação jurídica, a quem deveria acudir com mais efetividade o aparato judicial do Estado. Alguns tribunais adotam posição um pouco distinta de manter a ordem de prisão civil enquanto devidas as três parcelas imediatamente anteriores à execução e remeter para o rito de execução patrimonial as parcelas mais distantes. Este entendimento é menos maléfico, pois permite, pelo menos, instrumentalizar a prisão civil para as parcelas mais recentes, embora possibilite, mediante o depósito delas e tão somente delas, a alteração do rito processual para o disposto no art. 732 do CPC, dando ensejo à garantia do juízo e aos embargos que na prática reduzem a possibilidade de recebimento dos valores devidos a título de alimentos. Nesse sentido, o seguinte julgado: ALIMENTOS – EXECUÇÃO – PRISÃO CIVIL – DECRETO – Manutenção, mas somente em relação às prestações vencidas a partir do terceiro mês anterior à citação. Demais parcelas. Crédito patrimonial. Rito do art. 732 do Código de Processo Civil. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Recurso parcialmente provido. (TJSP, AI 135.532-4/São Sebastião, 7ª CDPriv., Rel. Des. Sousa Lima, J. 01.03.2000, v.u.) (Juris Síntese Millennium, 26, Porto Alegre: Síntese)

É necessário, ainda, ressaltar que a jurisprudência vem acatando como aplicável a decretação de prisão civil sobre a falta de pagamento também dos débitos posteriores às três parcelas que antecedem a execução de alimentos. Com tal medida, protege o autor da demora associada ao trâmite processual. Assim decidiu o STJ, no acórdão a seguir descrito. HABEAS CORPUS – PRISÃO CIVIL – DEVEDOR DE ALIMENTOS – EXECUÇÃO NA FORMA DO ART. 733 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – Na execução prevista pelo art. 733 do Código de Processo Civil, a legitimidade da prisão civil para coagir o devedor de alimentos ao adim-

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Na prática, constata-se no cotidiano dos litígios referentes ao Direito de Família a imensa superioridade dos devedores de alimentos, que, quando imbuídos de forte carga emocional, ainda decorrente do fim do casamento ou da separação dos filhos que optaram por permanecer com o outro cônjuge, ou ainda quando refazem sua vida com outro(a) companheiro(a), convertem o pagamento de alimentos em instrumento de tortura do alimentando, com postergações na quitação de valores, com imposição de exigências descabidas para a entrega do quantum devido, ou mesmo, o que é muito comum, com a suspensão pura e simples do pagamento da verba mensal, por absoluta certeza de que os mecanismos de coerção inseridos no ordenamento jurídico apresentam-se obsoletos e ineficazes.

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plemento de sua obrigação está vinculada às três últimas prestações vencidas antes da citação. Todavia, permanecendo a inadimplência do executado no curso da execução proposta nos termos do art. 733 do CPC, o aprisionamento pode também a elas se estender, não sendo o caso de execução do saldo na forma do art. 732 do mesmo diploma. Ordem denegada. (STJ, HC 10.555/RS, (199900778871), 4ª T., Rel. Min. César Asfor Rocha, DJU 13.12.1999, p. 00146) (Juris Síntese Millennium, 26, Porto Alegre: Síntese)

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Embora minoritária, a corrente doutrinária que reconhece a aplicabilidade da prisão civil como forma de melhor tornar efetiva a obrigação alimentar vem produzindo bons e fundamentados julgamentos, como a seguir selecionado:

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HABEAS CORPUS – PRISÃO CIVIL – DEVEDOR DE ALIMENTOS – EXECUÇÃO FUNDADA NO ART. 733 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – Permanecendo a inadimplência do executado no curso da execução fundada no art. 733 do CPC, legítimo se afigura o aprisionamento em virtude do não pagamento das prestações anteriores à execução e que foram seu específico objeto, não obstante o pagamento das três últimas vencidas antes do depósito. A natureza do débito não se altera em virtude do inadimplemento do devedor. A dívida de alimentos continua sendo de alimentos. O decurso do tempo não retira o caráter alimentar da prestação que, não satisfeita oportunamente, repercute no padrão de subsistência do alimentando. A jurisprudência que, vinculada às peculiaridades dos casos concretos, restringe a prisão ao pagamento das três últimas prestações, não constitui regra absoluta, comportando temperamento após a análise das circunstâncias de cada hipótese. Ordem denegada. (STJ, HC 11.163/MG, (199901009596), 4ª T., Rel. Min. César Asfor Rocha, DJU 12.06.2000, p. 00112) (Juris Síntese Millennium, 26, Porto Alegre: Síntese) EVIDENTE O INADIMPLEMENTO PRETÉRITO E ATUAL DO ALIMENTANTE, CONSIDERA-SE LEGAL A SUA PRISÃO CIVIL – Segredo de justiça. (TJRS, HC 598.316.081, 8ª C.Cív., Rel. Des. Antonio Carlos Stangler Pereira, J. 22.10.1998) (Juris Síntese Millennium, 26, Porto Alegre: Síntese) HABEAS CORPUS – EXECUÇÃO DE PRESTAÇÃO ALIMENTAR PRETÉRITA, ARBITRADA EM INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – OBRIGAÇÃO ACUMULADA POR MAIS DE UM ANO – PRISÃO CIVIL DECRETADA – CONSTRANGIMENTO ILEGAL – WRIT CONCEDIDO – Tratando-se de execução de prestação alimentar pretérita, não destinada a suprir

