Oscar Niemeyer: possíveis outros olhares
Organizadores Anna Paula Canez Wilson Flório Alex Carvalho Brino
Sociedade de Educação Ritter dos Reis Porto Alegre, 2016
Reitora Laura Coradini Frantz Pró-Reitora Acadêmica Bárbara Costa Diretora de Engenharia, Arquitetura e Informática Cláudia da Silva Gonçalves Coordenadora do Curso de Arquitetura Maria Fátima Beltrão Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo Mestrado Associado UniRitter/Mackenzie Anna Paula Canez
Entidade Mantenedora Sociedade de Educação Ritter dos Reis Ltda. Praça XV de Novembro, 66 conj. 802 Fone/fax: (51) 3228.2200 CEP 90020-080 - Porto Alegre/RS
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Oscar Niemeyer: possĂveis outros olhares
Organizadores Anna Paula Canez Wilson FlĂłrio Alex Carvalho Brino
COLEÇÃO NOVOS CONHECIMENTOS Projeto Gráfico - Cláudia Silveira Rodrigues Editoração Eletrônica - Priscila Lütz Conferência Técnica - Raquel Soares da Silva Capa - Oscar Niemeyer fotografado por Hugo Segawa no Rio de Janeiro em 1987 por ocasião das comemorações do centenário de nascimento de Le Corbusier. Conselho Científico da UniRitter - Prof. Dr. Beatriz Daut Fischer (Unisinos), Prof. Dr. Bernardo Subercaseaux (Universidad de Chile), Prof. Dr. Diego Rafael Canabarro (UFRGS), Prof. Dr. Elias Torres Feijó (Universidade de Santiago de Compostela), Prof. Dr. Gilberto Ferreira da Silva (Unilasalle), Prof. Dr. Günther Richter Mros (Universidade Católica de Brasília), Prof. Dr. Jaqueline Moll (MEC), Prof. Dr. Júlio Van der Linden (UFRGS), Prof. Dr. Lucas Kerr de Oliveira (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), Prof. Dr. Marizilda Menezes (UNESP Bauru), Prof. Dr. Taisy Weber (UFRGS) Conselho Editorial - Anna Paula Canez, Cláudia de Souza Libânio, Gladimir de Campos Grigoletti, Hericka Zogbi Jorge Dias, Isabel Cristina Siqueira da Silva, Josué Emílio Möller, Júlio César Caetano da Silva, Marc Antoni Deitos, Maria Luíza de Souza Moreira, Regina da Costa da Silveira
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
O81
Oscar Niemeyer: possíveis outros olhares / Anna Paula Canez, Wilson Flório, Alex Carvalho Brino (Org.) – Porto Alegre: Sociedade de Educação Ritter dos Reis, 2016.
279 p.: il.; 23 cm. – (Coleção Novos Conhecimentos)
ISBN: 978-85-92952-00-6 1. Arquitetura. 2. Oscar Niemeyer (1907-2012). I. Anna Paula Canez. II. Wilson Flório. III. Alex Carvalho Brino. IV. Título. V. Série.
CDU 72-051 Ficha catalográfica elaborada no Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Dr. Romeu Ritter dos Reis
SUMÁRIO Prefácio................................................................................................................ 9 Ruth Verde Zein Apresentação .....................................................................................................13 PARTE I Niemeyer Internacional 1 Sede da ONU em Nova Iorque........................................................................ 19 ... Farès el-Dahdah 2 O Projeto como fronteira: historiografia, teoria e crítica – Niemeyer, olhares................................................................. 29 ... Eunice Helena Sguizzardi Abascal 3 Lucio Costa, Oscar Niemeyer e as versões do Pavilhão do Brasil na Feira de Nova Iorque................................................................... 45 Alex Carvalho Brino e Anna Paula Canez PARTE II Niemeyer em dois temas de projeto: residências e museus 4 Anos 30: três casas formadoras....................................................................... 71 Marcos Almeida 5 O programa como coadjuvante da forma nas seis fases da carreira de Oscar Niemeyer............................................................ 97 Simone Neiva PARTE III Niemeyer e o processo de projeto 6 Contribuições de Joaquim Cardozo à arquitetura de Oscar Niemeyer.............. 135 Danilo Matoso Macedo e Elcio Gomes da Silva
7 Geometria, desenho e criatividade na arquitetura de Oscar Niemeyer....................................................................................... 155 Wilson Flório 8 Pós-Pampulha (1940-1955): da linguagem do arquiteto à linguagem da arquitetura brasileira......................................................... 199 Marco do Valle
Sobre os autores........................................................................................ 275
Será mais e nunca será do mesmo “Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra. – Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? —pergunta Kublai Khan. – A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra —responde Marco—, mas pela curva do arco que estas formam. Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta: – Por que falar em pedras? Só o arco me interessa. Polo responde: – Sem pedras, o arco não existe.” [Italo Calvino, “Cidades Invisíveis”]. A obra de arte vai além do criador: permanece e dura. E apesar do autor eventualmente se ausentar, porque assim é a vida, suas obras não cessam de existir ativamente: de criarem e de se recriarem. Sua estabilidade é aparente, sua imobilidade, ilusória: a cada geração que se sucede haverá revisões, estabelecer-se-ão novas leituras, abrir-se-ão outras possibilidades de compreensão, redescobrir-se-ão documentos perdidos ou esquecidos que permitirão estabelecer ou amplificar variadas interpretações. A voz do autor um dia se cala, embora demore-se ainda em escritos e depoimentos verbais. A essa voz, paulatinamente, somam-se outras, suaves ou ressonantes, afinadas ou em tons dissonantes. De pouco em pouco, acumulam-se, sobre cada obra, sucessivas camadas de comentários, glosas e significados. Com o tempo, as obras primas e as interpretações seminais serão reconhecidas e permanecerão; outras serão paulatinamente esquecidas; outras cobrarão, cedo ou tarde, uma sobrevida, configurando felizes redescobertas de antigos edifícios e de velhos textos. E o tempo, esse devorador de seus filhos, dará sempre a sua última palavra. Não é necessário esperar os séculos para afirmar a excelência excepcional da obra do arquiteto Oscar Niemeyer. Essa já tem lugar próprio na história, e esse fato confirmado já independe da opinião e do julgamento dos pares, dos demais contemporâneos e, nesse caso, até mesmo das gerações futuras. Frente a uma obra assim, só nos resta aprender com ela. E uma boa maneira de fazê-lo, de seguir valorizando-a, de continuar prestigiando-a, é também promover seu continuo (re) conhecimento. Este livro inscreve-se nesse esforço, contribui para o conjunto de estudos dos que, assim como nós, modestamente buscamos estudar a obra de Niemeyer. Tarefa certamente inesgotável, qual uma construção paulatina de pirâmides a partir de singelas pedras, que laboriosamente se agregam. Se cada uma dessas pedras, ou textos, é quase nada, seu conjunto as valoriza e supera, e ao crescer, vai aos poucos tornando-se capaz de suportar imensas cargas.
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Neste livro, variados aportes combinam-se nessa tarefa de Sísifo de subir pedras em uma montanha do saber, cujo cume nunca será possível atingir de maneira definitiva. As aproximações à obra de Niemeyer aqui expostas por vários colaboradores, todos eles estudiosos interessados sobre a arquitetura moderna e contemporânea brasileira, percorrem diferentes caminhos, almejam distintas metas, nascem de variadas abordagens. Trabalham temas que vão da estrutura à forma, do discurso à historiografia, da leitura elaborada e precisa de alguns casos à vontade de estabelecer marcos setoriais mais abrangentes. É lugar comum dizer que a época das grandes narrativas se encerrou, ou ao menos, é pouco compatível com os tempos pluralistas, tolerantes e difusos que caracterizam – ou deveriam caracterizar, na melhor das hipóteses – este novo século 21 globalizante e mundialmente integrado. Também aqui neste livro são as narrativas pontuais as que predominam, como talvez não pudesse deixar de ser, e como talvez seja mesmo o melhor a fazer, nas circunstâncias. Nesse coral, cada voz arma seu canto, e o conjunto não pretende soar em uníssono, mas ensaiar a orquestra. Esse parece ter sido o esforço proposto por este livro: abrir possíveis outros olhares e contribuir, pontualmente, para o reconhecimento da imensa, variada, polêmica e entusiasmante obra projetada pelo mestre arquiteto Niemeyer. Cada um de seus textos será fundamental por lhe caber, como a qualquer humilde tijolo ou pedra, seu papel modesto, mas relevante, na gloriosa construção de um arco do saber. Ruth Verde Zein Bogotá, maio 2014.
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Apresentação A trajetória profissional do arquiteto Oscar Niemeyer é, ao mesmo tempo, fascinante e controversa. É fascinante sua incessante busca do belo. Já na década de 1950 as arguições públicas efetuadas pelos críticos internacionais não suportavam a liberdade criadora de Niemeyer. Mesmo diante de severas acusações, Niemeyer se manteve firme e se propôs a lançar novas concepções de espaço, de modo cada vez mais livre e ousado. Acusado de ser antirracional e formalista, não recuou, e recusou-se a praticar uma arquitetura que ele mesmo denominou de “rígida e fria”, que se reduzisse a atender unicamente à função. Esta foi uma das grandes razões de seu prestígio na segunda metade do século XX. Oscilando entre curvas livres e formas compactas e geométricas, o arquiteto concebeu um repertório próprio, com uma poética que o fez ser reconhecido também como um grande “artista” de formas esculturais. O próprio Niemeyer afirmou que este livre-arbítrio, oposto à “arquitetura racionalista feita de régua e esquadro”, já se manifestava fortemente nos estudos da Pampulha. Esta busca contínua do belo e da liberdade plástica, não subalterna ao funcionalismo, o fez desafiar os cânones e o dogmatismo que se fortalecia na arquitetura moderna após a II Guerra Mundial. As pesquisas rea-
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lizadas pelos autores deste livro apontam claramente a singularidade presente na obra de Oscar Niemeyer, uma obra plena de beleza e de ambiguidade. É controversa porque não se atinha às convenções e rotinas, particularmente àquilo que o historiador Eric Hobsbawn muito bem definiu como “tradição inventada”. Ou seja, o arquiteto não aceitou a prática tácita vigente, que visava à manutenção de certos valores e normas de comportamento através da repetição. Seja por formas consideradas extravagantes ou expressivas, a proposta de Niemeyer era inventar uma arquitetura própria, não ortodoxa, que desafiasse os preceitos modernos do racionalismo europeu que predominava naquela época, particularmente o tão louvado ângulo reto. Assim, ele evocou o espírito criativo dos artistas, e com eles incorporou a invenção e a arte total em sua arquitetura. Mais interessante, do nosso ponto de vista, é a percepção de que Niemeyer não deixou que os seus contemporâneos mais ortodoxos pautassem sua arquitetura, procurando assim estabelecer-se como protagonista da arquitetura moderna brasileira. Nos textos de diferentes autores deste livro, percebe-se que tanto projetos para os edifícios públicos como para os privados, há uma clara intenção de desafiar, e também de se contrapor àquilo que outros arquitetos renomados faziam a cada fase de sua carreira. Buscou sua própria interpretação para a “caixa de vidro” miesiana, do uso do concreto armado aparente corbusiano, ao apelo do monumental e das grandes estruturas de outros tantos arquitetos. Se Lucio Costa foi aquele que primeiro conseguiu conceituar e conciliar a arquitetura moderna internacional com a arquitetura tradicional luso-brasileira, foi Niemeyer que melhor soube romper com as tradições, se desvencilhando das limitações impostas pela ideologia inerente ao movimento moderno. Desde questões, com a produção seriada até a ênfase dada ao binômio forma-função, o arquiteto brasileiro foi um intérprete nos trópicos da “destruição criativa” de valores tradicionais trazidos pela internacionalização do movimento moderno. Desde cedo Niemeyer percebeu outras possibilidades para o uso do concreto armado, e se propôs, como poucos, a explorá-lo até as últimas consequências. Por estes motivos, as pesquisas presentes neste livro apontam, tanto nos projetos residenciais como nos culturais e institucionais, rupturas com os valores tradicionais presentes na prática dominante e em vários períodos ao longo de sua extensa carreira.
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Enquanto alguns arquitetos brasileiros, contemporâneos a ele, procuravam fortalecer uma linha “evolutiva” para a arquitetura produzida no Brasil, Niemeyer questionava este pensamento, e se contrapôs à manutenção de certos hábitos e valores culturais tradicionais. Apesar disso, o arquiteto reconheceu elementos fortemente presentes em nossa arquitetura, como a varanda, e a necessidade de grandes áreas sombreadas, especialmente em seus projetos residenciais. Um dos problemas enfrentados pelo arquiteto foi o de criar grandes espaços para manifestações culturais e cívicas. É visível como o arquiteto lutou em defesa de grandes espaços públicos, que contribuíssem para o fortalecimento dos valores democráticos. Embora criticado pelas praças “secas”, o arquiteto propôs espaços de encontro para grandes concentrações de pessoas. Por outro lado, a mesma transparência presente nos palácios governamentais e instituições públicas representavam a transparência das ações públicas exigida pela sociedade democrática. Como os grandes arquitetos do século XX, Niemeyer criou, com originalidade, grandes partidos arquitetônicos. Lúcio Costa defendeu o individualismo da criação artística de Niemeyer, pois o reconhecia como um “gênio”, a quem cabe orientar a arquitetura quando os rumos ainda não foram traçados. Pode-se afirmar que a beleza, como uma necessidade e como utilidade, ou, ainda, a beleza perene, é, de fato, um traço característico fortemente presente na obra de Niemeyer. Portanto, para o arquiteto, essa vontade artística (na acepção de Alois Riegl, definida no século XIX como Kunstwollen) era um dos traços expressivos a ser alcançado pela arquitetura. O mundo, entretanto, mudou muito durante a carreira do arquiteto. Após o sucesso inicial em Pampulha nos anos 40, e a repercussão de Brasília nos anos 60, Niemeyer aventurou-se ainda mais em caminhos pouco trilhados. A apologia da estrutura se fez presente, sobretudo em sua carreira internacional a partir dos anos 70. Com a parceria de grandes engenheiros, foram concebidas estruturas cada vez mais robustas e ousadas. Como era de se esperar, mais uma vez a obra de Niemeyer causou espanto, admiração e severas apreciações. Além das críticas sobre a busca exagerada da beleza em detrimento da coerência estrutural e da “verdade dos materiais”, e a apologia da estrutura, está também a falta de articulação entre seus novos projetos e
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o tecido urbano antigo existente. Não obstante, diante de sua vasta obra, pode-se afirmar que ele foi um dos arquitetos mais propositivos e importantes no século XX. Como outros arquitetos modernos que, como ele, propuseram uma arquitetura de formas e espaços mais arrojados e complexos, Niemeyer desafiou os limites da técnica e, reconhecidamente, inspirou uma parcela da arquitetura contemporânea praticada a partir da década de 90. As homenagens recebidas em seus últimos anos de vida reconhecem o fato que ele contribuiu para renovar e revigorar a arquitetura moderna. As recentes publicações sobre a obra do arquiteto Oscar Niemeyer se debruçam para questões abrangentes, mas não contemplam a análise de projetos específicos nem tampouco temas particulares. A presente obra dá visibilidade a investigações realizadas por professores e pesquisadores sobre temas que variam desde residências e pavilhões até museus inseridos em contextos urbanos. Alguns textos selecionados são de autores consagrados, outros são de jovens pesquisadores, cujos mestrados e doutorados contribuíram para formação de novos conhecimentos sobre a vasta obra do arquiteto. De modo inédito, estes autores aqui reunidos complementam-se entre si, pois esmiúçam diferentes e importantes facetas inerentes ao processo de projeto. Procurou-se reunir abordagens que investigassem conceitos e características marcantes no processo de projeto do arquiteto, que vão desde o desenho e a geometria até os fatores que conduziram o arquiteto a constituir um repertório de proposições formais e espaciais que caracterizam a singularidade de sua linguagem. Os textos aqui reunidos contemplam conceitos importantes como o de invenção, de liberdade criadora, de beleza, formas livres e ênfase da estrutura. Os capítulos são organizados de modo a explicitar questões centrais aos projetos de arquitetura, tais como as condicionantes (programa de necessidades, cliente, topografia, clima, etc.), a implantação em sítios urbanos, a definição do partido, a criatividade na definição das formas e das relações espaciais e a íntima relação entre os edifícios e a cidade contemporânea. De igual importância, são tratadas questões funcionais, estéticas e técnicas-construtivas, aspectos inerentes à boa arquitetura. Por conseguinte, procurou-se estabelecer conexões entre os ca-
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pítulos de modo a mostrar a amplitude da obra do arquiteto e do urbanista, que vai da casa à cidade. É importante destacar que a reflexão realizada pelos diferentes autores deste livro foi pautada pelo rigor científico e por critérios claros e objetivos, e foram organizadas numa sequência que permitisse a compreensão de aspectos e procedimentos implícitos no ato de projetar, ainda pouco explorados sobre a vasta obra do arquiteto. Portanto, a sequência dos capítulos permite identificar características de sua prática projetual, particularmente como o arquiteto tratou desde questões técnicas como estéticas em seus projetos. Desse processo resulta a formação de uma linguagem particular, reveladora da singularidade e dos traços característicos de sua obra, que permitem diferenciá-lo de seus contemporâneos. O livro não é pretensioso, e dirige-se a um amplo público, desde estudantes e apreciadores da arquitetura até arquitetos que atuam na profissão. Portanto, não se trata de um livro historiográfico; ao contrário, esta publicação debruça-se na reflexão sobre o próprio ato de pensar e de fazer arquitetura.
Organizadores Porto Alegre, fevereiro de 2015
Capítulo 1 Sede da ONU em Nova Iorque 1 Farès El-Dahdah
Farès el-Dahdah
Provavelmente em abril de 1947, Oscar Niemeyer escreveu uma carta entusiasmada ao seu mentor, Lucio Costa, na qual ele comentava sobre a experiência que estava vivendo em Nova York como membro do Conselho de Design, formado para projetar a sede das Nações Unidas². Niemeyer informou Costa que desde a sua chegada, um mês antes, ele estava se abstendo, a pedido de Le Corbusier, de apresentar quaisquer de seus desenhos. O arquiteto franco-suíço temia que seu próprio projeto, que havia começado a ser planejado muito antes da formação do Conselho de Design, estava sendo mal compreendido e de que mais outro projeto da mesma vertente ideológica viesse a acrescentar elementos à confusão³. Enquanto isso, Wallace K. Harrison, que liderou o Conselho de Design e que solicitou que cada membro propusesse um projeto, insistia que Niemeyer fizesse o mesmo, pois “havia sido convidado
Uma versão deste texto foi publicada anteriormente em Oscar 102/Brasília 50: Eight Cases in Brazil’s Architectural Modernity. A@R 46. Houston: RSA, 2010. 2 Oscar Niemeyer, Carta a Lucio Costa, cópia sem data (arquivos da Fundação Oscar Niemeyer). O original da carta, descoberta por José Pessôa, encontra-se na pasta “Lucio Costa,” IPHAN, Rio de Janeiro 3 Oscar Niemeyer, “O projeto das Nações Unidas,” Módulo, #96 (1987): 28. 1
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para participar como membro pleno da equipe.”4 Porém, Niemeyer relata na carta, que continuou a manter a recusa, pois “não queria fazer nada que pudesse contrariar ou prejudicar Corbusier.”5 Como o Secretário do Conselho de Design, George Dudley, sugere, Niemeyer “se sentia mais livre para expressar sua opinião” quando Le Corbusier estava ausente.6 Apesar de continuar não querendo propor um projeto de sua
Figura 1: a - Esquema 23 de Le Corbusier, desenhado por Oscar Niemeyer (1948), b – esquema 32 de Oscar Niemeyer, desenhado pelo próprio Niemeyer.
Figura 2: a - Esquema 23 de Le Corbusier (1948), b - esquema 32 de Oscar Niemeyer, as duas figuras foram ilustradas por Hugh Ferriss.
Figura 3: a - Esquema 23 de Le Corbusier (1948), b - esquema 32 de Oscar Niemeyer, as duas figuras foram desenhadas por Rosalyn Lu. George A. Dudley, A Workshop for Peace (Cambridge: MIT Press, 1994), p. 137. Oscar Niemeyer, Carta a Lucio Costa, sem data (Arquivos da Fundação Oscar Niemeyer). 6 Dudley, A Workshop for Peace, p. 152. 4 5
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própria autoria, a primeira contribuição real de Niemeyer ocorreu no projeto número 17, no qual foi inicialmente apresentada a ideia de uma plataforma única que deveria ser compartilhada por todos os edifícios. Isso significava abandonar a ideia do extenso terraço acima do edifício da Assembleia Geral, um elemento importante no projeto de Le Corbusier que até então não estava numerado, (posteriormente de número 23). Outros membros do conselho, Sven Markelius e Ernest Weissman, apresentaram a versão deles apesar de terem chegado depois de Niemeyer. Isso o deixou, conforme relatado à Costa, “numa situação falsa, onde só falava – nada produzindo.”7 “A confusão foi tal, continuou Niemeyer, que o próprio Corbusier aconselhou-me a fazer uma sugestão” que levou menos de uma semana para se transformar em um projeto, cujo número recebido foi o 328. Ao ver o projeto, relata a carta, Le Corbusier “ficou até um pouco surpreso” e pediu para Niemeyer “declarar que é preciso uma solução final e que os únicos projetos que são realmente coisa de arquitetura – são os nossos.”9 Le Corbusier obviamente estava ficando impaciente com a grande quantidade de projetos sendo propostos e começou a pressionar o Conselho para, como ele dizia, “se concentrar em alguns, não em trinta projetos.”10 Niemeyer termina a carta com um pedido de perdão pela falta de modéstia (devida ao fato de ele estar “satisfeito com o trabalho”) e com dois pequenos croquis mostrando seu projeto ao lado do de Le Corbusier.11 Em 25 de abril, Niemeyer apresenta o seu projeto de número 32, que consistia em perspectivas elaboradas por Hugh Ferriss, uma maquete e oito pranchas. Um pequeno texto, na oitava prancha, não somente explicava o projeto, mas, surpreendentemente, também chamava a atenção de seus colegas “para as vantagens oferecidas pelo projeto número 23, tanto no âmbito funcional, quanto no estético.”12 O projeto de número 23 foi proposto por Le Corbusier, pois a combinação entre beleza e função era precisamente o que ele tentava promover sem sucesso. Porém, a combinação foi valorizada no projeto de Niemeyer ou, como Dudley mais tarde observou, “a comparação entre o volume pesado de Niemeyer, oscar. carta a lucio costa, sem data. ibid. 9 ibid. 10 Dudley, a workshop for peace, p. 240. 11 Niemeyer, oscar. carta a lucio costa, sem data. 12 Oscar Niemeier. Resumo apresentado para a sede da ONU, Projeto nº 32, Croqui nº 8 (Arquivos da Fundação Oscar Niemeyer). 7 8
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Le Corbusier e a composição surpreende e elegantemente articulada de Niemeyer foi feita, a meu ver, por todos os presentes.”13 Le Corbusier não poderia ter ficado satisfeito com a recepção positiva dada a Niemeyer. Há relatos de que ele tenha se referido ao arquiteto brasileiro como sendo “apenas um jovem” cujo projeto “não era o de um arquiteto maduro.”14 Mais esclarecedor ainda é um croquis que Le Corbusier fez na mesma época, em seu carnet de poche, comparando os dois projetos, um mostrando o corpo de uma mulher reclinada, marcado com o número 23 e rotulado “hierarquia arquitetônica = belo” e o outro, mostrando partes de um corpo feminino desmembrado, marcado com o número 32 e rotulado “espaço arquitetônico = medíocre”.15 Le Corbusier, cujo objetivo desde o início tinha sido o de convencer o Conselho a desenvolver o projeto que ele já havia sugerido durante a fase da escolha do local, de repente foi confrontado com um projeto que tinha as qualidades que ele prezava, mas que não era o dele. Em um esforço de resgatar o seu próprio projeto, Le Corbusier tentou criar empecilhos na reunião seguinte e, entre outras declarações feitas, argumentou que Niemeyer “sem saber” produziu uma variação do projeto 23, cuja virtude era de permitir alterações enquanto mantinha os “conceitos básicos.”16 No dia 1º de maio, Harrison achou necessário decidir sobre como proceder, porém insistindo em que se chegasse a um consenso. Ele também sugeriu ao Conselho “que o único projeto satisfatório seria aquele elaborado e desenhado por Niemeyer, semelhante à ideia de Le Corbusier.”17 Na tentativa de achar um meio termo, Harrison comparou o projeto de Niemeyer aos croquis feitos por Le Corbusier, meses antes, que ilustravam o prédio isolado do Secretariado-Geral. Na ausência de qualquer objeção, a decisão unanime foi tomada, a de dar o “sinal verde” ao projeto número 32 do Niemeyer.18 Dias depois, uma nova proposta modificava o projeto de Niemeyer e trazia de volta o edifício da Assembleia-Geral à sua localização central, como originalmente sugerido no projeto 23 de Le Corbusier. A nova proposta veio DUDLEY, A workshop for peace, p. 236. Ibid., p. 240. Reproduzido em DUDLEY, A workshop for peace, p. 266-267. 16 Le Corbusier, citado em DUDLEY, A workshop for peace, p. 242. 17 Wallace Harrison, citado em Dudley, A Workshop for Peace, p. 403. 18 Ibid., p. 252. 13 14 15
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Figura 4: Colagem da mistura dos dois esquemas 23 e 32.
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a ser chamada de projeto 23/32 do qual todas as soluções subsequentes se derivaram, inclusive a versão que foi eventualmente construída. Em uma carta a Dudley, redigida décadas mais tarde, Niemeyer explica o esquema híbrido como consequência de um pedido feito por Le Corbusier, que por “constrangimento” ele foi incapaz de recusar.19 Niemeyer explica sua decisão como tendo ocorrido no dia após a reunião, quando todos os membros do Conselho aprovaram por unanimidade o seu projeto 32. Le Corbusier foi vê-lo e o convenceu de alterar a localização da Assembleia-Geral para a parte central do terreno: “hierarquicamente, é o elemento principal do complexo. Seu lugar, portanto, está no centro de tudo.”20 Apesar de discordar da alteração, que dividiria o terreno em dois e diminuiria o seu caráter monumental, Niemeyer consentiu, mesmo que isso significasse, como ele contou, decepcionar a Harrison com “uma atitude um tanto contraditória por primeiramente aceitar a escolha do meu projeto para logo depois se recusar a desenvolvê-lo por consideração a Le Corbusier.”21
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Oscar Niemeyer, Carta a George Dudley, 26 de dezembro de 1991 (Arquivos da Fundação Oscar Niemeyer). Le Corbusier, citado em Niemeyer, “O projeto das Nações Unidas,” p. 29 Niemeyer, “O projeto das Nações Unidas,” p. 29.
Farès el-Dahdah
Figura 5: Esquema 23/32, ilustrado por Hugh Ferriss.
Figura 6: Versão final, desenhado por Rosalyn Lu.
Referências Dahdah, Fàres el-. Oscar 102/Brasília 50: Eight Cases in Brazil’s Architectural Modernity. Houston: A@R 46, RSA, 2010. DUDLEY, George A. A workshop for peace. Cambridge: MIT Press, 1994. NIEMEYER, Oscar. O projeto das Nações Unidas, Módulo, #96 (1987): 28. NIEMEYER, Oscar. Carta a Lucio Costa, sem data (arquivos da casa de Lucio Costa).
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NIEMEYER, Oscar. Resumo apresentado para a sede da ONU, Projeto nº 32, Croqui nº 8 (arquivos da Fundação Oscar Niemeyer). NIEMEYER, Oscar. Carta a George Dudley, 26 de dezembro de 1991 (Arquivos da Fundação Oscar Niemeyer).
Fonte das imagens Figura 1: Fundação Oscar Niemeyer Figura 2: Avery Architectural & Fine Arts Library, Columbia University, publicados em George Dudley, A workshop for peace. Cambridge: MIT Press, 1994 Figura 3: Farès el-Dahdah, Oscar 102/Brasília 50: Eight Cases in Brazil’s Architectural Modernity. A@R 46. Houston: RSA, 2010 Figura 4: Fundação Oscar Niemeyer
Figura 5: Avery Architectural & Fine Arts Library, Columbia University, publicados em George Dudley, A workshop for peace. Cambridge: MIT Press, 1994. Figura 6: Farès el-Dahdah, Oscar 102/Brasília 50: Eight Cases in Brazil’s Architectural Modernity. A@R 46. Houston: RSA, 2010
Capítulo 2 O Projeto como Fronteira: Historiografia, Teoria e Crítica – Niemeyer, Olhares Eunice Helena Sguizzardi Abascal
Eunice Helena Sguizzardi Abascal
A arquitetura é o que se pode dizer dela. Discurso, linguagem, categorias analíticas, são a matéria do conhecimento, e por essa razão fazem parte do conhecimento arquitetônico. O que é, e aos olhos de quem, a arquitetura latino-americana? Que contribuição têm a crítica e a historiografia para a caracterização da arquitetura no Brasil e que contributo podem a historiografia e a teoria dar ao entendimento da obra de um arquiteto como Oscar Niemeyer (1907-2012) Não bastariam os projetos e as obras do mestre como forma de desvelar a arquitetura brasileira, cabendo aos críticos o silêncio de quem não projeta e apenas diz? Essas perguntas somente têm respostas se houver um corpo teórico consistente, capaz de definir as relações possíveis entre o projeto como linguagem e o discurso tecido a respeito da arquitetura, que, mais do que metalinguagem justaposta à arquitetura, é a matéria mesma da crítica – não há crítica fora da teia discursiva a enunciar juízos, valorativos e completamente comprometidos. A problemática da crítica, do discurso que afronta a obra e a penetra, a fim de separar o que está unido e compreendê-lo analiticamente, se refere, conforme disse Montaner (2011), à geografia da democracia: nos países em que há liberdade de expressão, claro está que há críticos mais veementes, e se depende então da possibilidade de construir discursos de valor. Se a história é a pesquisa documental que se propõe a resgatar o processo e
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interpretá-lo, e se a crítica desvela o projeto e a obra de arquitetura naquilo que representam no contexto e no momento contemporâneo, a teoria é o conjunto dos princípios, das características explicativas das condições mesmas da arquitetura, do espaço e de suas relações, seu significado e destino. Afrontar a crítica de arquitetura na América Latina e, em especial, centrando a atenção na obra de um arquiteto como Niemeyer, é tarefa no mínimo de grande responsabilidade: a arquitetura é a transmissão de conhecimento, difusão e sistema de pensamento (MONTANER, 2011). No que diz respeito a isso, o pensamento e as suas formas de expressão são transmitidos por posições teóricas que lançam mão de muitos meios de comunicação e de disseminação. A teoria da arquitetura na América Latina pode ser difundida através de importantes referências, para o que a contribuição da crítica é indelével – e, aqui, a posição historiográfica é uma ferramenta indispensável, no entanto, plena de relativismo. Se Edmund O’Gorman (1992) interpreta a cultura artística e arquitetônica americana como fruto de uma expressão na terra do outro, de um continente que tenta reproduzir o mundo eurocêntrico por aqui, Roberto Fernández define o nosso continente como possibilidade de uma modernidade “ecumênica”, que necessariamente mescla a cultura autóctone às utopias nascidas na Europa, resultando em uma modernidade originalmente latino-americana. Não se poderia esquecer, entretanto, das peculiaridades da tradição do espaço urbano na América, a quadrícula da cidade hispano-americana, a rua, o claustro, a galeria, o pátio e o mercado, o contato próximo da arquitetura moderna e a tradição, conformando um realismo presente na obra de muitos arquitetos, um respeito ao hibridismo, entre tipologias e soluções historicamente consagradas e a modernidade. Realismo e humanismo, em sociedades profundamente marcadas pelas desigualdades, mescla étnica, sensibilidade em relação a carências e dificuldades, categorias de pensamento que afrontam diretamente aquelas criadas em meio à emergência e difusão do ideário moderno no Brasil e na América Latina. Richard Morse (2000) ensinou que o mal latino-americano, do ponto de vista da crítica social e histórica, sempre fora tomar os prósperos Estados Unidos como referência e buscar o desenvolvimento à imagem e semelhança desse país e da sua “forma civilizatória”. Para Morse, dever-se-ia inverter o método e
Eunice Helena Sguizzardi Abascal
abordar a América como fonte de desenvolvimento diverso, cuja peculiaridade era preciso conhecer. Essa inversão é capaz de iluminar a obra de Oscar Niemeyer, reconhecendo nela o ímpeto da criação de uma modernidade afeita à escala e ao ambiente natural brasileiro, uma sensibilidade que entendeu a contribuição decisiva da paisagem para a implantação das cidades latino-americanas, traduzida na relação precisa de arquitetura e paisagem. Relação que em nenhum momento significou submissão ou mera integração, explorando a tensão produtiva (e híbrida) entre abstração geométrica, espaço fluido e paisagem, matéria bruta e leveza, espaço ideal e movimento corpóreo, que inclui pensar no “passeio” que o corpo realiza na fruição da arquitetura. Racionalista e barroca (BRUAND, 2008), explorando o espaço abstrato e ao mesmo tempo humano e tenso, a obra de Niemeyer se revela no discurso crítico, fundamentado na história. Essa interação põe acento em sistemas teóricos capazes de explicitar o processo de projeto e o resultado da obra no mundo, e depende de categorias teóricas: a “[...] más alta elaboración conceptual [...] y no se puede hacer sin conocimiento de la historia, y ni se puede sustentar si no se pone a prueba con la crítica”. (MONTANER, 2011, p. 19). Se a perspectiva crítica inverte a hegemonia eurocêntrica e consegue enunciar as relações universais e particulares da arquitetura de Niemeyer como parte desse estado da arte da produção cultural e artística latino-americana, é possível concluir que a arquitetura moderna brasileira não é resultado mecanicista da transposição do ideário moderno de origem europeia, sequer se pode conceituá-la como prática de influência, argumentando-se contra a univocidade da linguagem arquitetônica. A base historiográfica construída a partir da obra de Niemeyer lança luz a essa produção e trajetória de um dos mais significativos arquitetos do século XX, mas também possibilita pensar a arquitetura em seu mais alto grau de abstração conceitual. Juízos de valor que constroem a perspectiva crítica são também produzidos historicamente e requerem instrumental teórico para que possam deixar a condição nebulosa da crença para constituir um corpo teórico consistente. Este capítulo procura discorrer sobre a condição espaço-temporal da arquitetura, considerando que essa perspectiva amplia a consciência teórica, ao considerar o projeto e a obra arquitetônicos a matéria do pensar crítico: amplia
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a compreensão da arquitetura ao se cruzar perspectivas, olhares e instrumentos com o objeto-alvo, a obra de Niemeyer. Para isso, recorre-se a definições e princípios teóricos e conceituais a partir das considerações, sobretudo de Marina Waisman e de algumas vozes seletas, escolhidas entre muitos possíveis interlocutores: Josep María Montaner, Ruth Verde Zein e Roberto Segre. É desse encontro polifônico, porém recortado, que tais posições críticas propiciam, que se argumenta a fim de alcançar um entendimento, que é também um outro, da obra niemeyeriana. As ponderações sobre alguns projetos e obras do arquiteto se concentram em alguns exemplos, realizados nas décadas de 30, 40 e 50 do século XX.
Historiografia e história, a obra arquitetônica como documento fundamental Marina Waisman 1 (2013) aporta uma reflexão essencial sobre a natureza da história e da historiografia, elucidando o papel desta como construção, e visão, necessariamente afeita aos instrumentos analíticos do historiador. É importante frisar a unidade entre história e crítica, que se consolida com Croce e Lionello Venturi2 , da mesma forma que não parece plausível estabelecer uma agenda crítica sem princípios – sem teoria, o que enuncia a dependência entre história, teoria e crítica. Se a teoria é um corpo de princípios que permite elaborar um sistema de pensamento3, a história descreve, de maneira igualmente crítica, a sucessão de eventos significativos. Waisman (2013) propõe ação que não dissocia crítica e história, incluindo pesquisa, compreensão, valoração e interpretação de objetos reais e práticos, consistindo na produção da arquitetura. Quer dizer que a partir de conceitos e categorias de pensamento, essa valoração é então realizada pelo historiador-crítico, e a obra, do ponto de vista do enunciado historiográfico, adquire densidades e olhares distintos, vivendo a partir da perspectiva que lhe é atribuída. Quando se diz vivendo, se quer dizer existindo no mundo do conhecimen1
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Marina Waisman (1920-1997) foi uma arquiteta argentina e pesquisadora. Pertenceu à primeira geração de críticos latino-americanos de arquitetura, filiada à linha de teóricos da Escola de Córdoba. Formada em 1945, na Universidade Nacional de Córdoba, lecionou nessa instituição de 1948 a 1971. Em 1975, criou o Instituto de Historia y Preservación del Patrimonio, hoje Instituto Marina Waisman. Ibid. 2013 op. cit.
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to, o que possibilita a rede textual necessária ao entendimento, não meramente dogmático ou normativo, mas capaz de lançar luz à arquitetura, desvelá-la, tornando-a parte do sistema de representações do mundo. E o que tem existência para a consciência, individual ou coletiva, torna-se referência. O sentido histórico passa, então, necessariamente pela crítica e relativização de múltiplas visões, identificando-as como ideologias e recortes, contra toda e qualquer essência. Duvida-se, ainda, das periodizações estilísticas na origem do método historiográfico, identificando continuidades e rupturas, eventos pontuais até processos de lento e, muitas vezes, imperceptível andamento. Marina Waisman procura instrumentos adequados e mecanismos historiográficos aptos à compreensão da arquitetura produzida na América Latina, duvidando de todos os instrumentos produzidos em outros continentes, sob a esperança de se livrar de amarras e modelos impostos. No entanto, pondera, partindo de Zevi, que a especificidade da historiografia arquitetônica é a relação entre croquis, projeto e execução, conferindo grande valor à mediação do projeto como linguagem própria da arquitetura. O projeto, diz a autora, é o destinatário das ideias arquitetônicas de um criador, sendo toda a série de croquis, esboços, apontamentos parciais, maquetes e outros meios de representação a forma de fixar as ideias para elaboração e ajuste, traduzindo para o sistema de notação e convenções. O projeto contém os significados elaborados no processo de concepção e, como tal, é a representação da totalidade destes, proposta sobre modos de vida e entendimento do espaço, em determinado momento da história – o que faz notar que existe uma gama de projetos como forma de reflexão espacial que não passaram jamais à condição de obra. Em sua natureza, tais especulações espaciais são de grande valia, fazendo do projeto uma elaboração processual, que intermedeia espaço e tempo (ABASCAL; BILBAO, 2012). O advento fundamental do pensamento de Waisman é o reconhecimento de que a ciência da história, a historiografia, não é um reflexo mecanicista do que aconteceu. Claro é que a consciência não se pode relacionar ao seu objeto, de forma a conter a totalidade de “fatos” ou eventos. Toda interpretação é seleção e articulação de juízos com objetivos claros, não meramente reproduzindo acontecimentos. O exercício de juízo crítico do historiador, para iluminar o objeto, é escolha de instrumentos, categorias e métodos analíticos, sendo esse
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enfoque dependente do momento histórico em que se encontra o historiador. O discurso histórico é elaborado com interesses e instrumentos que provêm do sistema de representação de quem fala, imerso no momento da enunciação. Se o projeto é também uma linguagem que medeia a seleção de determinantes históricos, estes não são incorporados de forma linear e mecânica à projetação, mas passam necessariamente pelo filtro da interpretação. Em muitos momentos e circunstâncias históricas, o registro e a organização sistemática de um quadro de obras referenciais de arquitetura é tarefa da mais alta importância, mesmo que a compilação permaneça à espera de elaboração de parâmetros capazes de atribuir aos objetos e às séries deles visão e significado. Em certas etapas de pesquisa de obras arquitetônicas, é preciso suspender o juízo de valor e, no caso da arquitetura latino-americana, não é diferente. No entanto, é preciso argumentar que sequer a compilação é isenta, pois a organização de séries obedece a critérios que podem-se tornar reveladores de princípios e características que possibilitam avançar tanto histórica como teórica e criticamente. O conhecimento histórico não consiste em compilação de objetos isolados, mas na construção de séries relacionadas por princípios. Séries são conjuntos coesos por comportar categorias homogeneizantes, enunciadas por um observador que é parte de uma época, de uma escala de valores relativa a um grupo e a uma cultura. A sucessão linear do tempo é uma ilusão que tece o fio da possível coesão dos fatos. Assim, em uma série ou sequência de arquiteturas relacionadas por alguma qualidade, há descontinuidades, avanços e retrocessos – como na arquitetura protomoderna (BANHAM, 2003), em que a persistência de elementos compositivos clássicos foi acompanhada por transformações funcionais e estruturais. Se a continuidade faz pensar em persistência, a descontinuidade leva à ideia de pluralidade: a arquitetura deixa o domínio do que é similar para explicar-se pelo singular e descontínuo. As explicações possivelmente mais instigantes de arquitetura latino-americana talvez se pautem pela categoria de descontinuidade, de emergência do desvio de padrão. Para Niemeyer, a categoria de pensamento da arquitetura como invenção, singularidade e busca de uma linguagem criadora capaz de aportar a diferença vem ao encontro do entendimento de que o projeto, o desenho, é instrumento para captar esse processo. A arquitetura, do ponto de vista niemeyeriano, é descontinuidade, por definição.
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Segundo Waisman (2013), o projeto arquitetônico está carregado de elementos significativos e intenções mais ou menos explícitas, de maneira que o processo projetual abrange denotação e conotação. Implica representação das funções práticas como simbólicas, decisões frente o entorno, técnica, relação com a tradição e o novo, definindo o significado arquitetural como culturalmente determinado. Waisman caracteriza o tempo presente como abertura de caminho à complexidade, e não como confusão, mas reconhecimento de uma qualidade própria à realidade, como interdependência das partes, aparentemente autônomas (1998). Coexistência de tempos diversos no espaço, esse seria um novo modo da ordem mesma das coisas, um pluralismo compreendido como inclusão, expandindo o entendimento do significado como texto holístico, produtor de um sentido presente nesse tipo de situação complexa, intervindo nas leis do caos. Avant la lettre, Niemeyer valorizou o ímpeto criador na arquitetura, à procura de uma linguagem em construção contínua. Oscar Niemeyer, bastante conhecido pela obra arquitetônica, também produziu reflexão crítica com o objetivo principal de justificar sua própria produção (MONTANER, 2011). Entretanto, seus escritos sempre desempenharam um papel para uma conceituação a posteriori do trabalho projetual e da concepção, como exercício crítico, a fim de consolidar uma compreensão do processo criativo, como tentativa de “[...] control sobre la imaginación del arquitecto, aprendiendo de lo ya realizado, para no caer en ‘auto plagio’, en lo que el denomina ‘repetición esterilizante’” (MONTANER, 2011, p. 57). A ênfase na singularidade da obra, a partir de visão criadora ilimitada, do reconhecimento de que a autorreferência leva à estagnação criadora, poderia ser então internalizada pelo exercício de reflexão crítica através dos croquis, evidenciando o sentido de compreensão da história e do projeto como irrupção inventiva do que é novo. A marca de que a arquitetura é avanço na construção de uma linguagem se afirmaria com força no pensamento do arquiteto. Como fundador e diretor da Revista Módulo, por ele criada em 1955, os vários ensaios publicados por Niemeyer pretenderam contribuir para fundamentar a arquitetura moderna brasileira, alimentando a visão de arquitetura a partir de uma ampla cultura humanística, exemplo de pluralidade: seus escritos apresentam múltiplas referências (MONTANER, 2011) a autores que incluem literatos, poetas, filósofos e biólogos.
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Niemeyer valoriza a curva como a liberdade criativa que esta significa, mas sem esquecer a geometria cartesiana, puro exercício de razão, buscando conhecimento, rigor, legibilidade do mundo, elogiando a evolução da nitidez do templo grego até as formas geométricas puras presentes na idealização de Boullée e Ledoux, na Revolução Francesa. Arquitetura como presença do mundo ideal de formas platônicas, e confiança no progresso da humanidade formulada na Ilustração, o racionalismo é base para o cientificismo do fim do século XIX e advento do XX, arraigando a sociedade capitalista industrial ao racionalismo: continuidade que seria balançada pela Guerra em 1914, o novo embasamento social e econômico alentado pelo marxismo (SEGRE, 2012). Niemeyer compartilha esse ideário em busca de um equilíbrio estético e ideológico, na esperança de um mundo humano mais equilibrado e socialmente justo, merecedor de cidades e arquiteturas – pluralistas, abertas e belas.
Continuidade, descontinuidade e transição na obra de Niemeyer A contribuição dessa visão de arquitetura latino-americana, compreendida como recriação da modernidade europeia que conflui para superação de uma tradição Beuax-Arts que se esgotara, pode ser exemplificada pela obra da juventude de Niemeyer. O projeto do Edifício-Sede do Ministério da Educação (MES) no Rio de Janeiro (1936-1945) demonstra a apropriação da linguagem e os princípios lecorbusierianos e sua transformação em exemplar dessa singularidade enunciada (Figura 1). O rigor do prisma puro cede passo à ênfase de relação com a quadra e a cidade, e valor conferido à promenade, introduzindo vigorosamente o movimento e o fluxo como conteúdos, capazes de construir semântica diferenciada e negar a autonomia do volume, que se torna elemento fundamental da paisagem urbana e cultural. Como editor da Revista Módulo (1956-1962), experimenta o instrumento de teorização, num esforço de entendimento de seu próprio processo projetual. Nessa trajetória identifica periodizações e emergências descontínuas, marcando inflexões importantes: começando a trajetória profissional em 1936 com o projeto para o edifício do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro, depois Ministério da Educação e Cultura (BRUAND, 2011), a convite de Lucio Costa, integrando a equipe formada por Jorge Machado Moreira, Affonso Eduardo Reidy e Carlos Leão, a experiência pioneira seria um exercício de superação da conservadora modernidade canônica de Le Corbusier, incumbido de ditar as linhas e diretrizes definidoras do projeto.
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Embora o edifício do MES seja o ponto de partida, consistindo em prática singular que ensejou consistente realização de arquitetura moderna que se apropriou dos princípios racionalistas, tal feito consistiu também em descontinuidade – nesse edifício, linguagem lecorbusieriana de volumes puros, pilotis, brises-soleils, estrutura e fachada independentes foram devidamente transformados pela ocupação oportuna do lote, a criação de passeios e a fluidez espacial marcantes no térreo, de maneira a priorizar o fluxo contínuo que leva da rua ao interior convidativo e aberto ao movimento (MONTANER, 2002). O uso de brise-soleil confere, à massa construída, leveza visual conformada pelo jogo de cheios e vazios, contrastes de formas e geometrias definindo volumes. Racionalismo e caráter, cânone e singularidade. Pensamento possível, historiografia da tensão entre essência e mudança. A obra pioneira é então assinalada por contrastes definitivos, em que o volume que se insinua retraído se expande à percepção, explorando visuais e promenades que exaltam diagonais, força oblíqua definida por Wölfflin para o expressionismo barroco. As realizações de Niemeyer entre 1950 e 1970 são caracterizadas por um movimento confluente de continuidade/descontinuidade e transição. A conjugação desses parâmetros permite analisar a permanência dos princípios essenciais da arquitetura moderna que lastreiam a mudança – se, nos anos cinquenta, o arquiteto se conscientizara de seu processo projetual, em direção ao essencial, puro e conciso (ZEIN, 2010), o que alcançou nos edifícios de Brasília e no
Figura 1: Fachada Norte do Edifício-Sede do Ministério de Educação, Rio de Janeiro.
