Jornal Jurídico Setembro 2016

Page 1

Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes Antonio Baptista Gonçalves – p. 1

A Gratuidade da Justiça no Novo Código de Processo Civil – Handel Martins Dias – p. 17 A Dimensão Política do Direito Administrativo Constitucionalizado: uma Elevação Teórica e Prática do Direito Administrativo em Prol da Concretização dos Direitos Fundamentais – Clóvis Mendes Leite Reimão dos Reis – p. 30 Desapropriação. Valorização Decorrente da Expectativa de Implantação do Melhoramento Público – Kiyoshi Harada – p. 41 A Terceirização e a Função Social do Contrato – Maria do Perpetuo Socorro Wanderley de Castro – p. 44 Educação Ambiental – Luiz Carlos Aceti Júnior e Eliane Cristine Avilla Vasconcelos – p. 57 Acórdão na Íntegra – Superior Tribunal de Justiça – p. 68 Pesquisa Temática – Terceirização – p. 72 Jurisprudência Comentada – Indenização à Concubina por Serviços Prestados – Euclides de Oliveira – p. 75 Medida Provisória – p. 80 Normas Legais – p. 83 Indicadores – p. 84

Jornal Jurídico Setembro/2016 – Edição 234


Doutrina

Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes ANTONIO BAPTISTA GONÇALVES

Advogado, Membro da Associação Brasileira dos Constitucionalistas, Pós-Doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP, Pós-Doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza. Doutor e Mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP, Especialista em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra, Especialista em International Criminal Law: Terrorism’s New Wars and ICL’s Responses pelo Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali, Especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, Pós-Graduado em Direito Penal – Teoria dos delitos pela Universidade de Salamanca, Pós-Graduado em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

RESUMO: O tráfico de pessoas é uma realidade ainda em pleno século XXI, em especial envolvendo mulheres e crianças. O motivo é decorrente da facilidade da operação, seu baixo custo e o elevado lucro. As redes criadas a fim de cooptar mulheres e crianças e as enviar a outros países para servirem de mão de obra barata ou até mesmo de escravas sexuais ensejou a criação de um sistema internacional de combate ao tráfico de pessoas ao qual o Brasil é signatário. Assim, veremos como que se desenvolve a proteção às mulheres e crianças e porque, mesmo diante da proteção legal os números decorrentes do tráfico de pessoas não para de crescer. PALAVRAS-CHAVE: Tráfico Internacional de Pessoas; Turismo sexual; Dignidade da pessoa humana. SUMÁRIO: Introdução; 1 Conceito de tráfico de pessoas; 2 O legislador brasileiro e o combate ao tráfico de pessoas; 3 O Brasil e a questão do estereótipo; 4 Os instrumentos penais de repressão ao tráfico de pessoas; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO Tráfico de pessoas, tema inquietante e por vezes abordado nos filmes da indústria cinematográfica. A visão leiga que se tem do assunto é de uma realidade de tempos há muitos superados, quando se trazia mão de obra escrava por meio dos navios. Contudo, em dias correntes, o tráfico de mulheres e crianças ainda se faz bem presente em virtude e decorrência do baixo custo e do elevado lucro na operação. Iremos abordar neste estudo como o tráfico de pessoas é tratado pela legislação no Brasil e quais as medidas tomadas pelo legislador pátrio no sentido de coibir e combater o traficante de pessoas. Apresentaremos as medidas tomadas a partir de 2006 com a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que, entre outras coisas, alterou o Código Penal, ratificou o Protocolo de Palermo e manteve o espírito trazido pela Constituição Federal de 1988 em proteger a dignidade da pessoa humana. Com isso, um conjunto de instrumentos protetivos foi criado a fim de proteger, em especial, mulheres e crianças dos aliciadores internacionais, em total consonância com os dispositivos internacionais relacionados ao tema. Para tanto, iremos, inicialmente, apresentar o conceito de tráfico e de tráfico de pessoas, para, posteriormente, analisar como o ordenamento jurídico brasileiro se porta ante ao tema.


Tendo a mesma origem de tráfego, no sentido econômico, tráfico é o próprio comércio, ou seja, o conjunto de relações, ou de transações fundamentais da economia política, derivadas do câmbio, ou da troca. Assim, todos os fatos ocorridos no mercado, destinados à formação dos preços, ou à distribuição das riquezas, desde que se desenvolvam sobre uma base econômica de câmbio, formulam fenômenos de tráfico1. E o que vem a ser tráfico de pessoas? Sobre o tema, Francisco Rezek: O tráfico de pessoas é definido no Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças, como o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. É o inconcebível comércio de pessoas, que para nossa extrema consternação dá provas de sobrevivência no limiar do século XXI.2

Na mesma esteira, Alberto Goldman: O tráfico de pessoas é uma das atividades mais antigas da Humanidade. Seja em razão das guerras de conquista, em que povos inteiros eram escravizados ou transformavam-se em mercadoria para venda, seja em razão da troca de favores que era realizada entre os poderosos da época. Mas é na era moderna que esse tipo de tráfico transforma-se em uma operação mercantil propriamente dita, a partir do desenvolvi1 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Atualizadores Nagib Slaibi Filho e Priscila Pereira Vasques Gomes. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 1408. 2 REZEK, Francisco. In: MARZAGÃO JÚNIOR, Laerte I. (Org.). Tráfico de pessoas. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 7.

mento do sistema capitalista de produção, em que tudo se transforma em mercadoria e tudo depende do mercado que se forma. Mas é ainda na nossa era contemporânea que o tráfico adquire sofisticação nas suas mais diversas modalidades e passa a ser não só uma atividade empresarial de cunho criminoso, mas, também, alimento para atividades empresariais consideradas lícitas; ainda que mascarem a ilegalidade da recepção de seres humanos recrutados pelo crime organizado.3

Desta feita, temos que o tráfico é o transporte clandestino de pessoas de um lugar para o outro com o escopo fundamental do lucro. De acordo com pesquisa realizada pela BBC na Europa, em 2002, 15% das mulheres obrigadas a se prostituir na Europa seriam brasileiras, somando aproximadamente 75 mil mulheres, o que levaria o País ao posto de maior “exportador de escravas” da América do Sul; 95% delas teriam sido traficadas4. Em estatística advinda do relatório da Organização Internacional de Migrações (OIM), o tráfico de mulheres gera receitas anuais de US$ 32 bilhões no mundo todo, e 85% desse dinheiro vem da exploração sexual5. Sobre o tema, Flávia Piovesan: 3 GOLDMAN, Alberto. In: MARZAGÃO JÚNIOR, Laerte I. (Org.). Op. cit., p. 9. 4 Os principais países de destino são a Federação Russa, o Haiti, o Iêmen, a Tailândia e o Cazaquistão. Embora em menor escala, em relação à Argentina, o Brasil é também tido como ponto de chegada de pessoas traficadas de países como a Bolívia e o Paraguai. 5 De acordo com o relatório, o lucro total anual produzido com o tráfico de seres humanos chega a 31,6 bilhões de dólares. Os países industrializados respondem por metade dessa soma (15,5 bilhões de dólares), ficando o resto com Ásia (9,7 bilhões de dólares), países do Leste Europeu (3,4 bilhões de dólares), Oriente Médio (1,5 bilhão de dólares), América Latina (1,3 bilhão de dólares) e África subsaariana (159 milhões de dólares) (Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Brasília: OIT, 2006. p. 13). Fonte: http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/tip/pub/ trafico_de_pessoas_384.pdf, acesso em 10 de fevereiro de 2016.

Setembro/2016 – Ed. 234

1 CONCEITO DE TRÁFICO DE PESSOAS

2


Na ordem contemporânea, o comércio de pessoas constitui uma das práticas mais rentáveis do mundo, juntamente com o tráfico de armas e o de drogas, chegando a movimentar mais de US$12 bilhões ao ano. A Organização Internacional de Migração estima que cerca de 4 milhões de pessoas são traficadas, por ano, no mundo.6

A maioria das aliciadas é composta por afrodescendentes, de classes populares, com baixa escolaridade. São jovens que vivem nas periferias das cidades, exercem trabalho subalterno sem qualquer garantia e já sofreram algum tipo de violência social ou sexual. Em eventos de grande porte, quando os locais possuem um incremento considerável de turistas, os números advindos do turismo sexual também aumentam. À guisa de ilustração, temos uma breve análise sobre o tema relacionado à Copa do Mundo na África do Sul e na Alemanha em 2010 e em 2006, respectivamente.

Setembro/2016 – Ed. 234

Na África do Sul, durante a Copa do Mundo de 2010, segundo a ONG sueca ChildHood, foram registrados 40 mil casos de exploração infantil (aumento de 63%) e 73 mil ocorrências de abusos contra mulheres (83% a mais) nos dois meses entre a chegada das delegações, os jogos e o término do evento7.

3

Quatro anos antes, no Mundial da desenvolvida Alemanha, foram contabilizados 20 mil casos contra crianças (aumento de 28%) e 51 mil contra mulheres (49% a mais). Nas Olimpíadas da Grécia, em 2012, foram 33 mil casos contra crianças (87% a mais) e 80 mil casos contra mulheres (78% de acréscimo)8. 6 PIOVESAN, Flávia. In: MARZAGÃO JÚNIOR, Laerte I. (Org.). Op. cit., p. 11. 7 Disponível em: <http://www.brasilpost.com.br/2014/03/23/prostituicao-infantil_n_5018402.html>. Acesso em: 10 ago. 2014. 8 Disponível em: <http://www.brasilpost.com.br/2014/03/23/prostituicao-infantil_n_5018402.html>. Acesso em: 10 ago. 2014.

Resta necessário esclarecer o que é o tráfico de crianças e mulheres. Assim, temos a definição do Protocolo da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, em seu art. 3º: Para efeitos do presente Protocolo: [...] Art. 3º a) A expressão “tráfico de pessoas” significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos; b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente Artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a); c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração serão considerados “tráfico de pessoas” mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos da alínea a) do presente Artigo; d) O termo “criança” significa qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos.

Agora que já é claro qual o problema, temos de identificar os responsáveis por tais crimes: referimo-nos aos aliciadores, aos turistas sexuais e às redes de agenciamento e favorecimento. Os turistas sexuais que se envolvem com crianças e adolescentes provêm de diversas profissões e condições sociais – podem ser casados ou solteiros, homens ou mulheres, turistas ricos ou


O anonimato, a disponibilidade de meninos, meninas e adolescentes, unidos ao fato de estarem distantes das restrições morais e sociais que normalmente imperam em seu comportamento, podem resultar em uma conduta abusiva por parte do turista em outra cidade ou país9. Já as redes de agenciamento e favorecimento são as que facilitam o transporte e o alojamento de mulheres, crianças e adolescentes traficadas para fins de exploração sexual. Podem ser empresas de fachada, proprietários, empregados ou intermediários que atuam em determinados locais com o objetivo de lucrar com a exploração10: − rede de entretenimento (shopping centers, boates, bares, restaurantes, motéis, barracas de praia, lanchonetes, danceterias, casas de shows, quadras de escolas de samba, prostíbulos, casas de massagens...); − rede do mercado da Moda (fashion): agências de modelos (fotográficos, vídeos, filmes) e da moda; 9 Algunas perguntas sobre la explotación sexual comercial de la niñez, y sus respuestas – Folleto informativo de ECPAT International. Fonte: http:// dtxtq4w60xqpw.cloudfront.net/sites/all/files/docpdf/peruguidespectators. pdf. Acesso em 9 de fevereiro de 2016. 10 Pesquisa sobre o Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil. Relatório Nacional. Brasil: Cecria, 2002. Fonte: https://www.mprs.mp.br/areas/infancia/arquivos/trafico. pdf. Acesso em 10 de fevereiro de 2016.

− rede de agências de emprego: empregadas domésticas, baby-sitters, acompanhantes de viagens e trabalho artísticos (dançarinas, cantoras...); − rede de agências de casamento. Entre as formas de inserção nas redes do tráfico, o casamento é a que envolve a maior dificuldade de caracterização, devido ao envolvimento afetivo e amoroso, característico do relacionamento interpessoal. − rede de telessexo: anúncios de jornais, Internet e TVs (circuito interno); − rede da indústria do turismo: agências de viagem, hotéis, spas/resorts, taxistas, transporte do turista11. Quadrilhas perseguem as jovens e as adolescentes por meio de contatos diretos com familiares, amigos ou amigos de amigos, bem como pela publicação de anúncios que oferecem falsos empregos de empregadas, babás – invariavelmente trabalhos para mulheres. A sua maioria é traficada por quadrilhas criminosas ou por empresários individuais que lhes prometem uma vida melhor e a oportunidade de ganhar muito dinheiro. Uma vez passada a fronteira, elas serão leiloadas e vendidas ao seu próximo dono. Na maioria dos casos, os “contratantes” se encarregam das despesas da viagem. Assim, quando as mulheres chegam a seu destino, já têm uma dívida contraída e serão obrigadas a pagar o débito, servindo até dezenas de clientes por dia, sete dias por semana.

Setembro/2016 – Ed. 234

viajantes de orçamentos limitados; podem ser pedófilos, com um desejo premeditado por crianças, ou viajantes que não planejam a sua viagem com a intenção de explorar crianças e adolescentes.

11 Idem, idem.

4


As suas dívidas nunca podem ser pagas porque têm que pagar metade de tudo o que ganham ao dono do bordel e o resto ao traficante. É-lhes dito que, se pedirem ajuda à polícia, serão presas e as suas famílias terão que pagar por isso nos seus países. Frequentemente, elas são ameaçadas de tortura e morte se tentarem escapar; para a maioria, encontrar uma maneira de regressar à casa seria impossível de qualquer maneira. Algumas que ousaram escapar foram rapidamente retraficadas. A corrupção nesse meio é enorme e abrange desde a indústria de produção de documentos falsos e o envolvimento de autoridades públicas até a lavagem dos lucros obtidos com os negócios ilícitos.

Setembro/2016 – Ed. 234

A Conferência Episcopal Portuguesa chamou-lhe “um crime pior que a escravatura”. Mas é de escravatura, precisamente, que vive o tráfico de pessoas, forçadas a trabalhar muitas vezes até à morte, como acontece com as vítimas das redes de prostituição.

5

2 O LEGISLADOR BRASILEIRO E O COMBATE AO TRÁFICO DE PESSOAS Agora, iremos apresentar como o Brasil enfrenta a questão do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças. Nessa esteira, não podemos deixar de mencionar uma importante modalidade de tráfico de pessoas que afeta basicamente mulheres e crianças: o turismo sexual, que se espalha como uma epidemia em vários países, e seus efeitos assolam também o Brasil. Turismo sexual é uma conotação explicita à prostituição forçada advinda do tráfico de mulheres, crianças e adolescentes.

Segundo Damásio de Jesus12, as principais causas do tráfico de seres humanos e de fluxo imigratório são a ausência de direitos ou a baixa interpretação das regras internacionais de direitos humanos, a discriminação de gênero, a violência contra a mulher, a pobreza, a desigualdade de oportunidades e de renda, a instabilidade econômica, as guerras, os desastres naturais e a instabilidade política. Os brasileiros do sexo masculino são os principais aliciadores para o tráfico humano internacional, que movimenta cerca de R$ 9 bilhões por ano no mundo. Se o mal é nítido, o que impulsiona uma mulher a aceitar a proposta dos aliciadores? A primeira resposta que nos vem é o dinheiro. Entretanto, com uma análise pormenorizada, descobriremos que existem dois tipos de ganho: o incremento de renda por meio da venda do próprio corpo e uma busca de sobrevivência e melhores condições. O que remonta que a mulher não consente com a proposta apenas por problemas sociais, etc.; também poderá fazê-lo como forma de ganhar mais dinheiro. Podemos citar entre outras necessidades: pobreza13, ausência de oportunidades de trabalho14, discriminação de gênero15, 12 JESUS, Damásio de. Tráfico internacional de mulheres e crianças – Brasil. São Paulo: Saraiva, 2002. 13 A pobreza faz com que as pessoas se submetam às ações dos traficantes por força da necessidade de sobrevivência em razão da falta de perspectivas de vida futura (Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Brasília: OIT, 2006. p. 15). http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/ files/topic/tip/pub/trafico_de_pessoas_384.pdf. Acesso em 10 de fevereiro de 2016. 14 Assim como a pobreza, a falta de meios de garantir a subsistência a curto e médio prazos e de perspectivas de ascensão social impulsiona as vítimas na direção dos traficantes (Idem, p. 16). 15 A percepção da mulher como objeto sexual, e não como sujeito com direito à liberdade,favorece toda forma de violência sexual. A percepção do


O desejo de escapar da miséria que aflige grande parte da população brasileira faz com que o anúncio de trabalho em outras regiões e países seja visto como ponto de obtenção de uma vida mais digna através de uma pseudoestabilidade financeira. Dentre as principais causas do tráfico, podemos enfatizar: pobreza, ausência de oportunidades de trabalho, violência doméstica, turismo sexual, discriminação de gênero emigração indocumentada, leis deficientes. homem como o provedor emocional e financeiro estabelece relações de poder entre ambos os sexos e entre adultos e crianças. Nesse contexto, mulheres, tanto adultas como crianças e adolescentes, são estimuladas a desempenhar o papel social de atender aos desejos e demandas do homem ou de quem tiver alguma forma de poder hierárquico sobre elas (Idem, ibidem). 16 Guerras civis,conflitos armados e violência urbana extremada têm efeitos devastadores sobre mulheres e crianças. As mulheres são particularmente vulneráveis a abusos sexuais e trabalhos domésticos forçados por parte de grupos armados (Idem, ibidem). 17 A violência doméstica − física, psicológica e sexual − gera um ambiente insuportável e impele a pessoa para a rua ou para moradia precárias (Idem, ibidem). 18 A emigração indocumentada, meio pelo qual as pessoas saem de seu país e tentam entrar, sem observância dos procedimentos legais, em outro país que ofereça melhores condições de vida e oportunidades de trabalho,coloca-as em alto grau de vulnerabilidade para diferentes tipos de crime, tais como o contrabando de migrantes e o tráfico de pessoas (Idem, p. 16 e 17). 19 O turista sexual pode interessar-se por mulheres ou adolescentes do local e, ao retornar ao seu país de origem, mantém o elo com o “agente” que arranjou o “pacote turístico” inicial e com a mulher ou adolescente até que ela seja enviada ao seu encontro ou, ainda, retorna de suas “férias” levando a mulher. Uma vez no país de destino, algumas vítimas são mantidas confinadas sob o disfarce de um casamento, ou de uma relação estável, e outras são colocadas no mercado do sexo local (Idem, p. 17).

Nesta ânsia, mulheres são enganadas e passam a ser exploradas como mercadorias na indústria do sexo. Mesmo as mulheres sendo um maior percentual, há inúmeros casos de crianças e adolescentes que são oferecidas por seus pais ofuscados com uma promessa de melhorarem de vida. Todas estas pessoas são submetidas a regimes análogos à escravidão, sendo via exploração sexual, trabalhos sob condições abusivas, mendicância forçada e servidão involuntária de órgãos para transplantes. O retorno ao seu país de origem torna-se uma utopia, visto que os traficantes retêm seus passaportes e outros documentos, criam dívidas permanentes além da coação de denunciá-las em alguma prática ilegal, para evitar que estas vítimas possam recorrer às Embaixadas e à justiça. A ONU reconhece que cerca de quatro milhões de pessoas desaparecem anualmente, sobressaindo-se mulheres e crianças do sexo feminino. Aproximadamente setenta e cinco mil brasileiras encontram-se aliciadas no mercado do sexo europeu. Os dados demonstram que as “saídas” de mulheres são especialmente direcionadas para as fronteiras com países da América do Sul, Japão e Europa.20

Assim, os aliciadores fazem de tudo para amealhar uma nova presa a seu já vasto rebanho: uso da força, fraude, corrupção, coação e outros meios horríveis que resultam na opressão, submissão e resignação de pessoas que se descobrem impotentes, desesperadas e vulneráveis21. Esteban J. Pérez Alonso elenca os novos elementos do tráfico de pessoas, entre os quais destacamosos itens B a F: 20 FERLIN, Danielly. Brasil: o berço do tráfico de mulheres e da exploração sexual. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/29110/brasil-o-berco-do-trafico-de-mulheres-e-da-exploracao-sexual#ixzz3AsBNLjt1>. Acesso em: 20 ago. 2014. 21 O tráfico de pessoas é uma atividade de baixos riscos e altos lucros. As mulheres traficadas podem entrar nos países com visto de turista, e as atividades ilícitas são facilmente camufladas em atividades legais, como o agenciamento de modelos, babás, garçonetes, dançarinas ou, ainda, mediante a atuação de agências de casamentos. (Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual..., cit., p. 13).

Setembro/2016 – Ed. 234

instabilidade política, econômica e civil em regiões de conflito16, violência doméstica17, emigração indocumentada18, turismo sexual19, etc. Sobre a busca de novas oportunidades, esclarece Danielly Ferlin:

6


B) O que caracteriza as condições de vida ao tráfico moderno é a desigualdade e a pobreza, e não as diferenças étnicas ou raciais que justificavam a velha escravidão; C) A escravidão antiga estava reconhecida legalmente e integrava o sistema produtivo, de modo que o dono poderia exercer sobre o escravo direito de propriedade. Por causa da relação formal, o investimento, além de ser alto e de risco, era de retorno demorado. A nova escravidão existe de fato, à margem da proibição legal, e se sustenta pela exploração econômica. Por isso é mais barata, descartável e substituível; D) É traço comum de toda escravidão a situação de domínio e controle absoluto a que se submete a pessoa traficada ou explorada; E) Corolário disso é o tratamento desumano e degradante, por tornar pessoa objeto, que nega sua dignidade;

Setembro/2016 – Ed. 234

F) Como consequência adicional, o domínio provoca a falta de liberdade, segurança e de autodeterminação pessoal, não havendo outra alternativa para a vítima a não ser aceitar ou resignar-se de sua situação, mesmo com o conhecimento de causa e plena compreensão da relação de domínio-submetimento existente entre as partes.22

7

Afora o lado negativo que é desconhecido por parte das vítimas, temos o lado supostamente positivo incentivado e defendido pelos aliciadores: a oportunidade de conhecer um novo país, aprender um novo idioma, um emprego estável, e, por fim, ter um status social melhor do ponto de vista estritamente financeiro. Essas e outras promessas são apenas alguns dos chamarizes ofertados a fim de atrair as mulheres para supostas condições de melhoria de vida, quando, em verdade, o que se vê é opressão, humilhação, degradação, entre outros problemas que vão frontalmente contra a defesa da dignidade da pessoa humana. 22 PÉREZ ALONSO, Esteban J. Consideraciones político-criminales sobre el fenômeno migratorio actual y el tráfico de personas. IBARRA, Juan Carlos Hortal (Coord.). Protección penal de los derechos de los trabajadores – Seguridad en el trabajo, tráfico ilegal de personas e inmigración clandestina. Buenos Aires: Edisofer, 2009. p. 419-427.

Sobre o tema, Anália Belisa Ribeiro: O princípio da dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua própria existência no mundo. Como crime organizado do Tráfico de Seres Humanos simplesmente ignora a máxima da dignidade humana, resta à sociedade e ao poder público prevenir e enfrentar esse tipo de prática criminosa, pautando suas condutas e decisões pela concretização do princípio da dignidade humana, verdadeiro progênie de todos os princípios – desde o momento da aplicação da pena aos infratores.23

Ciente de que o problema do tráfico de seres humanos representava uma realidade indesejada ao País, o Governo brasileiro desenvolveu medidas a fim de complementar o sistema protetivo, porém, agora, voltado de forma específica para o tráfico de pessoas. Com isso, o Brasil lançou, em 2006, uma Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Sobre o tema, Anália Belisa Ribeiro: Em 26 de outubro de 2006, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o Decreto nº 5.948/2006, promulgando a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, e organizou diversas iniciativas no âmbito do governo federal em torno desse tema. Embora sem caráter de lei, pela primeira vez na história brasileira, todas as diferentes formas de tráfico humano mencionadas no Protocolo Antitráfico Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças (conhecido por Protocolo de Palermo, ou melhor, Protocolo Humano), incluindo o trabalho escravo e formas similares à escravidão, bem como a remoção de órgãos, são oficialmente consideradas como constituintes do tráfico de pessoas.24

Importante destacar quais foram os princípios norteadores dessa Política25: I – respeito à dignidade da pessoa humana; 23 RIBEIRO, Anália Belisa. O enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil. In: MARZAGÃO JÚNIOR, Laerte I. (Org.). Op. cit., p. 68. 24 Idem, p. 70. 25 Ademais, temos as diretrizes básicas: I – fortalecimento do pacto fede-


rativo, por meio da atuação conjunta e articulada de todas as esferas de governo na prevenção e repressão ao tráfico de pessoas, bem como no atendimento e reinserção social das vítimas; II – fomento à cooperação internacional bilateral ou multilateral; III – articulação com organizações não-governamentais, nacionais e internacionais; IV – estruturação de rede de enfrentamento ao tráfico de pessoas, envolvendo todas as esferas de governo e organizações da sociedade civil; V – fortalecimento da atuação nas regiões de fronteira, em portos, aeroportos, rodovias, estações rodoviárias e ferroviárias, e demais áreas de incidência; VI – verificação da condição de vítima e respectiva proteção e atendimento, no exterior e em território nacional, bem como sua reinserção social; VII – incentivo e realização de pesquisas, considerando as diversidades regionais, organização e compartilhamento de dados; VIII – incentivo à formação e à capacitação de profissionais para a prevenção e repressão ao tráfico de pessoas, bem como para a verificação da condição de vítima e para o atendimento e reinserção social das vítimas; IX – harmonização das legislações e procedimentos administrativos nas esferas fiscal, estadual e municipal relativas ao tema; X – incentivo à participação da sociedade civil em instâncias de controle social das políticas na área de enfrentamento ao tráfico de pessoas; XI – incentivo à participação dos órgãos de classe e conselhos profissionais na discussão sobre tráfico de pessoas; e XII – garantia de acesso amplo e adequado a informações em diferentes mídias e estabelecimento de canais de diálogo, entre o Estado, sociedade e meios de comunicação, referentes ao enfretamento ao tráfico de pessoas (ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Tráfico de seres humanos e exploração do trabalho escravo. In: MARZAGÃO JÚNIOR, Laerte I. (Org.). Op. cit., p. 259 e 260. 26 Idem, p. 259.

O fato de o Brasil ter lançado essa política não significa que no País a ausência de proteção normativa era completa até então, visto que o País já era signatário da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, como se mostra claro com o Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004, em seu art. 2º: “Art. 2º Os objetivos do presente Protocolo são os seguintes: a) Prevenir e combater o tráfico de pessoas, prestando uma atenção especial às mulheres e às crianças; [...]”. O decreto é referente ao Protocolo para Prevenir, Reprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, especialmente de Mulheres e Crianças, relativo à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, que, entre outras coisas, define em seu art. 3º o tráfico de pessoas como “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos”. O mesmo protocolo, em seu art. 9º, incisos 4 e 5, impõe aos Estados-parte o dever de adotar medidas que mitiguem fatores como a pobreza, o subdesenvolvimento e a falta de oportunidades equitativas para todas as pessoas e também o de tomar todas as medidas cabíveis para desestimular a demanda que propicia qualquer forma de exploração, conducente ao tráfico de pessoas, especialmente de mulheres e crianças.

Setembro/2016 – Ed. 234

II – nãodiscriminação por motivo de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, procedência, nacionalidade, atuação profissional, raça, religião, faixa etária, situação migratória ou outro status; III – proteção e assistência integral às vítimas diretas e indiretas, independentemente de nacionalidade e de colaboração em processos judiciais; IV – promoção e garantia da cidadania e dos direitos humanos; e VI – transversalidade das dimensões de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, procedência, raça e faixa etária nas políticas públicas26.

Além desta Convenção, o Brasil também já era signatário de outros elementos e mecanismos legais protetivos, tais como: a

8


Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), que entrou em vigor em 3 de setembro de 1981 e foi ratificada pelo Brasil em 1984 e que, em seu art. 1º, estabelece sua proteção e, em seu art. 6º, traduz exatamente qual será o papel de cada Estado: Art. 1º Para os fins da presente Convenção, a expressão “discriminação contra as mulheres” significa toda distinção, exclusão ou restrição fundada no sexo e que tenha por objetivo ou consequência prejudicar ou destruir o reconhecimento, gozo ou exercício pelas mulheres, independentemente do seu estado civil, com base na igualdade dos homens e das mulheres, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. Art. 6º Os Estados Partes tomarão todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para suprimir todas as formas de tráfico de mulheres e exploração da prostituição das mulheres.

Setembro/2016 – Ed. 234

O Protocolo Facultativo sobre a Venda de Crianças, Prostituição e Pornografia Infantis, que entrou em vigor em 18 de janeiro de 2002, tendo o Brasil o ratificado em 27 de janeiro de 2004, contém três regramentos bem objetivos e demonstram bem qual o espírito pretendido pelo Protocolo:

9

Art. 1º Os Estados Partes deverão proibir a venda de crianças, a prostituição infantil e a pornografia infantil, conforme disposto no presente Protocolo. Art. 2º Para os fins do presente Protocolo: a) venda de crianças significa qualquer ato ou transação pelo qual uma criança seja transferida por qualquer pessoa ou grupo de pessoas para outra pessoa ou grupo mediante remuneração ou qualquer outra retribuição;

reais ou simuladas ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins predominantemente sexuais. Art. 3º 1. Todos os Estados-partes deverão garantir que, no mínimo, os seguintes atos e atividades sejam plenamente abrangidos pelo seu direito criminal ou penal, quer sejam cometidos em nível interno ou transnacional ou numa base individual ou organizada: a) no contexto da venda de crianças, conforme definida na alínea a) do art. 2º: i) a oferta, entrega, ou aceitação de uma criança, por qualquer meio, para fins de: a. exploração sexual da criança; b. transferência dos órgãos da criança com intenção lucrativa; c. submissão da criança a trabalho forçado; ii) a indução do consentimento de forma indevida, como intermediário, para a adoção de uma criança em violação dos instrumentos internacionais aplicáveis em matéria de adoção: [...] b) a oferta, obtenção, procura ou entrega de uma criança para fins de prostituição infantil, conforme definida na alínea b) do art. 2º; c) a produção, distribuição, difusão, importação, exportação, oferta, venda ou posse para os anteriores fins de pornografia infantil, conforme definida na alínea c) do art. 2º;

b) prostituição infantil significa a utilização de uma criança em atividades sexuais mediante remuneração ou qualquer outra retribuição;

2. Sem prejuízo das disposições da lei interna do Estado-Parte, o mesmo se aplica à tentativa de cometer qualquer desses atos e à cumplicidade ou participação em qualquer desses atos.

c) pornografia infantil significa qualquer representação, por qualquer meio, de uma criança no desempenho de atividades sexuais explícitas

3. Todos os Estados-Partes deverão penalizar estas infrações com penas adequadas que tenham em conta a sua grave natureza.


Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. [...] § 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

No tocante à proteção infantil e dos adolescentes,temos o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), que possui regramentos específicos sobre a matéria: Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro: Pena − reclusão de quatro a seis anos, e multa. Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude: Pena − reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência. [...] Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2º desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual:

Além desses dois artigos expressos, existem outras proteções previstas: legislação sobre a hospedagem de criança ou adolescente em hotel, motel, pensão ou estabelecimento congênere; viagens de crianças no território nacional; viagens de crianças e adolescentes para o exterior; entrada, permanência ou participação de crianças e adolescentes em estádios, bailes, boates, estúdios de cinema/teatro/TV, espetáculos públicos, concursos de beleza, entre outros; entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante pagamento ou recompensa; promover ou auxiliar o envio de criança ou adolescente para o exterior; produzir ou dirigir representação teatral, televisiva ou cinematográfica utilizando-se de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica; fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente; hospedar crianças ou adolescentes desacompanhados, sem autorização dos pais ou juiz, em hotel, motel, pensão ou congênere; e exibir filme, trailer, peça ou congênere classificado como inadequado às crianças ou adolescentes admitidos ao espetáculo. Ainda na questão do tráfico de crianças, o Protocolo Facultativo da Convenção sobre os Direitos da Criança relativo à venda de crianças, à prostituição e pornografia infantil tem uma clara definição em seu art. 2º: b) por prostituição infantil entende-se a utilização de crianças em atividades sexuais em troca de remuneração ou de qualquer retribuição; c) toda representação, por qualquer meio de uma criança dedicada a atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou toda representação das partes genitais de uma criança com fins primordialmente sexuais.

E, por fim, a questão da venda de crianças, constante no art. 2º do mesmo Protocolo:

Pena − reclusão de quatro a dez anos, e multa.

Art. 2º [...]

§ 1º Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifique a submissão de criança ou adolescente às práticas referidas no caput deste artigo.

a) por venda de crianças entende-se todo ato ou transação em virtude do qual uma criança é transferida por uma pessoa ou grupo de pessoas a outra em troca de remuneração ou de qualquer outro tipo de retribuição.

Setembro/2016 – Ed. 234

Ademais, podemos elencar outros dispositivos igualmente relevantes e importantes, como o art. 227, § 4º, da Constituição Federal:

10


Setembro/2016 – Ed. 234

11

Se existem tantos regramentos, por que o Brasil é um dos líderes em tráfico de mulheres, crianças e adolescentes?

“em busca dos gols”,mas também pode ser uma expressão que significa “pegar garotas”, uma vez que a estampa é um coração amarelo no formato de nádegas femininas com fio-dental verde.

3 O BRASIL E A QUESTÃO DO ESTEREÓTIPO O Brasil, por conta essencialmente do carnaval, em que nos desfiles é possível se perceber uma grande quantidade de mulheres com pouca roupa, adquiriu, com o passar do tempo, o estereótipo de que as mulheres são fáceis, que estão ligadas ao sexo ou demais rotulações. O fato é que a fama não se compactua com a realidade, visto que a mulher brasileira tem um grande pudor e restrição para com o seu corpo, ainda que seja possível ver mulheres com biquínis deveras diminutos, os denominados fios-dentais.

O Presidente da Embratur, Flávio Dino, reforçou a repressão ao turismo sexual. “A exploração sexual é um crime inaceitável e não pode ser confundida de forma alguma com uma modalidade de turismo”. Dino disse ainda que a Embratur vai entrar em contato com a aludida empresa de material esportivo “fazendo um apelo para que reveja essa atitude e tire os produtos do mercado. Essa campanha vai no sentido contrário ao que o Brasil defende. Nosso esforço é voltado para a promoção do Brasil pelos atributos naturais e culturais. Uma iniciativa dessas ignora e desrespeita a linha de comunicação que o governo adota”27.

Na Europa e nos Estados Unidos da América, é relativamente comum uma mulher na praia fazer a prática do topless e expor os seios sem o menor pudor; já a mulher brasileira tem um moralismo exacerbado e, na questão da exposição, se protege muito mais do que as mulheres estrangeiras.

A fim de combater esse estereótipo, em especial o turismo sexual e o tráfico de pessoas no Brasil, o legislador nacional desenvolveu um conjunto de regramentos penais, fora todos os elementos protetivos já mencionados anteriormente, como veremos a seguir.