necessidade atual, reveste-se a obrigação de dívida civil, cujo adimplemento não pode ser exigido sob ameaça de restrição à liberdade do devedor, notadamente tendo ele pago as três últimas prestações. O débito precedente deverá ser objeto de execução ordinária, observado o disposto no art. 732 do CPC. Todavia, restando demonstrado nos autos que os alimentandos executaram três prestações vencidas, acumulando-se outras prestações por manobras procrastinatórias do devedor, a execução poderá observar o procedimento do art. 733 do CPC, sendo devida a prisão civil, sob pena de premiar-se a chicana. (TJSC, HC 98.006548-8, 4ª C.Cív., Rel. Des. Pedro Manoel Abreu, J. 06.08.1998) (Juris Síntese Millennium, 26, Porto Alegre: Síntese) HABEAS CORPUS – PRISÃO CIVIL – EXECUÇÃO DE ALIMENTOS – DÍVIDA CORRESPONDENTE HÁ MAIS DE TRÊS MESES DE ATRASO – ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA – Tramitando há mais tempo a ação de execução de prestação alimentícia e existindo acúmulo de parcelas vencidas por resistência injustificada do alimentante, podem e devem ser exigidas outras mensalidades além das três últimas, pelo procedimento do art. 733 do CPC. No caso concreto, o alimentante já fora beneficiado com a possibilidade de depósito das últimas prestações mensais e, liberado da segregação, voltou a inadimplir, não sendo admissível, pois, que novamente premido por decreto prisional, venha a socorrer-se da benesse. (TJSC, HC 97.015633-2, C.Fér., Rel. Des. Nelson Schaefer Martins, J. 13.01.1998) (Juris Síntese Millennium, 26, Porto Alegre: Síntese)

Como comentário derradeiro, há que se destacar a existência de farta jurisprudência acerca da possibilidade de adoção de procedimentos que comungam o rito do art. 733 do CPC para as parcelas mais recentes à data da execução e o rito executivo patrimonial para as outras parcelas. A seguir, alguns julgados apontados nos repertórios dos últimos meses: ALIMENTOS – EXECUÇÃO – PRISÃO CIVIL – ADMISSIBILIDADE – CISÃO DO PROCEDIMENTO ESCOLHIDO – INAPLICABILIDADE – Cabe à credora do débito alimentar escolher o rito da execução, quando por mais de um modo legal pode efetuá-la. Art. 615, I, do Código de Processo Civil. Dívida pretérita que teria perdido seu caráter alimentar, com o escopo de preservar a sobrevivência da alimentada. Aplicação incondicional dessa tese implica em negativa de vigência do art. 733 do Código de Processo Civil, sendo admitida apenas em hipóteses


PRISÃO CIVIL – ALIMENTOS – INADIMPLEMENTO – JUSTIFICAÇÃO OPORTUNA – ALEGAÇÃO DE DESEMPREGO – NECESSIDADE DE PROVA – DILAÇÃO RECUSADA – DECRETAÇÃO IMEDIATA – FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO – DUPLA ILEGALIDADE – PROVIMENTO AO AGRAVO PARA CASSAR O DECRETO – Se o devedor de alimentos apresenta, no prazo legal, justificação que depende de prova em audiência, não pode o juiz, sem designar esta, decretar a prisão, sobretudo sem fundamentação alguma. (TJSP, AI 118.609-4/São José dos Campos, 2ª CDPriv., Rel. Des. Cezar Peluso, J. 08.02.2000, v.u.) (Juris Síntese Millennium, 26, Porto Alegre: Síntese) AGRAVO DE INSTRUMENTO – ALIMENTOS – PRISÃO CIVIL – VOLUNTARIEDADE DO DEVEDOR EM RETARDAR O CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO, QUE NÃO SE AFIGURA PRETÉRITA EM DECORRÊNCIA DO ACÚMULO DE PRESTAÇÕES – ORDEM DENEGADA – Comprovado nos autos que o devedor de alimentos retarda injustificadamente o pagamento das parcelas no decorrer do processo, do que resulta o acúmulo de prestações, ainda assim é possível a tramitação da execucional sob a forma do art. 733 do CPC. (TJSC, AI 98.005018-9, 1ª C.Cív., Rel. Des. Carlos Prudêncio, J. 25.08.1998) (Juris Síntese Millennium, 26, Porto Alegre: Síntese)

2 A NECESSIDADE DE NOVAS MEDIDAS COERCITIVAS O rápido apanhado jurisprudencial aqui exposto nos conduz a considerar, com base na prática forense do Direito de Família, que é chegada a hora de alteração no conjunto normativo, de forma a inserir novas formas de coagir o devedor de alimentos a adimplir com suas obrigações.

É realidade considerar que os Magistrados, de primeiro ou segundo grau, não se sentem confortáveis em determinar a prisão civil de devedores de prestações alimentícias. Mormente porque quase sempre tais pessoas são munidas de primariedade no que diz respeito a processos criminais. Assim, é forçoso se admitir que existe instalada na sociedade brasileira uma silenciosa opção que aceita sem maiores sobressaltos a omissão quanto os meios de impor a obrigação de adimplir na obrigação alimentar. Melhor seria o legislador pátrio inserir norma que estabelecesse formas alternativas de coagir o devedor de alimentos a possibilitar meios de sobrevivência digna àqueles que dele dependem. Os serviços prestados em entidades filantrópicas por algumas horas semanais, a vedação de abrir e movimentar contas em bancos, a proibição de viagens, a inscrição em cadastros restritivos de crédito, a frequência compulsória a reuniões com profissionais psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, pedagogos, psiquiatras, e outros, todos voltados a demonstrar os prejuízos advindos da falta de cumprimento da obrigação, tudo poderia ser analisado e inserido na legislação, de forma a possibilitar o atendimento das obrigações alimentícias. Evidentemente que outras formas poderão ser adotadas, com muito mais eficácia, para atingir o objetivo aqui apontado. Entretanto, não há como não admitir que a legislação atual conduziu a jurisprudência a enveredar por trilhas que desaguarão, dentro de curto espaço de tempo, na inaplicabilidade da prisão civil por débito alimentar. E tal acontecendo, os prejudicados serão milhares de crianças, adolescentes, enfermos e pessoas excluídas do mercado de trabalho, elevando em muito o custo social enfrentado pela nação.