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Projeto para o Parque Ibirapuera, outras faces de sua arquitetura surgiriam nos anos subsequentes. Ao prosseguir na autodefinição de uma trajetória, Niemeyer reconhece que o Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova Iorque (1939) consistiu em realização madura do que iniciara, devendo continuidade ao conjunto da Pampulha (1940), estendendo-se esse mesmo estado até a concepção das obras da década de 1950, do Museu de Caracas, de 1954 (ZEIN, 2010). (Figura 2) O complexo arquitetônico que caracteriza o Parque do Ibirapuera (1954) é formado por cinco edifícios, volumes singulares que perdem autonomia ao serem interligados por ampla marquise, cujo desenho objetivou articular os prédios em um complexo edificado. No conjunto da produção arquitetônica de Niemeyer, esse projeto de um vasto conjunto monumental implicou pesquisas estruturais, exploração
Figura 2: Museu de Arte Moderna de Caracas, secção longitudinal, Arquiteto Oscar Niemeyer – ruptura da geometria tradicional da forma piramidal.
de formas livres e jogo de volumes puros, muitas vezes com geometrias contrastantes, mas buscando equilíbrio de conjunto. A marquise é, por essa razão, elemento definidor da composição, elo entre os edifícios, definindo a sua distribuição a partir desse elemento fundamental. O desenho sinuoso e fluido da marquise oferece perspectiva dinâmica ao conjunto, em contraste com a estabilidade dos pavilhões.
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Os dois edifícios destinados aos Palácios das Nações e dos Estados (1951) abrigaram por um longo tempo as instalações da Prefeitura do Município de São Paulo. Foram destinados originalmente a exposições de artes plásticas, abrigando as Bienais Internacionais de São Paulo de 1953 e 1955. São caracterizados pela simplicidade de volumes puros e regulares, transmitindo leveza, devido ao desenho e à proporção das colunas em relação ao volume e às elevações, desempenhando, assim, papel essencial. O Palácio das Artes, conhecido hoje como Oca (1954)(Figura 3 e 4), abriga em seu interior complexo espaço voltado à fruição pelo fluxo, o que é reforçado pelas passarelas que possibilitam o caminhar e a percepção da espacialidade. Sua forma esférica que emerge diretamente do chão contribui para o jogo de volumes no conjunto monumental. Originalmente o local foi projetado para abrigar exposições de escultura, e o aspecto monolítico exterior contrasta com a fluidez, possibilitada pelas rampas internas em forma de ferradura, que conectam os quatro andares do edifício e proporcionam perspectivas mutáveis do espaço. Esse contraste, a exploração de uma ruptura entre interior e exterior representa a imersão de um espaço complexo sob uma cobertura unificadora, fazendo com que os edifícios do Parque vissem nascer posições arquitetônicas afloradas como parte de um processo no qual a transição e a descontinuidade, bem como a superação de modelos estanques, são tão ou mais relevantes do que a continuidade de soluções demonstradas satisfatórias ou tradicionais.
Figura 3: Oca, Ibirapuera – Fluidez de espaço voltado à promenade. Foto: Alex Carvalho Brino Figura 4: Oca, Ibirapuera. Foto: Alex Carvalho Brino
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O reconhecimento de uma possível periodização presente nas obras acompanhadas de reflexão que se pauta na consciência da representação – no processo projetual – é uma instrumentalidade operativa de grande importância para a construção historiográfica, revelando sua dependência à teoria e à crítica (WAISMAN, 2013). É na explicitação do interior do processo histórico que nasce uma conscientização de instrumentos críticos, possibilitando o esclarecimento do fazer projetual. A obra de Niemeyer, como emergência do que é singular e por isso descontínuo, prosseguiu assinalando realizações cuja poética do novo como linguagem concebida para dar abrigo ao que é passível de surpresa e encanto, seguiu com essa determinação na produção arquitetônica do final da década de 1960, afirmando o uso de inovações tecnológicas assinaladas em grandes estruturas. No entanto, tal conduta jamais significou submissão a ditames puramente técnicos. Ressaltem-se a tradição ao mesmo tempo progressista, de uma modernidade como processo, e a persistência de aporte fenomenológico, ao postular a condição criadora do espaço arquitetônico, como fruto de uma intencionalidade que condiciona o espaço também do ponto de vista estético.
Crítica e historiografia, work in progress Crítica, teoria e historiografia formam um continuum, estrutura de pensamento que possibilita penetrar, no dizer de Marina Waisman, no interior da história. O tecido textual e crítico com que se pode compreender o âmago do processo histórico que contempla a projetação e o projeto, como sua mediação, consiste no instrumental que permite chegar ao espaço arquitetônico, conceituá-lo e persistir na construção historiográfica. A questão central exposta é a de que a compreensão do espaço passa necessariamente pela teoria, e essa precisa de construção contínua. Quanto mais se descortinam conceitos de mais alto grau de abstração caracterizadores do objeto espacial da arquitetura, mais séries e relações historiográficas podem ser organizadas, aprofundando e expandindo a compreensão da
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arquitetura. Descortinar Niemeyer, obra e processo de projeto é a condição mesma da valorização do seu trabalho, que, ensinando a possibilidade de criação do espaço, exemplifica a própria situação aberta pela América Latina. Como o Próspero de Morse – invertendo o vetor da compreensão da criação, é neste continente que pode residir a energia da descoberta.
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Fonte das imagens Figura 1: Grupo de Pesquisa Lucio Costa: Obra Completa. Figura 2: PAPADAKI, Stamo. Oscar Niemeyer. New York, George Braziller Inc., 1960, fig. 52. Figura 3: Alex Brino Figura 4: Alex Brino
Capítulo 3 Lucio Costa, Oscar Niemeyer e as Versões do Pavilhão do Brasil na Feira de Nova Iorque Alex Carvalho Brino Anna Paula Canez
Alex Carvalho Brino e Anna Paula Canez
O encargo para a construção do Pavilhão do Brasil na Feira de Nova Iorque foi coordenado pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. O interesse do Brasil no evento coincidia com aspiração recíproca por parte dos seus anfitriões. Se, por um lado, o Brasil cobiçava ampliar a já significativa exportação para os Estados Unidos, por outro, pelo lado americano, havia o duplo anseio de garantir matérias-primas fundamentais para o desenvolvimento de sua economia, além de um possível apoio no caso de guerra com a Alemanha. Associada a essas questões, a vocação central da feira realizada em 1939, auxiliar na retomada do fôlego americano após a traumática queda da bolsa em 1929, foi a razão que conduziu ao tema escolhido: “O Mundo de Amanhã”. Afinada com a temática proposta, a junta organizadora do evento proibia a construção de pavilhões com um viés tradicional. Unindo, assim, o desejo bilateral à intenção de um novo amanhã, a comissão encarregada do concurso para o pavilhão brasileiro indicou como meta aos participantes o destaque para a originalidade e dinamismo da cultura brasileira – as suas riquezas –, aliados, ainda, a um sentido de modernidade, com claro intento de demonstrar o Brasil como um destaque latino-americano.
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Figura 1 – Cartaz de divulgação da feira de 1939 em Nova Iorque. Fonte: OIGRES, 2012, p. 110.
Pode-se deduzir, com base no material gráfico disponível referente às versões participantes do concurso, tanto de autoria de Oscar Niemeyer, quanto de Lucio Costa, que o terreno disponibilizado para a construção do pavilhão possuía seus limites irregulares1 e cada uma de suas divisas apresentava uma hierarquia distinta das demais. Situado em região nobre, distante apenas 100 metros do bulevar com canteiro central, eixo importante da composição geral da Feira, estava localizado na Avenida Rainbow, de hierarquia diferenciada em relação ao lado oposto, junto ao Rio Flushing, mais estreito (Figura 1). Por se tratar de um antigo pântano às margens da cabeceira do rio, o terreno e seu entorno eram completamente planos. A decisão brasileira de participar da Feira é tomada em novembro de 1937. No ano seguinte, no lançamento das bases do concurso para o Pavilhão do Brasil, a demanda por uma obra que expressasse a brasilidade e apresentasse condições técnicas pertinentes a um pavilhão de exposições foi claramente especificada. Lucio Costa sagra-se o vencedor, Oscar Niemeyer obtém o segundo 1
A dimensão dos lados maiores é de, aproximadamente, 90 m (leste) e 100 m (oeste). Na dimensão menor, os limites possuem 42 m (sul) e 53 m (norte).
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lugar e em terceiro é escolhido o projeto de Paulo Camargo Almeida; porém, a versão construída se deu, por decisão de Costa, a partir de um projeto realizado em parceria com Niemeyer, para surpresa da comissão julgadora. Nas palavras de Comas (2002, p. 175) quanto ao parecer do júri, [...] o projeto do Lucio é o que possui o maior espírito de brasilidade. São apreciados o uso adequado e discreto dos elementos da técnica moderna de construir e a fácil comunicação da rua com o pátio, elemento que propicia distração do percurso ao longo e constitui espaço de socialização simpático. O projeto de Niemeyer tem relativa falta de espírito de brasilidade, mas se recomenda pela entrada franca e menor percurso, funcionalidade e economia, além de não haver recorrido o autor a elementos indispensáveis da nova arquitetura.
Quando do desenvolvimento do projeto da versão que mais tarde seria a construída, a dupla brasileira, em solo americano, conheceu os prédios localizados no entorno do terreno, como relata Lucio Costa: Por outro lado, diante da massa pesada, mais alta e muito maior do Pavilhão Francês, nosso vizinho, impôs-se a adoção de um partido diferente, leve e vazado, que, em vez de deixar absorver, contrastasse com ele (COSTA, 1985, p. 190).
A solução final pode ser entendida como um projeto híbrido, uma associação dos dois projetos participantes e vencedores dos dois primeiros lugares do concurso. Nesse sentido, essas versões, de autoria de Oscar Niemeyer e de Lucio Costa, serão descritas e analisadas neste capítulo com o propósito de reforçar o entendimento daquela que foi a construída.
O pavilhão na versão Lucio Costa A versão vencedora do concurso de autoria de Lucio Costa (Figuras 2, 3, 4 e 5) possui uma série de características que se alinham com os preceitos da Nova Arquitetura anteriormente manifestos no MESP, como, por exemplo, a associação da arquitetura com as artes e a estrutura independente que libera a fachada para a utilização de painéis murais que apresentam os produtos brasileiros, como, entre outros, o ouro, o açúcar e o café, embora utilize estratégias
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compositivas que retomam pressupostos acadêmicos, como a simetria axial no eixo longitudinal. Os pilotis liberam o solo e conferem permeabilidade para o pátio interno, que contém outras obras de arte e uma vegetação que caracteriza o país. As proximidades entre essa proposta e a produção da década de 30 não construída de Lucio Costa são grandes, estabelecendo afinidades entre seus escritos e projetos do período.
Figura 2 – Perspectiva externa. Versão de Lucio Costa para o Pavilhão do Brasil na Feira de 1939, em Nova Iorque do concurso e não construída. Original escaneado no Laboratório de História e Teoria da Arquitetura da UniRitter em 2009.
Constituído por dois volumes principais, o primeiro destinado à entrada e o segundo, ao auditório, interligados por um espaço aberto definido pelo volume em “U” que o margeia e eleva-se sobre pilotis. Com materialidade diferenciada, cada parte desse projeto identifica seu grupamento funcional de modo claro. O edifício ocupa, praticamente, todos os limites do terreno e dialoga com seu entorno através de um espaço de transição localizado entre a circulação pública, denominada Avenida Rainbow (Rua 4, rua de maior calibre), e o interior do prédio. Nesse espaço ocorre, por dois aspectos, uma segunda transição importante: primeiro a configuração de um espaço aberto coberto que se materializa através de uma laje triangular 2 inclinada apoiada no volume de entrada e 2
Nessa laje, na face interior, foi marcada a formação do Cruzeiro do Sul, constelação simbolizada no escudo da bandeira do Brasil e perceptível apenas no hemisfério sul, formada pelas estrelas Gacrux, Pálida, Intrometida, Mimosa e Acrux.
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Figura 3 – Redesenho da versão de Lucio Costa não construída.
no mastro que sustenta a bandeira do Brasil; segundo, a hierarquia gerada pelo apoio dessa bandeira, que marca a mudança de domínio territorial.
Figura 4 – Fachada, corte e perspectiva do projeto vencedor de Lucio Costa.
Embora o material gráfico dessa primeira versão não indique o entorno imediato, pode-se concluir, com base no material disponível da versão cons-
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truída, que o terreno disponibilizado para o pavilhão era um terreno com testadas, como referenciado anteriormente, de hierarquias distintas. Desse modo, compreende-se a atitude de Lucio Costa em promover a alteração da proposta original, pois a simetria axial presente nessa versão pouco reconhecia as características do local, tais como as irregularidades do terreno e as hierarquias mencionadas, valorizando em demasia a testada voltada para a Avenida Rainbow (Rua 4) e minimizando a testada voltada para o Pavilhão Francês. A elevação do prédio sobre pilotis é uma característica marcante no movimento moderno que compreende o solo como espaço público. A possibilidade de ir e vir é uma prerrogativa fundamental nesse conceito de cidade e de arquitetura. Assim, a possibilidade de continuidade espacial e visual com o entorno imediato justifica a elevação total de ambos os lados do pavilhão. O volume frontal é a presença mais marcante que toca o solo de modo fechado, todo o restante possui uma gradação de espaços com hierarquias distintas na região posterior ao volume de chegada em direção ao Rio Flushing. Inicialmente, de fora para dentro, percebe-se o espaço aberto irregular no limite oeste em continuidade da via pública com maciços vegetais para absorver essa irregularidade, além de rampas que envolvem o volume do auditório e propiciam visuais mais elevados dessa paisagem. O espaço aberto coberto regular, que é oferecido pelos pilotis, e, novamente, o espaço aberto descoberto constituído pelo pátio interno, também de limites regulares, abraçam o espelho d’água de contornos orgânicos que emoldura uma escultura em sua parte côncava, repleta de uma vegetação típica do Brasil, constituindo, embora o contraste, uma gradação suave. Observa-se que os espaços internos são formados por funções distintas, sendo que o volume frontal abriga a entrada de pé-direito duplo. Lucio Costa cria, dessa forma, um espaço de chegada com uma escala monumental, conforme se vê principalmente no corte e em algumas perspectivas (Figura 5). Também é prevista uma escultura de um homem sentado3 com aproximadamente um pavimento de altura, ou seja, a escala é generosa, mas proporcional ao espa-
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Tal imagem lembra a escultura instalada no terraço do andar do ministro no MESP, intitulada Mulher Sentada, de Adriana Janacopulus.
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ço no qual se insere. Os volumes laterais, que envolvem este de entrada, contêm os espaços expositivos no segundo pavimento, distribuídos ao longo de 12 módulos das naves expositivas paralelas, com painéis curvos perto da vedação e painéis planos, no sentido transverso, livrando uma circulação contínua junto à esquadria que visualiza o pátio interno. Na intersecção desses espaços expositivos com o volume de entrada, encontram-se as circulações verticais; porém, internamente o volume em “U” se prolonga até o final do volume do hall. Internamente, na face onde se acopla o volume do auditório, os expositores se alternam entre três círculos, que marcam início, meio e fim desta galeria, com a presença de dois pares de elipses. Em ambos os vértices de conexão entre as galerias anteriormente descritas e esta última, observa-se a coexistência de parte dos expositores, dando um caráter de continuidade entre as alas das galerias. O térreo apresenta pilotis parcialmente ocupados pelo avanço do volume do restaurante, constituído por um espaço destinado ao café. Ainda nesse pavimento, nos vértices, encontram-se quiosques. Algumas mesas se distribuem ao longo dos pilotis, aproveitando os visuais dos espaços abertos, tanto internos, quanto externos, do conjunto. Sobre o espaço do restaurante, no segundo pavimento, o programa do auditório se desenvolve com os acessos à plateia envolvendo as laterais do palco. As similitudes da proposta de Lucio Costa com o projeto do Ministério, na época em construção no Rio de Janeiro, não se restringem apenas a presença da escultura anteriormente citada, ou mesmo com a Mulher Reclinada4, bem como com o Prometeu e o Homem Sentado, esculturas atualmente instaladas no MESP que também aparecem esboçadas nas fachadas e perspectivas da proposta, mas, sobretudo, apresenta uma grande similaridade com o auditório daquele projeto, tanto na sua volumetria quanto na solução de acoplagem estrutural com volume principal. O próprio acesso desse auditório feito através do espaço expositivo, o qual se encontra elevado sobre pilotis, ecoa da solução 4
Celso Antônio produziu três esculturas: a Mulher Reclinada, colocada no terraço-jardim do ministro; a Mãe, sobre a escada helicoidal do salão de exposições, e Mulher de Cócoras, também chamada de A Índia, situada no escritório do presidente do IPHAN, Rodrigo Melo Franco de Andrade.
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utilizada no Ministério.
Figura 5 – Interior do volume frontal. A perspectiva da esquerda para o pátio interno e a direita tem ao fundo acesso principal.
A orientação solar talvez seja o aspecto mais discrepante dos documentos, pois a apresentada nas pranchas, por vezes, difere em até 25 graus, fato este que dificulta a interpretação correta do projeto. A fachada onde se localiza o acesso principal possui como elemento de controle solar dois conjuntos de brises em grelha, voltados para a direção sudoeste, orientação mais castigada em se tratando de um prédio situado no hemisfério norte. As faces leste e oeste, voltadas para o exterior do conjunto, possuem painéis cegos com motivos da produção nacional, já as faces voltadas para o pátio interno apresentam painéis pivotantes verticais, compostos como muxarabis. São cinco painéis em cada um dos módulos. Do ponto de vista estrutural, o projeto apresenta uma malha regular. Na solução dos vãos e consequentemente no dimensionamento das peças, o projeto é convencional. No entanto, o trato e a liberdade adotados com respeito à estrutura são marcantes. Esses pilares aparecem como elementos que ritmam ora o exterior, ora o interior, por vezes possuem um pavimento de maior altura, em outros momentos dois pavimentos, e, particularmente nestes casos, a conexão com o edifício principal ocorre do mesmo modo que ocorre no volume de exposição e do auditório do MESP. Já a cobertura do hall e do auditório é resolvida com vigas invertidas.
O pavilhão na versão Oscar Niemeyer Composto por curvas, com delgada cobertura e repleto de vidro em suas fa-
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ces internas, o projeto do pavilhão na versão Oscar Niemeyer está ancorado ao solo em um volume de grandes proporções e se caracterizaria, não fosse a leveza dada à utilização do vasto envidraçamento, por um aspecto pesado. O projeto encaminhado para o concurso está organizado em uma diagonal descendente. Essa diagonal organiza o terreno em três setores distintos. No espaço junto à esquina aberta para a Avenida Rainbow está a esplanada de chegada, um espaço totalmente público, por onde se dá o acesso principal; na direção oposta, na esquina voltada para o rio, está o espaço aberto, que caracteriza o pátio de caráter mais privado ou semipúblico, e, por fim, em posição mais centralizada, está o edifício propriamente dito.
Figura 6 – Vista superior a partir do Rio Flushing e vista inferior, desde a esquina da Avenida Rainbow. Cópia heliográfica da versão Oscar Niemeyer escaneada no Laboratório de História e Teoria da Arquitetura da UniRitter em 2009.
Inicialmente pode se entender esse conjunto como duas barras deslizadas conectadas por uma cobertura em casca. A solução pode ser também descrita como composta por uma barra torcida que abriga o setor de exposição, distribuído em dois pavimentos, e uma segunda barra, 5 que abriga os setores de apoio, em realidade desenvolvida em três subsetores: o gastronômico, atendido pelo café, ao rés do chão, e pelo restaurante, que pode ser convertido em salão de baile no segundo pavimento; o setor de auditórios, com um espaço aberto coberto no térreo e um 5
Essa segunda barra pode ser descrita como um conjunto de três volumes envolvidos por uma barra.
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auditório mais controlado no segundo pavimento; e, por fim, o setor de serviço, com sanitários, cozinha e depósito. Conectando essas duas barras, a casca, que marca o acesso principal e favorece a integração entre os dois espaços abertos da proposta, fato este que rendeu um comentário do júri que salientou a entrada franca da proposta. A esse respeito, segundo Comas (2004, p. 175), O projeto de Niemeyer tem relativa falta de espírito de brasilidade, mas se recomenda pela entrada franca e menor percurso, funcionalidade e economia, além de não haver recorrido o autor a elementos indispensáveis da nova arquitetura.
Figura 7 – Vista frontal desde a esplanada de acesso principal. Cópia heliográfica da versão Oscar Niemeyer escaneada no Laboratório de História e Teoria da Arquitetura da UniRitter em 2009.
O volume conector pode ser descrito como um espaço aberto coberto de caráter semipúblico que atua como uma rótula para cada uma das funções oferecidas pelo conjunto. Com solução estrutural marcante e casca de concreto abatida, ao mesmo tempo indica o acesso e conecta de modo flexível o conjunto. É o grande elemento de ligação entre todos os elementos edificados do conjunto, assim como dos espaços abertos. Não foi à toa que um dos pontos do projeto É o grande elemento de ligação entre todos os elementos edificados do conjunto, assim como dos espaços abertos. Não foi à toa que um dos pontos do projeto destacados pelo júri foi justamente a facilidade de acesso ao conjunto. A barra torcida pode ser decomposta em duas faixas lineares, uma com pé-direito duplo junto à esquadria que oferece o visual do pátio semipúblico, que contém os jardins que revelam e simbolizam a flora brasileira, a outra com pé-
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-direito simples que abriga a exposição propriamente dita. Os dois pavimentos expositivos fechados em um dos lados maiores possibilitam a visualização do pátio com alturas diferentes. Uma das qualidades apontadas pelo júri foi justamente a compacidade da área expositiva atendida por duas rampas dispostas no início e fim do volume, as quais propiciam um percurso contínuo, mas flexível, com o retorno desejável para o ponto de acesso. A curva desse volume dialoga com a curva do auditório e com a curvatura da cobertura. Esta, por sua vez, não é a primeira manifestação da casca abobadada na obra de Oscar Niemeyer, pois solução assemelhada pode ser observada no projeto não executado da residência em São Paulo, de 1938, para Oswald de Andrade: Plasticamente procuramos encontrar solução nova, clara, fora das formas usuais, e que estivesse, portanto, melhor enquadrada nos verdadeiros princípios de arquitetura, como arte de criação que é. A solução da cobertura (que também corresponde às necessidades mínimas de pé direito, caimentos etc.) confere ao conjunto silhueta característica de certo interesse plástico, pela forma nova e própria que apresenta, perfeitamente integrada nas novas concepções de arte moderna (NIEMEYER, 1939, p.48).
A barra oposta, de menor dimensão, se decompõe em três partes distintas. A primeira, destinada ao restaurante e à pista de dança, eleva-se sobre pilotis e possui a maior dimensão, tanto em largura, quanto em área. Ao rés do chão, observa-
Figura 8 – Redesenho da versão original da proposta de Oscar Niemeyer classificada em segundo lugar.
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-se a locação do bar/café disposto em “L”, mas em situação inversa ao prédio, conformando um “U” e voltado para o pátio. O café também oferece um momento de descanso ao visitante em várias condições: ao fim da visita do próprio pavilhão, pois está conectado através do hall; se já o frequentou, pois o visitante pode adentrar sem a necessidade de percorrer a área expositiva; e, ainda, ao final de algum evento em um dos auditórios que se conectam ao café pelo hall. O segundo volume que se destaca é o auditório, que, com a mesma largura do restaurante em seu maior eixo, também se encontra elevado, não sobre pilotis, mas sobre uma estrutura mais densa, com uma sala de apoio ao palco do pavimento superior e que faz o fundo de palco do pavimento térreo de um lado e, de outro, empena cega que garante a estabilidade estrutural do auditório superior, além de conformar o fundo da plateia do espaço inferior. O terceiro elemento abriga as funções de apoio e sofre uma retração para acomodar a presença de uma passarela que conecta de modo direto o auditório superior ao restaurante e absorve as perfurações de acesso aos espaços de apoio contidos nesse volume. Embora se trate de uma proposição não construída, é possível observar alguns aspectos relacionados à materialidade. Em sua essência, o projeto pode ser descrito como um conjunto prioritariamente fechado, voltado para dentro, exceção feita ao volume envidraçado do restaurante. Em uma perspectiva da esquina de acesso, se mostra mais fechado. Avançando mais em direção ao centro da fachada, próximo do auditório, a volumetria geral segue mais opaca, mas com o contraste revelado da superfície acristalada ao fundo do grande hall. No entanto, quando visto pelo lado oposto, na direção de quem se aproxima pelo Rio Flushing, o pavilhão se desvenda através do espelhamento, permitindo, pela menor iluminação interna ao longo do dia, refletir a vegetação exposta ao seu lado, ampliando a sensação de integração entre ambiente construído e espaço aberto. A integração do espaço aberto com a edificação ocorre de modo intenso, pois todas as faces são transparentes e permitem a visualização dos seus interiores. A estrutura esbelta dos pilares, assim como a sutileza da casca que se apoia nas barras laterais, contribui para a sensação de continuidade espacial entre os
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espaços internos do edifício e os espaços abertos adjacentes. O pátio interno contém um lago de contornos ameboides localizado em sua região central, além de uma vegetação que, embora esparsa, marca presença na composição. A conformação do prédio em “L”, implantado junto ao limite oeste, libera o pátio para uma ampla vista do entorno, excelente ponto para apreciação dos fogos de artifício, conforme alguns registros. Do ponto de vista estrutural, o projeto é composto, no restaurante, por cinco linhas de pilares espaçados em 4,5m x 3,0m; no volume de apoio, por outras três linhas de mesmo espaçamento; na barra torcida, apresenta quatro linhas de pilares de 4,5m e, no outro sentido, com um espaçamento mais generoso e variável, próximo de 8,5m, 5,0m e 2,0m. Por fim, o volume do auditório aparece apoiado diretamente sobre as paredes do pavimento inferior. Sobre a cobertura destacam-se duas situações especiais além do restaurante e do auditório – a cobertura do hall e da barra torcida. A casca de concreto apresentada como solução caracteriza-se por um arco abatido, que tende a ser totalmente comprimido. Com uma relação entre a altura do arco e seu vão de 1/16 (f/L)6 , ou seja, mais abatida que a condição ideal para se conseguir menor volume de material resistente, no caso, o concreto, é possível deduzir que o empuxo horizontal gerado pelo peso próprio da estrutura necessitaria de um apoio composto por elementos capazes de absorver esses esforços. Ao contrário, o que se percebe são pilares isolados, que tendem a causar um puncionamento na fina camada de concreto. Não é muito diferente a situação da cobertura da barra torcida, agravada pelo fato de o arco estar interrompido; logo, a superfície apresentaria zonas comprimidas e tracionadas. No entanto, se os perfis de estruturação das esquadrias colaborassem para o apoio da cobertura, talvez isso possibilitasse um melhor apoio desta. Em seu interior, o layout da exposição está rigidamente relacionado com a estrutura do prédio. De modo genérico, pode-se dizer que no pavimento térreo existem duas faixas lineares, uma composta por um conjunto de painéis paralelos, presos aos pilares e, ainda, paralelos à frente do prédio, contendo de um 6
A variação ótima está entre 1/10 <f/L< 1/5, onde f é a flecha e L é o vão.
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lado a circulação horizontal junto à esquadria em que está o pé-direito duplo e de outro uma circulação central da área expositiva, a segunda faixa linear é constituída por um conjunto de painéis está adoçado à parede cega da face oeste do terreno, subdividido em três grupamentos, dois similares de painéis expositivos curvos, contendo imagens do Brasil, e outros alinhados aos painéis centrais. O pavimento superior do pavilhão expositivo é composto por nove nichos expositivos encostados na mesma parede cega, liberando a vista junto ao vazio.
Figura 9 – Perspectiva interna. Cópia heliográfica da versão Oscar Niemeyer escaneada no Laboratório de História e Teoria da Arquitetura da UniRitter em 2009.
O pavilhão na versão conjunta: Lucio Costa e Oscar Niemeyer O resultado da união dos esforços de Costa e Niemeyer em um novo projeto realizado em conjunto consegue congregar o que foi destaque nas duas avaliações do júri: brasilidade, permeabilidade, circuito compacto de exposição, entre outros significativos aspectos materializados na obra construída. O edifício executado exibe os princípios compositivos modernos aliados às características da arquitetura moderna brasileira, como a leveza e a sinuosidade manifestas de forma precursora, pois até então os exemplares construídos ou em construção mais conhecidos pertenciam à linha da Casa Modernista, de Warchavchik, de 1928, exceto o Ministério da Educação e Saúde Pública, de Lucio Costa e equipe, de 1936, a sede da ABI, dos irmãos Roberto, do mesmo ano, assim como a Estação de Hidroaviões, de Atílio Corrêa, de 1932.
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Figura 10 – Vista externa da versão construída. Cópia heliográfica escaneada no Laboratório de História e Teoria da Arquitetura da UniRitter em 2009.
Os estudos conhecidos da versão que seria a construída do Pavilhão do Brasil incluem pequenas variações, principalmente no que diz respeito aos volumes de apoio e mezanino. Inicialmente o viveiro de pássaros era o único volume construído em meio ao espaço aberto e localiza-se no pátio frontal ao lado da rampa. Na versão executada, ainda são acrescidos outros dois volumes no pátio posterior, um destinado ao orquidário e outro ao aquário. Todos na lateral leste do terreno. Fruto de um amadurecimento, a proposição conjunta dos dois arquitetos reconhece as características do terreno e agrega novas informações, como a de que “[...] o pavilhão Francês já está em execução e vai afetar decisivamente o partido final”, como esclareceu, nas palavras de Comas, Lucio Costa nas várias versões de sua memória sobre o pavilhão (COMAS, 2005, p. 177). Deste modo, a versão final reafirma o partido em “L” de Oscar Niemeyer, porém com os volumes de costas para o pavilhão francês, constituindo um pano de fundo, para quem chega pela praça no acesso da esquina, através do viveiro de pássaros, no nível do passeio. Situação distinta do proposto por Niemeyer com o volume do auditório elevado, de uso mais franco em seu pavimento inferior, o qual permitiria ao usuário usufruir de modo mais próximo e direto desse limite do terreno. A proposta de Costa, nesse aspecto, também difere da solução finalmente dada, na qual, passado o volume principal de chegada (paralelo à avenida principal), o conjunto se abriria para o terreno do pavilhão francês. Similar à proposta de Lucio Costa, o pavilhão construído se eleva sobre pilotis, porém esta permeabilidade chega até a região frontal do conjunto e, deste modo,
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associa-se com uma das características fundamentais valorizadas pelo júri na solução inicial de Niemeyer, que foi a fluidez espacial com a praça frontal e interna. De um modo particular, essa versão final oferece ao usuário uma condição de percepção do espaço aberto e uma gradação entre o domínio público e privado diferente das versões anteriores individuais, pois quem chega pela Avenida Rainbow facilmente adentra a esplanada e, desta, acessa pelo rés do chão, todo o pilotis, possibilidade que se dá também através da sinuosa rampa, um grande hall aberto de caráter semipúblico. Somente a partir desses dois locais é possível entrar nos espaços de uso privado, ou retornar para um ambiente aberto e descoberto de caráter semipúblico, onde se encontra o jardim tropical.
Figura 11 – Planta do térreo e planta do segundo pavimento. Cópia heliográfica da versão conjunta de Lucio Costa e Oscar Niemeyer escaneada no Laboratório de História e Teoria da Arquitetura da UniRitter em 2009.
De um modo geral, o edifício pode ser descrito como um “L” elevado sobre pilotis. No entanto, dependendo do ângulo de observação e por sua complexidade, pode ser compreendido de modo diverso, divisível em duas partes. A primeira e mais nítida, formada pela barra torcida a oeste do terreno que dialoga com o limite sinuoso, a segunda, a perna do “L” de contorno irregular em sua cobertura que contém o volume especial do auditório. Três volumes mais altos quase imperceptíveis parecem abrigar funções técnicas nas duas extremidades da barra sinuosa, suavemente recuadas em relação ao limite do volume. Toda a parte inferior da grande barra sinuosa foi destinada a abrigar o setor gastronômico compreendido pelo café em volume autônomo e curvilíneo, assim
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como o restaurante com pista de dança, também resolvido com um traçado livre; porém, todo o setor de apoio, composto de sanitários, cozinha e depósitos, está abrigado em um volume mais regular, apenas com uma suave curvatura que acompanha o volume superior. De costas para a via lateral, o restaurante apresenta apenas uma banda de fenestrações em fita junto ao teto, para permitir a ventilação da área de apoio, dando total prioridade para a vista do pátio interno. Embora o café adote a mesma solução de voltar as costas para essa mesma via, não possui qualquer tipo de fenestração nessa direção, essa superfície voltada para a rua recebe uma textura em letra caixa por toda sua superfície compreendida pela palavra “Brazil”, formando um grande mural. O volume do café faz a esquina desta parte inferior e, em contraponto, dentro da mesma projeção está um grande painel composto por cinco segmentos de arcos que finalizam o conjunto e limitam a visualização do prédio vizinho. O segundo pavimento abriga o setor expositivo na barra sinuosa que possui dois terços do seu interior com pé-direito duplo e o terço restante composto por uma laje ainda mais sinuosa, passível de ser acessada por duas escadas que permitem um roteiro de visitação contínuo. Deste modo, os arquitetos permitiram, com a solução escolhida, diferentes visuais de toda a área expositiva. Na ponta frontal dessa barra, protegida pelos cobogós, localiza-se o setor administrativo do conjunto. Protegendo as portas de acesso da exposição, existia uma laje recortada que emoldurava o espaço de chegada superior e ainda envolvia o volume escultórico do auditório. Nesse ponto as três versões se utilizam de auditórios com uma característica volumétrica muito similar. Todo o restante do espaço desse “L” foi destinado ao uso de um grande terraço, que abriga a escultura do Homem Sentado e descortina um amplo visual tanto do pátio interno com seu jardim tropical, quanto do Rio Flushing. De modo similar ao ocorrido na proposta original de Niemeyer, a solução construída também se caracteriza por voltar as aberturas da área expositiva para a direção leste e possui a íntegra da fachada oposta resolvida com um pano cego. Já a fachada sul, lado de acesso do conjunto, possui, frente à face de tamponamento do volume expositivo, na região que abriga a pequena parcela administrativa, um conjunto de cobogós que constituem uma grelha de controle solar. Tal solução já
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Figura 12 – Vistas externas do Pavilhão do Brasil.
estava presente na proposta de Lucio Costa, nos dois lados da composição. No pavimento térreo, em virtude da retração natural dos espaços gastronômicos e parcela expositiva e da presença diminuta de superfícies acristaladas, não houve a necessidade de utilização de elementos de controle solar na direção oeste. O volume do auditório, por seu caráter mais hermético, também dispensa qualquer solução dessa ordem. Deste modo, a ressalva pode ser feita à solução dada à fachada leste, totalmente exposta à radiação direta do sol. A solução estrutural está organizada em três linhas de pilares que acompanham a curvatura da barra torcida, enquanto outras três linhas se distribuem para suportar o restante do “L”. Todos os pilares estão recuados em relação aos limites do volume. A estrutura metálica apresenta pilares em “X”, recuados e internalizados na fachada oeste e, na fachada oposta, expostos com pé-direito triplo, suportando a laje de piso do primeiro andar de exposição através de mísulas, tal qual a solução adotada no espaço expositivo do Ministério. Neste caso, também a exemplo do Ministério, o final do pilar apoia por baixo a laje de cobertura, caracterizando-se como elemento interno ao volume principal. Se na barra sinuosa a estrutura percorre os três pavimentos de altura, na outra região, os pilares se restringem aos pilotis, pois o volume do auditório é o que apoia a laje de cobertura, com o auxílio de apenas um pilar à esquerda da rampa de acesso, que se prolonga até a laje de cobertura nesse lado.
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A versão executada, mais do que se inserir nos moldes da arquitetura moderna internacional, prescreve um modo brasileiro de produzir a arquitetura. A solução em volume elevado sobre pilotis com planta livre associada ao grande terraço seco, que reserva o jardim apenas para o térreo, satisfaz o desejo do júri de uma proposta para o “Mundo de Amanhã”. No entanto, essas características, que a priori poderiam descrever várias obras do Le Corbusier, nesse caso são acrescidas de uma proporcionalidade que confere o caráter de leveza e a devida brasilidade. Isso se percebe em função da dissociação do plano vertical em relação ao horizontal que se projeta, gerando um sombreamento frente aos planos verticais. A acentuação das linhas horizontais em primeiro plano atua em conjunto com o recuo volumétrico dos pilotis sempre em um tom mais escuro que o restante. A redução da seção dos elementos estruturais em direção à borda contribui para essa sensação, assim como a presença do pilar cruciforme.
Figura 13: a – Vista do pátio interno. b – Vista interna do mezanino junto ao jardim do Pavilhão do Brasil. Lucio Costa e Oscar Niemeyer.
Considerações finais Os redesenhos realizados, assim como as simulações gráficas em 3D, permitem algumas constatações que podem passar normalmente despercebidas, tais como algumas incompatibilidades entre os desenhos técnicos examinados, uma dificuldade a mais para a compreensão das propostas. O que se observa na comparação entre as propostas A e B é que Lucio Costa
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Figura 14: Diagrama comparativo das três versões, quanto ao zoneamento.
(A) divide o terreno em quatro faixas, onde a primeira e a terceira são abertas e cobertas e as outras duas tocam o solo, enquanto Oscar Niemeyer (B) resolve em três faixas, onde as duas extremidades são predominantemente abertas e descobertas e a região central possui maior densidade volumétrica, porém todas tocam o solo.
Figura 15: Diagrama comparativo das três versões quanto a disposição volumétrica no terreno.
Outra singularidade nas versões de Oscar Niemeyer é a presença de um vetor descendente, que corta o terreno em sua maior diagonal. Suas duas propostas, a individual e a conjunta com Lucio Costa, apresentam soluções similares quanto ao modo de apropriação do lote, abordado de um modo longitudinal por Lucio Costa. As três versões apresentam uma constante no que diz respeito ao auditório.
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Figura 16: Diagrama comparativo das três versões quanto à posição do auditório.
Embora este orbite no interior do terreno, na região central do limite junto ao rio na versão vencedora, ou na frente do lote na versão classificada em segundo lugar, ou ainda na região central do prédio construído, o espaço do auditório sempre está vinculado ao segundo pavimento, com uma definição volumétrica semelhante em todas as propostas. No entanto, apenas na versão de Lucio Costa o acesso ocorre tanto pela área expositiva, quanto pela área dos pilotis, nas outras duas versões o auditório se relaciona com os ambientes abertos e cobertos que conformam o hall. Exceção feita na versão original de Niemeyer, onde o acesso ao auditório é feito exclusivamente por escada, os demais são resolvidos com rampas e, no caso da versão de Costa, ainda ocorre a presença da escada na região expositiva. Lucio Costa propõe uma arquitetura baseada na repetição, preocupada com a sistematização da obra, afeita à industrialização pela possibilidade de utilização de elementos standard, propiciada também pela ortogonalidade da solução e, nesse aspecto, revela a conexão com o “Mundo de Amanhã” calcado na simplificação e velocidade da construção, sem abrir mão do viés artístico, revelado na utilização e proximidade com as obras de arte e na presença dos cobogós e muxarabis. Rigor e controle geométrico e diferenciação volumétrica do conjunto. Oscar Niemeyer revela outro lado de uma mesma vertente nacional, em que a capacidade de sonhar e vislumbrar um futuro rico e sofisticado, repleto de contrastes e de sensibilidade em relação ao lugar, estabelece um discurso de reconhecimento do elemento especial, no qual entende a excepcionalidade do pavilhão brasileiro no contexto nacional, assim como as especificidades em suas
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relações volumétricas e funcionais. Ele reconhece a oportunidade da exceção. A solução construída é o equilíbrio destes quatro princípios: controle, rigor, sensibilidade e ousadia.
Figura 17 – Primeira linha de figuras – versão Lucio Costa. Modelagem em computação gráfica realizada pelo acadêmico Telmo Adams, orientado pelo Prof. Alex Brino. Fonte: Grupo de Pesquisa “Lucio Costa: Obra Completa” – dspace.uniritter.edu.br. Segunda linha de figuras – versão Oscar Niemeyer. Modelagem em computação gráfica realizada pelo acadêmico Telmo Adams, orientado pelo Prof. Alex Brino. Terceira linha de figuras, fotografias da versão construída, projeto de Lucio Costa e Oscar Niemeyer.
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WISNIK, Guilherme. Lucio Costa. São Paulo: Cosac &Naify, 2001. XAVIER, Alberto (Org.). Lúcio Costa: sôbre arquitetura. Ed. fac-sím coordenada por Anna Paula Canez. Porto Alegre: Ed. UniRitter, 2007.
Fonte das imagens Figura 1: Official Guide of the New York Word’s Fair 1939. Figura 2: Maria Elisa Costa, acervo da Casa de Lucio Costa. Figura 3: Grupo de pesquisa “Lucio Costa: obra completa”. Figura 4: Maria Elisa Costa, acervo da Casa de Lucio Costa. Figura 5: Maria Elisa Costa, acervo da Casa de Lucio Costa. Figura 6: Maria Elisa Costa, acervo da Casa de Lucio Costa. Figura 7: Maria Elisa Costa, acervo da Casa de Lucio Costa. Figura 8: Grupo de pesquisa “Lucio Costa: obra completa”. Figura 9: Maria Elisa Costa, acervo da Casa de Lucio Costa. Figura 10: Maria Elisa Costa, acervo da Casa de Lucio Costa. Figura 11: Maria Elisa Costa, acervo da Casa de Lucio Costa. Figura 12: Mindlin Figura 13: Fonte: Catálogo oficial do pavilhão do Brasil em: Casa de Lucio Costa. Figura 14: Grupo de pesquisa “Lucio Costa: obra completa”. Figura 15: Grupo de pesquisa “Lucio Costa: obra completa”. Figura 16: Grupo de pesquisa “Lucio Costa: obra completa”. Figura 17: Fonte: Grupo de Pesquisa “Lucio Costa: Obra Completa” – dspace.uniritter.edu.br.
CapĂtulo 4 Anos 30: TrĂŞs Casas Formadoras Marcos Almeida
Marcos Almeida
Entre a graduação na Escola Nacional de Belas Artes e sua afirmação como profissional, Oscar Niemeyer conviveu com dois dos maiores mestres da Arquitetura Moderna: Le Corbusier e Lucio Costa. As obras mais significativas desse período foram desenvolvidas em coautoria com Lucio Costa, como o Ministério da Educação e o Pavilhão Brasileiro na Feira Mundial de Nova Iorque. Em paralelo o arquiteto projetou três casas: uma casa sem dono (1935), a casa Henrique Xavier (1936) e uma casa para o escritor Oswald de Andrade (1939). Este capítulo pretende analisar cada uma, tecendo relações com o restante de sua obra e as dos mestres, demonstrando o processo de desenvolvimento de uma linguagem arquitetônica anterior ao reconhecimento nacional e internacional obtido com as obras do Conjunto da Pampulha.
Ante-projecto de residência Rio de Janeiro, 1935 A incursão de Niemeyer na arquitetura inicia em 1929, com seu ingresso na Escola Nacional de Belas Artes – ENBA, do Rio de Janeiro, onde permanece até 1934, graduando-se como engenheiro-architecto. 1
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Niemeyer, nascido em 15 de dezembro de 1907, ingressa na ENBA já casado com Annita Balbo, em 1929, e, ainda estudante, tem sua única filha, Anna Maria, em 1932 (SODRÉ, Nelson Werneck. Oscar Niemeyer por Nelson Werneck Sodré. Rio de Janeiro: Graal, 1978, p. 23). À época, segundo a legislação, esse era o título conferido.
