SUMÁRIO PREFÁCIO............................................................................07 INTRODUÇÃO...................................................................21 PRIMEIRA EVIDÊNCIA..................................................23 Aceitar, Abraçar e Escolher a Maneira que Deus Providenciou para Salvar Pecadores Mediante a Obra de Cristo Somente
SEGUNDA EVIDÊNCIA..................................................55 Continuamente Aceitar, Abraçar e Louvar a Santidade e a Obediência que Deus Exige Conforme Reveladas nas Escrituras
TERCEIRA EVIDÊNCIA..................................................83 Empenhar-se Consistentemente a fim de Manter Todas as Graças sob Exercício em Todas as Ordenanças da Adoração Divina
QUARTA EVIDÊNCIA......................................................97 Levar a Alma a um Estado Especial de Arrependimento
PREFÁCIO
John Owen nasceu em 1616, mesmo ano em que William Shakespeare morreu. Enquanto Shakespeare é celebrado, com justiça, como o maior compositor de peças da história da língua inglesa, Owen é, indiscutivelmente, nosso maior teólogo. Filho de ministro, Owen viveu tanto nos mais altos quanto nos mais baixos pontos da era puritana. Serviu como capelão de Oliver Cromwell na década de 1650, opôs-se ao movimento que tentava fazer de Cromwell rei em 1657, e, depois do restabelecimento da monarquia, em 1660, enfrentou perseguição por ser um não conformista, o que diminuiu sua influência significativamente e mudou o curso do resto de sua vida e ministério. Embora tenha crescido em lar puritano, Owen não teve muita certeza quanto à sua própria salvação até o ano de 1642. Tendo ido a um culto na igreja St. Mary Aldermanbury, em Londres, esperava ouvir o famoso Edmund 7
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Calamy pregar. Mas um substituto, cujo nome Owen nunca descobriu, pregou em seu lugar a partir do texto “Por que temeis, homens de pouca fé?” (Mateus 8.26). Deus, então, usou esse sermão para dar a Owen a certeza de sua salvação.1 Owen publicou seu primeiro livro no ano seguinte, dando início à carreira de escritor que perduraria por quatro décadas. Ele escreveu mais de oitenta livros, alguns dos quais foram publicados após a sua morte. Muitas dessas obras permanecem clássicos espirituais, republicados em décadas recentes. Dentre eles estão sua tão conhecida trilogia sobre o pecado, recentemente publicada como Overcoming Sin and Temptation [Para Vencer o Pecado e a Tentação]; sua grande defesa da redenção particular em The Death of Death in the Death of Christ [A Morte da Morte na Morte de Cristo]; sua exposição devocional sobre a espiritualidade trinitária em Of Communion with God the Father, Son, and Holy Ghost [Comunhão com o Deus Trino]; sua magnífica obra Meditations and Discourses on the Glory of Christ [Meditações e Discursos sobre a Glória de Cristo]; e sua magnum opus, Pneumatology: A Discourse Concerning the Holy Spirit. Evidências da Fé Salvífica é uma das joias 1 Para uma breve biografia de Owen, veja o registro feito por Joel Beeke e Randall J. Pederson no livro Meet the Puritans: With a Guide to Modern Reprints (Grand Rapids: Reformation Heritage Books, 2007), p. 455–63 [em português, publicado pela Editora PES sob o título Paixão pela Pureza]. Para uma biografia completa, veja God’s Statesman: The Life and Work of John Owen, de Peter Toon (Exeter, England: Paternoster Press, 1971) ou John Owen and English Puritanism: Experiences of Defeat (Oxford: Oxford University Press, 2016), de Crawford Gribben. 8