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excepcionais, mediante condições simultâneas, isto é, que a pensão atual esteja sendo satisfeita ou, quando não, que se mostre justificável a inadimplência e que a demora exagerada na execução decorra de culpa exclusiva da credora. Inocorrência. Ademais, não caracterizada a alegada impossibilidade do devedor para quitar o débito de uma só vez, mostrando-se que há inadimplência voluntária e inescusável da obrigação alimentar. Recurso não provido. (TJSP, AI 134.567-4/Jaboticabal, 7ª CDPriv., Rel. Des. Leite Cintra, J. 01.03.2000, v.u.) (Juris Síntese Millennium, 26, Porto Alegre: Síntese)

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Medidas Provisórias Medida Provisória nº 694, de 30.09.2015 Altera a Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, para dispor sobre o imposto sobre a renda incidente sobre juros de capital próprio, a Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, e a Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005, para dispor sobre os benefícios fiscais do Regime Especial da Indústria Química e para suspender, no anocalendário de 2016, os benefícios fiscais de que tratam os arts. 19, 19-A e 26 desta Lei. (DOU – Ed. Extra de 30.09.2015)

Medida Provisória nº 693, de 30.09.2015 Altera a Lei nº 12.780, de 9 de janeiro de 2013, que dispõe sobre medidas tributárias referentes à realização, no Brasil, dos Jogos Olímpicos de 2016 e dos Jogos Paraolímpicos de 2016, e altera a Lei nº 10.593, de 6 de dezembro de 2002, para dispor sobre o porte de arma de fogo institucional pelos servidores integrantes da Carreira de Auditoria da Receita Federal do Brasil. (DOU – Ed. Extra de 30.09.2015)

Medida Provisória nº 692, de 22.09.2015 Altera a Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, para dispor acerca da incidência de imposto sobre a renda na hipótese de ganho de capital em decorrência da alienação de bens e direitos de qualquer natureza, e a Medida Provisória nº 685, de 21 de julho de 2015, que institui o Programa de Redução de Litígios Tributários – PRORELIT. (DOU – Ed. Extra de 22.09.2015)


2.186-16, DE 23.08.2001

Patrimônio Genético. Diversidade Biológica Previdência Social. Alteração na Legislação

2 .156-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene

2.187-13, DE 24.08.2001

2.157-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA

2.189-49, DE 23.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.158-35, DE 24.08.2001

Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação

2.190-34, DE 23.08.2001

Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999

2.159-70, DE 24.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.192-70, DE 24.08.2001

Proes. Bancos Estaduais

2.161-35, DE 23.08.2001

Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997

2.196-3, DE 24.08.2001

Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea

2.162-72, DE 23.08.2001

Notas do Tesouro Nacional – NTN

2.197-43, DE 24.08.2001

SFH. Disposições

2.163-41, DE 23.08.2001

Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998

2.198-5, DE 24.08.2001

Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica

2.164-41, DE 24.08.2001

Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT

2.199-14, DE 24.08.2001

IR. Incentivos Fiscais

2.165-36, DE 23.08.2001

Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte

2.200-2, DE 24.08.2001

Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil

2.166-67, DE 24.08.2001

Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965

2.206-1, DE 06.09.2001

Programa Nacional de Renda Mínima

2.167-53, DE 23.08.2001

Recebimento de Valores Mobiliários pela União

2.208, DE 17.08.2001

Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação

2.168-40, DE 24.08.2001

Cooperativas. Recoop. Sescoop

2.209, DE 29.08.2001

Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica – CBEE

2.169-43, DE 24.08.2001

Servidor Público. Vantagem de 28,86%

2.210, DE 29.08.2001

Orçamento. Crédito Extraordinário

2.170-36, DE 23.08.2001

Tesouro Nacional. Administração de Recursos

2.211, DE 29.08.2001

Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes

2.172-32, DE 23.08.2001

Usura. Agiotagem

2.213-1, DE 30.08.2001

Programa Bolsa-Renda. Estiagem

2.173-24, DE 23.08.2001

Anuidades Escolares

2.214, DE 31.08.2001

Administração Pública Federal. Recursos

2.174-28, DE 24.08.2001

União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV

2.215-10, DE 31.08.2001

Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração

2.177-44, DE 24.08.2001

Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998

2.220, DE 04.09.2001

Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU

2.178-36, DE 24.08.2001

Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola

2.224, DE 04.09.2001

Capitais Brasileiros no Exterior

2.179-36, DE 24.08.2001

União e Banco Central. Relações Financeiras

2.225-45, DE 04.09.2001

Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990 Alteração da CLT

2.180-35, DE 24.08.2001

Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação

2.226, DE 04.09.2001

2.181-45, DE 24.08.2001

Operações Financeiras do Tesouro Nacional

2.227, DE 04.09.2001

Plano Real. Correção Monetária. Exceção

2.183-56, DE 24.08.2001

Reforma Agrária. Alteração na Legislação

2.228-1, DE 06.09.2001

2.184-23, DE 24.08.2001

Carreira Policial. Gratificação

Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines

2.185-35, DE 24.08.2001

Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento

2.229-43, DE 06.09.2001

Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação

Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 31.08.2015) Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www. sintese.com. MP 676 678 679 679 679 684 682 681 681 681 680 680