Todavia, os aliciadores vêm ao Brasil com a imagem negativa da mulher e, ao verem na praia mulheres com biquínis diminutos, consideram que serão facilmente aliciadas e, como dissemos, fazem uso de uma série de artifícios a fim de cooptarem as mulheres. Ademais, a mulher brasileira, em geral, possui atributos que as mulheres estrangeiras dificilmente possuem e que se tornou um chamariz nacional, inclusive com o dito popular de ser a “paixão nacional”; referimo-nos às nádegas femininas, que chama e muito a atenção dos estrangeiros. A imagem de sensualidade da mulher brasileira é tanta que uma grande empresa de material esportivo que patrocina a Fifa lançou em campanha publicitária no Brasil camisetas alusivas ao futebol que traziam no seu bojo frases com duplo sentido. Uma delas traz a frase “Lookin’ to score”, que pode ser traduzida por

4 OS INSTRUMENTOS PENAIS DE REPRESSÃO AO TRÁFICO DE PESSOAS O objetivo do legislador brasileiro em criar e desenvolver elementos repressores penais perpassa pelo elemento simbólico de repressão contido no direito penal. No Brasil, existem alguns regramentos que têm por escopo coibir o tráfico de mulheres para o exterior e para o Brasil. O art. 231 do Código Penal, que data da década de 1940, já previa tal modalidade de crime: 27 Disponível em: <http://www.brasilpost.com.br/2014/02/25/dilma-adidas-camiseta_n_4854297.html>. Acesso em: 8 ago.2014.


§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la:

I − a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; II − a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;

Pena − reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.

III − se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

§ 2º A pena é aumentada da metade se:

IV − há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

I − a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; II − a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; III − se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou IV − há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. § 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

A atual redação foi atribuída pela Lei nº 11.106/200528, que também fez um adendo ao criar o art. 231-A: Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual: Pena − reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. § 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. § 2º A pena é aumentada da metade se: 28 Tendo sido alterada pela Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009.

§ 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

Sobre o tema, Alexandre Jean Daoun e Laerte I. Marzagão Júnior: Conforme dispositivo legal acima transcrito, tráfico interno de pessoa é aquele que ocorre entre pontos do território nacional, sendo esta a principal diferença em relação ao dispositivo anterior. É o que ensina Luiz Regis Prado: Se o agente leva a vítima de uma região a outra do mesmo país, não se caracteriza o delito em epígrafe [tráfico internacional], que pressupõe tráfico internacional e não interestadual. Nesse caso, configurado estará o crime do art. 231-A (tráfico interno de pessoas).29

Não existe qualquer conflito de competência, afinal um artigo trata do tráfico para o estrangeiro e o subsequente dentro do território nacional. Sobre o tema, novamente, Alexandre Jean Daoun e Laerte I. Marzagão Júnior: Qualquer pessoa poderá figurar como sujeito ativo, independentemente do sexo, ocorrendo o mesmo em relação ao sujeito passivo, pois o tipo penal não especifica ou sugere restrição de agentes que possam ou não praticar a conduta. 29 DAOUN, Alexandre Jean; MARZAGÃO JÚNIOR, Laerte I. Tráfico de pessoa para fim de exploração sexual. In: MARZAGÃO JÚNIOR, Laerte I. (Org.). Op. cit., p. 41.

Setembro/2016 – Ed. 234

Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha exercer prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro.

12


O elemento subjetivo é o dolo. Basta o dolo genérico que consiste na vontade de promover ou facilitar o ingresso ou saída do território nacional para o fim da exploração sexual.30

Fernando Capez e Stela Prado defendem a aplicabilidade dos dispositivos: Seria completamente atentatório ao Estado Democrático de Direito, aos princípios que regem a República Federativa do Brasil e aos documentos internacionais que apregoam a incompatibilidade entre o tráfico e a dignidade e o valor da pessoa humana, proscrevendo qualquer atentado contra os direitos individuais e inalienáveis da mulher e da criança; considerar inaplicável o delito em estudo, por reputar que o bem jurídico tutelado é apenas a moralidade sexual. Deixar sem proteção jurídica vítimas do tráfico internacional de mulheres e crianças seria uma teratologia jurídica, principalmente pelo fato de outros valores fundamentais para a ordem social ou individual estarem em jogo, como a vida, a integridade física, a liberdade e a segurança.31

Ainda sobre o tema, Anália Belisa Ribeiro:

Setembro/2016 – Ed. 234

Os arts. 231 e 231-A do Código Penal não definem o tráfico de seres humanos como nenhuma outra forma de exploração mencionada no Protocolo Antitráfico Humano, como o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravidão ou a remoção de órgãos ou até qualquer outra forma de exploração sexual. Algumas dessas práticas são, no entanto, consideradas crimes, parcialmente ou completamente, por outros artigos do Código Penal, ou leis específicas.32

13

De tal sorte que nos cabe inserir os demais dispositivos penais sobre o tema. Então, vamos a eles. Sobre o trabalho escravo, temos o art. 149: 30 Idem, p. 40. 31 CAPEZ, Fernando; PRADO, Stela. Tráfico de pessoa e o bem jurídico em face da Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009. In: MARZAGÃO JÚNIOR, Laerte I. (Org.). Op. cit., p. 125. 32 RIBEIRO, Anália Belisa. O enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil. In: MARZAGÃO JÚNIOR, Laerte I. (Org.). Op. cit., p. 73.

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena − reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I − cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II − mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I − contra criança ou adolescente; II − por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Na mesma esteira, temos o art. 207: Art. 207. Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional: Pena − detenção de um a três anos, e multa. § 1º Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998) § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.

Ademais, temos o art. 14 da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997:


Pena − reclusão, de dois a seis anos, e multa, de 100 a 360 dias-multa. § 1º Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe: Pena − reclusão, de três a oito anos, e multa, de 100 a 150 dias-multa. § 2º Se o crime é praticado em pessoa viva, e resulta para o ofendido: I − incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II − perigo de vida; III − debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV − aceleração de parto: Pena − reclusão, de três a dez anos, e multa, de 100 a 200 dias-multa § 3º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta para o ofendido: I − incapacidade para o trabalho; II − enfermidade incurável; III − perda ou inutilização de membro, sentido ou função; IV − deformidade permanente; V − aborto: Pena − reclusão, de quatro a doze anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa. § 4º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta morte: Pena − reclusão, de oito a vinte anos, e multa de 200 a 360 dias-multa.

Atualmente, o tráfico de mulheres, crianças e adolescentes é responsável por uma indústria de dinheiro que movimenta ver-

dadeiras fortunas ao longo do globo. O Brasil33 contribui com mais de 241 rotas de tráfico34 computadas o âmbito interno e o externo35, logo, mesmo com todos esses dispositivos repressores, os infratores preferem correr riscos a fim de manterem a busca incessante pelo lucro advindo da operação,ainda que possa vir a ser privado da própria liberdade. No entanto, no cenário prático, ainda avançamos pouco, senão vejamos a realidade de dez anos atrás, quando o então Ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, lançou um combate ao tráfico em 2004 e foi categórico: “Vamos fazer tudo o que for preciso 33 Um mapeamento da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República, lançado em janeiro de 2005, registrou a existência de exploração sexual comercial de crianças e adolescentes em 937 municípios brasileiros. Entre eles, segundo dados compilados pelo Ministério do Turismo, há 398 que são considerados destinos turísticos. Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2007/04/no-brasil-turismo-e-ponte-para-exploracao-sexual-de-criancas>. Acesso em: 15 ago. 2014. 34 Dados da Secretaria de Direitos Humanos mostram que, no ano passado, foram registrados 33 mil casos de exploração sexual de crianças e adolescentes por meio do disque-denúncia. Deste total, 1.246 aconteceram em Fortaleza, cidade onde o problema é agudo. O perfil das vítimas: meninas com idade entre 8 e 14 anos. Em junho, a cidade abrigará um dos jogos da seleção brasileira, contra o México, na primeira fase da Copa. A expectativa do Ministério do Turismo é que 60 mil turistas desembarquem na capital cearense.

São Paulo, com 6.391 registros de casos em 2013, Rio de Janeiro, com 5.988, e Salvador, com 4.303 casos, também receberão a Copa do Mundo e, junto com ela, milhares de turistas estrangeiros e nacionais. 35 O Brasil é um dos países apontados como fonte de vítimas de tráfico humano, ao lado da Bulgária, China, Índia, Nigéria. Os dados constam de um relatório da Organização Internacional para as Migrações (OIM), parceira das Nações Unidas, que analisou as tendências de tráfico de pessoas por meio de informações de mais de 150 pontos de operação. Disponível em: <http://www.onu.org.br/organizacao-internacional-para-as-migracoes-afirma-que-brasil-e-fonte-e-destino-de-trafico-humano>. Acesso em: 18 ago. 2014.

Setembro/2016 – Ed. 234

Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei:

14


para acabar com este crime, que é nefando e hediondo”. E fez uma importante ressalva: “É preciso reconhecer que as mulheres levadas pelo tráfico não são coautoras nem cúmplices de um crime, mas vítimas indefesas, enganadas e não parceiras de um crime”. Porém, transcorridos dez anos, erigimos um sistema protetivo que tem por objetivo proteger a dignidade da pessoa humana e fazer com que o Estado Democrático de Direito Brasileiro cumpra com o seu papel de garantidor e efetivador dos direitos tidos como fundamentais36.

CONCLUSÃO

Setembro/2016 – Ed. 234

Instrumentos de proteção já foram mais do que comprovados que existem. Resta é uma aplicabilidade prática,de tal sorte que a esta altura já se denota nítido que os agenciadores têm um verdadeiro esquema que envolve inclusive os órgãos fiscalizatórios: policiais, juízes, funcionários responsáveis pela emissão de documentos, etc., o que dificulta e muito o desmantelamento das operações e a prisão dos envolvidos.

15

O problema atinge países do mundo inteiro. A Europa enfrenta o tráfico de mulheres do Leste europeu. A África também sofre com o tráfico, e, devido aos problemas sociais existentes naque36 Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa proteção tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições de existência mínimas para uma vida saudável(SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 60).

le país, as traficadas ainda sofrem com doenças sexualmente transmissíveis e principalmente com a transmissão da Aids. Não basta apenas aplicar os mecanismos repressores, porque também os países envolvidos devem estar preparados para recepcionar a mulher, a criança e o adolescente vítimas do tráfico e exploração sexual que conseguiram sua liberdade. Os traumas adquiridos são incomparáveis. Sem o acompanhamento de psicólogos, médicos e de familiares, sua recuperação se torna muito difícil. Por fim, temos a figura da denunciante, ou seja, a mulher que consegue fugir e denuncia todo o esquema, seja porque foi vítima,seja porque participou do mesmo. Neste ponto, temos de fazer um novo esclarecimento, porque nem todas as traficadas, especialmente as crianças e os adolescentes, têm a exata noção do que lhes aconteceu. Justamente por isso podem funcionar como novas captadoras e fornecedoras de próximas vítimas sem terem a consciência do mal que está produzindo. Não se engane o leitor, as envolvidas realmente podem não saber que foram traficadas e que se encontram em condição de escravidão. E como isso é possível? O esquema de abordagem e desenrolar dos fatos pode ser tão bem elaborado que a pessoa realmente acredita que as pessoas que a “ajudaram” fizeram de tudo para o seu benefício e que, por conta disso, não pode reclamar e deve retribuir ao máximo. Quando o véu da realidade fria e crua se levanta, surgem os sentimentos de frustração e desespero. Em seguida, motivam o ódio e a vingança. Não existe uma receita para erradicar esse mal. Mas as recomendações estão presentes nos Protocolos e Legislações


Até hoje o mundo está perdendo, mas oxalá seja uma luta reversível em bem pouco tempo. Para tanto, o Brasil deve colaborar com uma fiscalização mais enérgica e com a efetiva aplicação das leis. Somente assim a população brasileira deixará de ser considerada apenas uma mão de obra barata para os agenciadores do tráfico internacional.

REFERÊNCIAS ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Tráfico de seres humanos e exploração do trabalho escravo. In: MARZAGÃO JÚNIOR, Laerte I. (Org.). Tráfico de pessoas. São Paulo: Quartier Latin, 2010. BRASIL. Código Penal Brasileiro. São Paulo: Manole, 2004. ______. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2005. CAPEZ, Fernando; PRADO, Stela. Tráfico de pessoa e o bem jurídico em face da Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009. In MARZAGÃO JÚNIOR, Laerte I. (Org.). Tráfico de pessoas. São Paulo: Quartier Latin, 2010. DAOUN, Alexandre Jean; MARZAGÃO JÚNIOR, Laerte I. Tráfico de pessoa para fim de exploração sexual. In MARZAGÃO JÚNIOR, Laerte I. (Org.). Tráfico de pessoas. São Paulo: Quartier Latin, 2010. DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Atualizadores Nagib Slaibi Filho e Priscila Pereira Vasques Gomes. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. 37 As normas que ditam os padrões de comportamento a serem adotados pela sociedade no domínio da sexualidade serão necessárias sempre que gerarem reflexos sociais. O direito não pretende ser um Código da moralidade para ditar regras no campo da sexualidade, mas pretende proteger a moralidade sexual sempre que esta provoque danos a outros valores igualmente resguardados pelo ordenamento jurídico e que coloquem em risco a família, a paz, a ordem social (CAPEZ, Fernando; PRADO, Stela. Tráfico de pessoa e o bem jurídico em face da Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009. In: MARZAGÃO JÚNIOR, Laerte I. (Org.). Op. cit., p. 125).

FERLIN, Danielly. Brasil: o berço do tráfico de mulheres e da exploração sexual. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/29110/brasil-o-berco-do-trafico-de-mulheres-e-da-exploracao-sexual#ixzz3AsBNLjt1>. Acesso em: 20 ago. 2014. GOLDMAN, Alberto. In MARZAGÃO JÚNIOR, Laerte I. (Org.). Tráfico de pessoas. São Paulo: Quartier Latin, 2010. JESUS, Damásio de. Tráfico internacional de mulheres e crianças – Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003. PÉREZ ALONSO, Esteban J. Consideraciones político-criminales sobre el fenômeno migratorio actual y el tráfico de personas. IBARRA, Juan Carlos Hortal (Coord.). Protección penal de los derechos de los trabajadores – Seguridad en el trabajo, tráfico ilegal de personas e inmigración clandestina. Buenos Aires: Edisofer, 2009. Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil (Pestraf). Disponível em: <https:// www.mprs.mp.br/areas/infancia/arquivos/trafico.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2016. Pesquisa sobre o Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil. Relatório Nacional. Brasil: Cecria, 2002. Disponível em: <https://www.mprs.mp.br/areas/infancia/arquivos/trafico.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2016. PIOVESAN, Flávia. In: MARZAGÃO JÚNIOR, Laerte I. (Org.). Tráfico de pessoas. São Paulo: Quartier Latin, 2010. PORTAL da Violência contra a Mulher. Disponível em: <http://copodeleite. rits.org.br/apc-aa-patriciagalvao/home/index.shtml>. Acesso em: 5 abr. 2014.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

Setembro/2016 – Ed. 234

existentes37. O que temos de fazer é descobrir uma forma de sermos mais eficientes do que o esquema do tráfico.

Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Brasília: OIT, 2006. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/tip/pub/ trafico_de_pessoas_384.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2016.

16

REZEK, Francisco. In: MARZAGÃO JÚNIOR, Laerte I. (Org.). Tráfico de pessoas. São Paulo: Quartier Latin, 2010. RIBEIRO, Anália Belisa. O enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil. In: MARZAGÃO JÚNIOR, Laerte I. (Org.). Tráfico de pessoas. São Paulo: Quartier Latin, 2010.


Doutrina

A Gratuidade da Justiça no Novo Código de Processo Civil HANDEL MARTINS DIAS Especialista em Direito Processual Civil pela UFRGS, Mestre em Direito Processual pela UFRGS, Doutor em Direito Processual na USP, Professor de Direito Processual Civil da Faculdade Estácio do Rio Grande do Sul, Membro da Associação Mundial de Justiça Constitucional, Advogado.

RESUMO: Mediante pesquisa da legislação nacional, da literatura jurídica e da jurisprudência, este trabalho estuda as disposições do novo Código de Processo Civil relativas ao benefício da gratuidade da justiça. Além da pesquisa bibliográfica e documental, utilizaram-se as metodologias etnográfica e participante para a interpretação do fenômeno jurídico e normativo. O objetivo precípuo do estudo consistiu em verificar se a regulamentação do novo Código é superior à vigente, insculpida na vetusta Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, assim como a expectativa de sua suficiência, considerando as atuais vicissitudes do foro e a compreensão contemporânea da ciência processual. Constatou-se que a disciplina da matéria é superior no novo Código, mormente na redefinição dos beneficiários e na simplificação procedimental. Concluiu-se, porém, que não se trata de um texto inovador, pois, em linhas gerais, procede a uma atualização do microssistema da gratuidade da justiça em relação à doutrina e à jurisprudência. PALAVRAS-CHAVE: Gratuidade; justiça; assistência; novo; Código de Processo Civil. SUMÁRIO: Introdução; 1 Beneficiários; 2 Abrangência; 3 Requerimento; 4 Decisão concessiva e seus efeitos; 5 Revogação; 6 Recorribilidade; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO Entre várias outras garantias voltadas à tutela do processo, a Constituição Federal de 1988 consagrou, no capítulo Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos do título Dos Direitos e Garantias Fundamentais, que o Estado deve prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5º, LXXIV). Essa garantia fundamental, insculpida na matriz de todo o ordenamento jurídico brasileiro, assegura não apenas a assistência jurídica, por meio de serviços advocatícios graciosos de organizações estatais, não-estatais ou de advogados privados que, individualmente, se propunham a atender pessoas com recursos insuficientes, mas, também, a gratuidade da justiça e dos serviços extrajudiciais1. Afinal, para que o Estado Constitucional logre o seu intento de tutelar de maneira adequada, efetiva e tempestiva os direitos de todos que necessitem de sua proteção jurídica, independentemente de origem, raça, sexo, cor, idade e condição social, mostra-se imprescindível que preste assistência jurídica integral e gratuita aos que não têm recursos econômicos suficientes. E essa proteção jurídica estatal deve ser pensada em uma perspectiva social, permeada pela preocupação com a organização de um processo democrático acessível a todos. Fora desse quadro, há flagrante ofensa à igualdade no processo, bem como ao direito fundamental ao processo justo2. Com efeito, tendo em vista 1 Vale lembrar que a Constituição Federal de 1988 ainda consagrou a gratuidade, para os reconhecidamente pobres, do registro civil de nascimento, da certidão de óbito (art. 5º, LXXVI), bem como a gratuidade do habeas corpus, do habeas data e, na forma da lei, dos atos necessários ao exercício da cidadania (art. 5º, LXXVII). Sobre a extensão da gratuidade aos serviços extraprocessuais, veja-se PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 85-86. 2 Cf. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. São Paulo: Atlas, v. 1, 2010. p. 49-50.


Ainda hoje o benefício da gratuidade da justiça está regulado na vetusta Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, promulgada quando ainda vigorava o Código de Processo Civil de 19393. Nesses 65 anos de sua vigência, técnicas de interpretação e a integração permitiram suprir as suas lacunas e corrigir as suas imperfeições, assim como a sua defasagem em relação à evolução do direito processual, mormente a partir da instauração da ordem constitucional vigente. Com a Constituição Federal de 1988, a processualista brasileira finalmente alcançou o terceiro momento metodológico do direito processual, caracterizado pela consciência do acesso à justiça e da instrumentalidade como polo de irradiação de ideias e de coordenação de institutos, princípios e linhas de direcionamento no estudo e na aplicação prática do processo (Dinamarco, 1987)4. Embora o movimento global de acesso à justiça tenha principiado na década de sessenta da centúria novecentista, o Código de Processo Civil de 1973 o ignorou por completo, inclusive quanto à assistência judiciária, integrante da chamada primeira onda do movimento5. 3 Sobre a evolução história da assistência judiciária no ordenamento jurídico pátrio, inclusive no plano constitucional, veja-se MOREIRA, José Carlos Barbosa. O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento brasileiro de nosso tempo. Revista da Ajuris, Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 55, p. 60-75, 1992. 4 Sobre a instrumentalidade e as demais fases metodológicas do direito processual, é imprescindível a leitura da clássica obra de Cândido Rangel Dinamarco, uma das mais importantes da literatura processual brasileira: DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. 5 Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1978) classificaram em três sucessivas ondas advindas a partir de 1965 nesse movimento do acesso à justiça. A primeira onda dizia respeito à assistência jurídica aos pobres,

Alfredo Buzaid sequer incluiu no Código de Processo Civil a disciplina da gratuidade da justiça, preferindo manter a Lei nº 1.060/1950, cujas disposições aplicavam-se, indistintamente, a outras codificações processuais. O autor do anteprojeto do Código de Processo Civil de 1973 defendia que as leis comuns aos quatro códigos de processo então vigentes deviam ser agrupadas num todo, sob a denominação de Disposições Comuns aos Códigos de Processo Civil, de Processo Penal, de Processo Militar e de Processo do Trabalho 6. Em 30 de setembro de 2009, por meio do Ato nº 379, o presidente do Senado Federal instituiu uma comissão de juristas destinada a elaborar o anteprojeto de um novo código de processo civil. Presidida por Luiz Fux e tendo como Relatora-Geral Teresa Arruda Alvim Wambier, integraram a comissão Adroaldo Furtado Fabrício, Benedito Cerezzo Pereira Filho, Bruno Dantas, Elpídio relacionada aos custos do acesso à justiça. A segunda onda refere-se à representação dos interesses difusos, em especial nas áreas da proteção do meio ambiente e do consumidor. A terceira onda tinha concepção mais ampla, buscando superar os entraves ao acesso à justiça pelo inter-relacionamento e visão compreensiva. Veja-se: CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acess to justice: the worldwide movement to make rights effective: a general report. In: CAPPELLETTI, Mauro (Ed.). Access to justice. Alphen aan den Rijn: Sijthoff & Noordhoff; Milan: Giuffrè, v. I, 1978. Esse relatório geral, integrante do chamado Projeto Florença, foi traduzido por Ellen Gracie Northfleet e publicado, em 1988, pelo Editor Sergio Antonio Fabris. O mesmo editor publicou um interessante estudo sobre as repercussões das obras de Mauro Cappelletti sobre o acesso à justiça no Direito brasileiro: GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à justiça em Mauro Cappelletti: análise teórica desta concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005. 6 Veja-se a Exposição de Motivos do Anteprojeto de Código de Processo Civil de 1973 em BRASIL. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Anteprojeto de Código de Processo Civil. Apresentado ao Exmo. Sr. Ministro da Justiça e Negócios Interiores pelo Professor Alfredo Buzaid. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1964. p. 4-5.

Setembro/2016 – Ed. 234

o escopo de tornar a Justiça efetivamente acessível a todos, a garantia fundamental da gratuidade da justiça às pessoas sem recursos econômicos não constitui apenas uma diretiva para o legislador, mas um princípio hermenêutico do direito vigente.

18


Setembro/2016 – Ed. 234

Donizetti Nunes, Humberto Theodoro Júnior, Jansen Fialho de Almeida, José Miguel Garcia Medina, José Roberto dos Santos Bedaque Almeida, Marcus Vinícius Furtado Coelho e Paulo Cezar Pinheiro Carneiro. No Anteprojeto, entregue ao Senado Federal em 8 de junho de 2010, a Comissão de Juristas havia previsto uma seção, composta por um único artigo, sobre a gratuidade judiciária (Seção IV do Capítulo III do Título IV do Livro I). Esse solitário artigo visava a permitir ao juiz determinar ex officio a comprovação da insuficiência pelo requerente e a definir o recurso de agravo contra as decisões que apreciassem o pedido de gratuidade de justiça7. No Senado Federal, foi aprovada alteração à redação original do Anteprojeto, para o efeito de prever a possibilidade de se conceder o benefício à pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, bem como o de ampliar o cabimento do agravo contra qualquer decisão relativa à gratuidade judiciária8. Após o acolhimento do Relatório-Geral do Senador Valter Pereira, o projeto de lei foi remetido à Câmara dos Deputados, onde foi aprovada ampliação substancial da disciplina da

19

7 Assim dispõe o referido artigo do Anteprojeto de Novo Código de Processo Civil: “Art. 85. A parte com insuficiência de recursos para pagar as custas e as despesas processuais e os honorários de advogado gozará dos benefícios da gratuidade de justiça, na forma da lei. § 1º O juiz poderá determinar de ofício a comprovação da insuficiência de que trata o caput, se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos requisitos legais da gratuidade de justiça. § 2º Das decisões que apreciarem o requerimento de gratuidade de justiça, caberá agravo de instrumento, salvo quando a decisão se der na sentença” (Brasil, 2010a, p. 67). 8 Com as alterações aprovadas no Senado, o artigo sobre a gratuidade judiciária passou a ser o 99 do Projeto de Lei, in verbis: “A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas e as despesas processuais e os honorários de advogado gozará dos benefícios da gratuidade de justiça, na forma da lei. § 1º O juiz poderá determinar de ofício a comprovação da insuficiência de que trata o caput, se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos requisitos legais da gratuidade de justiça. § 2º Das decisões relativas à gratuidade de justiça, caberá agravo de instrumento, salvo quando a decisão se der na sentença” (Brasil, 2010b, p. 271).

matéria e, via de consequência, a revogação dos arts. 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 11, 12 e 17 da Lei nº 1.060, de 1950. O texto delineado no Substitutivo da Câmara dos Deputados sobre a gratuidade da justiça restou aprovado, com parcas modificações, em 16 de dezembro de 2014, na votação do texto base do novo Código de Processo Civil9. O presente ensaio propõe-se a realizar uma breve análise da gratuidade judiciária no novo Código, que entrará em vigor em 17 de março do próximo ano, sucedendo a Lei nº 1.06010.

1 BENEFICIÁRIOS De acordo com a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, a assistência judiciária deve ser concedida ao necessitado, sendo assim considerado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio 9 Além de conferir melhor redação ao texto delineado pela Câmara dos Deputados sobre a gratuidade da justiça, o Senado acresceu dois novos parágrafos, concernentes ao custeio dos emolumentos e à possibilidade de o notário ou o registrador requerer a revogação, total ou parcial, do benefício ou a sua substituição pelo parcelamento (§§ 7º e 8º do art. 98). No dia seguinte à aprovação do texto base do novo Código de Processo Civil, votaram-se alguns destaques de forma derradeira. Após extensa revisão, em 24 de fevereiro de 2015, o Senado publicou a redação final do Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado nº 166, de 2010, nos termos do texto consolidado pela Comissão Temporária do Código de Processo Civil, com as adequações propostas pelo relator e os destaques aprovados pelo Plenário. 10 Artigo concluído em 12 de julho de 2015.


Na definição dos possíveis beneficiários da gratuidade judiciária, o novo Código de Processo Civil também se alinha à doutrina e à jurisprudência, que vêm conferindo interpretação bastante 11 A propósito: “Agravo de instrumento. Pedido de gratuidade judiciária. Rendimentos inferiores a 5 salários-mínimos mensais. Comprovação de rendimentos presumivelmente insuficientes para o custo de despesas processuais, sem prejuízo de seu sustento e/ou de sua família. A concessão do benefício não fica restrita ao miserável, fazendo jus aquele que, mesmo momentaneamente, não tenha condições de solver as despesas processuais. Enunciado nº 02 da Coordenadoria Cível da Ajuris de Porto Alegre, modificado em 14.10.2011. Agravo de instrumento provido” (TJRS, AI 70063720635, 6ª C.Cív., Rel. Ney Wiedemann Neto, J. 04.03.2015).

ampliativa ao caput do art. 2º da Lei nº 1.060, de 1950. Tendo em vista o entendimento consolidado de que a gratuidade da justiça pode ser concedida perante qualquer órgão jurisdicional, o novo Código não precisa as Justiças em que seria cabível a concessão do benefício, como faz a Lei nº 1.060, que se refere, especificamente, às Justiças penal, civil, militar e do trabalho. O novo Código mantém a possibilidade de se deferir a gratuidade judiciária a estrangeiros, a par dos brasileiros, porém sem condicionar que residam no País, como na Lei nº 1.060. Nesse sentido, pelo novo Código, será admissível a concessão do benefício a estrangeiro não residente no Brasil, caso não tenha recursos suficientes para pagar as custas judiciais, as despesas processuais e os honorários advocatícios decorrentes de processo que tramite perante autoridade judiciária brasileira. O novo Código também contempla a possibilidade de se conceder a gratuidade judiciária a pessoas jurídicas: “A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei” (Brasil, 2015, p. 20). Afinal, desde 2012 está pacificado no Superior Tribunal de Justiça, por meio do Enunciado Sumular nº 481, que faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica, com ou sem fins lucrativos, que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais.

2 ABRANGÊNCIA No tocante à abrangência da gratuidade judiciária no novo Código de Processo Civil, há alguns acréscimos em relação ao art. 3º da Lei nº 1.060, de 195012, bem como se confere melhor 12 Duas leis já haviam ampliado o rol estabelecido na Lei nº 1.060. A Lei nº 10.317, de 2001, acresceu o inciso VI ao art. 3º da Lei nº 1.060, para incluir a isenção do pagamento das despesas com a realização do exame de código genético (DNA) que for requisitado pela autoridade judiciária nas

Setembro/2016 – Ed. 234

ou do sustento de sua família (art. 2º, parágrafo único). O novo Código de Processo Civil reformula a concepção do cabimento da gratuidade da justiça, prescrevendo simplesmente que tem direito ao benefício a pessoa com recursos insuficientes para pagar as custas judiciais, as despesas processuais e os honorários advocatícios (art. 98, caput), seja ele autor, réu ou terceiro interveniente no processo ou em recurso (art. 99, caput). De adrede, o legislador não empregou na conceituação o termo necessitado, tampouco a locução sem prejuízo do sustento próprio ou da família, que pressupõem miserabilidade para a concessão do benefício. O legislador do novo Código foi ao encontro, destarte, do entendimento de que o benefício da gratuidade da justiça não exige estado de miséria, senão a mera insuficiência de recursos, tal como estabelecido no inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal11. Neste sentido, o fato de o jurisdicionado ser assistido no processo por advogado particular não o impede de auferir a concessão de gratuidade da justiça, como restou claramente ressalvado no novo Código (art. 99, § 4º). Sublinha-se, ainda, que, para justificar a concessão de benefício, o novo Código torna expressa a impossibilidade de pagar as despesas processuais, além das custas e dos honorários do advogado, e não apenas estes, como na Lei nº 1.060.

20


Setembro/2016 – Ed. 234

tratamento à matéria, distinguindo custas judiciais, despesas processuais e emolumentos13. Na senda da jurisprudência, estatui-se que o benefício abarca a remuneração do intérprete ou do tradutor14; a realização de exames considerados essenciais para o deslinde da causa, para além do de DNA; o custo da elaboração de memória de cálculo para o início da execução15; e os emolumentos devidos a notários e registradores16. Por outro lado, suprime a ressalva do direito regressivo do empregador contra o Poder Público pelo pagamento integral do salário ao empregado que falta o serviço para testemunhar, previsto no inciso IV do art. 3º da Lei nº 1.060. Assim, em conformidade com o § 1º do art. 98 do novo Código, a gratuidade da justiça compreende as taxas ou as custas judiciais; os selos postais; as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em

21

ações de investigação de paternidade ou maternidade. E a Lei Complementar nº 132, de 2009, acresceu o inciso VII ao mesmo art. 3º da Lei nº 1.060, incluindo a isenção dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório. 13 O novo Código corrigiu o inciso II do art. 3º da Lei nº 1.060, referindo-se aos emolumentos apenas como despesas devidas ao foro extrajudicial (art. 98, § 1º, IX). 14 Já prepondera o entendimento no sentido de a gratuidade da justiça abrange a remuneração do intérprete e do tradutor. Em 15 de março de 2011, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Resolução nº 127, recomendando aos tribunais que destinem, sob rubrica específica, parte do seu orçamento ao pagamento de honorários de perito, tradutor ou intérprete, quando, nos processos de natureza cível, à parte sucumbente no objeto da perícia for deferido o beneficio da justiça gratuita. 15 Já vigora o entendimento de que se pode determinar a elaboração dos cálculos pela contadoria judicial quando o credor é beneficiário da gratuidade da justiça. Veja-se: STJ, REsp 1.274.466/SC, 2ª S., Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, J. 15.05.2014, DJe 21.05.2014. 16 “A gratuidade da justiça estende-se aos atos extrajudiciais relacionados à efetividade do processo judicial em curso, mesmo em se tratando de registro imobiliário.” (STJ, RMS 26.493/RS, 2ª T., Relª Eliana Calmon, J. 19.08.2008, DJe 23.09.2008)

outros meios17; a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse; as despesas com a realização de exame de código genético (DNA) e de outros exames considerados essenciais; os honorários do advogado e do perito18-19; a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira; o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução; os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao 17 A Lei nº 7.288, de 1984, já havia adicionado um parágrafo único ao art. 3º da Lei nº 1.060, de 1950, para determinar que, nos casos de gratuidade judiciária, a publicação de edital em jornal encarregado da divulgação de atos oficiais dispensa a publicação em outro jornal. 18 Segundo o art. 95, § 3º, do novo Código, quando o pagamento da perícia for de responsabilidade de beneficiário de gratuidade da justiça, poderá ser custeada com recursos alocados no orçamento do ente público e realizada por servidor do Poder Judiciário ou por órgão público conveniado; ou paga com recursos alocados no orçamento da União, do Estado ou do Distrito Federal, no caso de ser realizada por particular, hipótese em que o valor será fixado conforme tabela do tribunal respectivo ou, em caso de sua omissão, do Conselho Nacional de Justiça. Restou expressamente vedada a utilização de recursos do fundo de custeio da Defensoria Pública para este fim (§ 5º do art. 95). Ao final, caso a parte vencida não seja beneficiária da gratuidade da justiça, o juiz, após o trânsito em julgado, deverá oficiar a Fazenda Pública para que promova, contra quem tiver sido condenado ao pagamento das despesas processuais, a execução dos valores gastos com a perícia particular ou com a utilização de servidor público ou da estrutura de órgão público (§ 4º do art. 95). Sendo vencido o beneficiário, a exigibilidade pelo pagamento das despesas da perícia ficará suspensa, conforme o disposto no art. 98, §§ 2º e 3º, combinado com o § 4º, in fine, do art. 95. 19 Segundo o novo Código de Processo Civil, nas hipóteses de gratuidade de justiça, os órgãos e as repartições oficiais responsáveis pelo exame pericial de natureza médico-legal ou de autenticidade ou falsidade de documento deverão cumprir a determinação judicial com preferência, no prazo estabelecido juiz (art. 478, § 1º).


No que tange à isenção do pagamento dos emolumentos, havendo dúvida fundada quanto ao preenchimento contemporâneo dos pressupostos autorizadores para a concessão de gratuidade da justiça, o notário ou o registrador poderá, após praticar o ato, requerer a revogação total ou parcial do benefício ou a sua substituição pelo pagamento parcelado dos emolumentos, na forma do § 6º do art. 98 do novo Código, ao juízo competente para decidir questões notariais ou registrais (art. 98, § 8º). Recebido o requerimento do notário ou registrador, o juízo deverá ordenar a citação do beneficiário para, em quinze dias, manifestar-se (art. 98, § 8º, in fine). De outra parte, assim como na perícia (art. 98, § 7º), quando o pagamento dos emolumentos for de responsabilidade de beneficiário de gratuidade da justiça, poderão ser custeados com recursos alocados no orçamento do ente público, sendo vedada a utilização de recursos do fundo de custeio da Defensoria Pública para seu provimento (art. 95, §§ 3º e 5º). Em qualquer caso, esse custeio dos emolumentos deverá observar a tabela e as condições da lei estadual ou distrital respectiva (art. 98, § 7º). E, ao final, caso a parte vencida

não seja beneficiária da gratuidade da justiça, o juiz, após o trânsito em julgado, deverá oficiar a Fazenda Pública para que promova a execução dos valores gastos com os emolumentos contra quem tiver sido condenado ao pagamento das despesas processuais. Se restar vencido o beneficiário, a exigibilidade pelo pagamento ficará suspensa, conforme o disposto no art. 98, §§ 2º e 3º (art. 95, § 4º)20.