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menos conhecidas do grande tesouro que preenche os vinte e quatro volumes de todas as obras de Owen.2 O VALOR DESTA OBRA Poucos tópicos são mais vitais para uma vida cristã vibrante do que a fé. As Escrituras ensinam que não somos apenas justificados pela fé (Gl 2.16), mas que também somos santificados pela fé (At 26.18), que recebemos o Espírito Santo ao ouvir com fé (Gl 3.2, 5, 14), e nos tornamos filhos de Deus pela fé ( Jo 1.12–13; Gl 3.26). Ao justo é dito que ele deve viver pela fé (Rm 1.17; Gl 3.22). Sem fé é impossível agradar a Deus (Hb 11.6). Nós andamos pela fé, não por vista (2Co 5.7). Nós vivemos pela fé no Filho de Deus, 2 The Works of John Owen, ed. W. H. Goold, 24 vol. (1850–1853; reimpr., Edinburgh: Banner of Truth, 1966). As citações subsequentes das Obras de Owen foram extraídas da edição publicada pela Banner of Truth. A trilogia sobre o pecado é composta por três livros: Of the Mortification of Sin in Believers; Of Temptation: The Nature and Power of It, Etc.; eThe Nature, Power, Deceit and Prevalency of the Remainders of Indwelling Sin in Believers, todos contidos em sua coleção Works, vol. 6. Esses livros foram publicados juntos sob o título Overcoming Sin and Temptation (ed. Justin Taylor & Kelly M. Kapic. Wheaton, Ill.: Crossway, 2006). Sua obra The Death of Death in the Death of Christ está em seu Works, vol. 10, publicada em separado pela Banner of Truth, com introdução de J. I. Packer. O livro Of Communion with God está em seu Works, vol. 2, e foi republicado sob o título Communion with the Triune God (ed. Justin Taylor & Kelly M. Kapic. Wheaton, Ill.: Crossway, 2007). Por sua vez, a obra Meditations and Discourses on the Glory of Christ encontra-se em seu Works, vol. 1; e seu Pneumatologia: A Discourse Concerning the Holy Spirit, em Works, vol. 3–4. Um número de livros escritos por Owen foi também publicado com edições suprimidas e adaptadas aos idiomas modernos. O título original deste livro em questão é Gospel Grounds and Evidences of the Faith of God’s Elect [As Bases e as Evidências Evangélicas da Fé nos Eleitos de Deus]. Ele se encontra em Works, vol. 5, p. 401–57. 9
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que nos amou e deu a si mesmo por nós (Gl 2.20). E tudo que não procede da fé é pecado (Rm 14.23). A vida cristã como um todo deve ser uma vida de fé. Mas, às vezes, há grande confusão com respeito à natureza e às evidências da fé genuína. Sabemos, pelas Escrituras, que existe algo chamado de fé morta (Tg 2.14–26). E temos exemplos nas Escrituras de alguns que “creram”, mas mostraram, no fim, que não eram verdadeiros discípulos de Jesus (veja, por exemplo, João 2.23–25; 8.31–37). Poucas coisas são mais importantes do que entender a natureza essencial da fé salvífica, ter as habilidades com as quais seja possível discernir as evidências da fé salvífica na própria vida, e saber como exercitar a fé para desenvolver-se espiritualmente. É raro o livro que realiza essas funções pastorais e diagnósticas ao mesmo tempo em que mantém nossos olhos fixos de forma constante no objeto da fé, isto é, o próprio Cristo. Neste pequeno livro, originalmente intitulado Gospel Grounds and Evidences of the Faith of God’s Elect [As Bases e as Evidências Evangélicas da Fé nos Eleitos de Deus], John Owen fez ambas as coisas. Existem quatro razões específicas do porquê este livro continua a ser algo de valor para a igreja de hoje. Primeira, Owen destacou a diferença do Evangelho, ou cristianismo evangélico, para todos os demais sistemas religiosos. Essa diferença não é sempre óbvia, especialmente em livros destinados à vida prática dos cristãos. Muitos livros (e sermões) abundam em diretrizes morais e exortações práticas, no entanto falham em distinguir o cristianismo evangélico da mera religião. 10
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Está na moda, hoje, o uso da palavra “evangelho” como adjetivo. Livros sobre a santidade “evangélica”, ou ser “um evangélico centrado”, ou “um evangélico guiado” enchem nossas prateleiras. Talvez alguns leitores estejam até se cansando dessa tendência, considerando-a por pouco um capricho teológico. Não faço nenhum comentário sobre esses títulos; meu ponto é apenas que Owen precedeu o movimento ‘centrado no evangelho’ em três séculos e meio! Não é incomum encontrar a palavra “evangelho” sendo empregada como adjetivo nas obras de Owen. Na verdade, ele o fez neste livro ao menos nove vezes, usando as expressões “santidade evangélica”, “arrependimento evangélico”, “graças evangélicas” e “ordenanças evangélicas. Em seguida, há o próprio título original, As