DOU 18.06.2015 24.06.2015 24.06.2015 24.06.2015 24.06.2015 22.07.2015 13.07.2015 13.07.2015 13.07.2015 13.07.2015 07.07.2015 07.07.2015

ART 1º 1º 4º 5º 6º 1º 1º 1º 2º 3º 7º 8º

NORMA LEGAL Lei nº 8.213/91 Lei nº 12.462/11 Lei nº 11.977/09 Lei nº 12.035/09 Lei nº 11.473/07 Lei nº 13.019/2014 Lei nº 12.712/2012 Lei nº 10.820/2003 Lei nº 8.213/1991 Lei nº 8.112/1990 Lei nº 8.212/1991 Lei nº 8.036/1900

ALTERAÇÃO 29-C 1º 6º-A 5º 2º 83 e 88 38 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º 115 45 22 e 28 115

MP 687 687 688 688 688 689 690 690 691 691 691 691

DOU 18.08.2015 18.08.2015 18.08.2015 18.08.2015 18.08.2015 31.08.2015-extra 31.08.2015-extra 31.08.2015-extra 31.08.2015-extra 31.08.2015-extra 31.08.2015-extra 31.08.2015-extra

ART 1º 2º 2º 3º 4º 1º 8º 9º 12 15 16 18

NORMA LEGAL MP nº 2.228-1/ 2001 Lei nº 12.529/2011 Lei nº 10.848/2004 Lei nº 12.783/2013 Lei nº 9.478/1997 Lei nº 8.112/1990 Lei nº 9.430/1996 Lei nº 11.196/2005 Lei nº 9.636/1998 DL 3.438/1941 DL 9.760/1946 Lei nº 9.636/1998

ALTERAÇÃO 33 e 40 23 2º 8º e 15 2º 183 25, 27 e 29 28 a 30 37 4º 100 24 e 27

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Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.

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Outubro/2015 – Ed. 223

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MP 691 692 692 693 693 694 694 694 694 694 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.156-5 2.157-5 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.161-35 2.162-72 2.163-41 2.164-41

DOU 31.08.2015-extra 22.09.2015 22.09.2015 30.09.2015-extra 30.09.2015-extra 30.09.2015-extra 30.09.2015-extra 30.09.2015-extra 30.09.2015-extra 30.09.2015-extra 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001

ART 18 1º 3º 1º 2º 1º 2º 3º 5º 5º 32 32 32 32 32 2º e 93 3º e 93 10 e 93 19 e 93 34 e 75 64 69 70 72 73 73 e 93 75 82 93 93 93 93 93 93 1º e 6º 6º 1º 7º e 8º

NORMA LEGAL Lei nº 13.139/2015 Lei nº 8.981/1995, MP 685/2015 Lei nº 12.780/2013 Lei nº 10.593/2002 Lei nº 9.249/1995 Lei nº 10.865/2004 Lei nº 11.196/2005 Lei nº 11.196/2005 Lei nº 10.865/2004 DL 1.376/74 DL 2.397/87 Lei nº 8.034/90 Lei nº 9.532/97 DL 1.376/74 Lei nº 9.718/98 Lei nº 9.701/98 Lei nº 9.779/99 Lei nº 9.715/98 Lei nº 9.532/97 D nº 70.235/72 DL 1.455/76 Lei nº 9.430/96 Lei nº 8.218/91 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.532/97 Lei nº 8.981/95 Lei nº 9.432/97 LC 70/91 LC 85/96 Lei nº 7.714/88 Lei nº 9.004/95 Lei nº 9.493/97 Lei nº 9.491/97 Lei nº 9.094/95 Lei nº 9.605/98 Lei nº 7.998/90

2.164-41

27.08.2001

1º e 2º

CLT

2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.165-36 2.165-36 2.166-67

27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra

3º 4º 5º 6º 9º 10 13 13 1º

Lei nº 4.923/65 Lei nº 5.889/73 Lei nº 6.321/76 Lei nº 6.494/77 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.601/98 Lei nº 7.418/85 Lei nº 8.627/93 Lei nº 4.771/65

2.166-67 2.167-53 2.168-40 2.168-40 2.168-40 2.170-36 2.172-32 2.173-24 2.177-44

25.08.2001 24.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001

3º 2º e 3º 13 14 18 8º 7º 1º e 2º 1º e 8º

Lei nº 9.393/96 Lei nº 9.619/98 Lei nº 5.764/71 Lei nº 9.138/95 Lei nº 10.186/01 Lei nº 8.212/91 Lei nº 1.521/51 Lei nº 9.870/99 Lei nº 9.656/98

ALTERAÇÃO 1º 21 2º 18-A, 23-A, 23-B e 23-C 5º-A 9º 8º 19, 19-A, 26 e 56 56, 57, 57-A e 57-B 8º 1º e 11 12 1º 2º 1º 3º e 8º 1º 14 e 17 2º e 4º 1º e 64-A 1º, 25 e 64-A 1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A 63 11 e 12 1º e 64-A 9º e 15 1º, 15 e 64-A 29 11 6º e 7º Revogada 5º Revogada 7º 2º, 4º, 5º, 6º e 30 2º 79-A 2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C 58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652 1º 18 2º 1º 19-A, 20, 29-C e 29-D 2º 1º 6º 1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C 10 1º e 4º-A 88 2º 7º 60 4º, § 3º 1º e 6º 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I

MP 2.178-36 2.178-36 2.180-35

DOU 25.08.2001-extra 25.08.2001-extra 27.08.2001

ART 16 32 1º

NORMA LEGAL Lei nº 9.533/97 Lei nº 8.913/97 Lei nº 8.437/92

ALTERAÇÃO 4º Revogada 1º e 4º

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 9.494/97

2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.181-45 2.181-45 2.181-45 2.183-56 2.183-56 2.183-56 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.190-34 2.192-70 2.196-3 2.196-3 2.197-43 2.197-43 2.197-43 2.199-14 2.211 2.211 2.214 2.215-10 2.215-10