3 REQUERIMENTO O novo Código de Processo Civil propõe uma evolução significativa no âmbito do requerimento da gratuidade da justiça. Sem abranger a hipótese de postulação pelo réu ou por terceiros intervenientes no processo, o caput do art. 4º da Lei nº 1.060, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 1.510, de 1986, dispõe que a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família21. Quem afirmar essa condição de necessitado é considerado pobre, até prova em contrário, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais (art. 4º, § 1º, na redação dada pela Lei nº 7.510, de 1986)22. Já o novo Código estabelece que o pedido 20 Essas regras aplicam-se também em relação às despesas de perícia. Veja-se o art. 95, §§ 3º a 5º, do novo Código de Processo Civil. 21 Na redação original, o art. 4º da Lei nº 1.060, de 1950, estabelecia que, para gozar a assistência judiciária, a parte deveria requerer ao juiz competente que lhe concedesse o benefício, mencionando, na petição, o rendimento ou vencimento que percebia e os encargos próprios e os da família. 22 O § 1º do art. 4º da Lei nº 1.060, de 1950, exigia, em sua redação original, que a petição de requerimento da gratuidade judiciária fosse instruída com um atestado, expedido por autoridade policial ou pelo prefeito municipal, em que constasse que o requerente era necessitado, não tendo condições de pagar as despesas do processo. Nas capitais dos Estados e no Distrito

Setembro/2016 – Ed. 234

exercício da ampla defesa e do contraditório; e os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido. O novo Código também isenta o autor de ação rescisória, beneficiário de gratuidade da justiça, de depositar a importância de 5% sobre o valor da causa, que se converterá em multa caso a ação seja, à unanimidade, declarada inadmissível ou improcedente (art. 968, II, § 1º), bem como estabelece que, nas audiências de mediação realizadas em litígios coletivos pela propriedade ou pela posse de imóvel por esbulho ou turbação ocorrida há mais de ano e dia, a Defensoria Pública deverá ser intimada a comparecer à audiência sempre que houver parte beneficiária de gratuidade da justiça (art. 565, caput e §§ 3º e 5º).

22


Setembro/2016 – Ed. 234

de gratuidade da justiça poderá ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso (art. 99, caput). Presumir-se-á verdadeira a alegação de insuficiência deduzida por pessoa natural (art. 99, § 3º), devendo o procurador ter poder especial para assinar declaração de hipossuficiência econômica em favor do constituinte (art. 105, caput). Em relação ao pedido incidental, na sistemática vigente deve ser formulado em petição própria, a qual deve ser autuada em separado, apensando-se os respectivos autos aos da causa depois de resolvido o incidente (Lei nº 1.060, art. 6º, in fine)23. Em face do disposto na primeira parte do art. 6º da Lei nº 1.060, de 1950, prepondera o entendimento de que deve provar a insuficiência o jurisdicionado que requer a gratuidade judiciária no curso do processo, após outras manifestações. No novo Código, se for superveniente à primeira manifestação do requerente na instância, o pedido poderá ser formulado por petição simples, nos autos do próprio processo, sem suspender o seu curso (art. 99, § 1º). Ante a omissão, presumir-se-á verda-

23

Federal, o atestado da competência do prefeito podia ser expedido por autoridade expressamente designada pelo mesmo (Lei nº 1.060, art. 4º, § 2º). Em 1979, a Lei nº 6.707 deu nova redação ao parágrafo em questão, para dispensar o atestado se o requerente apresentasse o contrato de trabalho comprobatório de que percebia salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal regional. Ainda em 1979, a Lei nº 6.654 acresceu um § 3º ao art. 4º da Lei nº 1.060, prescrevendo que substitui o referido atestado a apresentação da carteira de trabalho e previdência social, devidamente legalizada. 23 Segundo o Superior Tribunal de Justiça, o pedido incidental não pode ser formulado no próprio recurso, senão em petição avulsa: “Embora o pedido de assistência judiciária gratuita possa ser formulado a qualquer tempo, nos casos em que a ação judicial esteja em curso ele deve ser veiculado em petição avulsa, a qual será processada em apenso aos autos da causa principal, segundo os termos da Lei nº 1.060/1950, e não no próprio corpo do agravo em recurso especial, como ocorreu no presente caso. Portanto, a concessão da gratuidade deve preceder a interposição do recurso” (STJ, EDcl-AREsp 512.956/SP, 4ª T., Rel. Luis Felipe Salomão, J. 10.06.2014, DJe 24.06.2014).

deira, tal como no pedido realizado na primeira manifestação, a alegação de insuficiência deduzida por pessoa natural no curso do processo (art. 99, § 3º). E, caso seja requerida a concessão de gratuidade da justiça em recurso, o recorrente estará dispensado de comprovar o recolhimento do preparo, incumbindo ao relator, neste caso, apreciar o requerimento e, se indeferi-lo, fixar prazo para realização do recolhimento (art. 99, § 7º). Quanto à pessoa jurídica, deverá sempre demonstrar a insuficiência de recursos, não sendo bastante a mera alegação (art. 99, § 3º)24. Tendo em vista que a alegação do requerente de que não reúne recursos suficientes para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios gera presunção iuris tantum de insuficiência, por admitir prova em contrário, o juiz poderá determinar-lhe a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos. Se o requerente não trouxer aos autos elementos que evidenciem a reunião dos pressupostos legais, o pedido de gratuidade judiciária será denegado. O Magistrado somente poderá indeferir o pedido depois de oportunizar ao requerente a prova da insuficiência, sendo-lhe vedada a denegação liminar do pleito (art. 99, § 2º). No caso de concessão da gratuidade da justiça a jurisdicionado assistido por advogado particular, estará sujeito a preparo o recurso que verse exclusivamente sobre valor de honorários de sucumbência fixados em favor do procurador do beneficiário. O recurso estará isento de preparo somente se o próprio advogado demonstrar que tem direito à gratuidade, por não ter recursos suficientes para arcar com os encargos processuais (art. 99, § 5º). Esta inteligência deverá ser observada em outros atos do processo, como a liquidação ou 24 Tal como já assentado atualmente na jurisprudência: “O benefício da assistência judiciária gratuita somente pode ser concedido à pessoa jurídica, independentemente de ser ou não de fins lucrativos, se esta comprovar que não tem condições de arcar com as despesas do processo sem o comprometimento da manutenção de suas atividades” (STJ, REsp 1.064.269/RS, 4ª T., Rel. Raul Araújo, J. 19.08.2010, DJe 22.09.2010).


4 DECISÃO CONCESSIVA E SEUS EFEITOS A decisão que defere a gratuidade da justiça tem eficácia ex nunc26. Nesse sentido, caso o benefício seja deferido incidentemente, não alcançará os atos processuais anteriores, inclusive eventuais condenações. Na verdade, o beneficiário ficará isento, a partir da concessão, de prover as despesas processuais e as custas processuais dos atos que realizar ou requerer no processo (art. 82, caput). De acordo com o art. 9º da Lei nº 1.060, de 1950, não revogado pelo novo Código (art. 1.072, III), os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias. Pelo novo Código de Processo Civil, poderá o Magistrado, de acordo com as circunstâncias do caso, cingir o benefício a algum dos atos processuais ou, ainda, reduzir o percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento (art. 98, § 5º). Em conformidade com o art. 13 da Lei nº 1.060, de 1950, também não revogado pelo novo Código (art. 25 O art. 10 da Lei nº 1.060, de 1950, não revogado pelo novo Código (art. 1.072, III), já disciplina que “são individuais e concedidos em cada caso ocorrente os benefícios de assistência judiciária, que se não transmitem ao cessionário de direito e se extinguem pela morte do beneficiário, podendo, entretanto, ser concedidos aos herdeiros que continuarem a demanda e que necessitarem de tais favores, na forma estabelecida nesta lei” (Brasil, 2014a, p. 224). 26 Sobre a ausência de efeito retroativo da decisão que concede a gratuidade judiciária, vejam-se: STJ, AgRg-REsp 1.412.856/SP, 2ª T., Rel. Herman Benjamin, J. 27.03.2014, DJe 15.04.2014; e STJ, EDcl-AREsp 512.956/SP, 4ª T., Rel. Luis Felipe Salomão, J. 10.06.2014, DJe 24.06.2014.

1.072, III), se o assistido puder atender, em parte, as despesas do processo, o juiz deve mandar pagar as custas que deverão ser rateadas entre os que tiverem direito ao seu recebimento. O novo Código permite ao juiz, ainda, conforme o caso, conceder apenas o direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar (art. 98, § 6º)27. De todo modo, a concessão de gratuidade não afasta o dever de o beneficiário pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas (art. 99, § 4º)28. E, se o beneficiário restar vencido no processo, a concessão de gratuidade não afasta a sua responsabilidade pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência (art. 99, § 2º). As obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e poderão ser executadas se, nos cinco anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade. Passado esse prazo, extinguem-se tais obrigações do beneficiário (art. 99, § 3º)29. 27 Jaqueline Mielke Silva (2015) esposa que essa possibilidade de parcelamento deveria beneficiar não apenas aqueles que tiverem o benefício negado, mas também todos aqueles que são partes e não têm direito à gratuidade. 28 Segundo o art. 1.021, §§ 4º e 5º, do novo Código, quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa. A interposição de qualquer outro recurso estará condicionada ao depósito prévio do valor da multa prevista no § 4º, à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que farão o pagamento ao final. Na mesma senda é a multa imposta pela reiteração de embargos de declaração considerados manifestamente protelatórios (art. 1.026, §§ 2º e 3º). 29 De acordo com o art. 12 da Lei nº 1.060, de 1950, a parte beneficiada pela isenção do pagamento das custas fica obrigada a pagá-las, desde que possa fazê-lo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família. Se

Setembro/2016 – Ed. 234

cumprimento de sentença visando à satisfação de créditos de honorários advocatícios de sucumbência. Isso porque o direito à gratuidade da justiça é pessoal, não se estendendo ao advogado, tampouco a litisconsorte ou a sucessor do beneficiário, salvo requerimento e deferimento expressos (art. 99, § 6º)25.

24


Setembro/2016 – Ed. 234

5 REVOGAÇÃO

25

Segundo o novo Código de Processo Civil, deferida a gratuidade da justiça, a parte contrária poderá oferecer impugnação na contestação, na réplica, nas contrarrazões de recurso ou nos casos de pedido superveniente ou formulado por terceiro, por meio de petição simples, a ser apresentada no prazo de quinze dias, nos autos do próprio processo, sem suspensão de seu curso (arts. 100, caput, e 337, XIII). A novidade em relação à sistemática vigente é que o pedido de impugnação processar-se-á nos próprios autos, e não em autos apartados, como previsto no § 2º do art. 4º da Lei nº 1.06030. Todavia, o legislador foi omisso quanto ao procedimento do pedido de revogação posterior, bem como sobre a possibilidade de o órgão judicial fazê-lo ex officio. Como o art. 1.072, III, não inclui o art. 8º entre os revogados da Lei nº 1.060, permanecerá em vigor a regra no sentido de que o juiz pode, de ofício, decretar a revogação dos benefícios, ouvida a parte interessada dentro de quarenta e oito horas improrrogáveis. O mesmo não acontece em relação ao art. 6º da Lei nº 1.060 (art. 1.072, III), o qual prevê que a parte contrária pode, em qualquer fase da lide, requerer a revogação dos benefícios de gratuidade judiciária, desde que prove a inexistência ou o desaparecimento dos requisitos essenciais à sua concessão. Esse requerimento não suspende o curso da ação e se processa em autos apartados, os quais são apensados aos da causa depois de julgado. Malgrado a lacuna, não há como deixar de dentro de cinco anos, a contar da sentença final, o assistido não puder satisfazer tal pagamento, fica prescrita a pretensão de cobrá-las. 30 Além da impugnação, admite-se hoje que a parte contrária interponha, de imediato, agravo de instrumento contra a decisão deferitória de gratuidade judiciária. Veja-se: “Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é também cabível, além do incidente de impugnação, previsto na Lei nº 1.060/1950, a interposição de agravo de instrumento contra decisão que defere a assistência judiciária” (STJ, REsp 906.548/RS, 4ª T., Rel. Aldir Passarinho Junior, J. 03.02.2011, DJe 11.02.2011).

se admitir, na vigência do novo Código, a possibilidade de se postular a revogação ulterior do benefício, até pelo disposto no seu § 3º do art. 98. Na mesma linha da impugnação, tem-se que o pedido de revogação incidente, mediante a demonstração de que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que havia justificado a concessão da gratuidade, deverá ser deduzido por meio de petição simples, nos autos do próprio processo, sem suspendê-lo. Em qualquer caso, seja pelo acolhimento de impugnação, seja pelo acolhimento de pedido ulterior de revogação, a decisão que desconstitui o benefício tem eficácia ex tunc. De acordo com o parágrafo único do art. 100 do novo Código, revogado o benefício, o ex-beneficiário arcará com as despesas processuais que tiver deixado de adiantar e pagará, em caso de má-fé, até o décuplo de seu valor a título de multa, que será revertida em benefício da Fazenda Pública estadual ou federal e poderá ser inscrita em dívida ativa.

6 RECORRIBILIDADE Na sistemática atual, existe grande celeuma sobre os recursos cabíveis contra as decisões concernentes à gratuidade judiciária. Promulgada na vigência do Código de Processo Civil de 1939, a Lei nº 1.060 estabelecia, originalmente, que cabia o recurso de agravo de instrumento das decisões proferidas em consequência de aplicação desta lei, salvo quando a decisão fosse denegatória da assistência, caso em que o agravo seria de petição (art. 17). Instituído o Código de Processo Civil em vigor, que aboliu o agravo de petição, foi editada a Lei nº 6.014, de 1973, que deu nova redação ao art. 17 da Lei nº 1.060, para determinar o cabimento de apelação das decisões proferidas em consequência da aplicação desta lei, a despeito de sua natureza interlocutória. Diante da incoerência do art. 17 da Lei nº 1.060 com as disposições do Código de Processo Civil de 1973, que prevê, pragmaticamente, agravo contra as decisões interlocutórias (art. 522) e apelação contra sentença (art. 513),


31 Cita-se, por tantos: “Conforme entendimento desta Corte, em se tratando de decisão sobre gratuidade de justiça nos autos da ação principal e não em autos apartados, o recurso cabível é o agravo de instrumento, em razão da natureza interlocutória do decisum” (STJ, AgRg-Ag 737.212/SP, 4ª T., Rel. Jorge Scartezzini, J. 20.06.2006, DJ 14.08.2006, p. 287). 32 A propósito: “Assistência judiciária. Gratuidade. Benefício revogado na audiência. Recurso cabível. Lei nº 1.060/1950, art. 17. Recurso provido. I – É a apelação o recurso próprio contra a decisão que, na audiência de instrução e julgamento, na qual proferida sentença, revoga o beneficio da gratuidade anteriormente concedido na causa. II – Precedente da Turma (REsp 7.641/SP, DJ 11.11.1991) fixou entendimento de que, no sistema recursal vigente, somente na hipótese do art. 5º, caput, da Lei nº 1.060/1950, é adequado o agravo” (STJ, REsp 10.906/RJ, 4ª T., Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira, J. 25.02.1992, DJ 30.03.1992, p. 3993). 33 Neste exato sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “Contra a decisão que julga impugnação ao deferimento do benefício da justiça gratuita em autos apartados cabe o recurso de apelação. Precedentes” (STJ, AgRg-AgRg-AREsp 205.523/SP, 3ª T., Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva, J. 21.05.2013, DJe 04.06.2013).

revogação ulterior. Mediante interpretação extensiva, essas hipóteses devem ser consideradas incluídas no caput do art. 101 e no inciso V do art. 1.015 do novo Código. Além de afrontar a igualdade processual, não há justificava para dita mitigação do direito fundamental de recorrer. Consoante o § 1º do art. 101 do novo Código, o recorrente estará dispensado do recolhimento de custas até decisão do relator sobre a questão, preliminarmente ao julgamento do recurso. Confirmada a denegação ou a revogação da gratuidade, o relator ou o órgão colegiado determinará ao recorrente o recolhimento das custas processuais, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecimento do recurso (art. 101, § 2º). Essas disposições aplicam-se apenas na hipótese em que a gratuidade é uma entre outras matérias objeto do recurso. Embora omisso o novo Código, tem-se que o requerente da gratuidade da justiça estará dispensado do recolhimento das custas até a decisão final se estiver recorrendo exclusivamente da decisão que tiver denegado ou revogado o benefício34. Pois, se a única pretensão recursal é justamente a denegação ou a revogação da gratuidade da justiça, nada restará para ser julgado caso o relator confirme monocraticamente a decisão de primeiro grau e o recorrente não recolha as custas processuais no prazo de cinco dias. Não se coaduna com as garantias de acesso à justiça condicionar o requerente de gratuidade da justiça a depositar 34 Atualmente, exige-se apenas a realização do preparo, sob pena de deserção, caso o recorrente tenha denegado a gratuidade da justiça. Veja-se: “‘Afirmada a necessidade de justiça gratuita, seja em que momento for, não pode o órgão julgador declarar deserto o recurso sem se pronunciar sobre o pedido de assistência judiciária. Caso indeferida a gratuidade, deve-se abrir ao requerente oportunidade para o preparo’ (AgRg-Ag 622403/RJ, 6ª T., Min. Nilson Naves, DJ 06.02.2006). No mesmo sentido: REsp 731880/MG, 4ª T., Min. Jorge Scartezzini, DJ 14.11.2005; RMS 19747/ RJ, 3ª T., Min. Castro Filho, DJ 05.09.2005; e REsp 556081/SP, 4ª T., Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 28.03.2005” (STJ, REsp 885.071/SP, 1ª T., Rel. Teori Albino Zavascki, J. 27.02.2007, DJ 22.03.2007, p. 313).

Setembro/2016 – Ed. 234

a jurisprudência delineou o cabimento do agravo contra as decisões sobre gratuidade da justiça proferidas nos autos do processo31, exceto se for prolatada em sentença, junto com o julgamento da causa, quando é cabível a apelação, em atenção ao princípio da unirrecorribilidade32. Também se assentou o cabimento de apelação contra as decisões sobre gratuidade da justiça proferidas em autos separados, seja apreciando pedido incidental do benefício, impugnação ou revogação ulterior33. Pretendendo resolver a polêmica, o novo Código define que caberá agravo de instrumento contra a decisão que indeferir a gratuidade ou a que acolher pedido de sua revogação, exceto quando a questão for resolvida na sentença, contra a qual caberá apelação. Posto que se mostre correta a supressão da hipótese de se agravar da decisão que defere a gratuidade da justiça, em virtude da possibilidade de a parte contrária impugná-la por primeiro, não se mostra adequado denegar à parte o direito de recorrer da decisão que rejeita a impugnação ou o pedido de

26


as custas para auferir o julgamento de seu pleito. De outra parte, sobrevindo o trânsito em julgado de decisão que revoga a gratuidade da justiça, a parte deverá, em razão da eficácia ex tunc, efetuar o recolhimento de todas as despesas de cujo adiantamento foi dispensada, inclusive as relativas ao recurso interposto, se houver, no prazo fixado pelo juiz, sem prejuízo de aplicação das sanções previstas em lei (art. 102, caput). Se não for efetuado o recolhimento, o processo será extinto sem resolução de mérito, tratando-se do autor, e, nos demais casos, não poderá ser deferida a realização de nenhum ato ou diligência requerida pela parte enquanto não efetuado o depósito (art. 102, parágrafo único).

Setembro/2016 – Ed. 234

CONCLUSÃO

27

Ante a omissão do legislador, desde 1950 o benefício da gratuidade da justiça é regulado pela Lei nº 1.060. Aprovado em dezembro de 2014, o novo Código de Processo Civil passará a disciplinar a matéria, revogando os arts. 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 11, 12 e 17 da Lei nº 1.060 (art. 1.072, III). Do cotejo entre os dois microssistemas processuais, constata-se a superioridade do novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor um ano após a sua publicação oficial (art. 1.045). A vantagem sobeja, sobretudo, na redefinição do cabimento do benefício, pressupondo simplesmente a insuficiência de recursos para o pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios. O novo Código também positiva a possibilidade de se conceder a gratuidade da justiça a pessoas jurídicas e abarca as perspectivas do réu e terceiros intervenientes. Outro destaque do novo Código centra-se na simplificação do procedimento. Estabelece que o pedido de gratuidade da justiça poderá ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso, ou, se for superveniente à primeira manifestação do requerente, por petição simples, sempre nos autos do próprio processo e sem suspender

o seu curso. Por outro lado, a parte contrária poderá oferecer impugnação na contestação, na réplica, nas contrarrazões de recurso ou, nos casos de pedido superveniente ou formulado por terceiro, por meio de petição simples, nos próprios autos. O novo Código permite que o benefício se limite a determinado ato processual, à redução do percentual ou ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no processo. Em uma análise perfunctória, realizada ainda no período de vacatio legis, poucos meses depois da sanção presidencial, conclui-se que o novo Código de Processo Civil mostra-se, em linhas gerais, consonante com a contemporânea ciência processual e suficiente para atender as vicissitudes do foro. Na verdade, a disciplina da matéria inova em pouca medida, procedendo senão a uma atualização da norma jurídica em relação à doutrina e à jurisprudência, além de conformá-la com o restante do sistema processual. Nessas primeiras considerações, avultaram, como omissões, a ausência de expressa regulamentação do pedido de revogação incidental do benefício e do cabimento de recurso contra a decisão que rejeita a impugnação ou o pedido de revogação ulterior. Reflexões mais proficientes e a experiência decorrente da aplicação prática certamente suscitarão novas questões quando o novo Código entrar em vigor. Imagina-se, porém, que as lacunas e as imperfeições identificadas poderão ser superadas pela integração e interpretação, a exemplo daquelas supramencionadas neste artigo. A gratuidade da justiça constitui uma garantia processual fundamental, constitucionalmente consagrada no capítulo Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos do título Dos Direitos e Garantias Fundamentais. A sua importância está a exigir não apenas a evolução do direito positivo, mas, também, da pesquisa científica e da cultura processual de todos os atores do cenário jurídico. Assim como há abusos na obtenção do benefício, muitas vezes chancelados por advogados e juízes, há excessos na sua denegação, não raro


REFERÊNCIAS BRASIL. Código de Processo Civil (1973) e Constituição Federal (1988). Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes, Juliana Nicoletti. 44. ed. São Paulo: Saraiva, 2014a. ______. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Código de Processo Civil: anteprojeto. Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010a.

cios Interiores pelo Professor Alfredo Buzaid. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1964. ______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento (AgRg-AI) nº 737.212/SP. Quarta Turma. Relator: Jorge Scartezzini, J. 20.06.2006, DJ 14.08.2006, p. 287. ______. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Agravo em Recurso Especial (EDcl-AREsp) nº 512.956/SP. Quarta Turma. Relator: Luis Felipe Salomão, J. 10.06.2014, DJe 24.06.2014. ______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) nº 10.906/ RJ. Quarta Turma. Relator: Sálvio de Figueiredo Teixeira, J. 25.02.1992, DJ 30.03.1992, p. 3993. ______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) nº 906.548/ RS. Quarta Turma. Relator: Aldir Passarinho Junior, J. 03.02.2011, DJe 11.02.2011.

______. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão Temporária da Reforma do Código de Processo Civil. Parecer nº 1.624, de 2010. Brasília: [s.ed.], 2010b.

______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) nº 1.064.269/RS. Quarta Turma. Relator: Raul Araújo, J. 19.08.2010, DJe 22.09.2010.

______. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Comissão Especial destinada a proferir Parecer ao Projeto de Lei nº 6.025, de 2005, ao Projeto de Lei nº 8.046, de 2010, ambos do Senado Federal, e outros que tratam do “Código de Processo Civil” (revogam a Lei nº 5.869, de 1973). Parecer. Brasília: [s.ed.], 2012.

______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) nº 885.071/ SP. Primeira Turma. Relator: Teori Albino Zavascki, J. 27.02.2007, DJ 22.03.2007, p. 313.

______. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão Temporária do Código de Processo Civil. Parecer nº 1.111, de 2014: texto consolidado com os ajustes promovidos pela Comissão Temporária do Código de Processo Civil. Redação atualizada até a aprovação do texto base, em 16.12.2014, do Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado nº 166, de 2010 (nº 8.046, de 2010, naquela Casa), sem a inclusão dos destaques aprovados em 17.12.2014. Brasília: [s.ed.], 2014b. ______. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão Temporária do Código de Processo Civil. Parecer nº 1.111, de 2014: Redação final do Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado nº 166, de 2010 (nº 8.046, de 2010, naquela Casa), nos termos do texto consolidado pela Comissão Temporária do Código de Processo Civil, com as adequações propostas pelo Relator e os destaques aprovados pelo Plenário. Brasília: [s.ed.], 2015. ______. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Anteprojeto de Código de Processo Civil. Apresentado ao Exmo. Sr. Ministro da Justiça e Negó-

______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) nº 1.274.466/SC. Segunda Seção. Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, J. 15.05.2014, DJe 21.05.2014. ______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial (AgRg-REsp) nº 1.412.856/SP. Segunda Turma. Relator: Herman Benjamin, J. 27.03.2014, DJe 15.04.2014. ______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS) nº 26.493/RS. Segunda Turma. Relatora: Eliana Calmon, J. 19.08.2008, DJe 23.09.2008. ______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial (AgRg-AgRg-AREsp) nº 205.523/ SP. Terceira Turma. Relator: Ricardo Villas Bôas Cueva, J. 21.05.2013, DJe 04.06.2013. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acess to justice: the worldwide movement to make rights effective: a general report. In: CAPPELLETTI, Mauro (Ed.). Access to justice. Alphen aan den Rijn: Sijthoff & Noordhoff; Milan: Giuffrè, v. I, 1978.

Setembro/2016 – Ed. 234

sob o manto de formalismos pretextados em prol de melhores índices estatísticos, mesmo que ao custo de tolher o acesso à justiça.

28


CAPPELLETTI, Mauro. Appunti per uma fenomenologia della giustizia nel XX secolo. In: Studi in onore di Enrico Tullio Liebman. Milano: Griuffrè, v. 1, 1979. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. GIANNAKOS, Angelo Maraninchi. Assistência judiciária no Direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à justiça em Mauro Cappelletti: análise teórica desta concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O projeto do CPC: críticas e propostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. MATTOS, Sérgio Luís Wetzel de. Devido processo legal e proteção de direitos. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2009. MONTENEGRO FILHO, Misael. Projeto do Novo Código de Processo Civil: confronto entre o CPC atual e o Projeto do Novo CPC, com comentários às modificações substanciais. São Paulo: Atlas, 2011. MOREIRA, José Carlos Barbosa. O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento brasileiro de nosso tempo. Revista da Ajuris, Porto Alegre, Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, 1992, v. 55, p. 60-75, 1992. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

Setembro/2016 – Ed. 234

OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. São Paulo: Atlas, v. 1, 2010.

29

PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento (AI) nº 70063720635. Sexta Câmara Cível. Relator: Ney Wiedemann Neto, J. 04.03.2015. SICA, Heitor Vitor Mendonça. O direito de defesa no processo civil brasileiro: um estudo sobre a posição do réu. São Paulo: Atlas, 2011. SILVA, Jaqueline Mielke. Anotações aos artigos 98 a 102 do novo Código de Processo Civil. In: MELLO, Rafael Corte; GIORGI JUNIOR, Romulo Ponticelli (Org.). Novo Código de Processo Civil anotado. 1. ed. Charleston: CreateSpace, 2015.


Doutrina

A Dimensão Política do Direito Administrativo Constitucionalizado: uma Elevação Teórica e Prática do Direito Administrativo em Prol da Concretização dos Direitos Fundamentais CLÓVIS MENDES LEITE REIMÃO DOS REIS

Pós-Graduando em Direito Público pela Faculdade Baiana de Direito, Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Membro do grupo de pesquisa “Fundamentos para uma Nova Teoria do Direito Administrativo” da UFBA, Técnico Administrativo do Ministério Público do Estado da Bahia.

RESUMO: A presente pesquisa objetiva a elevação teórica e prática do direito administrativo como agente transformador da realidade social, regulando a concretização das diretrizes políticas do Estado. Para tanto, inicialmente, foi analisado o fenômeno do neoconstitucionalismo e da juridicização da política. Por sua vez, destacamos a importância da Administração Pública na concretização do Texto Constitucional e a inconsistência teórica da separação entre “Administração Pública” e “Governo”. Por derradeiro, evidenciamos o papel do direito administrativo constitucionalizado na regulação e concretização das diretrizes políticas e dos direitos fundamentais constitucionais. PALAVRAS-CHAVE: Neoconstitucionalismo; política; Administração Pública; governo; direito administrativo constitucionalizado.

ABSTRACT: This research aims to elevate the theoretical and practice of administrative law as an agent of social reality, regulating the implementation of state policy guidelines. To this purpose, initially, it was analyzed the phenomenon of neoconstitutionalism and legal incorporation of policy. Subsequently, we focus on the importance of public administration in the implementation of the Constitution and the theoretical inconsistency of the separation between “Public Administration” and “Government”. Finally, we noted the function of administrative law constitutionalized in the regulation and implementation of policy guidelines and fundamental constitutional rights.

KEYWORDS: Neoconstitutionalism; policy; Public Administration; government; administrative law constitutionalized.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O neoconstitucionalismo, a juridicização da política e a importância da Administração Pública; 2 Desmistificando a separação entre governo e Administração; 2.1 A origem histórica da separação: uma manobra política do Conselho de Estado francês; 2.2 Ultrapassando o paradigma weberiano: a interpenetração entre a política e a burocracia; 3 Atividade de planejamento e direcionamento superior estatal e o direito administrativo constitucionalizado; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO O presente trabalho almeja uma ampliação quantitativa e qualitativa do objeto de estudo do direito administrativo contemporâneo, agregando-lhe a atividade de planejamento e direcionamento superior do Estado. Atualmente, o direito administrativo regula uma Administração Pública dirigente e planejadora que pouco se distingue do denominado “governo” na concretização das diretrizes políticas estatais e dos direitos fundamentais dos cidadãos. Conforme esse desiderato, utilizando o método hermenêutico e a técnica hipotético-dedutiva, destacamos, inicialmente, o diálogo neoconstitucional


entre a política e o Direito e a importância da Administração Pública na concretização do Texto Constitucional.

Setembro/2016 – Ed. 234

Posteriormente, fizemos uma análise crítica do dogma tradicional da separação entre os “atos políticos” e os “atos administrativos” (e entre Administração e governo). Evidenciamos, por meio da origem histórica dessa separação e da sua incorporação em uma Administração burocrática weberiana, que não existe uma fundamentação jurídica sólida para tal distinção.

31

Nesse contexto, foi reconhecida a supremacia material e axiológica da Constituição, cujo conteúdo seria dotado de força normativa3 e expansiva, relegando à lei uma posição de subordinação. Destarte, o direito “autofundamenta-se constitucionalmente”4, é dizer, todas as searas jurídicas (incluindo o direito administrativo, por óbvio) passaram a ter como parâmetro de legitimidade a Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados. Desse modo, foi instituída uma leitura do direito a partir do “filtro constitucional”5.

Por fim, após pregarmos uma atualização teórica do direito administrativo por meio de sua constitucionalização, ampliamos quantitativa e qualitativamente o objeto de estudo dessa seara jurídica visando a uma melhor concretização dos direitos fundamentais.

De modo sintético, o neoconstitucionalismo é caracterizado materialmente pela incorporação explícita de valores e opções políticas (v.g.: redução das desigualdades sociais, prestação específicas no campo da saúde e educação, etc.) nos Textos Constitucionais, dando caráter normativo à política e atrelando-a à concretização dos direitos fundamentais6.

1 O NEOCONSTITUCIONALISMO, A JURIDICIZAÇÃO DA POLÍTICA E A IMPORTÂNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Isso significa que a política, entendida aqui enquanto escolha dos meios possíveis para alcançar os fins do Estado na realização do bem comum e da ordenação da convivência humana7,

O fenômeno do neoconstitucionalismo1 começou a se desenvolver no início do século XX, após a segunda Guerra Mundial, com a crise do legalismo exacerbado e a formação dos Estados Constitucionais de Direito2.

3 Segundo Konrad Hesse, a Constituição possui uma força própria, motivadora e ordenadora da vida do Estado. É chamada “vontade da Constituição” (WillezurVerfassung), que nos leva à necessidade de uma ordem normativa inquebrantável que proteja o Estado contra o arbítrio; que é mais que uma ordem legitimada pelos fatos e que precisa da vontade humana para ser eficaz. Para maiores informações: HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Mendes.Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991. passim. 4 Cf. NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo, p. 59. 5 Cf. SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional, passim. 6 Cf. BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais..., p. 85. 7 Segundo Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, a política não é apenas ciência do agir, as escolhas políticas devem se pautar em princípios morais, sociológicos e utilitários. Cf. BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Conceito de política, p.17-29.

1 O neoconstitucionalismo começou a se desenvolver no século XX, em substituição ao constitucionalismo moderno vigente no Estado Legalista, que pregava o ideal iluminista de limitação do poder e valorização da lei. Assim, esse “novo” (neo) constitucionalismo trouxe como marcos fundamentais a supremacia constitucional e a importância da concretização dos direitos fundamentais em respeito à dignidade da pessoa humana. Cf. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional..., p. 283-290. 2 Cf. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito..., p. 03-05.


Essa juridicização da política ficou ainda mais evidente nas Constituições dirigentes-compromissórias (como é o caso da Constituição brasileira), pois estas estabelecem diretrizes, fins e programas políticos a serem realizados efetivamente pelo Estado. De fato, segundo Lênio Streck, a Constituição dirigente é um documento que une o jurídico ao político, pois “constitui-a-ação” do Estado como condição de emancipação da sociedade e resgate das promessas da modernidade9. Diante desse diálogo neoconstitucional entre a política e o Direito, a Administração Pública10 assume um papel fundamental, sobretudo com relação à concretização das diretrizes políticas constitucionais do Estado11. Basta percebermos que a Administração Pública desempenha a atividade administrativa executora daquilo que está positivado na Constituição, dando-lhe a devida eficácia e vinculação com a realidade social e os fatores reais do poder. É com essa atividade administrativa, pois, que a Constituição não consiste apenas em uma mera “folha de papel”12. 8 Cf. DAVI, Kaline. A dimensão política da Administração Pública..., p. 55-56. 9 Cf. STRECK, Lênio. Jurisdição constitucional e hermenêutica..., p. 112-117. 10 Entendemos a Administração Pública como o conjunto de pessoas, públicas ou privadas, e de órgãos que exercitem a função administrativa e a atividade administrativa, por meio de medidas concretas juridicamente vinculadas a fins de interesse público constitucional e legalmente pré-determinados. Cf. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional, p. 754; JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo, p. 33. 11 Barcellos, Op. cit., p. 95. 12 A célebre expressão é de Ferdinand Lassalle, em que a Constituição jurídica consistiria em uma mera folha de papel caso não tivesse vinculada à realidade social e aos fatores reais de poder. Cf. LASSALLE, Ferdinand. Que é uma Constituição? passim.