Bases e as Evidências Evangélicas da Fé nos Eleitos de Deus. É possível que os publicadores, e não Owen, tenham dado esse título, já que a obra não foi publicada antes de 1695, mais ou menos doze anos após sua morte. Mesmo assim, o título descreve precisamente o conteúdo do livro, na medida em que Owen examina tanto as bases quanto as evidências da fé salvífica, e dá espaço e esforço considerável à distinção da verdadeira fé salvífica daquela que é falsa. A audiência pretendida por Owen, como o leitor historicamente experiente poderia adivinhar, incluía católicos romanos, quakers e socinianos. Owen estava profundamente preocupado com o formalismo, a superstição e o legalismo do catolicismo romano, com o misticismo dos quakers, e com o racionalismo dos socinianos. Contra todos eles, Owen defendia que a fé salvífica era distintamente embasada e moldada pelo 11
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Evangelho, o qual ele definiu como “a declaração divina do caminho de Deus para a salvação de pecadores através da pessoa, da mediação, do sangue, da justiça e da intercessão de Cristo”. No pensamento de Owen, a própria essência e vida da fé consiste no discernimento da alma e no consentimento do coração ao caminho de Deus para salvar pecadores através da obra do Filho na cruz. A fé verdadeira consente com essa maneira de salvação como aquela que mais glorifica a Deus em todos os Seus santos e graciosos atributos, que mais satisfaz e deleita a mente e o coração regenerado. Onde há falta dessa convicção, a fé salvífica está ausente. Controlado por tão firme convicção, Owen não se contentava em exortar os leitores a meramente provar a si mesmos por práticas morais externas, comportamentais e religiosas. Ao invés disso, ele imprimiu em seus leitores a necessidade de uma obra da graça verdadeira e interior na alma, levando à renúncia de qualquer outra esperança ou quaisquer outros meios de salvação, para lançar-se sobre a graça revelada de Deus em Cristo somente. Para Owen, este era o verdadeiro cristianismo evangélico, o abraçar pleno daquilo que vem a ser a primeira evidência da fé salvífica. Segunda, isso naturalmente leva Owen a demonstrar a verdadeira natureza da fé salvífica de uma forma que evite os erros tanto do legalismo quanto do antinomianismo. Embora não tenha usado as palavras “legalismo” e “antinomianismo” nesta obra, Owen mostra que a pessoa verdadeiramente regenerada pode ser distinguida dos “pecadores aberta e liberalmente devassos” tanto quanto “daqueles que estão sob a 12
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convicção da lei”. A diferença está no eterno desejo da alma regenerada pela glória de Deus em todas as coisas, o que inclina o coração para o profundo e permanente consentimento e louvor à santidade de Deus. “O primeiro feixe de luz espiritual e graça”, no dizer de Owen, “cria um desejo incansável pela glória de Deus na mente e na alma”. É esse desejo pela glória de Deus que preserva a alma crente tanto da Cila do legalismo quanto do Caríbdis do antinomianismo. O crente deseja a glória de Deus tão profundamente que não consegue abraçar nenhum outro caminho de salvação que não seja apropriado para um Deus santo, exceto a forma proposta no Evangelho: isto é, a salvação através da obra mediadora de Jesus Cristo. Isto mantém a alma longe do legalismo — isto é, de confiar em méritos angariados pela moral dos hábitos e pelos bons costumes, ou de confiar-se ao cumprimento da lei como fundamento adequado para a aceitação por parte de Deus. E este mesmo impulso e inclinação do coração regenerado pela glória de Deus também preserva o crente do antinomianismo — isto é, de desonrar ou desconsiderar a lei de Deus (o termo “antinomiano” é derivado de duas palavras gregas: anti, contra; nomos, lei), tornando assim a graça uma licença para pecar. A mesma luz espiritual que cria o desejo pela glória de Deus também é “a fonte e o princípio” da santidade evangélica. Como Owen demonstra no segundo capítulo deste livro, a segunda evidência da fé genuína é precisamente esta: aceitar e louvar continuamente a santidade e a obediência que Deus exige, tanto porque honra a Deus, que 13