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Os registros sobre a sua vida acadêmica não são muitos: o ensino pouco estimulante e a busca por formação diferenciada fora do âmbito acadêmico aparecem com frequência em suas memórias. Quanto ao curso, as informações sobre estrutura curricular, programas e disciplinas são descobertas recentes. 2 E fundamental é o papel que Lucio Costa irá desempenhar na sua formação. O ensino na Escola Nacional de Belas-Artes era cheio de lacunas, a tal ponto que nós éramos obrigados a procurar nosso rumo de maneira autodidata, fora do âmbito escolar. Isto explica por que os meus contatos com Lucio Costa não foram fortuitos. Fui deliberadamente ao seu encontro, sabendo que ele era um grande arquiteto e certo de que com ele eu poderia me familiarizar com os problemas da profissão. E lhe devo muito. Devo-lhe minha orientação arquitetural, minhas relações com a técnica e a tradição brasileiras e, sobretudo, o exemplo de correção e ideal que ele dá, ainda hoje, a todos os que dele se aproximam.3
Alguns acontecimentos, tais como a primeira vinda de Le Corbusier ao Brasil, em 1929, a passagem de Lucio Costa pela direção da ENBA, 4 entre dezembro de 1930 e setembro de 1931, o salão de 31 e a exposição da primeira “casa modernista” no Rio, também em 1931, podem explicar o interesse e a aproximação de Niemeyer em relação a Lucio Costa. Em entrevista de dezembro de 1930, logo ao assumir a direção da ENBA, 5 Lucio Costa defende a transformação radical do ensino, a convergência entre arquitetura/estrutura/construção, estudo da história com sentido crítico e indispensável conhecimento por parte dos nossos arquitetos da Arquitetura Brasileira da época colonial. Deliberadamente Niemeyer pede para estagiar como desenhista no escritório de Lucio Costa, então sócio de Carlos Leão e Gregori Warchavchik. Na ENBA, antes e depois de 1930, Abelardo de Souza apresenta relato mais detalhado sobre o curso, os fatos e os personagens envolvidos. Originalmente publicado em 1978, foi republicado em: XAVIER, Alberto (Org.). Depoimento de uma geração – arquitetura moderna brasileira. São Paulo: Cosac & Naify, 2003; SEGRE, Roberto; BARKI, José. Niemeyer jovem: o amor à linha reta. Disponível em: <http://www.arcoweb.com.br/artigos/roberto-segre-e-jose-barki-niemeyer-jovem-05-01-2009.html>. 3 PETIT, Jean. Niemeyer Poeta da Arquitetura. Lugano: Fidia Edizioni d’Arte,1998. p. 21. 4 Lucio Costa é levado ao cargo por Rodrigo Melo Franco de Andrade, quando da Revolução de 30. 5 COSTA, Lúcio. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995, p. 68. Situação do ensino na Escola de Belas Artes. 2
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Eu já cursava a Escola de Belas Artes – não trabalhava –, e com o aluguel de uma casa que Milota [prima de Niemeyer] possuía no centro da cidade íamos vivendo. No terceiro ano da Escola [1931] os estudantes procuravam fazer estágio nas firmas construtoras, onde tomavam contato com os problemas da profissão, o que lhes garantia inclusive um salário razoável. Não quis segui-los, preferindo, apesar da situação financeira difícil em que vivíamos, freqüentar graciosamente o ateliê de Lucio Costa e Carlos Leão, onde diziam que encontraria o caminho da boa arquitetura. E essa decisão mostra que já naquela época as questões de dinheiro não me interessavam. Desejava apenas ser um bom arquiteto.6 Por exemplo, quando me procurou pela primeira vez, trazendo uma carta de apresentação, e tentei dissuadí-lo de trabalhar comigo uma vez que o serviço era pouco e não lhe daria a remuneração necessária, ele, invertendo os papéis, propôs “pagar” para ter direito de participar de algum modo do meu dia a dia profissional. Se levarmos em conta que ele já era casado e tinha uma filha, e que sua família, originariamente abastada, atravessava, nessa época, uma fase difícil – essa atitude, aparentemente impensada, revela de forma incisiva o seu desejo de seguir a orientação que, no seu entender, era a mais acertada. Qualquer outra pessoa, em tais circunstâncias, teria sacrificado a carreira em favor das obrigações domésticas, o que teria sido sensato, porém errado. 7 (sic)
O convívio e o trabalho como desenhista no escritório fazem com que participe, entre 1932 e 1935, de projetos como as 3 Casas sem Dono, os Apartamentos Proletários da Gamboa, a Cidade Operária de Monlevade, a Chácara Coelho Duarte e as Casas Carmen Santos, Maria Dionésia e Álvaro Osório de Almeida. Este período corresponde exatamente ao final da sociedade com Warchavchik e da escolha de rumo adotada por Lucio Costa através do estudo mais aprofundado das vanguardas europeias, principalmente da obra de Le Corbusier. E com isto a firma acabou. Mas acabou também porque, apesar de certa balda propagandista a que não estávamos afeitos, o trabalho escasseava e ainda porque o tal “modernismo estilizado” que às vezes aflorava já não parecia – ao Carlos Leão e a mim – ajustar-se aos verdadeiros princípios corbuseanos a que nos apegávamos. 8
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NIEMEYER, Oscar. Minha Arquitetura – 2002. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 41-42. COSTA, Lucio. Registro de uma vivência. 2. ed.São Paulo: Empresa das Artes, 1997. p.195. Originalmente escrito para PAPADAKI, Stamo. The Work of Oscar Niemeyer. 2. ed. New York: Reinhold, 1951. p. 1-2. COSTA, Lucio. Registro de uma vivência. 2. ed. São Paulo: Empresa das Artes, 1997. p. 72.
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A influência da relação com Lucio Costa fica evidente nos dois primeiros projetos de Oscar Niemeyer Soares, como assinava à época: o Club Sportivo (Fig.1) e o Ante-Projecto de Residência (Fig.2). Projetado no último ano da Escola de Belas Artes, o Club Sportivo (1934) não escapa à tendência da produção da época.
Figura 1: Perspectiva do Club Sportivo (1934). [...] um funcionalismo destituído de qualquer pesquisa plástica identificado com a linha de Warchavchik – Lucio Costa, e composto por “vários blocos prismáticos contíguos, terraços sobre a cobertura, janelas na horizontal.9
Figura 2: Perspectiva do Club Sportivo (1935).
O ante-projeto da residência é um dos primeiros projetos de Niemeyer, como arquiteto.10 A falta de informações quanto a localização, programa e
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BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1999. p.75. Nas diversas listagens de obras, a casa Henrique Xavier (1936) aparece como primeiro projeto. Mas o Ante-Projecto de Residência é publicado no nº 19 da Revista da Directoria de Engenharia – Prefeitura do Districto Federal, em novembro de 1935 (p. 588-590). Antes dele, no nº 14 da mesma revista, em janeiro de 1935, aparece o Club Sportivo, apontado por Bruand como sendo projetado quando Oscar Niemeyer cursava o último ano da Escola de Belas Artes.
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cliente sugere que é uma casa sem dono, na mesma linha das projetadas por Lucio Costa.11
Figura 3: Perspectiva do anteprojeto de residência (1935).
Figura 4: Perspectiva do anteprojeto de residência (1935).
O lote é urbano entre divisas, plano e com cerca de 15 por 21 metros. A frente está orientada para leste. Dependências sociais e de serviços ficam no térreo; as íntimas, no segundo pavimento. Um muro de pedra, em forma de “L”, articula a casa com a rua e com o recuo lateral onde estão o acesso principal e a garagem (Fig. 3 e Fig.4). Ocupando quase todo o alinhamento, ele esconde o pátio principal e seu canto; ao mesmo tempo que suporta o terraço-jardim, forma dois lados da sala de estar. Ele segue em direção ao fundo do lote, terminando antes da garagem, ligada a casa apenas por uma estreita marquise, para
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Além das casas sem dono (1932-1936), Lucio Costa projeta outras, como a versão moderna para a casa E. G. Fontes (1930), e as casas Carmen Santos, Maria Dionésia, Álvaro Osório de Almeida, Genival Londres, Ronan Borges, Chácara Coelho Duarte e Schwartz, sendo esta em coautoria com Gregori Warchavchik, seu sócio, entre 1931 e 1933. Le Corbusier e Mies van der Rohe também projetaram casas sem dono nos anos 20 e 30.
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permitir acesso ao pátio de serviço. Localizado no muro, o acesso principal é oblíquo em relação ao percurso de entrada. Uma parede de pedra junto à divisa suporta a projeção do segundo pavimento formando um pórtico que protege e marca o ingresso. O acesso é direto à área social. A primeira impressão é a de um ambiente único, contínuo e integrado de projeção quadrada. Mas, na verdade, ele é composto por duas partes: um “L” com vestíbulo e salas de estar e jantar e um quadrado com o pátio. Neste, o elemento principal é uma estátua, em escala real, representando uma mulher nua, ereta e com os braços erguidos, repousada em um pedestal dentro de pequeno espelho d’água. A continuidade é dada pelo piso, em pedra, e pela transparência das esquadrias das salas. Elas vão do piso ao forro, sem vigas ou peitoris, sendo unidas por um pilar de secção quadrada, através do qual surge a única interrupção de continuidade do forro, uma viga que vai em direção à parede que faz limite com a cozinha, uma sutil diferenciação entre o vestíbulo mais sala de estar e a sala de jantar.12 Junto à área social ficam as dependências de serviço e escada, separadas por parede com pintura mural. À esquerda uma passagem comunica sala de estar com cozinha e, à direita, próximo da entrada principal, um pequeno vestíbulo contém as portas da cozinha, do lavabo e o início da escada, que leva às dependências íntimas. Percorridos dois lances, chega-se ao hall de distribuição. Imediatamente à frente o terraço-jardim, à esquerda, um quarto menor, sobre o pórtico, e, à direita, um quarto de casal, sobre a sala de jantar. O banheiro localiza-se ao lado da caixa da escada, sendo que os dois ocupam largura equivalente à do terraço-jardim. Um segundo terraço-jardim privativo do quarto de casal completa o pavimento (Fig. 5 a Fig. 9).
Figura 5: Perspectiva do pátio social do anteprojeto de residência (1935). Figura 6: Perspectiva interna da área social do anteprojeto de residência (1935). 12
Le Corbusier, no pilotis da Villa Savoye (1929), usa a mesma estratégia de diferenciar espaços através de vigas aparentes. Existem apenas três marcando uma espécie de pórtico junto ao acesso principal.
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Figura 7: Fachada leste do anteprojeto de residência (1935). Figura 8: Fachada norte do anteprojeto de residência (1935). Figura 9: Fachada oeste do anteprojeto de residência (1935).
A influência das Casas sem Dono é explícita, afinal Niemeyer teve contato com elas quando estagiou com Lucio Costa, de 1932 até 1935. Hoje ao lembrar esse episódio, sinto que não era um estudante medíocre que no escritório do Lucio tivesse surgido como um simples pára-quedista, mas que a arquitetura me convocava e eu queria ser um bom arquiteto. E, ali, compreendi melhor os assuntos da arquitetura, a importância da nossa velha arquitetura colonial, o idealismo que a profissão reclama. Recordo os velhos tempos: eu debruçado sobre os projetos do Lucio, surpreso diante das residências belíssimas que fazia, dos primorosos desenhos com que as apresentava. 13 (sic)
Figura 10: Plantas do primeiro e segundo pavimentos do anteprojeto de residência (1935).
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NIEMEYER, Oscar. As curvas do tempo – Memórias. 3.ed. Rio de Janeiro: Revan, 1998, p. 223.
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O tipo de desenho e os elementos que neles aparecem, como o mobiliário, a vegetação tropical cuidadosamente desenhada, as venezianas das esquadrias dos quartos, uma rede e até a mesinha auxiliar com garrafa e copos de refresco afirmam o contato. Segundo o próprio Lucio Costa, Niemeyer era “apenas um desenhista não demonstrando nenhum talento e alheio ao que representasse Le Corbusier”.14 Enquanto a sua visão se mostrava sensível às proposições modernas, pelo menos desde 1930. Nesse conjunto de profissionais igualmente interessados na renovação da técnica e expressão arquitetônicas, constituiu-se porém de 1931 a 35, pequeno reduto purista consagrado ao estudo apaixonado não somente das realizações de Gropius e Mies van der Rohe, mas, principalmente, da doutrina e da obra de Le Corbusier, encaradas já então, não mais como um exemplo entre tantos outros mas como o “Livro Sagrado” da arquitetura.15 (sic)
É interessante confirmar a observação de Lucio Costa, afinal na Casa de 35 a doutrina de Le Corbusier encontra-se à margem, os cinco pontos não são utilizados. Mas há algo de Mies van der Rohe presente. Como nas Casas Pátio do Arquiteto Alemão,16 nenhum recuo em relação ao lote é adotado, volume da casa e muros de divisas confundem-se. A presença de uma estátua figurativa lembra a experiência do Pavilhão Alemão para a Exposição Internacional de Barcelona (1929), esta também em pedestal sobre a água.
Figura 11: Casa Berlim (1931). COSTA, Lúcio. Registro de uma vivência. 2. ed. São Paulo: Empresa das Artes, 1997, adenda. Entrevista concedida a Mário Cesar Carvalho para a Folha de São Paulo em julho de 1995. 15 COSTA, Lucio. Muita construção, alguma arquitetura e um milagre. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 15 jun. 1951, em XAVIER, Alberto (org.). Depoimento de uma geração – Arquitetura moderna brasileira. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p. 92. 16 As casas pátio foram projetadas por Mies van der Rohe entre 1931 e 1938. Sobre elas ver o capítulo La casa de Zaratrustra em La buena vida: visita guiada a las casas de la modernidad, de Inaki Ábalos. 14
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A relação entre pátio e salas é comparável com a Casa para a Exposição de Berlim (1931) e com Casa Hubbe (1935) (Fig.11), onde Mies van der Rohe obtém continuidade espacial entre interior e exterior, através do uso de panos de vidro e mesmo tratamento de piso – mais uma vez aparece uma estátua. Nessa Casa, o programa organiza-se de maneira convencional. Estrutura e vedação são coplanares, o que gera espaços celulares e compartimentados. A predominância das superfícies lisas rebocadas, o vidro, o mobiliário e a denominação dada às duas sacadas de “terraço-jardim” dão a aparência “moderna” ou, como dito por Bruand, essa casa é de “um funcionalismo destituído de qualquer pesquisa plástica”. A pedra aplicada nos muros de divisa, na sala e na pavimentação do pátio, as janelas protegidas por venezianas, as redes e a presença abundante de vegetação tropical, assim como a opção pela estátua figurativa (ao invés de uma abstrata), acabam por dar um toque de nacionalidade e tradição.
Casa Henrique Xavier Rio de Janeiro, 1936 A segunda viagem de Le Corbusier ao Brasil e a participação de Niemeyer nos projetos do Ministério da Educação e Saúde (1936-1945) e da Cidade Universitária do Brasil (1936) foram a mudança de rumo e o impulso decisivo para a sua carreira. Lucio indicou-me para acompanhá-lo [Le Corbusier] como desenhista, e durante 15 ou 20 dias [julho e agosto de 1936] tive a oportunidade de conhecê-lo melhor. Todas as tardes ele vinha ver os desenhos que eu fazia; gostava da minha maneira de desenhar. Publicou-os num livro sobre os seus trabalhos [Oeuvre Complete], e um clima de simpatia se estabeleceu entre nós. 17
Em 1936, Niemeyer entra na equipe de projeto do Ministério da Educação e Saúde 18 e em 1938 recebe o segundo prêmio no concurso para o Pavilhão do Brasil, vencido por Lucio Costa. Convidado por Lucio vai desenvolver o projeto definitivo, em Nova Iorque – primeira viagem de Niemeyer aos Estados Uni17 18
NIEMEYER, Oscar. Minha Arquitetura – 2002. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 42. A equipe de Arquitetos era composta por Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Jorge Machado Moreira, Carlos Leão e Ernani Vasconcellos. O paisagismo foi de Roberto Burle Marx, com esculturas de Celso Antônio e Jacques Lipchitz; os painéis de azulejos e as pinturas são de Cândido Portinari.
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dos. Para Lucio Costa, é “a revelação do gênio incubado”. Foi efetivamente a presença desse criador de gênio, especialmente convidado, a meu pedido, pelo ministro Capanema e o seu convívio diário, durante quatro semanas, com o talento excepcional, mas até então ainda não revelado, daquele arquiteto, por assim dizer predestinado, que provocaram a centelha inicial, cujo rastro logo se expandiu graças à circunstância feliz de se haverem podido aplicar imediatamente os benefícios decorrentes de tão proveitosas experiências: primeiro, na elaboração do projeto definitivo e na construção do edifício do Ministério da Educação e Saúde, e, logo depois, em Nova York, no ano de 1938, no risco em colaboração comigo do projeto para o pavilhão do Brasil na Feira Mundial daquela cidade. Foram esses os fatores determinantes do surto avassalador que se seguiu. 19
Figura 12: Clube Universitário. Figura 13: Concurso para a sede da Associação Brasileira de Imprensa. Figura 14: Obra do Berço
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Depoimento, 1948. COSTA, Lúcio. Registro de uma vivência. 2. ed. São Paulo: Empresa das Artes, 1997. p. 198.
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Figura 15: Maternidade Figura 16: Instituto Nacional de Puericultura.
Esse convívio é decisivo e influencia, além da Casa Henrique Xavier, os primeiros projetos de uma carreira individual, entre agosto de 1936 e setembro de 1937. São eles: o Clube Universitário (Fig.12), um dos edifícios da Cidade Universitária do Brasil,20 o Concurso para a sede da Associação Brasileira de Imprensa – ABI (Fig. 13) em conjunto com Fernando Saturnino de Britto e Casio Veiga de Sá, a Obra do Berço (Fig. 14) (seu primeiro projeto construído), a Maternidade (Fig.15) e o Instituto Nacional de Puericultura (Fig.16) em conjunto com Olavo Redig de Campos e José de Souza Reis. A Casa Henrique Xavier é predominantemente vertical, tendo quatro pavimentos. O lote de 10 por 25 metros, plano com frente orientada para leste, é divido em três faixas transversais e duas longitudinais (Fig.17). A projeção do volume construído de 10 por 11 metros ocupa toda a faixa transversal central, e os recuos de frente e fundos são de 7 metros. A faixa longitudinal sul ocupa um terço da largura do lote e é predominantemente opaca, constitui a parte mais fechada do volume, como uma pequena barra; o restante é poroso pela sucessão de pilotis e terraços na faixa norte. A estrutura do volume construído é mista: há oito apoios que, de acordo com a posição de planta ou pavimento, se embutem, aparecem e ficam isolados, assumindo diferentes seções. Pilotis liberam o térreo, chamado de
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Lucio Costa considera este o marco inicial da carreira de Oscar Niemeyer. COSTA, Lúcio. Registro de uma vivência. 2. ed. São Paulo: Empresa das Artes, 1997. p. 187.
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jardim coberto, e a exceção fica por conta da escada e das dependências de serviço ligadas a um pátio de serviços com acesso independente desde a rua, na faixa sul. As divisas laterais e de fundos são muradas com altura de um pavimento (Fig.18).
Figura 17: Perspectiva frontal da casa Xavier (1936).
Figura 18: Planta do primeiro e segundo pavimento da casa Xavier (1936). Figura 19: Plantas do terceiro e quarto pavimento da casa Xavier (1936).
O ingresso é um brete, entre o pátio de serviços e o muro da divisa norte, camuflado por vegetação abundante, que enfatiza a porosidade, a passagem direta e livre sob a casa em direção ao jardim. Apesar de não ser indicado, pode funcionar como garagem. No foco os pilares de bordas arredondadas partem do jardim
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coberto, cruzam o terraço-jardim e apoiam o volume dos quartos. Junto à divisa norte, os apoios são aparentes, no térreo, ficando escondidos nos seguintes. Como na Casa de 1935, o acesso é oblíquo e o pavimento superior forma um pórtico. Uma porta de correr revela um pequeno hall e a escada de dois lances sem patamar; à esquerda ficam o lavabo, a lavanderia e o acesso ao pátio de serviço. Uma escada externa em caracol leva à cozinha. O patamar de chegada da escada principal funciona como pequeno hall em cada pavimento e neles a escada assume posição periférica e assimétrica. No segundo pavimento, a cozinha fica à direita e a sala, à esquerda, cuja esquadria avança além do alinhamento dos apoios, incorporando um pilar no espaço interno. No terraço coberto, percebem-se, da estrutura independente, apenas dois pilares de bordas arredondadas. Visto na saída da escada ou a partir da sala, o terraço-jardim tem mobiliário de descanso e vegetação em floreiras dispostas em três dos cantos; a laje dos quartos mais estreita delimita espaço de pé-direito convencional, enquanto a divisa norte mais larga indica a continuidade vertical do volume, servindo também como pano de fundo para uma estátua sobre pedestal – desta vez a opção é pelo abstrato ao invés do figurativo. O peitoril de cada um dos balanços é opaco, podendo assim ser uma viga invertida vencendo o vão de quase 7 metros. Esse é o pavimento onde a solução passa próxima à de uma planta livre.
Figura 20: Perspectiva da casa Xavier (1936).
As dependências íntimas, no terceiro pavimento, têm organização celular (Fig.19). Sobre a cozinha fica o único banheiro e, sobre a sala, o quarto principal com jardim descoberto e murado. O patamar que se estende como um corredor
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equipado com armários e escrivaninha leva a um quarto menor, anexado ao principal, à maneira de área íntima, e a um segundo quarto, com duas frentes. O tratamento idêntico dado à fachada leste com janelas convencionais não corresponde às funções internas de corredor e de quarto. Na fachada oeste, as janelas vão de pilar a pilar, quase sendo em fita. Mais um lance de escada, leva ao último pavimento com escritório e terraço-jardim (Fig.20), é o de menor projeção, apenas a sequência da escada somada ao quarto principal do pavimento inferior. A documentação existente não permite concluir se o terraço é coberto. Certa é a presença de viga sobre a projeção das fachadas dos quartos. A parede de divisa norte fecha o último terraço, e seu comprimento é igual à largura do mesmo, 6 metros. A apreciação de Botey e Comas: É provável que esta residência foi o primeiro projeto realizado por Oscar Niemeyer depois de concluir os estudos de arquitetura na escola nacional de Bellas Artes da Universidade do Brasil. A composição plástica está rigorosamente inspirada na arquitetura e nas idéias de Le Corbusier, mas a composição espacial, com os suportes de planta baixa, o grande balcão do segundo piso e o terraço jardim da cobertura, já anunciam o que será o compromisso constante de Niemeyer com o clima tropical do Brasil. Definido por seu desenvolvimento entre divisas e uma fachada sem pretensões, o interior, com seus quatro níveis desenvolvidos em diferentes direções, nos dá a imagem da casa-árvore que já expressara Le Corbusier na Villa Savoye; árvore que com suas ramificações converte a dimensão altura em um tema plástico da maior importância. 21(sic) Concomitante à participação no projeto do M.E.S. e da Cidade, em 1936, Niemeyer faz da porosidade um tema básico da casa Henrique Xavier, projetada para um lote urbano convencional no bairro carioca da Urca. Não se limitando ao andar térreo, o vazado permeia os quatro andares. Niemeyer traslada para contexto mais apropriado o motivo encontrado nos subúrbios periféricos da Cidade Contemporânea de Corbusier e o funde com a tradição local da varanda cheia de vasos de plantas, não ignorando que ambos conjuram os jardins suspensos da Mesopotâmia ancestral e querida de Lucio. Notável pela combinação de porosidade com monumentalidade, a casa Henrique Xavier (1936) mostra Niemeyer compartindo o gosto corbusiano pelos pátios elevados. O cubo virtual de quatro pisos, a construir-se entre divisas sobre lote pequeno, abriga
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BOTEY, Josep Ma. Oscar Niemeyer – Obras e Proyectos. Barcelona: Gustavo Gili, 1996. p. 20.
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os autos em pilotis cerrado a um lado por o vestíbulo. O terraço acima fica parcialmente coberto por bloco de dormitórios sob teto jardim. O rigor geométrico e as simetrias parciais recordam Loos e sintonizam com Terragni. Apesar da estrutura independente, as ambiguidades volumétricas que resultam da imbricação de caixas se dão sem planta livre. Que não aparece ou é episódica nas casas seguintes, onde as combinações e permutações da cobertura inclinada se estudam com talante aditivo e afã mais pitoresco. Com o clima sub-tropical carioca não é menos importante. Vazados em linhas estritamente ortogonais, são os dois lances de bom planejamento, um poroso e o outro compacto. 22 (sic)
Casa Oswald de Andrade Petrópolis, Distrito de Itaipava, Rio de Janeiro, 1939 Esta casa deverá ser construída em Itaipava – será mais um lugar de descanso, para férias. A planta é resultante de um programa, do terreno e da orientação etc. O estudo seguiu portanto, em função desses fatores e da intenção a que nos propomos sempre “de fazer arquitetura”. Procuramos dentro de uma planta simples resolver o problema dado e proporcionar aos proprietários ambiente de interesse plástico, de acordo com suas necessidades espirituais. Muito nos ajudou para isso a natureza do programa, que permitiu fugir à rotina dentro das possibilidades de um orçamento reduzido. Assim, procuramos inscrever a casa num quadrilátero, reduzir os quartos de dormir quasi a “boxes”, aos quais as divisões moveis permitirão entretanto inteira elasticidade, inclusive o aumento de mais uma peça. Na parte de estar, onde adotamos o sistema de pé direito duplo, mantemos os mesmos principios e assim a parte de estar poderá ser ampliada ou reduzida, ocupando uma ou mais peças conforme as atividades de momento de seus moradores. Todos os comodos abrirão para o jardim na orientação conveniente, sendo que a sala de estar fará conjunto com o portico que por sua vez ficará ligado ao caramanchão e à garage. Plasticamente, procuramos encontrar solução nova, clara, fóra das fórmas usuais, e que estivesse portanto melhor enquadrada nos verdadeiros princípios de arquitetura, como arte de creação que é. A solução da cobertura (que também corresponde às necessidades mínimas de pé direito, cahimentos etc.) confére ao conjunto silhueta carateristica, de certo interesse plastico, pela forma nova e propria que apresenta, perfeitamente integrada nas novas concepções de arte moderna. Dentro dos limites de um orçamento 22
COMAS, Carlos Eduardo Dias. Précisions brésiliennes sur un état passé de l’architecture et de l’urbanism modernes. D’apres les ouvre le projets exemplaire de Lúcio Costa, Oscar Niemeyer & Cie. Tese de Doutorado apresentada na Université de Paris-VIII, Paris, 2002. p.154.
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escasso, procurámos ainda estudar cuidadosamente o emprego de diversos materiaes e tirar dos mesmos, pelo contraste, o maior partido. Uma grande pintura mural está prevista, cuja execução sera feita por um dos proprietarios o pintor Oswald de Andrade Filho, assim como uma escultura para o jardim.23 (sic)
A memória de Niemeyer é clara: essa é uma pequena casa de campo para o escritor Oswald de Andrade, na cidade serrana de Petrópolis. Seu desconhecimento, bem como dos desenhos que a ilustram, aliado à posterior publicação por Papadaki de croquis sem escala, e até mesmo invertidos, resultou em apreciações imprecisas e infundadas (Figuras 21 a 24). A mais comum é incluir a pintora Tarsila do Amaral como cliente e autora da pintura mural. Em 1938 ela e Oswald já estavam separados.24
Figura 21: Planta da casa Oswald (1938). Figura 22: Vista aérea da casa Oswald (1938). Figura 23: Perspectiva da casa Oswald (1938). Figura 24: Perspectiva frontal da casa Oswald (1938).
A localização na propriedade não aparece nos desenhos. Como demonstrado na maquete, a implantação é em área plana circundada em grande parte de
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NIEMEYER, O. Arquitetura e Urbanismo, Rio de Janeiro, p. 502-503, maio-jun. 1939. É o registro mais completo do projeto com duas fotos de maquete (observador e aérea); fachada à mão, em escala, plantas dos dois pavimentos, à mão, em escala (térreo com orientação solar, área exterior e alinhamento) e croqui perspectivo interno. No mesmo número é publicado o projeto do Pavilhão do Brasil em Nova Iorque em coautoria com Lucio Costa. Foi mantida a grafia original da memória.
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BOAVENTURA, Maria Eugenia. O salão e a selva: uma biografia ilustrada de Oswald de Andrade. Campinas, SP: UNICAMP, 1995.
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seu perímetro por vegetação rasteira, e o principal destaque é o jogo de volumes da cobertura, composto por três elementos: “meia-água” mais baixa, casca curva e laje inclinada contínuas e de concreto em uma projeção total de 19,30 por 7,30 metros (Fig.25). A divisão é funcional e construtiva: garagem-abrigo, pórtico e casa. A última tem 8,30 por 7,30 metros. A “meia-água” resolve-se com pilares de alvenaria,25 cobertura de telhas e fechamentos em tramados de madeira; abriga o veículo e serve como varanda chamada de caramanchão, nome nada casual.26 A técnica empregada é tradicional. O acesso é por um sinuoso caminho que passa ao largo de recanto curvo, até uma área retangular pavimentada por pedras irregulares. Chega-se ao centro do conjunto. A exemplo dos casos anteriores, trata-se de um pórtico: espaço de transição entre exterior e interior, coberto por uma fina casca de concreto em forma de abóbada suportada por quatro pilares de concreto nas extremidades e por duas colunas metálicas. Diferentemente dos pórticos anteriores, este é delimitado por uma parede normal ao percurso e paralela ao eixo longitudinal leste-oeste, limitando a perspectiva. A parede é também uma “tela” que recebe a “grande pintura mural”, sendo o foco do percurso e escondendo a passagem entre garagem e cozinha (Fig. 26).
Figura 25: Vista aérea da casa Oswald (1938).
Como na planta da Casa Henrique Xavier, existe diferenciação entre concreto pintado de preto e as alvenarias hachuradas. 26 Segundo o dicionário Aurélio: construção ligeira, espécie de pavilhão de ripas, canas ou estacas, revestidas de trepadeiras, nos jardins. 25
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Figura 26: Plantas do primeiro e segundo pavimento e fachada principal da casa Oswaldo (1938).
A casa propriamente dita repete como acesso principal uma porta de correr oblíqua, ao percurso de ingresso. Seu volume de base retangular é coberto por laje inclinada com ponto mais baixo arrancando da abóbada. A impressão é de continuidade. O espaço interno é integrado por pé-direito duplo na sala, pelos quartos em mezanino e seus painéis móveis, reunindo de maneira mais informal e dinâmica as dependências sociais e íntimas. O envidraçamento para sul e leste faz ver e ser visto. É uma resposta adequada ao tipo de vida do cliente, um intelectual de vanguarda. A planta não pode dizer-se livre, mas, sim, aberta. Apenas a cozinha, o lavabo e o banheiro compartimentam-se. Abaixo do mezanino, a divisão entre atelier e biblioteca é por armários, como nos quartos. Destes para o vazio, cortinas garantem certa privacidade. Escada caracol une os dois níveis. Ao espaço
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moderno, correspondem a técnica construtiva, o concreto e o vidro (Fig. 27).
Figura 27: Foto da maquete da casa Oswald (1938).
Papadaki fala em “espaço integrado para a vida interna e externa” e integração com as artes, como uma das características principais dessa casa. This small house designed for the open country and for a limited budget shows the main characteristics of Niemeyer’s residential planning: integrated space for outdoor and indoor living, strict economy in the distribution of each area-function combined with a generous total building volume, and, finally, the introduction of a major art as a legitimate architectural element. The porch situated between the car port and the main part of the house, features a large mural on a rough masonry wall. The wall also serves as a screen to the service area at the rear. The two bedrooms are located on a balcony accessible from the living room. The roof is designed to provide a minimum and maximum heights required by the plan. 27
A partir dos anos 30, com o projeto da Maison Errazuris, Le Corbusier aceita a rusticidade e os materiais tradicionais, mas com elementos e composição modernos. As casas Citrohan (1920-1922), de Le Corbusier, são o precedente claro para o tipo de espaço interno integrado projetado por Niemeyer (Fig. 28). Nas Maisons Monol (1920) (Fig 29) e na Maison d’Artiste (1922) (Fig. 30)o teto plano é substituído por abóbadas, ainda com a estética maquinista; as coberturas são curvas, em Pessac (1925)
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PAPADAKI, Stamo. The Work of Oscar Niemeyer. 2. ed. New York: Reinhold, 1951. p. 18-19. As plantas e a perspectiva são simples croquis sem escala com as legendas em inglês, feitos provavelmente para a publicação. São, ao mesmo tempo, os mais conhecidos e menos fiéis ao projeto.
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e na Maison de Weekend (1935) e inclinadas em borboleta na Maison Errazuris (1930). Le Corbusier não faz uso da combinação de coberturas curvas e inclinadas.
Figura 28: Croqui interno da casa Oswald (1938). Figura 29: Maison Monol (1920).
Figura 30: Maison d’Artiste (1922).
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A abóbada de concreto será a essência da pequena Capela de São Francisco (1942-1946) (Fig.31) e motivo recorrente na obra posterior do Arquiteto, enquanto a mesma volumetria será empregada, no Clube de Golf (1944) (Fig.32) – ambos, partes integrantes do Conjunto da Pampulha.
Figura 31: Capela São Francisco de Assis, Pampulha (1940-46). Figura 32: Golf Club, Pampulha (1940).
A análise das três primeiras casas projetadas por Niemeyer, indica que a inserção no sítio e os percursos de acesso que são sempre muito elaborados, privilegiando o encaminhamento oblíquo em busca da entrada, que raramente está exposta. Varandas, sacadas, pilotis, terraços e pátios são bastante empregados como forma de adequação ao clima e como espaços de transição
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entre interior e exterior, reflexo de uma arquitetura que, para ser moderna, não deixa de ser brasileira.
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NIEMEYER, Oscar. Oscar Niemeyer. Minha Arquitetura 1937-2004. Rio de Janeiro: Revan, 2004. PAPADAKI, Stamo. Oscar Niemeyer: works in progress. New York: Reinhold, 1956. ______. The Work of Oscar Niemeyer. New York: Reinhold, 1950 PETIT, Jean. Niemeyer, Poeta da Arquitetura. Lugano: Fidia Edizioni d’Arte, 1998 ROWE, Colin. Manierismo y arquitectura moderna y otros ensayos. Barcelona: Gustavo Gili, 1978. SCHWARTZ , Jorge (org.). Da Antropofagia a Brasília – Brasil, 1920-1950. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. UNDERWOOD, David Kendrick. Oscar Niemeyer e o modernismo de formas livres no Brasil. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
Fonte das imagens Figura 1: Revista da Directoria de Engenharia – Prefeitura do Districto Federal nº14, p. 236. Figura 2: Revista da Directoria de Engenharia – Prefeitura do Districto Federal nº14, p. 238 Figura 3: Revista da Directoria de Engenharia – Prefeitura do Districto Federal nº19, p. 588. Figura 4: Revista da Directoria de Engenharia – Prefeitura do Districto Federal nº19, p. 588. Figura 5: Revista da Directoria de Engenharia – Prefeitura do Districto Federal nº19, p. 590. Figura 6: Revista da Directoria de Engenharia – Prefeitura do Districto Federal nº19, p. 589. Figura 7: Revista da Directoria de Engenharia – Prefeitura do Districto Federal nº19, p. 590. Figura 8: Revista da Directoria de Engenharia – Prefeitura do Districto Federal nº19, p. 589. Figura 9: Revista da Directoria de Engenharia – Prefeitura do Districto Federal nº19, p. 589. Figura 10: Revista da Directoria de Engenharia – Prefeitura do Districto Federal nº19, p. 589. Figura 11: AV monografías nº92, p. 23 Figura 12: COSTA, Lucio. Registro de uma Vivência. SãoPaulo, Empresa das Artes, 1995, p. 187. Figura 13: Revista da Directoria de Engenharia – Prefeitura do Districto Federal nov. 1936, p. 334. Figura 14: Revista da Directoria de Engenharia – Prefeitura do Districto Federal mai. 1937, p. 140. Figura 15: Revista da Directoria de Engenharia – Prefeitura do Districto Federal set. 1937, p. 272. Figura 16: Revista da Directoria de Engenharia – Prefeitura do Districto Federal set.1937, p. 180 Figura 17: Revista da Directoria de Engenharia – Prefeitura do Districto Federal nº4, p. 259. Figura 18: Revista da Directoria de Engenharia – Prefeitura do Districto Federal nº4, p. 258. Figura 19: Revista da Directoria de Engenharia – Prefeitura do Districto Federal nº4, p. 258. Figura 20: Revista da Directoria de Engenharia – Prefeitura do Districto Federal nº4, p. 258. Figura 21: Planta da casa Oswald (1938).
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Figura 22: Vista aérea da casa Oswald (1938). Figura 23: Arquitetura Contemporânea no Brasil nº2, p. 29. Figura 24: Arquitetura Contemporânea no Brasil nº2, p. 29. Figura 25: Arquitetura e Urbanismo mai-jun 1939, p. 502. Figura 26: Arquitetura e Urbanismo mai-jun 1939, p. 503. Figura 27: Arquitetura e Urbanismo mai-jun 1939, p. 502. Figura 28: Arquitetura e Urbanismo mai-jun 1939, p. 503. Figura 29: BOESIGER, Willy; STONOROV, O. Oeuvre complète, 1910-1929. v.1. Zurich. Les Éditions D’architecture Erlenbach, 1946, p. 30. Figura 30: BOESIGER, Willy; STONOROV, O. Oeuvre complète, 1910-1929. v.1. Zurich. Les Éditions D’architecture Erlenbach, 1946, p. 53. Figura 31: PAPADAKY, Stamo. Oscar Niemeyer. New York, George Braziller Inc., 1960, fig. 26. Figura 32: Álbum da Pampulha.
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CapĂtulo 5 O Programa como coadjuvante da forma nas seis fases da carreira de Oscar Niemeyer Simone Neiva
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Nas palavras de Oscar Niemeyer, seu método projetual “é simples” (NIEMEYER, 1986, p. 69). Primeiramente ele considera as questões práticas, o ambiente onde será inserida a arquitetura, os aspectos econômicos e a orientação, para só então se debruçar sobre o papel e traçar os croquis que definirão a ideia desejada. Alcançada essa ideia, verificam-se sua compatibilidade com o programa, o sistema estrutural pretendido e os dimensionamentos. Se tudo funcionar bem, o arquiteto passa a redigir o um texto explicativo expondo seus argumentos. Se faltam argumentos, o arquiteto volta à prancheta. Em cada um dos projetos um diferente fator prevalece. Às vezes uma planta, um partido, um croqui, uma perspectiva. Escolhida a solução, o arquiteto projeta em 1:500, a escala que prefere e, às vezes, confessa, “o que não raro acontece, o programa proposto é desatualizado” (NIEMEYER, 1980, p. 86) e nele o arquiteto interfere, como ocorreu no caso da Universidade de Constantine. Outras vezes, o programa simplesmente não existe, como no caso do projeto para o Congresso Nacional. Mas muito pouca gente sabe disso. Há 50 anos, a arquitetura de Oscar Niemeyer vem sendo contemplada em uma série de artigos publicados por revistas como a Módulo, a Arquitetura e Urbanismo, a Projeto, a Domus e a L’Architecture d’Aujourd’Hui. Entretanto, seu processo de criação ainda tem sido pouco investigado. Nos periódicos, poucos são os textos que ultrapassam o elogio extremado ou a crítica ácida e buscam
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lições reais em sua arquitetura. O número de teses que tratam do assunto é pequeno, diante da magnitude da obra do arquiteto. Infelizmente, até hoje nossa exagerada admiração e nosso limitado conhecimento sobre a relação entre forma, programa e outros fatores definidores de sua arquitetura ainda não podem identificar o propalado alcance da obra de Oscar Niemeyer. Nas últimas décadas, a ênfase formal, com a intenção de atender à ávida demanda pelo consumo de imagem, parece ter oferecido a Oscar Niemeyer uma liberdade de criação plástica quase sem limites; contudo, percebe-se que desde o início de sua carreira as superficiais políticas culturais brasileiras e os prazos exíguos possibilitaram ao arquiteto a recorrência da aplicação de um procedimento que privilegia a proposição formal, relegando o programa ao segundo plano. Uma investigação sobre a relação entre a forma e o programa nas fases da obra do arquiteto1 – Pré-Pampulha; Pampulha; de Pampulha a Brasília; Brasília; sua atuação no exterior; e, finalmente, os últimos projetos realizados pelo arquiteto – revela que, ao longo dos anos, o traço que busca a forma curva na Pampulha ou a forma concisa em Brasília muitas vezes encontra, na flexibilidade ou na ausência do programa, um aliado. A liberdade concedida a Oscar Niemeyer na definição de programas arquitetônicos atravessa todas as fases de sua carreira, privilegiando a proposição formal em nove de suas obras mais conhecidas. É o que veremos a seguir.
Fase Pré-Pampulha (1935-1939) – o Ministério da Educação e Saúde e o Pavilhão do Brasil na Feira de Nova Iorque Ainda estudante, Oscar Niemeyer trabalha com Lucio Costa e Carlos Leão, no escritório que ambos mantinham na Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro. Cedo, o aluno reconhece as lacunas da escola de arquitetura e procura uma formação, de certo modo, autodidata. Oscar Niemeyer, espontaneamente, vai ao encontro de Lucio Costa, “sabendo ser ele um grande arquiteto” e acreditando que com ele poderia “familiarizar[-se] com os problemas da profissão” (PETIT, 1
As fases mencionadas foram definidas por Oscar Niemeyer e reiteradas por Marco Antonio Alves do Valle. In: NIEMEYER, Oscar. As curvas do tempo: memórias. Rio de Janeiro: Revan, 1998; VALLE, Marco Antonio Alves do. Desenvolvimento da forma e procedimentos de projeto na arquitetura de Oscar Niemeyer (1935-1998). Tese (Doutorado), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.
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1998, p. 21). Em 1936, a convite de Lucio Costa, o jovem arquiteto participa da comissão composta por Affonso Eduardo Reidy, Jorge Moreira, Carlos Leão, Ernani Vasconcellos e pelo próprio Lucio Costa que, sob a consultoria do arquiteto suíço Le Corbusier, definiria os planos da Cidade Universitária e do Ministério da Educação e Saúde. Naquele mesmo ano, Le Corbusier desembarca do Graf Zepelin no Rio de Janeiro, para que, junto com a comissão de arquitetos brasileiros, pudesse examinar, primordialmente, o projeto da Cidade Universitária. Oscar Niemeyer é encarregado de auxiliar o mestre suíço como desenhista, mantendo um contato diário estreito que o permite observar seu método de projeto (BRUAND, 1998. p. 90). Os planos para a Cidade Universitária são rejeitados, e Le Corbusier passa a colaborar com a equipe brasileira no projeto do Ministério “como um simples membro do grupo” (HARRIS, 1987, p. 81). Le Corbusier sugere a negociação do Ministério com a prefeitura do Distrito Federal para a troca do terreno designado para a construção (da Esplanada do Castelo pela Praia de Santa Luzia, na orla marítima contígua ao aeroporto). O pedido, decorrente da visão de Le Corbusier sobre a cidade do Rio de Janeiro2, não é atendido. A comissão adapta os croquis deixados pelo mestre à área oferecida. A partir dos esboços de Le Corbusier, Oscar Niemeyer propõe significativas modificações à proposta. O conjunto de alterações “localizava o bloco principal no centro do terreno, fazia os setores de exposição e auditório independentes, criando uma área aberta permitindo que o povo atravessasse o edifício de lado a lado” (NIEMEYER, 2004, p. 139). O Ao delimitarmos os períodos em questão, também foi avaliada a divisão cronológica proposta por Eduardo Dias Comas, em sua tese de doutorado Precisões Brasileiras – Sobre um estado passado da arquitetura e urbanismo modernos a partir dos projetos e obras de Lucio Costa, Oscar Niemeyer, MMM Roberto, Afonso Reidy, Jorge Moreira & Cia., 1936-1945. Universidade de Paris 8, Paris, França, 2002. Em sua tese Comas investiga o período de desenvolvimento da chamada “escola carioca” (1938-1960) e propõe quatro subdivisões: “emergência” (1936-1945), “consolidação” (19461950), “hegemonia” (1951-1955) e “mutação” (1955-1960). Todavia, observou-se que na definição dos cortes temporais foi considerado o conjunto da obra dos modernistas em questão, não se oferecendo, portanto, uma periodização mais específica para o caso exclusivo das obras de Oscar Niemeyer, o que nos interessava. 2
“A posição do edifício relativa à cidade, no entanto, ultrapassava para Le Corbusier o domínio da unidade. Apesar de a discussão em torno da mudança de terreno ter-se dado em torno da monumentalidade do edifício – horizontalidade e perspectiva –, seu fundamento último era o novo traçado para a cidade do Rio de Janeiro”. RECAMÀN, Luiz Antônio Barros. Por uma arquitetura brasileira. Dissertação (Mestrado), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1995, p. 86.
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arquiteto sugere ainda a “eliminação das saliências previstas na fachada posterior para a localização dos sanitários e a adoção do corredor central em vez da circulação singela” (KATINSKY, 1996, p. 12). Os pilotis são aumentados de quatro para oito metros. Jorge Moreira não gostou da proposta, mas Lucio Costa, entusiasmado, resolve adotá-las. Oscar Niemeyer confere, ao projeto de Le Corbusier, uma forma mais limpa, transformando-o em um único retângulo (Figura 1). Saliências e reentrâncias são eliminadas com a transferência dos sanitários para a extremidade do edifício. Os volumes fundidos por Le Corbusier tornam-se mais independentes, o que confere uma maior amplitude visual ao ambiente. A fachada, modificada pela transferência do corredor lateral pelo central, permite uma superfície mais limpa pela ampla utilização do pano de vidro. A duplicação da altura dos pilotis confere esbelteza ao conjunto. As modificações propostas por Oscar Niemeyer são significativas.
Figura 1 - Ministério da Educação e Saúde, Rio de Janeiro (1936-1942). Esquemas volumétricos: a) Le Corbusier e b) Oscar Niemeyer.
Seguindo recomendações do Ministro Gustavo Capanema, o programa do Ministério é elaborado pela própria equipe e apresentado no formato de um memorial descritivo. No memorial estão descritos os serviços que compõem os órgãos de direção do Ministério e os serviços de apoio, como portaria, biblioteca, restaurante, etc. (LISSOVSKY; SÁ, 1996, p. 59). O mesmo memorial é apresentado a Le Corbusier, que não participa da elaboração do programa.
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Em 1937, Lucio Costa apresenta a Gustavo Capanema o anteprojeto desenvolvido com bases nas modificações propostas por Oscar Niemeyer. Souza Aguiar,3 um dos pareceristas do Ministério, é francamente favorável, elogia o partido, mas sugere que seja dada maior atenção ao programa – “[...] por que embora se tenha uma boa impressão das indicações do croqui, certo é que muitas vezes, na realização do projeto, uma exigência do programa pode invalidar um partido que se apresentou vantajoso à primeira vista” (LISSOVSKY; SÁ, 1996, p. 133). Um segundo parecerista, Washington Azevedo, redige um texto mais minucioso que o de Aguiar. Nele, Azevedo especifica uma série de inconvenientes: a “falta de espaço para manobra”, a “falta de acesso fácil e direto” e sugere ainda que algumas atividades do programa – hall, sala de conferência, depósito, biblioteca, arquivo, garagem e o jardim – sejam transferidas para outros pavimentos. Embora o parecer dirija-se, sobretudo, aos problemas de fluxo, Washington Azevedo sugere a gratuidade da forma do edifício anexo ao dizer que: “só poderia ter obedecido a motivos estéticos” (LISSOVSKY; SÁ, 1996, p. 125). Assim, no projeto para o Ministério Oscar Niemeyer recebe, juntamente com a equipe de arquitetos liderada por Lucio Costa, as primeiras críticas relacionadas às exigências programáticas. Apenas um ano após o projeto para o Ministério da Educação e Saúde, em 1938, Lucio Costa e Oscar Niemeyer participam de um concurso lançado pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, cujo objetivo era escolher o projeto do pavilhão que iria representar o Brasil na Feira de Nova Iorque (1939). O evento fazia parte da Good Neighbor Policy, levada a cabo pelo presidente Franklin Roosevelt (1882-1945) que declarava descartar o uso da força na resolução de conflitos com os países latino-americanos e pretendia reforçar interesses econômicos. Lucio Costa vence o concurso, mas abandona seu projeto e, generosamente, compõe um novo projeto em conjunto com o segundo colocado, Oscar Niemeyer. Lucio Costa justifica sua decisão de elaborar o novo projeto para o Pavilhão de Nova Iorque com Oscar Niemeyer – “era o momento dele desabro-
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“Capanema solicita pareceres dos arquitetos Ângelo Bruhns e Sousa Aguiar, superintendente de obras do Ministério da Educação, dos engenheiros Saturnino de Brito F. O. e Domingos Cunha, chefe do serviço de engenharia sanitária do mesmo Ministério, assim como de quatro técnicos de administração pública, dos quais três diretores do Ministério (Teixeira de Freitas, Heitor de Farias, Hilario Leitão) – MESP”. COMAS, Eduardo Dias, ibidem, 2002, p.126.