Com efeito, como adverte o jurista português Paulo Otero, de nada adianta a Constituição proclamar que todos têm direito à educação e saúde, v.g., se a Administração Pública não agir para possibilitar a construção de escolas e hospitais; a contratação de professores e médicos e a compra de meios materiais para seu efetivo funcionamento. Sem a atividade administrativa, portanto, os direitos fundamentais nunca passarão de meras proclamações de papel13. Essa concretização das diretrizes políticas constitucionais, contudo, não se limita às atividades administrativas materiais de execução; ela envolve também um momento prévio de planejamento e direcionamento superior estatal14. O gestor público, antes de executar uma política pública específica, por exemplo, deve perpassar por um procedimento prévio denominado de ciclo das políticas públicas (PolicyCycle). Nesse procedimento, o gestor deve perceber um problema na sociedade (definição da agenda pública); formular possíveis soluções ouvindo os interessados e corpo técnico administrativo (formulação das políticas públicas); escolher as atitudes que serão tomadas; e definir os recursos e o prazo temporal da política (escolha das políticas públicas) para depois começar os atos de implementação da política pública escolhida15. Ocorre que essa atividade de planejamento e direcionamento prévio é normalmente denominada pela doutrina de “atos políticos” (e não atos administrativos), é relacionada às atividades do denominado “governo” (e não da Administração Pública) e 13 Cf. OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública..., p. 29-30. 14 O planejamento e o direcionamento são processos racionais de formulação das decisões de política econômica e social. Eles coordenam, racionalizam, dão unidade de fins, direção e ritmo à atuação do Estado. Cf. BERCOVICI, Gilberto. Planejamento e políticas públicas..., p. 148. 15 Sobre esse ciclo das políticas públicas: FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais..., p. 49-64.

Setembro/2016 – Ed. 234

ganhou condição de norma jurídica vinculativa e obrigatória. É dizer, diante da força normativa da Constituição, as diretrizes políticas constitucionais adquirem força cogente e constituem um impositivo ao Estado Constitucional8.

32


é regido pelo direito constitucional (e não pelo direito administrativo)16. Nesse entendimento, ocorreria uma segmentação da atividade estatal em atos jurídicos, pessoas jurídicas e regimes jurídicos diferentes. Diante do exposto, indagamos: Essa separação é real? Existe uma real distinção entre atos políticos e atos administrativos? E entre governo e Administração Pública? O direito constitucional seria a disciplina jurídica mais adequada para cuidar dessa atividade estatal? O direito administrativo contemporâneo limita-se às atividades de execução das políticas constitucionais?

Setembro/2016 – Ed. 234

Visando a responder essas complexas questões, temos que confrontar um dogma do direito administrativo tradicional, a saber, a distinção entre atos políticos e atos administrativos (e, consequentemente, entre Administração e governo). Faremos uma análise crítica da origem histórica dessa separação e de sua incorporação em uma Administração burocrática weberiana, visando a demonstrar que ela não possui uma fundamentação jurídica sólida.

33

2 DESMISTIFICANDO A SEPARAÇÃO ENTRE GOVERNO E ADMINISTRAÇÃO A separação entre governo e Administração (e entre ato administrativo e ato político) é um dogma consagrado acriticamente 16 Esse é o entendimento da maioria da doutrina administrativa brasileira, como, por exemplo: Justen Filho, op. cit., p. 32; BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo, p. 34-35; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, p. 57-59; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 64-65.

pelos administrativistas brasileiros17. Essa distinção foi o reflexo histórico de uma herança francesa indesejável e de uma Administração burocrática weberiana18.

2.1 A origem histórica da separação: uma manobra política do Conselho de Estado francês A separação entre a Administração e o governo ganhou maior destaque a partir da doutrina francesa dos atos políticos. Essa doutrina foi baseada na jurisprudência do Conselho de Estado francês, no final do século XIX. Nesse período, o Conseil d’État, instituição genuinamente napoleônica, enfrentava uma grande crise política com a ameaça da Restauração bourbônica. Esse Conselho, destarte, começou a se declarar incompetente para analisar as reclamações que tinham relação com os problemas políticos derivados da extinção do regime napoleônico e, posteriormente, as distintas mudanças e conflitos políticos

17 Segunda a doutrina, os atos políticos seriam regidos pelo direito constitucional e consistiriam em atos de superior gestão da vida estatal. Já os atos administrativos e a função administrativa seriam regidos pelo direito administrativo e consistiriam em uma mera execução burocrática das escolhas políticas do governo. Nesse sentido: Meirelles, op. cit., p. 64-65, Mello, op. cit., p. 34-35; Justen Filho; op. cit., p. 32; Di Pietro, op. cit., p. 57-59. Vale ressaltar que Medauar, embora afirme a dificuldade da diferenciação, já que atividade de governo e administrativa são exercidas simultaneamente pelo Executivo, afirma que a distinção é cabível. Cf. MEDAUAR, Odete. Ato de governo, p. 46-47. 18 Cf. Davi, op.cit., p. 85-87.


Nesse contexto, consolidou-se a teoria da motivação política aplicada na França até 1875, em que bastaria que o ato tivesse uma finalidade política para que fosse rotulado como “ato político”. Diante dessa teoria, grande parte da atuação administrativa converteu-se, em um passe de mágica, em atos políticos, afastando a possibilidade de controle jurisdicional sob os mesmos21. A partir de 1875, todavia, essa teoria foi substituída pela teoria dos atos de governo, que avocou um sistema de enumeração ou de lista22; é dizer, seriam atos de governo (atos políticos) aqueles que a própria jurisprudência ou lei tem rotulado como “atos de governo”. Foi criado, a partir daí, o principal fundamento para essa rotulação, a separação entre a Administração e Governo23. Isso significa que a distinção entre ato administrativo e ato político (e entre a Administração e o Governo) não tem nenhuma 19 Cf. GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de direito administrativo, p. 497-498. 20 Cf. BOQUERA OLIVER, José Maria. Las Origenes de Ia Distincion entre Actividad Politica y Administrativa, p. 75-76. 21 Cf. GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. La lucha contra las inmunidades del poder, p. 51. 22 Medauar expõe uma evolução história dos critérios utilizados para essa mítica distinção entre Política e Administração Pública: a) teoria do fim político; b) soberania; c) distinção entre atividade de governo e atividade administrativa; d) teoria do quarto poder; e) execução da Constituição; f) interesse geral do Estado; g) teoria da atividade livre ou discricionária; h) não apreciação jurisdicional; e i) o critério da lista. Nenhuma dessas teorias, todavia, trouxe argumento científicos fortes para essa diferenciação. Cf. Medauar, op. cit., p. 14. 23 Davi, 2008, p. 89.

justificação material24, pelo contrário, consistiu em uma manobra política do Conselho de Estado Francês para não sucumbir em uma era pós-napoleônica25. Ademais, atualmente, em diversos países europeus 26 e até mesmo na França27, local de sua origem, a teoria dos atos de governo não tem mais total aplicação, pois tornou-se incompatível com um Estado Democrático de Direito28. Basta percebermos que a imunidade jurisdicional desses chamados “atos políticos” implica consagrar uma atuação ilimitada e arbitrária da Administração Pública. Contraria-se, assim, a ideia democrática de que a Administração é “universalmente justiçável”29, isto é, que todos os seus atos estão submetidos à juridicidade, logo, toda sua atuação pode sofrer o controle jurisdicional. 24 García de Enterría, op. cit., p. 56-58. 25 GORDILLO, Agustín, op. cit., tomo 02, p. VIII-8 e VIII-9. 26 Podemos citar, por exemplo, que existe uma teoria da competência geral dos Tribunais contenciosos (o que no Brasil seria a inafastabilidade da tutela jurisdicional), não excluindo os atos políticos. Isso ocorre na Áustria (art. 132 da Constituição austríaca), na Itália (art. 113 da Constituição italiana) e na Alemanha (art.19, parágrafo IV, da Lei Fundamental de Bonn). A Espanha, todavia, foge a essa regra e ainda aplica o sistema de lista dos atos políticos (art. 2º da Ley de la Jurisdicción, 1956), embora a interpretação sistemática de sua Constituição (art. 24. 1; art. 106. 1 e art. 103. 1) não permita. García de Enterría, op. cit., p. 74-75. 27 A prova disso é que o próprio Conselho de Estado francês, desde de 1962, começou a julgar casos que, segundo a antiga teoria, configurariam os insindicáveis atos de governo, como, por exemplo, a análise de um recurso administrativo por um ato praticado pelo Presidente De Gaulle. 28 Com efeito, o jurista italiano Tullio Zago afirma que a diferenciação entre ato político e administrativo não mais racionalmente sustentável. Cf. ZAGO, Tullio. Attività amministrativa e Attività politica del potere executivo, p. 26-29. 29 A expressão é de GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de direito administrativo, p. 500.

Setembro/2016 – Ed. 234

que se sucederam19. A decisão mais célebre foi o “arrêt Laffite”, em 1822, em que o Conselho se declarou incompetente para apreciar a execução de um crédito contra Napoleão Bonaparte alegando seu suposto “caráter político”20.

34


Entendemos, assim, que a histórica distinção entre atos políticos e administrativos serve como blindagem para a atuação de algumas autoridades político-administrativas, que são verdadeiros “Príncipes Maquiavélicos”, se eximindo da moral e do Direito, sob a desculpa de que agem politicamente pela denominada “razão do Estado”30. O “ato político”, então, nada mais é do que uma espécie de ato administrativo com maior discricionariedade (ou menor grau de vinculação)31 e que, por óbvio, não foge ao princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV, CRFB/1988). Para o direito administrativo, assim, não há nenhuma diferença entre o ato mais importante do Presidente e o ato mais ínfimo do último funcionário da escala hierárquica, ambos são praticados pelo mesmo sujeito de direito (Administração Pública latu sensu), visando à concretização do interesse público qualitativo.

Setembro/2016 – Ed. 234

A atividade administrativa distribui-se por todo o arco da organização política, compreendendo a programação e direção superior do Estado. Configura-se, nesses termos, segundo Norberto Bobbio, a denominada Administração Política32.

35

30 A “razão de Estado”, preconizada por Nicolau Maquiavel, foi a base do Estado Moderno e corresponde à ideia de que o Estado é livre para perseguir os seus próprios objetivos sem se importar com preceitos morais que obrigam o indivíduo singular em suas relações com outros indivíduos. Cf. MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. passim. 31 Cf. FAGUNDES, Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, p. 183-189; CRETELLA JUNIOR, José. Teoria do ato de governo, p. 79; DAVI, Kaline Ferreira. O direito administrativo, os atos de governo e os direitos sociais..., p. 07-08; FIGUEIREDO, Lucia Valle. O devido processo legal e a responsabilidade do Estado..., p. 10. 32 Cf. BOBBIO,Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política.... p. 15-16.

A doutrina do ato político e a separação entre Administração e governo, portanto, é hoje inútil, historicamente superada e totalmente inconcebível diante de um verdadeiro Estado Democrático e Social de Direito.

2.2 Ultrapassando o paradigma weberiano: a interpenetração entre a política e a burocracia A separação entre Administração e governo também foi difundida no século XIX, sob a égide de uma Administração Pública burocrática weberiana33, que pregava uma atuação administrativa mais racional, hierarquizada, procedimentalizada e, sobretudo, totalmente apartada da política34. Esse modelo burocrático idealizado por Weber visava a uma neutralidade política da atividade administrativa35, pois pretendia afastar os males decorrentes da corrupção da Administração patrimonialista, mantendo a integridade dos valores éticos e morais desejáveis para a Administração Pública, como se isto fosse impossível em relação aos agentes políticos36. 33 Esse modelo idealizado por Weber substituiu o modelo patrimonialista de Administração Pública, em que não havia separação entre o patrimônio público e o privado, corroborando com a proliferação do nepotismo e da corrupção. Como forma de evitar essa corrupção, Weber neutralizou politicamente a atuação administrativa. Cf. WEBER, Max. ¿Qué es la Burocracia? passim. 34 Davi, 2008, p. 91-92. 35 Com relação a essa neutralidade política, a ideia da Administração burocrática era de que a burocracia deveria atuar de forma apolítica e imparcial, com base em uma sólida formação profissional. Manifestava, em certo aspecto, aquele “sonho” positivista da objetividade e racionalidade por meio de métodos científicos neutros. Cf. FARAH, Marta Ferreira Santos. Administração Pública e políticas públicas, p. 815. 36 Davi, 2008, p. 91-96.


Nesse contexto, a diferenciação entre Administração e governo e a neutralidade política weberiana não mais se sustentam. Não faz o menor sentido defender que a moralidade e ética dos atos administrativos residem no seu afastamento do campo político, pois, em um Estado Democrático de Direito, todos (políticos ou burocratas) devem pautar suas condutas em padrões éticos vigentes e no interesse público qualitativo38. Ademais, essa neutralidade só pode ser considerada no plano ideal39, pois, na realidade das instituições político-administrativas atuais: 1) as tomadas de decisões políticas não podem ter natureza completamente diversa dos seus atos de execução administrativa, já que o planejamento e execução estão em total estado de interpenetração; 2) não há formulação e execução de processo político decisório sem prévio aconselhamento técnico, a burocracia e a política convivem em dependência recíproca, não se podendo legitimar uma opção política sem comprometimento com uma boa administração40. 37 PEREIRA, Luiz C. Bresser. Da administração burocrática à administração gerencial, p. 95-105. 38 Davi, 2008, p. 94. 39 Bucci, op. cit., p. 106-107. 40 Cf. Otero, op. cit., p. 296-297; MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno, p. 32.

Se ainda assim não fosse, o próprio vocábulo “administrar” significa muito mais do que prestar um serviço e executá-lo; mas também denota um sentido de dirigir, governar. Dessa forma, não se pode consagrar uma visão reduzida da Administração Pública destinada apenas à atividade de execução apartada do planejamento e da tomada de direção superior41. A execução e o planejamento não são atividades opostas, mas apenas dois momentos da mesma atividade (administrativa). Segundo J. J. Gomes Canotilho, as formas de atuação da Administração são variadas e se relacionam tanto com medidas mais concretas de execução como de planos e direção superior42. Diante do exposto, a histórica (e mítica) distinção entre Administração e governo (e, consequentemente, de ato administrativo e ato político), calcada na obsoleta teoria dos atos de governo e em uma Administração burocrática weberiana, não tem fundamentos jurídicos sólidos e não merece prosperar em um Estado Democrático e Social de Direito.

3 ATIVIDADE DE PLANEJAMENTO E DIRECIONAMENTO SUPERIOR ESTATAL E O DIREITO ADMINISTRATIVO CONSTITUCIONALIZADO A atividade de planejamento e direcionamento superior estatal, conforme já mencionamos, não é ato “político” do “Governo”, mas ato administrativo (com baixo grau de vinculação à juridicidade) da Administração Pública. Nesse contexto, essa atividade administrativa deve ser regida juridicamente pelo direito administrativo e não pelo direito constitucional. 41 Cf. BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios gerais de direito administrativo, p. 59. 42 Canotilho, op. cit., p. 767.

Setembro/2016 – Ed. 234

Entretanto, na virada do Estado liberal para o Social, essa Administração Pública burocrática entrou em colapso, pois não alcançou os resultados esperados com relação à eficiência e à concretização dos direitos dos cidadãos, mas, pelo contrário, representou uma atuação administrativa mais lenta, de baixa qualidade e alto custo. Esse modelo burocrático, assim, deu vez ao modelo de Administração gerencial, mais voltada para a satisfação eficiente dos direitos fundamentais37.

36


Basta atentarmos para a célebre lição de Paulo Bonavides de que o direito constitucional é um direito “em repouso”, enquanto o direito administrativo é um direito “em movimento”43. Ou seja, enquanto o primeiro rege os princípios e normas fundamentais do Estado (sua estrutura, organização e direitos fundamentais a serem respeitados e concretizados)44, o segundo disciplina as atividades administrativas necessárias para a realização dos direitos fundamentais,a organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais encarregadas de seu desempenho45. Isso significa que o direito administrativo possui uma íntima relação com o conceito de “atividade”46, pois rege o “Estado em ação”, é dizer, a atividade processual administrativa planejadora e executora dos programas constitucionais, estabelecendo uma ligação direta entre o político e o jurídico47.

Setembro/2016 – Ed. 234

Nesse sentido, Fábio Konder Comparato adverte, por exemplo, sobre a insuficiência do direito constitucional em relação ao seu juízo de constitucionalidade. Esse juízo somente prevê o controle das leis e dos atos normativos, mostrando-se incapaz de controlar, sozinho, a validade das atividades de concreção constitucional48. Falta, portanto, ao direito constitucional o perfil

37

43 Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 44. 44 Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 34. 45 Justen Filho, op. cit., p. 01. 46 Segundo Justen Filho, o direito administrativo rege tanto a atividade omissa (proteção dos direitos individuais) quanto comissiva do Estado (concretização dos interesses coletivos e valores humanos). E é nessa ideia que o ato administrativo perde o posto central da dogmática administrativa para o processo administrativo conforme já expomos nessa pesquisa. Vide: Justen Filho, op. cit., p. 01-03. 47 Davi, 2008, p. 106. 48 Cf. COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas, p. 49.

dinâmico e concretizador que é inerente ao direito administrativo contemporâneo. Por outro lado, ressaltamos que o direito administrativo tradicional ainda está apegado a uma atividade omissiva do Estado (visão liberal clássica de limitação do poder), e não a uma atividade comissiva em prol da concretização dos direitos fundamentais. Nesse sentido, visando a superar esse déficit teórico tradicional, o direito administrativo deve ser constitucionalizado, é dizer, adotar o sistema constitucional de direitos e valores fundamentais para desempenhar com sucesso as prestações positivas do Estado49. Entendemos, assim, que, sob a lógica neoconstitucionalista, o direito administrativo constitucionalizado é um direito administrativo que sofreu um amadurecimento teórico com base em uma filtragem constitucional, desconstruindo diversos dogmas obsoletos. Além de se preocupar com limitação do poder estatal, ele também é destinado à atuação positiva na concretização dos direitos fundamentais em prol da dignidade humana50. Destarte, existe uma nítida interdependência entre o direito administrativo e o direito constitucional. O direito administrativo depende dessa filtragem constitucional para atualizar e “oxigenar” sua base teórica, e o direito constitucional depende de uma efetiva atividade administrativa para ser posto em movimento e concretizar-se51. 49 Davi, 2008, p. 104-109. 50 Justen Filho, op. cit., p. 102-104. 51 Nesse sentido, Bonavides afirma que em diversos países o direito administrativo e constitucional são tão íntimos e interdependentes que chega a ser difícil se estabelecer uma distinção clara e válida entre as duas matérias. Bonavides, 2004, p. 44-45.


Todo esse raciocínio pode ser aplicado, por exemplo, com relação às políticas públicas. Essas políticas também estão intimamente relacionadas com o conceito de atividade53, e cabe ao Executivo a função de maior relevância, que é a função administrativa de idealização e concretização do programa político (policy-making)54. Assim, durante todo o processo de sua formação e implementação, as políticas públicas são regidas pela atividade administrativa e pelo direito administrativo contemporâneo (constitucionalizado)55. Desse modo, o direito administrativo contemporâneo não regula apenas uma Administração Pública burocrática e executora de ordens (dogma ultrapassado), mas também realizadora de atividades de superior gestão, traçando metas, planejando, 52 Davi, 2008, p. 60-63. 53 Segundo Buccie Comparato,as políticas públicas são uma atividade, é dizer, um conjunto de atos e normas tendentes a realização de um objetivo determinado. Cf. BUCCI, Maria Dallari. Direito administrativo e políticas públicas, p. 255; Comparato, op. cit., p. 44 e 45. 54 Cf. FARAH, Marta Ferreira Santos. Administração pública e políticas públicas, p. 817. 55 Segundo Bucci, a escolha das diretrizes políticas deve ser lastreada pelo interesse público qualitativo (e não na vontade pessoal do gestor) e na consecução de diversos atos, contratos, regulamentos e operações materiais encetados pela Administração Pública. Bucci, op. cit., p. 267.

programando e realizando, por exemplo, políticas públicas implementadoras de direitos fundamentais56.

CONCLUSÃO Diante do exposto, concluímos que: 1) a Administração Pública é a principal concretizadora das diretrizes políticas e dos direitos fundamentais constitucionais; 2) essa atividade administrativa concretizadora não se restringe à execução burocrática, mas também compreende a atividade de planejamento e direcionamento superior estatal; 3) o dogma da separação entre Administração e governo e entre atos administrativos e atos políticos não tem fundamentos jurídicos sólidos e não se sustenta em um Estado Democrático e Social de Direito; 4) toda essa atividade administrativa, incluindo o planejamento e o direcionamento, deve ser regida pelo direito administrativo; 5) ocorre, assim, uma ampliação qualitativa e quantitativa do objeto de estudo do direito administrativo contemporâneo; 6) para tanto, o direito administrativo deve amadurecer e atualizar sua base teórica por meio da assimilação de valores constitucionais (fenômeno neoconstitucionalista). É o denominado direito administrativo constitucionalizado; 7) desse modo, o direito administrativo constitucionalizado representa um agente transformador da realidade social, regulando a concretização das diretrizes políticas do Estado e dos direitos fundamentais dos cidadãos. A partir de então, lançamos as bases para um debate acerca da política e sua compatibilidade com um direito administrativo contemporâneo que não só executa opções políticas do governo, mas também subsidia essas escolhas, traça metas, planeja, ou seja, uma Administração que não se distingue do que hoje se denomina governo.

Setembro/2016 – Ed. 234

Diante do exposto, é, mais especificamente, esse “direito administrativo constitucionalizado”, voltado para as atividades omissivas e comissivas do Estado, que deve reger toda a atividade administrativa, desde o planejamento até a execução. Ele combina o dinamismo próprio do direito administrativo com a atualização teórica necessária para um Estado Democrático e Social de Direito52.

56 Davi, 2008, p. 163.

38


REFERÊNCIAS BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. Revista de Direito Administrativo, São Paulo, n. 240, p. 83-103, 2005. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito, o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. JusNavigandi. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7547/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito>. Acesso em: 21 maio 2015. BERCOVICI, Gilberto. Planejamento e políticas públicas: por uma nova compreensão do papel do Estado. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. BOBBIO,Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 11. ed. UNB: Brasília, v. 01, 1998. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

Setembro/2016 – Ed. 234

BOQUERA OLIVER, José Maria. Las origenes de la distincion entre actividad politica y administrativa. Revista de Administración Pública, n. 40, 1963.

39

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 8 nov. 2014.

DAVI, Kaline Ferreira. A dimensão política da Administração Pública: neoconstitucionalismo, democracia e procedimentalização. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris LT, 2008. ______. O direito administrativo, os atos de governo e os direitos sociais: uma análise a partir do neoconstitucionalismo. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador: Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 16, dez./jan./fev. 2009. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com. br/rere.asp>. Acesso em: 24 maio 2015. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. FAGUNDES, Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 3. ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1957. FARAH, Marta Ferreira Santos. Administração Pública e políticas públicas. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, n. 45, maio/jun. 2011. FIGUEIREDO, Lucia Valle. O devido processo legal e a responsabilidade do Estado por dano decorrente do planejamento. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 11, p. 6-20, 1995. FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais: elementos de fundamentação do controle jurisdicional de políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2013. GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de direito administrativo. Tradução Arnaldo Setti. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. ______. La lucha contra las inmunidades del poder. Madrid: Revista do Occidente, 1974.

BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002.

GORDILLO, Agustín.Tratado de derecho administrativo. Prólogo de Jorge A. Sáenz. 8. ed. Buenos Aires: Fundación de derecho administrativo, t. 02, 2006.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1995.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.

COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 35, n. 138, abr./jun. 1998.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

CRETELLA JUNIOR, José. Teoria do ato de governo. Revista de Informação Legislativa, n. 95, jul./set. 1987.

LASSALLE, Ferdinand. Que é uma Constituição? Ebooklibris, versão digital.Disponível em: <http://bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/services/ebooks/Ferdinand%20Lassalle-1.pdf>. Acesso em: 23 maio 2015.


MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Col. Obra prima de cada autor. São Paulo: Martin Claret, 2012. MEDAUAR, Odete. Ato de governo. Boletim de Direito Administrativo, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 1-14, jan. 1994. Disponível em: <http://dspace/xmlui/ bitstream/item/17426/geicIC_FRM_0000_pdf.pdf?sequence=1>. Acesso em: 15 maio 2015. ______. Direito administrativo moderno. 17. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 41. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Conceito de política. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Belo Horizonte, n.15, 1963. ______. Princípios gerais de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública. O sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Almedina: Coimbra, 2007. PEREIRA, Luiz C. Bresser. Da administração burocrática à administração gerencial. Revista do Serviço Público, Brasília, a. 47, v. 120, n. 1, p. 95-105, jan./abr.1996. SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999.

SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constituicional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012. STRECK, Lênio. Jurisdição constitucional e hermenêutica. Uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. WEBER, Max. ¿Qué es la Burocracia? Livro digital, passim. Disponível em: <http://www.ucema.edu.ar/u/ame/Weber_burocracia.pdf>. Acesso em: 5 maio 2015. ZAGO, Tullio. Attività amministrativa e Attività politica del potere executivo. Milano: Dott. A. Giuffré Editore,1963.

Setembro/2016 – Ed. 234

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

40


Doutrina

Desapropriação. Valorização Decorrente da Expectativa de Implantação do Melhoramento Público KIYOSHI HARADA

Jurista, com 28 obras publicadas. Acadêmico, Titular da Cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Acadêmico, Titular da Cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário, Acadêmico, Titular da Cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito, Sócio Fundador do Escritório Harada Advogados Associados, Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Um dos maiores problemas enfrentados pelas administrações públicas em geral é aquele concernente à excessiva valorização dos imóveis do entorno do melhoramento público a ser implantado concomitantemente com a desapropriação precedida de imissão provisória na posse. Às vezes, provoca especulação imobiliária de tal ordem que pode até inviabilizar as desapropriações programadas. Quando se tratar de melhoramento público de grande envergadura, que leva anos para ser totalmente implantado, os imóveis das cercanias que servirão de elementos de pesquisa para apuração do justo preço se elevam de tal forma que acabam incorporando no preço da indenização essa mais valia, que decorre da obra pública ou da expectativa de sua iminente implantação. Consoante escrevemos, a “mais valia não deve acrescer a indenização nem deve compensar a indenização no caso de desapropriação parcial”1. 1 Cf. nosso Desapropriação doutrina e prática. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 138.

Como é sabido, a edição da Declaração de Utilidade Pública – DUP – provoca dois efeitos opostos: os imóveis atingidos pela DUP perdem o valor de mercado; e os imóveis do entorno se valorizam, notadamente, com o início do ajuizamento das primeiras ações de desapropriação. De fato, com a publicação da DUP, as benfeitorias úteis serão indenizadas somente se forem precedidas de autorização do expropriante (§ 1º, do art. 26, do Decreto-Lei nº 3.365/1941). E essa autorização é sempre negada, pois a primeira providência do órgão competente da Prefeitura para expedição da licença de construção se resume na verificação de existência ou não da declaração de utilidade pública para o local pretendido. Ainda que caducada a DUP, ao cabo de cinco anos ela poderá ser renovada após o decurso de um ano (art. 10 do Decreto-Lei nº 3.365/1941). Durante todo o período abrangido pela DUP, o imóvel atingido perde o valor comercial. E o proprietário perde a plena disponibilidade econômica da propriedade. Às vezes, basta existir apenas uma lei prevendo um determinado melhoramento público para impedir qualquer tipo de edificação no local atingido,


Em contrapartida, imóveis situados no entorno valorizam-se com a simples edição da DUP prevendo a execução de determinado melhoramento público. Existem as chamadas valorizações: (a) radial que ocorre ao redor da obra pública (escola, posto de saúde, creche, estação de Metrô etc.); (b) longitudinal, que ocorre ao longo da obra (ruas, avenidas e estradas); (c) nos pontos extremos da obra, como acontece com a construção do Elevado Costa e Silva em São Paulo que facilita a interligação Leste-Oeste. Essa valorização decorrente de obra pública não pode ser levada em conta na fixação do valor da justa indenização que, ao teor do art. 26 da Lei Básica de Desapropriação, deve ser contemporâneo da avaliação. Só que a avaliação após a execução da obra pública, o que acontece nas desapropriações com caráter de urgência, isto é, naquelas em que há imissão provisória na posse, os imóveis circunvizinhos, que servirão de base para a pesquisa de valores, já sofreram influências positivas do melhoramento público que está sendo implantado, incorporando essa mais valia no preço da indenização. No que se refere aos imóveis do entorno, sempre será possível ao Poder Público expropriante cobrar dos respectivos proprietários a contribuição de melhoria, com fundamento no art. 145, III, da CF, o que não acontecerá com os imóveis atingidos pela desapropriação. Tanto o § 1º do art. 15 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, que permite a imissão provisória mediante o depósito do valor cadastral do imóvel, quanto o art. 26, que versa sobre o momento da apuração de indenização, devem de ser interpretados à luz do preceito constitucional da justa e prévia indenização de que trato o art. 5º, XXIV, da CF. Esse preceito constitucional, que vem desde a

constituição de 18912, deve ser interpretado, por sua vez, de conformidade com a realidade judiciária atual, em que o pagamento de indenização fixada pode levar mais de 20 anos, a contar do desapossamento do bem expropriado por conta, não só da morosidade do Judiciário, como também em decorrência das moratórias constitucionais de dívidas representadas por precatórios. Por isso, apesar da proclamada constitucionalidade do § 1º do art. 15 da Lei de Desapropriação3, assim como do Decreto-Lei nº 1.075/1975, que permite a imissão provisória mediante o depósito do valor correspondente à metade do valor provisório arbitrado, nenhum juízo ou tribunal local vem concedendo a imissão provisória sem o depósito do chamado valor prévio, apurado em laudo provisório que resulta da vistoria que antecede a imissão provisória. No contexto atual, não cabe dissociar a expressão “prévio pagamento da justa indenização” para afirmar que o princípio da previedade está relacionado com a perda provisória da posse, ao passo que a justa indenização está ligada à imissão definitiva, valendo a sentença como título hábil à transcrição imobiliária, nos termos do art. 29 do Decreto-Lei nº 3.365/1941. Ora, para o expropriado que se vê despojado da posse do imóvel, tanto faz perdê-la a título provisório ou a título definitivo, pois a desapropriação é irreversível, limitando-se a contestação à discussão do justo preço. Portanto, no momento em que o expropriado perde a posse do imóvel, há de haver pagamento prévio da justa indenização, 2 As Constituições de 1891 e de 1937 faziam referência apenas à indenização prévia. Todas as demais incorporaram o sinônimo “prévia e justa” ou “justa e prévia”. 3 Na vigência da Constituição de 1988, o STF editou a Súmula nº 652, segundo a qual “não contraria a Constituição o art. 15, § 1º, do DL 3.365/1941 (Lei de Desapropriação por Utilidade Pública).

Setembro/2016 – Ed. 234

obrigando o proprietário do imóvel a recorrer à via judiciária para o exercício do seu direito constitucionalmente assegurado.

42


apurada segundo as Normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT –, que assegura um valor, tanto quanto possível, próximo ao de mercado. A avaliação definitiva, que se faz mediante observância do contraditório, não poderá introduzir fatores novos, limitando-se à correção de eventuais equívocos apontados pelos assistentes técnicos e corrigir monetariamente o valor apurado. Tanto é assim que as Normas 2013, para Avaliação de Imóveis na Capital de São Paulo, elaboradas pela Comissão de Peritos nomeada pela Portaria nº 01/2012 da Cajufa, em seu item 4.9.1 determinam a elaboração do Laudo Prévio e no item 4.9.2 mandam elaborar, se necessário, o Laudo Definitivo em caráter de complementação, porém prescrevendo como “data-base a mesma do Laudo Prévio”. Essas Normas têm matriz na Norma NBR 14.653 da Associação Brasileira ou Normas Técnicas – ABNT – de aplicação no âmbito nacional.

Setembro/2016 – Ed. 234

Importante observar, também, o disposto no inciso I do § 2º do art. 8º do Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001 de aplicação em nível nacional no sentido de que o valor real da indenização “refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se localiza após a notificação de que trata o § 2º do art. 5º desta lei”.

43

Ainda que se negue validade à primeira parte do preceito, alusivo ao valor venal do imóvel para fins de lançamento do IPTU, não há menor dúvida quanto à pertinência e acerto da segunda parte do dispositivo. Acrescente-se, outrossim, que o valor venal do imóvel poderá ser utilizado pelo perito para aferição da valorização extraordinária dos imóveis do contorno em função da obra pública executada ou em execução, pois não é praxe do Poder Público municipal incorporar na base de cálculo do imposto a mais valia decorrente da obra pública, a qual deverá ser objeto de cobrança da contribuição de melhoria.

Outra não tem sido a jurisprudência atual de nossos tribunais que não admite a incorporação de valorização decorrente da implantação da obra púbica (REsp 986470/RN, Relª Min. Denise Arruda, DJ de 30.06.2008). Igualmente, o STJ admite a mitigação da regra do art. 26 da Lei de Desapropriação quando sustenta que há casos “em que o longo prazo entre o início da expropriação e a confecção do laudo pericial sugere a mitigação dessa regra” (AgRg-REsp 1.186.689/GO, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 04.02.2011). Na prática, deparamos casos de melhoramentos de porte em que só a notícia de sua implantação já provoca a alta desmesurada dos imóveis periféricos que servirão de pesquisas de “mercado”, para apuração do valor unitário do m² da área desapropriada em cada processo. No caso, a menos que a desapropriação tenha sido precedida de constituição de uma Comissão de Peritos para apuração do valor unitário dos imóveis atingidos pelo melhoramento, esse valor unitários irá aumentando à medida que forem sendo ajuizadas as ações expropriatórias, aumentando as expectativas de conclusão de obra pública de grande porte. A título ilustrativo, lembramos que, recentemente, bastou a Câmara Municipal de São Paulo iniciar a discussão da transformação das áreas abrangidas pelo conhecido Minhocão em um Parque Público, que sequer envolve desapropriações, foi o suficiente para valorizar em 15% ou 20% os imóveis situados ao longo da Avenida São João. Trata-se de mais uma ideia importada de outros países pelos entendidos em urbanística que insistem na implosão do Minhocão sem oferecer alternativas viáveis para o tráfego de veículos entre as zonas Oeste e Leste da cidade. Concluindo, a data-base para aferir o prévio pagamento da justa indenização deve ser considerada em cada caso concreto, mediante mitigação da regra geral, considerando-se que o conceito de justo preço é ambivalente, aplicando-se tanto para o expropriado como para o expropriante.


Doutrina

A Terceirização e a Função Social do Contrato

of the primacy of reality on the Labor Law, because the employee by the employment contract, arises in the implementation of that adjustment as a third party affected by it. Then, it is concluded that the interpretation of civil contract takes place with attraction of Labor Law rules. KEYWORDS: Constitutional principle of solidarity; contract; social function; indirect effectiveness; outsourcing; Labor Law.

MARIA DO PERPETUO SOCORRO WANDERLEY DE CASTRO Desembargadora Federal do Trabalho, TRT 21, Mestre em Direito, Processo e Cidadania, na Unicap, Recife/PE, 2012.