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é santo, quanto porque foi para tanto que Ele nos criou. Afinal, fomos criados, em origem, à imagem de Deus, e é conforme essa imagem que estamos sendo renovados (Ef 4.24). Portanto, a santidade é aquilo “que dá [...] retidão e perfeição à nossa natureza, na medida possível e cabível de alcançar neste mundo”. E verdadeiros cristãos, embora com frequência possam cair devido às tentações do pecado e à fraqueza da carne, nunca se satisfazem com algo menos do que seu crescimento contínuo em santidade, sua transformação contínua e progressiva à imagem gloriosa de Cristo. Terceira, Owen fornece direção prática para os crentes em relação ao arrependimento e à busca de segurança. Seu objetivo, ao longo de todo este livro, é mostrar as bases da fé salvífica e as evidências principais e primárias dela. Todavia, seu propósito não era fornecer um manual pelo qual poderíamos discernir essas evidências nos outros sem testarmos a nós mesmos. Owen escolheu destacar quatro evidências, às quais os quatro capítulos do livro mais ou menos correspondem. A primeira evidência, como mencionado mais acima, é abraçar, aceitar e louvar a maneira que Deus providenciou para salvar pecadores, que é por meio de Cristo, como aquela que mais glorifica a Deus, que mais satisfaz nossa própria alma e mais honra a lei de Deus. Também já dei atenção à segunda evidência — isto é, aceitar e louvar a santidade e a obediência que Deus exige. No terceiro e menor capítulo do livro, Owen discute a evidência de “consistentemente empenhar-se para manter todas as graças sob exercício em todas as ordenanças da adoração divina, tanto privadas quanto públicas”. Por 14
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“graças em exercício” Owen quer dizer a obra interior das graças evangélicas tais como a fé, a esperança e o amor — aquilo que Jonathan Edwards mais tarde chamaria de “afeições religiosas”.3 Existe uma diferença de simplesmente orar e adorar para sinceramente dirigir o coração ao Pai através da fé capacitada pelo Espírito, em Cristo. Owen estava preocupado com os perigos do formalismo e da superstição na adoração e entendia os exercícios internos da graça como o principal meio de preservação contra a apostasia da adoração evangélica genuína. Suas orientações são tão práticas quanto breves. Se aplicadas consistentemente, provarão ser úteis a qualquer crente que lute com a formalidade e a frieza de coração tanto nas devoções particulares quanto na adoração pública. Mas, no capítulo 4, Owen se sobressai fornecendo conselhos práticos ao cristão que esteja lutando e em dúvida. Porque, assim como a quarta evidência da fé salvífica, Owen propôs um estado de arrependimento especial, no qual a alma crente pode focar seus esforços de modo a exercitar a fé e a conduzir o coração a uma estrutura espiritual. Owen esforça-se para esclarecer que ele não se refere, aqui, ao arrependimento evangélico, que deve ser característico de todos os crentes (embora esse arrependimento não difira em forma do arrependimento evangélico). Em vez disso, Owen se refere a um grau particular de arrependimento que ele julga necessário para seis tipos de pessoas, as quais 3 Jonathan Edwards. Religious Affections. In: Ed. John E. Smith. The Works of Jonathan Edwards, vol. 2. New Haven, Conn.: Yale University Press, 1959. 15
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descreve cuidadosamente. Sete ingredientes específicos ou exigências necessárias para tal estado espiritual de arrependimento vêm em seguida. Este é Owen na sua melhor forma pastoral, fornecendo conselho sábio para cristãos sob luta e instando quanto à necessidade de separação do mundo, tristeza piedosa pelo pecado, mortificação da carne, vigia sobre o coração em momentos de solidão, anseio por libertação e abundância nos pensamentos espirituais. Este programa será imensamente útil tanto para os crentes que tiverem se desviado do caminho ou em dúvida quanto para os pastores e conselheiros que