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char e ser reconhecido internacionalmente” (XAVIER, 1987, p. 140). Na Feira de Nova Iorque (1939), ao lado do pavilhão brasileiro, estaria o imponente pavilhão francês, uma construção alta e de massa pesada. O projeto brasileiro deveria impor-se, então, por contraste, valendo-se de outro tipo de partido mais horizontal, “leve e vazado” (XAVIER, 2007, p. 96). O corpo do edifício é elevado sobre pilotis e recuado em relação a uma curva do terreno. A ondulação reverbera no interior da arquitetura pela rampa, pelas paredes de fechamento, pelas curvas do mezanino e pelo auditório. Buscando a integração de interior e exterior, parte da vedação é feita por vidros e outra parte, numa referência à tradição brasileira, por elementos vazados. O programa do pavilhão, coordenado pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, era sucinto e requisitava “galerias de exposição, auditório, bar-restaurante com pista de dança e palco para música ao vivo, café, escritório do Comissário Geral e jardim” (COMAS, 2002, p. 172). Lucio Costa e Oscar Niemeyer procuram, ao mesmo tempo, expor uma mostra dos produtos agrícolas e manufaturados produzidos no país4 e evocar o ambiente da natureza tropical como uma forte característica brasileira por meio do jardim, viveiro de pássaros e um espelho d’água com plantas aquáticas. Segundo Yves Bruand “o júri [...] decidiu classificar os anteprojetos de acordo com dois critérios: prioritariamente, pelo caráter nacional e, secundariamente, pelas condições técnicas que poderiam corresponder a um pavilhão de exposições” (1981, p. 105). A proposta atende claramente os pré-requisitos e excede. Lucio Costa afirma que “do recuo resultou o jardim interno e do jardim a conveniência de se deixar grande parte do pavimento térreo aberto ou apenas envidraçado para atrair a curiosidade do transeunte” (XAVIER, 2007, p. 96). Se a graciosa curva do terreno gerou o recuo, e a partir deste surge o jardim requerido pelo programa, não se pode dizer o mesmo do espelho d’água, que é pura invenção. Tímido na primeira proposta de Lucio Costa (Figura 2), torna-se o coração do projeto com suas curvas generosas na versão construí-
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Espaço para amostras de café, açúcar, álcool, mandioca, guaraná, mate, fibras, arroz, castanhas-do-pará, cacau, fumo, algodão, cera de carnaúba, óleos vegetais, faqueiros e cristais. Tanque para peixes tropicais, nenúfares e vitórias-régias. Viveiro para aves tropicais. WORLD’S FAIR 1939-1940 Nova Iorque. Pavilhão do Brasil: Feira Mundial de Nova Iorque de 1939. Nova York: H. K. Publising, 1939, apud MACEDO, Oigres Leici Cordeiro de. Pavilhão Brasileiro na Feira de Nova York: iconografia remanescente. In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA, 12., 2006. Anais do XII Encontro Regional de História – Usos do passado. ANPUH, Rio de Janeiro, 2006.
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da (Figura 3). O programa normalmente encarado como um pacote fechado de atividades a serem organizadas espacialmente pela arquitetura, no projeto para o pavilhão abriu-se à inclusão de um novo item, uma brecha para uma invenção que modifica toda a ambiência.
Figura 2 – Pavilhão do Brasil na Feira de Nova Iorque, Lucio Costa (1938). Proposta individual. Pavilhão de formas estáticas enclausuram o espelho d´água.
Figura 3 – Pavilhão do Brasil na Feira de Nova Iorque, Oscar Niemeyer e Lucio Costa (1938). Pavilhão de formas movimentadas envolvem espelho d´água mais generoso.
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A proposta inicialmente vencedora, a de Lucio Costa, atém-se a uma posição ortodoxa diante da forma. Marco Valle, em seus estudos, conclui que “Niemeyer é quem desenvolverá a forma arquitetônica movimentada do pavilhão” (VALLE, 2000, p. 101). Do projeto originalmente vencedor, de Lucio Costa, o pavilhão incorpora apenas os pilotis, a rampa e os elementos vazados (SEGAWA, 1997, p. 93). Na realidade é difícil afirmar que a inclusão do espelho d’água, como um novo item do programa, que dominará a composição, tenha sido proposta por um arquiteto ou pelo outro. Contudo, cerca de setenta anos mais tarde, Oscar Niemeyer, ao descrever o a criação de uma das rampas para do Museu Nacional (2006) diria que “é aí”, na invenção de um novo item do programa, que o arquiteto atua com mais independência. Eu queria fazer uma coisa que criasse mais surpresas, então fiz uma coisa que não tinha nada a ver com o programa. É aí que o arquiteto atua com mais independência. Resolvi fazer uma espécie de ponte que sai de um andar, sai fora do prédio, dá uma volta e entra num outro andar. Por fora é bonito ver aquela coisa solta, é a surpresa atuando no projeto. Aí sim, é o que o arquiteto inclui, o que não constava no projeto (CAVALCANTI, 2007, p. 13).
Fase Pampulha (1940-1944) – a Casa de Baile e a Igreja de São Francisco de Assis Entre os anos de 1937 a 1945, o regime ditatorial, denominado Estado Novo, conta com a presença de parte da intelectualidade à frente de alguns órgãos oficiais, beneficiando o campo da arquitetura nacional, ao materializar obras de grande porte sob o patrocínio do Estado. Beneficiada pelo contexto político, a arquitetura moderna brasileira é celebrada em todo o mundo por meio de publicações especializadas como a Architectural Record e a Architectural Forum. O Museu de Arte Moderna de Nova Iorque – MOMA – organiza uma exposição da arquitetura moderna brasileira, e Phillip Goodwin publica em 1943 o livro Brazil Builds: architecture new and old – 1932-1942. O inegável talento de Oscar Niemeyer o torna, aos poucos, o mais proeminente arquiteto brasileiro aos olhos do mundo. Esse imenso sucesso da arquitetura brasileira no exterior deveu-se, entre outras obras nacionais, ao projeto para o
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bairro da Pampulha, em Minas Gerais. Em ocasião oportuna, Oscar Niemeyer é apresentado por Gustavo Capanema, idealizador do projeto para o Ministério da Educação e Saúde, a Benedito Valadares, governador de Minas, que pretendia construir um cassino no “Acaba Mundo” (NIEMEYER, 1998, p. 93). No mesmo dia, Oscar Niemeyer conhece Juscelino Kubitscheck, prefeito de Belo Horizonte. A ideia não é levada a cabo por Benedito Valadares, mas, passados alguns meses, Kubitscheck convida o jovem arquiteto, então com 34 anos, para criar o bairro da Pampulha, totalmente voltado para o entretenimento da classe média mineira, “com cassino, clube, igreja e restaurante” (NIEMEYER, 1998, p.93). O professor Eduardo Comas complementa a versão do arquiteto, Consta até que Niemeyer é quem teria sugerido a implantação dum conjunto de repouso e lazer na Pampulha ao governador, que pretendia construir um cassino na montanha que domina Belo Horizonte. Juscelino teria encampado a idéia depois. A história não tem confirmação, mas a aceitação por Niemeyer do encargo comprova a sua autonomia face às posições mais austeras – e hipócritas – da vanguarda moderna (COMAS, 2002, p. 212).
A divulgação de tal programa no exterior “tendia a ofender os entusiastas europeus”, pois até aquele momento a Arquitetura Moderna preocupava-se com “a saúde, com o comportamento racional do homem e suas necessidades fisiológicas – ar puro, luz solar e contato com a natureza – permanecendo distante da vida noturna do homem”5 (SPADE; FUTAGAWA, 1971, p. 13, tradução nossa). A despeito das oposições, Oscar Niemeyer formula um programa voltado para a diversão que complementam as atividades do cassino idealizado por Benedito Valadares, com exceção da igreja. Na Pampulha, pela primeira vez, Oscar Niemeyer não faz parte de uma equipe, trabalha sozinho em um projeto de grande porte com um programa
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“Striking as these building were as an example of modern architecture, their actual purpose tended to offend European enthusiasts. Papadaki notes primly that ‘Modern Architecture, until then concerned with the health, the rational comportment of man and his physiological needs – fresh air, sunshine and contact with nature – [had] remained aloof from man’s night life’”. SPADE, Rupert; FUTAGAWA, Yukio. Oscar Niemeyer. New York: Simon & Schuter, 1971 (primeira edição: Japão, 1969).
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que lhe permite uma enorme autonomia plástica. Segundo Joaquim Cardozo, Pampulha realmente não seguiu um plano a priori e [...] o próprio cassino, construído com objetivo imediato de servir à exploração do jogo de azar, não está, pela disposição de seus elementos, imperativamente destinado a esse fim; é na verdade um cassino, mas organicamente mais adaptado a uma colônia de férias para estudantes ou funcionários públicos do que mesmo para jogadores profissionais (CARDOZO, 1965, p. 32-36).
Oscar Niemeyer narra que o prazo era exíguo e que Juscelino Kubitschek, tão logo explica o projeto, diz que “precisava do projeto do cassino para amanhã” e que o atendeu, “elaborando durante a noite no quarto do Grande Hotel o que me pedira” (NIEMEYER, 1998, p.93). Diante da autonomia conferida pelo prefeito, trabalhando sem os conflitos de uma equipe, contra o tempo, na ausência de um programa planejado e restritivo, Oscar Niemeyer dispõe, no projeto da Pampulha, de uma liberdade plástica sem precedentes. Exercitada, sobretudo, nos projetos da Casa de Baile e da Igreja de São Francisco. Diferentemente do projeto do Cassino e do Iate, nos quais o arquiteto encontra-se ainda em um momento de transição dos preceitos de Le Corbusier; nos projetos da Casa de Baile e da Igreja de São Francisco, Oscar Niemeyer experimenta seu próprio modo de conceber arquitetura, desafiando as teorias estabelecidas e investigando, juntamente com o engenheiro Joaquim Cardozo, as novas funções matemáticas “que não se subordinam a essas teorias” (CARDOZO, p. 136). O engenheiro refere-se às teorias geométricas cartesianas, contrárias à forma com base em campos de tangência, na qual a superfície como elemento de sustentação é privilegiada. A partir de Pampulha, os desafios estruturais se tornariam a ênfase da arquitetura de Oscar Niemeyer, explorados com todo o vigor, em Brasília. No projeto da Igreja de São Francisco, a despeito dos desafios estruturais que poderiam gerar, a princípio, uma forma absolutamente desconhecida, Oscar Niemeyer utiliza referências formais conhecidas e subverte
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seu uso original. Uma possível referência é a abóboda de Eugene Freyssinet e Limousin (1916), uma estrutura parabólica concebida como um grande hangar para dirigíveis em Orly, na França. Oscar Niemeyer aplica à Igreja de São Francisco os mesmos princípios dos corpos parabólicos dobrados, eliminando a oposição entre parede e teto. Aqui, pela primeira vez, o arquiteto funde forma e estrutura, rompendo tridimensionalmente a caixa modernista. No projeto da igreja, interessa mais explorar a natureza do concreto do que exatamente submeter o programa religioso às referências do Barroco brasileiro dos séculos XVII e XVIII ou mesmo às exigências eclesiásticas da época.6 “Essa inspiração não está apoiada no passado”, opina Yves Bruand (1981, p. 114), supondo que Oscar Niemeyer tenha, de fato, considerado que os elementos característicos da arquitetura tenham sido modificados pelo advento do concreto e que, portanto, a arquitetura devesse assumir uma nova forma. Assim, um programa como o de uma igreja católica, que abriga rituais repletos de símbolos, é submetido às pesquisas formais e estruturais impulsionadas pelas tecnologias contemporâneas, levadas a cabo por Oscar Niemeyer e pelo engenheiro calculista Joaquim Cardozo, na Pampulha. “[...] a ousadia como um todo teve conseqüências: a direção eclesiástica, por exemplo, demorou quase 20 anos para autorizar o uso da igreja” (OTHAKE, Ricardo, 2007, p. 14). Na Casa de Baile a curva é o elemento predominante na composição. A arquitetura de forma livre confunde-se com os limites geográficos da ilhota artificial, com 60 metros de extensão. A edificação é composta basicamente por dois volumes: um cilíndrico, maior – que abriga cozinha, restaurante, palco e pista – e outro menor, na extremidade da ilha, para vestiário e palco ao ar livre (Figura 4). O volume cilíndrico é opaco, com aberturas junto ao teto, na área de serviço, e abertura transparente na área social. A geometria é simples e contrasta com o movimento exuberante da marquise que liga os volumes. 6
“[...] a ousadia como um todo teve conseqüências: a direção eclesiástica, por exemplo, demorou quase 20 anos para autorizar o uso da igreja” (sic). OTHAKE, Ricardo. Oscar Niemeyer. Folha Explica. São Paulo: Publifolha, 2007, p.14-15.
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Figura 4 – Casa de Baile, Oscar Niemeyer (1940). Programa.
Na Casa de Baile, Oscar Niemeyer toma a liberdade de repetir o programa do Cassino, mas soluciona-o de outro modo. Em ambos os projetos, Cassino e Casa de Baile, a despeito da escala, o programa inclui basicamente a pista de dança, o restaurante, o banheiro e o palco. Um volume com igual contorno biomórfico, que abriga o depósito no salão do cassino, transforma-se em vestiário na Casa de Baile. Ambas as arquiteturas, a do Cassino e a da Casa de Baile, são circulares, em parte opacas e em parte transparentes. No cassino, é criado um passeio arquitetural interno; na Casa de Baile, a marquise reinventa a promenade de Le Corbusier ao ar livre e inaugura um gesto sem precedentes. O desejo de Oscar Niemeyer pela curva alia-se aos contornos da lagoa e cria uma moldura para paisagem natural e para suas próprias obras, feita por colunas e marquise. Para evitar discussões, Oscar Niemeyer justifica o gesto, dizendo que “as curvas da marquise da Casa de Baile acompanhavam e protegiam as mesas localizadas junto à represa” (NIEMEYER, 1978, p. 36). A Casa de Baile é uma oportunidade inventada para a dissociação do volume de forma livre, ovalada, do salão de dança do cassino, antes justaposto ao volume corbusiano do salão de jogos/restaurante, numa intenção de leveza. A Casa
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de Baile possibilita a releitura de um mesmo programa dentro do próprio conjunto da Pampulha. Se para Yves Bruand, entre os projetos da Pampulha, o cassino não “apresenta as soluções plásticas mais originais” (BRUAND, 1981, p.111), certamente na Casa de Baile, com total liberdade programática, o arquiteto cria uma obra-prima da forma. Contudo, em 1953, as curvas da Casa de Baile recebem as críticas de Mário Pedrosa. Em seu texto, o crítico considera a tendência barroca de Oscar Niemeyer como “talvez uma constante cultural, se não for racial”, todavia, alerta para a submissão do programa ao excesso de formalismo. Diria Mário Pedrosa que “o perigo com Niemeyer, é que, freqüentemente, dir-se-ia que ele esquece a importância do programa em função da liberdade do partido e dá preferência a uma forma gratuita, uma curva no perfil espetacular do conjunto” (PEDROSA, 1981, p.262) (sic). Mário Pedrosa era um militante socialista, preocupado com o conteúdo social da arte. Impressionava-o o talento de Oscar Niemeyer, mas incomodava-o o fato de priorizar certas atividades em detrimento de outras, de cunho menos social. Nesse sentido a crítica dirigida ao formalismo estendia-se não só à funcionalidade do programa, mas ao fato de esse estar diretamente ligado à diversão da elite, portanto, inaceitável. Na ocasião, numa posição defensível diante das críticas sobre as curvas de sua arquitetura, Oscar Niemeyer explicava habilmente que elas decorriam do programa, da técnica construtiva, que a marquise protegia as mesas, etc., quando na realidade, hoje confessa, “eram apenas as curvas que me atraíam” (NIEMEYER, 1978, p. 36). Na opinião de Marco Valle, nas formas plásticas da Pampulha há “um salto qualitativo” (VALLE, 2000, p.174), como o resultado de mecanismos internos à própria linguagem de Oscar Niemeyer que serão substituídos pelo que chama de “concepções gerais”, como o cálculo, que passa a participar do processo criativo, além de sua atração irresistível pela curva.7 Anteriormente, tais dados seriam vinculados a dados mais objetivos do projeto,
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Ao longo do tempo autores atribuíram a curva da arquitetura de Niemeyer a influências do barroco, à técnica do concreto ou às formas abstratas das esculturas de Hans Arp. O próprio arquiteto, ao longo da carreira, atribuiu tal impulso a diferentes fatores: ideológicos, geográficos, psicológicos, biológicos e até mesmo cogitou a existência de um sósia genético, que o leva “em êxtase para as formas curvas”. In: NIEMEYER, Oscar. Meu sósia e eu. Rio de Janeiro: Revan, 1992.
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como o programa, que gradualmente passa para o segundo plano.
De Pampulha a Brasília (1945-1955) – a Sede das Nações Unidas e o Palácio das Artes Após o sucesso da Pampulha, Oscar Niemeyer recebe uma série de encomendas particulares e estatais. Entre esses projetos figuram duas de suas obras mais importantes, a Sede das Nações Unidas (1947) e o Parque Ibirapuera (1951), este último elaborado em equipe. Em 1947, Oscar Niemeyer, convidado a participar da comissão8 encarregada de definir os planos para a Sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, inesperadamente, trabalha mais uma vez ao lado de Le Corbusier. O projeto do arquiteto suíço, de número 32, localizava as edificações no centro do terreno e dividia o lote em duas porções. Oscar Niemeyer, por sua vez, criara no centro do terreno uma praça, elegantemente protegida por dois grandes edifícios verticais e dois horizontais mais baixos (Figura 5). O projeto de Oscar Niemeyer, de número 23, é unanimemente aceito pela comissão. Contudo, Le Corbusier, ao ver-se “mal compreendido” (PETIT, 1998, p. 26), pede a Oscar Niemeyer que apresentem uma versão conjunta, a 23-329. O brasileiro, em um gesto generoso, aceita. O mestre suíço já havia tentado defender seu projeto utilizando como argumento a má interpretação do programa por parte de Oscar Niemeyer. Numa das reuniões, diria: “Não fiz desenhos bonitos, mas é a solução científica de todo o programa das Nações Unidas”. Oscar Niemeyer imediatamente compreende: “Ele se referia aos meus desenhos” (NIEMEYER, 1998, p. 106). No período de Pampulha a Brasília, após as críticas que recebe, Oscar Niemeyer passa a ter o cuidado de melhor defender seus desenhos. Assim, relata o arquiteto, “se desenhava uma forma diferente, deveria ter argumentos para explicá-la” (NIEMEYER, 1992, p. 34). Queiroz, ao investigar o período que sucede a Pampulha, diz ter a impressão 8
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A equipe de arquitetos consistiu em N.D. Bassov (União Soviética), Gaston Brunfaut (Bélgica), Ernest Cormier (Canadá), Le Corbusier (França/Suíça), Liang Ssu-cheng (China), Sven Markelius (Suécia), Oscar Niemeyer (Brasil), Howard Robertson (Reino Unido), G.A. Soilleux (Austrália) e Julio Villamajo (Uruguai). Oscar Niemeyer e Le Corbusier apenas definiram o partido arquitetônico. O desenvolvimento ficou a cargo de Wallace Harrison, Abramovitz e seus colaboradores. NIEMEYER, Oscar. As Curvas do tempo: memórias. Rio de Janeiro: Revan, 1998. p. 107.
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Figura 5. Sede das Nações Unidas, Oscar Niemeyer (1947). Esquemas volumétricos a partir do croqui apresentado à comissão julgadora.
de que “Niemeyer desenvolve a forma e atribui a ela um uso e um programa e só depois buscará justificativas [...]” (QUEIROZ, 2003, p. 66). Essa postura não é inconsciente. De 1940 a 1955, Oscar Niemeyer consolida e desenvolve seu repertório e as pesquisas plásticas, iniciadas na Pampulha, avançam em direção ao que denomina invenção arquitetural. Atento à técnica e às limitações da lógica construtiva, o arquiteto empenha-se na superação das limitações impostas pelas normas da engenharia convencional e pelos repertórios restritivos de sua própria arquitetura. Desse momento até 1955, quando faz uma autocrítica, o arquiteto trabalha incessantemente, inventando arquiteturas para atender à grande quantidade de encomendas resultantes de sua crescente reputação. Aos poucos Oscar Niemeyer percebe que o caminho em busca da beleza não reside, necessariamente, na proliferação de formas, mas em ater-se ao essencial. O arquiteto estabelece então “uma série de normas que buscam a simplificação da forma plástica e seu equilíbrio com os problemas funcionais” (NIEMEYER, 1958, p. 6). Ao final do período que sucede a Pampulha, Oscar Niemeyer busca relações mais harmoniosas entre volumes e adensamento do programa em um único volume, quando possível. No projeto para o Palácio das Artes, no Parque Ibirapuera, a experiência de adensamento do programa acaba por modificá-lo e simplificá-lo ao extremo, como veremos. Após sua importante participação no projeto para as Nações Unidas (1947), Oscar
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Niemeyer, aos 44 anos, contava com um grande prestígio internacional. Além disso, já havia elaborado uma dezena de projetos no Brasil quando, em 1951, é comissionado para o projeto para o Parque Ibirapuera, um conjunto voltado para as comemorações do IV Centenário da fundação da cidade de São Paulo (1954), promovidas pelo industrial Francisco Matarazzo10 e sua esposa, Yolanda Penteado. Oscar Niemeyer monta então uma equipe com os arquitetos Zenon Lotufo, Helio Uchôa e Eduardo Kneese de Mello11, projetando cinco edifícios – o Palácio das Nações e dos Estados, o Palácio das Indústrias, o Palácio da Agricultura, o Palácio das Artes e um auditório – todos destinados a abrigar exposições e atividades relativas às comemorações do centenário. No conjunto construído, tendo a forma de uma calota, destaca-se o Palácio das Artes (Figura 6). Nesse edifício em particular, Oscar Niemeyer novamente extrapola as con-
Figura 6. Palácio das Artes, Oscar Niemeyer e equipe (1951). Matarazzo inicialmente convida os arquitetos paulistas para o projeto. Cada um deles criaria um edifício do parque, mas nunca se chegou a um acordo quanto a honorários. Matarazzo rompe, então, com os arquitetos e convida Niemeyer. ZAULI, Ana Elvira. Em exposição, a obra que revolucionou a arquitetura. A Construção em São Paulo, São Paulo, n° 1849, jul. 1983, p. 19. 11 Os arquitetos Gaus Estelita e Carlos Lemos trabalharam como associados. Os jardins, não executados, foram projetados por Burle Marx. MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Aeroplano, 1990. p. 206. 10
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cepções estruturais do mestre Le Corbusier, amalgamando teto e piso em uma só estrutura, como fizera inicialmente na Igreja de São Francisco de Assis, na Pampulha (1943), e como vinha experimentando em outros projetos não construídos, como a Arena de Ginástica do Estádio Nacional (1941). No Palácio das Artes a calota, não construída na Arena, materializa-se no primeiro museu criado por Oscar Niemeyer. Curiosamente, as ideias de Oscar Niemeyer para esse museu não coincidiram com as de Le Corbusier. Desde 1939, o arquiteto suíço já havia exposto no Museu do Crescimento Ilimitado alguns de seus conceitos sobre essa tipologia, propondo um volume quadrado sobre pilotis, de espaços sequenciais e com possibilidade de expansão. Oscar Niemeyer refuta o paradigma corbusiano e cria um espaço contínuo, que, apesar da ilusão de infinitude dada pela cúpula de 360°, não suporta ampliação (Figura 7). O uso de pilotis e da rampa de acesso é descartado, e a calota assenta-se diretamente no solo. A necessidade de experimentar a forma/estrutura construindo pela primeira vez uma calota supera as demandas programáticas do tipo.
Figura 7. Palácio das Artes, Oscar Niemeyer e equipe (1951). Térreo.
O programa do museu de escultura do Ibirapuera não considera plenamente seus antecessores nem propõe avanços para a tipologia. Desde o século XIX
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o programa dos museus incluía atividades complementares à função expositiva, como gabinetes de artistas e biblioteca. A biblioteca era contemplada desde o século III a.C., já no Museu de Alexandria, e foi incluída no museu moderno por Le Corbusier, em seu Museu do Crescimento Ilimitado (1939). Todavia, o Palácio das Artes apresenta somente um auditório e um salão aberto. Na verdade importavam mais a Oscar Niemeyer, nesse pequeno museu, a fluidez dos espaços internos e a pesquisa da forma pura, tendo-se o cuidado de não comprometê-las pelo excesso de compartimentações. Seu programa é sucinto e interfere minimamente na forma. Originalmente concebido como planetário, numa segunda versão, o espaço converte-se em museu de esculturas, posteriormente sediando “o Museu da Aeronáutica e o Museu do Folclore” (CAVALCANTI, 2007, p. 169). Considerando a intensidade das pesquisas plásticas desenvolvidas pelo arquiteto no período, e sua busca de um repertório formal próprio que abarcasse as novas possibilidades estruturais, é possível que o programa do planetário parecesse restritivo às pesquisas formais. Como o arquiteto afirmara em outra ocasião, “o planetário constitui um problema tão técnico, tão limitado por exigências funcionais que nele a arquitetura modestamente influi” (NIEMEYER, 2000, p. 89).
Fase Brasília (1956-1960) – o Congresso Nacional Eleito em 1955, Juscelino Kubitscheck, o novo presidente do Brasil, decide pela construção no planalto Central de uma nova capital, capaz de unir o país pelo interior. Brasília seria o símbolo do novo Brasil que pretendia criar. A presença de Juscelino Kubitscheck é, mais uma vez, imprescindível na carreira de Oscar Niemeyer. Agora presidente, JK o convida para projetar a nova capital. Oscar Niemeyer, no entanto, prefere encarregar-se somente da arquitetura e sugere que seja estabelecido um concurso internacional para a escolha do plano urbanístico, vencido por Lucio Costa. Brasília inicia uma nova fase na obra de Oscar Niemeyer. Nela a busca por uma maior concisão e pureza formais alia-se aos avanços estruturais. Nos projetos dos Palácios e do Congresso Nacional, Oscar Niemeyer trabalha uma linguagem menos barroca, mais clássica, especulando sobre a forma de suportes
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e colunas, tendo como referência a obra moderna de Mies van der Rohe – a caixa de vidro, o plano esbelto de suas lajes, a justaposição de planos horizontais opacos a planos verticais transparentes e a leveza conferida pela elevação dos edifícios do solo – e conjugando-a à reutilização de elementos de seu repertório, como a curva, o pórtico e a cúpula. Contemplando as formas da estrutura do Palácio da Alvorada, Oscar Niemeyer compreende que ele “representa o momento de criação, possível quando o tema permite e a liberdade é total” (NIEMEYER, 1998, p. 32). Além dos relatos do próprio arquiteto, pouco se conhece sobre o processo de concepção dos Palácios ou do Congresso Nacional. Um raro conjunto de desenhos12 com registros da concepção do edifício do Congresso Nacional foi investigado por Rodrigo Queiroz (2003). Os desenhos evidenciam o árduo processo projetual enfrentado pelo arquiteto na busca por concisão e pureza formais. Um documento que, de certo modo, contradiz a afirmação do próprio arquiteto sobre seu processo projetual: “Quando começo meus desenhos o caminho arquitetural já está fixado” (PETIT, 1998, p.76). As dificuldades encontradas na construção da nova capital foram imensas. Em Brasília, Oscar Niemeyer enfrenta programas complexos a serem solucionados em um tempo exíguo e sente necessidade de transigir e elabora “em quinze dias projetos que normalmente exigiriam dois ou três meses de trabalho” (NIEMEYER, 1961, p.41). Como na Pampulha, Oscar Niemeyer vê-se novamente trabalhando para Juscelino Kubitscheck e pressionado pelo prazo. Uma série de estudos para o projeto do Congresso Nacional evidenciam a criatividade do arquiteto em gerar uma variedade de possibilidades formais para o mesmo programa (QUEIROZ, 2003). Contudo, a grande liberdade formal deve-se também à inexistência de um programa minuciosamente elaborado. Oscar Niemeyer relata que “não foi fácil trabalhar em Brasília, e o projeto do Congresso Nacional serve de exemplo. Um trabalho elaborado sem programa [...]. ‘Tudo a
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O conjunto de desenhos para o Congresso Nacional foi publicado pela primeira vez em 1989 pelo professor Júlio Katinsky, em seu texto “Leituras de arquitetura, viagens, projetos”, para o concurso de livre-docência da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
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correr’ era a palavra de ordem” (NIEMEYER, 2000, p. 43). O arquiteto conta que o programa do Congresso Nacional teve como parâmetro o antigo Congresso do Rio de Janeiro, dimensionado por ele mesmo e por Israel Pinheiro, apenas com a multiplicação da área avaliada e dos setores existentes. É provável que, montado às pressas, o programa tenha oferecido inúmeras possibilidades de adaptações e adequações à exploração da forma desejada, pura e concisa. O arquiteto Ricardo Ohtake acredita que em Brasília, Oscar Niemeyer, em razão do tempo exíguo, chega a simplificar os programas arquitetônicos a fim de manter “a noção do possível levado ao máximo” (OHTAKE, 2007, p. 38). Essa mesma situação é apontada por Fernando Frank Cabral, arquiteto que trabalhou durante a década de 1970 ao lado de Oscar Niemeyer, que diz: “Ele também, quando resolve os programas, acha uma solução simples” (CABRAL, 2002, p. 101). As afirmações dos arquitetos Ricardo Ohtake e Fernando Frank Cabral apontam no sentido de que Oscar Niemeyer não apenas buscava a forma concisa, mas elaborou programas complexos com liberdade, simplificando-os, tornando-os concisos como exigia a forma.
Fase de atuação no Exterior (1961-1982) – a Universidade de Constantine Em 1964, João Goulart sofre um golpe de Estado por parte dos militares e o Brasil atravessa um período ditatorial. Nesse contexto, a intelectualidade brasileira, acostumada a produzir sob a tutela do Estado, passa a ser vista como subversiva e vê-se obrigada a trilhar “caminhos alternativos” (PEREIRA, 1997, p. 87). Desde de 1961, a carreira de Oscar Niemeyer recebia uma crescente demanda por projetos no exterior (LUIGI, 1987, p. 146), obrigando o arquiteto a dividir seu tempo entre empreitadas no Brasil e viagens internacionais. Mas, em razão do golpe, o arquiteto não encontra ambiente favorável ao seu trabalho. Após ter vários de seus projetos suspensos no Brasil e ter sido obrigado a fechar a revista Módulo, 13 Oscar Niemeyer decide pelo autoexílio na Europa. Beneficiado por um decreto especial criado pelo presidente Charles De
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Fundada em 1955 no Rio de Janeiro por Oscar Niemeyer, a Módulo atuou como uma das mais importantes revistas de arquitetura no país na década de 1950, ao lado das revistas Acrópole e Habitat.
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Gaulle, o arquiteto projeta e constrói na França com os mesmos direitos de um profissional francês. Trabalha igualmente na Argélia, em Portugal, em Israel e na Itália. Em seus projetos, continua a utilizar a diversidade formal, agora incorporadas aos procedimentos de Brasília. No exterior, Oscar Niemeyer deseja, sobretudo, mostrar a técnica do concreto armado, especialmente desenvolvida pela arquitetura brasileira. Entre as mais de 70 obras construídas nesse período (BOTEY, 1996) destaca-se a Universidade de Constantine, em Argel (1969). Após um processo traumático de independência da França, a Argélia busca reconstruir-se sob novas bases políticas e administrativas. Oscar Niemeyer, inicialmente chamado como consultor de obras, tem a permissão para compor e liderar uma equipe de brasileiros que elaboram, entres outros, os planos para a Universidade de Constantine. A primeira ideia apresentada para a universidade prevê uma dezena de prédios. A proposta é recusada por Oscar Niemeyer, que, preocupado com a “inovação criadora”, reformula o programa com a ajuda de sua equipe, da qual faz parte o antropólogo Darcy Ribeiro (NIEMEYER, 1998, p. 158). A solução final apresentada é mais compacta e flexível, reduzindo de 40 para 5 o número de edifícios do campus – aula magna, biblioteca, administração, alojamento e área desportiva (BOTEY, 1996, p. 183). A despeito da complexidade de um programa, ao arquiteto é dada total liberdade de reformulação e tempo. Consta que, diferentemente dos curtos prazos oferecidos no Brasil, no projeto argelino a equipe dispôs de “dois anos de trabalho para estabelecer o novo programa da universidade” (CABRAL, 2002, p. 119). No projeto, o arquiteto tem a oportunidade de antecipar-se à criação formal devido à sua interferência direta e conclusiva na elaboração do programa – “Na proposta que fiz para renovação do ensino na Escola de Arquitetura de Alger, eliminava uma série de disciplinas, prevendo outras ao meu ver fundamentais” (NIEMEYER, 1997, p. 31). Na criação da Universidade de Constantine estrutura e programa rendem-se à concisão formal. Com a redução de 40 edifícios 5 cinco, Oscar Niemeyer teve a oportunidade de desenvolver grandes estruturas e demonstrar todo o arrojo da engenharia e da arquitetura brasileiras, como desejava.
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Fase atual (1983-2006) – o Museu de Arte Contemporânea de Niterói Na última fase da obra de Oscar Niemeyer, o cenário político brasileiro é marcado pelo retorno à democracia. Em 1985, o candidato Tancredo Neves vence as eleições presidenciais no Colégio Eleitoral, montado para evitar o êxito dos oposicionistas. Após 20 anos de governo militar, o país tem um civil como presidente. Durante esse período, Oscar Niemeyer deixa o exílio e volta a trabalhar em seu escritório, em Copacabana. Como resposta à nova situação do Brasil, o arquiteto projeta, na década de 1980, importantes obras populares, como o sambódromo carioca (1983), o CIEPS – Centro Integrado de Educação Pública (1984) – e o Memorial da América Latina (1986-1988) e o Museu de Arte Contemporânea de Niterói (1991-1996), todos encomendas governamentais. No contexto mundial a arquitetura assiste, desde os anos 1960 até o início dos anos 1990, ao surgimento de uma gama de novas propostas arquitetônicas, cujo objetivo é estabelecer uma crítica à arquitetura moderna, sobretudo ao Estilo Internacional. Os arquitetos pós-modernos se valem de uma série de estratégias como meio de provocação e crítica à austeridade do modernismo. O movimento configura-se como uma pluralidade de tendências. Por um lado há uma reavaliação do papel da história, e alguns arquitetos adotam padrões de ornamento e formas acadêmicas, historicistas, ecléticas ou repertoriais de composição; por outro, alguns arquitetos reabilitam a escala humana; outros, ainda, preocupam-se com a inserção do projeto, sua relação com edifícios existentes e com a paisagem. Oscar Niemeyer parece inabalável em suas posturas. O movimento pós-moderno, que tem seu auge na década de 1980, é tratado por Oscar Niemeyer como um equívoco já pressentido desde a década de 1940: [...] os racionalistas, que toda a fantasia recusavam, procurariam outra opção cansados de se repetirem [...] E ei-los agora a fazerem prédios modernos no mesmo apuro que antes os faziam, neles inserindo da forma mais primária detalhes antigos, velhas lembranças de uma época que desprezavam como coisa superada (NIEMEYER, 1984, p. 102). Embora a atitude de Oscar Niemeyer seja de total desvinculação com o movimento, o historiador Nikolaus Pevsner (1961) trata a postura do arquiteto frente ao Estilo Internacional como precursora, quando, ao final dos anos
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de 1930, Oscar Niemeyer cria edifícios antirracionais e promove um retorno ao historicismo. Passado o auge de sua carreira (1940-1960), Oscar Niemeyer é classificado, nos anos de 1970 e 1980, de “arquiteto ultrapassado” (LAGO, 2007, p. 33). Atualmente, reconhece-se sua influência sobre a obra de arquitetos contemporâneos como Richard Méier, Shigeru Ban e Zaha Hadid. 14 Nas últimas décadas, a ávida demanda contemporânea pelo consumo de imagem, aliada às costumeiras superficiais políticas culturais brasileiras, ofereceu a Oscar Niemeyer uma liberdade de criação plástica quase sem limites. Sua ênfase no argumento de que “você tem que aceitar que quando uma forma cria beleza ela tem uma função e das mais importantes na arquitetura” (NIEMEYER, 1978, p. 54) quase sempre estabelece que a forma resultante é surpreendente e a acomodação ao programa existe em um plano secundário. O Museu de Arte Contemporânea de Niterói, criado sem o apoio de um projeto museográfico, sendo implantado fundamentalmente em razão de questões formais e/ ou estruturais, serve de exemplo. A ideia da implantação de um museu de arte em Niterói15 surge quando, em 1991, o empresário João Sattamini pergunta ao prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira,16 pelo interesse da cidade em abrigar sua coleção de arte contemporânea brasileira.17 O prefeito responde positivamente, e o convite para a execução do projeto é feito a Oscar Niemeyer. Consta que o projeto foi elaborado em um dia e meio18 ( JORNAL DO BRASIL, 1991, p. 3).
“Oscar Niemeyer teve uma influência profunda e duradoura em minha obra. Visitei muitas de suas obras no Brasil, e tive também o privilégio de ter me reunido com ele em várias ocasiões. [...] sua obra me inspirou e me encorajou a seguir meu próprio caminho na arquitetura e a acompanhá-lo na busca de uma fluência total em todas as etapas. Depoimentos de arquitetos estrangeiros sobre Niemeyer. Folha de São Paulo (Ilustrada), 14 de dezembro de 2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u354978.shtml>. Acesso em: 5 jan. 2008. 15 “A obra consumiu 3 milhões de dólares, financiados em parte pela prefeitura e em parte pela iniciativa privada, através do aluguel de terrenos licitados pelo município para a implantação de postos de gasolina”. SINELLI, Mônica. Flor na paisagem: Niterói recebe, até agosto, museu de arte projetado por Niemeyer. A Construção São Paulo, n°2369, jul. 1993, p. 12. 16 Sattamini procura também Jaime Lerner, prefeito de Curitiba na época. MARIA, Paula Santa. O novo vôo de Niemeyer: começam as obras do novo museu de arte projetado pelo arquiteto em Niterói. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1992, p. 2. 17 “Acervo único de 600 peças do movimento concretista e da geração 80”. RESENDE, Otto Lara. Folha de São Paulo, São Paulo, 1991, p. 9-10. 18 “Concebido em um dia e meio, o projeto do Museu de Arte Contemporânea de Niterói foi apresentado ontem pelo seu autor, o arquiteto Oscar Niemeyer [...]”. PROJETO de Museu em Niterói: Niemeyer conclui planos do prédio em um dia e meio. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 5 jun. 1991, p. 3. 14
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Segundo o arquiteto, o terreno estreito cercado pelo mar leva-o ao inevitável ponto de apoio central (NIEMEYER, 1997, p. 11). Entretanto, o apoio único é um partido adotado em vários de seus projetos de museus, nos mais variados contextos. A solução é anteriormente experimentada em projetos como o Museu de Arte Moderna de Caracas (1954), o Museu Expo Barra 72 (1969) e o Museu da Terra, do Mar e do Ar (1974), mas executada, até aquele momento, somente na escala modesta do Museu da Fundação de Brasília (1958). O edifício então toca o solo minimamente, liberando o terreno e permitindo a vista da paisagem. O terreno encontra-se ao nível da rua e não há nenhuma outra edificação sobre o platô, exceto o museu. O vazio da praça contrasta com o cheio do volume compacto e único. Desse modo, a arquitetura é valorizada frente à potência da vista. O acesso principal ao museu é feito por uma rampa sinuosa e vermelha (Figura 8) que, mais do que um caminho, é um elemento escultórico que conduz à obra e oferece pontos de vista diversificados da paisagem.
Figura 8 – Museu de Arte Contemporânea de Niterói.
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Virtualmente, o museu surge como uma linha sinuosa em rotação, que nasce do espelho d’água a partir de um apoio central. O volume de concreto tem a forma de um cálice opaco e branco, com um rasgo horizontal envidraçado. O volume alarga-se a partir do apoio único, criando uma cúpula invertida com perfil a 30° em relação ao solo, que mimetiza a inclinação do Pão de Açúcar à distância e guarda o perfil do Museu de Arte Moderna de Caracas (Figura 9). Apoiada nessa cúpula está uma caixilharia de vidro fumê e, acima dela, uma concha que completa o volume.
Figura 9 – Museu de Arte Contemporânea de Niterói (linha cinza) – inclinação similar à do Museu de Arte Moderna de Caracas (tracejado).
Em artigo publicado sobre o MAC de Niterói, Oscar Niemeyer diz abertamente ter sofrido a influência da forma do Museu de Arte Moderna Caracas. “Não queria repetir a frequente solução de um cilindro sobre o outro, mas seguir a ideia do museu de Caracas”, declara (SEGRE, 1996, p. 35). A análise das plantas dos dois museus demonstra que o Museu de Arte Contemporânea de Niterói assemelha-se ao Museu de Arte Moderna de Caracas, não só na forma, mas também no programa. Em Niterói, o arquiteto repete os principais espaços Em artigo publicado sobre o MAC de Niterói, Oscar Niemeyer diz abertamente ter sofrido a influência da forma do Museu de Arte Moderna Caracas. “Não queria repetir a frequente solução de um cilindro sobre o outro, mas seguir a ideia do museu de Caracas”, declara (SEGRE, 1996, p. 35). A análise das plantas dos dois museus demonstra que o Museu de Arte Contemporânea de Niterói assemelha-se ao Museu de Arte Moderna de Caracas, não só na forma, mas também no programa. Em Niterói, o arquiteto repete os principais espaços do museu venezuelano, substituindo a escola de arte
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por um restaurante. Em entrevista,19 Luiz Guilherme Vergara, diretor-geral do museu até 2008, diz não ter havido participação de nenhuma equipe formada por profissionais relacionados a museus na definição do programa arquitetônico durante a concepção do projeto. Entrevistado sobre o Museu de Niterói, Jair Valera, arquiteto da equipe que desenvolve os projetos de Oscar Niemeyer no Rio de Janeiro, explica que o escritório é diferente de um escritório normal, executa obras muito distintas e, por isso, “a cada projeto desses a gente tem que sair, correr atrás do programa”. Entretanto, no caso do museu de Niterói, a equipe, sendo contratada posteriormente,“praticamente não teve tempo de fazer outras coisas além das do Oscar” (CABRAL, 2002, p. 43). Isso sugere que Oscar Niemeyer tenha montado o programa do museu sozinho, reutilizando as atividades conhecidas desde o projeto de Caracas e adequando-as às modificações formais e estruturais surgidas. Segundo o arquiteto Sandro Silveira,20 membro da equipe técnica do MAC, antes da criação do projeto, Oscar Niemeyer estabelecera um programa mínimo, que se resumia apenas a “exposição, administração, biblioteca, direção e reunião”. Em um de seus textos o arquiteto menciona uma solução inicial com“o apoio central sustentando apenas o salão de exposições” (NIEMEYER, 1997, p. 11). Observa-se, em certos croquis, um ensaio de tal solução. Uma faixa muito estreita entre a esquadria e a laje da cobertura é apresentada, onde realmente não caberia o mezanino com a altura construída (Figura 10). A partir daí verifica-se a conjugação de programa e forma.
Figura 10 – Museu de Arte Contemporânea de Niterói – croqui sem espessura para mezanino. Entrevista concedida por Luiz Guilherme Vergara, diretor da Divisão de Arte e Educação de 1996-2004 e diretor-geral do Museu de Arte Contemporânea de Niterói a partir de 2004 até dezembro de 2008. Foi realizada no dia 1º de julho de 2009 via e-mail. GONÇALVES, Simone Neiva Loures. Museus projetados por Oscar Niemeyer de 1951 a 2006: o programa como coadjuvante. Tese (Doutorado), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010, p. 293. 20 Entrevista concedida por Sandro Silveira, arquiteto da equipe técnica do Museu de Arte Contemporânea de Niterói. Foi realizada no dia 13 de julho de 2009 às 15h30, no próprio museu. Entrevista completa em: GONÇALVES, Simone Neiva Loures, ibidem, 2010, p. 297. 19
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Em um artigo de 1993 sobre a construção do museu, Mônica Sinelli revela uma curiosa configuração programática, que complementa a solução inicial descrita por Oscar Niemeyer. Na versão do projeto citado por Mônica Sinelli, “uma escada interna na haste do cálice conduz a um foyer no subsolo, incorporando auditório, sala de exposição temporária, restaurante, bar, salas de reunião, biblioteca, sala de reserva técnica e sanitários” (SINELLI, 1993, p. 12). Aparentemente, com exceção do salão de exposições e da varanda, que ocupariam todo o cálice, o restante do programa seria acomodado no subsolo. A comunicação entre pisos seria feita por escada, e não por elevador ou por rampa como hoje acontece. Outro croqui revela uma abertura na base da haste, a possível passagem para os pavimentos inferiores e superiores (Figura 11).
Figura 11 – Museu de Arte Contemporânea de Niterói – croqui com abertura na haste do cálice.
No mesmo texto Mônica Sinelli menciona que “essa solução, representada por um apoio central sustentando apenas o salão com 40 metros de diâmetro, no centro da taça, recebeu alterações” (SINELLI, 1993, p. 12). O próprio arquiteto conta que dobrou a altura das vigas radiais, antes dimensionadas em 1,50 m. Desse modo, parte das atividades antes destinadas ao subsolo passa a ocupar esse novo pavimento surgido da necessidade de modificação estrutural. “[...] Adicionamos um novo pavimento no conjunto”, diz Oscar Niemeyer, “nele incluindo o foyer, a recepção, o auditório,21 as salas de trabalho, a biblioteca, os sanitários. É o projeto 21
O auditório permaneceu no subsolo.
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mais completo e econômico”, comenta Niemeyer (CABRAL, 2002, p. 200). Com parte do programa acomodado abaixo do salão, entre as vigas radiais que agora funcionam como paredes, faltava ao arquiteto resolver “os problemas da sala de exposição temporária e da reserva técnica” (CABRAL, 2002, p. 193). Mantendo-se a diretriz da pureza arquitetural, que norteara o projeto, o terreno permanece livre de outras construções. Oscar Niemeyer opta por criar um mezanino sobre a varanda para exposições temporárias e alocar a reserva técnica no subsolo. Não as podia localizar fora do Museu, pois ocupariam demais o terreno desmerecendo a pureza arquitetural desejada. Daí situar a primeira sobre a galeria externa do Museu, com largura variando entre quatro e cinco metros e a segunda no subsolo, a volta do núcleo central da estrutura (CABRAL, 2002, p. 193).