RESUMO: Neste artigo, analisa-se o contrato de prestação de serviços em seu uso na terceirização em face do princípio solidarista da Constituição da República. Para tanto, é considerada a evolução do contrato com a enunciação do princípio da função social do contrato, desaguando no princípio da relativização dos efeitos relativos deste contrato e sua eficácia indireta. Por outro lado, atenta-se para o princípio do Direito do Trabalho da primazia da realidade, porquanto o trabalhador, mediante o contrato de trabalho, surge na execução daquele ajuste como terceiro por ele afetado. Daí, formula-se a conclusão de que a interpretação do contrato civil se realiza com atração de regras do Direito do Trabalho. PALAVRAS-CHAVE: Princípio constitucional da solidariedade; contrato; função social; eficácia indireta; terceirização; Direito do Trabalho. ABSTRACT: In this article, we analyze the contract for services rended applied in outsourcing due to the principle of solidarism inserted into the Republic Constitution. Therefore, it is considered the evolution of the contract with the enunciation of the principle of the social function of the contract, ending up in the principle of relativity of the relative effects of the contract and its indirect effect. On the other hand, attentive to the principle

SUMÁRIO: Introdução; 1 O contrato de prestação de serviços e a terceirização; 2 O princípio da solidariedade; 3 A função social do contrato; 4 O princípio da relatividade dos contratos; 5 O fato social e o princípio da primazia da realidade no Direito do Trabalho; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO A Constituição da República enuncia como objetivo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o que constitui um princípio jurídico a ser observado na totalidade das relações sociais, como elemento do sistema e informante de sua interpretação (2). O mercado, cujas relações econômicas têm foco na obtenção de lucros e de maior riqueza com sua crescente concentração em grupos, levou à flexibilização do trabalho, sendo a terceirização proposta como meio de alcançar maior produtividade e o contrato de prestação de serviços a forma contratual utilizada (3). Nesse quadro, cabe atentar para a nova visão do contrato, a partir do princípio solidarista (4), e a superação do conceito personalista e individualista do contrato, estabelecendo a compreensão do princípio da relatividade dos contratos (5), de modo a reler a posição do terceiro tida tradicionalmente como aquele que, por não integrar a relação contratual, não pode ser afetado pelos efeitos dela decorrentes, e redesenhar o seu papel diante da realidade que o afirma como uma categoria que ingressa


no contrato durante sua execução e é atraído para o círculo contratual. A reflexividade do sistema jurídico no Direito do Trabalho em cujo âmbito se processam e repercutem com intensidade as mudanças da sociedade afetando a relação de trabalho exige o exame daquele que, como destinatário da prestação de serviços, sem ser o empregador, interfere sobre ele, colocado então sob o princípio específico da primazia da realidade (6).

1 O CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E A TERCEIRIZAÇÃO O contrato de prestação de serviços tem por objeto a realização onerosa de uma atividade, material ou imaterial. Figura antiga1 que apresentava a distinção entre locatio operarum (locação de serviços) e locatio operis (empreitada), encontra-se no Código Civil atual com feição residual, pois sua normatização confere expressamente a precedência à forma contratual sujeita ao Direito do Trabalho e às leis especiais.

Setembro/2016 – Ed. 234

Presencia-se o crescimento dos contratos de prestação de serviços, não apenas sob a constatação de que a atual sociedade de serviços aumentou sua ocorrência no modo de vida, mas porque houve sua adoção na indústria, no comércio e em

45

1 Sob a denominação genérica de locação de serviços (locatio operarum), compreende o Código Civil uma grande variedade de prestações do trabalho humano. “É o contracto pelo qual uma pessoa se obriga a prestar certos serviços a uma outra, mediante remuneração. Comprehende várias espécies: o trabalho dos operários urbanos e rurais; dos artistas mecânicos e liberaes; dos empregados do commercio e dos profissionais, como professores, médicos, advogados (abstrahindo do mandato); a recovagem, abarcagem, a albergaria, entre outras. Em todos esses casos, há locação de atividade, de trabalho, de serviço. Na empreitada há, também, locação de serviço; mas de uma forma particular, que o Codigo mantendo a tradição, destacou em seção especial” (BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, v. 4, 1934. p. 411).

outros setores, o que configura uma nova realidade a qual torna necessária a reflexão em torno do direito contratual. Roppo2 destaca a transformação do contrato porque, em alguns aspectos, ele está em declínio, enquanto que, em outros, tem expansão e relançamento. Isto significa que o contrato está diferente de como era no passado e deve ser apreendido segundo os fatos, por não ser governado por leis abstratas, mas sujeito a um princípio de relatividade sob o qual ele existe na variedade de suas formas históricas e das suas concretas transformações. Assim ocorre na teoria geral dos contratos e na espécie em causa o contrato de prestação de serviços. A antiga e criticada expressão “locação de serviços” remonta ao Direito romano. Anota Blanco que a locatio operarum era uma convenção pela qual o trabalhador punha à disposição do senhor a própria energia ou força de trabalho, e evoluiu da primitiva concepção da locação do servo à locação do homem livre, para se caracterizar pela relação ou estado de subordinação em que se encontrava o trabalhador frente ao patrão ou empresário e como objeto da prestação a própria pessoa3. Caio Mário Pereira comenta no direito civil brasileiro anterior que o Direito moderno é refratário à locação como categoria abrangente de coisas e de serviços e ainda da empreitada, e dissociou a prestação de serviços das outras espécies, sobrevivendo o contrato civil de prestação de serviços enquanto civil no seu objeto e disciplina. Aduz que seu objeto é a prestação da atividade intelectual, material ou física resultante da energia humana aproveitada por outrem, visando à obtenção de uma atividade em função de um resultado decorrente da distinção 2 ROPPO, Enzo. O contrato. Trad. Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 2009. p. 347-348. 3 BLANCO, Jose Martín. El contrato de trabajo. Estudio sobre sunaturaleza jurídica. Madri: Revista de Derecho Privado, 1957. p. 22-24.


No Código Civil brasileiro de 1916, bem como no atual, o contrato de locação de serviços é um contrato por prazo determinado, tendo-lhe sido prevista a duração pelo prazo de quatro anos, ainda que destinado à execução de certa e determinada obra5. Esse contrato tem como objeto o serviço a ser prestado e não a simples utilização de mão de obra, o que é reforçado com a revisão do nome anterior de “locação de serviços” para o nome atual “prestação de serviços”. É sob essa forma contratual entre as empresas que se realiza a terceirização. Com o incremento da atividade industrial e comercial, de serviços e empreendimentos em geral, as empresas passaram a contratar entre si a realização de serviços destinados às suas atividades com o objetivo anunciado de concentração na atividade principal, despontando a redução de custos. Na atual contratação de prestação de serviços, as empresas contratadas determinam a seus empregados a execução dos serviços para uma empresa que é a contratante civil e está à margem do contrato de trabalho. O fenômeno da terceirização se tornou uma prática no mercado, caracterizando-se por formar uma relação triangular: as empresas contratam entre si e a contratada estabelece relações de emprego em que o empregado executa serviços que têm como destinatária e beneficiária a contratante, que, no entanto, não é sua empregadora. 4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. III, 1996. p. 237-243. 5 Código Civil: “Art. 598. A prestação de serviço não se poderá convencionar por mais de quatro anos, embora o contrato tenha por causa o pagamento de dívida de quem o presta, ou se destine à execução de certa e determinada obra. Neste caso, decorridos quatro anos, dar-se-á por fino findo o contrato, ainda que não concluída a obra”.

Por não haver legislação, no Brasil, sobre a terceirização, a interpretação das normas legais sobre a espécie contratual adotada para o vínculo entre as empresas foi dada na Súmula nº 256 do Tribunal Superior do Trabalho, editada em 19866; e posteriormente cancelada com a edição da Súmula nº 331. A ementa de ambas tem referência expressa a Contrato de Prestação de Serviços. Legalidade. Na fase inicial, o Tribunal Superior do Trabalho vinculou o contrato de prestação de serviços à existência de lei e previsão específica de sua celebração na atividade, afirmando ilegais os contratos sem tais elementos e a consequente formação do vínculo empregatício direto com o tomador de serviços; reputou regulares apenas as situações correspondentes à contratação de trabalho temporário e serviço de vigilância, objeto, respectivamente, das Leis nºs 6.019, de 1974, e 7.102, de 1983. Após, com a Súmula nº 331, de 1993, o TST afirmou as possibilidades de utilização dos serviços terceirizados na contratação de serviços de vigilância, de conservação e limpeza e de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, e reputou ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974)7. 6 Súmula nº 256. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – LEGALIDADE – Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.02.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços. Resolução Administrativa nº 4/1986. 7 Súmula nº 331. Contrato de Prestação de Serviços. Legalidade (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011. I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II – [...]. III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e

Setembro/2016 – Ed. 234

entre contrato civil e contrato de trabalho do elemento estatutário ou legal4.

46


Essa mudança de orientação, explica Abdala8, decorreu da consideração da realidade socioeconômica e da necessidade desse procedimento pelas empresas, uma vez que, se a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano, também se funda na livre iniciativa, conforme os arts. 170 e 173 da Constituição da República. A terceirização trouxe o contrato de prestação de serviços como a forma de sua implantação. O contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços que tiveram na locatio operarum uma origem comum, distinguiram-se em sua evolução, e se reencontram nesse fenômeno que constitui um procedimento administrativo de gestão. Vieira de Mello Filho e Queiroz Dutra9 veem nesse procedimento a intensificação da exploração do trabalho, heterogeneização e fragmentação da classe trabalhadora, com a contratação precária de trabalhadores por meio das quais muitas grandes empresas enxugaram seus quadros e trataram como periféricas e descartáveis à execução dos fins empresariais cada vez mais atividades.

Setembro/2016 – Ed. 234

O trabalho terceirizado, porém, não pode ser tido como uma realidade inexorável, até porque as novas relações sociais, surgidas com a globalização, são caracterizadas pela alteração, mutabilidade e aceleração.

47

limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. 8 ABDALA, Vantuil. Terceirização: atividade-fim e atividade-meio – responsabilidade subsidiária do tomador de serviço. Revista LTr, São Paulo, n. 60-05, p. 587-590, maio 1996. 9 MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de; DUTRA, Renata Queiroz. Centralidade da pessoa humana na constituição versus centralidade do cidadão trabalhador: o desafio de reler o trabalho a partir da Constituição Federal de 1988. In: SARLET, Ingo Wolfgang; MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de; FRAZÃO, Ana de Oliveira (Coord.). Diálogos entre o Direito do trabalho e o Direito constitucional: estudos em homenagem a Rosa Maria Weber. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 572.

Buscando um contraponto a essa contratualidade entre as empresas, os sindicatos passaram a inserir, nos instrumentos coletivos, cláusulas limitativas à terceirização. Roppo, ao analisar a teoria dos contratos, afirma que há uma recuperação da contratualidade nos contratos coletivos, tanto em sua parte normativa, ao dispor sobre salários e condições de trabalho, quanto nas previsões obrigatórias em que surgem obrigações assumidas pelos empresários em relação ao volume dos investimentos a efetuar, a sua colocação territorial, ao aumento dos empregos que se vinculam a conseguir. Considera, assim, que o contrato vê exaltado o seu papel de instrumento de mediação social e assume funções novas10. São essa nova contratualidade e mediação social que, nessa realidade, informam a inserção de cláusulas nos instrumentos coletivos para limitar a terceirização. Nesse contexto, o Tribunal Superior do Trabalho julgou que o Poder Normativo, por lhe ser próprio o objetivo de melhorar as condições de trabalho, pode estabelecer a disciplina da terceirização, e perfilhou a Cláusula obrigacional de que a atividade-fim da empresa não poderá ser objeto de terceirização, ficando, portanto, terminantemente proibida essa modalidade de contratação11. Assim reconduz o contrato de prestação de serviços ao seu espaço residual entre os contratos de atividade, promovendo um diálogo, ainda que tímido, entre as disciplinas do contrato de trabalho e do contrato de prestação de serviços. A análise da terceirização, considerada sua realização por meio de dois contratos regidos por normas de diferentes ramos do Direito, o Direito Civil e o Direito do Trabalho, ocorre a partir do princípio da solidariedade enunciado na Constituição da República, desdobrado na função social dos contratos, como matéria da teoria geral dos contratos expressa no Código Civil12. 10 ROPPO, Enzo. Op. cit., p. 337. 11 Processo: RO 8760-73.2011.5.02.0000, Julg. 08.06.2015, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, DEJT 19.06.2015. 12 “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”


A vida social deriva de uma dupla fonte: a similitude das consciências e a divisão do trabalho social. Na similitude decorrente do trabalho, o indivíduo tem uma fisionomia que é uma atividade pessoal que o distingue dos outros, mas, ao mesmo tempo, deles depende na mesma medida e por conseguinte da sociedade que resulta de sua união13. A solidariedade é um conceito relevante para a vida social por explicar o fenômeno pelo qual as pessoas se juntam. Na sociedade primitiva, não havia a divisão do trabalho, mas uma hierarquia estatutária configurada pela consciência coletiva e fusão dos costumes e vivência, da qual resulta uma solidariedade mecânica. Depois, com a solidariedade orgânica, a sociedade é substituída pelo grupo e a agregação de indivíduos tendo como objetivo o bem-estar do grupo. A passagem da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica apontada por Durkheim como aquela decorrente do trabalho traz, ainda, segundo o autor, como espécie, a solidariedade contratual. No Direito Civil, a solidariedade surge como meio de reparação aos inconvenientes da pluralidade de credores (solidariedade ativa) ou de devedores (solidariedade passiva) de uma mesma obrigação. A noção de pluralidade nela está presente, no plano social e no plano jurídico. Destaca Supiot que a solidariedade mudou ao passar do direito civil ao direito social, e deixou de designar apenas uma relação de direito que liga diretamente credores e devedores para se tornar o princípio de organização de instituições de um novo tipo, em que são consideradas as capacidades e as necessidades de cada um. O dever de solidariedade impregna a declaração dos direitos de segunda geração correspondentes aos direitos econômicos e sociais, e o 13 DURKHEIM, Emile. Da divisão do trabalho social. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 216.

princípio de solidariedade deve fazer evoluir a interpretação dos direitos econômicos e sociais14. Considera o autor que a solidariedade pode servir para conter os efeitos de desestruturação social ligados à globalização, seja pelo reconhecimento àqueles cujas condições de vida e de trabalho são afetadas pelo novo sistema, do direito de se organizar, agir e negociar em um plano internacional, seja como base a regras limitadoras da mercantilização dos homens e das coisas. Vê, então, na solidariedade uma forma de proteger os homens contra os riscos da existência e de lhes dar meios concretos para exercer as liberdades e de lutar contra a fuga às responsabilidades facilitadas pela organização reticular da economia contemporânea. São incisivas as palavras de Supiot: São todos aqueles que se beneficiam de uma operação econômica que devem ser considerados como solidariamente responsáveis pelos danos daí resultantes para o meio ambiente e para os consumidores, independentemente das montagens jurídicas utilizadas pela empresa15. Na Constituição da República, a solidariedade é enunciada como princípio16 e objetivo fundamental do Estado brasileiro. Ao comentar o art. 3º, no qual ela está proclamada, Streck e Bolzan de Morais17 averbam que a Constituição do Brasil tem caráter compromissório expresso em sua opção finalística, a ser vista dentro das especificidades histórico-factuais do Estado brasileiro e diante da globalização excludente e do neoliberalismo, cujas desregulamentações constituem contraponto aos direitos sociais 14 SUPIOT, Alain. Homo Juridicus. Ensaio sobre a função antropológica do Direito. Lisboa: Instituto Piaget, 2006. p. 237. 15 Idem, p. 237/238. 16 “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I construir uma sociedade livre, justa e solidária; [...].” 17 STRECK, Lenio L.; BOLZAN DE MORAIS, Jorge Luiz. Comentário ao Artigo 3º. In: ______; CANOTILHO, J. J.; MENDES, Gilmar; SARLET, Ingo W. (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/ Almedina, 2013. p. 146/150.

Setembro/2016 – Ed. 234

2 O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE

48


fundamentais e condições negativas ao cumprimento desses objetivos. Consideram que a Constituição determina a realização substantiva dos direitos sociais, de cidadania e aqueles relacionados diretamente à terceira dimensão de direitos, mediante a transformação das estruturas da sociedade.

Setembro/2016 – Ed. 234

Ora, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária como finalidade e objetivo essencial da República brasileira importa sua realização pelos Poderes Públicos e por todos os destinatários do Texto Constitucional, e impregna a interpretação da totalidade do ordenamento jurídico. O princípio da solidariedade é, no Direito brasileiro, um princípio jurídico inovador, e a ele Bodin de Moraes se refere como base à igualdade substancial e à justiça social, integrante do conjunto de instrumentos voltados para garantir uma existência digna, comum a todos, em uma sociedade que se desenvolva como livre e justa, sem excluídos ou marginalizados18.

49

Enquanto a solidariedade fática decorre da necessidade da coexistência humana, a Constituição afirma a solidariedade como valor na ordem jurídica e social, o que envolve a compreensão dos interesses em comum dentro de uma reciprocidade em que “cada um, seja o que for que possa querer, deve fazê-lo pondo-se de algum modo no lugar de qualquer outro”. É o conceito dialético de “reconhecimento” do outro19, além do sentido individual, para alcançar a solidariedade entre grupos. Cabe atentar a que as empresas às quais o entendimento jurídico atribuiu personalidade e os grupos econômicos por elas formados também são atraídos ao conceito dialético de reconhecimento do outro, isto é, os trabalhadores cujos serviços concorrem para sua atividade. 18 MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da dignidade humana. In: MORAES, Maria Celina Bodin de (Coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 47/48. 19 Idem, p. 45/47.

Sob o reconhecimento do outro, a solidariedade atrai a responsabilidade pessoal daqueles que ela liga, o que, para Supiot, significa a responsabilidade social das empresas, referindo-se àquelas que operam em escala internacional e à vinculação das diversas entidades de uma linha ou rede transnacional, de modo a tornar possível imputar responsabilidades nos países em que têm a sua sede, as entidades “em situação de exercer uma grande influência sobre as actividades de outros”, e obrigá-las a responder pelos incumprimentos desses princípios, o que encorajaria as boas práticas de subcontratação e desencorajaria as más20. Essa observação tem pertinência ao mundo em rede e às relações em cadeia que marcam a sociedade atual de modo a que as empresas não sejam circunscritas aos negócios diretamente celebrados, mas estejam vinculadas também pelos efeitos que, por meio deles, deflagram na sociedade. É uma noção de solidariedade social, delineada na identidade de interesses, superando a divisão anômica do trabalho em que a divisão não engendra a solidariedade, mas o antagonismo. Se, na concepção liberal do direito privado, o individualismo é o traço central, a solidariedade propõe sua superação de modo a inserir nas relações entre particulares o objetivo do desenvolvimento dos interesses comuns. Como afirma Fachin, as normas de direito privado não possibilitam, mais, o encastelamento de vontades atomizadas, pois passam a amalgamar interesses que, embora muitas vezes conflitantes, não podem superar nem negar a existência do sujeito presente al otro lado del rio, na poética ilustração de Jorge Drexler21. 20 SUPIOT, Alain. Op. cit., p. 237/238. 21 FACHIN, Luiz Edson; GONÇALVES, Marcos Alberto Rocha. Princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e da isonomia substancial. In: TEPEDINO, Gustavo; VIEIRA DE MELLO, Luiz Philippe; FRAZÃO, Ana; DELGADO, Gabriela Neves (Coord.). Diálogos entre o direito do trabalho e o direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 26.


O princípio da solidariedade, aplicado no âmbito dos contratos, conforme Negreiros, com base em Antônio Junqueira Azevedo, é o fundamento constitucional do princípio da função social; expressa que, numa sociedade que o constituinte quer mais solidária, não deve ser admitido que, sob o pretexto de que o direito de crédito é um direito relativo, possa tal direito ser desrespeitado por terceiros, que argumentam não ter consentido para a sua criação. Esta ótica individualista e voluntarista deve ser superada diante do sentido de solidariedade presente no sistema constitucional.23 22 WALD, Arnold. O novo Código Civil e o solidarismo contratual. In: NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade (Org.). Doutrinas essenciais – Responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. I, 2010. p. 105. 23 NEGREIROS, Tereza apud CAITLIN, Mulholland. O princípio da relatividade dos efeitos contratuais. In: MORAES, Maria Celina Bodin de (Coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 258, nota 5.

A afirmação constitucional da solidariedade como fundamento da sociedade brasileira, em face da teoria dos princípios, cuja normatividade é atualmente reconhecida com sua positividade e concretude, leva a que os institutos jurídicos sejam examinados segundo esse princípio, os quais, como diz Bonavides, fazem a congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um sistema jurídico legítimo, e estão no ápice da pirâmide normativa 24. Logo, no direito privado, a promoção da solidariedade também está presente e o princípio impede que as normas regentes das correspondentes relações jurídicas perfilhem as vontades em desconsideração aos interesses que fomentam as relações e todos os que delas decorrem, o que se expressa na atribuição da função social do contrato.

3 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO A partir do solidarismo constitucional, o direito civil foi vinculado a observar o interesse comum nas situações e contratações desenvolvidas em seu âmbito, materializado ademais no princípio da função social25. A polissemia do termo “função” foi tida como conveniente para incluir na noção de “funcionalização”, além da necessidade de uma análise funcional e não meramente estrutural, a afirmação de que todos os atos, normas e situações jurídicas somente têm sua existência justificada em função dos valores que orientam o ordenamento, portanto, a dignidade humana e a solidariedade social26. 24 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 294. 25 Código Civil: “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. 26 SOUZA, Eduardo Nunes. Função negocial e função social do contrato: subsídios para um estudo comparativo. RDPriv, a. 14, 54, abr./jun. 2013, p. 70.

Setembro/2016 – Ed. 234

O contrato deixou de ser tido, nos últimos anos, como instrumento necessariamente decorrente ou representativo de interesses antagônicos e passou a ser visto sob a existência de uma affectio − a affectio contractus que se desenvolve como uma parceria, na qual, além de uma função econômica, exerce uma função social por meio da qual são atendidos os interesses superiores da sociedade, que, em determinados casos, podem não coincidir com os do contratante que aderiu ao contrato. Ressalva-se que, ao analisar a função social do contrato na área civil, Wald afirma que ela não significa maior proteção à parte economicamente mais fraca, nem a consideração do interesse de uma das partes em detrimento da outra, como é adotado no Direito do Trabalho e no direito do consumidor, afirmando, todavia, o solidarismo contratual no regime legal dos contratos, mediante os princípios da função social do contrato, aplicação da teoria da imprevisão e a boa-fé objetiva22.

50


Setembro/2016 – Ed. 234

Desse modo, o interesse social vincula a liberdade de contratar em observância à ordem constitucional e à previsão do Código Civil de 2002, que assegura seu exercício em razão e nos limites da função social do contrato. Aponta Souza que, após superada a resistência de parte de alguns autores em aceitar a função social como figura autônoma, essa função baseou o reconhecimento do fenômeno designado como a “relativização da relatividade dos pactos” – sendo mitigado o antigo princípio segundo o qual o contrato só produz efeitos inter partes, surgindo a admissão da chamada “tutela externa” do crédito, em face de terceiros que pudessem incentivar o inadimplemento ou prejudicar, de qualquer modo, o curso da relação contratual. Defender a função social do contrato equivaleria a dizer, nessa formulação, que os negócios são socialmente relevantes e devem ser protegidos27.

51

por meio dele ou como sua decorrência, um contratante viola ou enseja a violação de interesse socialmente relevante, como são todos os direitos fundamentais, entre os quais os direitos sociais. Como o negócio não pode ser alheio aos valores juridicamente protegidos, o contrato não pode servir à postergação de direitos de uma das partes, de modo que, no contrato triangular, a ausência de liame trabalhista diretamente com uma das partes não torna o objetivo do contrato estranho a ela. Na existência de contrato entre empresas com a terceirização de atividades da contratante e obtenção de serviços destinados ao seu empreendimento por meio da prestação pelos empregados da contratada, os diferentes contratos têm uma finalidade única e, ainda que oriundos de ramos jurídicos distintos, a todos se aplicam o princípio da solidariedade e o seu exame conjunto sob a perspectiva da função social dos contratos. Como afirma Roppo, o contrato adquire relevância cada vez maior com a progressiva afirmação do primado da iniciativa da empresa e em sua evolução, de mecanismo funcional e instrumental da propriedade, ele se tornou mecanismo funcional e instrumental da empresa29.

A função social do contrato deve ser interpretada mediante o princípio da solidariedade e, como tal, sua aplicação tem aspecto promocional, para que a execução do contrato ocorra para o cumprimento dos direitos e justo equilíbrio de todas as partes que, nele ou em razão dele, estão vinculadas. Indaga Souza: como pressupor que as partes em um contrato devam celebrá-lo perseguindo interesses socialmente relevantes além de seus próprios interesses? Como tornar essa diretriz eficaz, na prática, em sede de relações obrigacionais, de modo a reconhecer os legitimados para alegar o descumprimento da promoção de valores como o trabalho, o consumidor, a livre-concorrência etc.?28 Esse aspecto suscita reflexão no âmbito da terceirização, pois ela ocorre à sombra de dois contratos típicos que, tendo por objeto a prestação de atividade humana, eram originariamente um mesmo. Ora, a função social do contrato redimensiona a liberdade de contratar a ser sopesada às circunstâncias em que,

Como a função social do contrato traz consigo a modificação ou reinterpretação do princípio da relatividade dos pactos e do conceito da relatividade do contrato com a produção de efeitos inter partes, passando a admitir a “tutela externa” do crédito, em face de terceiros, esse conceito deve ser aplicado em todas as situações em que um terceiro atua no contrato. Vai, portanto, além das situações surgidas de incentivo ao inadimplemento, para, sob o mesmo enfoque, tutelar os fatos que prejudicam, de qualquer modo, o curso da relação contratual. Como tal, abrange a situação não prevista nas normas legais em que

27 Idem, p. 89-90. 28 Idem, p. 92-93.

29 ROPPO, Enzo. O contrato. Trad. Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 2009. p. 67.


igual complexidade apresentam os institutos jurídicos e há, nos contratos, as novas situações objetivas de contratação e sua dinâmica, o que interfere na concepção restritiva do princípio da relatividade dos contratos. A previsão, no Código de Defesa do Consumidor, da possibilidade de indenização a pessoas que não fazem parte dos contratos de consumo, como usuários e bystanders, fornece elemento de positividade jurídica para a reconfiguração do princípio na sociedade atual e a produção e circulação de riquezas.

4 O PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS CONTRATOS

Daí, tornar-se relativizado o princípio da relatividade do contrato: em seu sentido originário ele significava que o contrato somente vinculava e produzia efeitos entre as partes contratantes, o que foi relativizado, ao influxo do princípio da solidariedade, desde a norma legal que rege relações na sociedade de consumo até a interpretação do sistema para que os efeitos que decorram dos contratos firmados em paralelo a um contrato matriz ou dele decorrentes retornem à economia contratual e às partes originárias, obrigando-as. Daí Caitlin31, sob as noções de fato jurídico e eficácia indireta ou reflexa do contrato, asseverar as repercussões fora do âmbito contratual e em relação a terceiros como determinantes de tratamento jurídico adequado à noção atual de contrato sob a perspectiva dos princípios solidaristas. As situações criadas ou modificadas pelo contrato não são a ele estranhas, pois o pacto incidindo sobre a esfera de terceiros deflagrou efeitos jurídicos em igual medida e tutela.

Pelo princípio da relatividade dos contratos, aquele que não integra a relação contratual não pode ser afetado pelos efeitos dela decorrentes. Esse princípio traduz uma concepção personalista e individualista do contrato que não condiz ao espírito da nova teoria dos contratos. O sentido do efeito relativo do contrato dado nos séculos XVIII e XIX teve alargada a noção de partes e terceiros, e como parte não é entendida uma categoria evolutiva, suscetível de incluir pessoas que venham a integrar posteriormente o círculo contratual”30. O princípio subsiste com a ampliação da definição de terceiro, o que leva, em sua aplicação, a atrair para o âmbito do contrato pessoas que praticaram atos a ele vinculados ou sobre as quais seus efeitos se projetaram ou levaram a que nele tivessem participação. Como assinala Caitlin, a partir de referência ao entendimento de Jacques Ghestin, Jean-Luc Aubert e Catherine Guelfucci-Thibierge, atualmente se tornou generalizado o entendimento de que um contrato não é fechado de modo a se limitar às partes que o celebram, mas a ele se integram as relações contratuais com terceiros, pois o contrato é o instrumento primordial do comércio jurídico. Com efeito, na sociedade complexa, 30 CAITLIN, Mulholland. O princípio da relatividade dos efeitos contratuais. In: MORAES, Maria Celina Bodin de (Coord.). Op. cit., p. 260 e 262.

O sistema jurídico se marca por sua reflexidade que no Direito do Trabalho é intensificada, pois nele as mudanças e variações constantes na sociedade são imediatas. Tais mudanças nas rela-

Setembro/2016 – Ed. 234

dois contratos sob regimes jurídicos diversos se desenvolvem paralelamente, mas estão ligados por uma finalidade última que é a atividade exercida por um dos contratantes. Ao orbitarem, tanto o contrato civil de prestação de serviços como o contrato de trabalho da execução subordinada dos serviços ajustados, em torno do interesse do contratante, a função social do contrato em expressão da solidariedade reconduz ao interesse que funda a constelação contratual.

31 Idem, p. 273.

52

5 O FATO SOCIAL E O PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE NO DIREITO DO TRABALHO


ções de trabalho ocorreram de forma tão rápida e igual absorção na realidade e a prática social que informam nova situação, o que se constata na identificação de trabalhadores como terceirizados e não como exercentes de uma função ou profissão.

Setembro/2016 – Ed. 234

Na relação dialógica entre a sociedade e o Direito, a reflexão do Direito do Trabalho sobre o seu sentido e finalidade se agiganta, porquanto o trabalho dá ao ser humano um modo de estar no mundo. Ao lado, constata-se a exigência de um comportamento flexível em que ameaça às pessoas, suas narrativas e suas histórias de vida têm a instabilidade como um modo normal32.

53

A terceirização verifica-se com o uso de um contrato civil, uma interferência quanto ao destinatário da prestação de serviços que é alterado, desfazendo o conceito tradicional de empregador para desdobrá-lo com um terceiro. A empresa contratante e tomadora de serviços se reputa estranha ao vínculo empregatício, mas recebe desse estranho a força de trabalho, cuja prestação lhe é assegurada por meio de outro contrato, a prestação de serviços. Daí os contratos na terceirização exigirem compreensão sobre o terceiro já reconhecido e ampliado no Direito Civil para, então, interpretar esse fenômeno também sob os princípios do Direito do Trabalho. Embora eles tenham sido estruturados na fase de formação desse ramo do Direito, advindo muitos deles do Tratado de Versalhes e da atuação da Organização Internacional do Trabalho, constituem as pautas diretivas do Direito do Trabalho, tanto para a interpretação das normas e sua aplicação como para a informação da legislação. Como expressa Plá Rodriguez33, os princípios e as normas se relacionam em uma 32 SENNET, Richard. A corrosão do caráter. Consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 1999. 33 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr/USP, 1978. p. 19.

interação ou implicação recíproca, mas correspondem a uma concepção do Direito laboral. Ao influxo das mudanças ocorridas com o delineamento de novas formas de trabalho e contratos atípicos34, os princípios do Direito do Trabalho e sua adequação ou subsistência a esses vínculos foram alvo de questionamento. Romita35 refutou os princípios clássicos quanto à sua especificidade para o Direito do Trabalho e propôs novos princípios, como adaptação da superestrutura jurídica às novas realidades, apontando então: princípio da liberdade do trabalho; princípio de não mercadorização do trabalho; e o princípio da dignidade do trabalhador como pessoa humana. O princípio da não mercadorização do trabalho foi afirmado pela OIT e tem grande relevância no quadro da globalização, e o princípio da dignidade do trabalhador como pessoa humana exprime nas relações de trabalho um princípio fundamental da República brasileira, enunciado na Constituição. Subsistem, todavia, os princípios clássicos, nos quais se encontra o princípio da primazia da realidade. Seu conteúdo e a atribuição de relevância dos fatos sobre as formas buscam na realidade que cerca o trabalho os elementos para a aplicação das normas de Direito do Trabalho. Ele enfrenta as formas de contratações engendradas e, assim, alcança a terceirização, formada pelo contrato civil e contratos de trabalho. Com efeito, os contratos determinados pela ação do mercado multiplicaram os contratos de prestação de serviços (formais e informais) na indústria, comércio e em outros setores, o que provocou a reação no meio trabalhista pela necessidade de adequar e aplicar 34 Adota-se a expressão contratos atípicos no sentido de contratos de trabalho em que, embora haja a aplicação das normas trabalhistas, se dão sob regimes particulares de duração, a prazo determinado ou como tempo parcial de trabalho. 35 ROMITA, Arion Sayão. Os princípios do direito do trabalho ante a realidade. Revista LTr, São Paulo, n. 74-09, p. 1038-1046, set. 2010.


O princípio da primazia da realidade expressa o tratamento do trabalhador dentro do mundo real de sua prestação de serviços. Usualmente identificado como a prevalência dos fatos sobre as formas, o que implica qualificar segundo a realidade em vez do texto, por meio dele se afasta o véu que encobre as circunstâncias relevantes da condição do trabalhador e as formas de contratação que visam inibir os direitos sociais correspondentes. Esse princípio tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e conduz à interpretação racional da vontade das partes, dentro da teoria de interpretação dos contratos, adquirindo grande realce no Direito do Trabalho, dado o caráter dinâmico do contrato pelo qual o modo como ele é executado mostra sua verdadeira natureza, segundo Plá Rodriguez 37. Como o princípio tem ambiente na teoria contratual, incide sobre as duas espécies que estão conjugadas na terceirização o contrato civil de prestação de serviços e o contrato de trabalho. Serve o princípio da primazia da realidade para dar uma conformação à oposição entre o mundo real e o mundo formal e conter os mecanismos por meio dos quais ocorrem as crescentes investidas contra as relações trabalhistas38, o que enseja uma 36 FICHTNER, Priscila Mathias de Morais. Locação de serviços x prestação de serviços: evolução jurisprudencial. In: TEPEDINO, Gustavo; VIEIRA DE MELLO, Luiz Philippe; FRAZÃO, Ana; DELGADO, Gabriela Neves (Coord.). Diálogos ente o direito do trabalho e o direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 374. 37 RODRIGUEZ, Américo Plá. Op. cit., p. 227. 38 CAVALCANTI, Lygia Maria de Godoy Batista. A flexibilização do Direito do Trabalho no Brasil. Desregulação ou regulação anética do mercado? São Paulo: LTr, 2008.

interpretação do contrato na complexidade das relações contratuais em uma mesma realidade: a diversidade de espécies contratuais sob a finalidade igual de um serviço prestado com subordinação desdobrada na subordinação jurídica ao empregador que estabelece a empresa em que haverá a prestação de serviços e a subordinação fática das ordens cotidianas para a efetiva execução do serviço. Assim, a terceirização é um mecanismo em que há a celebração de contratos paralelos que estão vinculados pela finalidade e instaura vínculos empregatícios em que a realidade laboral da prestação de serviços é canalizada para o tomador de serviços, e tem uma assincronia entre contrato de trabalho e atividade real. O vínculo contratual com o prestador de serviços constitui a formalidade que leva à execução do contrato civil existente. Como princípio da primazia da realidade é conciliado o contrato com os fatos empanados pelos registros formais. Delgado entende que sobre esse princípio amplia a noção da prevalência da intenção dos agentes sobre o envoltório formal, aduzindo que o conteúdo do contrato não se circunscreve ao transposto no correspondente instrumento escrito, incorporando amplamente todos os matizes lançados pelo cotidiano da prestação de serviços39. Com o princípio da primazia da realidade, amplia-se o polo do obrigado trabalhista na terceirização, havendo a inserção quanto a esses efeitos do terceiro beneficiado pela prestação, indo além do vínculo existente entre as partes. Essa noção de terceiro, na esfera do contrato de trabalho, institui na interpretação das obrigações respectivas a consideração da interferência que o tomador de serviços exerce sobre a realidade do contrato de trabalho, desde a admissão do trabalhador para que haja a 39 DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 90-91.