estiverem tentando ajudá-los. Por fim, Owen se sobressai ao descrever e diagnosticar a experiência espiritual de um crente. Isso, é claro, está relacionado ao ponto anterior, mas merece atenção especial. Pois Owen, como poucos outros médicos da alma, consegue usar o bisturi da santa Palavra de Deus para examinar o interior dos pensamentos, das inclinações e das afeições dos santos. Owen era especialmente habilidoso em ajudar crentes a entender a complexidade de seus corações. Ele reconhecia que pensamentos e desejos aparentemente contraditórios coexistem no coração do regenerado. Por exemplo, Owen mostra que “não há inconsistência entre a alegria espiritual em Cristo e a tristeza piedosa pelo pecado”. Na verdade, ele afirma que a tristeza pelo pecado é necessária para a manutenção da “alegria estável” no coração. “Sim”, ele escreve, “há uma alegria secreta e um descanso na tristeza piedosa, há uma grande satisfação espiritual que são iguais às nossas maiores alegrias”. De maneira semelhante, Owen 16
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demonstrou que o crente é caracterizado tanto pela “humilhação mais profunda” quanto por “um senso de refrigério no amor de Deus e na paz com Ele”. Novamente, o cristão verdadeiro experimenta “dificuldade e ansiedade na mente” em relação aos seus pecados; mas esse tipo de ansiedade “não [...] se opõe à paz e ao descanso”. Na verdade, como Owen escreveu no parágrafo final de seu livro, são “aqueles que têm os pensamentos mais baixos de si mesmos e se humilham de contínuo, estes é que têm a visão mais clara da glória divina”. Owen também explica como a fé de um cristão pode ser evidenciada na escuridão da tentação e do pecado. Depois de ter defendido que a segunda evidência da fé salvífica é seu inabalável consentimento e louvor à santidade e à obediência que Deus exige, Owen mostra que a fé se evidencia pela “insatisfação interior e humilhação de si próprio, que surgem em qualquer momento em que a mente distancia-se dessa santidade”. Longe de levar o verdadeiro cristão à agonia da dúvida, Owen demonstra que a fé genuína é a raiz do “envergonhar-se santo” pelo pecado. Então, mesmo nos “conflitos inquietantes” provocados pelo pecado “na nossa alma e contra ela” e causados pelos “declínios que podemos ter [...] enquanto a vergonha santa no interior e a tristeza piedosa pelo pecado forem preservadas, a fé se faz evidente”. Talvez o melhor exemplo sobre introspecção na experiência espiritual vindo da pena de Owen apareça no primeiro capítulo do livro, onde ele afirma que a “alma iluminada pelo conhecimento da verdade e consciente de 17
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sua própria condição pela convicção espiritual tem dois desejos predominantes, pelos quais é totalmente orientada”. O primeiro desses desejos é que “Deus seja glorificado”. O segundo, “que a alma, em si mesma, possa ser eternamente salva”. “Tais desejos são inseparáveis em qualquer alma iluminada”, Owen escreve. Isso distingue o verdadeiro cristão dos demais. Pois, diferentemente do imoral ou do religioso hipócrita, a pessoa regenerada não pode desejar sua própria salvação sem desejar que Deus seja glorificado. Mas o Evangelho — a maneira de Deus salvar pecadores através de Jesus Cristo — “traz esses desejos em perfeita consistência e harmonia [e] também faz com que cresçam e promovam um ao outro”. Owen afirma: O desejo pela glória de Deus aumenta o desejo pela nossa própria salvação; e o desejo pela nossa própria salvação aumenta e inflama o desejo de glorificar a Deus nela. Essas coisas são trazidas em uma consistência perfeita e utilidade mútua no sangue de Cristo [...] Pois essa é a maneira que Deus, em infinita sabedoria, planejou para glorificar a Si mesmo na salvação de pecadores. Tal é a percepção espiritual que permeia a totalidade dos escritos de Owen, incluindo esta obra. Quando abençoadas pelo Espírito Santo, tais constatações não apenas instruem, mas também ajudam a cultivar em nosso coração as graças espirituais da fé, do arrependimento, da contrição, da humildade, da alegria e da paz.