27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra 25.08.2001 25.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 30.08.2001 30.08.2001 01.09.2001-extra 01.09.2001 01.09.2001

6º 7º 8º 10 14 21 45 46 52 1º 3º 4º 2º 3º e 16 4º e 16 7º 16 10 11 13 14 7º e 8º 23 12 14 3º e 8º 4º e 8º 5º 18 1º 2º 1º 41 41

Lei nº 7.347/85 Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.704/98 CPC Lei nº 4.348/64 Lei nº 10.257/01 Lei nº 8.177/91 Lei nº 9.365/96 Lei nº 10.150/00 DL 3.365/41 Lei nº 8.177/91 Lei nº 8.629/93 Lei nº 6.015/73 Lei nº 8.212/91 Lei nº 8.213/91 Lei nº 9.639/98 Lei nº 9.711/98 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.250/95 Lei nº 9.430/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.294/96 Lei nº 9.496/97 Lei nº 8.036/90 Lei nº 7.827/89 Lei nº 8.692/93 Lei nº 4.380/64 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.995/00 Lei nº 10.266/01 Lei nº 10.261/01 Lei nº 8.448/92 Lei nº 8.460/92

2.217-3

05.09.2001

Lei nº 10.233/01

2.220 2.224 2.225-45 2.225-45

05.09.2001-extra 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001

15 4º 1º 2º, 3º e 15

Lei nº 6.015/73 Lei nº 4.131/62 Lei nº 6.368/76 Lei nº 8.112/90

2.225-45 2.225-45 2.226 2.226 2.228-1 2.228-1

05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001

4º 5º 1º 3º 51 52 e 53

Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.525/97 CLT Lei nº 9.469/97 Lei nº 8.685/93 Lei nº 8.313/91

2.229-43 2.229-43

10.09.2001 10.09.2001

72 74

Lei nº 9.986/00 Lei nº 8.745/93

1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B 1º e 2º 17 1º 741 4º 53 18 6º 1º 10, 15-A, 15-B e 27 5º 2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A 80 38, 55, 56, 68, 101 e 102 41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147 1º, 2º e 5º 7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 6º, II, 34 e 82, II, f 10 e 25 79 9º 2º, 3º e 7º 1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B 9º 9º-A 23 e 25 9º, 14 e 18 9º, 20, 23, 29-A e 29-B 4º 35 e 70 18, 34, 38 e 51 1º 6º 2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A 74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119 167, I 6º 3º 25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119 17 2º 896-A 6º 5º 3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º 22 4º


Normas Legais

Lei nº 13.165, de 29.09.2015

Altera as Leis nºs 9.504, de 30 de setembro de 1997, 9.096, de 19 de setembro de 1995, e 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral, para reduzir os custos das campanhas eleitorais, simplificar a administração dos Partidos Políticos e incentivar a participação feminina. Mensagem de veto (DOU de 29.09.2015 – Edição extra)

Lei nº 13.164, de 16.09.2015

Abre crédito extraordinário, em favor dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário, da Defesa e da Integração Nacional, no valor de R$ 904.756.882,00, para os fins que especifica. (DOU de 17.09.2015)

Lei nº 13.163, de 09.09.2015 Modifica a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, para instituir o ensino médio nas penitenciárias. Mensagem de veto (DOU de 10.09.2015) Lei nº 13.162, de 09.09.2015

Inscreve o nome de Rui Barbosa de Oliveira no Livro dos Heróis da Pátria. (DOU de 10.09.2015)


Indicadores

I – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas Para Outubro de 2015 Aplicação do IPCA-E a partir de Julho de 2009