Setembro/2016 – Ed. 234

o direito à nova realidade, e pela permanência do princípio da proteção ao trabalhador e, em especial, o empregado, de eventuais ameaças à sua dignidade, bem como de tentativas de precarização das relações de trabalho, como assinala Fichtner36.

54


prestação do serviço até sua dispensa, que frequentemente está vinculada à rescisão do contrato de prestação de serviços. Na terceirização, portanto, o princípio atua para conciliar os dois contratos cujas filosofias são diferentes, mas não antagônicas, e que devem ser interpretados sob um mesmo princípio, o da solidariedade.

CONCLUSÃO

Setembro/2016 – Ed. 234

A Constituição da República, ao enunciar o princípio da solidariedade como objetivo da sociedade na sua construção prospectiva, vincula a ação e a interpretação à sua observância. No campo das relações econômicas, tanto quanto à atividade das empresas como nos contratos de trabalho, esse princípio se reflete como a responsabilidade pelo bem-estar de todos, empresas e trabalhadores.

55

O contrato tem nas relações complexas que marcam a sociedade atual uma atuação múltipla e simultânea que cada um deles, guardando seu sentido próprio, funcionalizam a ação comum. O contrato de prestação de serviços se tornou instrumento da terceirização, mediante uma renovada utilização dessa forma contratual civil, enquanto a forma originária desse contrato e que tinha desaguado no trabalho subordinado do contrato de trabalho é para ele atraída, sob uma justaposição. São dois contratos que se reúnem sob a mesma noção de prestação de serviços, seja entre empresas como meio de realizar a atividade de uma delas, seja entre uma empresa e seus empregados. São os múltiplos fios que se entrelaçam no tapete e lhe conferem cor, forma e desenho. A função social do contrato, desse modo, deve ser lida em simultaneidade ao princípio da proteção do trabalhador, segundo o interesse de todas as partes sob o signo do princípio da solidariedade, no nome do solidarismo contratual. O amálgama do contrato de prestação de serviços

do Direito civil e do contrato de trabalho, do Direito do Trabalho ante a prevalência dos fatos sobre as formas no princípio da primazia da realidade e a relativização do terceiro coloca-se sob o princípio da solidariedade evidenciando que o crédito do trabalhador não é alheio à empresa tomadora dos serviços, pela inexistência do vínculo trabalhista, pois, pela contratação dos serviços, ela consentiu e concorreu para a criação do contrato de trabalho.

REFERÊNCIAS ABDALA, Vantuil. Terceirização: atividade-fim e atividade-meio – responsabilidade subsidiária do tomador de serviço. Revista LTr, São Paulo, n. 60-05, p. 587-590, maio 1996. BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, v. 4, 1934. BLANCO, Jose Martín. El contrato de trabajo. Estudio sobre sunaturaleza jurídica. Madri: Revista de Derecho Privado, 1957. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. ______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <www4.planalto.gov.br>. Acesso em: 22 ago. 2015. ______. Decreto- Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprovada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Disponível em: <www4.planalto.gov. br>. Acesso em: 22 ago. 2015. CAITLIN, Mulholland. O princípio da relatividade dos efeitos contratuais. In: MORAES, Maria Celina Bodin de (Coord.) Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar. 2006. p. 255/280. DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr. 2010. DURKHEIM, Emile. Da divisão do trabalho social. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1999.


FACHIN, Luiz Edson; GONÇALVES, Marcos Alberto Rocha. Princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e da isonomia substancial. In: TEPEDINO, Gustavo; VIEIRA DE MELLO, Luiz Philippe; FRAZÃO, Ana; DELGADO, Gabriela Neves (Coord.). Diálogos entre o direito do trabalho e o direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 23/36. FICHTNER, Priscila Mathias de Morais. Locação de serviços x prestação de serviços: evolução jurisprudencial. In: TEPEDINO, Gustavo; VIEIRA DE MELLO, Luiz Philippe; FRAZÃO, Ana; DELGADO, Gabriela Neves (Coord.). Diálogos ente o direito do trabalho e o direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 373/389. MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da dignidade humana. In: MORAES, Maria Celina Bodin de (Coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 1/60. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. III, 1996. ROPPO, Enzo. O contrato. Trad. Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 2009. SOUZA, Eduardo Nunes. Função negocial e função social do contrato: subsídios para um estudo comparativo. RDPriv, a. 14, 54, p. 65/98, abr./ jun. 2013. STRECK, Lenio L.; BOLZAN DE MORAIS, Jorge Luiz. Comentário ao Artigo 3º. In: ______; CANOTILHO, J. J.; MENDES, Gilmar; SARLET, Ingo W. (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.

WALD, Arnold. O novo Código Civil e o solidarismo contratual. In: NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade (Org.). Doutrinas essenciais – Responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. I, 2010. p. 76/116.

Setembro/2016 – Ed. 234

SUPIOT, Alain. Homo Juridicus. Ensaio sobre a função antropológica do Direito. Lisboa: Instituto Piaget, 2006.

56


Doutrina

Educação Ambiental

a ser indiscriminada alterando e degradando significativamente o meio ambiente, comprometendo a vida no Planeta.

Advogado, Pós-Graduado em Direito de Empresas, Especializado em Direito Empresarial Ambiental, Professor de Graduação da FMPFM, Asmec, Professor de Pós-Graduação em Direito e Legislação Ambiental da UNIFEOB, FMPFM, Asmec, Fatece, Unifeg, ESDC, FalNatal, Unipinhal entre outras, Palestrante, Parecerista, Consultor de Empresas Publicas e Privadas na Área Jurídico-Ambiental. Escritor de Livros e Artigos Jurídicos em Direito Ambiental. Fundador e Consultor de www.mercadoambiental.com.br e www.pdca.org.br. Sócio da Aceti Advogados Consultoria Jurídico Empresarial Ambiental – www.aceti.com.br – e da ACDP – Ambiental, Comunicação e Desenvolvimento Profissional – www.acdp.com.br.

Quando falamos em meio ambiente, o conceito é bastante amplo, compreendendo este não só o equilíbrio natural (solo, água, ar atmosférico, fauna, flora, enfim, a interação entre os seres vivos e seu meio, onde se dá a correlação recíproca entre as espécies e as relações destas com o ambiente físico que ocupam), como também o meio ambiente artificial (compreendendo o espaço urbano construído, ou seja, o conjunto de edificações, ruas, praças e áreas verdes) e o meio ambiente cultural (patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico e turístico).

ELIANE CRISTINE AVILLA VASCONCELOS

Portanto, podemos entender meio ambiente como sendo um bem coletivo de relevância ímpar, essencial à própria existência humana.

LUIZ CARLOS ACETI JÚNIOR

Advogada, Pós-Graduanda em Meio Ambiente, Especialista em Gestão Ambiental, Especializada em Direito e Legislação Ambiental, Professora de Gestão Ambiental, Legislação e Direito Ambiental do Senac/SP, Palestrante, Parecerista, Consultora nas Áreas Jurídica e de Gestão Ambiental Empresarial. Escritora de Livros e Artigos Jurídico-Ambientais. Sócia-Diretora da E. C. Avilla – Assessoria e Consultoria Jurídica e Ambiental. Parceira da ACDP – Ambiental Comunicação e Desenvolvimento Profissional – www.acdp.com.br.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A problemática ambiental; 2 Educação ambiental; 2.1 Definição; 2.2 Breve histórico; 3 Política nacional de educação ambiental; 4 O desenvolvimento sustentável; 4.1 Produção e consumo sustentável; conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO Historicamente, os seres humanos utilizam os recursos ambientais. Nos primórdios, em menores proporções, mas, após a Revolução tecnoindustrial, que se iniciou no século XIX, essa utilização passou

A vigente Constituição Federal brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988, foi o primeiro diploma constitucional pátrio a introduzir em seu texto, de forma expressa e unitária, o tema meio ambiente, e dispõe em seu art. 225, caput, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras.1

Com base na Constituição Federal, surgiram outras leis de extrema importância para a proteção do meio ambiente, como, por exemplo, a Lei nº 6.938/19812, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e a Lei nº 9.605/19983, que dispõe sobre as sanções 1 BRASIL, Constituição Federal de 1988. 2 Lei da Política Nacional de Meio Ambiente. 3 Conhecida popularmente como Lei de Crimes Ambientais.


A legislação ambiental possui um caráter não só repressivo, mas principalmente preventivo, pois, em se tratando deste assunto, a prevenção é o que se tem de mais importante, já que, quando ocorre a degradação ambiental, dificilmente se consegue restabelecer o estado inicial. A humanidade precisa, com certeza, continuar evoluindo, desenvolvendo-se, mas de uma maneira sustentável. A capacidade de suporte para a vida humana e para a sociedade é complexa, dinâmica e variada de acordo com a forma segundo a qual o homem maneja os seus recursos ambientais. Ela é definida pelo seu fator mais limitante e pode ser melhorada ou degradada pelas atividades humanas. Dos inúmeros problemas ambientais encontrados na sociedade moderna em que vivemos, o consumismo e o desperdício

acompanhados de uma grande quantidade de lixo gerado são extremamente preocupantes. Os recursos ambientais são cada vez mais utilizados, de maneira insustentável, comprometendo o equilíbrio do Planeta. A solução de grande parte do problema está no desenvolvimento socialmente sustentável, em que a participação das pessoas, promovendo a redução do consumo, da quantidade de lixo gerado, sua destinação correta, a separação do material reciclável, e a reutilização destes materiais, melhorando a qualidade de vida do Planeta, é de extrema importância, já que o meio ambiente é, também, de responsabilidade de toda a coletividade. O conhecimento da lei para entendimento dos deveres e prerrogativa dos cidadãos é imprescindível. O papel do Poder Público é oferecer subsídios para este desenvolvimento sustentado, promovendo a organização, a coleta seletiva do lixo, destinando-o corretamente, em uma área apropriada, tomando os devidos cuidados, protegendo o solo de contaminações e, consequentemente, as águas subterrâneas e reciclando esses materiais, incentivando a educação ambiental nas escolas e a conscientização sobre a necessidade de conservação e defesa do meio ambiente para as presentes e as futuras gerações.

1 A PROBLEMÁTICA AMBIENTAL Durante o período da Revolução Industrial, não havia preocupação com a questão ambiental. Os recursos naturais eram abundantes, e a poluição era consequência necessária do desenvolvimento a qualquer preço. O desenvolvimento desordenado e à custa dos recursos ambientais causa uma enorme intensidade dos impactos ambientais.

Setembro/2016 – Ed. 234

penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

58


Exemplos Atingimos uma fase de extremo desequilíbrio, e o aumento populacional mundial é um de seus maiores causadores, já que este aumento exige áreas maiores para a produção de alimentos e técnicas de cultivo que aumentem a produtividade da terra. Florestas inteiras cedem lugar a lavouras, criações, espécies animais e vegetais são domesticadas, muitas extintas e outras, ao perderem seus predadores naturais, multiplicam-se aceleradamente acentuando ainda mais o desequilíbrio no Planeta. Produtos químicos são utilizados para aumentar a produtividade e evitar predadores nas lavouras, mas acabam por matar micro-organismos decompositores, insetos e aves, reduzem a fertilidade da terra, poluem os rios e as águas subterrâneas e contaminam os alimentos.

Setembro/2016 – Ed. 234

As grandes cidades usam os recursos naturais em escala concentrada, quebram as cadeias naturais de reprodução desses recursos e reduz-se a capacidade da natureza de construir novas situações de equilíbrio.

59

A sociedade moderna segue um modelo de desenvolvimento baseado no consumo e é o recordista em desperdício de recursos naturais. Automóveis, eletrodomésticos, roupas e demais utilidades planejados para durar pouco, para serem descartáveis, somando-se a extração de recursos naturais: embalagens e produtos descartáveis não recicláveis nem biodegradáveis aumentam a quantidade de lixo. São montanhas e montanhas de lixo que geramos todos os dias, contribuindo para a poluição dos rios, do solo e do subsolo. O uso de vapor aumenta a procura pelo carvão e acelera o desmatamento. A destilação do petróleo aumenta a emissão de gás carbônico e outros gases na atmosfera, e substâncias não biodegradáveis, como alguns plásticos que são criados.

Temos, assim, a geração da poluição, que se caracteriza pela presença de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos em quantidade superior à capacidade do meio ambiente de absorvê-los. As diferentes formas de poluição afetam a composição e o equilíbrio da atmosfera, das águas, do solo e do subsolo, interferem na cadeia alimentar, alteram os mecanismos naturais de proteção do Planeta, prejudicam as espécies animais e vegetais existentes e podem ameaçar sua reprodução. O efeito estufa a cada dia se torna um problema mais grave. Sem o carbono na atmosfera, a superfície seria coberta de gelo, porém o excesso tenderia a reter mais radiações infravermelhas, produzindo o chamado efeito estufa. Também o aquecimento global, que é a elevação da temperatura média a ponto de reduzir ou até acabar com as calotas de gelo que cobrem os polos. Há aumento do dióxido de carbono na atmosfera a um ritmo médio de 1% ao ano. A queima da cobertura vegetal nos países subdesenvolvidos é responsável por 250% desse aumento. A maior fonte, no entanto, é a queima de combustíveis fósseis, como o petróleo. As chuvas ácidas que ocorrem por consequência da queima de carvão e de combustíveis fósseis e outros poluentes industriais lançam dióxido de enxofre e de nitrogênio na atmosfera. Esses gases combinam-se com o hidrogênio presente na atmosfera sob a forma de vapor de água. O resultado é a chuva ácida, que apresenta ácido sulfúrico ou ácido nítrico. Ao caírem na superfície, alteram a composição química do solo e das águas, atingem as cadeias alimentares, destroem florestas e lavouras, atacam estruturas metálicas, monumentos e edificações. Em Cubatão, São Paulo, as chuvas ácidas contribuem para a destruição da Mata Atlântica e desabamentos de encostas. Os buracos na camada de ozônio são outro problema extremamente grave. O ozônio é um gás rarefeito cujas moléculas são


formadas por três átomos de oxigênio. Concentram-se nas camadas superiores da atmosfera, a 15 km da superfície, e forma uma espécie de escudo, com cerca de 30 km de espessura, que protege o Planeta dos raios ultravioleta do Sol. Esse escudo vem perdendo espessura e apresenta um buraco de 31 milhões de km2 sobre a Antártida, área equivalente a 15% da superfície terrestre. A redução da camada de ozônio aumenta a exposição aos raios ultravioleta do Sol – resultando em câncer de pele e de doenças oculares, como a catarata. O CFC (clorofluorcarbono) usado como propelente em vários tipos de spray, em motores de aviões, refrigeração, chips de computadores e solventes utilizados pela indústria eletrônica, que decompõe as moléculas de ozônio e forma o gás cloro, é um dos poluentes que destroem a camada de ozônio.

2. Os desastres tecnológicos, que são ocorrências geradas pelas atividades desenvolvidas pelo homem, como os acidentes nucleares, vazamentos durante a manipulação de substâncias químicas, entre outras. A opinião pública está cada vez mais se tornando sensível às questões ambientais. A sociedade começa a exigir um maior controle da poluição e uma mudança na concepção de produto de consumo, de modo que a sua produção e uso não afete de maneira significativa o meio ambiente.

Devemos esperar também que clientes e consumidores passem a considerar, cada vez mais, a capacidade de empresas protegerem o meio ambiente, na produção, no uso e na disposição final dos produtos. Isso significa que, em muito breve, as organizações que não implementarem práticas adequadas de proteção ao meio ambiente correrão sérios riscos de perderem mercado, principalmente nos casos em que a produção cause impactos ambientais significativos, pois, além dos próprios clientes, serão fiscalizadas pelas comunidades afetadas, órgãos governamentais e as chamadas Organizações Não Governamentais (ONGs).

2 EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Temos ainda os desastres ambientais, que podem ser definidos como sendo eventos inesperados que afetam, direta ou indiretamente, a segurança e a saúde da comunidade envolvida, causando impactos ao meio ambiente como um todo. Os acidentes ambientais podem ser classificados em dois tipos, de acordo com as suas origens:

A educação não constitui a resposta absoluta para todos os problemas, mas, em seu sentido mais amplo, deve ser parte vital de todos os esforços que se façam para imaginar e criar novas relações entre as pessoas e para fomentar maior respeito pelas necessidades do meio ambiente. [...] A educação é, em síntese, a melhor esperança e o meio mais eficaz que a humanidade tem para alcançar o desenvolvimento sustentável.4

Setembro/2016 – Ed. 234

A água e o desafio do seu consumo sustentável: a água é um recurso natural essencial para nossa sobrevivência e de todas as espécies que habitam o Planeta. A falta de água permanente ameaça a própria existência de todos os seres vivos. O Brasil é um país privilegiado, pois possui de 8% a 12% de toda a água potável do Planeta, e 80% está concentrada na região amazônica. Como se não bastasse a utilização indiscriminada de água e o desperdício, ainda poluímos e contaminamos os cursos d’água com esgotos urbanos, efluentes líquidos industriais sem o devido tratamento, lixos domésticos, hospitalares e industriais, agrotóxicos e não damos destinação adequada para os resíduos sólidos e acabamos por contaminar os lençóis freáticos.

intervenções do homem, como, por exemplo, tempestades, terremotos, vulcões, maremotos e furacões, entre outros.

1. Os acidentes ou desastres naturais, que são as ocorrências causadas por fenômenos da natureza, cuja grande maioria independe das

4 Educação para um futuro sustentável. Documento base da Conferência

60

2.1 Definição


Podemos definir educação ambiental como sendo um processo de aprendizagem em que o indivíduo se conscientiza da importância do meio ambiente para sua existência, aprendendo a respeitar e a viver em harmonia com a natureza, sendo parte integrante dela e contribuindo para seu equilíbrio, retirando o que realmente é necessário para sua sobrevivência sem comprometer as futuras gerações. A educação ambiental tem o importante papel de fazer cada indivíduo entender que depende dos recursos ambientais para sobreviver e que ele faz parte de uma coletividade e de um grupo de seres vivos que também dependem desse mesmo ambiente para existir. É um processo pedagógico participativo, que busca manter o respeito dos seres humanos com o seu próprio meio e com os demais seres vivos existentes, partindo do princípio: agir localmente, pensando globalmente! O cuidado com o Planeta representa o global. O cuidado com o próprio nicho ecológico representa o local.

Setembro/2016 – Ed. 234

Importante ressaltar que a educação ambiental faz parte de um processo contínuo, em que não se aprende apenas nas salas de aula, mas a toda hora e em qualquer lugar.

61

tas desigualdades e exclusão social e, ao mesmo tempo, que garantam a sustentabilidade ecológica. Isso implica um novo universo de valores no qual a educação tem um importante papel a desempenhar5. O processo de desenvolvimento dos países do globo se realiza à custa dos recursos ambientais essenciais para a vida, que são explorados de maneira indiscriminada, degradando o meio ambiente de maneira irreversível. Num prazo extremamente curto, os patrimônios naturais formados lentamente ao longo de eras foram destruídos, causando desequilíbrios ecológicos irreversíveis. Para conter os danos ao meio ambiente de uma produção e consumo não sustentáveis e garantir a sobrevivência das futuras gerações, as sociedades atuais terão que mudar suas posturas e hábitos de consumo. Se avaliarmos com cuidado, veremos que boa parte do que compramos em nosso dia a dia é fruto de uma falsa necessidade, de um exagero criado pela cultura do consumismo e dos bens descartáveis.

A questão ambiental impõe às sociedades a busca de novas formas de pensar e agir, individual e coletivamente, de novos caminhos e modelos de produção de bens, para suprir necessidades humanas, e relações sociais que não perpetuem tan-

O atual modelo de desenvolvimento que adotamos nos levará a destruição. Somente por meio da educação ambiental, criando a consciência ambiental em cada indivíduo, conseguiremos trilhar o caminho do desenvolvimento sustentável, assegurando a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a proteção da qualidade ambiental, atendendo às necessidades das gerações atuais sem comprometer as gerações futuras. O desenvolvimento sustentável não tem a sua base na produção, mas sim nas pessoas. Deve preservar o meio ambiente, mas também a cultura, a história e os sistemas sociais do local onde ele ocorre.

Internacional Ambiente e Sociedade: Educação e sensibilização pública para a sustentabilidade. Brasília. Edição Ibama, 1999. p. 34-5.

5 Parâmetros Curriculares Nacionais. Temas Transversais. Brasília: MEC, 1998. p. 180.

A todo momento, em nosso dia a dia, nos deparamos com a problemática ambiental que diretamente nos afeta e que são causadas por nossas atividades.


2.2 Breve histórico7 A educação relativa às questões ambientais já possui uma longa história, na qual se destacam algumas conferências e encontros internacionais. O primeiro deles foi a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em 1972, na cidade de Estocolmo, capital da Suécia. Foi o primeiro grande encontro oficial da comunidade internacional sobre a questão ambiental. O dia da abertura, 5 de junho, foi consagrado como Dia Mundial do Meio Ambiente. Essa Conferência, entre outras resoluções importantes, propôs a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e de um Programa Internacional de Educação Ambiental. O segundo encontro foi o de Belgrado, que aconteceu em 1975, onde foi criado o Programa Internacional de Educação Ambiental. 6 VIEZZER, Moema; OVALLES, Omar (Org.). Manual latino-americano de educação ambiental. São Paulo: Gaia, 1994. p. 21. 7 Caderno de Princípios de Proteção à Vida. Ministério do Meio Ambiente – Programa Nacional de Educação Ambiental. Brasília, 2001.

O terceiro foi a Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental, realizada em 1975, também conhecida como Conferência de Tbilisi, cidade da antiga URSS onde foi realizada. Definiu os princípios da educação ambiental seguidos até hoje em todo o mundo. Um quarto encontro foi a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, também conhecida como Rio-92 ou ECO-92. Teve como principais resultados a Agenda 21, conjunto de propostas de ação para o alcance da sustentabilidade, que trata da educação ambiental em seu capítulo 36; a Carta da Terra; o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, produzido pelas organizações não governamentais. O quinto encontro foi a Conferência Ambiente e Sociedade: Educação e Sensibilização Pública para a Sustentabilidade, realizada em 1997, na cidade grega de Thessaloniki. Afirmou a necessidade de adoção de estilos de vida sustentáveis, mudando o modelo de produção e consumo. No Brasil, a educação ambiental está presente em documentos importantes como a Constituição da República Federativa do Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais – que são documentos do Ministério da Educação que orientam os conteúdos e as metodologias que devem ser trabalhados em todas as escolas do País, em que o meio ambiente é apresentado como tema transversal, ou seja, que deve ser trabalhado por todos os professores, de todas as séries e disciplinas, pois é parte indispensável da formação do aluno para uma cidadania crítica e participativa – e a Lei da Política Nacional de Educação Ambiental, sancionada em 27 de abril de 1999.

Setembro/2016 – Ed. 234

Para viver nosso cotidiano de uma maneira mais coerente com os ideais de uma sociedade sustentável e democrática, precisamos de uma educação que nos conduza a repensar velhas fórmulas de vida e a propor ações concretas para transformar nossa casa, nossa rua, nosso bairro, nossas comunidades, sejam elas no campo, na fábrica, na escola, no escritório6.

62


3 POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL8 A obrigatoriedade de promover a educação ambiental é do Estado e está expressamente determinada na Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, § 1º, VI, que diz: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.

Setembro/2016 – Ed. 234

A educação ambiental é essencial para a proteção ambiental, sendo utilizada como método preventivo, atendendo às determinações do mais importante princípio do direito ambiental, que é exatamente o princípio da prevenção.

63

Tal princípio é a base de qualquer política moderna do ambiente e vem em lugar de destaque, dada a importância de se prevenir o dano ao meio ambiente, já que, na maioria das vezes, esse dano é de difícil ou de impossível recuperação. A legislação ambiental não é só repressiva; seus objetivos fundamentais são preventivos, com o objetivo de evitar os danos ambientais que, como já dito, em geral, são irreversíveis. A Lei da Política Nacional de Educação Ambiental – Lei nº 9.795/1999 – veio contribuir para uma maior consciência em 8 Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999.

relação às questões ambientais, procurando estabelecer um processo de aprendizagem do indivíduo sobre a importância de se proteger o meio ambiente para a existência de todos os seres vivos existentes no Planeta. O art. 1º da referida lei dispõe que: Art. 1º Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.

Vale destacar que o citado artigo determina que o papel da educação ambiental é o de conservar o meio ambiente, e não preservá-lo, tendo a finalidade de capacitação plena do indivíduo para compreender adequadamente as implicações ambientais do desenvolvimento econômico e social9. Cabe aqui definir conservação e preservação ambiental: Conservação é a proteção ambiental com a utilização racional dos recursos naturais com a finalidade de não prejudicar as gerações futuras. Preservação é a manutenção da integridade e perpetuidade dos recursos ambientais.

A Lei nº 9.985/200010, em seu art. 2º, incisos II e V, traz, respectivamente, uma definição para conservação e preservação: Art. 2º [...] [...] 9 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 7. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 251. 10 Lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).


II – Conservação da natureza: manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a recuperação do ambiente natural, para que possa produzir o maior benefício, em bases sustentáveis, às atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a sobrevivência dos seres vivos em geral.

II – a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade;

[...]

IV – a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais;

A educação ambiental, nos termos da referida lei, é considerada um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal (processo institucionalizado que ocorre nas unidades de ensino) e não formal (realizado fora da escola, envolvendo flexibilidade de métodos e de conteúdos e um público alvo muito variável em suas características – faixa etária, nível de escolaridade, nível de conhecimento da problemática ambiental, etc.)11. O art. 3º da Lei da Política Nacional de Educação Ambiental traz expressamente as determinações para os diferentes agentes sociais, e, especialmente, incumbe ao Poder Público o dever de promover políticas públicas que integrem em seus conteúdos a educação ambiental e o engajamento da sociedade na conservação, na recuperação e na melhoria do meio ambiente. Os princípios básicos que regem a educação ambiental estão elencados no art. 4º da referida lei, quais sejam: I – enfoque humanista, holístico, democrático e participativo; 11 Idem.

V – a garantia de continuidade e permanência do processo educativo; VI – a permanente avaliação crítica do processo educativo; VII – a abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais; VIII – o reconhecimento e o respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural.

Esses princípios estabelecem que a educação ambiental deve proporcionar aos indivíduos e aos grupos sociais a oportunidade de participarem responsável e eficazmente na prevenção e na solução de problemas ambientais e na gestão de qualidade do meio ambiente. É indispensável compreender que o ambiente é complexo e dinâmico, formado pela interação entre elementos físicos (que compreende a atmosfera, a hidrosfera (águas) e a litosfera (rochas e solos), que seguem as leis da física e da química), biológicos (a biosfera com todas as espécies da vida, que obedecem às leis da física, química, biologia e ecologia) e sociais (que compreende o mundo das máquinas e construções criadas pelo homem, governos e economias, artes, religiões e culturas, que seguem leis da física, da química, da biologia, da ecologia e também leis criadas pelo homem).

Setembro/2016 – Ed. 234

V – Preservação da natureza: conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visem a proteção a longo prazo das espécies, hábitats e ecossistemas, além da manutenção dos processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais.

III – o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e transdisciplinariedade;

Todos têm direito à educação ambiental, pois ela trata da mais essencial de todas as questões: a vida!

64


A educação ambiental deve estruturar atividades em torno dos problemas concretos da comunidade, ajudando indivíduos e grupos sociais a adquirirem os conhecimentos necessários para compreendê-los e as habilidades necessárias para resolvê-los. Sua principal função é contribuir para a formação de cidadãos conscientes, aptos para decidirem e atuarem na realidade socioambiental de um modo comprometido com a vida, com o bem-estar de cada um e da coletividade, seja ela local, seja global12.

4 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Setembro/2016 – Ed. 234

A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (World Commission on Environment and Development – WCED) – define-o como o “desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias necessidades”, podendo também ser empregado com o significado de melhorar a qualidade de vida humana dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas.

65

4.1 Produção e consumo sustentável As agressões aos bens da natureza, pondo em risco o destino da humanidade, é um dos tremendos males que estão gerando o “pânico universal” que assombra a humanidade neste inquietante início de milênio. Por esse motivo, nos últimos anos, a humanidade vem acordando para a problemática ambiental, repensando o mero crescimento econômico, buscando fórmulas alternativas, como o desenvolvimento sustentável, cuja característica principal consiste na possível e desejável conciliação entre o desenvolvimento, a preservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida, três metas indispensáveis. Para que seja alcançado o desenvolvimento sustentável, é necessário que a proteção ambiental seja parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste13.

Os países devem procurar se desenvolver de forma sustentável, visando à qualidade de vida humana, conciliando progresso e qualidade ambiental, já que o desenvolvimento econômico-social e a sobrevivência da humanidade dependem dos recursos ambientais.

É falso o dilema “ou desenvolvimento ou meio ambiente”, pois o meio ambiente é fonte de recursos para o desenvolvimento, e estes devem harmonizar-se e completar-se. Desenvolvimento e meio ambiente devem andar de mãos dadas!

A natureza morta não serve ao homem! A utilização dos recursos naturais, inteligentemente realizada, deve subordinar-se aos princípios maiores de uma vida digna, em que o interesse econômico cego não prevaleça sobre o interesse comum da sobrevivência da humanidade e do próprio Planeta. Este quadro poderá ser alterado, em primeiro lugar, por meio da educação ambiental.

Compatibilizar meio ambiente e desenvolvimento significa considerar os problemas ambientais dentro de um processo contínuo de planejamento, atendendo-se adequadamente às exigências de ambos e observando-se as suas inter-relações particulares a cada contexto social, cultural, político, econômico e ecológico, dentro de uma dimensão tempo/espaço.

12 Parâmetros Curriculares Nacionais. Meio Ambiente e Saúde. Brasília: MEC, 1997. p. 29.

13 Princípio nº 4 da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio/92).


Não se atingirá o desenvolvimento sustentável se não se proceder a uma radical modificação dos processos produtivos, assim como do aspecto quantitativo e do aspecto qualitativo do consumo. Em decorrência, o desenvolvimento sustentável, uma vez desencadeado, facilitará processos de produção e critérios de consumo adequados à composição dos legítimos interesses da coletividade humana e do ecossistema planetário. A grande controvérsia reside nos padrões sustentáveis de produção e consumo, fatores esses estreitamente inter-relacionados. Consome-se o que se produz, produz-se o que é demandado para consumir. Para conter os danos ao meio ambiente de uma produção não sustentável e garantir a sobrevivência das futuras gerações, a sociedade moderna terá de reformular alguns hábitos de consumo. Será que precisamos realmente de todos os produtos que consumimos? Se avaliarmos com cuidado, veremos que boa parte do que compramos em nosso dia a dia é fruto de uma falsa necessidade, de um exagero criado pela cultura do consumismo e dos bens descartáveis. Há um nexo entre produção e consumo que se estimulam reciprocamente. No que tange aos modelos de produção, o postulado básico resume-se no desenvolvimento e emprego de tecnologias limpas que implicam menos consumo de matérias-primas e energia, menor produção de resíduos com maior capacidade de seu reaproveitamento e com menor volume para sua disposição final.

Economia e uso racional de energia e matéria-prima, assim como na conservação dos recursos naturais dentro das características essenciais dos ecossistemas, de modo que a demanda sobre eles se contenha dentro dos limites da capacidade dos mesmos ecossistemas para se regenerarem e autorregularem. Educar o cidadão consumidor, capaz de modificar seus hábitos e atitudes (mudança de postura) e desencadear uma reação que alcance, ademais, os processos produtivos. A concepção do desenvolvimento sustentado tem em vista a tentativa de conciliar a preservação dos recursos ambientais e o desenvolvimento econômico. Pretende-se que, sem o esgotamento desnecessário dos recursos ambientais, haja a possibilidade de garantir uma condição de vida mais digna e humana para milhares de pessoas, cujas atuais condições de vida são absolutamente inaceitáveis.

CONCLUSÃO A educação ambiental é o método mais eficaz na proteção do meio ambiente. Somente por meio de processos contínuos de aprendizagem do indivíduo ele será capaz de entender a importância do meio ambiente para a existência do Planeta e deixar para trás antigos conceitos e culturas de que o desenvolvimento somente acontecerá por meio do domínio do homem em relação à natureza. O atual modelo de desenvolvimento baseia-se no consumo e no desperdício de recursos ambientais vitais, que são finitos e estão se esgotando. A conscientização se dará por meio da educação ambiental, modificando posturas e alterando o atual modelo de desenvolvimento para o desenvolvimento sustentável, que procura atender

Setembro/2016 – Ed. 234

Deve-se ressaltar que, quando ocorre um impacto ambiental, este se reflete na economia e na sociedade, pois da natureza provém tudo do que necessitamos para nossa sobrevivência no Planeta.

66


a todas as necessidades das atuais gerações sem comprometer as futuras e as demais formas de vida existentes no Planeta.

REFERÊNCIAS ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 7. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: apresentações dos temas transversais 3º e 4º ciclos do ensino fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. ______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Meio Ambiente e Saúde. Brasília, 1997. MEC, p. 29. CADERNO de Princípios de Proteção à Vida. Brasília, 2001. DIAS, F. G. Educação ambiental: princípios e práticas. São Paulo: Gaia, 1992. EDUCAÇÃO para um futuro sustentável. Documento base da Conferência Internacional Ambiente e Sociedade: educação e sensibilização pública para a sustentabilidade. Brasília. Edição Ibama, 1999. JACOBI, P. Meio ambiente participação e cidadania. São Paulo: Gaia, 1995. (Cadernos do III Fórum de Educação Ambiental). MERGULHÃO, M. C.; VASAK, B. N. G. Educando para a conservação da natureza. São Paulo: Educ, 1998.

Setembro/2016 – Ed. 234

MINISTÉRIO do Meio Ambiente. Programa Nacional de Educação Ambiental. In: VIEZZER, Moema; OVALLES, Omar (Org.). Manual latino-americano de educação ambiental. São Paulo: Gaia, 1994.

67

ORGANIZAÇÃO das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco. Educação para um futuro sustentável: uma visão transdisciplinar para ações compartilhadas. Brasília: Ibama, 1999.


Acórdão na Íntegra

Superior Tribunal de Justiça Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 654.343/RN (2015/0025920-8) Relator: Ministro Antonio Saldanha Palheiro Agravante: Carolina Mazzi de Aquino Advogado: Isaac Minichillo de Araújo Advogado: Pierre de Carvalho Formiga Agravado: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte EMENTA PENAL E PROCESSUAL PENAL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – FURTO QUALIFICADO – DESCLASSIFICAÇÃO – TENTATIVA – REEXAME DE FATOS E PROVAS – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 7/STJ – REGIME INICIAL E SURSIS DA PENA – FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA – INOVAÇÃO RECURSAL INDEVIDA – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA Nº 282/STF – IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA – AUSÊNCIA – SÚMULA Nº 182/STJ 1. A jurisprudência do STJ sedimentou-se no sentido de que para se chegar à conclusão de que determinada conduta foi tentada, e não consumada, via de regra, seria inevitável o reexame do substrato fático e probatório dos autos, mediante reversão indevida da cognição fática e probatória assentada pelo tribunal de origem, esbarrando no óbice da Súmula nº 7/STJ. 2. A existência de dados concretos e de circunstâncias desfavoráveis justificam a fixação, ao réu primário, de regime prisional mais gravoso do que o correspondente à pena aplicada que, se inferior a 4 anos de reclusão, deve ser, a princípio, o semiaberto, em obediência aos ditames do art. 33 do Código Penal. 3. Em virtude da preclusão consumativa e por caracterizar indevida inovação recursal, são insuscetíveis de conhecimento as teses que poderiam ter sido deduzidas em momento anterior, mas que somente foram apresentadas nas razões do regimental, especialmente se não foram debatidas pelo tribunal de origem, mediante incidência da Súmula nº 282/STF, por analogia, em face da ausência de aclaratórios.