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UMA NOTA SOBRE ESTA EDIÇÃO É notoriamente difícil de ler John Owen, talvez o porquê de este livro em particular não ter sido publicado separadamente no século passado. Ao editá-lo, meu objetivo foi o de preservar a estrutura e a substância do argumento de Owen à medida que os tornava mais acessíveis ao leitor atual. E isso incluiu substituir muitos termos arcaicos por palavras mais familiares. A título de exemplo, algo equivalente à palavra “anuência”, “aquiescência”, foi substituída por [um equivalente ao termo] “aceitar/aceitação”, “louvor”; “execração”, por “aversão”; “desassossego” por “aflição”, etc. Mas tornar Owen acessível também incluiu simplificar a sua sintaxe: quebrar sentenças longas e complexas em sentenças menores e mais simples; trocar verbos na voz passiva para a voz ativa; remover prolixidades; esclarecer (e, ocasionalmente, fornecer) referências às Escrituras; e arranjar estruturas de sentenças de forma a melhor facilitar o entendimento por parte do leitor. Também procurei tornar a estrutura toda da obra de Owen mais transparente ao leitor. Owen, como muitos de seus contemporâneos, poderia ser levado por pontos numéricos, subpontos, sub-subpontos e até mesmo sub-sub-subpontos. Às vezes é difícil até mesmo ao mais cuidadoso leitor saber quais pontos estão relacionados! No caso deste livro, eu não reorganizei os argumentos em si, mas tentei tornar a estrutura deles mais transparente ao leitor. Fiz isso de várias maneiras: fornecendo uma tabela de conteúdos que mostra o esboço básico do livro em suas principais di19
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visões (embora não em todas as digressões); adicionando divisões numeradas em cada um das quatro partes; suavizando e, em alguns casos, expandindo levemente as transições de Owen; e, em certas ocasiões, substituindo alguns pronomes por seus antecedentes, para tornar os pontos mais perceptíveis. Acredito que o produto final retenha tanto a substância quanto o tom do livro de Owen, tornando-os mais acessíveis aos leitores do século XXI. Minha esperança e oração são que os novos leitores descubram em Owen o mesmo alimento espiritual que eu encontrei. Brian G. Hedges
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INTRODUÇÃO
É de vital importância, tanto para a glória de Deus quanto para aqueles que creem por meio do Evangelho, obter conforto espiritual, pois Deus, desejando abundantemente que todos os herdeiros da promessa recebam firme e sólida consolação, providenciou maneiras e meios para dar-lhes tamanho conforto. A participação deles neste conforto é sua mais basilar preocupação e sua maior prioridade neste mundo. Todavia, o poder do pecado que ainda remanesce, junto de outras tentações levantam-se em oposição ao gozo eficaz e revigorante desses confortos destinados aos crentes. E assim, apesar de lhes ser por direito desfrutá-los, os crentes frequentemente sentem falta de um senso gracioso deles e, por conseguinte, do alívio que tais confortos podem proporcionar através de todos os deveres, provações e aflições. A fé verdadeira, a fé salvífica — a fé dos eleitos de Deus — é a raiz de que todos os confortos genuínos bro21
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tam. Tais confortos, portanto, são ordinariamente partilhados pelos crentes em proporção às evidências da verdadeira fé em suas vidas. Os confortos espirituais não podem ser mantidos sem tais evidências. Portanto, a fim de ajudar os crentes a estabelecer ou recuperar um senso desses confortos, pergunto: quais são as principais obras e operações da fé que manifestam sua genuinidade em meio a todas as tentações e tempestades que sobrevêm aos crentes neste mundo? Na minha resposta, persisto tão só naquelas evidências que passarão pelo mais rígido escrutínio da Escritura e da experiência. Tais evidências são: 1 – Primeira Evidência: Aceitar, Abraçar e Escolher a Maneira que Deus Providenciou para Salvar Pecadores Mediante a Obra de Cristo Somente. 2 – Segunda Evidência: Continuamente Aceitar, Abraçar e Louvar a Santidade e a Obediência que Deus Exige Conforme Reveladas nas Escrituras. 3 – Terceira Evidência: Empenhar-se Consistentemente a fim de Manter Todas as Graças sob Exercício em Todas as Ordenanças da Adoração Divina. 4 – Quarta Evidência: Conduzir a Alma a um Estado Especial de Arrependimento. 22