Nota-se aqui uma nova modificação estrutural. O cálice, antes ocupado apenas pelo salão de exposições e pela varanda, além de receber salas administrativas, tem o pé-direito aumentado para receber o mezanino. Jair Valera elogia a solução estrutural dada pelo engenheiro Bruno Contarini 22, mas lamenta que a cúpula tenha ficado muito alta: “Não é o que a gente tinha estudado [...] acho que precisou crescer a viga, não sei” (CABRAL, 2002, p. 203). No Museu de Arte Contemporânea de Niterói o arquiteto enfrenta duas situações distintas, relativas ao programa. Na primeira, tem a competência de acomodar parte do programa, criado por ele mesmo, em um espaço surgido em razão de uma modificação estrutural; na segunda, juntamente com Contarini, cria um espaço sobre a varanda e condensa todo o espaço expositivo no cálice, sem comprometer a pureza do volume. Contudo, desse inteligente jogo projetual resta a estranheza de um foyer sem auditório, previsto para o primeiro pavimento. Uma possível explicação para o fato de a rampa oferecer a mesma qualidade de acesso, para espaços hierarquicamente diferentes: um salão principal e uma área administrativa com sanitários.
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Bruno Contarini foi o engenheiro responsável pelos cálculos dos grandes vãos da Universidade de Constantine (1969), na Argélia.
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Considerações Desde as obras da Pampulha, Oscar Niemeyer depara-se com políticas superficiais e prazos exíguos, que exigiram e possibilitaram o desenvolvimento de procedimentos que privilegiaram a proposição da forma. Após participações nas equipes para os projetos do Ministério da Educação e Saúde (1936) e do Pavilhão do Brasil em Nova Iorque (1939) é na Pampulha que Oscar Niemeyer tem oportunidade de realizar, individualmente, seu primeiro projeto de grande escala. A ausência de um plano governamental estabelecido a priori para a área oferece ao arquiteto a oportunidade para experimentações. Nos projetos que a compõem, Oscar Niemeyer cria um programa inusitado, que lhe permite grande autonomia plástica. Nas formas do Cassino e do Iate Clube o arquiteto ainda transita entre preceitos corbusianos, mas nos projetos da Casa de Baile e da Igreja de São Francisco de Assis dá início a um modo particular de conceber arquitetura. Na Igreja de São Francisco de Assis o arquiteto desafia as teorias estabelecidas e investiga, juntamente com Joaquim Cardozo, a utilização da superfície como elemento de sustentação. A natureza do concreto é explorada sem submissão às teorias cartesianas. Nesse projeto Oscar Niemeyer rompe cânones técnicos e desafia as influências estruturais de Le Corbusier, mas recorre à abóbada parabólica de concreto armado, utilizada por Freyssinet no Hangar de Orly, França. O programa para uma igreja católica, relacionado a símbolos e rituais tradicionais, é subjugado às pesquisas formais e estruturais possibilitadas pelas tecnologias vigentes. Na Casa de Baile a experiência é ainda mais libertadora. Nela o volume de forma livre, ovalada, do salão de dança do cassino, antes justaposto aos volumes corbusianos do salão de jogos e restaurante, é livremente reutilizado em um programa popular. Dentre os projetos para Pampulha, o da Casa de Baile e o da Igreja são aqueles em que o programa e a forma conjugam-se com maior liberdade. O projeto da Pampulha alcança fama mundial. Suas curvas são tanto elogiadas quanto criticadas, mas poucas são as referências ou críticas conhecidas sobre a elaboração do programa das obras. Entre elas, a crítica de Mário Pedrosa alerta para certa deficiência no projeto ao dizer que Oscar Niemeyer frequentemente esquece a importância do programa em função da liberdade do partido.
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Na fase de Pampulha a Brasília (1940-1955), a crítica dirige-se diretamente à solução do programa para o projeto da Sede das Nações Unidas (1947). Le Corbusier, ao tentar defender sua proposta individual, utiliza o argumento da má interpretação do programa por parte de Oscar Niemeyer. Não é improvável que a opinião do mestre suíço, na ocasião, fosse tomada como uma estratégia na defesa de seu próprio projeto. Todavia, no período que sucede a Pampulha, Oscar Niemeyer passa a ter um maior cuidado, quanto ao desenvolvimento da forma, ao buscar justificativas posteriores. Aos poucos, o arquiteto percebe que o caminho da multiplicação de formas não é o ideal e procura ater-se ao essencial e adensar o programa ao volume único, quando possível. O cuidado de melhor proteger seus desenhos sugere uma atitude defensiva que, apesar de genuína, pode não ter apontado na direção de uma maior atenção ao desenvolvimento do programa arquitetônico. Em 1951, Oscar Niemeyer é comissionado para o projeto para o Parque Ibirapuera e tem oportunidade de projetar seu primeiro museu – o Palácio das Artes. O edifício surpreende na forma e na estrutura, mas o programa nasce desatualizado. Há séculos a tipologia dos museus apresentava atividades complementares à função expositiva – gabinetes de artistas e biblioteca. No museu do Ibirapuera, grande importância é dada à fluidez espacial, resultante da rica composição da forma e da estrutura. O primeiro programa, para um planetário, é descartado. Provavelmente, por ser um programa que exigia uma maior compartimentação espacial, comprometendo a impactante fluidez alcançada pelo salão livre para exposição de artes. A partir do Palácio das Artes, houve o interesse do arquiteto por soluções compactas, simples, geométricas, capaz de comportar um programa adensado. Em Brasília (1956-1960), Oscar Niemeyer dá continuidade à sua busca pela concisão e leveza formais esboçadas no Palácio das Artes [e no Museu de Caracas], mas sobretudo esforça-se por uma arquitetura em que a forma se una à estrutura. O raro conjunto de desenhos para o Congresso Nacional evidencia o árduo processo projetual enfrentado pelo arquiteto. Ao ritmo de Brasília, o Congresso Nacional tem o programa montado às pressas, uma situação que oferece a Oscar Niemeyer uma maior autonomia para adaptações e adequa-
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ções no processo de exploração da forma pura e concisa. Como nos tempos da Pampulha, na construção da capital, Oscar Niemeyer novamente enfrenta políticas superficiais e prazos exíguos. Mas se, por um lado, o trabalho arrisca-se a ser comprometido pelos prazos absurdos, por outro, o arquiteto tem a chance de montar quase individualmente um programa complexo, fato provavelmente responsável por facilitar a predominância de decisões formais. Na fase em que atua no exterior (1961-1982), Oscar Niemeyer incorpora a diversidade formal, iniciada na Pampulha, aos procedimentos de Brasília. Nos países onde trabalha, o arquiteto deseja, sobretudo, demonstrar a técnica do concreto armado desenvolvida pela arquitetura e engenharia brasileiras. No projeto para a Universidade de Constantine (1969) é dada a Oscar Niemeyer autonomia para reformular um programa complexo. Desse modo, sua atuação antecipa-se à criação formal, sua interferência na elaboração do programa é direta. O prazo de dois anos concedido para elaboração do programa do projeto argelino é mais extenso que os prazos brasileiros. Com total autonomia, o programa complexo é compactado, permitindo a sua conjugação às soluções estruturais de grande porte e imensos vãos. Uma das obras mais representativas da última fase da obra de Oscar Niemeyer é o Museu de Arte Contemporânea de Niterói. Um volume de apoio único, adotado em vários de seus projetos de museus, e nos mais variados contextos, é efetivamente construído. Após a decisão pelo formato de cálice, assiste-se ao progressivo crescimento do programa em razão das modificações formais e estruturais surgidas ao longo do processo. Croquis indicam que, na ideia original, o museu seria constituído por um volume único, com acesso pela haste, sem a inclusão da rampa. O cálice abrigaria apenas um salão, sem mezanino ou área administrativa. Para as demais atividades restaria o subsolo. O primeiro programa proposto – exposição, administração, biblioteca, direção e reunião – é insuficiente e desatualizado. É uma reutilização do programa formulado para o Museu de Arte Contemporânea de Caracas, cerca de quatro décadas antes, a despeito das novas demandas museológicas contemporâneas. Jair Valera afirma que no projeto do MAC é Oscar Niemeyer quem faz quase tudo sozinho, informação que complementa a fornecida por Luiz Guilherme Vergara, de que
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não houve a participação de nenhuma equipe formada por profissionais relacionados a museus na definição do programa arquitetônico. O programa cresce ao longo do processo projetual, o acréscimo de mais de um metro e meio de altura nas vigas radiais, dimensionadas em 1,50 m, gera um novo pavimento. Com isso, parte das atividades antes destinadas ao subsolo é deslocada para esse novo espaço surgido. A elas acrescenta-se ainda a recepção, um auditório e o foyer, atividades que, embora afins do tema museal, não constavam do primeiro programa, mas surgem para preencher os espaços vazios resultantes das modificações da estrutura. Além do acréscimo nas vigas radiais, a solução estrutural desenvolvida pelo engenheiro Bruno Contarini aumenta a altura da viga da cobertura. No espaço gerado pelo aumento do pé-direito, o arquiteto cria mais um item no programa, o mezanino para exposições temporárias. No projeto do MAC nota-se a competência de Oscar Niemeyer para acomodar o programa básico à forma e implantar, ao forjar a forma e a estrutura, novas atividades. Ao analisarmos o material encontrado sobre as nove obras criadas por Oscar Niemeyer em cada uma das diferentes fases de sua obra, as alterações do programa, em razão direta da proposição formal/estrutural, tornaram-se evidentes. Uma das interpretações mais visíveis é a de que, nos projetos estudados, foi concedida a Oscar Niemeyer uma grande liberdade de atuação em relação ao programa e que tal liberdade, sem dúvida, lhe permitiu explorar o próprio repertório com maior controle. A investigação realizada sugere novas hipóteses sobre seus procedimentos projetuais, a construção do repertório das obras de Oscar Niemeyer e aponta para sua adequada competência na proposição de formas arquitetônicas que configuram programas, diante da inexistência de um programa consistentemente desenhado. A genialidade de Oscar Niemeyer provavelmente também se reveste dessa capacidade.
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Fonte das imagens Figura 1: Redesenho do autor a partir de croquis de Oscar Niemeyer. Desenho original em: PAPADAKI, Stamo. The Work of Oscar Niemeyer. EUA: Reinhold Publishing Corporation, 1951. p. 50. Figura 2: Redesenho do autor a partir de planta baixa. Desenho original em: FRAGA, Carlos André Soares. Museus Pavilhões e Memoriais: a arquitetura de Oscar Niemeyer para exposições. Dissertação (mestrado). Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, FAU UFRGS, 2006, p. 52. Figura 3: Redesenho do autor a partir de planta baixa. Desenho original em: UNDERWOOD, David. Oscar Niemeyer e o modernismo de formas livres no Brasil. São Paulo: Cosac & Naify, 2002, p. 53. Figura 4: Redesenho do autor a partir de planta baixa. Desenho original em: FRAGA, Carlos André Soares. Museus, pavilhões e memoriais: A arquitetura de Oscar Niemeyer para exposições. Dissertação (mestrado em Arquitetura). Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, FAU UFRGS, 2006. p. 64. Figura 5: Redesenho do autor a partir de croquis de Oscar Niemeyer. Desenho original em: CAVALCANTI, Lauro. A doce revolução de Oscar Niemeyer. Rio de Janeiro: 19 Design Editora Ltda., 2007. p. 31. Figura 6: Fotografia de Tom Boechat. Figura 7: Redesenho do autor a partir de planta baixa. Desenho original em: MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Aeroplano Editoria, 2000, p. 210. Figura 8: Fotografia de Tom Boechat. Figura 9: Redesenho do autor a partir da reprografia da planta de corte original. Desenho original em: Fundação Oscar Niemeyer. Figura 10: Redesenho a partir de ilustração de croqui e Oscar Niemeyer. Desenho original em: SEGRE, Roberto. Oscar Niemeyer na baía de Guanabara: formas puras em contraste com a exuberância da natureza tropical. Projeto/Design, São Paulo, nº 202, p. 35-44, nov. 1996, p. 35. Figura 11: Redesenho a partir de ilustração de croqui e Oscar Niemeyer. Desenho original em: OHTAKE, Ricardo. Oscar Niemeyer. São Paulo: Publifolha, 2007, p. 76.
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Capítulo 6 Contribuições de Joaquim Cardozo à Arquitetura de Oscar Niemeyer Danilo Matoso Macedo Elcio Gomes da Silva
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Danilo Matoso Macedo e Elcio Gomes da Silva
Dentro dessa arquitetura (mais livre e criadora) procuro orientar meus projetos, caracterizando-os sempre que possível pela própria estrutura. Nunca baseada nas imposições radicais do funcionalismo, mas sim, na procura de soluções novas e variadas, se possível lógicas dentro do sistema estático. E isso, sem temer as contradições de forma com a técnica e a função, certo de que permanecem, unicamente, as soluções belas, inesperadas e harmoniosas. Com esse objetivo, aceito todos os artifícios, todos os compromissos, convicto de que a arquitetura não constitui uma simples questão de engenharia, mas uma manifestação do espírito, da imaginação e da poesia. Oscar Niemeyer, 1958. 1
A produção arquitetônica de Oscar Niemeyer (1907-2012) pode ser dividida em, pelo menos, três fases principais. Os trabalhos iniciais, de 1935 a 1955, caracterizados pelo tão aclamado Brazilian Style, que habilmente combinava estrutura independente, cortinas de vidro e telhados jardins, com planos de formas livres, abóbadas curvas, dispositivos de proteção solar e revestimentos coloridos – todos esses elementos integrados a um exuberante paisagismo de espécies tropicais. Em meados da década de 50, sobretudo com o início dos
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trabalhos de Brasília, Niemeyer progressivamente busca a simplificação da forma plástica em sua arquitetura, preferindo, segundo suas palavras, “soluções compactas, simples e geométricas, com edifícios que não mais se exprimam por seus elementos secundários, mas pela própria estrutura, devidamente integrada na concepção plástica original” (NIEMEYER, 1958, p. 4-5). A partir dos anos 70, a estrutura torna-se completamente subordinada às formas livres, que deixam de ser determinadas pela estática ou por princípios geométricos. A relação entre forma e estrutura – ou a falta dela– é o ponto fulcral nas transições identificadas e, portanto, o dialogo entre arquiteto e engenheiro calculista pode também ser considerado como determinante. Nesse contexto, Joaquim Cardozo (1897-1978) foi o interlocutor mais relevante – se não em número de projetos, certamente o foi em importância. Cardozo não apenas calculou e projetou as estruturas para as soluções formais do arquiteto, mas também com ele estabeleceu uma real colaboração, vastamente documentada em projetos e nos diversos textos que publicou acerca de engenharia, estética, história da arte e, evidentemente, arquitetura. No panorama histórico e nos detalhes dessa relação, reside a chave para compreender as fases da produção de Niemeyer e as contribuições delas advindas para a arquitetura brasileira. Arquitetura e engenharia não eram atividades dissociadas no Brasil até 1933, momento a partir do qual essas profissões foram regulamentadas. Niemeyer e Cardozo pertenceram a uma tradição em que os arquitetos de formação em Belas Artes detinham tanta capacitação técnica sólida quanto os engenheiros politécnicos possuíam conhecimentos humanísticos aprofundados. Ao menos até os anos 50, teoria clássica e história da arquitetura mereceram alguns capítulos nos manuais de construção brasileiros, bem como detalhamento estrutural e desenhos de fundação fizeram parte de tratados sobre filosofia da arquitetura.2 Nesse contexto de intercâmbio, desenvolvera-se no país uma sólida tradição de cálculo e construção de estruturas em concreto armado. Tal avanço foi possibilitado por um ambiente de intenso intercâmbio tecnológico com centros de pesquisa europeus –sobretudo franceses e alemães –, lastreado na emigração de jovens para formar-se em universidades estrangeiras, na permanente
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Veja-se, a esse respeito, tanto o livro do professor da Escola Nacional de Belas Artes, Adolfo Morales de los Rios Filho, sobre Teoria e filosofia da arquitetura (1955), com um capítulo inteiro dedicado a fundações, bem como o célebre Manual do Construtor, de João Baptista Pianca (1977), com capítulos dedicados a proporções e elementos ornamentais 2clássicos. Ambos editados originalmente na década de 1950.
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imigração de profissionais na segunda metade do século XIX e início do século XX e na criação de centros de pesquisa locais, como o pioneiro Gabinete de Resistência dos Materiais, fundado em 1893 na Escola Politécnica de São Paulo por Antônio Francisco de Paula Sousa (1843-1917) (cf. VARGAS, 1994, p. 218). O acentuado crescimento urbano, sobretudo de São Paulo e Rio de Janeiro, naquele período, aliado à implementação de redes telegráficas, ferroviárias e rodoviárias, proporcionou notáveis feitos da engenharia e da arquitetura brasileiras, mesmo em âmbito internacional. Foi o caso, por exemplo, dos edifícios Martinelli, em São Paulo, ou A Noite, no Rio de Janeiro, a disputar entre si o título de maior arranha-céu com estrutura de concreto armado no mundo, no início da década de 1930 – o primeiro com a consultoria e o segundo com o cálculo do notável engenheiro Emílio Baumgart (1889-1943). O prestígio dos engenheiros de estruturas do Brasil atraiu pesquisadores estrangeiros. São célebres, por exemplo, as visitas ao país de Arthur Boase, editor da norte-americana Engineering News Record, ocorridas a partir de 1944. O editor publicou uma série especial sobre as realizações brasileiras, com ênfase nas normas de cálculo, que proporcionavam maior “esbeltez” das peças (VASCONCELOS, 1985, p. 23, 173-181, 190-192). Antes de graduar-se em engenharia civil na Escola Livre de Engenharia de Recife, em 1930, Joaquim Cardozo fazia parte, como escritor e ilustrador, de um grupo local de poetas e pintores que deu início a um dos primeiros movimentos modernos no Brasil (Cf. MARQUES; NASLAVSKY, 2007). Como engenheiro, já na década seguinte a sua formação, Cardozo foi o responsável pelos cálculos estruturais de diversos edifícios da Diretoria de Arquitetura e Construção da Prefeitura, projetados pelo arquiteto Luiz Nunes. Dentre as obras, algumas soluções excepcionais, como a utilizada na Escola Alberto Torres, com sua rampa de acesso suportada por um conjunto de arcos parabólicos (MARQUES; NASLAVSKY, 2007). Em palestra proferida no ano de 1939 para o curso de engenharia, Cardozo fez veementes recomendações sobre a importância de uma sólida base matemática para a atuação do engenheiro, citando resultados recentes de Georg Cantor, Sierpinski e Luzin, dentre outros. Pesquisadores cujos princípios seriam mais tarde utilizados como base para investigações sobre a teoria do caos e fractais (CARDOZO, 2009a). Em outra palestra, no mesmo ano, ele explicou que uti-
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lizou nas obras do Recife estruturas especiais para a realização de formas puras, que somente com o concreto se pode realizar e que são soluções mais livres e perfeitas do que, por exemplo, a coluna e a arquitrave ou a abóbada estrelada. Cardozo alega ter usado, pela primeira vez em Pernambuco, o sistema flat-slab (laje plana) e o Zeiss-Dyvidag (geodésicas) para vencer grandes vãos (CARDOZO, 2009b). O contato com a elite intelectual brasileira trouxe Cardozo ao Rio de Janeiro em 1939 para lidar com inventários de patrimônio histórico no recém-criado Instituto do Patrimônio Artístico Nacional, IPHAN, onde Lucio Costa e Oscar Niemeyer atuavam como arquitetos. Niemeyer graduou-se arquiteto em 1934 pela Escola Nacional de Belas Artes. Participou da equipe de Lucio Costa que trabalhou com Le Corbusier em 1936, por ocasião de sua visita no Rio de Janeiro, a fim de desenvolver o projeto para o campus da Universidade e o edifício para o Ministério da Educação e Saúde. Como se sabe, com a partida do arquiteto franco-suíço, o mesmo grupo acabou projetando o edifício, com esqueleto estrutural em concreto calculado por Emílio Baumgart (Cf. VASCONCELOS, 1985, p. 29). O Ministério seria um dos primeiros arranha-céus modernistas no mundo. Niemeyer e Lucio Costa também projetaram nos Estados Unidos o elegante pavilhão brasileiro em formas livres para a Feira Mundial de Nova Iorque em 1939. Ambos tornaram-se funcionários públicos do Instituto do Patrimônio Histórico, onde Niemeyer projetou o hotel no centro colonial de Ouro Preto – então em processo de tombamento como patrimônio nacional. Joaquim Cardozo e Oscar Niemeyer iniciaram sua colaboração em 1940, com o Cassino e a Igreja da Pampulha, na cidade de Belo Horizonte. O Brasil já firmara uma sólida base na tecnologia do concreto armado, e ambos os profissionais já tinham experimentado soluções inovadoras propiciadas pelos trabalhos em equipe. Entretanto, enquanto Niemeyer apenas iniciaria a manifestação sistemática de suas ideias por escrito mais de uma década depois, com a criação da revista Módulo, Cardozo costumava publicar com frequência suas poesias e artigos sobre arte e literatura. Enquanto o arquiteto privilegiava explicações práticas e específicas baseadas em seus projetos, o discurso do engenheiro era sempre mais idealista e platônico, provavelmente, devido ao seu profundo conhecimento matemático. Niemeyer adotava uma forma anti-intelectual, quase vernácula, de es-
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crever, e Cardozo sempre apresentava em seus textos referências de outros autores – a maioria da Rússia, da Alemanha e do Leste Europeu –, que o tinham levado a um pensamento específico, citando-os nas línguas originais. Quando Niemeyer inventou seu vocabulário inicial com pilares esbeltos, lajes planas, abóbodas e formas livres, baseado em princípios estruturais, foi Cardozo que o adaptou a formas geométricas e matemáticas em um caminho que buscava não subordinar a invenção arquitetônica a ela, mas, sim, obter o máximo desempenho de formas visivelmente coerentes estaticamente e também ajudar a conciliar o ajuste que – embora estruturalmente necessário – poderia comprometer a pureza pretendida. Diante da constatação de que Cardozo já havia empregado arcos parabólicos na escola Alberto Torres, é plausível que ele provavelmente tenha contribuído decisivamente pela adoção da abóbada parabólica mundialmente conhecida da Igreja da Pampulha, projetada em 1943. Apesar da composição geométrica pura que essa igreja possa aparentar, ela oculta uma série de expedientes para torná-la viável construtivamente e adequada ao uso. As abóbodas menores não são parabólicas, mas arcos circulares travados com vigas ocultas nas paredes. A abóboda maior suporta o coro e a marquise frontal, o que resultou em cargas pontuais que também tiveram que ser compensadas com reforços de aço escondidos na casca. A casca de concreto, na verdade, teve sua espessura aumentada devido às camadas externas de isolamento térmico, impermeabilização, cobertura em porcelanato e revestimento interno em placas de madeira. É, de fato, uma complexa solução construtiva com aparência de forma pura, tal como desejado pelos autores (Figura 1).
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Figura 1: a – Igreja da Pampulha, 1943. Oscar Niemeyer, Arquitetura. Joaquim Cardozo e Ruy Moreira, Cálculo Estrutural. Foto: Danilo Matoso. b – Possível corte esquemático original da casca da Igreja da Pampulha. Desenho: Danilo Matoso. a- Forro em pranchas de cerejeira com encaixe macho-fêmea. Largura variável de 30 cm/40 cm aproximadamente; b- Barroteamento de fixação do forro; c- Casca estrutural em concreto armado moldado in loco; d- Reboco; e- Enchimento em alvenaria; f- Reboco; g- Revestimento em pastilhas de porcelana azul 20mm x 20mm assentadas a 45°. Rejuntamento branco.
Como regra geral, o teto plano constituído por uma laje sem vigas foi adotado na maioria de seus trabalhos, em busca de assegurar a continuidade visual através da cortina de vidro. Sempre que o vão era muito grande para permitir lajes cogumelo, a solução comum era inverter vigas e executar pisos elevados. Lajes nervuradas também eram frequentemente adotadas, tanto com tijolos como fôrma perdida quanto com grelhas de malha mais aberta e maior altura, para vencer vãos mais avantajados (Figura 2).
Figura 2: a – Marquise com teto plano e vigamento invertido na Casa do Baile. Oscar Niemeyer, Arquitetura. Albino Froufe, Cálculo Estrutural. Foto: Alexandre Brasil. b – Casa do Baile, salão com estrutura em grelha e forro originalmente plano. Oscar Niemeyer, Arquitetura. Albino Froufe, Cálculo Estrutural. Foto: Danilo Matoso (durante obras de reforma em 2002).
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Até então, os prédios de Niemeyer eram objeto de detalhamento cuidadoso. Uma diversificada paleta de materiais e cores era devidamente harmonizada com o paisagismo circundante por meio das paredes de vidro protegidas por elementos sombreadores, como os brise-soleil e os cobogós. Essa rica combinação de texturas e formas livres adotada pelos arquitetos brasileiros contrastava, e muito, com o purismo europeu – sempre criticado por seu ascetismo – e criou uma nova síntese, tornando-se parte do mundialmente conhecido Brasilian Style.3 Um claro e racional sistema estrutural que poderia facultar planos mais flexíveis e formas incomuns, não apenas independentes das estruturas, mas articulados com eles de maneira a permitir que os elementos secundários e os materiais também fizessem parte da composição. É presumível que essa seja uma harmonia difícil de ser obtida sem a estrita supervisão do autor. Niemeyer admitiria posteriormente que, em certo momento, assumiu “trabalhos em demasia, executando-os às pressas, confiante na habilidade e na capacidade de improvisação” (NIEMEYER, 1958, p. 3-4). De fato, na primeira metade dos anos 50, os adeptos do Brazilian Style e Niemeyer eram alvo de uma forte onda de críticas e acusações de formalismo. As investidas vinham de grupos opostos. De representantes da esquerda radical, como Bruno Zevi, para quem a abordagem das formas livres pareciam frívolas e sem justificativa (ZEVI, 1950, cap. IX; TINEM, 2002, p. 95-101), a defensores puristas, como Max Bill, pouco afeito ao que não fosse composto por austeros prismas ideais (BILL, 1953). Evidentemente, as críticas tinham muito do etnocentrismo que ainda hoje inspira os historiadores da arquitetura, estudiosos daquele período. 4 Em Brasília, Niemeyer e Cardozo trabalharam juntos como técnicos contratados pela Novacap, empresa estatal responsável pela construção da nova capital, a ser concluída em três anos e meio. A mudança visível em sua arquitetura produzida entre 1955 e 1958 ocorreu tanto como uma reação aos pro-
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Conforme nos diz Zilah Deckker, sobre a exposição Brazil Builds realizada no MoMA, em Nova Iorque, organizada por Phillip Goodwin em 1943: “In spite of Goodwin’s caution not to label it, the ‘Brazilian Style’ came to be known through the illustrations in ‘Brazil Builds’; its seemingly regional image was seen as the expression of necessity. ‘Brise-soleils, pilotis, azulejos’ and the tropical landscape became the icons of the style. According to most contemporary interpretations, the ‘Brazilian Style’ expressed a stage forward in the maturity of the Modern Movement” (DECKKER, 2001, p. 160-161). Para um desenvolvimento aprofundado do debate de Niemeyer com Max Bill e Lina Bo Bardi, bem como sua repercussão, veja-se o nosso capítulo Do combate à autocrítica (MACEDO, 2008, p. 85-121).
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blemas identificados a partir das experiências anteriores do arquiteto quanto como uma estratégia de projeto, a fim de atender ao cronograma de curto prazo e ao caráter simbólico demandado pela encomenda. Em mais de 20 trabalhos produzidos por Niemeyer, nesse período, Cardozo foi encarregado dos projetos estruturais. A forma abstrata de pensar do engenheiro foi decisiva nessa transição, como descreveu o próprio Niemeyer, em 1958: As obras de Brasília marcam, juntamente com o projeto para o Museu de Caracas, uma nova etapa no meu trabalho profissional. Etapa que se caracteriza por uma procura constante de concisão e pureza, e de maior atenção para com os problemas fundamentais da arquitetura. Esta etapa, que representa uma mudança no meu modo de projetar e, principalmente, de desenvolver os projetos, não surgiu sem meditação. Não surgiu como fórmula diferente, solicitada por novos problemas. Decorreu de um processo honesto e frio de meu trabalho de arquiteto. [...] passaram a me interessar as soluções compactas, simples e geométricas; os problemas de hierarquia e de caráter arquitetônico; as conveniências de unidade e harmonia entre os edifícios e, ainda, que estes não mais se exprimam por seus elementos secundários, mas pela própria estrutura, devidamente integrada na concepção plástica original (NIEMEYER, 1958, p. 3-5).
Nas obras de Brasília, Niemeyer voltou seus esforços para princípios clássicos de ordenação da composição e a sua explicitação por meio de ritmo, forma e transparência (Cf. MACEDO; SILVA, 2011). Embora ainda abundante, o detalhamento foi reduzido drasticamente para sintetizar o modo como os elementos seriam articulados (assentamento de pedras, modulação das janelas, padrões de revestimentos, etc.). Até mesmo os elementos estruturais transformaram-se em representações esquemáticas nos desenhos de arquitetura – depois desenvolvidos à exaustão nos desenhos de Cardozo, em que fórmulas matemáticas determinavam a forma exata para ajustar o perfil originalmente previsto.5
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Para uma análise aprofundada das estruturas dos palácios de Brasília, veja-se Silva (2012).
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Figura 3: a – Palácio da Alvorada, 1957. Oscar Niemeyer, Arquitetura. Joaquim Cardozo, Cálculo Estrutural. Foto: Danilo Matoso. b – Palácio da Alvorada, detalhamento de armação das colunas externas, 1957. Joaquim Cardozo, Cálculo Estrutural.
Tal foi o caso das colunas do Palácio da Alvorada, duplamente enrijecidas no ponto em que tocam a laje de piso: um enrijecimento transversal retilíneo e o perfil longitudinal parabólico que configuram o famoso peristilo do edifício. Cardozo definiu precisamente a forma como o segmento da curva de uma parábola de quarto grau, com armaduras de aço numa interessante disposição
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diagonal. A base, abaixo do nível da laje intermediária, também conforma uma finíssima articulação estrutural (Figura 3). As colunas do Palácio do Planalto – sede do Poder Executivo – possuem tratamento similar, embora construídas geometricamente a partir da correlação entre arcos de círculos e linhas retas (Figura 4).
Figura 4: a – Palácio do Planalto, b – Detalhe das colunas do Palácio do Planalto.
As cúpulas do Palácio do Congresso Nacional também foram matematicamente definidas. A cúpula menor de 39 metros, correspondente ao Senado Federal, é um paraboloide de revolução com uma parábola de segunda ordem como geratriz, que suporta apenas tensões de compressão. A cúpula invertida maior, da Câmara dos Deputados, é resultado de uma composição complexa. A casca exterior visível é um elipsoide de revolução combinado com um tronco de cone invertido, com 62 metros de diâmetro no topo e 16 metros de balanço. Ela está coberta por uma segunda cúpula rebaixada que suporta tanto a laje de forro, atirantada abaixo com uma elaborada grelha de vigas, quanto o anel de concreto que define a cobertura acima. Niemeyer frequentemente se lembraria em suas memórias da ligação telefônica recebida de Cardozo, na qual o engenheiro exultava: “Consegui a tangente que vai deixar a cúpula da Câmara solta sobre a laje, como você preferia” (NIEMEYER, 1980, p. 96). Na Catedral, também definida por Cardozo, um conjunto de 16 pilares parabólicos com seção diamante e um perfil descrito por ele como “uma série de superfícies tangentes: tronco de cone, zona de pseudo-esfera, duas zonas de toxo (internas), e na parte mais alta, uma zona de hiperbolóide de uma folha, e de revolução” (CARDOZO, 2009c, p. 179) (sic). Enquanto uma solução construtiva para a vedação em vidro era estudada, ao longo dos anos 60, o prédio manteve-se apenas como esqueleto estrutural, seguramente
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uma das imagens mais impactantes do trabalho de Niemeyer (Figura 5).
Figura 5: Catedral Metropolitana de Brasília, Armação das Colunas [1958]. Joaquim Cardozo, Cálculo Estrutural.
Esses exemplos visíveis em Brasília parecem materializar a formulação teórica de Cardozo:
Pressente-se uma tendência para a fuga [...] para se voltar à intuição de uma geometria natural [...] Não mais uma geometria cartesiana – dominada, conduzida pelo formalismo algébrico – porém, uma outra mais moderna, emancipada desses sistemas que lhe vêm de fora e lhe restringe o campo de existência. É pelo emprego dessa realidade geométrica, [...] que atingimos nos tempos que correm a um critério de molduração ou de modenatura, [...] uma molduração mais intrínseca às linhas, superfícies e volumes que constituem o espaço arquitetônico e se define no emprego dos campos de tangência,
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de curvatura ou de contatos de ordem mais elevada entre aqueles seres geométricos [...]. Agora poder-se-á perguntar: e as soluções de equilíbrio para essas formas? São dadas pela física experimental, pela ótica dos estados reológicos, pela foto-elasticidade; entre o polarizador e o analisador aparecerão as linhas dos esforços e das deformações, sobretudo as isoclínicas, isostáticas e isocromáticas, três famílias de curvas que são o exemplo natural daquele objeto geométrico descoberto por Veblen e que se enquadram também no domínio da geometria dos tecidos (Geometrie der Gewebe), isto é, a geometria têxtil criada por Blaschke (CARDOZO, 1963, p. 3-4).
Alguns dos mais intrigantes efeitos dessa filosofia são revelados quando analisamos o sistema de vigas ocultas das lajes duplas ou dos planos nervurados dos palácios. Uma vez que todos eles possuem uma malha regular de distribuição dos pilares, poder-se-ia deduzir um conjunto de nervuras regularmente distribuídas para reforço das lajes correspondente à disposição visível. No entanto, sempre que carregamento assimétrico é acrescentado ou um grande vão é exigido, um conjunto de vigas diagonais, semelhantes a estruturas da natureza, distribuem os esforços e conduzem as cargas aos apoios regulares. O plano do Palácio do Planalto e do Alvorada, por exemplo, possuem diagonais onde o intervalo regular da colunata foi interrompido. Na plataforma do Palácio do Congresso, o peso das cúpulas é distribuído através de vigas que se assemelham a raízes que buscam os suportes (Figura 6).
Figura 6: Palácio do Congresso Nacional, detalhe das fôrmas da laje da plataforma, 1958. Joaquim Cardozo, Cálculo Estrutural.
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Com uma equipe de projetos entrosada e a possibilidade de acompanhamento em tempo integral da execução das obras, nesses edifícios, os elementos estruturais nos desenhos de concepção da arquitetura foram reduzidos a simples representações esquemáticas, a serem inteiramente desenvolvidos somente no projeto estrutural de Cardozo. Tal foi o caso, por exemplo, da seção dos pilares para o Palácio do Congresso, representados com simples retângulos nos desenhos de arquitetura e posteriormente detalhados por Cardozo como elipses. A relação aproximada com a engenharia alcançada permitiu Niemeyer declarar, anos mais tarde, o seguinte: [...] nos palácios de Brasília, essa seria minha escolha, caracterizando-os pelas próprias estruturas, dentro das formas concebidas. Com isso, detalhes menores que compõem a arquitetura racionalista se diluiriam diante da presença dominadora das nova estruturas. Se examinarem o Congresso de Brasília ou os palácios nela realizados, verão que, terminadas suas estruturas, a arquitetura já estava presente (NIEMEYER, 1998, p. 265).
As reflexões de Cardozo sobre esse fenômeno seriam ainda mais aprofundadas. Em 1965 ele escrevera
sobre o problema do ser e do estruturalismo arquitetônico, onde associava a esbeltez das novas estruturas e dos materiais, suas novas propriedades físicas, com novos valores estéticos: sente-se em tudo o predomínio do pensamento lógico, do pensamento racional; entretanto sempre se insinua em tudo um pouco do pensamento sentimental, afetivo, do pensamento mítico, este pensamento que insistentemente comparece, através de Platão, até mesmo na rígida maiêutica socrática (CARDOZO, 2009d, p. 157)
Elogiando a nova geometria complexa dos trabalhos do arquiteto, Cardozo o descreveria em 1968 como um cântico das superfícies – citando Perret, para quem “a arquitetura é a arte de fazer cantar os pontos de apoio, onde arquitetura e estrutura deveriam atingir uma nova unidade, na qual todo o edifício se tornaria uma estrutura acompanhando os pontos de apoio” (CARDOZO, 1968). Antes de 1960, quando da inauguração de Brasília, a pré-fabricação já havia estado presente no trabalho de Niemeyer nos esqueletos metálicos das torres do Congresso e nos Ministérios de dez pavimentos na Esplanada. Com
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a efetiva ocupação da cidade, porém, persistia uma certa urgência em se construir a infraestrutura necessária à vida de seus habitantes. Niemeyer enviou o arquiteto João Filgueiras Lima – o Lelé – à União Soviética para passar por um treinamento técnico em pré-fabricação com concreto, e com esse sistema eles projetariam os edifícios da Universidade de Brasília em 1962. Prosseguindo com sua nova linguagem clássica, por assim dizer, Niemeyer tirou vantagem plástica da ideia de vigamento aparente em uma direção que caracteriza o trabalho com pré-moldados – sobretudo na cobertura. Ele levaria essa ideia a um nível ainda mais radical de desenvolvimento no Museu da Universidade – não construído –, em que o edifício inteiro se tornaria um elemento estrutural: uma ponte com um gigantesco vão de 100 metros e balanços periféricos de 25 metros (Figura 7).
Figura 7: Praça Maior da Universidade de Brasília, Estudo Preliminar [Edifício do Museu à esquerda, acima] [1962]. Oscar Niemeyer, Arquitetura.
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Tal estratégia se tornaria um novo tipo no léxico arquitetônico de Niemeyer, levado a cabo, por exemplo, com vãos de apenas 65 metros na escola de Curitiba (1967) – recentemente transformada em Museu Niemeyer; com vãos de 50 metros na universidade de Constantine, na Argélia (1969) e na estação ferroviária de Brasília (1975); e como uma variação no edifício da Fata, em Turim (1975). Em 1968, Cardozo calcularia uma destas obras: o Pavilhão de Exposições da Gameleira, em Belo Horizonte, encomendado pelo então governador Israel Pinheiro (antigo diretor da Novacap em Brasília). Era 4 de fevereiro de 1971, um dia quente de verão. Os operários da obra do Pavilhão descansavam após o almoço sob a generosa sombra da cobertura de concreto. As últimas escoras das fôrmas haviam sido removidas naquela manhã. Com um estalo e um ruído ensurdecedor, a estrutura em balanço veio abaixo. Mais de 120 operários morreram naquela manhã. A justiça condenaria, na primeira decisão, tanto a construtora quanto o calculista. Cardozo provaria, em instâncias superiores, que não houvera erro de cálculo e que a principal causa havia sido a remoção de escoramento na ordem invertida. As últimas escoras retiradas estavam na ponta do balanço, o que teria carregado a estrutura repentinamente, causando o desabamento. Mas não havia mais futuro profissional para Joaquim Cardozo, então com 74 anos. O engenheiro jamais se recuperaria emocionalmente do episódio e não voltaria à prática projetual como calculista até sua morte em 1978. No terceiro momento de sua carreira, Niemeyer trabalhou ainda com outros talentosos engenheiros estruturais – dentre os quais Bruno Contarini e José Carlos Sussekind. Entretanto, o delicado equilíbrio entre a abstração de Cardozo e a desenvoltura de Niemeyer não voltou a se repetir. Um equilíbrio que Cardozo elaborara pouco antes do início de sua parceria com o arquiteto, ainda em 1939: O método matemático, força mágica em ação sobre o mundo das formas, encontra nos modelos de ensaio e nos campos de prova um universo arbitrário onde pode se exercer no sentimento da unidade que é perfeição e da economia que é vida. Os calculadores modernos, na sua meditação prática, não se deixam mais entravar pelas fórmulas empíricas, são agora guiados pela experimentação. É nesse mundo reduzido, nesse cosmos plasmado especialmente para uma cômoda indagação da natureza que sentimos o maravilhoso contato
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entre o espírito sagaz e criador e a natureza vencida e torturada, ponto crítico em que se confundem a teoria e a técnica, o sábio e o artista (CARDOZO, 2009a, p. 61).
Sobretudo após Brasília, o trabalho de Oscar Niemeyer teve influência inequívoca, direta ou indireta, da concepção estrutural desenvolvida em conjunto com Joaquim Cardozo. Em Brasília, de fato, o arquiteto mudara radicalmente seu método de trabalho, e a linguagem de sua obra atingiu um novo patamar de síntese e concisão.
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Fonte das imagens Figura 1: Do autor Figura 2: Fotos do autor Figura 3: Acervo Novacap.
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Figura 4: Do autor. Figura 5: Módulo, v. 6, n. 26, p. 22, 1961. Figura 6: Acervo Técnico da Câmara dos Deputados.
Figura 7: Módulo, v. 8, n. 32, p. 32, 1963.
CapĂtulo 7 Geometria, Desenho e Criatividade na Arquitetura de Oscar Niemeyer 1 Wilson FlĂłrio
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Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual. A curva que encontro nas montanhas do meu País, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, nas nuvens do céu, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o Universo – o Universo curvo de Einstein. Oscar Niemeyer
Em 1988, para a cerimônia de entrega do Prêmio Pritzker2, Oscar Niemeyer enviou a seguinte declaração: “[...] como Charles Baudelaire afirmou, o inesperado, o irregular, a surpresa, o surpreendente é uma parte essencial e característica da beleza”. Essa é a principal ideia presente na criação da obra de Niemeyer. A forma escultural é parte da justificativa do projeto, pois “quando a forma cria beleza ela tem sua própria justificativa”.
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Este texto foi parcialmente publicado pelo autor no Journal for Geometryand Graphics com o título “Knowledge, Repertoire and Ruled Surfaces in Oscar Niemeyer’s Architecture”, v. 11, n. 2, 2007, p. 209-222. The Pritsker Architecture Prize: Ceremony Acceptance Speech. Niemeyer não compareceu à Cerimônia, mas enviou um pequeno texto. Dentre o que escreveu, declarou: “The unexpected, the irregular, the surprise, the amazing are an essential part and characteristic of beauty“. Disponível no site: <http://www.pritzkerprize.com/1988-niemeyer/ceremony_speech1>.
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Durante toda a sua carreira, Niemeyer buscou formas e relações espaciais que pudessem impressionar e surpreender as pessoas. Este “pasmo essencial” ou esta “eterna novidade”, como diria Fernando Pessoa, é que constituem a verdadeira arte para o arquiteto. Deliberadamente Niemeyer procura tornar o primeiro contato com a obra um momento de surpresa, de espanto, elemento este essencial para quem busca a beleza. Mas as formas novas, que “surpreendem pela leveza e liberdade de criação”, nem sempre foram bem recebidas pelos críticos e pelos seus contemporâneos de profissão. Admirada por alguns e criticada severamente por outros, a obra de Niemeyer tende a ser vista como algo excepcional, algo de natureza espetacular e monumental, que transforma e transcende o cotidiano, tornando a vivência mais expressiva e intensa. Niemeyer empregou formas límpidas, geometricamente simples, derivadas de plantas retangulares, trapezoidais ou circulares. Círculos, quadrados, trapézios e arcos são lidos como letras do alfabeto: contornos bem definidos para imediata captação. Mas essa aparente singeleza não é tão simples assim. O conceito de simplicidade, defendido pelo arquiteto, deve ser interpretado com cautela. Quando Niemeyer afirma que “o partido preferido foi o mais simples”, isto não significa que foi o mais fácil ou o mais óbvio de ser obtido. Atingir a simplicidade sempre requer uma extensa produção de diferentes ideias e claros critérios de comparação e de avaliação. Para o arquiteto, simples é a ideia que possa atender melhor as diversas condições apresentadas. Para ele, simples é a obtenção da maior expressividade plástica com o mínimo de recursos geométricos que definam a forma escolhida. Muitos projetos do arquiteto têm simplicidade formal, mas complexidade técnica. Se a solução final parece simples, é porque houve um grande esforço de torná-la assim. Niemeyer tornou-se conhecido por não seguir rigidamente o programa de necessidades. A livre interpretação do programa e das áreas o fez transgredir as normas vigentes em diversos temas de projeto. Nesse aspecto ele acompanha Louis Kahn, que afirmava: Se um arquiteto obtém um programa de um cliente, ele recebe um programa de áreas. Ele tem que transformar as áreas em espaços, porque ele não está lidando apenas com as áreas (KAHN, 1969 apud LUCAN, 2012, p. 496 – Tradução do Autor).
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Para o arquiteto, o programa e suas áreas eram apenas dados iniciais, que deveriam ser interpretados e transformados em espaços de acordo com o conceito formulado para cada projeto. A fusão entre áreas do programa para criar espaços contínuos e flexíveis era o resultado dessa estratégia. Além disso, as áreas eram submetidas às necessidades plásticas e espaciais. Com isso, o arquiteto claramente contesta o funcionalismo e o racionalismo. O meio preferido de expressar suas ideias era ao desenho. De fato, desenhos e croquis permitiram ao arquiteto demonstrar visualmente as razões para as soluções pretendidas. Niemeyer explica que O desejo de descobrir novas formas torna-se evidência em todo meu trabalho, formas que a técnica e as condições especiais de cada tema sugeriram. Para respondê-las e explicá-las, apresentava desenhos e ‘croquis’, demonstrando como se integravam nas conveniências internas dos projetos (NIEMEYER apud PETIT, 1998, p. 95).
A geometria de cascas de concreto ocorreu de acordo com as conveniências e as necessidades funcionais, visual, estética e técnicas. Basta citar, como exemplo, o auditório do Centro de Convenções da Barra da Tijuca (1997), cuja esbelteza de uma das extremidades resultou em uma intenção de se estender a visão de dentro do auditório para a praça e os edifícios do conjunto. Para atender, simultaneamente, questões técnicas, estéticas e perceptivas, Niemeyer explorou a geometria dos elementos construtivos, de acordo com as intenções pretendidas para o projeto em questão. Arcos, abóbadas construtivas e outros elementos construtivos foram por mim utilizados com o objetivo de eliminar colunas, ou estabelecer com as superfícies retas da arquitetura, o contraste desejado (NIEMEYER apud PETIT, 1998, p. 93).