Mês/Ano

1992

1993

1994

1995

1996

1997

2004

2005

2006

2007

2008

2009

JAN

0,00408636

0,00032529

0,01263388

3,30535035

2,51123244

2,29158221

JAN

1,63020238

1,60108790

1,55697073

1,52587742

1,50413795

1,47994319

FEV

0,00325659

0,00025662

0,00893233

3,23732445

2,48016588

2,27465875

FEV

1,62811838

1,59808350

1,55335762

1,52254457

1,50262031

1,47722510

MAR

0,00259262

0,00020302

0,00638662

3,17842505

2,45652186

2,25970847

MAR

1,62737305

1,59654763

1,55223225

1,52144761

1,50225526

1,47655917

ABR

0,00208628

0,00016137

0,00450238

3,10697094

2,43668964

2,24552577

ABR

1,62448471

1,59235178

1,54902113

1,51859872

1,50164109

1,47443893

MAIO

0,00172306

0,00012585

0,00308445

3,00287043

2,42072015

2,23166490

MAIO

1,62306615

1,58916867

1,54769785

1,51666952

1,50020839

1,47376984

JUN

0,00143816

0,00009780

0,00210629

2,90843077

2,40655038

2,21757443

JUN

1,62056077

1,58516297

1,54478130

1,51411218

1,49910505

1,47310841

JUL

0,00118807

0,00007519

3,94368509

2,82683970

2,39196180

2,20317668

JUL

1,61771198

1,58043273

1,54179485

1,51266909

1,49738904

1,47214269

AGO

0,00096052

0,05767275

3,75495533

2,74475772

2,37804785

2,18877454

AGO

1,61456035

1,57637357

1,53909988

1,51045024

1,49452851

1,46891107

SET

0,00077952

0,04325240

3,67659964

2,67508513

2,36321865

2,17513643

SET

1,61132964

1,57092873

1,53535975

1,50823916

1,49217982

1,46554033

OUT

0,00062172

0,03212925

3,58905890

2,62419413

2,34767703

2,16114518

OUT

1,60855006

1,56679709

1,53302801

1,50770845

1,48924601

1,46276108

NOV

0,00049710

0,02353274

3,49963961

2,58149618

2,33038788

2,14707539

NOV

1,60676976

1,56351371

1,53015896

1,50598861

1,48552329

1,46013284

DEZ

0,00040320

0,01728315

3,40031637

2,54488295

2,31155793

2,11464936

DEZ

1,60493051

1,56050350

1,52819981

1,50510060

1,48312359

1,45373640

Mês/Ano

Mês/Ano

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2010

2011

2012

2013

2014

2015

JAN

2,08733656

1,93641512

1,83147930

1,79387415

1,75379544

1,70598453

Mês/Ano JAN

1,44823312

1,36893724

1,28471606

1,21456190

1,14745728

1,07781888

FEV

2,06368875

1,92646876

1,82755190

1,79142169

1,74926310

1,69770314

FEV

1,44074126

1,35861179

1,27641933

1,20396699

1,13982048

1,06831091

MAR

2,05452352

1,91061448

1,82330724

1,79076269

1,74721711

1,69074403

MAR

1,42732441

1,34555986

1,26968997

1,19583531

1,13189720

1,05428887

ABR

2,03620783

1,88867936

1,81922853

1,78768073

1,74415089

1,68437373

ABR

1,41951707

1,33753465

1,26652367

1,19000429

1,12369423

1,04137581

MAIO

2,02664208

1,87724319

1,81686478

1,78492124

1,74004959

1,67735568

MAIO

1,41273594

1,32731433

1,26110093

1,18396606

1,11499726

1,03035105

JUN

2,01747669

1,86649034

1,81234841

1,78166614

1,73639968

1,66959207

JUN

1,40389142

1,31808772

1,25470195

1,17854475

1,10856756

1,02420582

JUL

2,00761328

1,86070726

1,80847827

1,77907225

1,73365703

1,66266541

JUL

1,40122909

1,31506307

1,25244755

1,17408324

1,10338167

1,01416525

AGO

1,99662585

1,85526577

1,80568487

1,77474011

1,72906464

1,65362833

AGO

1,40249133

1,31374932

1,24832806

1,17326195

1,10150910

1,00821677

SET

1,98916846

1,84981805

1,80203575

1,76866298

1,72478545

1,64697783

SET

1,40319292

1,31021175

1,24347850

1,17138773

1,09996915

1,00390000

OUT

1,98023364

1,84480940

1,80016718

1,76579004

1,72142007

1,64145597

OUT

1,39885647

1,30330424

1,23753831

1,16823350

1,09569593

1,00000000

NOV

1,96278060

1,84064035

1,79780127

1,76066124

1,71666833

1,63619887

NOV

1,39023700

1,29785326

1,22954626

1,16265277

1,09046172

DEZ

1,95081043

1,83697008

1,79565188

1,75727321

1,71214143

1,63329813

DEZ

1,37838291

1,29191047

1,22294237

1,15606321

1,08633365

OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.


Tabela para Atualização Diária de Débitos Trabalhistas ATUALIZAÇÃO DE DÉBITOS TRABALHISTAS (tabelas atualizadas em 03.09.2015) • Conforme decisão proferida em 04.08.2015 pelo Tribunal Pleno do TST (Processo nº TST-ArgInc-479-60.2011.5.04.0231), a atualização monetária dos débitos trabalhistas pela TR, prevista no art. 39 da Lei nº 8.177/1991, foi declarada inconstitucional. • Para substituir a TR, foi eleito o IPCA-E (Índice de Preços ao Consumidor Amplo-Especial). • À decisão foi atribuído efeito modulatório, para que o novo índice seja aplicado a partir de 30 de junho de 2009. Em decorrência de tal decisão, fomos solicitados a alterar a tabela de atualização de débitos trabalhistas, conforme Ofício CSJT Setic nº 35, de 18.08.2015, da Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. PRINCIPAIS ALTERAÇÕES Os usuários perceberão duas importantes diferenças na atualização:

2. Tal descompasso é um óbice à correção pro rata die do índice, pois não há como obter índices diários do mês corrente. Além disso, a natureza de índice inflacionário é conceitualmente incompatível com prorratização diária. Assim, o IPCA-E vigora fixo no mês inteiro, calculando-se apenas os juros até a data do pagamento, conforme § 1º do art. 39 da Lei nº 8.177/1991.

Outubro/2015 – Ed. 223

1. A TR é um índice prefixado, ou seja, a sua variação é divulgada para o mês seguinte. O IPCA-E, como índice de preços, é pós-fixado: a variação medida é a inflação do mês anterior.

96


2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.

Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.

Juros Capitalizados Mensalmente Nº Meses

% Efetivo

Nº Meses

% Efetivo

Nº Meses

% Efetivo

01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16

1,0000 2,0100 3,0301 4,0604 5,1010 6,1520 7,2135 8,2856 9,3685 10,4622 11,5668 12,6825 13,8093 14,9474 16,0968 17,2578

17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32

18,4304 19,6147 20,8108 22,0190 23,2391 24,4715 25,7163 26,9734 28,2431 29,5256 30,8208 32,1290 33,4503 34,7848 36,1327 37,4940