4. Para viabilizar o conhecimento do agravo, a inconformidade recursal há de ser clara, total e objetiva. Diante disso, a omissão em contrapor-se aos fundamentos adotados pela decisão agravada atrai a incidência do óbice previsto na Súmula nº 182/STJ, em homenagem ao princípio da dialeticidade recursal. 5. Agravo regimental não conhecido.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Thereza de Assis Moura, Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz e Nefi Cordeiro votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília, 21 de junho de 2016 (data do Julgamento). Ministro Antonio Saldanha Palheiro Relator RELATÓRIO O Exmo. Sr. Ministro Antonio Saldanha Palheiro (Relator): Trata-se de agravo regimental de Carolina Mazzi de Aquino interposto contra decisão exarada nos autos do recurso em epígrafe. Consta dos autos que a agravante, em primeira instância, foi condenada pela prática de crime tipificado no art. 155, § 4º, I, II, e IV, do Código Penal (furto qualificado), sendo-lhe imposta a pena definitiva de 2 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 28 dias-multa. A pena corporal foi substituída por duas restritivas


de direito, constantes em prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana, pelo prazo de duração da pena. Em recurso de apelação manejado pela defesa, a sentença foi parcialmente reformada quanto à dosimetria, afastando-se as circunstâncias de “personalidade” e “comportamento da vítima” da fixação da pena-base por serem consideradas favoráveis à agravante, redimensionando a pena para o patamar definitivo de 2 anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 10 dias-multa, mantendo-se o disposto na sentença a respeito da substituição da pena corporal e da valoração negativa da vetorial de circunstâncias do crime. Irresignada, a defesa então interpôs recurso especial, alegando ofensa aos arts. 1º e 155 do Código Penal, sob o argumento de que não há provas suficientes para sustentar a sua condenação na modalidade consumada do referido tipo penal, mas apenas na tentada.

Setembro/2016 – Ed. 234

Com relação ao recurso especial, o Ministério Público Federal opinou pelo seu desprovimento, visto que incidiria a Súmula nº 7/ STJ, corroborando o fundamento de inadmissibilidade do apelo nobre sustentado pela Corte de origem.

69

Conclusos os autos nesta Corte, foi negado provimento ao recurso de agravo, mediante confirmação da incidência da Súmula nº 7/STJ, uma vez que “para se chegar à conclusão de que a conduta praticada foi tentada, e não consumada, seria inevitável o reexame do substrato fático e probatório dos autos [...]” (e-STJ fl. 609). Não obstante a fundamentação desenvolvida na decisão monocrática, a ora agravante aduz que o tribunal de origem, ao redimensionar a pena imposta pelo afastamento de duas vetoriais na fixação da pena-base, deveria ter fixado o regime aberto, e, além disso, que o acórdão recorrido deveria mencionar o sursis da pena. É o relatório.

VOTO O Exmo. Sr. Ministro Antonio Saldanha Palheiro (Relator): Ab initio, esclareça-se que ambas as teses trazidas pelo agravo regimental caracterizam indevida inovação recursal e, como tal, somente podem ser objeto de pronunciamento de ofício, por intermédio de concessão de habeas corpus, caso verificada flagrante ilegalidade em prejuízo ao apenado. Somente para efeitos de argumentação e com fito de facilitar o entendimento da questão do regime inicial trazida no presente recurso, colacione-se o seguinte excerto do acórdão primevo (e-STJ fl. 521): Quanto ao regime de cumprimento da pena, é de se manter aquele estabelecido no decisum vergastado, qual seja, o semiaberto, porque além de existir circunstância judicial contra a apelante (circunstâncias do crime), o mencionado regime se mostra necessário à repressão da conduta perpetrada pela apenada, evitando-se nascer, em seu íntimo, o sentimento de impunidade.

Consoante se depreende de tais razões e contrariamente ao que afirma a agravante, a fixação do regime semiaberto não considerou apenas a “fundamentação restrita à tipificação do delito”, mas sim a valoração negativa da vetorial de circunstâncias do crime e demais nuances tangenciais ao fato, as quais serviram de sustentáculo à manutenção do regime semiaberto. Assim sendo, denota-se que a recusa de fixação de regime prisional mais brando foi concreta e dentro do critério da discricionariedade vinculada, o que revela a idoneidade de seus fundamentos e a consequente desnecessidade de qualquer reparo, fazendo incidir o teor da Súmula nº 83/STJ, diante da simbiose do entendimento alcançado com a jurisprudência do STJ. A propósito: HABEAS CORPUS – ART. 171, CAPUT E § 3º, C/C O ART. 12, II, AMBOS DO CP – TESE DE DESARRAZOADA EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE – PEDIDO DE REDUÇÃO MÁXIMA DA PENA PELA TENTATIVA


1. [...] 2. [...] 3. [...] 4. Para a escolha do regime prisional, devem ser observadas as diretrizes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal, além dos dados fáticos da conduta delitiva que, se demonstrarem a gravidade concreta do crime, poderão ser invocados pelo julgador para a imposição de regime mais gravoso do que o permitido pelo quantum da pena. 5. A gravidade concreta do crime e a existência de circunstâncias desfavoráveis justificam a fixação, ao réu primário, de regime prisional mais gravoso do que o correspondente à pena aplicada que, se inferior a 4 anos de reclusão, deve ser, a princípio, o semiaberto, afigurando-se desproporcional a escolha, per saltum, do regime fechado. 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para fixar ao paciente o regime inicial semiaberto de cumprimento de pena. (HC 271280/SP, 6ª T., Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 17.05.2016) PENAL – PROCESSUAL PENAL – RECURSO EM HABEAS CORPUS – CONCURSO MATERIAL DE CRIMES – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS – PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL – REGIME INICIAL FECHADO – FUNDAMENTAÇÃO NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO – SÚMULA Nº 440 DO STJ – QUEBRA DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE – ILEGALIDADE – RECURSO PROVIDO 1. A magistrada de piso, ao fixar o regime inicial para o cumprimento da pena, fundamentou a reprimenda apenas na gravidade em abstrato do delito praticado. As circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP foram pontuadas como favoráveis em todos os delitos, o que culminou na fixação das penas-base no mínimo legal. Nessa alheta, há manifesta quebra da razoabilidade e da proporcionalidade no caso. 2. [...] 3. Nessa linha, revela-se inadequada a imposição de regime prisional mais gravoso tendo em vista a quantidade da pena imposta (7 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão), e o fato de não terem sido apontadas

circunstâncias desfavoráveis, devendo ser fixado o regime inicial semiaberto, a teor do contido no art. 33, § 2º, b, e § 3º, do Código Penal. 4. Recurso ordinário provido para fixar o regime inicial semiaberto, com fundamento no art. 33, § 2º, b, e § 3º, do Código Penal. (RHC 63743/SP, 5ª T., Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), DJe 16.03.2016)

Nesse passo, em estudo dos autos, não se infere qualquer ilicitude nas decisões proferidas pelas instâncias ordinárias, e, ainda, especialmente no que diz respeito ao sursis, a matéria sequer foi alvo de debates pelo acórdão, carecendo do necessário prequestionamento e até mesmo dos cabíveis embargos de declaração na origem, o que atrai o óbice contido na Súmula nº 282/STF. Dessa forma, como o objeto da presente irresignação se dissocia do tema examinado pela decisão agravada, omitindo-se em impugnar os seus fundamentos, deve ser aplicado o Enunciado Sumular nº 182 do STJ. Nesse sentido, confiram-se: PENAL E PROCESSUAL PENAL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – FURTO – RES FURTIVA DE VALOR NÃO IRRISÓRIO E CONTUMÁCIA DELITIVA – INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CASO CONCRETO – FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA – AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO – SÚMULA Nº 182/STJ – INCIDÊNCIA – AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO 1. Em face do teor do verbete nº 182 da Súmula desta Corte, o agravo regimental que deixa de atacar os fundamentos da decisão agravada – inaplicabilidade do princípio da insignificância em razão da contumácia delitiva e do valor não irrisório do bem – não deve prosperar. 2. Agravo regimental não conhecido. (AgRg-AREsp 737.414/MT, 6ª T., Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 21.03.2016) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – IMPOSSIBILIDADE – NECESSÁRIO REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO – PROVIDÊNCIA INCABÍVEL NA VIA ELEITA – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO – AGRAVO QUE NÃO COMBATEU OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA –

Setembro/2016 – Ed. 234

– SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – RÉU PRIMÁRIO – PENA INFERIOR A 4 ANOS DE RECLUSÃO – CIRCUNSTÂNCIAS DO ART. 59 DO CP DESFAVORÁVEIS – ILEGALIDADE NA FIXAÇÃO DIRETA DO REGIME INICIAL FECHADO – ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO

70


APLICABILIDADE DO VERBETE Nº 182 DA SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – AGRAVO NÃO CONHECIDO

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Juliano Baiocchi Villa-Verde de Carvalho

A Corte de origem determinou o recebimento da denúncia, reconhecendo a existência de indícios suficientes para o seu processamento, diante das provas juntadas aos autos. Rever essa premissa importa em incursão no conteúdo fático-probatório, procedimento inviável em habeas corpus.

Secretário: Bel. Eliseu Augusto Nunes de Santana

O agravante não atacou um dos fundamentos da decisão agravada utilizado para negar seguimento ao recurso – sejam os crimes previstos no caput do art. 184 e em seu § 1º de ação penal pública incondicionada, limitando-se apenas a argumentar pela ausência de sigilo entre as partes envolvidas e existência de acordo na esfera trabalhista entre o recorrente e a vítima, circunstância que enseja a aplicação da Súmula nº 182 desta Corte Superior.

Agravante: Carolina Mazzi de Aquino

Agravo regimental não conhecido. (AgRg-RHC 53.837/SP, 6ª T., Rel. Min. Ericson Maranho, DJe 21.03.2016)

AUTUAÇÃO

Advogado: Isaac Minichillo de Araújo Advogado: Pierre de Carvalho Formiga Agravado: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte Corréu: Richardson Camargo Neves Rego Assunto: Direito penal – Crimes contra o patrimônio – Furto qualificado

Ante o exposto, não conheço do agravo regimental. AGRAVO REGIMENTAL

É o voto. Ministro Antonio Saldanha Palheiro

Agravante: Carolina Mazzi de Aquino

Relator

Advogado: Isaac Minichillo de Araújo Advogado: Pierre de Carvalho Formiga

Setembro/2016 – Ed. 234

CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEXTA TURMA AgRg-AREsp 654.343/RN Número Registro: 2015/0025920-8 Matéria criminal Números Origem: 10007619201382001072013012854220130128 54200010020130128542000200 Em Mesa

Julgado: 21.06.2016

Relator: Exmo. Sr. Ministro Antonio Saldanha Palheiro

71

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz

Agravado: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte CERTIDÃO Certifico que a egrégia Sexta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Sexta Turma, por unanimidade, não conheceu do agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Maria Thereza de Assis Moura, Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz e Nefi Cordeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.


Pesquisa Temática

Terceirização Responsabilidade civil do proprietário das terras – terceirização x contrato de arrendamento – condições dos empregados análogas a de escravo – autos de infração – efeitos “Terceirização x contrato de arrendamento. Responsabilidade do proprietário das terras. Condições dos empregados análogas a de escravo. Autos de infração. Hipótese de contrato de arrendamento, cujo objeto é o desmate de parte das terras (3 glebas, constituídas em mata nativa) por meio da produção de carvão. Arrendamento não configurado e sim terceirização, visto que o proprietário visava apenas preparar o terreno para posterior plantio. Condições absolutamente precárias dos empregados, consideradas análogas às de escravo. Demonstrado pelos depoimentos tomados pelos auditores do trabalho que o proprietário das terras fiscalizava o trabalho desenvolvido de desmatamento, testemunhando as péssimas condições a que se submetiam os empregados contratados pelo arrendatário sem tomar qualquer providência. Responsabilidade configurada. Recurso provido.” (TRT 10ª R. – RO 0000005-86.2013.5.10.0802 – Relª Flávia Simões Falcão – DJe 05.06.2014 – p. 21)

Terceirização – aprovação em concurso público – cadastro de reserva – mera expectativa de direito – ausência de preterição “Aprovação em concurso público. Cadastro de reserva. Mera expectativa de direito. Ausência de preterição. Não sendo as vagas do cargo de agente operacional do concurso público, para o qual o reclamante foi aprovado, destinadas ao preenchimento de cargo imediato, mas apenas para cadastro de reserva, e não comprovada a alegada preterição por trabalhadores terceirizados, não há que se falar em direito à nomeação pretendida. Recurso ordinário a que se nega provimento.” (TRT 13ª R. – RO 0013700-62.2013.5.13.0014 – Rel. Des. Edvaldo de Andrade – DJe 20.01.2015 – p. 5)

Terceirização – atividade-fim – fraude – reconhecimento “Contrato de comissão mercantil entre BR Distribuidora (Petrobrás Distribuidora S/A), empresa atacadista de distribuição de petróleo e derivados, e empresa exploradora do comércio varejista e serviço com combustíveis e derivados (posto de combustíveis). Cessão de posto. Bandeira. Exigência comercial sem perda de autonomia gerencial da comissária. Trabalhador empregado do posto. Terceirização. Inocorrência. Súmula nº 331/ TST. Equiparação salarial. Indevida. A terceirização dos serviços é fenômeno jurídico marcado pela descentralização empresarial, formando uma relação trilateral em que o trabalhador desenvolve seu labor em favor da empresa tomadora, mas mantém o vínculo empregatício com a empresa terceirizante, que, por sua vez, paga os salários deste e é remunerada pelo negócio jurídico civil firmado com a primeira, conforme definido pela Súmula nº 331/TST. É requisito fundamental para a imposição da responsabilidade pelo adimplemento das obrigações trabalhistas a terceiros estranhos aos limites da relação de emprego que estes se beneficiem diretamente da força de trabalho dos empregados de outrem com que firmaram contrato de alocação de mão de obra. Assim, quando duas pessoas jurídicas celebram um contrato, desde que o objeto seja estranho ao puro fornecimento de mão de obra, relacionado à atividade fim de cada uma delas, sobretudo quando as empresas se seguem na cadeia de fornecedores de produtos e serviços, não há terceirização de serviços, mas simplesmente a sequência natural da economia para culminar com a oferta de bens e servi-


ços no mercado de consumo. No caso, as Reclamadas firmaram contrato de comissão mercantil em que a empresa exercida por Petrobrás Distribuidora S/A e pela Aeroprest Combustíveis de Aviação Ltda. conseguiram cumprir seu objetivo social, sem que as cláusulas contratuais implicassem em perda da autonomia patrimonial ou gerencial por parte da comissária. O mero controle de bandeira de venda, em posto cedido à comissária para o comércio em varejo do que distribui em atacado, não implica perturbação da autonomia gerencial do posto nem na prestação dos serviços dos trabalhadores contratados em prol diretamente da comitente. – intervalo Intrajornada: Devido: Súmula nº 437/ TST. Recurso do Reclamante conhecido e parcialmente provido.” (TRT 10ª R. – RO 0000013-65.2014.5.10.0014 – Rel. Des. Alexandre Nery de Oliveira – DJe 14.11.2014 – p. 14)

Terceirização – atividade-fim – dona da obra – empresa incorporadora ou construtora – inaplicabilidade “Dona da obra. Empresa incorporadora ou construtora. Inaplicabilidade. A alegação de ser dona da obra não pode ser deduzida por empresa incorporadora ou construtora que terceiriza atividade-fim. Inteligência e aplicação da OJ 191 da SDI-I do C. TST. Recurso improvido.” (TRT 8ª R. – RO 0001054-61.2013.5.08.0013 – Relª Desª Fed. Suzy Elizabeth Cavalcante Koury – DJe 13.03.2015 – p. 14)

Terceirização – atividade-fim – precarização – ilicitude “Terceirização. Atividade-fim. Precarização. Ilicitude. Observado que o trabalhador executava tarefas inerentes à atividade-fim da tomadora de serviços, desempenhando atribuições próprias da rotina da tomadora e essenciais ao seu funcionamento como se fosse verdadeiro empregado, chega-se à conclusão inarredável de que a prestadora de serviços figurou como mera intermediadora de mão de obra, em flagrante tentativa de fraudar e precarizar a relação de emprego.” (TRT 3ª R. – RO 00034/2014-005-03-00.3 – Rel. Juiz Conv. Jose Marlon de Freitas – DJe 31.03.2015 – p. 316)

Terceirização – cooperativa – responsabilidade subsidiária – ente público – contratação fraudulenta – comprovação “Recurso de revista. Terceirização. Responsabilidade subsidiária. Ente público. Contratação fraudulenta. Cooperativa. Súmula nº 331, V, do Tribunal Superior do Trabalho. 1. A redação dos itens V e VI da Súmula nº 331 do TST reconhece a responsabilidade subsidiária do ente público tomador dos serviços quanto às obrigações decorrentes do contrato de trabalho firmado com cooperativa fornecedora de mão de obra, quando caracterizada a fraude na contratação. Precedentes. 2. Recurso de revista de que não se conhece.” (TST – RR 0106700-23.2009.5.01.0069 – Rel. Min. João Oreste Dalazen – DJe 31.03.2015 – p. 5900)

Setembro/2016 – Ed. 234

Terceirização – eletricista – empresa concessionária de energia elétrica – ilicitude

73

“Recurso de revista. Eletricista. Terceirização. Ilicitude. Art. 25 da Lei nº 8.987/1995. Vínculo de emprego reconhecido diretamente com a tomadora de serviços, empresa concessionária de energia elétrica. Normas coletivas. Diferença salarial. No caso concreto, o eg. TRT registrou que houve fraude na terceirização, uma vez que o empregado desempenhava funções na atividade-fim da tomadora de serviços e reconheceu, portanto, o vínculo direto de emprego com a Celpe, nos termos da Súmula nº 331, I, do TST. A jurisprudência desta Corte vem se posicionando no sentido de que a Lei nº 8.987/1995, que trata do regime de concessão e permissão de prestação de serviços públicos, ostenta natureza administrativa e, como tal, ao tratar, em seu art. 25, da contratação com terceiros de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, não autorizou a terceirização da atividade-fim das empresas do setor elétrico. Nesse contexto, a decisão recorrida está em consonância com a Súmula nº 331, I, do TST, segundo a qual a contratação de trabalhadores por meio de empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário. Por sua vez, reconhecido o vínculo de emprego diretamente com a tomadora de serviços, o empregado faz jus aos direitos assegurados aos demais trabalhadores da empresa por normas coletivas e às diferenças salariais. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. Ticket-alimentação. Indenização. Plano de saúde. Abono sobre as férias. Horas extras. O recurso de revista não preenche os requisitos previstos no art. 896 da CLT, pelo que inviável o seu conhecimento. Recurso de revista não conhecido. Obrigação de fazer. Anotação da CTPS. Multa. In casu, foi reconhecido pela Corte Regional o vínculo empregatício diretamente com a tomadora, uma vez que constatada a ilicitude da terceirização. Dessa forma, não há ofensa ao art. 39 da CLT, pois correta a imposição de multa pelo descumprimento da obrigação de retificação da CTPS, nos termos do art. 461, § 5º, do CPC, que autoriza expressamente tal procedimento. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. Juros de mora. Incidência. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que, existindo condenação de natureza trabalhista, incidem juros de mora e correção monetária até a data do efetivo pagamento ao credor. Ressalta-se que o depósito da quantia devida ao credor constitui mera garantia do juízo e não se confunde com o efetivo pagamento do débito, o qual só ocorre quando o valor depositado é disponibilizado ao credor. Precedentes. Não conheço do recurso de revista. Conclusão: Recurso de revista integralmente não conhecido.” (TST – RR 0000230-38.2013.5.06.0311 – Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte – DJe 31.10.2014 – p. 896)


Terceirização de mão de obra – término do contrato de prestação de serviços – responsabilidade subsidiária – alcance “Administração pública. Terceirização de mão de obra. Término do contrato de prestação de serviços. Direitos trabalhistas. Obrigação do tomador de manter fiscalização por prazo razoável. Responsabilidade subsidiária. A Administração Pública tomadora de serviços deve continuar fiscalizando o cumprimento dos direitos trabalhistas dos empregados da empresa contratada, mesmo após o encerramento da avença comercial, pelo prazo necessário a assegurar o pagamento das verbas devidas por conta das rescisões dos contratos de trabalho motivadas por aquele encerramento, sob pena de incorrer em negligência ensejadora de responsabilidade subsidiária.” (TRT 18ª R. – RO 0010227-81.2014.5.18.0018 – Rel. Paulo Sergio Pimenta – DJe 16.01.2015 – p. 119)

Terceirização ilícita – atividade-fim – relação de emprego – reconhecimento “Terceirização ilícita, eis que voltada à atividade-fim do tomador. Vínculo de emprego estabelecido diretamente com o beneficiário da mão de obra. É inválida a terceirização celebrada em atividade-fim, consoante entendimento pacificado pela Súmula nº 331, I e II, do Col. TST, formando-se o vínculo de emprego diretamente com o beneficiário da mão de obra do trabalhador. Recurso patronal improvido no aspecto.” (TRT 6ª R. – RO 0000967-95.2013.5.06.0002 – 4ª T. – Relª Desª Dinah Figueirêdo Bernardo – DJe 31.10.2014 – p. 169)

Terceirização ilícita – empresa de telecomunicações – instalação e manutenção de linhas telefônicas – atividade-fim – vínculo de emprego diretamente com a tomadora dos serviços – reconhecimento “I – Recurso de revista do reclamante. Processo eletrônico. Terceirização ilícita. Empresa de telecomunicações. Instalação e manutenção de linhas telefônicas. Atividade-fim. Vínculo de emprego diretamente com a tomadora dos serviços. Esta Corte tem entendido que o art. 94, II, da Lei nº 9.472/1997 (Lei Geral das Telecomunicações), ao autorizar a contratação de terceiros para o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, diz respeito apenas às atividades-meio da empresa. A instalação e manutenção de linhas telefônicas constitui atividade-fim, ficando vedada a terceirização, portanto. Aplicação da Súmula nº 331, I, do TST. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. II – Recurso de revista adesivo da segunda reclamada (Telemont – Engenharia de Telecomunicações S.A.). Prejudicada a análise do recurso da segunda Reclamada, tendo em vista o provimento do Recurso de Revista do Reclamante, com a determinação de retorno dos autos ao TRT de origem para que prossiga no exame dos demais temas dos recursos ordinários de ambas as partes.” (TST – RR 0091300-08.2009.5.03.0038 – Rel. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro – DJe 10.04.2015 – p. 6061)

Terceirização ilícita – vínculo empregatício direto com o tomador de serviços – atividades típicas de bancário – alcance

Setembro/2016 – Ed. 234

“Recurso de revista. Processo eletrônico. Terceirização ilícita. Vínculo empregatício direto com o tomador de serviços. Atividades típicas de bancário. Enquadramento sindical. Norma coletiva aplicável. A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços (Súmula nº 331, I, do TST). Desse modo, reconhecido o vínculo de emprego diretamente com o Banco tomador de serviços e a condição de bancário do empregado, aplicam-se os direitos e vantagens previstos nas normas coletivas da categoria bancária. Recurso de Revista não conhecido.” (TST – RR 0000630-09.2014.5.06.0411 – Rel. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro – DJe 31.03.2015 – p. 8229)

74


Jurisprudência Comentada

Indenização à Concubina por Serviços Prestados

2. Ao sistema constitucional da época e tendo em vista as disposições da legislação civil, somente se reconhecia proteção jurídica à família constituída por pessoas casadas. Para os concubinos, amásios, amigados ou amancebados, não se concediam direitos pessoais ou patrimoniais, ainda que tivessem filhos e constituíssem uma entidade familiar more uxorio.

EUCLIDES DE OLIVEIRA

Aos poucos, no entanto, a mentalidade foi se alterando em delongada evolução para o reconhecimento de certos direitos patrimoniais a pessoas unidas informalmente. Os primeiros benefícios vieram com as leis previdenciárias e fiscais, ao considerarem como dependente do segurado a companheira que estivesse com ele vivendo há mais de cinco anos. Na mesma esteira, veio a se conceder adoção do nome do companheiro pela mulher, por modificação introduzida no art. 57, § 2º, da Lei nº 6.015/1973 (registros públicos). Digna de nota, também, a extensão, ao companheiro, do direito de sub-

Advogado, Doutorando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Vice-Presidente do IBDFAM (São Paulo). Autor de livros.

EMENTA “UNIÃO ESTÁVEL – INEXISTÊNCIA DE PATRIMÔNIO COMUM – SERVIÇOS DOMÉSTICOS PRESTADOS – CABIMENTO DA INDENIZAÇÃO Não havendo patrimônio comum a partilhar, tem a companheira direito à indenização pelos serviços domésticos prestados ao companheiro durante o período de convivência. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido, em parte.” (STJ, REsp 274.263/RJ, (2000/0086026-3), 4ª T., Rel. Min. Barros Monteiro, J. 21.08.2003)

COMENTÁRIOS 1. A decisão do Superior Tribunal de Justiça, reformando julgamentos das instâncias inferiores para concessão de indenização à concubina, demonstra a dubiedade e as notáveis mudanças no tratamento jurídico que se dispensava ao concubinato, antes das reformas advindas com a Constituição Federal de 1988, as subsequentes leis da união estável e o vigente Código Civil brasileiro. O caso relatado remonta aos idos de 1972 a 1982, quando, em pleno vigor, o Código Civil de 1916 discriminava as uniões do tipo concubinário, tidas como informais ou ilegítimas, pelo simples fato de não serem formalizadas pelos sacrossantos laços do casamento.


Distinguiam-se, então, as figuras do concubino e do companheiro, conforme tivessem ou não impedimentos matrimoniais para emparelhar sua união ao modelo conjugal. Bem se vê que os benefícios maiores eram privativos do companheiro, ante a similitude da sua situação com a do casado, o que não se dava no mero concubinato, que primava pelo caráter adulterino, lançando manchas sobre a família constituída pelo casamento. 3. No aspecto da divisão dos bens adquiridos em concurso por concubinos ou companheiros (denominações muitas vezes confundidas, apesar da distinção anteriormente apontada), nada se previa na legislação anterior à regulamentação da união estável, que somente veio a ocorrer nos anos posteriores à Constituição Federal de 1988. Acontecia, então, grave injustiça social no caso de um dos parceiros ter adquirido bens em seu exclusivo nome, uma vez que, vindo a dissolver-se a convivência, o outro ficaria à míngua de assistência material por não desfrutar do direito àqueles bens. 4. Foi quando se aprumou a tendência jurisprudencial para outorgar aos antigos concubinos, especialmente quando erigidos em efetivos companheiros, direitos de participação no patrimônio formado pelo esforço comum de ambos. Para tais situações de vida conjunta e de aquisição de bens com registro em nome de apenas um dos concubinos, construiu-se o princípio fundante da chamada sociedade de fato, a indicar necessária divisão daqueles bens em casos de dissolução da vida em comum. Sua origem repousa na conceituação jurídica de sociedade, extraída dos arts. 363 e seguintes do Código Civil de 1916, já que não havia como equiparar as uniões informais ao tipo legal do casamento, única forma reconhecida de família.

Esse entendimento cristalizou-se na Súmula nº 380 do Supremo Tribunal Federal, prevendo os seguintes requisitos para o reconhecimento da sociedade de fato entre concubinos e a consequente repartição dos bens: (a) existência da vida em comum, (b) aquisição de bens nesse período e (c) esforço conjunto para a formação do patrimônio. A grande dificuldade residia na conceituação do esforço conjunto, por subentender trabalho, participação, colaboração financeira na aquisição dos bens. Conforme fosse o grau de empenho e de colaboração, maior ou menor seria a retribuição do companheiro na quota dos bens havidos pelo outro. Não havia direito à meação, mas a um certo percentual equitativo, de acordo com o grau de esforço de cada um dos sócios de fato, em relação ao patrimônio formado. Mas os julgados dos tribunais evoluíram para aceitar, como forma de participação, não só o trabalho externo e a entrega de resultados financeiros, como também a participação indireta do companheiro, mediante colaboração e apoio em tarefas de outra natureza que a de caráter remuneratório, assim entendida, por exemplo, a prestação de serviços domésticos pela mulher. Mais, ainda, prescindindo-se de apreciação da atividade material de cada um dos parceiros, passou a ser levado em conta, prioritariamente, no caso do concubinato com intuitos de formação de família, o simples fato da união com propósitos de alcance do bem-estar comum, possibilitando a qualquer dos parceiros, seja o homem, seja a mulher, ter acesso aos bens materiais adquiridos pelo outro durante a convivência, uma vez que a realidade da presença no lar e o sustento moral emprestado em tais circunstâncias se revelavam suficientes para a caracterização da entidade societária então concretizada1. 1 TJSP, Ap 145.071-1/5, 2ª C.Cív., Rel. Des. Cezar Peluso, J. 17.12.1991, v.u., Bol. AASP 1.765, p. 396; TJRS, Ap 590.027.298, Rel. Des. Clarindo Favreto, J. 21.06.1990, Revista Jurídica, v. 159, p. 67.

Setembro/2016 – Ed. 234

-rogar-se na locação em caso de falecimento do inquilino ou de dissolução da vida em comum mantida com ele (arts. 11 e 12 da Lei nº 8.245/1991).

76


Cabe ressalvar que a sociedade de fato pode se dar, igualmente, em outras situações além daquelas relacionadas à vida concubinária. Sua característica não é imanente a interesse sexual, mas a mero intuito de composição de um patrimônio. Duas ou mais pessoas que, por interesses profissionais, convivam e adquiram bens para a empreitada comum, sem formalização de uma sociedade civil ou comercial, estão se associando de fato, e o patrimônio adquirido dessa forma necessariamente será partilhado no momento da dissociação, até mesmo em atenção ao princípio do não enriquecimento ilícito de um dos sócios que se arvorasse em titular único dos referidos bens. A copropriedade ou propriedade condominial ocorre por força da colaboração na formação do patrimônio, que pode ocorrer mesmo em excepcionais situações de união tipicamente concubinária. Advém direito à partilha dos bens entre os parceiros em atenção aos princípios jurídicos de “dar a cada um o que é seu”, evitando-se, por parte daquele que registrou o bem em seu exclusivo nome, o indébito enriquecimento à custa de outrem.

Setembro/2016 – Ed. 234

5. Não havendo bens a partilhar, porque nada se tenha adquirido durante a convivência, como ficaria a situação do ex-companheiro necessitado? Direito de alimentos não havia, porque a lei da época, como já exposto, somente beneficiava pessoas unidas por vínculos matrimoniais.

77

Exatamente essa a situação retratada no acórdão em comento. A r. decisão de primeiro grau, que se viu confortada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, entendeu que a mulher, após convivência por mais de dez anos, nada tinha a receber do antigo companheiro, porque não havia patrimônio em comum e não lhe assistia direito a alimentos, só previsto em casos de parentesco ou de casamento. Também se dizia não comportar pagamento indenizatório, em vista da mútua assistência dispensada durante a vida em comum e porque não se poderia privilegiar a concubina com ressarcimento financeiro não apli-

cável, com o mesmo formato, para as situações decorrentes de casamento desfeito. Veja-se que o entendimento tinha respaldo doutrinário, como visto da citação do eminente Mestre Yussef Cahali, então cauteloso em admitir a criação alternativa de um dever de prestar alimentos ao casal de concubinos, seja no curso da vida concubinária, seja após a sua dissolução, pela ausência de obrigação legal de mútua assistência e socorro2. A favor dos alimentos, poucos e isolados acórdãos, como os oriundos dos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro3. Na doutrina, Sérgio Gischkow Pereira, com ampla defesa da mesma tese e citação de outros adeptos4. Admitia-se apenas a cobrança de alimentos derivados de contrato, ou seja, por decorrência de vínculo obrigacional, sem relação com o direito de família. Por isso, os alimentos dessa espécie poderiam ser revistos, mas somente por acordo dos interessados. A revisão judicial só se admitia quando alteradas as condições substanciais da avença por fato imprevisível, não pelas razões que informam a revisional dos alimentos comuns5. 2 Do direito de alimentos no concubinato. In: ALVIM, Teresa Arruda (Coord.). Direito de família – Aspectos constitucionais, civis e processuais. São Paulo: RT, 1993. 3 RT 657/20 e Bol. AASP 1.602/210. 4 A união estável e os alimentos. RT 657/20. 5 Assim se expressou o Desembargador Walter de Moraes, em voto estampado na RJTJSP 42/138: “A alteração do pacto é possível, ainda que não prevista de modo expresso; porém, pelas causas compreendidas na cláusula rebus sic stantibus implícita em qualquer contrato”. Outras fontes: RTJ 80/119 (caso Francisco Pignatari); RT 459/187, 516/58, 557/64, 595/270, 653/105, 674/107, 675/107; RJTJSP 129/36, 131/60, 132/46, 138/42.


Como sucedâneo da verba alimentar é que se firmou a tese de concessão de indenização por serviços prestados. Também aí, como ocorrera com a partilha de bens na sociedade de fato, a fundamentação no direito civil societário e obrigacional, para extrair-se a ideia de uma indenização compensatória da dedicação e dos trabalhos despendidos por um dos companheiros ao outro, durante a subsistência da vida em comum. Visava-se à retribuição financeira do parceiro em hipóteses de comprovada participação com sua atividade urbana, doméstica ou rural, na assistência ao outro, quando não houvesse aquisição de patrimônio a ser partilhado. A situação clássica era a da mulher dedicada por inteiro ao lar e à criação dos filhos, dando suporte material e moral às atividades profissionais do companheiro. Ou da que lhe servia de ajudante no comércio, secretária na empresa, enfermeira em relação ao médico, etc., desinteressadamente, por amor, sem remuneração nem vínculo empregatício. A evidente utilidade dos serviços, sem outra contraprestação que a vida em comum, ocasionando benefícios ao parceiro, reclamava a devida compensação, a efetuar-se mediante pagamento indenizatório na ocasião em que dissolvida a sociedade de fato. Foi como proclamou o Superior Tribunal de Justiça, no caso em apreço, mencionando diversos precedentes que marcaram essa posição da jurisprudência pátria até o advento da união estável como entidade familiar, digna de proteção do Estado (art. 226, § 3º, da Constituição Federal de 1988), por isso também beneficiada com direitos patrimoniais, entre eles a assistência mútua por prestação alimentícia. 6. Claro resulta, diante do novo ordenamento jurídico, que não mais subsiste a antiga solução jurisprudencial da indenização

por serviços prestados em uniões extramatrimoniais. Nem teria sentido o elastério da medida, quando, de um lado, o companheiro se viu assistido com o direito a alimentos e, de outro, não poderia receber qualquer indenização por seus serviços, quando ao cônjuge nada se estabelece de parelha. Com efeito, em vista do mandamento constitucional de proteção à união estável como entidade familiar, foram editadas, em curto espaço de tempo, duas leis especiais sobre a matéria: a) a Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994, dispondo sobre os direitos de companheiros a alimentos, sucessão (herança e usufruto) e meação em caso de morte – até que parcialmente revogada pela Lei nº 9.278/1996; b) a Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996, que deu nova definição à união estável, estabelecendo os direitos e deveres dos conviventes, tratando da assistência material (alimentos) em caso de rescisão da vida em comum, além de direitos de meação sobre os bens havidos onerosamente durante a convivência e de habitação sobre a moradia que servia ao casal. Resultaram revogadas as referidas leis em face da inclusão da matéria no âmbito do Código Civil de 2002, em vigor desde 11 de janeiro de 2003, que lhe dedica o Título III do Livro IV, arts. 1.723 a 1.727, e disposições esparsas em outros capítulos quanto a certos efeitos, como nos casos de obrigação alimentar (art. 1.694) e do direito sucessório do companheiro (art. 1.790)6. 6 Interessante que, após conceituar a união estável e regrar seus direitos, o Código Civil dedica o art. 1.727 ao concubinato, definindo-o como relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar (art. 1.727). Parece ter sido intuito do legislador extremar o concubinato da união estável, sem previsão de direitos que se restringem a essa espécie de entidade familiar.