As coberturas curvas concebidas por Niemeyer permitiram a ele obter amplos espaços livres, com grande plasticidade escultural. Ao mesmo tempo, essas coberturas geraram espaços flexíveis, grandes beirais de laje simples, sem a necessidade de apoios intermediários, abrigando todo o programa de necessidades com liberdade. Esses grandes espaços representaram a liberdade das pessoas de se colocarem em movimento, percorrendo livremente os espaços. Niemeyer encontrou nas formas curvas uma alternativa para a monotonia
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da ortogonalidade do pilar e da viga. A plasticidade do concreto armado permitiu ao arquiteto explorar formas livres e espaços contínuos, e constituir um repertório de formas e espaços amplos e monumentais. Em diferentes situações de projeto, o conceito de plasticidade resultou em edifícios constituídos por elementos construtivos que se fundem, convertendo o pilar, a viga e a laje num único elemento contínuo. É importante destacar que Niemeyer não tinha aversão ao uso de revestimentos sobre os materiais empregados. Os materiais naturais nem sempre ficavam expostos. Na realidade, em alguns casos, para o arquiteto, a visualização dos diferentes materiais empregados na construção reduziria o efeito de plasticidade desejada para a forma escultural. Em vez disso, a cor branca, em toda a superfície externa, contribuía para fortalecer a ideia de unidade, integridade e plasticidade da forma. A análise dos desenhos produzidos por Niemeyer indica que, preferencialmente, o arquiteto definia o partido arquitetônico a partir do corte. Nesta resposta inicial do arquiteto em relação a um dado programa eram definidos setores, acessos, circulações, volumes e relações espaciais. O partido era definido a partir de pequenos esboços, que condensaram as principais características da distribuição do programa no conjunto. As origens da forma curvilínea de cada projeto normalmente eram justificadas como um resultado natural da análise da topografia do local, do entorno, ou da relação respeitosa entre edifícios e visuais. Em alguns casos, eram “as curvas da mulher amada” ou os contornos das montanhas do Rio de Janeiro. Por conseguinte, torna-se difícil saber e justificar plena e racionalmente as intenções plásticas do arquiteto, cujo desejo sempre foi expressar com liberdade a forma livre. Nos edifícios adjacentes às declividades acentuadas, o arquiteto planejou grandes estruturas com balanços. Tanto no Museu de Arte Moderna de Caracas (1954) como no Museu de Arte Contemporânea de Niterói (1994), a estrutura central suporta os grandes balanços e sem colunas. Em ambos os Museus, o contorno da encosta é replicado na pirâmide invertida. Porém, na planície junto à Praça dos Três Poderes em Brasília, Niemeyer projetou o Panteão da Liberdade e da Democracia Tancredo Neves (Panteão da Pátria, 1985) com uma estratégia levemente diferente. As formas trapezoidais deste edifício não se limitam
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às formas puras, e se mesclam com as curvas na cobertura, formas estas que se projetam em grandes balanços, mas parecem emergir do solo abaixo da Praça. De igual importância era a relação harmônica entre os edifícios. Na “Praça dos Três Poderes”, Niemeyer afirmou [...] Não a pretendia fria e técnica, com a pureza clássica, dura, já esperada das linhas retas. Desejava vê-la, ao contrário, plena de formas, sonho e poesia (NIEMEYER apud PETIT, 1998, p. 101 e 320).
Esta unidade plástica, obtida pela alternância entre curvas e retas, era decorrente da íntima relação entre os elementos empregados em cada edifício de um conjunto. Nota-se claramente que os Palácios de Brasília foram concebidos para formar um todo indivisível e harmônico, derivados de um mesmo conceito e de uma mesma linguagem. O arquiteto intencionalmente se opôs ao racionalismo e ao funcionalismo derivados da forma pura e ortogonal. Para o arquiteto, a geometria das formas curvas proporcionava uma composição poética, dinâmica e sensual, que desafiava a técnica, em busca de uma solução inovadora e sonhadora. Assim, naqueles Palácios, o arquiteto planejou colunas esbeltas e sinuosas, cujas extremidades parecem tocar levemente o solo. A leveza e a ousadia das formas criadas, derivadas das curvas, diferenciaram a arquitetura de Niemeyer da realizada por Corbusier. Nesse sentido, o próprio arquiteto afirmou: Uns, como Le Corbusier, procuravam a forma mais robusta; outros, como nós, o vão maior, a leveza arquitetural. Todos, com o mesmo objetivo: a criação plástica (NIEMEYER, 1998, p. 316).
Mas é verdade que a arquitetura de Niemeyer dos anos 50 e 60 não é a mesma dos anos 70 em diante. Ao contrário das primeiras décadas, nesta última sua arquitetura ficou mais robusta, com menor “leveza arquitetural”. Para alcançar formas novas nestas grandes estruturas, surpreendentes e plásticas, Niemeyer explorou ao máximo a potencialidade da técnica do concreto armado. A intenção de atingir o belo o fez ousar mais, atingir os limites da razão para provocar a emoção.
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Esboços, desenhos e criatividade Diferentes autores (SEGRE, 1998; CORONA, 2001; OHTAKE, 2007; PHILIPPOU, 2008), entre críticos e arquitetos, afirmaram, categoricamente, que Oscar Niemeyer é um arquiteto criativo. Porém, raramente se define o que é criatividade, e como ela se manifesta na obra de um arquiteto. Embora definições normalmente sejam subjetivas quando se trata de aspectos estéticos, técnicos e funcionais ao mesmo tempo, há alguns traços que permitem identificar características de pessoas criativas3: i. imersão sobre o fazer, prática intensa para aquisição de experiência; ii. acúmulo de conhecimentos da área de domínio (e também de outras áreas afins); iii. desenvolvimento de habilidades e de atitudes; iv. tenacidade para vencer os obstáculos; v. motivação intrínseca; vi. imenso prazer em produzir algo bem-feito; vii. pensamento divergente; viii. curiosidade e inquietação. Nos seus escritos, Niemeyer sempre declarou suas predileções e suas motivações para o seu trabalho. A apreciação do belo, o gosto pelo desenho, a busca do entendimento do ser humano e de suas necessidades fizeram com que o arquiteto procurasse novos modos para realizar seus desejos. O arquiteto confessou que decidiu estudar arquitetura porque adorava desenhar. Niemeyer sempre se autodenominou como um desenhista. Essa motivação intrínseca foi determinante na escolha da profissão. Foi essa motivação que o fez fazer uma imersão na prática projetual. Além disso, a imersão no desenho tornou possível ao arquiteto automatizar habilidades, permitindo que liberasse suas energias para realizar e inventar algo novo. Mas, para tanto, o arquiteto teve que estudar e refletir sobre sua prática e estabelecer relações com a dos outros. O profundo estudo da obra de outros arquitetos, sobretudo sobre a obra de Le Corbusier, lhe permitiu construir noções preliminares, a partir das quais ele se sentiu mais seguro para propor algo novo. Esse fato é prontamente percebido quando o arquiteto se refere à obra de outros arquitetos, explicando a diferença de suas propostas diante das propostas existentes. Esse quadro de referência foi fundamental para o seu processo criativo, pois só a partir da constatação daqui3
Há uma extensa literatura sobre autores que definem criatividade. Entre estes autores, podem-se destacar Robert Sternberg, Mihaly Csikszentmihalyi, Teresa Amabile, Robert Weisberg, Todd Lubart, Dean Keith Simonton e Howard Gardner.
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lo que já havia sido realizado é que ele pôde propor algo novo. Essa dupla imersão, no desenho e no estudo da sua própria obra e a dos outros arquitetos, permitiu ao arquiteto ter uma rápida desenvoltura. Enquanto maiores conhecimentos facilitaram estabelecer associações e conexões entre fatos conhecidos, a prática intensa permitiu melhorar o seu desempenho e a produção de ideias para seus projetos. Não há intuição sem conhecimento. Se alguns autores (como CORONA, 2001; OHTAKE, 2007) o chamam de intuitivo, é porque Niemeyer tinha profundos conhecimentos de arquitetura. Seu talento para desenhar não seria suficiente se ele não tivesse desenvolvido uma extrema capacidade de interpretação dos conhecimentos inerentes à sua área de domínio: a arquitetura. Porém, Niemeyer tinha uma curiosidade natural, que é típica de pessoas criativas. Seu interesse não se restringia à arquitetura. Lia literatura, escrevia poemas. Apreciava a obra de escultores e de pintores. Tinha uma percepção atenta para observar e reter os fenômenos cotidianos que via, transformando-os em conhecimentos para a sua arquitetura. Sua inquietação diante das injustiças o fazia pensar sobre o papel social do arquiteto. Ao ler Jean Paul Sartre (um de seus grandes amigos), entendeu a natureza do ser humano. Esse inconformismo movia o arquiteto a produzir uma arquitetura singular, que contribuísse para melhorar a vida das pessoas, incluindo aqueles que não podiam ter acesso à arte e à boa arquitetura, senão pelas obras públicas na cidade. Desenhar e projetar eram seus meios de contribuir para uma sociedade mais justa. Essas são atitudes essenciais de pessoas criativas. Niemeyer produzia ideias de modo artesanal, desenhava edifícios e sonhava de olhos abertos. O meio de expressão predominante do arquiteto sempre foi o desenho. A partir de seus desenhos em pequena escala, tentava mudar a sociedade de sua época. Sua satisfação era ver a obra construída, acessível a todos. Sentia-se assim útil à sociedade, pois seu ofício permitia agir sobre a realidade, de modo a tentar alterá-la. Portanto, o desenho era um meio e não um fim em si mesmo. Essa experiência de plena satisfação com o trabalho, que dá prazer e diversão, foi definida pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi (1996, p.110) como flow. Nota-se que a fluência, presente no trabalho de Oscar Niemeyer, deriva justamente dessa sensação de satisfação de fazer o que gosta, de fazer algo considerado bem-feito.
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Niemeyer desenhava para imaginar melhor, para compreender e propor soluções para os problemas que lhe eram apresentados. O arquiteto pensava por imagens, pois o pensamento em projeto é diretamente dependente de mecanismos visuais e perceptivos. Croquis, como representações externas, permitiram ao arquiteto acumular ideias e refletir sobre elas. Durante toda a sua obra, os desenhos de Niemeyer foram realizados com grande facilidade e espontaneidade, tornando-se cada vez mais sintéticos. É notável como os seus croquis demonstram diferentes aspectos do problema, desde os estéticos até os técnicos. Durante esta investigação, tornou-se claro que esses desenhos embrionários permitiram ao arquiteto desenvolver graficamente o seu raciocínio espacial. O croqui sempre foi um elemento de registro e de catalisação de ideias fundamental durante o desenvolvimento do projeto de qualquer arquiteto. Desde os seus primeiros croquis, em escala reduzida (1:500), é possível rastrear o desenvolvimento de algumas ideias, como fez Júlio Katinsky (1990) sobre os desenhos dos Palácios de Brasília, e verificar como algumas decisões foram realizadas por Niemeyer. Confirmando a importância dos esboços no seu processo de projeto, o arquiteto Oscar Niemeyer afirmou: “[...] quando na arquitetura é possível explicar um projeto com um pequeno esboço, esta é a prova que ele está bem pensado, como sempre deveria ser” (NIEMEYER, 2000, p.18). Dessa maneira o arquiteto tenta nos convencer de que a sua solução é a melhor escolha. Além disso, a simplicidade do desenho, mostrando apenas contornos de formas traçadas por algumas linhas gestuais, nos convence de que a proposta é, ao mesmo tempo, adequada e bela, como uma escultura. Não há dúvida que Niemeyer tinha uma grande capacidade de persuasão e de argumentação, seja por meio de desenhos, seja por meio dos seus textos. Em seus desenhos, é visível sua predileção por dois tipos de desenho: a seção e a perspectiva. Enquanto a seção proporcionava ao arquiteto revelar internamente as diferenças de altura da cobertura e os grandes vãos projetados, externamente a perspectiva era empregada para nos convencer sobre a generosa liberdade do espaço, bem como a relação entre o edifício e a paisagem. O primeiro tipo de desenho (a seção) aponta diferentes aspectos técnicos e funcionais do projeto, tais como estrutura, geometria e pé-direito, enquanto o segundo (a perspectiva) ilustra os aspectos estéticos do projeto, tais como campo visual, proporção, ritmo e escala.
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Os esboços em corte mostram a busca pela definição correta da curvatura da estrutura e sua plasticidade. Portanto, esse tipo de desenho permitia ao arquiteto geometrizar os elementos construtivos e definir os níveis de cada pavimento, suas dimensões e proporções. Ver Niemeyer desenhando sempre causava a impressão de que era uma operação fácil. Na realidade, sem a imersão sobre o fazer, dificilmente o arquiteto conseguiria expressar tão rápida e precisamente suas ideias em público. Se, num primeiro momento, parece ser um ato de improviso, na verdade o desenho evidencia um conhecimento profundo, e, ao mesmo tempo, revela habilidades plenamente desenvolvidas, que foram lentamente adquiridas durante a prática diária. De fato, a desenvoltura veio da sua experiência, que foi internalizada e transformada em novos conhecimentos. Portanto, só improvisa quem tem profundos conhecimentos, experiências e habilidades que são lentamente adquiridos a partir da prática deliberada. É possível afirmar que o croqui na obra de Niemeyer teve pelo menos dois papéis importantes. Primeiramente atuou como um catalisador de ideias. Como um ato deliberado para incitar a imaginação, o croqui incompleto e inacabado facilitou a produção de novas ideias e novas interpretações na mente do arquiteto. Em segundo lugar, os croquis desempenharam um papel de expressão concisa, que sintetizavam a cada momento algo que foi maturado e pensado. Portanto, seja para criação, seja para explicação, o croqui foi um meio de ativar e expressar o pensamento do arquiteto. De um traço nasce a arquitetura. E, quando ele é bonito e cria surpresa, ela pode atingir, sendo bem conduzida, o nível superior de uma obra de arte [...] Mas essa fase inicial exige por antecipação que o arquiteto se integre nos problemas tão variados do trabalho a executar [...] E somente depois de se inteirar de tudo isso é que ele começa a desenhar, fazendo croquis, na procura da ideia desejada [...] É nesse momento de imaginação e fantasia que a solução aparece e nela o arquiteto se detém [...] E, se o meu método é adotado, ele começa então a redigir um texto explicativo, procurando sentir se lhe faltam argumentos, que alguma coisa no projeto deve ser acrescentada (NIEMEYER apud CORONA, 2001, p. 20).
Nessas afirmações estão contidos aspectos fundamentais para a compreensão do processo de projeto do arquiteto. O primeiro é que, antes de dese-
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nhar, o arquiteto deve se inteirar sobre a natureza do problema a ser enfrentado. Segundo, que a busca incessante para a solução desejada exige a produção de croquis. Terceiro, são esses esboços, implicitamente, que devem incitar a imaginação e a fantasia até que o arquiteto identifique, nos seus traços imprecisos, a possível solução. Desse modo, a “solução aparece” após um intenso trabalho de registro e de interpretação de croquis. No entanto, há contradições na afirmação. Não é literalmente de um traço que nasce a arquitetura, e sim a partir da produção exaustiva de desenhos, de uma busca incessante por possíveis soluções, por tentativa e erro, cujas ideias são lentamente “lapidadas como um diamante”. Como bem afirmou Rodrigo Queiroz (2007, p.11), “[...] Niemeyer prefere tornar público apenas desenhos que ilustram uma representação a posteriori de projetos”. A solução alcançada é apresentada ao público sem o acompanhamento dos inúmeros desenhos que foram perseverantemente elaborados para buscar possíveis soluções para o projeto. O denominado “método” do arquiteto inclui a elaboração de texto, que permitirá explicar e complementar as escolhas realizadas durante o processo de projeto. A elaboração do texto era um modo de se obrigar a tornar explícitas as escolhas, e tornar-se consciente sobre as decisões tomadas. Portanto, para Niemeyer, a argumentação só se completa a partir do texto justificativo. É perceptível a sequência de ações definidas pelo arquiteto, desde a produção dos primeiros desenhos até a explicação do resultado do processo. Conclui-se que, para o arquiteto, o desenho não seria suficiente para explicar o projeto; seria necessário argumentar com palavras o conteúdo daquilo que foi representado no desenho. Ainda na declaração do arquiteto, cabe destacar a clara identificação de três momentos decisivos do seu método de projeto. O primeiro é a produção de ideias. O segundo é a exploração das mesmas. Por fim, a explicação do resultado obtido. Por conseguinte, as três etapas fundamentais de seu processo de projeto seriam a geração de ideias, a exploração de algumas delas e a explicação da solução escolhida. Nesse aspecto, o arquiteto não acrescenta nada àquilo que se já é sabido sobre a natureza das etapas do processo de projeto: análise, síntese e avaliação. Contudo, é importante destacar o cuidado do arquiteto para explicar bem os projetos que realizou, destacando as condições de trabalho em que atuou.
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No livro “Oscar Niemeyer”, publicado pela Editora Arnoldo Mondadori em 1975, é notável o esforço para explicar seus projetos, a coerência entre eles, e as variadas restrições impostas. Um aspecto importante, que demonstra a tenacidade do arquiteto, é quando o arquiteto orgulha-se de ter realizado o projeto em curto espaço de tempo (NIEMEYER, 1975). De fato, em diferentes situações, seja em Pampulha, seja em Brasília, o arquiteto respondia com agilidade a demanda por um projeto. Nos livros que publicou, percebe-se que há uma íntima relação entre o modo de expressão (o croqui ou desenho) e o conteúdo resultante desse ato. Até mesmo formas “livres” devem ser geometrizadas para serem construídas. As formas esculturais propostas pelo arquiteto eram sintetizadas por alguns poucos traços, suficientes para proporcionar uma boa noção sobre a natureza do espaço investigado. Mas essas formas revelam algo mais. As formas esculturais e abstratas de seus projetos revelam o desejo de propor edifícios plástica e geometricamente sintéticos e belos. Esse desejo é claramente expresso no livro As curvas do tempo, em que o arquiteto declara: Muitas vezes desejei fazer escultura. “Você é o escultor do concreto armado” me diziam, e eu pensava que um dia isso poderia acontecer [...] Gostava das esculturas de Moore e Hepworth, da pureza de Brancusi, das belas mulheres de Despiau e Maillol [...] toda feita de beleza e movimento (NIEMEYER, 1998, p. 207).
Para comentar essa frase, é importante lembrar que, durante o século XX, a escultura deixa de ser “esculpida” e passa a ser concebida a partir de formas geométricas abstratas, definidas por contornos nítidos e precisos. Ao ocuparem o espaço público nas grandes cidades (a partir da década de 1950), essas esculturas tornaram-se maiores4 e tiveram que incorporar técnicas construtivas que não lhes eram peculiares. Por outro lado, a partir da década de 1950, gradativamente, houve um crescente interesse pelos arquitetos por formas monumentais e mais “esculturais”. Essa mútua aproximação fez com que arquitetura e escultura compartilhassem alguns interesses em comum. Portanto, essa frase
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Dentre os escultores que, a partir da década de 1950, realizaram grandes esculturas em espaços públicos das grandes cidades (como Chicago, Nova Iorque, Paris), estão Pablo Picasso, Henry Moore e Alexander Calder.
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do Niemeyer deve ser interpretada, nesse contexto, em decorrência daquilo que ele via acontecendo como um movimento nas grandes cidades. A beleza e o movimento desejados, que o arquiteto via na escultura, foram incorporados em sua arquitetura a partir da suavidade e organicidade das curvas. Para Niemeyer, arte e arquitetura eram inseparáveis, fazendo com que o arquiteto trabalhasse, sempre que possível, junto a artistas como Cândido Portinari e Athos Bulcão, ou mesmo com paisagistas (que também eram artistas) como Burle Marx. As coberturas curvilíneas, sobretudo para vencer grandes vãos, tiveram grande importância na obra de Niemeyer. Mas na década de 1950, como bem afirmou Sigfried Giedion (1954), as abóbadas representavam a busca por uma nova monumentalidade. De fato, em vários países, grandes espaços curvilíneos cobertos foram projetados para abrigar diferentes usos. A primazia dos grandes abrigos, que vinha desde o século XIX, foi retomada por arquitetos como Oscar Niemeyer, Kenzo Tange, Eero Saarinen, Eladio Dieste e Felix Candela. No caso de Niemeyer, a plasticidade das formas de concreto causou repercussão ainda maior sobre a arquitetura internacional.
Conhecimento e repertório A solução de problemas em projeto depende da combinação de experiência e conhecimento, habilidades e atitudes, mas principalmente de um árduo trabalho. Normalmente Niemeyer gerava muitos croquis para o projeto em questão, até obter a solução mais correta e viável dentre as opções apresentadas no momento. Esse processo não era fácil como a sua explicação poderia nos fazer crer. Embora para Niemeyer o conceito central do projeto aparecesse a partir de um equilíbrio entre conhecimento e intuição, é possível perceber que o arquiteto habituou-se a desenhar e a refletir exaustiva e compulsivamente sobre variações de um mesmo repertório. Repertório é formado após anos de atuação profissional. A confrontação entre diferentes ideias depende de um repertório maduro e internalizado. Assim, para desenvolver o pensamento divergente, caracterizado por diferentes ideias, é necessário primeiramente constituir um conjunto de soluções projetuais, a partir do qual será possível comparar e avaliar ideias distintas. É exatamente o repertório formado durante a prática intensa que facilitou
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a ação projetual de Niemeyer (VALLE, 1998), pois o arquiteto resgatava da memória suas experiências passadas, que aceleraram a solução de problemas de projeto. Quando foi convocado, por Juscelino Kubitschek, a propor edifícios com prazos muito curtos, o arquiteto prontamente foi capaz de utilizar o conjunto de conhecimentos adquiridos em projetos anteriores. Este é o verdadeiro papel do conhecimento: potencializar a criatividade. Projetar é um processo dinâmico de adaptação e transformação de conhecimentos anteriores, a fim de acomodá-los à situação presente (OXMAN, 1990). Niemeyer tinha um largo repertório de soluções formais-espaciais, constituído ao longo de sua carreira. Ele reutilizou sua vasta experiência de um modo criativo. É interessante observar a transformação das soluções espaciais e formais, e como elas foram adaptadas e acomodadas a diferentes contextos urbanos. Quando o arquiteto internaliza as regras e os princípios de sua área de domínio, seu trabalho é realizado com mais facilidade. Por outro lado, é exatamente quando o arquiteto tem consciência daquilo que é praticado em sua área, que ele tem condições de propor algo que venha a romper com as normas e regras vigentes. Niemeyer propôs novos princípios a partir da constatação de que a arquitetura que era praticada na sua época não satisfazia a todos os seus anseios, nem explorava todas as possibilidades técnicas e estéticas que ele vislumbrou ao tomar conhecimento das normas vigentes. Seu trabalho começou a se tornar mais criativo quando ele constatou que a plasticidade das formas curvas, derivada a partir das propriedades do concreto armado, ampliaria o leque de soluções arquitetônicas de sua época, renovando e revigorando o repertório formal da arquitetura moderna.
Análise geométrica das obras de Niemeyer É possível afirmar que há pelo menos três tipos de metamorfoses nas definições geométricas nos projetos arquitetônicos de Oscar Niemeyer. O primeiro deles é o trapézio. Na Figura 1 pode-se observar que a introdução do plano diagonal foi o primeiro recurso utilizado pelo arquiteto para aumentar o dinamismo na composição, bem como para se contrapor a geometria ortogonal de forma cúbica. A segunda metamorfose é a da parábola, ou arcos circulares. A Figura 2 mostra como as cascas de concreto são retrabalhadas para abrigar diferentes funções. Esse fato demonstra a crescente complexidade estrutural de sua obra
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entre a década de 1940 e 1980. A terceira metamorfose é a das curvas formadas por arcos circulares e suas tangentes, que podem ser chamadas de curvas flexíveis livres. A Figura 3 mostra claramente que a suave catenária inicial vai sendo gradualmente transformada em curvas acentuadas, até finalmente se unir às colunas, constituindo pórticos curvilíneos. Esse evento mostra que a complexidade e a ousadia formal e espacial vieram com a maturidade.
Figura 1 – A metamorfose da forma trapezoidal.
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Essas transformações da forma arquitetônica foram as “invenções” que Niemeyer propôs em cada projeto durante toda a sua obra arquitetônica. O repertório formal foi sendo enriquecido de modo a recombinar ou reutilizar parte dos princípios formais estabelecidos anteriormente, e, ao mesmo tempo, adequar e introduzir novas propostas. Na fase inicial da carreira profissional de Niemeyer, que ocorreu a partir da segunda metade da década de 1930, pode-se notar uma forte influência de Lucio Costa, bem como de Le Corbusier. A geometria de seus primeiros projetos é claramente manifestada por formas regulares estáticas e por linhas retas. No entanto, foi a partir do conjunto de edifícios realizados para Pampulha, na década de 1940, em Belo Horizonte, que Niemeyer estabeleceu o primeiro léxico de formas curvas que irá acompanhá-lo ao longo de sua obra arquitetônica. Inicialmente, o arquiteto adotou a forma trapezoidal, de modo a transgredir o paralelismo dos ângulos retos. Lentamente as formas trapezoidais (Figura 1) vão cedendo lugar para as formas curvilíneas mais complexas (Figura 2). Logo, o arquiteto percebe que a catenária formada entre os pilares poderia ser espacialmente explorada, tornando-se parte integrante das propostas arquitetônicas (Figura 3). Primeiramente o trapézio foi intercalado por uma abóbada. Depois disso, os conjuntos de abóbadas sequenciais foram incorporados ao seu vocabulário de formas. O passo seguinte foi mesclar a forma trapezoidal com a abóbada. Ao mesmo tempo em que o arquiteto desenvolveu novos desenhos para fechamentos e coberturas, ele também desenvolveu novas formas de colunas e de pórticos que dão sustentação. Nota-se que as colunas iniciais eram circulares e perpendiculares ao solo, mas as colunas que vieram a seguir tinham um formato trapezoidal, inclinado e também em formatos de “V”, “W” e “Y”. Essa progressão culmina na fase seguinte, quando Niemeyer cria coberturas curvilíneas livres, conciliando arcos circulares com retas, e pórticos com grande plasticidade. Desde o projeto para a Capela de São Francisco de Assis (1940), em Pampulha, Belo Horizonte, as abóbadas foram espacialmente exploradas em seu trabalho. O próprio arquiteto afirmou que “com a obra da Pampulha o vocabulário plástico da minha arquitetura – num jogo inesperado de retas e curvas – começou a se definir” (NIEMEYER, 2000, p. 19). Embora essas superfícies regradas tivessem sido construídas pela primeira vez nessa Capela, o arco abatido já havia sido inicialmente materializado na Residência (de fim de semana)
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de Oswald de Andrade (1938). De qualquer modo, o vocabulário plástico de Niemeyer inicia no conjunto de obras da Pampulha. Mais tarde, em suas obras seguintes, nota-se que essa sequência de abóbadas foi incorporada à sua linguagem arquitetônica. É importante lembrar que, do ponto de vista da geometria, superfícies regradas são aquelas que são criadas a partir de uma geratriz e uma diretriz. Para viabilizar a construção5, as superfícies regradas eram geradas por uma linha reta que percorria uma trajetória no espaço. Contudo, há quatro possibilidades para gerar superfícies regradas desdobráveis no plano: 1. uma superfície plana; 2. superfícies cilíndricas; 3. superfícies cônicas; 4. superfícies tangentes a uma curva no espaço. Todas compartilham da mesma propriedade: há sempre pelo menos uma linha reta numa direção sobre a superfície gerada (FLORIO, 2007). O paraboloide hiperbólico é um exemplo disso. A superfície é formada por uma geratriz que passa ao longo das diretrizes. É uma superfície não planar, onde cada ponto é a interseção de duas linhas retas. Por outro lado, as curvas derivadas das seções cônicas aparecem quando a superfície do cone é interceptada com o plano paralelo à geratriz, gerando a parábola, ou perpendicular à base do cone, criando a hipérbole. Esse conceito é importante porque a maior parte das cascas de concreto, projetadas por Niemeyer, são derivadas de seções cônicas6 – círculos, elipses, parábolas e hipérboles – que, na época, podiam ser desenhadas por régua e compasso e calculadas com maior facilidade. É importante destacar que, para geometrizar as curvas livres, que eram esboçadas pelo arquiteto, foi necessário conciliar arcos de círculos e retas, ou conciliar arcos de círculos a partir de suas tangentes, com outros arcos ou com retas. Isso ocorre na definição geométrica de colunas, como na de coberturas. Há três diferentes tipos de aplicações de abóbadas, formadas por parábo-
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É importante destacar que, antes da introdução de recursos computacionais, era difícil construir superfícies regradas, o que conduzia os arquitetos e engenheiros a simplificar a forma, e reduzi-la a formas que facilitassem as operações no canteiro de obras. Um grande exemplo é AntoniGaudi, que empregou um conjunto de superfícies regradas na construção de várias se suas obras. A hidridação de hiperboloides, conoides e elipsoides permitiu a construção da Sagrada Família. É importante destacar que as seções cônicas são curvas de segundo grau. Logo, podem ser desenhadas com compasso. Curvas de terceiro grau ou superior não podem ser desenhadas com compasso, pois são curvas contínuas. No entanto, atualmente essas curvas contínuas são facilmente desenhadas pelos programas gráficos computacionais.
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las ou arcos circulares, geradas por superfícies regradas nos projetos de Niemeyer (Figura 2). •Tipo 1 – São aquelas caracterizadas por uma pequena sequência de abóbadas. •Tipo 2 – São aquelas constituídas por apenas uma abóbada que alcança um grande vão livre. • Tipo 3 – São os projetos nos quais uma ou duas grandes abóbadas são suportadas por uma grande viga central elevada, que constitui um eixo transversal ao edifício. A primeira observação é a de que a diversidade de usos abrigados pela mesmo princípio formal demonstra que, para Niemeyer, a forma não segue necessariamente a função (Figura 2). As abóbadas do Tipo 1 foram amplamente utilizadas nas décadas de 40 e 60. As abóbadas tipo 1 foram aplicadas nos seguintes projetos: Igreja São Francisco de Assis (1940) Estádio Nacional (1941) Teatro Municipal de Belo Horizonte (1943) Restaurante e Centro de Lazer da Lagoa Rodrigo de Freitas (1944) Residência Burton Tremaine (1947) Sede da ONU (1947) Hotel Regente em São Conrado (1949) Restaurante e Auditório do CTA em São José dos Campos (1950) Fabrica Duchen (1950) Posto de Gasolina Clube 500 (1952) Convento Dominicano em Saint-Baume (1968) Abóbadas tipo 2: Estádio Nacional (1941) Clube Libanês em Belo Horizonte (1950) Hospital Sul América no Rio de Janeiro (1952) Colégio Estadual de Campo Grande (1953) Colégio Estadual de Corumbá (1954) Teatro Polivalente do Centro Cultural do Parque do Tietê (1986) Estádio de Turim (1987) Memorial Paranaense da Coluna Prestes em Santa Helena (1998)
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Abóbadas tipo 3: Auditório da Universidade de Constantine (1969) Portal da Casa do Cantador em Ceilândia (1986) Salão dos Atos do Memorial da América Latina (1986) Monumento ao Escravo em Gorée (1991) Outra constatação importante a ser destacada é que as grandes abóbadas (Tipos 2 e 3) e as cúpulas projetadas por Niemeyer negam as subdivisões internas, pois a amplitude de tais espaços busca a “completude”, o espaço integrado e íntegro. É notável como as grandes coberturas curvilíneas desafiam as divisões, pois a continuidade da superfície impõe variações de pé-direito, que necessitam ser apreciados integralmente.
Figura 2 – Os três tipos de abóbadas utilizados por Niemeyer.
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Na Figura 2 notam-se diferentes estratégias para integrar espaços nas abóbadas, de acordo com o porte da estrutura. No Memorial da América Latina (1986), a sequência de abóbadas nos edifícios destinados à Biblioteca e à Aula Magna define os diferentes usos dos espaços. Já no Salão dos Atos do Memorial (1986) a única abóbada alta mantém-se íntegra, sem quaisquer subdivisões. Na Capela São Francisco de Assis (1940), com abóbadas de menor porte, há dois momentos: um para a única abóbada parabólica, para uso exclusivo para a Capela, e o outro é a sequência de abóbadas, formadas por arcos circulares, que subdividem as funções de apoio. Conclui-se que, ao contrário dos edifícios dotados de laje plana, cuja ortogonalidade entre os planos facilita a subdivisão, as cúpulas e abóbadas de pé-direito alto e de grandes vãos dificultam a “tentação” de subdivisão futura. Sendo Niemeyer um arquiteto experiente, essa estratégia certamente era um procedimento eficiente e consciente para impedir alterações que desvirtuassem os espaços como haviam sido planejados. Pode-se supor também que, com o maior domínio técnico de coberturas curvilíneas de pequenos vãos, o arquiteto começou a experimentar e testar novas concepções em cascas de concreto de maior porte, ampliando significativamente os vãos a partir da década de 1960. Os arquitetos são conhecidos por inventar, por criar novos problemas, enquanto os engenheiros são conhecidos por solucionar problemas já conhecidos. Esse fato não é verdade na obra de Niemeyer. Os engenheiros Emilio Baumgart, Joaquim Cardoso, José Carlos Sussekind, entre outros, desempenharam um papel fundamental na parceira com o arquiteto, participando ativamente na solução de novos problemas, desde as concepções iniciais até a solução técnica e construção da obra (NIEMEYER, 2002; MACEDO; ARCADIO, 2009). A familiaridade de Niemeyer com eles, e com as possibilidades do concreto armado, o tornou mais capaz e mais consciente para conceber estruturas não convencionais. Consequentemente seus projetos não só incorporaram novos conhecimentos técnicos, mas conciliaram a técnica e a forma plástica para a arquitetura desejada. É claramente percebido que a geometria de alguns elementos curvilíneos, utilizados em todo o trabalho de Niemeyer, é sempre um contraponto à forma retilínea. O equilíbrio entre linhas retas e curvas está regularmente presente
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nos projetos de Niemeyer. Dessa maneira, a simplicidade formal desses edifícios contrasta com a complexidade de algumas colunas, ou o contrário, quando as formas são arrojadas, as colunas são despojadas ou inexistem. Isso é o que chamamos de princípio do contraste (FLORIO, 2007), aplicado tanto para contrastar edifícios entre si (linhas retas e curvas) como para contrastar colunas e coberturas. Desse modo, quando o arquiteto utiliza forma pura para a concepção do edifício, as colunas normalmente possuem geometria mais complexa. Por outro lado, quando o edifício é constituído por formas curvas, então as colunas terão formas simples. A mesma situação ocorre no caso de coberturas. Sendo a cobertura curva, o seu perímetro (visto em planta) é relativamente simples (retangular, triangular ou trapezoidal), como na Igreja Nossa Senhora de Fátima (1958), enquanto na cobertura plana, o perímetro é curvilíneo ou recortado, como na Casa do Arquiteto em Canoas (1950). Também é fácil notar que, em muitos casos, há um forte contraste entre o interior e o exterior do edifício. Na Figura 7, podem-se examinar a simplicidade exterior e a complexidade do interior do Museu de Arte Contemporânea de Niterói (1994). O mesmo ocorre com o Museu Nacional da República (2006) de Brasília, formado por uma cúpula e um espaço interior complexo. Os grandes edifícios projetados por Niemeyer são constituídos por uma estrutura independente, um “esqueleto” que carrega diversos “órgãos” internos. O abrigo possui geometria simples, mas os “órgãos” internos não o são. Nesse sentido, Niemeyer herda de Perret, via Corbusier, a ideia de concepção de edifícios a partir da estrutura, fazendo dela a expressão da arquitetura. Contudo, ao contrário de Corbusier, Niemeyer nem sempre deixa que a estrutura torne-se plenamente visível. O mesmo princípio é também utilizado para contrastar os materiais empregados. A fragilidade do vidro e sua transparência nas áreas de aberturas contrastam com a estabilidade e a opacidade do concreto da estrutura. Só para citar alguns exemplos, empenas cegas contrastam com as superfícies envidraçadas da Sede do Partido Comunista Francês (1966), do Centro de Estudos Latino-Americanos (1986), Museu Oscar Niemeyer de Curitiba (2002) e Centro Cultural Duque de Caxias (2002). Os edifícios do Parque do Ibirapuera em São Paulo (1951), concebidos em
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parceria com Zenon Lotufo, Hélio Uchoa e Eduardo Kneese de Mello, possuem uma geometria externa de formas retangulares7, perpendiculares entre si, mas distribuídas no parque. O modo encontrado pelos arquitetos foi conectar os edifícios por meio de uma grande marquise, de formas sinuosas, que contrastam com a rigidez exterior dos edifícios. Contudo, é importante também observar que o Palácio da Indústria (1951), no parque, apresenta uma geometria simples externamente, com linhas retas, mas que contrasta com a complexidade do seu interior, com rampas curvilíneas e pisos sinuosos. O mesmo contraste ocorre com o Palácio das Artes (1951) (conhecida atualmente como Oca), cuja simplicidade externa da cúpula de concreto contrasta fortemente com a dos pisos e das rampas curvilíneas internos, que proporcionam grande dinamismo e expressão espacial. Mas a solução encontrada para o conjunto de edifícios do Memorial da América Latina (1986) difere fortemente da proposta do conjunto de edifícios do Ibirapuera. No Memorial, os edifícios possuem uma geometria externa mais elaborada e complexa, sem nenhum elemento arquitetônico que os conecte, como a marquise do Ibirapuera. Nesse projeto, Niemeyer reúne parte de seu repertório de soluções formais-espaciais, mesclando e alternando edifícios retilíneos e curvilíneos, abóbadas e cilindros. Em decorrência deste fato, os edifícios são mais autônomos, e são posicionados para serem apreciados sequencialmente, mas isoladamente. A própria irregularidade dos limites do terreno contribui para a distribuição dos edifícios, que não fecham um espaço. Dividido por uma rua, mas conectado por uma passarela escultórica elevada, os edifícios mantêm uma relação plástica dentro de um todo, mas com autonomia das partes.
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Exceto as cúpulas do Palácio das Artes e Planetário.OAuditório do Ibirapuera, na forma trapezoidal, já havia sido concebido para o conjunto, mas foi modificado e só recentemente foi construído.
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Figura 3 – A crescente complexidade das superfícies curvilíneas.
É importante destacar uma característica da arquitetura moderna, marcante na obra de Niemeyer. Como bem afirmou Jacques Lucan (2012), a arquitetura clássica é caracterizada por espaços fechados, enquanto que a arquitetura moderna é caracterizada por espaços abertos. Enquanto a primeiro apresenta
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espaços côncavos e estáticos, formado por pátios internos e rua-corredor, a segunda apresenta espaços convexos e dinâmicos, sem delimitações rígidas entre rua e edifícios. Essa característica apontada por Lucan da arquitetura moderna é plenamente aplicável à arquitetura de Niemeyer. Nos projetos que congregam vários edifícios, como os do Memorial da América Latina, na Praça dos Três Poderes em Brasília ou mesmo o Caminho Niemeyer em Niterói, o arquiteto mantém a quadra aberta, dotados de espaços convexos entre edifícios, que se mantêm independentes, que não chegam a delimitar espaços fechados. A percepção desses espaços exige o movimento constante do espectador, que se desloca por espaços sinuosos, com múltiplos pontos de vista. Devido ao fato de os edifícios serem concebidos como esculturas, Niemeyer toma vários cuidados para preservar a integridade formal do edifício, seja no desenho das aberturas ou das rampas de acesso ao edifício. Curiosamente, apesar de propor grandes vãos e edifícios com grandes áreas cobertas, os grandes projetos de Niemeyer não são dotados de iluminação zenital8. Esse aspecto também reforça a ideia de preservação da integridade escultural da forma. Assim, o acesso ao edifício é realizado com o mínimo de interferência na volumetria principal. Isso é o podemos chamar de princípio da penetração (FLORIO, 2007), em que as rampas de acesso são concebidas de modo a permitir uma penetração no edifício sem interferência na sua forma volumétrica. O modo estabelecido pelo arquiteto foi destacar esse elemento do volume principal, de modo que a rampa se torne um elemento de composição autônomo. Desde o Pavilhão para a Feira de Nova Iorque (1937), a rampa curvilínea contrasta com a simplicidade do perímetro do edifício. Tanto no Museu de Niterói (1994) como no Museu de Curitiba (2002) (Figura 4), Niemeyer cria rampas curvilíneas destacadas do edifício, que contribuem para a composição sem interferir em sua integridade. Mesmo no Palácio da Alvorada, a rampa reta em ascensão é separada da forma de volume principal, criando um plano inclinado, sem obstruir ou “competir” com a forma do edifício. A geometria da rampa determina o percurso e a direção do olhar do expectador durante o trajeto. Assim, esta
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Poucos edifícios são dotados de iluminação zenital, fato que caracteriza os procedimentos apontados.
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percepção do espaço é parte integrante do conceito e da proposta arquitetônica. Como se pode perceber, as rampas representam um papel especial na definição dos acessos aos edifícios projetados por Niemeyer. A geometria das rampas externas de seus projetos varia desde a reta (como a do Iate Clube de Pampulha, a do Palácio da Indústria em São Paulo, do Congresso e a dos Palácios em Brasília), a senoidal (como no Pavilhão de Nova Iorque e Memorial dos Povos Indígenas) até as orgânicas (como as dos Museus de Curitiba, de Niterói, e do Teatro Popular Oscar Niemeyer, no Rio de Janeiro). Embora as rampas internas preferidas sejam as da geometria na forma de “ferradura” (como a do Palácio da Indústria e das Artes em São Paulo), as rampas retas também estão presentes (como no Cassino em Belo Horizonte e no Palácio das Nações e dos Estados em São Paulo). Uma exceção no conjunto da obra de Niemeyer é o uso de uma cobertura senoidal com uma rampa em forma de “laço”, como ocorre no projeto para o Teatro Popular Oscar Niemeyer (2012), no Rio de Janeiro. Na fase final da obra do arquiteto, nota-se maior complexidade e ousadia na combinação entre formas curvas no espaço (Figura 4). As rampas do teatro Popular também são constituídas por arcos de circunferência e retas que as tangenciam, de modo a gerar uma continuidade espacial e grande efeito de plasticidade da forma resultante. Embora esta solução já tivesse sido ensaiada em projetos não construídos, foi neste edifício que a ideia foi concretizada.
Figura 4 – Simulação digital do Teatro Popular Oscar Niemeyer (2012).
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É importante destacar como Niemeyer estrutura as rampas no espaço. O arquiteto adotou três modos distintos para apoiar as rampas no espaço: i. rampas apoiadas sobre pilar retangular ou coluna; ii. Rampas apoiadas sobre lajes; iii. rampas conectadas a vigas (ou consoles) que partem de uma coluna circular ou elíptica. As rampas nos edifícios de Pampulha são apoiadas em lajes. As rampas do Palácio das Nações estão apoiadas em laje e pilar “V”. As rampas do Museu Oscar Niemeyer em Curitiba estão apoiadas em pilares retangulares. Contudo, as rampas do Museu de Niterói e do Teatro Popular Oscar Niemeyer são conectadas a consoles que, por sua vez, se apoiam a uma coluna circular. As rampas mais complexas são as do Palácio das Indústrias (Bienal), com colunas em “V” se mesclando com coluna de seção circular, cujas ramificações sustentam os segmentos de rampas que conectam três pavimentos, e as rampas orgânicas do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, que estão apoiadas em pilar retangular e coluna com ramificações e consoles. Esses apoios ocorrem em pontos de inflexão, onde ocorre maiores mudanças de direção das curvas no espaço. Entre os projetos que possuem cascas de concreto formadas por catenárias, mas apoiadas por colunas, estão: Iate Clube Fluminense (1945); Residência Edmundo Canavelas (1954); Igreja Nossa Senhora de Fátima (1958); (os três primeiros projetos da Figura 3) e Auditório do Ministério do Exército (1967). Dentre as cascas de concreto formadas pela hibridação entre arcos circulares e linhas retas, suportadas por pórticos de concreto, estão os seguintes projetos: Auditório do Ministério da Educação e Saúde Pública – MESP (1948); Fábrica Duchen (1950); e o Auditório do Ministério da Defesa (1968). A estrutura exposta (exoestrutura ou exoesqueleto) desses projetos, como a do Teatro Municipal de Belo Horizonte (1943), formada pelos pórticos externos, beneficiou a criação de ritmos em duas direções – a casca, no sentido longitudinal, e a sequência de pórticos, na direção transversal. Portanto, o arquiteto percebeu que o fortalecimento estrutural seria mais eficiente quando ele fosse utilizado na cooperação entre a casca e o pórtico. A estrutura da Bolsa de Trabalho de Bobigny (1972) possui uma geometria peculiar dentro do conjunto da obra de Oscar Niemeyer. Excepcionalmente o arquiteto emprega, no mesmo edifício do auditório, superfícies de dupla cur-
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vatura (nas laterais) e superfícies regradas9 na cobertura, que, para facilitar a solução estrutural (e também a construção), é subdividida em gomos (Figura 5). Embora a geometria da proposta inicial fosse ainda mais ousada, o resultado final da obra construída apresenta uma forma de grande expressividade e aparente simplicidade.
Figura 5 – Modelagem geométrica da Bolsa do Trabalho de Bobigny (1972).
As superfícies das cascas de concreto de dupla curvatura foram empregadas no Teatro e Casa da Cultura de Le Havre (1972-1983), na França, no mesmo contexto urbano em que trabalhou Auguste Perret entre 1945 e 1954. A calota esférica de concreto armado do Complexo Olímpico de Argel (1975) apresenta uma complexidade ainda maior, pois é gerada como uma superfície de revolução, com uma curva transversal que gira em torno de um eixo central. Contudo, como em Le Havre, o resultado é uma superfície de dupla curvatura. A geometria da Catedral de Brasília (1958-1970) representa um caso particular. Na fase de concepção, sua geometria se aproximava a uma hipérbole de revolução. Contudo, os desenhos da construção mostram que o perfil dos pórticos é constituído por duas retas nas extremidades conectadas por três curvas intermediárias (Figura 6). Para proporcionar leveza, e também para facilitar os arremates com a estrutura que suporta os planos envidraçados, cada pórtico é gerado
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Trata-se de superfícies regradas desdobráveis, isto é, superfícies que podem ser planificadas.