33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 –

38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –

II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989

Outubro/2015 – Ed. 223

Vigência

97

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

01.10.1989

NCz$

381,73

Decreto nº 98.211/89

02.10.1989

Vigência 01.09.1990

Cr$

6.056,31

Port. 3.588/90

03.09.1990

01.11.1989

NCz$

557,33

Decreto nº 98.346/89

31.10.1989

01.10.1990

Cr$

6.425,14

Port. 3.628/90

01.10.1990

01.12.1989

NCz$

788,18

Decreto nº 98.456/89

01.12.1989

01.11.1990

Cr$

8.329,55

Port. 3.719/90

01.11.1990

01.01.1990

NCz$

1.283,95

Decreto nº 98.783/89

29.12.1989

01.12.1990

Cr$

8.836,82

Port. 3.787/90

03.12.1990

Cr$

12.325,50

Port. 3.828/90

31.12.1990

01.02.1990

NCz$

2.004,37

Decreto nº 98.900/90

01.02.1990

01.01.1991

01.03.1990

NCz$

3.674,06

Decreto nº 98.985/90

01.03.1990

01.02.1991

Cr$

15.895,46

MP 295/91

01.02.1991

01.04.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.143/90

24.04.1990

01.03.1991

Cr$

17.000,00

Lei nº 8.178/91

04.03.1991

Cr$

42.000,00

Lei nº 8.222/91

06.09.1991

01.05.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.352/90

23.05.1990

01.09.1991

01.06.1990

Cr$

3.857,76

Port. 3.387/90

04.06.1990

01.01.1992

Cr$

96.037,33

Port. 42/92

21.01.1992

01.07.1990

Cr$

4.904,76

Port. 3.501/90

16.07.1990

01.05.1992

Cr$

230.000,00

Lei nº 8.419/92

08.05.1992

01.08.1990

Cr$

5.203,46

Port. 429/90

01.08.1990

01.09.1992

Cr$

522.186,94

Port. 601/92

31.08.1992


Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

01.01.1993

Cr$

1.250.700,00

Lei nº 8.542/92

24.12.1992

Vigência 03.04.2000

R$

151,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.03.1993

Cr$

1.709.400,00

Port. Interm. 4/93

01.03.1993

01.04.2001

R$

180,00

MP 2.142/01 (atual 2.194-6)

30.03.2001

01.05.1993

Cr$

3.303.300,00

Port. Interm. 7/93

04.05.1993

01.04.2002

R$

200,00

Lei nº 10.525/02

28.03.2002

01.07.1993

Cr$

4.639.800,00

Port. Interm. 11/93

01.08.1993

01.04.2003

R$

240,00

Lei nº 10.699/03

10.07.2003

01.08.1993

CR$

5.534,00

Port. Interm. 12/93

03.08.1993

01.05.2004

R$

260,00

Lei nº 10.888/04

25.06.2004

01.09.1993

CR$

9.606,00

Port. Interm. 14/93

02.09.1993

01.05.2005

R$

300,00

Lei nº 11.164/05

19.08.2005

01.10.1993

CR$

12.024,00

Port. Interm. 15/93

04.10.1993

01.04.2006

R$

350,00

MP 288/06

31.03.2006

01.11.1993

CR$

15.021,00

Port. Interm. 17/93

03.11.1993

01.04.2006

R$

350,00

Lei nº 11.321/06

10.07.2006

01.12.1993

CR$

18.760,00

Port. Interm. 19/93

02.12.1993

01.04.2007

R$

380,00

MP 362/07

30.03.2007-extra

01.01.1994

CR$

32.882,00

Port. Interm. 20/93

31.12.1993

01.04.2007

R$

380,00

Lei nº 11.498/07

29.06.2007

01.02.1994

CR$

42.829,00

Port. Interm. 02/94

02.02.1994

01.03.2008

R$

415,00

MP 421/08

29.02.2008-extra

01.03.1994

URV

64,79

Port. Interm. 04/94

03.03.1994

01.02.2009

R$

465,00

MP 456/09

30.01.2009-extra

01.07.1994

R$

64,79

Lei nº 9.069/95

30.06.1994/30.06.1995

01.01.2010

R$

510,00

MP 474/09

24.12.2009

01.09.1994

R$

70,00

Lei nº 9.063/95

01.09.1994/20.06.1995

01.01.2011

R$

540,00

MP 516/10

31.12.2010

01.05.1995

R$

100,00

Lei nº 9.032/95

29.04.1995

01.03.2011

R$

545,00

Lei nº 12.382/11

28.02.2011

01.05.1996

R$

112,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2012

RS

622,00

Decreto nº 7.655/11

26.12.2011

01.05.1997

R$

120,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2013

R$

678.00

Decreto nº 7.872/11

26.12.2012

01.05.1998

R$

130,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2014

R$

724,00

Decreto nº 8.166/13

24.12.2013

01.05.1999

R$

136,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2015

R$

788,00

Decreto nº 8.381/14

29.12.2014

Salário-de-benefício mínimo Salário-de-benefício máximo Renda mensal vitalícia Salário-família:

R$ 788,00 R$ 4.663,75 R$ 788,00 I - R$ 37,18 (trinta e sete reais e dezoito centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos);

II - R$ 26,20 (vinte e seis reais e vinte centavos) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos) e igual ou inferior a R$ 1.089,72 (um mil e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos). Benefícios a idosos e portadores de deficiência Um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995)

Outubro/2015 – Ed. 223

III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Abril/2015)

98


8 – Tabela de contribuição (empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso) para pagamento de remuneração Salário-de-contribuição (R$)

9 – Escala de salários-base para os segurados contribuinte individual e facultativo

Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)

Até R$ 1.399,12

8,00*

De R$ 1.399,13 até 2.331,8

9,00*

De R$ 2.331,89 até 4.663,75

11,00*

* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.

Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.

IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL Base de cálculo em R$

Alíquota %

Parcela a deduzir do imposto em R$

-

-

De 1.903,99 até 2.826,65

7,5

142,80

De 2.826,66 até 3.751,05

15,0

354,80

De 3.751,06 até 4.664,68

22,5

636,13

Acima de 4.664,68

27,5

869,36

Até 1.903,98

Outubro/2015 – Ed. 223

Dedução por dependente

99

TABELA PROGRESSIVA ANUAL O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.

189,59

V – Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho Novos valores para Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho (Ato nº 397/2015 do TST, DJe de 13.07.2015, vigência a partir de 01.08.2015) Recurso Ordinário

R$ 8.183,06

Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória

R$16.366,10

Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.


VI – Indexadores Indexador

Abril

Maio

Junho

Julho

Agosto

Setembro

INPC IGPM UFIR SELIC

0,71 1,17

0,99 0,41

0,77 0,67

0,58 0,69

0,28 0,25

0,51 0,95

Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º.

0,95

0,99

1,07

1,18

Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75

TDA

1,11

1,11

Valores nominais reajustados – Reais 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 157,23

(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.

VII – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais Mês/Ano

1992

JAN 11.230,659840 FEV 14.141,646870 MAR 17.603,522023 ABR 21.409,403484 MAIO 25.871,123170 JUN 32.209,548346 JUL 38.925,239176 AGO 47.519,931986 SET 58.154,892764 OUT 72.100,436048 NOV 90.897,019725 DEZ 111.703,347540

1993 140.277,063840 180.634,775106 225.414,135854 287.583,354522 369.170,752199 468.034,679637 610.176,811842 799,392641 1065,910147 1445,693932 1938,964701 2636,991993

1994 3631,929071 5132,642163 7214,955088 10323,157739 14747,663145 21049,339606 11,346741 12,036622 12,693821 12,885497 13,125167 13,554359

1995 13,851199 14,082514 14,221930 14,422459 14,699370 15,077143 15,351547 15,729195 15,889632 16,075540 16,300597 16,546736

1996 16,819757 17,065325 17,186488 17,236328 17,396625 17,619301 17,853637 18,067880 18,158219 18,161850 18,230865 18,292849

1997 18,353215 18,501876 18,585134 18,711512 18,823781 18,844487 18,910442 18,944480 18,938796 18,957734 19,012711 19,041230

Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

1998

1999

2000

2001

2002

2003

19,149765 19,312538 19,416825 19,511967 19,599770 19,740888 19,770499 19,715141 19,618536 19,557718 19,579231 19,543988

19,626072 19,753641 20,008462 20,264570 20,359813 20,369992 20,384250 20,535093 20,648036 20,728563 20,927557 21,124276

21,280595 21,410406 21,421111 21,448958 21,468262 21,457527 21,521899 21,821053 22,085087 22,180052 22,215540 22,279965

22,402504 22,575003 22,685620 22,794510 22,985983 23,117003 23,255705 23,513843 23,699602 23,803880 24,027636 24,337592

24,517690 24,780029 24,856847 25,010959 25,181033 25,203695 25,357437 25,649047 25,869628 26,084345 26,493869 27,392011

28,131595 28,826445 29,247311 29,647999 30,057141 30,354706 30,336493 30,348627 30,403254 30,652560 30,772104 30,885960

Outubro/2015 – Ed. 223

Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.

100


Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

2004

2005

2006

2007

2008

2009

31,052744 31,310481 31,432591 31,611756 31,741364 31,868329 32,027670 32,261471 32,422778 32,477896 32,533108 32,676253

32,957268 33,145124 33,290962 33,533986 33,839145 34,076019 34,038535 34,048746 34,048746 34,099819 34,297597 34,482804

34,620735 34,752293 34,832223 34,926270 34,968181 35,013639 34,989129 35,027617 35,020611 35,076643 35,227472 35,375427

35,594754 35,769168 35,919398 36,077443 36,171244 36,265289 36,377711 36,494119 36,709434 36,801207 36,911610 37,070329

37,429911 37,688177 37,869080 38,062212 38,305810 38,673545 39,025474 39,251821 39,334249 39,393250 39,590216 39,740658

39,855905 40,110982 40,235326 40,315796 40,537532 40,780757 40,952036 41,046225 41,079061 41,144787 41,243534 41,396135

Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

2010

2011

2012

2013

2014

2015

41,495485 41,860645 42,153669 42,452960 42,762866 42,946746 42,899504 42,869474 42,839465 43,070798 43,467049 43,914759

44,178247 44,593522 44,834327 45,130233 45,455170 45,714264 45,814835 45,814835 46,007257 46,214289 46,362174 46,626438

46,864232 47,103239 47,286941 47,372057 47,675238 47,937451 48,062088 48,268754 48,485963 48,791424 49,137843 49,403187

49,768770 50,226642 50,487820 50,790746 51,090411 51,269227 51,412780 51,345943 51,428096 51,566951 51,881509 52,161669

52,537233 52,868217 53,206573 53,642866 54,061280 54,385647 54,527049 54,597934 54,696210 54,964221 55,173085 55,465502

55,809388 56,635366 57,292336 58,157450 58,570367 59,150213 59,605669 59,951381 60,101259 60,407775

Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.

Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967

NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990

NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970

Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993

Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986

CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994

Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988

R$ (real): de jul./1994 em diante

Exemplo: Atualização, até setembro de 2015, do valor de Cz$1.000,00 fixado em janeiro de 1988 Cz$1.000,00 : 596,94 (janeiro/1988) x 60,101259 (setembro/2015) = R$ 100,68

Outubro/2015 – Ed. 223

Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:

101

Out./1964 a fev./1986: ORTN Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989 Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989) Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice) Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002. Fonte: Site do Tribunal de Justiça de São Paulo * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.


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Jornal Jurídico Outubro/2015 – Edição 223


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