Setembro/2016 – Ed. 234

Se não era possível conceder alimentos, então como dar ao ex-companheiro desassistido uma proteção pecuniária condizente com o tempo dedicado ao parceiro durante a vida em comum?

78


No que tange à matéria desses comentários, cabe ressaltar que os alimentos entre companheiros decorrem do dever de mútua assistência, assegurado no art. 1.724 do Código Civil, em repetição de igual preceito que se continha no art. 2º da Lei nº 9.278/1996. Sua aplicação tem lugar nos termos do art. 1.694 do mesmo Código, que coloca no mesmo plano os parentes, cônjuges ou companheiros, facultando-lhes “pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de educação”. A fixação da prestação alimentar obedece ao critério de proporção entre as necessidades de quem pede e dos recursos da pessoa obrigada, conforme dispõe o § 1º do art. 1.694, repisando tradicional critério adotado no art. 400 do Código Civil de 1916. Mas, se a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia, os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, como está disposto no § 2º do citado artigo.

Setembro/2016 – Ed. 234

Com a nova união estável do credor, assim como nas hipóteses de casamento e concubinato, cessa o seu direito à prestação alimentar pelo ex-companheiro, consoante disposição do art. 1.708 do Código Civil.

79

7. Assim sendo, diante da moderna concepção do ente familiar, que inclui não só os casados, mas também os partícipes da união estável, e considerando que a uns e a outros se assegura plena e similar proteção jurídica no aspecto patrimonial, com abrangência do direito a alimentos, impõe-se o fecho conclusivo de que não haveria lugar, nos dias de hoje, para reclamos de indenização por serviços de concubina, em hipóteses como a de que trata o acórdão sob exame, embora se ressalve sua justificativa à época dos fatos, tudo a revelar a formidável transformação legislativa no plano da evolução histórica do direito de família no Brasil.


Medida Provisória

Medida Provisória nº 743, de 29.07.2016 Abre crédito extraordinário, em favor do Ministério da Integração Nacional, no valor de R$ 789.947.044,00, para o fim que especifica. (DOU de 01.08.2016)


Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com. 2.186-16, DE 23.08.2001

Patrimônio Genético. Diversidade Biológica

2.187-13, DE 24.08.2001

Previdência Social. Alteração na Legislação

2.189-49, DE 23.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.190-34, DE 23.08.2001

Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999

2.192-70, DE 24.08.2001

Proes. Bancos Estaduais

2.196-3, DE 24.08.2001

Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea

2.197-43, DE 24.08.2001

SFH. Disposições

2.198-5, DE 24.08.2001

Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica

2.199-14, DE 24.08.2001

IR. Incentivos Fiscais

2.200-2, DE 24.08.2001

Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil

2.206-1, DE 06.09.2001

Programa Nacional de Renda Mínima

2.208, DE 17.08.2001

Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação

2.209, DE 29.08.2001

Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica  –  CBEE

2.210, DE 29.08.2001

Orçamento. Crédito Extraordinário

2.211, DE 29.08.2001

Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes

2.213-1, DE 30.08.2001

Programa Bolsa-Renda. Estiagem

2.214, DE 31.08.2001

Administração Pública Federal. Recursos

Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998

2.215-10, DE 31.08.2001

Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração

Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola

2.220, DE 04.09.2001

Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU

2.224, DE 04.09.2001

Capitais Brasileiros no Exterior

2.179-36, DE 24.08.2001

União e Banco Central. Relações Financeiras

2.225-45, DE 04.09.2001

2.180-35, DE 24.08.2001

Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação

Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990

2.181-45, DE 24.08.2001

Operações Financeiras do Tesouro Nacional

2.226, DE 04.09.2001

Alteração da CLT

2.183-56, DE 24.08.2001

Reforma Agrária. Alteração na Legislação

2.227, DE 04.09.2001

Plano Real. Correção Monetária. Exceção

2.184-23, DE 24.08.2001

Carreira Policial. Gratificação

2.228-1, DE 06.09.2001

2.185-35, DE 24.08.2001

Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento

Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines

2.229-43, DE 06.09.2001

Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação

2 .156-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene

2.157-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA

2.158-35, DE 24.08.2001

Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação

2.159-70, DE 24.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.161-35, DE 23.08.2001

Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997

2.162-72, DE 23.08.2001

Notas do Tesouro Nacional – NTN

2.163-41, DE 23.08.2001

Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998

2.164-41, DE 24.08.2001

Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT

2.165-36, DE 23.08.2001

Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte

2.166-67, DE 24.08.2001

Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965

2.167-53, DE 23.08.2001

Recebimento de Valores Mobiliários pela União

2.168-40, DE 24.08.2001

Cooperativas. Recoop. Sescoop

2.169-43, DE 24.08.2001

Servidor Público. Vantagem de 28,86%

2.170-36, DE 23.08.2001

Tesouro Nacional. Administração de Recursos

2.172-32, DE 23.08.2001

Usura. Agiotagem

2.173-24, DE 23.08.2001

Anuidades Escolares

2.174-28, DE 24.08.2001

União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV

2.177-44, DE 24.08.2001 2.178-36, DE 24.08.2001

Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 31.08.2016) Setembro/2016 – Ed. 234

Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.

81

MP 724 726 726 726 728 728 729 731 731 731 731 731 731 731 731

DOU 05.05.2016 12.05.2016-extra 12.05.2016-extra 12.05.2016-extra 23.05.2016-extra 23.05.2016-extra 01.06.2016 10.06.2016-extra 10.06.2016-extra 10.06.2016-extra 10.06.2016-extra 10.06.2016-extra 10.06.2016-extra 10.06.2016-extra 10.06.2016-extra

ART 1º 12º 17º 17º 1º 5º 1º 10 10 10 10 10 10 10 10

NORMA LEGAL Lei nº 12.651/12 Lei nº 10.683/03 Lei nº 10.683/03 MP 717/16 Lei nº 10.683/03 MP 726/16 Lei nº 12.722/2012 Lei nº 11.355/2006 Lei nº 11.526/2007 Lei nº 12.002/2009 Lei nº 12.274/2010 Lei nº 12.406/2011 Lei nº 12.443/2011 Lei nº 12.898/2013 Lei nº 13.027/14

ALTERAÇÃO 82-A 1º, 2º, 3º, 6º, 11-A, 16, 18, 25, 27 e 29 1º, 2º, 3º, 18, 24, 28, 27 e 29 25, 27 e 29 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º 4º, 4º-A, 4º-B e 12-A 136, 137, 138 e Anexo XXIX Anexo II 1º, 2º, 3º e 4º 1º

MP 733 735 735 735 735 735 735 735 737 739 739 741 2.156-5 2.156-5 2.156-5

DOU 15.06.2016 23.06.2016 23.06.2016 23.06.2016 23.06.2016 23.06.2016 23.06.2016 23.06.2016 07.07.2016 08.07.2016 08.07.2016 15.07.2016 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001

ART 5º 1º 2º 3º 4º 5º 7º 7º 1º 1º 11 1º 32 32 32

NORMA LEGAL Lei nº 10.177/2001 Lei nº 5.655/1971 Lei nº 10.438/2002 Lei nº 12.783/2013 Lei nº 9.074/1995 Lei nº 9.491/1997 Lei nº 9.491/1997 Lei nº 13.203/2015 Lei nº 11.473/2007 Lei nº 8.213/1991 Lei nº 8.213/1991 Lei nº 10.260/2001 DL 1.376/74 DL 2.397/87 Lei nº 8.034/90

ALTERAÇÃO 1º 4º 13 8º e 11 4º-C 4º e 14 13 e 14 4º 5º 27, 43, 60 e 62 24 2º 1º e 11 12 1º


DOU 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001

ART 32 32 2º e 93 3º e 93 10 e 93 19 e 93 34 e 75 64 69 70 72 73 73 e 93 75 82 93 93 93 93 93 93 1º e 6º 6º 1º 7º e 8º

NORMA LEGAL Lei nº 9.532/97 DL 1.376/74 Lei nº 9.718/98 Lei nº 9.701/98 Lei nº 9.779/99 Lei nº 9.715/98 Lei nº 9.532/97 D nº 70.235/72 DL 1.455/76 Lei nº 9.430/96 Lei nº 8.218/91 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.532/97 Lei nº 8.981/95 Lei nº 9.432/97 LC 70/91 LC 85/96 Lei nº 7.714/88 Lei nº 9.004/95 Lei nº 9.493/97 Lei nº 9.491/97 Lei nº 9.094/95 Lei nº 9.605/98 Lei nº 7.998/90

2.164-41

27.08.2001

1º e 2º

CLT

2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.164-41 2.165-36 2.165-36 2.166-67

27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra

3º 4º 5º 6º 9º 10 13 13 1º

Lei nº 4.923/65 Lei nº 5.889/73 Lei nº 6.321/76 Lei nº 6.494/77 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.601/98 Lei nº 7.418/85 Lei nº 8.627/93 Lei nº 4.771/65

2.166-67 2.167-53 2.168-40 2.168-40 2.168-40 2.170-36 2.172-32 2.173-24 2.177-44

25.08.2001 24.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 27.08.2001

3º 2º e 3º 13 14 18 8º 7º 1º e 2º 1º e 8º

Lei nº 9.393/96 Lei nº 9.619/98 Lei nº 5.764/71 Lei nº 9.138/95 Lei nº 10.186/01 Lei nº 8.212/91 Lei nº 1.521/51 Lei nº 9.870/99 Lei nº 9.656/98

2.178-36 2.178-36 2.180-35

25.08.2001-extra 25.08.2001-extra 27.08.2001

16 32 1º

Lei nº 9.533/97 Lei nº 8.913/97 Lei nº 8.437/92

ALTERAÇÃO 2º 1º 3º e 8º 1º 14 e 17 2º e 4º 1º e 64-A 1º, 25 e 64-A 1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A 63 11 e 12 1º e 64-A 9º e 15 1º, 15 e 64-A 29 11 6º e 7º Revogada 5º Revogada 7º 2º, 4º, 5º, 6º e 30 2º 79-A 2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C 58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652 1º 18 2º 1º 19-A, 20, 29-C e 29-D 2º 1º 6º 1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C 10 1º e 4º-A 88 2º 7º 60 4º, § 3º 1º e 6º 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I 4º Revogada 1º e 4º

MP 2.180-35

DOU 27.08.2001

ART 4º

NORMA LEGAL Lei nº 9.494/97

2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.180-35 2.181-45 2.181-45 2.181-45 2.183-56 2.183-56 2.183-56 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.187-13 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.189-49 2.190-34 2.192-70 2.196-3 2.196-3 2.197-43 2.197-43 2.197-43 2.199-14 2.211 2.211 2.214 2.215-10 2.215-10

27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 24.08.2001 25.08.2001-extra 25.08.2001 25.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 27.08.2001 30.08.2001 30.08.2001 01.09.2001-extra 01.09.2001 01.09.2001

6º 7º 8º 10 14 21 45 46 52 1º 3º 4º 2º 3º e 16 4º e 16 7º 16 10 11 13 14 7º e 8º 23 12 14 3º e 8º 4º e 8º 5º 18 1º 2º 1º 41 41

Lei nº 7.347/85 Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.704/98 CPC Lei nº 4.348/64 Lei nº 10.257/01 Lei nº 8.177/91 Lei nº 9.365/96 Lei nº 10.150/00 DL 3.365/41 Lei nº 8.177/91 Lei nº 8.629/93 Lei nº 6.015/73 Lei nº 8.212/91 Lei nº 8.213/91 Lei nº 9.639/98 Lei nº 9.711/98 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.250/95 Lei nº 9.430/96 Lei nº 9.317/96 Lei nº 9.294/96 Lei nº 9.496/97 Lei nº 8.036/90 Lei nº 7.827/89 Lei nº 8.692/93 Lei nº 4.380/64 Lei nº 8.036/90 Lei nº 9.532/97 Lei nº 9.995/00 Lei nº 10.266/01 Lei nº 10.261/01 Lei nº 8.448/92 Lei nº 8.460/92

2.217-3

05.09.2001

Lei nº 10.233/01

2.220 2.224 2.225-45 2.225-45

05.09.2001-extra 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001

Lei nº 6.015/73 Lei nº 4.131/62 Lei nº 6.368/76 Lei nº 8.112/90

2.225-45 2.225-45 2.226 2.226 2.228-1 2.228-1

05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001 05.09.2001

15 4º 1º 2º, 3º e 15 4º 5º 1º 3º 51 52 e 53

2.229-43 2.229-43

10.09.2001 10.09.2001

72 74

Lei nº 9.986/00 Lei nº 8.745/93

Lei nº 8.429/92 Lei nº 9.525/97 CLT Lei nº 9.469/97 Lei nº 8.685/93 Lei nº 8.313/91

ALTERAÇÃO 1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1ºE, 1º-F, 2º-A e 2º-B 1º e 2º 17 1º 741 4º 53 18 6º 1º 10, 15-A, 15-B e 27 5º 2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A 80 38, 55, 56, 68, 101 e 102 41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147 1º, 2º e 5º 7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 6º, II, 34 e 82, II, f 10 e 25 79 9º 2º, 3º e 7º 1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B 9º 9º-A 23 e 25 9º, 14 e 18 9º, 20, 23, 29-A e 29-B 4º 35 e 70 18, 34, 38 e 51 1º 6º 2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A 74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119 167, I 6º 3º 25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119 17 2º 896-A 6º 5º 3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º 22 4º

Setembro/2016 – Ed. 234

MP 2.156-5 2.157-5 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.158-35 2.161-35 2.162-72 2.163-41 2.164-41

82


Normas Legais

Lei nº 13.330, de 02.08.2016 Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar, de forma mais gravosa, os crimes de furto e de receptação de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes. (DOU de 03.08.2016) Lei nº 13.329, de 01.08.2016 Altera a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, para criar o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento do Saneamento Básico – REISB, com o objetivo de estimular a pessoa jurídica prestadora de serviços públicos de saneamento básico a aumentar seu volume de investimentos, por meio da concessão de créditos relativos à contribuição para o Programa de Integração Social – PIS e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – Pasep e à Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – Cofins. (DOU de 02.08.2016)


Indicadores

I  – Índices de Atualização dos Débitos Trabalhistas TABELA ÚNICA PARA ATUALIZAÇÃO DE DÉBITOS TRABALHISTAS ATÉ 30 DE SETEMBRO DE 2016 – PARA 1º DE OUTUBRO DE 2016* * TR prefixada de 1º setembro/2016 a 1º outubro/2016 (Banco Central) = 0,1575% Mês/Ano 1993 1994 1995 1996 1997 1998 JAN 0,000236241 0,009175348 2,400507835 1,823780388 1,664259599 1,515926375

Mês/Ano 2005 2006 2007 2008 2009 2010 JAN 1,162788706 1,130748648 1,108167162 1,092378890 1,074807466 1,067240667

FEV

0,000186369 0,006487095 2,351104085 1,801218327 1,651968950 1,498752174

FEV

1,160606765 1,128124630 1,105746682 1,091276701 1,072833453 1,067240667

MAR

0,000147444 0,004638278 2,308328450 1,784046876 1,641111323 1,492095934

MAR

1,159491334 1,127307333 1,104950013 1,091011585 1,072349823 1,067240667

ABR

0,000117196 0,003269847 2,256434959 1,769643746 1,630811154 1,478794181

ABR

1,156444104 1,124975259 1,102881008 1,090565543 1,070809998 1,066396081

MAIO

0,000091402 0,002240081 2,180832054 1,758045917 1,620744708 1,471847063

MAIO

1,154132377 1,124014227 1,101479926 1,089525047 1,070324071 1,066396081

JUN

0,000071030 0,001529692 2,112245336 1,747755135 1,610511518 1,465190701

JUN

1,151223236 1,121896087 1,099622663 1,088723746 1,069843711 1,065852497

JUL

0,000054605 2,864097891 2,052989889 1,737160195 1,600055158 1,458027413

JUL

1,147787907 1,119727175 1,098574623 1,087477497 1,069142354 1,065225079

AGO

0,041884785 2,727033064 1,993377922 1,727055195 1,589595618 1,450047799

AGO

1,144839944 1,117769960 1,096963184 1,085400041 1,068019865 1,064000415

SET

0,031412018 2,670127311 1,942778262 1,716285503 1,579690956 1,444631875

SET

1,140885634 1,115053689 1,095357390 1,083694307 1,067809506 1,063034117

OUT

0,023333842 2,606550927 1,905818720 1,704998414 1,569529820 1,438142973

OUT

1,137885031 1,113360268 1,094971960 1,081563626 1,067809506 1,062288390

NOV

0,017090634 2,541610244 1,874809373 1,692442185 1,559311651 1,425467715

NOV

1,135500480 1,111276625 1,093722929 1,078860003 1,067809506 1,061787227

DEZ

0,012551875 2,469476826 1,848219045 1,678766949 1,535762272 1,416774387

DEZ

1,133314317 1,109853792 1,093078013 1,077117227 1,067809506 1,061430586

Mês/Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 JAN 1,406319805 1,330110263 1,302799550 1,273692421 1,238969792 1,183933067

Mês/Ano 2011 2012 2013 2014 2015 2016 JAN 1,059940310 1,047290014 1,044264683 1,042273699 1,033393566 1,015166292

FEV

1,399096271 1,327257986 1,301018456 1,270400813 1,232955435 1,182419570

FEV

1,059182994 1,046385937 1,044264683 1,041101419 1,032487043 1,013828039

MAR

1,387582115 1,324175306 1,300539857 1,268914914 1,227901393 1,181878270

MAR

1,058628273 1,046385937 1,044264683 1,040542648 1,032313614 1,012858733

ABR

1,371651752 1,321213146 1,298301585 1,266688076 1,223274967 1,179780620

ABR

1,057346769 1,045269589 1,044264683 1,040265937 1,030977467 1,010667606

MAIO

1,363346246 1,319496481 1,296297509 1,263709513 1,218178110 1,178750392

MAIO

1,056956751 1,045032366 1,044264683 1,039788674 1,029871385 1,009351411

JUN

1,355536998 1,316216469 1,293933493 1,261058767 1,212539800 1,176930857

JUN

1,055299931 1,044543520 1,044264683 1,039161021 1,028685311 1,007806444

JUL

1,351337042 1,313405781 1,292049685 1,259066923 1,207509316 1,174861925

JUL

1,054125635 1,044543520 1,044264683 1,038678036 1,026823680 1,005751693

AGO

1,347385161 1,311377081 1,288903471 1,255731700 1,200946146 1,172573063

AGO

1,052831704 1,044393127 1,044046477 1,037584422 1,024462294 1,004124008

SET

1,343428764 1,308726909 1,284489964 1,252623940 1,196116228 1,170226758

SET

1,050650554 1,044264683 1,044046477 1,036960172 1,022553187 1,001575000

OUT

1,339791231 1,307369859 1,282403493 1,250179838 1,192105984 1,168208094

OUT

1,049597807 1,044264683 1,043964004 1,036055695 1,020593648 1,000000000

NOV

1,336763461 1,305651621 1,278678702 1,246728893 1,188288014 1,166915153

NOV

1,048947460 1,044264683 1,043004440 1,034981384 1,018770049

DEZ

1,334097934 1,304090625 1,276218154 1,243441234 1,186181356 1,165579399

DEZ

1,048271325 1,044264683 1,042788583 1,034481730 1,017450416

OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.


ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO – TR – DIÁRIA (PRO RATA DIE)

Setembro/2016 – Ed. 234

MÊS: SETEMBRO ANO: 2016

85

DIA 1º 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 1º

MÊS SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO SETEMBRO OUTUBRO

TR DIÁRIA 0,007494% 0,007494% 0,007494% 0,007494% 0,007494% 0,007494% 0,007494% 0,007494% 0,007494% 0,007494% 0,007494% 0,007494% 0,007494% 0,007494% 0,007494% 0,007494% 0,007494% 0,007494% 0,007494% 0,007494% 0,007494% -

TR ACUMULADA 0,000000% 0,007494% 0,014989% 0,014989% 0,014989% 0,022485% 0,029981% 0,029981% 0,037478% 0,044975% 0,044975% 0,044975% 0,052472% 0,059971% 0,067470% 0,074969% 0,082469% 0,082469% 0,082469% 0,089970% 0,097471% 0,104972% 0,112475% 0,119978% 0,119978% 0,119978% 0,127481% 0,134985% 0,142489% 0,149994% 0,157500%

INDICE 1,00000000 1,00007494 1,00014989 1,00014989 1,00014989 1,00022485 1,00029981 1,00029981 1,00037478 1,00044975 1,00044975 1,00044975 1,00052472 1,00059971 1,00067470 1,00074969 1,00082469 1,00082469 1,00082469 1,00089970 1,00097471 1,00104972 1,00112475 1,00119978 1,00119978 1,00119978 1,00127481 1,00134985 1,00142489 1,00149994 1,00157500


2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.

Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.

Juros Capitalizados Mensalmente Nº Meses

% Efetivo

Nº Meses

% Efetivo

Nº Meses

% Efetivo

01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16

1,0000 2,0100 3,0301 4,0604 5,1010 6,1520 7,2135 8,2856 9,3685 10,4622 11,5668 12,6825 13,8093 14,9474 16,0968 17,2578

17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32

18,4304 19,6147 20,8108 22,0190 23,2391 24,4715 25,7163 26,9734 28,2431 29,5256 30,8208 32,1290 33,4503 34,7848 36,1327 37,4940

33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 –

38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

01.10.1989

NCz$

381,73

Decreto nº 98.211/89

02.10.1989

01.09.1990

Cr$

6.056,31

Port. 3.588/90

03.09.1990

01.11.1989

NCz$

557,33

Decreto nº 98.346/89

31.10.1989

01.10.1990

Cr$

6.425,14

Port. 3.628/90

01.10.1990

01.12.1989

NCz$

788,18

Decreto nº 98.456/89

01.12.1989

01.11.1990

Cr$

8.329,55

Port. 3.719/90

01.11.1990

01.01.1990

NCz$

1.283,95

Decreto nº 98.783/89

29.12.1989

01.12.1990

Cr$

8.836,82

Port. 3.787/90

03.12.1990

Cr$

12.325,50

Port. 3.828/90

31.12.1990

01.02.1990

NCz$

2.004,37

Decreto nº 98.900/90

01.02.1990

01.01.1991

01.03.1990

NCz$

3.674,06

Decreto nº 98.985/90

01.03.1990

01.02.1991

Cr$

15.895,46

MP 295/91

01.02.1991

01.04.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.143/90

24.04.1990

01.03.1991

Cr$

17.000,00

Lei nº 8.178/91

04.03.1991

Cr$

42.000,00

Lei nº 8.222/91

06.09.1991

01.05.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.352/90

23.05.1990

01.09.1991

01.06.1990

Cr$

3.857,76

Port. 3.387/90

04.06.1990

01.01.1992

Cr$

96.037,33

Port. 42/92

21.01.1992

01.07.1990

Cr$

4.904,76

Port. 3.501/90

16.07.1990

01.05.1992

Cr$

230.000,00

Lei nº 8.419/92

08.05.1992

01.08.1990

Cr$

5.203,46

Port. 429/90

01.08.1990

01.09.1992

Cr$

522.186,94

Port. 601/92

31.08.1992

Setembro/2016 – Ed. 234

II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989

86


Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

01.01.1993

Cr$

1.250.700,00

Lei nº 8.542/92

24.12.1992

03.04.2000

R$

151,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.03.1993

Cr$

1.709.400,00

Port. Interm. 4/93

01.03.1993

01.04.2001

R$

180,00

MP 2.142/01 (atual 2.194-6)

30.03.2001

01.05.1993

Cr$

3.303.300,00

Port. Interm. 7/93

04.05.1993

01.04.2002

R$

200,00

Lei nº 10.525/02

28.03.2002

01.07.1993

Cr$

4.639.800,00

Port. Interm. 11/93

01.08.1993

01.04.2003

R$

240,00

Lei nº 10.699/03

10.07.2003

01.08.1993

CR$

5.534,00

Port. Interm. 12/93

03.08.1993

01.05.2004

R$

260,00

Lei nº 10.888/04

25.06.2004

01.09.1993

CR$

9.606,00

Port. Interm. 14/93

02.09.1993

01.05.2005

R$

300,00

Lei nº 11.164/05

19.08.2005

01.10.1993

CR$

12.024,00

Port. Interm. 15/93

04.10.1993

01.04.2006

R$

350,00

MP 288/06

31.03.2006

01.11.1993

CR$

15.021,00

Port. Interm. 17/93

03.11.1993

01.04.2006

R$

350,00

Lei nº 11.321/06

10.07.2006

01.12.1993

CR$

18.760,00

Port. Interm. 19/93

02.12.1993

01.04.2007

R$

380,00

MP 362/07

30.03.2007-extra

01.01.1994

CR$

32.882,00

Port. Interm. 20/93

31.12.1993

01.04.2007

R$

380,00

Lei nº 11.498/07

29.06.2007

01.02.1994

CR$

42.829,00

Port. Interm. 02/94

02.02.1994

01.03.2008

R$

415,00

MP 421/08

29.02.2008-extra

01.03.1994

URV

64,79

Port. Interm. 04/94

03.03.1994

01.02.2009

R$

465,00

MP 456/09

30.01.2009-extra

01.07.1994

R$

64,79

Lei nº 9.069/95

30.06.1994/30.06.1995

01.01.2010

R$

510,00

MP 474/09

24.12.2009

01.09.1994

R$

70,00

Lei nº 9.063/95

01.09.1994/20.06.1995

01.01.2011

R$

540,00

MP 516/10

31.12.2010

01.05.1995

R$

100,00

Lei nº 9.032/95

29.04.1995

01.03.2011

R$

545,00

Lei nº 12.382/11

28.02.2011

01.05.1996

R$

112,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2012

RS

622,00

Decreto nº 7.655/11

26.12.2011

01.05.1997

R$

120,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2013

R$

678.00

Decreto nº 7.872/11

26.12.2012

01.05.1998

R$

130,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2014

R$

724,00

Decreto nº 8.166/13

24.12.2013

01.05.1999

R$

136,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2015

R$

788,00

Decreto nº 8.381/14

29.12.2014

Setembro/2016 – Ed. 234

III – Previdência Social – Valores de Benefícios (Abril/2015)

87

Salário-de-benefício mínimo Salário-de-benefício máximo Renda mensal vitalícia Salário-família:

R$ 788,00 R$ 4.663,75 R$ 788,00 I - R$ 37,18 (trinta e sete reais e dezoito centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos);

II - R$ 26,20 (vinte e seis reais e vinte centavos) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 725,02 (setecentos e vinte e cinco reais e dois centavos) e igual ou inferior a R$ 1.089,72 (um mil e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos). Benefícios a idosos e portadores de deficiência Um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995)


INSS – JANEIRO 2016 TABELA DE CONTRIBUIÇÃO (EMPREGADO, EMPREGADO DOMÉSTICO E TRABALHADOR AVULSO) PARA PAGAMENTO DE REMUNERAÇÃO A PARTIR DE 1º DE JANEIRO DE 2016 Salário-de-contribuição (R$)

Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)

Até 1.556,94

8%*

De 1.556,95 até 2.594,92

9%*

De 2.594,93 até 5.189,82

11%*

ESCALA DE SALÁRIOS-BASE PARA OS SEGURADOS CONTRIBUINTE INDIVIDUAL E FACULTATIVO

Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.

* Alíquota reduzida para salários e remunerações até três salários-mínimos, em razão do disposto no inciso II do art. 17 da Lei nº 9.311, de 24.10.1996, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e de Direitos de Natureza Financeira – CPMF.

IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL Alíquota %

Até 1.903,98

-

Parcela a deduzir do imposto em R$ -

De 1.903,99 até 2.826,65

7,5 142,80

De 2.826,66 até 3.751,05

15,0 354,80

De 3.751,06 até 4.664,68

22,5 636,13

Acima de 4.664,68

27,5 869,36

Dedução por dependente

O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.

189,59

V – Limites de Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho NOVOS VALORES PARA DEPÓSITOS RECURSAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO (Ato nº 326/2016 do TST, DJe de 18.07.2015, vigência a partir de 01.08.2016) Recurso Ordinário

R$ 8.959,63

Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória

R$ 17.919,26

Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.

Setembro/2016 – Ed. 234

Base de cálculo em R$

TABELA PROGRESSIVA ANUAL

88


VI – Indexadores Indexador INPC IGPM UFIR SELIC TDA

Março Abril Maio Junho Julho Agosto 0,44 0,64 0,98 0,47 0,64 0,31 0,51 0,33 0,82 1,69 0,18 0,15 Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º. 1,16 1,06 1,11 1,16 1,11 1,22 Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros Valores nominais reajustados – Reais 79.297,75 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75 157,23

(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.

VII  – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais

Setembro/2016 – Ed. 234

Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.

89

Mês/Ano 1993 1994 1995 1996 1997 1998

Mês/Ano 1999

JAN 140.277,063840 3631,929071 FEV 180.634,775106 5132,642163 MAR 225.414,135854 7214,955088 ABR 287.583,354522 10323,157739 MAIO 369.170,752199 14747,663145 JUN 468.034,679637 21049,339606 JUL 610.176,811842 11,346741 AGO 799,392641 12,036622 SET 1065,910147 12,693821 OUT 1445,693932 12,885497 NOV 1938,964701 13,125167 DEZ 2636,991993 13,554359

JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

13,851199 16,819757 14,082514 17,065325 14,221930 17,186488 14,422459 17,236328 14,699370 17,396625 15,077143 17,619301 15,351547 17,853637 15,729195 18,067880 15,889632 18,158219 16,075540 18,161850 16,300597 18,230865 16,546736 18,292849

18,353215 18,501876 18,585134 18,711512 18,823781 18,844487 18,910442 18,944480 18,938796 18,957734 19,012711 19,041230

19,149765 19,312538 19,416825 19,511967 19,599770 19,740888 19,770499 19,715141 19,618536 19,557718 19,579231 19,543988

2002

2003

19,626072 21,280595 22,402504 24,517690 19,753641 21,410406 22,575003 24,780029 20,008462 21,421111 22,685620 24,856847 20,264570 21,448958 22,794510 25,010959 20,359813 21,468262 22,985983 25,181033 20,369992 21,457527 23,117003 25,203695 20,384250 21,521899 23,255705 25,357437 20,535093 21,821053 23,513843 25,649047 20,648036 22,085087 23,699602 25,869628 20,728563 22,180052 23,803880 26,084345 20,927557 22,215540 24,027636 26,493869 21,124276 22,279965 24,337592 27,392011

2000

2001

28,131595 28,826445 29,247311 29,647999 30,057141 30,354706 30,336493 30,348627 30,403254 30,652560 30,772104 30,885960

2004 31,052744 31,310481 31,432591 31,611756 31,741364 31,868329 32,027670 32,261471 32,422778 32,477896 32,533108 32,676253


Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

2005 2006 2007

2008

32,957268 34,620735 35,594754 37,429911 33,145124 34,752293 35,769168 37,688177 33,290962 34,832223 35,919398 37,869080 33,533986 34,926270 36,077443 38,062212 33,839145 34,968181 36,171244 38,305810 34,076019 35,013639 36,265289 38,673545 34,038535 34,989129 36,377711 39,025474 34,048746 35,027617 36,494119 39,251821 34,048746 35,020611 36,709434 39,334249 34,099819 35,076643 36,801207 39,393250 34,297597 35,227472 36,911610 39,590216 34,482804 35,375427 37,070329 39,740658

2009

2010

39,855905 40,110982 40,235326 40,315796 40,537532 40,780757 40,952036 41,046225 41,079061 41,144787 41,243534 41,396135

41,495485 41,860645 42,153669 42,452960 42,762866 42,946746 42,899504 42,869474 42,839465 43,070798 43,467049 43,914759

Mês/Ano JAN FEV MAR ABR MAIO JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

2011 2012 2013

44,178247 46,864232 44,593522 47,103239 44,834327 47,286941 45,130233 47,372057 45,455170 47,675238 45,714264 47,937451 45,814835 48,062088 45,814835 48,268754 46,007257 48,485963 46,214289 48,791424 46,362174 49,137843 46,626438 49,403187

2014

2015

2016

49,768770 52,537233 55,809388 62,102540 50,226642 52,868217 56,635366 63,040288 50,487820 53,206573 57,292336 63,639170 50,790746 53,642866 58,157450 63,919182 51,090411 54,061280 58,570367 64,328264 51,269227 54,385647 59,150213 64,958680 51,412780 54,527049 59,605669 65,263985 51,345943 54,597934 59,951381 65,681674 51,428096 54,696210 60,101259 65,885287 51,566951 54,964221 60,407775 51,881509 55,173085 60,872914 52,161669 55,465502 61,548603

Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.

Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967

NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990

NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970

Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993

Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986

CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994

Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988

R$ (real): de jul./1994 em diante

Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:

Out./1964 a fev./1986: ORTN Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989

Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice)

Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989) Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002.

Setembro/2016 – Ed. 234

Exemplo: Atualização, até setembro de 2016, do valor de Cz$1.000,00 fixado em janeiro de 1988 Cz$1.000,00 : 596,94 (janeiro/1988) x 65,885287 (setembro/2016) = R$ 110,37

Fonte: DJe, TJSP, Administrativo, 12.09.2016, p. 5. * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.

90


IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.

TELEFONES PARA CONTATOS

Diretor Editorial e de Produtos: Elton José Donato

Vendas/Assinaturas

Coordenador Editorial: Cristiano Agrella Basaglia

Grande São Paulo (11) 2188.7777

Editora Responsável: Simone Saletti

Demais Localidades 0800.7072244

Diagramação: Jane Silveira e Wesley de Souza

Renovação

Revisão Final: Sabrina Falcão Fauth

Grande São Paulo (11) 2188.7512

Editoração Eletrônica: IOB

Demais Localidades 0800.7247570

Publicação: IOB

Cobrança

Site Jurídico IOB: www.sage.com.br

São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900

E-mail: netiob@sage.com.br

Demais Localidades 0800.7247900

Fale com o Editor: conselho.editorial@sage.com.br

Consultoria para envio de acórdãos: (51) 2101.6200

Envio de artigos: Envie seu artigo para conselho.editorial@sage.com.br

SAC e Suporte Técnico São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900 Demais Localidades 0800.7247900 E-mail: sacsintese@sage.com

Jornal Jurídico Setembro/2016 – Edição 234


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.