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por vinte e duas seções chanfradas em dois cantos, que variam ao longo da curva. Com isso o arquiteto cria uma estrutura que intercala graciosamente pórticos de concreto pintados de branco com vidros coloridos com desenhos orgânicos. Na década de 1960, esta Catedral foi desenhada com régua e compasso, pois era mais fácil estabelecer a concordância entre retas e curvas do que desenhar uma hipérbole. As seções são formadas por polígonos de três ou quatro lados, que se aproximam a seções triangulares, com dois cantos chanfrados. Cada pórtico é constituído por vinte e duas seções, que variam levemente de
Figura 6 – Modelagem paramétrica da Catedral de Brasília: 22 seções que compõem os pórticos.
dimensões e forma ao longo da curva, e demonstram uma complexidade maior do que aparenta à primeira vista. Este fato demonstra, mais uma vez, a complexa definição geométrica para a viabilização técnica da proposta arquitetônica. Alguns exemplos de edifícios cilíndricos de Niemeyer são a Casa do Baile (1940), em Pampulha, o Hotel Nacional (1968), no Rio de Janeiro, o prédio para a Procuradoria Geral da República (2002), em Brasília, e o Parlamento da América Latina do Memorial da América Latina (1986), em São Paulo. Embora o princípio geométrico seja o mesmo, tanto o efeito plástico como as estruturas que
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suportam esses edifícios são bem diferentes. A proporção e a leveza da Casa de Baile contrastam com a robustez do prédio da Procuradoria Geral da República, que se eleva do solo. Além disso, vale destacar que a partir da década de 1980, Niemeyer projetou edifícios com vidros mais expostos, sem a proteção contra o sol e a profundidade volumétrica dos edifícios projetados nas fases anteriores. Foi possível constatar que, nos primeiros anos de sua atividade profissional, predominou o uso de forma trapezoidal como um modo operativo de romper com a simetria e com a regularidade da forma estática. O Teatro Municipal de Belo Horizonte (1943), a Residência Prudente de Morais (1943), Residência Gustavo Capanema (1947), o Hotel em Nova Friburgo (1945) possuem forma trapezoidal. Até o Teatro Nacional Claudio Santoro (1967), de Brasília, também com forma trapezoidal, parece emergir de um terreno em aclive. Contudo, a partir dos anos 60, Niemeyer começou a tirar proveito de superfícies de revolução, geradas a partir de perfis retos ou arcos. Enquanto a forma cilíndrica é regrada e desdobrável no plano, a geometria curvilínea das cúpulas não é, pois possui dupla curvatura. A importância disso é a dificuldade e complexidade resultante dessas geometrias, que implicam maiores dificuldades e desafios de execução. Contudo, esses princípios formais e estéticos contêm grande expressividade plástica. Por conseguinte, e diante dessa diversidade de princípios geométricos, fica clara a intensa busca do arquiteto pela renovação da plasticidade da arquitetura moderna. Nitidamente constata-se que a combinação entre os diferentes princípios geométricos – forma trapezoidal + abóbadas + superfícies de revolução + formas cilíndricas – propiciaram a formação de um amplo e característico repertório formal na obra de Oscar Niemeyer. Esta hibridação entre diferentes princípios geométricos evidencia que, de fato, Niemeyer não se limitava à pureza das formas regulares. Na realidade, a criatividade de Niemeyer reside em parte na sua capacidade de articular e manipular seu próprio repertório. Ao combinar partes conhecidas de um modo inusitado, o arquiteto revigorou sua capacidade de ampliar seu repertório. É importante enfatizar que as superfícies curvilíneas também foram empregadas de modo a aliviar o impacto visual na paisagem dos edifícios de maior
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altura. A ascensão escalonada das cúpulas e abóbadas alivia o impacto visual. Além disso, para diminuí-lo ainda mais, certas coberturas curvilíneas, como o auditório da Bolsa de Bobigny (1967) (Figura 3) e o do Partido Comunista Francês (1965), foram parcialmente enterradas, numa clara intenção de ampliar o campo visual e não obstruir a visão do prédio imediatamente atrás. A suavidade com que essas coberturas atingem o solo demonstra também a intenção do arquiteto em atenuar o contato entre a estrutura e o solo, propiciando leveza e graciosidade para o conjunto construído. Isso é o que pode ser chamado de princípio de leveza. De modo similar, esse princípio era usado quando o arquiteto criava algumas colunas que pareciam somente tocar no solo. Aquelas coberturas, de variadas alturas, eram concebidas com a intenção de ser naturalmente (e visualmente) apoiadas no solo. De modo complementar ao anterior, há outro que pode ser chamado de princípio de suspensão. Nele a estrutura real, que suporta o edifício, não aparece claramente, permanecendo “escondida” ou “camuflada”, promovendo o efeito de leveza e de suspensão.
Figura 7 – A simplicidade externa da superfície de revolução em contraste com a complexidade interna do Museu Arte Contemporânea de Niterói.
As colunas expostas dos edifícios com mais de dois pavimentos concebidos por Niemeyer apresentam diferentes propósitos dentro da sua estratégia compositiva. A geometria das colunas, em formato “/”, “V, “W” ou “Y”, mostra claramente como o edifício está suspenso do solo. O desenho dessas colunas demonstra a leveza na transmissão de toda a carga do edifício ao solo. Em edifícios mais altos, a redução do número de colunas do pavimento tipo para o térreo é
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realizada por meio de colunas “V”, “W” e “Y”, e foram amplamente utilizadas em edifícios na década de 1950. Por outro lado, as colunas com geometria mais complexa, desenhadas para os Palácios de Brasília, para a Editora Mondadori, alternam ritmos e proporcionam profundidade aos edifícios. Nas colunas dos Palácios de Brasília, Niemeyer cria diferentes definições geométricas. Como bem definiu Elcio Gomes da Silva (2012), as soluções encontradas para as colunas dos Palácios da Alvorada repercutiram nas colunas dos Palácios do Planalto e do Supremo Tribunal Federal. Os estudos realizados por Niemeyer para as colunas do Palácio da Alvorada a partir de 1956 deram origem a desenhos de várias colunas que se seguiram a este projeto. O arquiteto produziu diferentes versões para o projeto do Palácio da Alvorada (KATINSKY, 1990; SILVA, 2012). Nas primeiras versões as colunas eram mais robustas, pois derivavam de parábolas, que as alargavam demasiadamente. A solução foi definir uma curva baseada numa equação de quarto grau, que permitiu que a coluna ficasse mais esbelta, e em sintonia com a sua ideia de leveza. As colunas executadas são compostas por dezesseis seções intermediárias, da base até o topo. Além disso, devido ao fato de variarem em ambas as direções (x e y), as curvas da coluna são frontais e laterais, criando uma dificuldade adicional para a sua execução. Incialmente Niemeyer pensou em reutilizar um desenho similar para os Palácios do Planalto e do Supremo Tribunal Federal. Mas como para Niemeyer “arquitetura é invenção”, as colunas não se repetiram de modo literal. Assim, ele decidiu que as colunas do Palácio do Planalto (1958-59) teriam uma geometria mais simples de ser executada e calculada do que as colunas do Palácio da Alvorada, como já havia feito na Igreja Nossa Senhora de Fátima (1958). Neste edifício as colunas são compostas pela concordância entre arcos de circunferência e retas. De modo similar, as colunas do Palácio do Supremo Tribunal Federal (1958-1960) também possuem colunas cuja geometria similar é similar a adotada para o Palácio do Planalto. Em ambos as colunas parecem tocar no solo, mas, como no Palácio da Alvorada, são apoiadas sobre uma base facetada, que permanece enterrado.
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Também é interessante apontar que as colunas da Igreja Nossa Senhora de Fátima (1958) possuem um princípio geométrico que seria adotado nos dois anos seguintes nos Palácios do Planalto e do Supremo Tribunal Federal. As três colunas (uma frontal e duas posteriores), que apoiam a cobertura curvilínea de base triangular, possuem uma íntima sintonia com a curva da cobertura (Figura 8). Porém, enquanto a curva da cobertura é formada por duas retas intercaladas por arco circular, as colunas são formadas por arcos circulares conectados a seguimentos de reta, que partem da tangente da curva. Ademais, a coluna frontal e as duas posteriores tem definições geométricas diferentes entre si. Enquanto na primeira um arco circular conecta-se a uma reta tangente a ela, no segundo há apenas um arco circular. Este procedimento é característico nas obras concebidas por Niemeyer, e se repede em diferentes tipos de projetos.
Figura 8 – Modelagem geométrica da Igreja Nossa Senhora de Fátima (1958).
As colunas em formato “W” ou “/” do Conjunto Juscelino Kubitschek (1951) variam em altura, em proporção e, também, no comportamento estrutural. Isso ocorre porque ora as colunas sustentam o edifício junto a lajes, ora estão soltas, alcançando maior altura, ora sustentam apenas um pavimento. Logo se percebe que a geometria muda de acordo com algumas variáveis. Um aspecto importante para entender a obra de Niemeyer é perceber como ele reutiliza conhecimentos, experiências e soluções passadas em outros proje-
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tos. Para exemplificar esta afirmação basta analisar a Sede da Editora Mondadori (1968-1971), que Niemeyer projeta em Milão a partir de 1968. Nesta obra o arquiteto emprega a geometria regrada para criar as colunas do edifício. De modo similar ao que havia projetado para o Palácio do Itamaraty (1962) em Brasília, as colunas possuem dupla curvatura na parte superior, onde o arco se forma. Como a coluna do Palácio da Alvorada (1956-58), a curva da coluna é derivada de uma equação matemática, ou melhor, um polinômio de quarto grau10. Além disso, a coluna do Mondadori havia sido subdividida em oito seções, que variavam de modo similar ao que o arquiteto havia realizado na Catedral de Brasília (iniciada em 1958), pois a coluna começa com um contorno inicial de menor dimensão e vai se alargando ao longo da altura. Contudo esta ideia foi descartada, e as colunas ficaram com a geometria similar a do Palácio do Itamaraty. Este fato é interessante, pois demonstra que o arquiteto carregava consigo as soluções já alcançadas, pois, assim, as soluções para os novos problemas já partiam de um patamar mais elevado de discussão. Portanto, como foi possível perceber, de diferentes modos o arquiteto usa a coluna para intensificar o efeito de suspensão e de leveza, demarcando ritmos e modulações do edifício. Mas há também exceções. Uma delas é o uso de conóides na segunda versão do projeto da Sede Mondadori. Os dois auditórios teriam as coberturas formadas por conóides (DULIO, 2007). Porém, os conóides foram descartados na proposta final. A geometria de formas curvas de Niemeyer, que é lançada livremente no espaço, não contém a circunspecção e a rigidez geométrica da maior parte dos edifícios concebidos por arquitetos modernos. Como nos edifícios projetados por Eero Saarinen, Jorn Utzon, Felix Candela e Eladio Dieste, para Niemeyer a geometria curvilínea baseava-se em seções cônicas, particularmente parábolas. Embora ele sempre afirmasse que a sua expressão formal fosse muito diferente dos seus contemporâneos, isso não se deve à geometria, mas à plasticidade e à
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O autor deste texto modelou parametricamente a estrutura da Catedral a partir dos desenhos da construção. Desenhada com régua e compasso, era mais fácil concordar retas e curvas do que desenhar uma hipérbole. As seções triangulares, com dois cantos chanfrados, que constituem o pórtico variam ao longo da curva, e demonstram uma complexidade maior do que aparenta.
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liberdade formal da apropriação que fez dessa geometria.
Imaginação, desenhos explicativos e processo de projeto Um dos aspectos mais evidentes no processo de projeto de Oscar Niemeyer é a sua extensa produção de desenhos explicativos, particularmente perspectivas. O arquiteto sempre se orgulhou de ser um exímio desenhista. Sua habilidade de registrar ideias e de explicá-las publicamente era um traço de sua personalidade. Mais do que o uso das palavras, são os desenhos produzidos durante a explicação que tornavam possível o entendimento da real preocupação do arquiteto nas decisões arquitetônicas. Há pelo menos cinco características salientes nesses desenhos que merecem ser investigadas: i. a íntima relação entre a memória, a imaginação e os desenhos explicativos; ii. o percurso do observador e o passeio arquitetônico; iii. a síntese e a concisão dos desenhos, e sua relação com a geometria; iv. o poder da imagem para estimular a imaginação do público; v. analogias entre o edifício, a natureza e os corpos femininos. O arquiteto explorou intensamente o desenho como um meio de exteriorizar suas ideias, para si mesmo e para os outros. Como um arquiteto de ofício, expressou-se com desenvoltura por vários meios de representação, incluindo maquetes. Contudo, o que sempre ficou mais evidente é a intensa busca de soluções por meio da produção de grandes quantidades de desenho. Apesar disso, o fato mais visível para o público não eram esses desenhos de concepção, mas os desenhos que o arquiteto fazia para explicar seu projeto após sua finalização. Esses desenhos podem ser chamados de explicativos. Se, numa primeira fase do processo de projeto, o arquiteto gera ideias, na fase seguinte ele explora as ideias geradas. Esse hábito, comum a todos os bons arquitetos, de averiguar o problema de vários pontos de vista, o fazia buscar incessantemente diferentes ideias para serem comparadas e ponderadas de acordo com a situação presente de projeto. Para tanto, a intensa prática, a experiência e o conhecimento sempre são fatores decisivos. Mas a imaginação depende da memória. A experiência adquirida a partir da prática deliberada é armazenada na
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memória. Boa parte dessa experiência transforma-se em conhecimentos, que são fundamentais para a prática futura. Logo se percebe que somente pela prática diária e pela capacidade de gravar as experiências vividas é possível avançar nas questões de projeto. Esse aspecto é visível quando Niemeyer produz desenhos explicativos para o público. Durante a execução desse tipo de desenho, sua memória o fazia lembrar aquilo que era mais significativo para a compreensão do aspecto que estava sendo apresentado. Os desenhos explicativos não revelam o processo de projeto, mas apenas seu resultado, sobretudo as preocupações e os obstáculos para resolver os vários níveis de problema. Portanto, a memória constituída por imagens de projetos armazenados de experiências passadas é o que torna possível ao arquiteto articular o pensamento de modo eficiente. A característica que mais se destaca é o conteúdo desses desenhos explicativos. Os realizados por Niemeyer durante a explicação verbal servem para explicitar e demonstrar o teor dos espaços concebidos. O arquiteto expressava uma profunda capacidade de comunicar, por meio de desenhos sintéticos, o que deveria ser apreciado no projeto que estava sendo apresentado. Para tanto, as suas perspectivas reúnem o percurso de aproximação ao edifício, as visuais e os pontos de interesse mais importantes, a relação entre o edifício e o sítio onde está inserido, assim como o desenho das pessoas ocupando os espaços públicos. É importante destacar que, de modo deliberado, o arquiteto convida o público a percorrer os espaços, a se “movimentar” mentalmente pela perspectiva, como se tivesse “caminhando” pelos espaços projetados. O arquiteto conduz o percurso, destaca pontos de interesse e o conteúdo a ser apreciado durante o passeio arquitetônico. Tudo isso é realizado pelos desenhos explicativos. Consequentemente, a imaginação do público é estimulada, convidando-se as pessoas a percorrerem virtualmente os espaços e a compartilharem o mesmo “sonho”. Em relação à aproximação e penetração aos edifícios, Niemeyer alterna acessos frontais, diagonais e sinuosos. Em palácios e edifícios que exigem circunspecção, ritual e austeridade, o acesso é frontal, enquanto em espaços culturais e de lazer, o acesso é normalmente sinuoso e espontâneo. É importante
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notar essa diferença, pois o trajeto de aproximação ao edifício é o que permite a sua devida apreciação. Caminhos sinuosos impelem movimento e dinamismo, e o acesso diagonal impele assimetrias. Assim o arquiteto explora a percepção da geometria do edifício, intensificando o seu impacto sobre o usuário. As perspectivas, produzidas de vários pontos de vista, internos e externos aos edifícios, se complementam. O arquiteto induz, pelo desenho (e também na obra construída), o observador a fazer determinados percursos que melhor produzam sensações de “espanto” diante das formas e espaços escultóricos. São geradas perspectivas de vários pontos de vista, tanto na altura do observador como em perspectivas aéreas. Esse fato permite que se estabeleça uma noção tridimensional do espaço a partir de uma sequência de desenhos bidimensionais. Assim, os desenhos permitem “ir de um lugar para outro”, destacar enquadramentos, em parte vendo o desenho (visão física) e em parte pela imaginação (visão mental). Niemeyer explora a dimensão espacial-temporal durante o percurso de aproximação ao edifício. Como os grandes arquitetos modernos do século XX, Niemeyer conduz o usuário de seus edifícios a percorrer uma sequência de eventos visuais, explorando o espaço indivisível, que vai do exterior ao interior do edifício. É necessário caminhar ao redor do edifício para melhor apreciá-lo. Consequentemente, durante o percurso, a sucessão de diferentes geometrias tem um forte efeito sobre o espectador. Com certeza arquitetura não é o projeto do espaço, certamente não é a organização de massas e volumes. Estes são auxiliares para o ponto principal, que é a organização da procissão. Arquitetura existe somente no tempo ( JOHNSON, 1965, p. 184 – Tradução do Autor11).
Essa frase de Philip Johnson demonstra o pensamento moderno sobre a importância do percurso realizado pelo observador, e a íntima relação entre espaço, tempo e movimento. Nessa acepção, o tempo é chamado de a quarta
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Embora Niemeyer tivesse conhecimento das obras arquitetônicas de Kenzo Tange e Pier Luigi Nervi, seus projetos não contêm nem paraboloide hiperbólico nem conoide.
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dimensão. O jogo de volumes sob a luz e a plasticidade das formas curvas, percebidos durante o deslocamento do observador em torno do edifício, produzem um efeito sobre o expectador de surpresa e de encantamento. Por fim, destaca-se também a capacidade de síntese desses desenhos. Como a memória se deleita com a brevidade, a competência de reduzir o edifício à sua essência produz um efeito mais duradouro, pois é mantido mais facilmente na memória. Com poucos traços o arquiteto delimitava contornos e destacava a geometria dos volumes principais. Sem se ater a detalhes, Niemeyer desenhava o edifício com sua devida proporção e ritmo de seus elementos principais. Desse modo, os desenhos concisos podiam ser mais facilmente lembrados, reforçando a ideia de simplicidade e a geometria pretendida para o projeto. Uma última característica importante é a analogia estabelecida entre os contornos dos edifícios, a paisagem circundante e os corpos femininos. Essa técnica permite transferir uma ideia de um contexto para outro. As analogias sempre incitam a imaginação, de modo a se ver (na mente) além daquilo que está, de fato, registrado no desenho. A gestualidade e a sensualidade das curvas empregadas reforçam a ideia de que seus projetos eram parcialmente produzidos a partir da observação e da interpretação do cotidiano e da inerente beleza da natureza. Esse recurso comunicativo do arquiteto demonstra mais uma vez a capacidade de Niemeyer de convencer o público quanto à coerência intrínseca de cada proposta de projeto. Portanto, esses nexos, fortalecidos pela analogia, faziam parte da explicação do projeto.
Considerações finais Niemeyer explorou a planta livre e a estrutura independente, mas não adotou a padronização e a repetição como premissas em sua obra. Por isso também foi duramente criticado. A monumentalidade e a plasticidade de suas obras revigoraram a arquitetura moderna. A liberdade plástica do arquiteto o impelia a fazer obras singulares. A repetição só viria de suas próprias obras e, mesmo assim, não seria seriada. As escolas no Rio de Janeiro tinham essa proposta, mas é exceção dentro do conjunto da obra. Niemeyer se colocou como vanguarda, imbuído de vontade de romper
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com a tradição e com os valores de um determinado establishment. O arquiteto cultuou a originalidade, apropriando-se de novos valores e de novos conceitos. Explorou formas abstratas, com a liberdade de uma artista, experimentando novas possibilidades na concepção de sua arquitetura. A exploração da técnica do concreto armado, levado às suas últimas consequências, o fez transgredir os limites estabelecidos pela crítica, mantendo-o fiel à sua visão de mundo. É interessante notar que os desenhos explicativos de Niemeyer também servem como “memorial” do projeto, ou seja, constituem a memória daquilo que o definiu. Os desenhos explicativos, como memoriais, servem para recordar, explicar, argumentar e justificar os fatos e as decisões mais relevantes ocorridos durante o processo de projeto. Constata-se que a cada palestra, com a repetição desses desenhos explicativos, Niemeyer reforçava sua memória, que o obrigava a fazer associações entre as ideias. O arquiteto conservou na memória suas experiências vividas, de modo a resgatar a cada momento o que era mais significativo em cada projeto. Nesse sentido, o arquiteto pensava e se expressava ativamente por meio de desenhos. É também interessante notar a estratégia que o arquiteto adotava para despertar o interesse de outros sobre o tema proposto. Assim, o mais importante não era apenas olhar o que o arquiteto fazia, mas como ele produzia o desenho, a sequência e a construção de seu pensamento durante a ação de desenhar. Os desenhos de Niemeyer não deveriam ser meramente olhados, mas realmente apreciados com o poder da imaginação. A proposital economia de traços servia ao arquiteto como um meio de expressar a essência atrás da aparência de seus projetos. Depreende-se que a geometria apurada servia para causar o máximo de impacto com o mínimo de esforço. Assim como uma escultura, as formas eram concebidas com contornos nítidos, expressando a beleza a partir da economia de recursos. Se a geometria empregada pelo arquiteto dependia essencialmente da concordância entre arcos circulares e suas tangentes, é porque esta sequência de curvas expressava movimento e dinamismo com o mínimo possível. Enquanto isso, geometrias mais elaboradas eram aplicadas em elementos construtivos em menor escala, como é o caso dos desenhos das colunas. Dessa forma, a simplicidade for-
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mal do edifício como um todo contrasta com a complexidade pontual das colunas. É notável como a curva racionalmente geometrizada é idealizada e definida por meio de desenhos em corte. Normalmente as seções foram utilizadas para gerar coberturas, ou por extrusão, no caso de abóbadas, ou por superfícies de revolução, no caso de cúpulas ou cascas esféricas. Por conseguinte, essa projeção ortogonal facilitava a concepção da forma externa e do espaço interno simultaneamente. Por outro lado, as curvas de geometria “livre” foram concebidas para demarcar circulações e coberturas ondulantes (às vezes entre pilotis), o que é o caso das marquises, assim como para cobertura plana, que foi empregada na Casa do Arquiteto, em Canoas. Ademais, as curvas orgânicas definiram elementos de acesso, como no caso das rampas ondulantes que dão acesso aos edifícios, como no Museu Oscar Niemeyer de Curitiba ou de Arte Contemporânea de Niterói. Em edifícios altos as curvas foram definidas em planta, paralelas ao piso. Assim as plantas eram extrudadas na vertical, perpendicularmente ao solo, como se pode ver no Edifício Niemeyer (1954) na Praça da Liberdade em Belo Horizonte ou no Edifício Copan (1950) em São Paulo. Enquanto isso, em edifícios baixos, com coberturas curvas, as curvas eram extrudadas paralelamente ao solo. Logo se percebe que a definição da forma ocorria a partir de uma estratégia compositiva, e de controle da complexidade desejada para cada projeto. É importante destacar como os edifícios altos, construídos por Niemeyer, que estão localizados em esquinas em centros urbanos, estabelecem uma relação harmônica com o entorno imediato. Suas formas exuberantes geram marcos, que enriquecem o desenho urbano. Permeável no térreo, e acompanhando a curvatura das ruas, esses edifícios estabelecem um rico diálogo com os espaços públicos da cidade. Os Edifícios Niemeyer (1954), BEMGE (1953), em Belo Horizonte, e Montreal (1950), Copan (1950) em São Paulo, são exemplos disso. Contudo, é a horizontalidade dos prédios baixos que prevalece nas obras de Niemeyer, retos e curvos, que emergem do solo e pousam suavemente sobre ele. Apesar de ter recebido duras críticas durante sua carreira, Niemeyer venceu os obstáculos e manteve-se fiel à sua linha de pensamento. Se ele se tornou repetitivo algumas vezes, foi porque projetou e construiu muito. Se ele tivesse tido apenas uma única grande ideia já seria suficiente, mas Niemeyer conseguiu
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viabilizar em vida muitas boas ideias, que, diante das insistências e oportunidades, foram algumas vezes repetidas. Por fim pode-se concluir que o modo particular de pensar o projeto e sua geometria foi fundamental para Niemeyer acentuar a organização da forma no espaço e seu caráter escultórico. Para alcançar tal objetivo o arquiteto teve grandes contribuições de importantes engenheiros, para explorar as possibilidades técnicas estruturais, assim como os elementos arquitetônicos, de modo a preservar a integridade da forma. Desse modo, o arquiteto conseguiu produzir um conjunto de obras singulares, que contribuiu e marcou, de modo significativo, a arquitetura moderna durante boa parte do século XX.
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Fonte das imagens Figura 1: Wilson Florio, 2005. Figura 2: Wilson Florio, 2005. Figura 3: Wilson Florio, 2005. Figura 4: Wilson Florio, 2014.
Figura 5: Wilson Florio, 2014. Figura 6: Wilson Florio, 2014. Figura 7: Wilson Florio, 2005.
Figura 8: Wilson Florio, 2014.
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Capítulo 8 Pós-Pampulha (1940-1955): Da linguagem do arquiteto à linguagem da arquitetura brasileira Marco do Valle
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Falarei sobre o desenvolvimento da forma em um período da obra de Oscar Niemeyer que denomino de Pós-Pampulha (1940-1955). Esse período corresponde a uma grande produção na obra do arquiteto e sua influência na arquitetura brasileira e internacional. Nesta passagem do estabelecimento da linguagem do arquiteto até sua influência deste na linguagem da arquitetura brasileira. Corresponde ao período da consolidação e do desenvolvimento do repertório da arquitetura de Oscar Niemeyer como também de sua crítica. De Pampulha a Brasília minha arquitetura seguiu a mesma linha de liberdade plástica e invenção arquitetural e eu, atento à conveniência de defendê-la das limitações da lógica construtiva. Assim, se desenhava uma forma diferente, devia ter argumentos para explicá-la. Quando projetei um bloco em curva, por exemplo, solto no terreno, junto apresentei croquis demonstrando que as curvas de nível existentes o sugeriram; quando desenhei as fachadas inclinadas, da mesma forma as expliquei como destinadas a proteger da ou aproveitar a insolação encontrada; quando projetei um auditório cuja forma poderia lembrar um objeto parecido, foi ao problema de visibilidade interna que atendi; quando criei um sistema de montantes abrindo em leque, ao desejar reduzi-los no térreo e multiplicá-los nos andares superiores, economia foi a razão que apresentei. Quando propus coberturas em curvas com apoios inclinados nas extremidades, dei como justificativa o problema estrutural do empuxo; quando propus uma solução com curvas e retas se completando
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foi para diferenças de pé direito que recorri. Com isso, defendo minha arquitetura e as minhas fantasias, criando formas novas, elementos arquitetônicos que se adicionaram com o tempo ao vocabulário plástico de nossa arquitetura, muitas vezes usados pelos meus colegas, mas nem sempre na escala e apuro desejados. E assim continuei durante anos, procurando a forma diferente e explicando-a depois como convinha (NIEMEYER, Oscar, pp. 34-35). [1]
Nesse testemunho sobre o período que estamos estudando, Oscar Niemeyer teve o cuidado de demonstrar a continuidade de seu procedimento de diversificação e caracterização formal por meio da pesquisa plástica que ele considera “liberdade plástica” com o procedimento, que objetiva como resultado a “invenção arquitetural”. Portanto, o que Niemeyer considera “invenção arquitetural” está diretamente ligado ao procedimento de elaboração plástica da forma arquitetônica que torna evidente, nessa análise realizada posteriormente ao período de criação, a consciência de que seu objetivo era a elaboração de um repertório próprio, estendendo ao limite as possibilidades da invenção arquitetural, sempre atento à técnica e com o objetivo de defendê-la das limitações impostas pela lógica construtiva. Quando se refere à “lógica construtiva” e a suas limitações, está evidentemente falando de procedimentos de norma, relacionando as facilidades construtivas dos procedimentos industrializados como também das repetições repertoriais culturais em que a “invenção arquitetural” ficou no passado. Notamos também o cuidado de Niemeyer nas citações de suas elaborações formais no período ao considerá-las novas criações em si, e não procedimentos provenientes do desenvolvimento em sua obra, desde o início até o Conjunto da Pampulha. Portanto, relata no texto suas novas invenções arquiteturais, que correspondem à seguinte ordem cronológica, formando pares com as obras citadas: 1. “Bloco em Curva”/Hotel Resort da Pampulha (1943); 2. “Fachadas Inclinadas”/Casa Prudente de Moraes (1943) e Escola Júlia Kubitschek (1951); 3. “Forma Livre”/Colégio Estadual Milton Campos de Belo Horizonte (1954); 4. “Sistema de Montantes”/Palácio da Agricultura no Conjunto Ibirapuera; 5. “Coberturas em Curvas com Apoios Inclinados nas Extremidades”/Teatro de Belo Horizonte, fundos (1943); 6. “Uma Solução com Curvas e Retas se Completando”/Hospital Sul América (1952).
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Observando esses pares, poderemos notar a diversidade do repertório manifesta; no entanto, fica oculto como o repertório foi criado a partir de sua linguagem e de uma elaboração do repertório corbusiano. No testemunho de Niemeyer, temos a impressão de que essas soluções foram criadas caso a caso, como respostas funcionais ou econômicas, que poderiam ser o princípio fundamental de seu desenvolvimento, mas não o são, como o próprio Oscar Niemeyer dá a entender. O repertório acima destacado encadeia sua criação pós-Pampulha e vai do “Bloco em Curva”/Hotel Resort da Pampulha (1943) até a “Forma Livre”/Colégio Estadual Milton Campos de Belo Horizonte (1954); portanto, trata-se de uma produção dominantemente do período pós-Segunda Guerra e tem seu fim marcado pelo próprio arquiteto, após o surgimento das primeiras restrições 1 no plano internacional, na Segunda Bienal de São Paulo, e sua viagem à Europa em 1955, quando submete seu trabalho a uma autocrítica. Nesse período de aproximadamente 15 anos, estabelecendo como referência a própria leitura de Niemeyer, constitui um repertório pós-Pampulha (1940) até o Museu de Arte Moderna de Caracas (1955). Esse novo repertório, que conta já com reelaborações formais estabelecidas em seu próprio desenvolvimento anterior e que neste momento parece deixar distante o repertório corbusiano emprestado inicialmente. Podemos dizer que, no aspecto formal, ganha uma autonomia aparente. Sobre esse período, afirma Bruand: Ao contrário de Lúcio Costa, Niemeyer jamais foi um pensador e um teórico da arquitetura. Até 1955, ele projetou e construiu sem tréguas, aproveitando as inúmeras encomendas propiciadas por sua crescente reputação com entusiasmo e ardor; a procura de um vocabulário novo levou-o a lançar-se em diferentes direções, sem tentar dar, conscientemente, uma unidade a sua obra. [2]
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O surgimento das primeiras restrições no plano da crítica internacional, na Segunda Bienal de São Paulo (janeiro-fevereiro de 1954), e, depois, uma viagem pela Europa em 1955, alargando os horizontes até então limitados ao Brasil, levaram-no bruscamente à reflexão e a uma espécie de autocrítica (BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981, p. 151). Devemos notar que Niemeyer já havia estado nos Estados Unidos em 1939, por ocasião do pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York, e posteriormente em 1947, na equipe de estudo dos projetos para a ONU. Portanto, o que Bruand parece querer destacar não é o horizonte da arquitetura moderna, mas o impacto da arquitetura do passado em Niemeyer como a citação sempre lembrada das colunas do Palácio dos Doges, em Veneza.
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Nessa citação, Bruand coloca a posição de Niemeyer contrária à de Lúcio Costa; nós preferimos colocá-las como complementares, o que será posteriormente confirmado: a partir de 1952, as mesmas críticas de Niemeyer resultam no modelo historiográfico dialético estático-dinâmico de Lúcio Costa. Portanto, consideramos fundamental essa diferença pensando em outro sentido: Lúcio Costa estabelece sua linguagem arquitetônica moderna a partir de sua teoria da arquitetura brasileira, ao passo que Niemeyer, com base em sua linguagem de arquiteto, obriga Lúcio Costa a reformular sua teoria inicial. No entanto, talvez fosse precipitado dizer, como Bruand, que a arquitetura de Niemeyer se lança em diferentes direções, sem tentar dar uma unidade à obra. Essa leitura pressupõe cairmos no discurso de Niemeyer de uma criação inesgotável de invenções arquiteturais, sem estabelecer a relação de recriação sucessiva de um determinado repertório sobre o qual desenvolve sua obra. Contudo, Bruand refere-se a um “vocabulário novo” e, ao denominá-lo novo, vem a confirmar certa invisibilidade dos procedimentos de projetos construtores da linguagem de Oscar Niemeyer para este. Isso pode induzir a uma leitura errônea sobre o repertório que venha a estabelecer duas formas semelhantes como pertencentes a repertórios diferentes, sem que haja um estudo da origem e do desenvolvimento dessas formas. Portanto, quando Bruand se refere a uma ausência de unidade na obra de Niemeyer, devemos nos perguntar o sentido dessa afirmação: o sentido clássico de caracterização arquitetônica pela diversificação formal, estabelecido no Conjunto da Pampulha (1940), ou o sentido clássico de unidade arquitetural, estabelecido em sua arquitetura em Brasília (1957-1960). Penso que ele está se referindo ao segundo, ao da unidade arquitetural, pois o primeiro, da diversificação formal determinada pelo caráter arquitetônico, segue durante o novo período, como o próprio Bruand reconhece: Como já foi ressaltado, não existe uma ruptura nítida na obra de Niemeyer em 1944-1945; as pesquisas esboçadas em Pampulha prosseguiram nos anos seguintes, tendendo a diversificar-se; ao mesmo tempo, o arquiteto encaminhou-se por direções variadas, apurando uma série de invenções plásticas já pressentidas. Naturalmente, são estas as que mais nos interessam e que estudaremos a seguir, sendo os edifícios agrupados por categorias em função de suas afinidades, mais do que seguindo uma ordem cronológica es-
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trita, que só viria a embaralhar a exposição e poderia vir a diluir as características essenciais da obra focalizada. [3]
Essas direções variadas encontram sua origem nos procedimentos de caráter arquitetônico aplicados a Pampulha. Não são direções variadas no sentido das diferenças de procedimentos de pesquisas, que praticamente estão compostos por pesquisas formais, pesquisas estruturais e pesquisas que equilibram esses dois procedimentos. No que se refere às pesquisas formais, é a linguagem do arquiteto que determina procedimentos semelhantes aplicados a um restrito repertório de formas, que acabam por se desenvolver produzindo uma diversificação formal. Essa variedade apontada pode ser restrita a algumas formas se estabelecermos como objeto a busca de um repertório fundamental na obra de Oscar Niemeyer e compreendermos a linguagem do arquiteto que possibilita a criação desses eixos paradigmáticos de formas, como também o eixo sintagmático que organiza o conjunto de seus repertórios. Bruand também identifica essa possibilidade ao afirmar que Niemeyer veio apurando uma série de invenções plásticas já pressentidas; porém, não podemos considerar essa apuração como se ela tivesse uma autonomia em si, mas, sim, como fruto de uma elaboração da linguagem do arquiteto. A solução para a compreensão dessa linguagem pode ser encontrada ao agruparmos seus projetos e suas obras por categoria, em razão de suas afinidades, conforme o texto de Bruand. No entanto, a ordem cronológica deve ser observada, sob pena de não identificarmos as origens repertoriais na obra do arquiteto. Também, ao saltarmos os projetos não construídos, por vezes, podemos deixar de lado obras significantes do ponto de vista de um conjunto repertorial, como de certa forma passa despercebida a obra do Estádio Nacional (1940) e sua variedade repertorial, até mesmo para Yves Bruand: Em Pampulha, Niemeyer tinha-se dedicado a novas pesquisas estruturais, que tinham sido traduzidas pelo nascimento de volumes inovadores e pela exploração da grande maleabilidade do concreto armado. Fascinado pelas infinitas possibilidades que pressentia para o material nesse setor, prosseguiu nesse caminho e, durante uns dez anos, entregou-se a múltiplos jogos formais baseados numa série de sucessivos achados. O ponto de partida de sua inspiração
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continuava sendo a obra de Le Corbusier, mas ele desenvolveu, com vigor e exuberância, as invenções plásticas primitivas deste, indo ainda mais longe nesse aspecto. As pesquisas em questão baseiam-se essencialmente em dois elementos fundamentais: de um lado, pilotis, do outro, arcos e abóbadas. [4]
Conforme afirmamos, a obra de Niemeyer é formada pelo desenvolvimento de pesquisas formais e estruturais ou pela pesquisa que apresenta as duas intenções reunidas; evidentemente são as que mais caracterizam o arquiteto e o diferenciam sobremaneira de seu mestre. No entanto, é impossível compreender o conjunto de sua obra com um repertório limitado, como determinou Yves Bruand, pelas pesquisas estruturais e formais reunidas nos dois repertórios escolhidos como pilotis e arcos e abóbadas. Evidentemente, Bruand tinha como objetivo imediato a leitura do período dos dez anos (1945-1955), que estava analisando no capítulo denominado “O triunfo da plástica”, e as pesquisas estruturais aliadas às formais, como o “Sistema de Montantes” / Palácio da Agricultura no Conjunto Ibirapuera (1952), que levariam ao estudo dos “Pilotis” e “Coberturas em Curvas com Apoios Inclinados nas Extremidades” / Teatro de Belo Horizonte, fundos (1943), que, por sua vez, levaria aos estudos dos arcos e das abóbadas que determinaram um conjunto de soluções determinantes no período. Bruand, nesse sentido, segue a leitura que Niemeyer estabelece para sua obra, determinando uma mudança de “estilo” 2 a partir de 1955, mas, como ele mesmo observa, alguns traços e procedimentos seguem de uma fase para outra. A linguagem do arquiteto ou o “estilo” do arquiteto segue ou permanece em sua obra como um todo? Essa é a questão que gostaríamos de responder tentando estabelecer um repertório geral da obra de Oscar Niemeyer que tivesse a possibilidade de desenvolver uma lógica ou uma linguagem única, que respondesse
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A mudança de estilo é indubitável, embora algumas vezes tenha sido contestada, especialmente por Walter MacQuade e Jorge Wilheim. Naturalmente, existe uma certa continuidade, bem como alguns traços permanentes, entre uma fase e outra: o sentido plástico continua sempre vivo, as preocupações formais são, mais do que nunca, dominantes e se expressam, assim como antes, pelas possibilidades do concreto armado, material cuja utilização continua sendo quase exclusiva no campo da estrutura; o amor pela curva límpida e a procura de leveza não são novidades, embora não se possa negar que esse caráter se tenha acentuado em Brasília, onde os edifícios parecem estar pousados no chão ou mesmo suspensos acima dele como se fossem sustentados por forças invisíveis (BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981, p. 216).
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por todo o desenvolvimento de sua obra. O próprio Niemeyer a divide em fases, para não usar a palavra “estilo”; no entanto, podemos observar deslizamentos de uma fase para a outra, assim como interrupções na utilização de determinados repertórios: o repertório dos “Arcos abobadados”, que tiveram seu “grau zero” na casa de fim de semana de Oswald de Andrade (1938), é seguido inventivamente pelo “grau zero” da “sequência de abóbadas” na Igreja de São Francisco de Assis (1940). E somos obrigados a concluir que já estavam conceitual e estruturalmente prontos quando foram utilizados em sua concepção espacial aberta nos fundos do Teatro de Belo Horizonte (1943) pela primeira vez. Niemeyer, após um uso intenso desse repertório entre Pampulha e Brasília, voltará a utilizá-lo, contrariando as expectativas criadas pelo próprio arquiteto em sua autocrítica, no projeto da fase pós-Brasília: o Convento dos Dominicanos (1967). Analisando o “grau zero” do aparecimento dos “pilotis em V em ferro”, na marquise do Cassino da Pampulha (1940), notamos que a forma já pertencia enquanto forma ao repertório de Niemeyer, apesar de as pesquisas estruturais dos edifícios em “Sistema de Montantes” 3 terem sido desenvolvidas posteriormente. A partir de 1950, os “pilotis em V” na técnica do concreto armado,4 com sua concepção espacial de leveza e sua concentração de carga em um único ponto, estavam determinados na pesquisa de característica mais formal do que estrutural rea-
Le Corbusier, entretanto, cedo pressentiu, desde o pavilhão suíço da Cidade Universitária de Paris (1930-1932), que a ligação pilotis-estrutura dos andares não era obrigatória e que a distinção dos dois sistemas permitia dar aos pilotis um papel plástico novo e importante; tratava-se, contudo, de uma estrutura mista de concreto e metal, e não de um imóvel concebido só em cimento armado. Foi depois da guerra, na Cité radieuse de Marselha (1947-1952), que ele realmente começou a aplicar o princípio em grande escala, com a constituição de um “solo artificial” que repousa sobre duas filas de pilares maciços, não mais retos e uniformes, mas ligeiramente inclinados para dentro e que se abrem para o alto. Era uma revolução estética que abria vastos horizontes e transformava o papel passivo até então atribuído aos pilotis num dos mais ativos meios de expressão plástica. Niemeyer não iria deixar de tirar proveito da lição (BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981, p. 153). 4 Yves Bruand corretamente relaciona o que Niemeyer chamou de “Sistema de Montantes”, nos edifícios construídos a partir dos anos 50, no primeiro projeto do Hotel Quitandinha (1950), ao primeiro projeto em que Le Corbusier observa que a ligação entre pilotis e estrutura não era obrigatória, como no projeto do Pavilhão Suíço da Cidade Universitária (1930-1932); no entanto, pela semelhança formal dos pilares ligeiramente inclinados para dentro e pelas escalas dos edifícios, talvez seja mais correto estabelecer a releitura na Cité radieuse de Marselha (1947-1952). Mas a forma de “pilotis V”, empregada por Niemeyer no “Sistema de Montantes”, também proveniente de Le Corbusier, tem seu “grau zero” na Cidade de Refúgio (1929), em Paris, porém a técnica, nesse edifício, não era correspondente: os “pilotis V” eram construídos em ferro. Na técnica de concreto, do ponto de vista de “Sistemas de Montantes”, não temos exemplos de “pilares V” em Le Corbusier, apenas como transição estrutural de um arco abobadado encontramos um exemplar no apartamento de Le Corbusier no Edifício de Aluguel c/Apartamento L-C na Porte Molitor (1933), em Paris (Rue Nungesser-et-coli, 24). 3
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lizada em Pampulha, e, quando redesenhadas para uma solução estrutural do conjunto, as duas pesquisas encontram equilíbrio e invenção. Assim, concluímos que a pesquisa se completará no período pós-Pampulha, confirmando nossa hipótese de redesenho guiado pela forma da fase anterior e acrescentando outra releitura de Le Corbusier, no que se refere ao “Sistema de Montantes” desenvolvido para o Pavilhão Suíço da Cidade Universitária de Paris (1930-1932),mais contemporâneo aos anos 50, quando Niemeyer está realizando a releitura da Unidade de Habitação de Marselha (1946-1952). Porém, nem sempre um repertório significativo de Niemeyer teve tal desdobramento imediato para a pesquisa estrutural, como, por exemplo, as “formas cilíndricas” como volume construídas inicialmente no Cassino da Pampulha e na Casa de Baile, em 1940, e de maneira individual, como um único cilindro, com seu “grau zero” no “Estúdio de Dança da Escola de Educação Física” do Estádio Nacional (1941). Somente serão as questões estruturais incorporadas a sua forma no período de Brasília, já nos tempos da ditadura, no Aeroporto de Brasília (1965), e posteriormente presentes nas mais recentes obras do arquiteto no final dos anos de 1969 a 1972, sendo reutilizadas depois, entre 1978 e o início dos anos 90, como no Parlamento da América Latina (1991). Yves Bruand publica seu livro Arquitetura contemporânea no Brasil em 1981 e, de certa maneira, é convencido, pela leitura que Niemeyer estabelece de sua obra, de que nossa maneira de ver é um discurso estratégico de seu trabalho; portanto, a interrupção de alguns de seus repertórios e a criação de outros em Brasília só podem ser explicadas pela continuidade de algumas formas de seu repertório que foram extremamente utilizadas entre 1940 e1955, como as “formas cilíndricas” reutilizadas também no Teatro de Araras (1990-1992) e a “sequência de abóbadas”, que voltaram à vida em suas obras, como o Memorial da América Latina (1988). Certamente, se Yves Bruand tivesse terminado seu livro posteriormente à conclusão do Memorial (1988), sua leitura da obra de Niemeyer possivelmente seria outra, na qual o capítulo “O triunfo da plástica” teria obrigatoriamente seu repertório aumentado. Normalmente, são as obras do Conjunto da Pampulha que são analisadas pela crítica internacional pelo aspecto criativo e até mesmo pelas novas formas repertoriais de Niemeyer. É
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nas obras da Pampulha que encontramos a efetivação de seu repertório, respectivamente: 1. Cassino/Pampulha (1940)/“Pilotis em V”, marquise trapezoidal com base maior em curva, forma cilíndrica que abriga pista de dança, teatro e restaurante, forma cúbica regular de planta quadrada no salão de jogos; 2. Iate Clube/Pampulha (1940)/Forma do telhado invertido sobre plataforma e pilotis com rampa de acesso à plataforma; 3. Casa de Baile/Pampulha (1940)/Formas cilíndricas e marquise em forma “ameboide” ligando o restaurante dançante ao trocador; 4. Igreja de São Francisco de Assis/Pampulha (1940)/“Pilotis em V curvos”, marquise engastada ao campanário, arco abobadado hiperbólico da nave central e “sequência de abóbadas” da sacristia e da sala do padre. Portanto, essa realização de grande visibilidade internacional normalmente não se compara em número de referências e citações com o Estádio Nacional (1941), citado inicialmente por Stamo Papadaki em The work of Oscar Niemeyer, livro publicado em 1950 pela Reinhold Publishing Corporation. No entanto, nessa obra do período, encontramos também uma diversidade de repertórios formais, e também estão evidentes os procedimentos de tensionamento da técnica do concreto armado de Oscar Niemeyer, que certamente foi incentivada e influenciada por seu calculista,5 Emílio Baumgart, que sempre manifestou preocupações nesse sentido. Emílio Henrique Baumgart (1889-1943) fora o calculista do Ministério de Educação e Saúde (1936) e o primeiro calculista de Niemeyer na Obra do Berço (1937). No ano de 1941, é o responsável pelos cálculos da Torre D’Água (F.156) em Ribeirão das Lages, no estado do Rio de Janeiro, e do Estádio Nacional (1941). Baumgart veio a falecer dois anos mais tarde, em 1943. O Estádio Nacional 6 (1941) 5
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Não tendo tido sucesso com a construtora, Emílio voltou-se novamente para o cálculo de estruturas. Inicialmente, em 1926, começou a trabalhar em sua própria residência. Ali, deu início à carreira de projetista de estruturas, que o tornou famoso, mas não abastado. Tendo verificado em seu estágio na firma Riedlinger que as estruturas alemãs eram extremamente pesadas, com coberturas constituídas de peças de grandes dimensões, resolveu agir por si próprio. Com seus cálculos, obteve concreto de dimensões menores do que com a madeira, conseguindo assim estruturas esbeltas e econômicas Não precisa ser negrito Isso lhe valeu numerosos contratos e, finalmente, o título de “pai do concreto no Brasil” (VASCONCELOS, Augusto Carlos. O concreto no Brasil. São Paulo: Pini, 1992, p. 197, vol. II). O discurso político do Estado Novo (1937-1945), veiculando a ideia de construir a identidade nacional, dispõe-se a formar a imagem do “homem brasileiro” promovendo a prática da Educação Física e a produção de espaços esportivos no Brasil. Entre as iniciativas conduzidas pelo Ministério da Educação e Saúde nesse período, realizou-se o concurso em duas fases para a construção do Centro Nacional de Atletismo na capital, que mobilizou vários arquitetos. Oscar Niemeyer baseou-se em um desenho assimétrico para o estádio, pensando na insolação, acomodando nas extremidades do terreno o restante dos espaços solicitados pelo programa – piscina, arenas cobertas para ginástica, basquete e tênis, campo de pólo, escola de educação física, alojamento e estacionamento.
