SUMÁRIO
1 – Cachoeiras e o Mundo.............................07 2 – Educação Clássica e a Cultura............13 3 – A Revolução Moderna .............................19 4 – A Abolição do Homem................................27 5 – O Renascimento da Educação................37 Conclusão............................................................45. Sobre TurleyTalks ..........................................49 Sobre o Autor....................................................53.
Capítulo 1
CACHOEIRAS E O MUNDO
N
ão há dúvidas de que a década de 1940 tenha constituído um período historicamente as-
sombroso: o ataque japonês a Pearl Harbor, a Segunda Guerra Mundial, o advento da bomba atômica, a transformação dos EUA em uma superpotência global, o estabelecimento da OTAN e a fundação da República Popular da China. No entanto, no meio destes acontecimentos notáveis, raramente, senão nunca, se encontra a inclusão de um pequeno livro, publicado em 1944, criticando o estado da educação britânica. O livro foi intitulado A Abolição do Homem, cujo autor foi uma das grandes mentes literárias do século 20, o renomado erudito de Oxford e de Cambridge, C. S. Lewis. No que talvez seja a análise da
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era moderna mais significativa e importante do século 20, Lewis, em menos de 100 páginas, descreve aquilo que o professor Peter Kreeft chama de uma terrível profecia de mortalidade, não apenas a mortalidade da civilização ocidental moderna, mas a mortalidade da própria natureza humana. A crítica de Lewis começou a partir de um compêndio, cujo título ele não nomeia, chamando-o apenas de O Livro Verde [The Green Book], escrito por dois autores cujos nomes ele também não menciona, referindo-se a eles como Gaius e Titius. Os autores deste livro contam a famosa visita às Cachoeiras do Clyde, na Escócia, realizada pelo poeta Samuel Taylor Coleridge, no início dos anos 1800. Em dado momento, diante de uma das cachoeiras, Coleridge ouviu a reação de dois turistas: um observou que a cachoeira era “sublime”, enquanto o outro disse que ela era “agradável”. Coleridge endossou mentalmente a primeira opinião e rejeitou a segunda com desgosto. Então, Gaius e Titius fazem seu próprio comentário sobre esta cena: Quando o homem disse Isso é sublime, ele parecia estar fazendo uma observação sobre a cachoeira... Na verdade... ele não estava fazendo uma observação sobre a cachoeira, mas uma observação sobre seus próprios sentimentos. O que ele na verdade estava
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dizendo era Eu tenho em minha mente sentimentos associados à palavra ‘Sublime’, ou, em poucas palavras, Eu tenho sentimentos sublimes... Essa confusão está continuamente presente na língua conforme a usamos. Parece que estamos dizendo algo muito importante acerca de algo: enquanto, na realidade, só estamos dizendo algo a respeito de nossos próprios sentimentos. Para Lewis, este comentário de Gaius e Titius teve nada menos que consequências cósmicas. A cena da cachoeira e o comentário capturaram de forma microcósmica duas concepções de mundo contrastantes: uma, representada por Samuel Taylor Coleridge, que afirmou ser a beleza um valor objetivo incorporado em uma ordem cósmica criada, e beleza esta reconhecida por uma humanidade que participa dessa ordem cósmica; e outra, representada por Gaius e Titius e O Livro Verde, que negou à natureza impessoal o valor objetivo e colocou todas as concepções de beleza e sublimidade na mente humana e em preferências pessoais. Em uma, a beleza é um valor que, autônomo, existe independente do conhecedor; para a outra, a beleza é um valor construído pelo conhecedor e sobreposto em um mundo impessoal. Para Lewis, ambas as perspectivas representam nada menos que dois projetos humanos fundamentalmente diferentes, que podem ser considerados como sendo duas
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eras ou civilizações fundamentalmente distintas, ao que poderíamos chamar de a era moral versus a era moderna, a era sapiente versus a era científica. Lewis resume essas duas eras da seguinte forma: para o homem clássico, a pergunta fundamental era: “Como posso conformar minha alma com o mundo que me rodeia de modo a ser elevado à vida divina?”. A resposta era: por meio da oração, da virtude e do conhecimento. No entanto, para o homem moderno, a pergunta é invertida: o homem moderno não está interessado em como adaptar sua alma à realidade. Em vez disso, o homem moderno pergunta: “Como posso conformar o mundo com meus próprios desejos e ambições?”. A resposta envolve o explorar as instituições que operam pelos mecanismos de poder e manipulação, a saber, a ciência, a tecnologia e o estado. Agora, o que Lewis nota com O Livro Verde é que essas duas visões da realidade que se contrastam implicam duas visões da educação que se contrastam. É possível que uma das observações mais profundas feita por Lewis seja que a educação é, inescapavelmente, enculturação; a educação é um meio pelo qual o indivíduo é iniciado em uma cultura, numa forma particular de ser humano. Para Lewis, a importância do Livro Verde enquanto compêndio estava no fato de que este livro manifestou a chegada triunfante da
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era moderna e seus pressupostos, os quais permeiam a cultura britânica de tal modo que agora todas as instituições culturais, especialmente as escolas, são reconstituídas de acordo com regras, compreensões e metas seculares. Lewis, porém, não é um mero crítico desta mudança civilizacional. Ele não é um cínico grosseiro que simplesmente lamenta a morte da velha ordem e a ascensão de uma nova ordem. Não, Lewis acredita que essa propensão, que essa orientação em direção ao poder e à manipulação inerentes ao experimento modernista é nada menos que uma ameaça à nossa humanidade como a conhecemos. Peter Kreeft, professor de Filosofia do Boston College e do The King's College, resume bem a preocupação de Lewis: [A Abolição do Homem] é profética; a obra é tecida em linguagem acadêmica — com efeito, sua pletora de referências versadas no latim assustam e afugentam universitários ainda hoje, pois esta é a primeira geração na história americana que é menos instruída que a geração de seus pais —, mas seu conteúdo é uma profecia aterradora de mortalidade, não apenas a mortalidade da civilização ocidental moderna, mas a mortalidade da própria natureza humana, se não recuperarmos a crença no [que Lewis chama de] Tao, a lei natural, a doutrina dos valores objetivos.