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parece ter incorporado o espírito do calculista encarregado, como também de sua trajetória inovadora, assim como já expressa no Ministério de Educação e Saúde (1936); portanto, vemos nesse projeto algo audacioso, como uma estrutura em concreto que tem como calculista Emílio Baumgart, que realizaria uma laje de cobertura de 80 metros em balanço, suspensa por tirantes metálicos, por um grande arco com cerca de 300 metros de largura e 100 metros de altura. Devemos observar que essa estrutura, bem como todas as estruturas do conjunto do Estádio Nacional (1941),tem, pela formação do calculista, um compromisso com a verdade estrutural. Essa concepção pressupunha uma interação entre forma arquitetônica e estrutura, sem qualquer possibilidade de gratuidade formal. O arrojo de Niemeyer está na proposta de uma marquise plana sustentada por um grande arco com tirantes metálicos, e o de Baumgart, em tornar essa construção possível sem utilizar artifícios que ocultassem os princípios construtivos em ação. Também o “zero grau” da “Forma de Cúpula”, que tem sua introdução no repertório de Niemeyer no Ginásio Esportivo do Estádio Nacional (1940), não se trata de uma primeira experiência para Baumgart, que havia realizado a cúpula 7 do Cinema Roxy no Rio de Janeiro, com 36,2m de diâmetro e apenas 7 cm de espessura, que constituiu, em 1937, um feito notável no Brasil. A “Forma de Cúpula” ocupava-se em cobrir o ginásio e as arquibancadas; porém, sua superfície fechada não chegava até o solo, invertia-se na estrutura das arquibancadas e exibia sua estrutura em pilares que acompanhavam o desenho da cúpula. A “Área de Piscina” também é formada por estruturas de “arcos abobadados” parcialmente cobertos, ficando a cobertura restrita às arquibancadas simétricas à piscina, mas apresentam-se como estrutura, não chegando a formar uma casca completa, produzindo uma identidade entre estrutura espacial e estrutura formal, o que consiste em um novo procedimento de Niemeyer, que certamente tem como intenção a expressão da estrutura. O mesmo procedimento é dado às arquibancadas do estádio, que possuem uma estrutura expres7
A cúpula do cinema Roxy no Rio, com 36,2m de diâmetro e apenas 7cm de espessura, constituiu, em 1937, um feito notável no Brasil. A obra é constituída por um prédio de apartamentos que envolve por dois lados a sala de espetáculos,através da qual passaria a entrada do cinema. Estavam previstos tubos de grandes seções, para entrada de ar condicionado, que deveriam ficar suspensos na cúpula (VASCONCELOS, Augusto Carlos. O concreto no Brasil. São Paulo: Pini, 1992, p. 31, vol. I).
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siva, 8 que forma arcos que criam galerias que suportam as passarelas de acesso a elas. A “Área Coberta para Ginástica”, em forma de cúpula, e a “Área de Piscina”, em forma de “arco abobadado”, parcialmente coberto, são tratadas por contraste, volume fechado em oposição a volume aberto; porém, são interligadas por uma “ponte coberta”, que estabelece um resultado pouco interessante do ponto de vista plástico. Niemeyer, mais tarde, fará uso da marquise para interligação de volumes e da inversão de volumes para estabelecer o contraste. Em outras áreas dedicadas aos torneios esportivos, localizadas em simetria em relação ao eixo de entrada até o estádio, temos a “Área de Basquete”, com as arquibancadas na forma tradicional em “U”, unida à estrutura do “Pórtico de Entrada” e à “Área de Tênis”, que tem sua estrutura semelhante à da “Área de Piscina”, na forma de “arco abobadado”, parcialmente coberta. Na “Escola de Educação Física”, temos também o “grau zero” da “Sequência de Arcos Abobadados” abertos, mostrando a estrutura. Segundo a descrição de Niemeyer, são “coberturas em curva com apoios inclinados nas extremidades”. Nesse mesmo projeto, temos também o “grau zero” da “forma cilíndrica única” e livre, não ligada a qualquer outro edifício, mas na mesma direção do conjunto horizontal da “Escola de Educação Física”, composto pela seguinte sequência: “Forma Cilíndrica Única” seguida de um “Prisma Horizontal” e de uma “Sequência de Arcos Abobadados” interpenetrados ao prisma. Esse conjunto fica paralelo ao conjunto de quadras esportivas para treinamentos. Nesse mesmo conjunto, encontramos outro “grau zero”: a interpenetração de volumes ou estruturas de seu repertório, como é o caso da “Sequência de Arcos Abobadados” interpenetrados ao “Prisma Horizontal”, que acrescenta maior horizontalidade ao conjunto. Nos “Alojamentos/Dormitórios”, localizados também atrás do estádio, encontramos outro “grau zero”, as “Caixas de Escadas de Formas Ameboides”, separadas do “Bloco Prismático Horizontal” e, à frente, um conjunto que dá entrada ao edifício, formando com o auditório de “Forma Trapezoidal” uma forma semelhante
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Essa estrutura expressiva tem nas suas formas um desenho de ossatura dado pelo desenho produzido pelas curvas. Ela terá desdobramentos futuros na obra de Niemeyer. Como podemos ver, nessas estruturas, está exposta a superfície dos edifícios inicialmente sem curvas do Teatro Municipal de Belo Horizonte (1943), seguido da “forma orgânica” no Auditório para o Ministério de Educação e Saúde Pública (1948) e, num desenho mais próximo, na Fábrica Duchen (1950).
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à utilizada no Ministério de Educação e Saúde Pública (1936). No entanto, essa forma não está “cunhada” no corpo principal, ela tem sua base menor de ligação correspondente a sua largura. No “Estacionamento” do estádio, temos o “grau zero” de duas “Marquises Paralelas Lineares”, que funcionam como estacionamento coberto e passarela que dá cobertura até o “Pórtico de Entrada” do estádio. Niemeyer criou um eixo monumental de acesso ao estádio e não estranharíamos suas referências a elementos plásticos utilizados no projeto final de Lúcio Costa e equipe, que se encontram reafirmados no Estádio Nacional (1941), como: 1. As semelhanças com o “Pórtico de Entrada”; 2. A referência a um eixo visual semelhante ao utilizado por Lúcio Costa na CUB, em oposição ao eixo virtual do projeto de Le Corbusier; 3. A utilização da cúpula em ambos os projetos, Niemeyer na “Área Coberta para Ginástica” e Lúcio Costa no projeto do Planetário da Cidade Universitária/CUB (1936); 4. A referência ao tratamento estrutural do estádio semelhante ao Auditório dos Sovietes (1930) de Le Corbusier e a utilização do auditório de Le Corbusier na Cidade Universitária/CUB (1936), por Lúcio Costa, para uma possível encomenda ao mestre. Devemos notar que Niemeyer localizou o estádio e o arco, assim como Le Corbusier localizou o arco de seu auditório, na Cidade Universitária/CUB, ou seja, no eixo da composição. No entanto, do ponto de vista urbanístico, estabeleceu o acesso funcional ao Estádio Nacional (1941) por um eixo monumental visual semelhante ao de Lúcio Costa. Estamos considerando o projeto do Estádio Nacional (1941) como a síntese de um duplo redesenho de Niemeyer, do Estádio Nacional Francês (1936) de Le Corbusier, que, como o anterior, é também um centro nacional de lazer popular, projetado para 100 mil participantes, a ser construído no Bois de Vincennes, e a solução estrutural de cobertura tendo um arco com cabos de aço pendentes atirantados suportando o teto do auditório outro redesenho referente a solução semelhante é utilizada no Palácio dos Sovietes (1930), que também seria repetida no Auditório da CUB (1936) realizado pela equipe brasileira dirigida por Lúcio Costa. À exceção da estrutura da cobertura em arco com tirantes, encontramos no projeto do Estádio Nacional da França (1936) (F.168) de Le Corbusier, quando o comparamos com o Estádio Nacional (1941) de Oscar Niemeyer, uma série de semelhanças for-
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mais, programáticas e urbanísticas: 1. A “forma ovalada” do estádio redesenhada por Niemeyer; 2. A circulação direta de acesso ao estádio por rampas e outra com um tratamento urbanístico interativo entre planta externa e interna do estádio, construindo uma circulação que permite a realização de grandes desfiles esportivos e nacionais; 3. Tribunas de honra na frente do corpo principal das arquibancadas em “forma de ferradura”, sendo que, em Niemeyer, a ferradura se completa em círculo; 4. O aspecto urbanístico geral e a escala monumental; 5. O aterro dos estádios, para facilitar o acesso por rampas às arquibancadas de 12 metros no projeto de Niemeyer. As diferenças são fundamentalmente as estruturas. Le Corbusier estava propondo uma solução flexível e semirrígida de cobertura em lonas atirantadas por cabos de aço a um mastro inclinado, que, por sua vez, concentraria todos os cabos, que, partindo dele, seriam unificados para a fixação em um ponto único do solo, em uma base construída por uma terraplenagem em forma de “Tronco de Pirâmide”;9 ao passo que a proposta de Niemeyer e do calculista Emílio Baumgart seria em concreto armado com uma laje de cobertura com 80 metros de balanço, suspensa por tirantes metálicos em um grande arco, com cerca de 300 metros de largura e 100 metros de altura, conforme descrito. Era uma inovação técnica para o repertório de ambos; no entanto, devemos notar que, apesar de a suspensão por tirantes metálicos nunca ter sido utilizada antes por Baumgart, não podemos dizer o mesmo de suas experiências com “Estruturas em Arco”, como a realizada no viaduto Tocantins, em Belo Horizonte, em 1927. Claro que a escala monumental que estava sendo proposta era uma inovação técnica e plástica para a arquitetura moderna internacional. É bastante significativo observarmos esses dois projetos quase contemporâneos, em que Niemeyer estabelece relação com dois calculistas diferentes, o Estádio Nacional (1941) com Emílio Baumgart e o Conjunto da Pampulha (1940-1942) com o arqui-
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É interessante observar a semelhança dessa terraplenagem em forma de “Tronco e Pirâmide” com a forma e a proporção do “Memorial Juscelino Kubitschek” (1980); no entanto, não considero essa a inspiração de Niemeyer: a forma do “Memorial J.K.” pode ser explicada pelo desenvolvimento das formas trapezoidais horizontalizadas, como o alinhamento das fachadas inclinadas das “Residências para Funcionários de Categoria tipo H-19” (1947), no Centro Técnico da Aeronáutica.
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teto calculista Joaquim Cardozo, que também será seu arquiteto em Brasília. Esses calculistas são responsáveis por dois procedimentos distintos na obra de Oscar Niemeyer. As investigações com Emílio Baumgart no Estádio Nacional (1941) são realizações que incorporam os avanços da engenharia do concreto, como também suas soluções estruturais à maneira de os engenheiros explicitarem suas verdades construtivas. O Estádio Nacional (1941) de Niemeyer está marcado, dessa perspectiva, pelas características do calculista Emílio Baumgart, nas quais as pesquisas plásticas de Niemeyer procuram amoldar-se às pesquisas estruturais da técnica do concreto e, por sua vez, a uma “estética dos engenheiros”, 10 demonstrando um caminho desigual já percorrido pela técnica, 11 em que fórmulas novas encontradas esperavam ser exploradas pela arquitetura. Niemeyer percorre caminho semelhante apontado pela questão técnica desenvolvida por Le Corbusier em Vers une architecture, publicado em 1923. Digo semelhante porque Niemeyer, como vimos até aqui, distanciou-se do “repertório cubista” 12 apresentado por Le Corbusier e também da possibilidade do aconselhamento do mestre na adequação entre estes dois procedimentos, ou seja, do “repertório cubista” como forma de ação fisiológica do arquiteto sobre os nossos sentidos interagindo com as possibilidades técnicas da engenharia. Niemeyer, nesse aspecto, seguiu inicialmente as pesquisas estruturais dos en-
Os engenheiros fazem arquitetura porque empregam um cálculo saído das leis da natureza e suas obras nos fazem sentir a HARMONIA. Existe, então, uma estética do engenheiro, pois é preciso, ao calcular, qualificar certos termos da equação, e aí é o gosto que intervém. Ora, quando se maneja o cálculo, está-se num estado de espírito puro e, nesse estado de espírito, o gosto segue caminhos seguros (LE CORBUSIER. Por uma arquitetura. Trad. Ubirajara Rebouças. São Paulo: Perspectiva, 1973, p. 7). 11 A construção encontrou seus meios, meios que, sozinhos, constituem uma liberação que os milênios anteriores tinham buscado inutilmente. Tudo é possível com o cálculo e a invenção quando se dispõe de um instrumental suficientemente perfeito, e esse instrumental existe. O concreto e o ferro transformaram totalmente as organizações construtivas conhecidas até aqui e a exatidão com que esses materiais se adaptam à teoria e ao cálculo nos dá, a cada dia, resultados encorajadores, primeiro pelo sucesso e depois por seu aspecto, que lembra os fenômenos naturais, que reencontra constantemente as experiências realizadas na natureza. Se nos colocamos diante do passado, medimos então quantas fórmulas novas são encontradas, que só esperam ser exploradas e que trarão, se soubermos romper com as rotinas, uma verdadeira libertação das pressões sofridas até aqui. Houve revolução nos modos de construir (LE CORBUSIER. Ibidem, p. 203). 12 O diagnóstico é que, para começar pelo começo, o engenheiro que procede ao conhecimento mostra o caminho e tem a verdade. É que a arquitetura, que é coisa de emoção plástica, deve, no seu domínio, começar pelo começo, também empregar os elementos suscetíveis de atingir nossos sentidos, de satisfazer nossos desejos visuais, e dispô-los de tal maneira que sua visão nos afete claramente pela delicadeza ou pela brutalidade, pelo tumulto ou pela serenidade, pela indiferença ou pelo interesse; esses elementos plásticos, formas que nossos olhos veem claramente, que nosso espírito mede. Essas formas primárias ou sutis, brandas ou toscas, agem fisiologicamente sobre nossos sentidos (esfera, cubo, cilindro, horizontal, vertical, oblíqua etc.) e os comovem (LE CORBUSIER. Ibidem, p. 7). 10
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genheiros, na forma como elas se materializavam, independente de uma adaptação dessas “formas impuras” ao repertório das “formas cubistas” de Le Corbusier, e também na impossibilidade de esse novo repertório ser clássico, apesar de serem essas formas muitas vezes derivadas com certo distanciamento, como é o caso dos “arcos e abóbadas hiperbólicas”. No Estádio Nacional (1941), as estruturas estão aparentes ou semiaparentes, como é o caso do próprio estádio para 130 mil pessoas, construído sobre estruturas de concreto com “formas orgânicas”, ou dos “arcos abobadados” semicobertos e da “sequência de abóbadas”, ou, ainda, da cúpula da “área coberta para ginástica”. Notamos, em todas essas formas, a explicitação das nervuras de sua estrutura aparente, os apoios estão livres ao estabelecer contato com o solo. Essa vertente da leveza e da explicitação da estrutura será dominante no que se refere ao desenvolvimento conjunto das pesquisas formais e estruturais do período que estamos analisando (1940-1955), ao passo que a influência de Joaquim Cardozo, construída e expressa especificamente na Igreja de São Francisco de Assis (1940), na sua forma mais pura, por meio da compreensão estabelecida entre o cálculo e a “modenatura” de Niemeyer, estabelece a possibilidade de o calculista participar da criação da obra em sua invenção. Em seu texto “Dois episódios na história da arquitetura brasileira”, em que fala sobre “o episódio da Pampulha”, de 1965, Cardoso afirma: Cumpre assinalar, entretanto, que, nesses projetos da Pampulha, a idéia de forma purificada não repousa mais naquele espírito geométrico tradicional, e sim nesse outro, mais moderno, de desafio e oposição às teorias estabelecidas, em que se investigam as possibilidades de novas funções matemáticas que não se subordinam a essas teorias, introduzindo no pensamento dedutivo um sentido de aventura e talvez mesmo sugerindo uma ordem para a fantasia. [5]
No entanto, pelas exigências da própria obra de Niemeyer no conjunto da Pampulha, o arquiteto teve seu trabalho mais marcado pelas inovações formais e, excetuando-se a Igreja de São Francisco de Assis (1940), que estabelecia perfeitamente as relações descritas por Joaquim Cardozo, temos, como contrapartida, obras como a Casa de Baile (1940), onde o calculista realizou um simples cálculo a serviço da criação formal do arquiteto, que estabeleceu como partido
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de seu projeto uma laje de “forma ameboide”, que, de fato, não apresentava nenhum desafio técnico ao calculista, a não ser o fato da especificidade de seu desenho “único”. Já as “verdades construtivas” estão presentes de forma explícita nas obras do Estádio Nacional (1941). De forma menos contundente, também estavam presentes no conjunto da Pampulha. No entanto, podemos notar o desvio analisando especialmente a Igreja de São Francisco de Assis (1940), que poderia apresentar suas estruturas aparentes como o “grande hangar13 de dirigível em Orly”, construído por Freyssinet e Limousin, que acabam, porém, funcionando como superfícies e representam, apesar de revestidas e muralizadas por Burle Marx, a tendência que se apresentará em Brasília, ou seja, uma espécie de desmaterialização14 construtiva da obra de Niemeyer. Em Brasília, o compromisso das “verdades estruturais”, ou seja, a tendência que Niemeyer desenvolveu inicialmente com Emílio Baumgart, é descartado15 de maneira mais enfática em algumas obras como o “Palácio da Alvorada” (1957), sobre o qual Joaquim Cardozo, procurando resolver a solução formal de leveza objetivada por Niemeyer, com as colunas de suporte propostas, descarregou a carga da cobertura nos pilares anteriores à fachada, no que foi severamente criticado por seus companheiros de profissão. No entanto, a tendência de Joaquim Cardozo de fazer o cálculo participar da criação da obra pela “modenatura” determinada pelo arquiteto será mantida em outras obras como a “Catedral de Brasília” (1959-1970), em que também a estrutura irá apresentar-se aparente, expondo suas “verdades construtivas”. Essa variação de três procedimentos diferentes no tratamento técnico, que culminará em Brasília, explicita de que maneira o repertório formal desenvol-
As concepções e a construção do grande hangar de dirigível de Orly, com largura de 80 metros e altura de 56 metros e 300 metros de comprimento, têm suas fotos apresentadas por Le Corbusier no livro Vers une architecture, de 1923. 14 A questão que se coloca de imediato é o fato de Niemeyer não depositar na matéria nenhuma carga expressiva, assim como retira dela qualquer tensão estrutural, fazendo, ao contrário, com que a presença de seu desenho consiga desviar, esconder e quase sublimar o esforço necessário à consecução. Suas linhas fazem-se no ar e pousam a figura tão naturalmente que o olho esquece o gesto que as faz estar ali. Esse esquecimento da técnica no olhar contemplativo provoca, por sua vez, a dissolução da matéria (TELLES, Sophia Silva. “Técnica e forma”. Óculum, Campinas: FAU/PUCC, p. 7, 1994). 15 Não importava muito para Cardozo se as proporções dos suportes estavam ou não relacionadas com as cargas atuantes: o que importava era a beleza e seu efeito aparente. Cardozo conseguiu obter o efeito desejado por Niemeyer criando suportes internos que recebessem a maior parte das cargas e aliviando a solicitação dos pilares da fachada. A estrutura foi concebida de maneira diferente do que aparenta ser. Depois dessas explicações, as críticas de Nervi deixam de ter o sentido que ele lhes desejou aplicar. Na verdade, os bonitos pilares definidos por parábolas do 4o grau têm função estrutural secundária (VASCONCELOS, Augusto Carlos. O concreto no Brasil. São Paulo: Pini, 1992, p. 87, v. I). 13
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vido pelo arquiteto se relacionou com as possibilidades técnicas do período estudado: 1) O repertório técnico transforma-se em repertório formal, como exemplo: estrutura em arco com tirantes no Estádio Nacional (1941); 2) O repertório formal transforma-se em pesquisa técnica, como exemplo: “pilotis em V” de ferro utilizados no Cassino (1940), que se transforma em “sistema de montantes” nos “pilotis em V” de concreto do Palácio da Agricultura (1951) no conjunto do Ibirapuera; 3) O repertório formal, que falseia a pesquisa técnica em seu objetivo, como exemplo: as “colunas do Alvorada”, que falseiam suportar a cobertura do “Palácio da Alvorada” (1956-1957). Essa análise das duas obras do período que estamos estudando (19401955), somada ao exemplo do “Palácio da Alvorada” e às características desenvolvidas pelos dois calculistas, é fundamental para a compreensão da formação do repertório em Oscar Niemeyer. Fazendo uma análise desse período, pudemos observar que o “repertório formal principal” do conjunto da obra de Niemeyer encontra-se concentrado nas duas obras estudadas, ambas do início do período: o conjunto da Pampulha (1940) e o Estádio Nacional (1941). E o consideramos formado pelas seguintes pesquisas: 1. Volume com telhado invertido, construído pela primeira vez no Iate Clube (1940), na Pampulha, de seu desenvolvimento e redesenhos terá os volumes trapezoidais ou prismáticos e, destes, por sua vez, os volumes piramidais; 2. Pilotis, cuja pesquisa plástica em V foi realizada primeiramente no Cassino (1940) (F.176), e uma primeira derivação nos “pilotis em V com curva”, na marquise da Igreja São Francisco de Assis (1940), ambos no conjunto da Pampulha; 3. Marquises no Cassino e Casa de Baile (1940), na Pampulha, e no estacionamento do Estádio Nacional (1941); 4. Arcos e abóbadas, que pertencem às primeiras obras do arquiteto, mas terão novas características, como “arco abobadado hiperbólico”, na Igreja de São Francisco de Assis (1940), e variações com estrutura aparente no projeto do Estádio Nacional (1940); 5. Cúpulas e calotas, esse repertório tem seu “grau zero” na “área coberta para ginástica” do Estádio Nacional (1940); 6. “Formas cilíndricas”, que, como formas únicas, têm seu “grau zero” no Estúdio de Dança da Escola de Educação Física do Estádio Nacional (1941), mas, como formas cilíndricas realizadas por combinações de círculos e retas, têm seu “grau zero” no
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Cassino (1940) e, posteriormente, na Casa de Baile (1940). Consideramos importante estabelecer uma leitura dos repertórios acima encontrados na análise das obras do conjunto da Pampulha (1940) e do Estádio Nacional (1941), procurando encontrar seu desenvolvimento em um conjunto de obras que consideramos significante no período 1940-1955, compondo um conjunto de 35 obras estudadas ao todo. Primeiramente, por meio de desenhos, buscando uma compreensão das formas e do repertório, assim como de suas estruturas e modenaturas. Em segundo lugar, classificamos em ordem cronológica de utilização, reutilização ou redesenho cada um dos repertórios do período 1940-1955. Em terceiro, classificamos em ordem cronológica todas as 35 obras estudadas e todos os repertórios encontrados nelas. O resultado dessas classificações da pesquisa pode ser consultado na medida das necessidades do leitor nas páginas finais deste texto. Passaremos, agora, ao estudo desses repertórios.
Volumes com telhados invertidos: A forma dos “telhados invertidos” não surgiu diretamente na obra de Oscar Niemeyer, mas inicialmente separada pelo “arco de abóbadas”, na casa de fim de semana de Oswald de Andrade (1938).16 Esse projeto estabelecia uma releitura de dois projetos corbusianos: o “telhado invertido”, com a Casa Errazuris (1930), e o “arco abobadado”, semelhante às “abóbadas chatas” da Casa Monol (1919). Niemeyer descreve sua obra observando a preocupação plástica e a integração desta com as novas concepções da arte moderna: Plasticamente, procuramos encontrar solução nova, clara, fora das formas usuais, e que estivesse, portanto, mais bem enquadrada nos verdadeiros princípios de arquitetura, como arte de criação que é. A solução da cobertura (que também corresponde às necessidades mínimas de pé direito, caimentos etc.) confere ao conjunto silhueta característica, de certo interesse plástico, pela forma nova e própria que apresenta perfeitamente integrada nas novas concepções de arte moderna. [6]
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Essa casa deverá ser construída em Itaipava – será mais um lugar de descanso, para férias. A planta é resultante de um programa, do terreno, da orientação etc. O estudo seguiu, portanto, em razão desses fatores e da intenção a que nos propomos sempre “de fazer arquitetura”. Procuramos, em uma planta simples, resolver o problema dado e proporcionar aos proprietários ambiente de interesse plástico, de acordo com suas necessidades espirituais (NIEMEYER, Oscar. Residência para o escritor Oswald de Andrade. Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, maio-jun, p. 4,1939).
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Interessante notar que o telhado está sendo proposto para ser construído totalmente em concreto armado, unindo em uma só superfície o arco abobadado a uma das inclinações do telhado. Esse é, sem dúvida, um dos primeiros procedimentos de Niemeyer a estabelecer aspectos de sua linguagem, como a justaposição e também a interpenetração de formas, pensando no arco que separa a forma do “telhado invertido”. Essa mesma solução Niemeyer proporá para o Clube de Golfe da Pampulha (1940), também em concreto armado, incorporado no revestimento da superfície de brise-soleil vertical, vidro e pedra, na forma vernacular de cantaria de pedra, na parede do bar. A diferença fundamental entre a casa de fim de semana de Oswald de Andrade (1938) e o Clube de Golfe da Pampulha (1940) refere-se à modenatura. A primeira possuía o segundo piso 17 para os quartos, o que dava mais verticalidade ao volume, já a segunda apresentava maior horizontalidade, determinando maior suavidade na inclinação entre a cobertura invertida e o arco de abóbada. A referência direta com todo o volume determinada pela cobertura de “telhado invertido” teve seu “grau zero” na casa M. Passos (1939), também uma casa de fim de semana. Nesse projeto, Niemeyer aproxima-se do tratamento vernacular, assim como sua referência à Casa Errazuris (1930), que também utiliza “telhas de cimento amianto”, utilizadas na Casa de Veraneio em Les Mathes (1935), de Le Corbusier. Niemeyer, no entanto, demonstra sua versatilidade sintetizando a “varanda brasileira” 18 na forma do volume de “telhado invertido” de Le Corbusier. No lugar do “arco abobadado”, utiliza um pergolado que integra de forma semelhante
Muito nos ajudou para isso a natureza do programa, que permitiu fugir à rotina dentro das possibilidades de um orçamento reduzido. Assim, procuramos inscrever a casa num quadrilátero, reduzir os quartos de dormir quase que a “boxes”, aos quais as divisões móveis permitirão, entretanto, inteira elasticidade, até mesmo o aumento de mais uma peça. Na parte de estar, onde adotamos o sistema de pé-direito duplo, mantivemos os mesmos princípios e, assim, a parte de estar poderá ser ampliada ou reduzida, ocupando uma ou mais peças, conforme as atividades de momento de seus moradores. Todos os cômodos abrirão para o jardim na orientação conveniente, sendo que a sala de estar fará conjunto com o pórtico que, por sua vez, ficará ligado ao caramanchão e à garagem (NIEMEYER, Oscar. Residência para o escritor Oswald de Andrade. Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, maio-jun, p. 48,1939). 18 Notar a “varanda aberta do térreo” e a “varanda compartimentada” do primeiro piso estabelecendo intimidade, conforme observa Joseph M. Botey: “Los dormitorios ocupan la primera planta y cada uno de ellos dispone de una pequeña terraza; aparece así, por primera vez, lo que será leitmotiv de Niemeyer: favorecer la intimidad personal. La cubierta única, inclinada, determina el volumen global (BOTEY, Joseph M. Oscar Niemeyer: Obras e proyectos. Barcelona: Gustavo Gilli, 1996, p. 21). 17
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à garagem e à varanda aberta do térreo. Devemos observar que todas as obras de Niemeyer citadas não foram construídas. A primeira obra construída com cobertura de “telhado invertido” em concreto armado ocorreu somente dois anos depois, no Iate Clube (1940) da Pampulha. A observação quanto ao perfil ou à modenatura do edifício é significativa, pois a realização em concreto, não condicionada às inclinações técnicas obrigatórias aos tipos de telha, não foi problema e permitiu a Niemeyer estabelecer qualquer inclinação. No entanto, a opção foi pela horizontalização da forma. Conforme já citamos, é um erro observar essa forma somente como um volume com “telhado invertido”; ela deve ser completada por seu conjunto, que agrega as características “forma de telhado invertido sobre plataforma e pilotis com rampa”,19 podendo ser lida como um redesenho não padronizado de Niemeyer do segundo estudo da Casa Citrohan (1922) de Le Corbusier, como havíamos estudado, o que evita confusão com o “telhado invertido” utilizado na Casa Juscelino Kubitschek (1943), construída diretamente sobre o solo no bairro da Pampulha. Devemos observar que, nesse projeto, Niemeyer utiliza-se das diferentes alturas dos “telhados inclinados”, como no projeto da casa de M. Passos (1939). Os quartos ficam sobre a garagem, e esta, frontal à fachada na Casa Juscelino Kubitschek (1943), já na casa M. Passos (1939), os quartos ficam sobre a varanda, ligando-se à sala de estar, à cozinha etc. nos pisos inferiores. Temos na casa de Juscelino Kubitschek (1943) o “grau zero” da forma do “telhado invertido como fachada principal”, é uma varanda envidraçada onde o “telhado invertido” encima a fachada, formando uma espécie de “frontão” preenchido por troncos de árvore paralelos. Essa estranha textura provoca contraste evidente entre a arquitetura moderna do concreto armado e uma possível construção vernacular de madeira ou, então, trata-se de uma referência clássica na contraposição entre um frontão moderno e a referência histórica do “frontão” na Representação alegórica da cabana primitiva, de M. Antoine Laugier, e a razão
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Essa solução da “forma de ‘telhado invertido’ sobre plataforma e pilotis com rampa” possui uma concepção espacial, que se desenvolverá com autonomia na obra de Niemeyer, chegando a estar presente no Congresso Nacional (1958) em Brasília. Este poderia ser lido como “duas formas invertidas sobre laje-plataforma e rampa de acesso a elas”. As diferenças são evidentemente menos funcionais, a rampa não dá ingresso às formas de cúpula, no entanto, a concepção espacial é a mesma.
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das formas em seu Essai sur l’architecture, 20 de 1753. O sucesso dessa forma na arquitetura brasileira deve-se à versatilidade formal, à sua qualidade plástica e também ao fato de essa forma poder ser adaptada, como o foi por Niemeyer, para soluções mais econômicas com “telhas de cimento amianto” de pequeno caimento, que favorecem a modenatura de ângulos suaves dentro da proposta pelo arquiteto. Notamos que várias possibilidades formais do “telhado invertido” foram desenvolvidas pelo arquiteto: 1. Telhado invertido com cobertura de concreto separado por “arco de abóbada”; 2. Telhado invertido com cobertura em “telha de cimento amianto”, com tratamento vernacular, planta em forma de “L”; 3. Telhado invertido sobre plataforma e pilotis com rampa, tendo cobertura de concreto e volume único; 4. Telhado invertido sobre pilotis, sem rampa, com cobertura em “telha de cimento amianto” e volume único. Na verdade, quanto maior complicação apresentava o programa e maior era o desejo de integração com o ambiente, menor era a possibilidade de utilizar o “volume único” da forma do “telhado invertido”. É o caso do projeto do Hotel de Nova Friburgo (1945), em cujo corte longitudinal se pode notar com clareza o perfil do “Telhado invertido”. No entanto, a forma não está composta por um único volume e a planta esparrama-se sobre a natureza com o auxílio de marquises, sequências de abóbadas e formas ameboides. Temos, portanto, um dos primeiros projetos em que Niemeyer estabelece uma construção sintagmática para seus repertórios, e que ganhará ampla utilização na arquitetura brasileira. Nosso objetivo é demonstrar que Niemeyer estabelece o redesenho como processo de trabalho, como parte de sua linguagem. Portanto, da união da forma do “telhado invertido” com “volume único” com “telhado invertido” transforma a fachada e o volume em “telhado de curva invertida”. Devemos notar a suavidade de seu perfil, que é ainda acentuada pelo desenho da curva aproximando a cobertura
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EISEN, Charles. Representación alegórica de la cabaña primitiva, de M. Antoine Laugier. Essai sur l’architecture, 1753. Frontis da 2. ed. de 1755. “La arquitectura, para ser racional, ha de ser natural: tiene por origen la cabaña, que está constituida por cuatro soportes de troncos de árboles, cuatro vigas horizontales, y el techo. Este es el origen de la columna, del entablamento y del frontón. Hasta aquí, nada de bóvedas y mucho menos arcos, nada de áticos, ni de pedestales, e incluso nada de puertas y ventanas. Concluyo diciendo: en todo el orden arquitectónico nada más que la columna, el entablamento y el frontón pueden entrar en al composición” (HAUTECOEUR, Louis. La teoría de Laugier. In: De l’histoire de l’architecture classique en France. Seconde moitié du XVII siècle. Paris, 1943).
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da linha do horizonte. Niemeyer o realiza pela primeira vez no Iate Clube Fluminense (1945) e justifica a curva explicando em seu desenho a razão condicionada ao pé-direito e os vários níveis do projeto, como também a relação que esse volume estabelece com o horizonte. Notamos aqui um dos procedimentos mais importantes de Niemeyer, ou seja, sua modenatura, que se apresenta como se o edifício estivesse pousando suavemente sobre o solo. Podemos classificar esses procedimentos de “modenatura” em relação às curvas basicamente em dois: 1. O primeiro procedimento de sua linguagem é estabelecido pela “curva na forma de abóbadas”, em que Niemeyer procura suavizar ao máximo a tangência da forma com a linha do horizonte; 2. O “telhado em curva invertido”, que procura aproximar e suavizar ao máximo a curva da cobertura da linha do horizonte, também diminuindo, consequentemente, sua tangente. Nesse projeto em particular, o Iate Clube Fluminense (1945), devemos observar que se trata de um redesenho do Iate Clube da Pampulha (1940), ou seja, que a curva foi colocada sobre uma “forma de ‘telhado invertido’ sobre plataforma e rampa”, sendo que, no último redesenho, temos a utilização de pé-direito duplo e mezanino, ao passo que, na Pampulha, a suavidade da modenatura era facilmente solucionada, por tratar-se de único pé-direito. Essa leitura se diferencia de uma leitura comum dada somente à forma de “telhado invertido”, sem associá-la ao conceito corbusiano de “pilotis”, levantando a forma e liberando o solo. Essa diferenciação pode ser entendida quando observamos a aplicação do “telhado em curva invertido” em uma casa colocada diretamente sobre o solo, como a casa Edmundo Cavanelas21 (1954), em Pedra do Rio, estado do Rio de Janeiro. Nessa casa, a forma do telhado em curva invertido é colocada também nas colunas em cantaria, com o objetivo de comprimir ainda mais o edifício sobre o solo. É curioso observar que essa forma parece mais propensa a um horizonte
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Al paisaje que se debate entre la tranquilidad del discurso del agua y la voluptuosidad de las montañas que definen el estado de Rio, se contrapone plásticamente el juego de una simple catenaria soportada, aparentemente, por cuatro columnas de piedra de forma triangular, que enfatiza formalmente el frágil equilibrio del diseño (BOTEY, Joseph M. Oscar Niemeyer: Obras e proyectos. Barcelona: Gustavo Gilli, 1996, p. 32).
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imaginário aberto, imaginário onde parece que o arquiteto vive a construir suas obras. Não podemos deixar de observar a influência 22 das obras de Mies van der Rohe, demonstrada pela preocupação estrutural aparente do telhado e a planta em seus eixos ortogonais, produzidos pelos muros de cantaria. Talvez esteja aqui a referência, como as lajes de forma “ameboide”, à “cabana primitiva”, parafraseando a “Casa de Vidro” 23 de Mies Van der Rohe e a “Casa Wiley” de Philip Johnson, conforme aponta Carlos Eduardo Comas. Esse desenvolvimento da forma do “telhado em curva invertido” ultrapassará os limites do período estudado, tendo sido desenvolvido na técnica do concreto na Capela de Nossa Senhora de Fátima (1958), em Brasília, que tem planta em forma triangular provavelmente derivada das plantas trapezoidais.
Forma trapezoidal (planta: auditórios e teatros) Trabalhando o volume único da forma do “telhado invertido”, Niemeyer desenvolverá no mesmo período uma pesquisa plástica que envolve também “volumes de forma trapezoidal”, inicialmente nas plantas dos auditórios e, depois, seguindo para o perfil destes e de outros edifícios, determinando o que ele chamou de “fachadas inclinadas”, associadas posteriormente à curva em ambos. O primeiro desses “volumes de forma trapezoidal” na obra do arquiteto nós
Evidentemente, quando estou falando de influência, estou considerando as diferenças entre a arquitetura de ambos, assim como a variedade repertorial e de partidos de Niemeyer, a multiplicidade, a diversidade e a invenção arquitetural. Mies van der Rohe possui um repertório sintetizado e marcado pela ortogonalidade e pela repetição. No entanto, é o aspecto includente da arquitetura de Niemeyer que torna possível, na casa Edmundo Canavelas (1954), uma apropriação repertorial, que eu diria mais no sentido de uma evidente citação. 23 O primeiro estudo de Mies para o campus do ITT é de 1939, ano da inauguração do pavilhão brasileiro na Feira Mundial de Nova York; o último edifício do campus se conclui contemporaneamente ao Plano de Brasília, de Lúcio Costa. Entre uma data e outra, a influência de Mies atinge o apogeu em uma obra paradigmática, que incluía tanto os edifícios do ITT como a casa de vidro Fransworth, os apartamentos de Lake Shore e a torre de escritórios Seagram. Projeto e fotos da casa e dos apartamentos foram expostos em 1951, na Bienal de Arquitetura de São Paulo, junto com a casa do discípulo Philip Johnson (COMAS, Carlos Eduardo Dias. “A legitimidade da diferença”, Arquitetura e Urbanismo, 55, ago.-set. 1994, p. 52). 22
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Figura 1 â&#x20AC;&#x201C; Formas trapezoidais.
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encontramos no auditório do MESP (1936), que corresponde à primeira forma redesenhada desses volumes apresentada por Le Corbusier à equipe brasileira. Se observarmos esse auditório de forma trapezoidal cunhado no salão de exposições, notaremos que deixa uma área livre de suportes, construindo vigas internas cobertas por uma abóbada protetora. As quatro nervuras internas em leque tornam-se aparentes apenas no desenho especial de ventilação em vista aérea do auditório. O auditório do MESP (1936), calculado por Emílio Baumgart, de vigas internas não aparentes, terá seu primeiro redesenho de Niemeyer no Teatro Municipal de Belo Horizonte (1943),24 que utiliza também a forma trapezoidal, agora sobre pilotis, e possui laje plana em lugar da abóbada protetora. Apresenta a estrutura em forma de leque como vigas invertidas à cobertura. Unidas aos pilares, as vigas, também aparentes, seguem afinando em direção ao solo, onde descarregam as cargas. Importante notar que, no Teatro Municipal de Belo Horizonte (1943), a modenatura do perfil do volume é determinada pelas estruturas em leque que, juntamente com seu perfil, produzem um “volume trapezoidal invertido”. Portanto, a linguagem plástica de Niemeyer associa dois contornos trapezoidais ao conjunto: O primeiro relacionado à planta e o segundo, ao perfil. Esses são os procedimentos que estão esculpindo sua forma. Nesse projeto, temos o “grau zero” da expressão da estrutura aparente em suas obras. Conforme já dissemos, nem sempre a pesquisa formal é acompanhada inicialmente da pesquisa estrutural, mas é uma tendência da obra de Oscar Niemeyer. É interessante observarmos que, com uma expressão tão forte da estrutura proposta para o auditório do Teatro Municipal de Belo Horizonte (1943), a primeira Proposta 32 de Oscar Niemeyer para o projeto da sede da ONU (1947-1952) em Nova York tinha seu Auditório da Assembleia das Nações Unidas no extremo do terreno. Podemos notar que ele não adotou a
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A outra obra que poderia constituir um marco no currículo de Niemeyer é o projeto do Teatro Municipal, edificação não concluída. Philip Goodwin, autor do clássico Brazil Builds, não poupou elogios a essa proposta num panegírico dedicado à Pampulha, publicado num pouco conhecido álbum editado pela prefeitura de Belo Horizonte em 1943. Nele, o americano observava o quanto o teatro do arquiteto carioca fugia dos padrões de edifício dessa natureza consagrados na arquitetura do século XIX, à maneira dos municipais do Rio de Janeiro e São Paulo, ambos descendentes da tipologia estabelecida por Garnier para a Ópera de Paris (SEGAWA, Hugo. “Os mineiros e a arquitetura moderna”, Projeto 81, nov. 1985, p. 121).
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solução estrutural aparente com vigas invertidas. A Assembleia, ao contrário, manifestou uma elaboração formal muito tímida e simplificada, ficando a forma trapezoidal acrescida de curvas na base maior e menor com cobertura plana. Esse projeto, escolhido pela criação da Praça das Nações Unidas,25 segundo Niemeyer, seria proposto por Wallace Harrison e aceito por unanimidade pela equipe. A nova Assembleia do Projeto 23/3226, realizado em conjunto com Le Corbusier, é resultado de Niemeyer ter aceitado, a contragosto, trazer o auditório da Assembleia para o centro do terreno. Esse foi um projeto bem mais elaborado, e aparenta conter solução dos dois arquitetos. A “forma trapezoidal”, que, no projeto 23-A de Le Corbusier, correspondia às Assembleias Gerais,27 encontrava-se cunhada na base do Bloco das Comissões e esta, por sua vez, ligada ao Secretariado, um arranha-céu de 200 metros de altura. No projeto final apresentado (23/32), a forma trapezoidal encontra-se sobre pilotis, sendo que, se observarmos em planta, notaremos que foram acrescentadas curvas para fora nas bases do trapézio, à semelhança do auditório 32, e os lados desse mesmo auditório foram encurvados para dentro, provavelmente outro procedimento determinado por Niemeyer, assim como a repetição dos brise-soleils verticais e a cobertura plana. No projeto para o Centro Técnico da Aeronáutica – CTA (1947-1953), na Escola Preparatória e Profissional,28 hoje Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), temos
“Confesso que não gostava do projeto de Le Corbusier. Penso ter sido feito para outro local, e o bloco da grande Assembléia e dos Conselhos, no centro do terreno, o dividia em dois. Mantive, no meu projeto, o bloco indispensável das Nações Unidas e separei os Conselhos da grande Assembléia, colocando o primeiro num bloco extenso embaixo, junto ao rio, e ela no extremo do terreno. Tinha criado a Praça das Nações Unidas” (NIEMEYER, Oscar. As curvas do tempo: Memórias. Rio de Janeiro: Revan, 1998, pp.105-106). 26 “A reunião começou. Wallace Harrison propôs o meu projeto, aceito por unanimidade. Todos me cumprimentaram. Até a secretária veio me abraçar. Meu projeto estava escolhido. Mas, na saída, Le Corbusier pediu: – Quero falar com você, amanhã cedo. Atendi-o. O que ele queria era mudar a posição da grande Assembléia, levando-a para o centro do terreno. ‘É o elemento hierarquicamente mais importante, e lá é o seu lugar.’ Eu não estava de acordo. Liquidaria com a Praça das Nações Unidas, dividindo de novo o terreno. Mas Le Corbusier insistiu, e tão preocupado me parecia que resolvi aceitar. E juntos apresentamos um novo estudo, o projeto 23-32 (23 era o número de seu projeto e 32 o meu). Wallace Harrison não gostou da minha decisão. Afinal, tinha me consultado antes” (NIEMEYER, Oscar. As curvas do tempo: Memórias. Rio de Janeiro: Revan Janeiro, 1998, pp.106-107). 27 A maquete 23-A provocou propostas coletivas e individuais por parte dos especialistas, porém, exclusivamente quanto às modalidades de agrupamentos dos três tipos de edifícios fornecidos por Le Corbusier, ou seja, o Secretariado (um arranha-céu de 200 metros de altura), o bloco das Comissões e as Assembleias Gerais, e, por fim, o futuro anexo das “Special Agencies” (BOESIGER, Willy. Le Corbusier. Tradução de Julio Fischer. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 90). 25
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o auditório de “forma trapezoidal”, interpenetrado com a biblioteca, que tem forma de “sequências de abóbadas”. À cobertura corresponde também o mesmo tratamento abobadado do auditório do MESP (1936), no entanto, essa forma está inclinada, aparentemente em curva, para baixo da “sequência de abóbadas” da biblioteca. No Auditório do CTA (1947-1953), temos a forma trapezoidal como solução estrutural abobadada e não temos a expressão das nervuras ou a continuidade entre vigas invertidas e colunas, como no Teatro Municipal de Belo Horizonte (1943). A estrutura contornando longitudinalmente todo o perfil do volume da forma em curva será desenvolvida no Auditório externo, que lembra a forma de concha do Ministério de Educação e Saúde (1948), ou seja, a estrutura percorre toda a modenatura da forma, saindo e voltando ao solo e caminhando em curvas. Nesse projeto, podemos observar um redesenho dos “telhados invertidos em curva” e as pesquisas de “formas trapezoidais”. O Auditório do Ministério de Educação e Saúde (1948) é uma síntese dos procedimentos de linguagem constitutivos da forma nesse período; porém, temos apenas o projeto e a maquete acabou não sendo edificado. O arquiteto voltou a utilizar o repertório da estrutura aparente à superfície em volume trapezoidal no Auditório do Ministério do Exército 29 (1968-1972) em Brasília; esta obra também ultrapassa o período estudado, demonstrando a reutilização do repertório. No projeto do Conjunto Ibirapuera, Niemeyer propõe pela primeira vez uma concepção espacial que será recorrente em seu trabalho, uma derivada do conceito da“forma sobre plataforma e pilotis”, que teve seu “grau zero” no Iate Clube (1940), juntamente com a concepção de “duas formas diferentes interligadas a distância por uma marquise”, com seu “grau zero” na Casa de Baile (1940). A síntese dessas con-
Primeira obra de uma série de projetos executados pelo arquiteto, a Escola Preparatória e Profissional, hoje Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), foi estruturada em blocos retangulares com salas de aulas em dois pavimentos transversais ao bloco da administração, mas interligados por extensos corredores abertos ou protegidos por elementos vazados. O acesso ao primeiro pavimento faz-se por escadas helicoidais protegidas por quebra-sóis verticais, e a face leste do bloco recebeu esquadrias de concreto e vidro com limitada transparência. O bloco da administração e a sala de professores, que se encontra paralela à biblioteca, possuem cobertura tipo sheds escondida por platibandas, criando um rigoroso volume sobre as janelas. A platibanda, em oposição aos pilotis, sugere um ambiente de extrema formalidade. Para a biblioteca e o auditório, o arquiteto adotou o esquema de abóbadas estruturais de concreto armado, esquema já desenvolvido na Igreja da Pampulha (1942), com vedação de blocos de vidro, possibilitando satisfatória iluminação no interior (PENEDO, Alexandre. Arquitetura moderna de São José dos Campos. Fundação Cultural Cassiano Ricardo/Johnson & Johnson Ind. Com. Ltda., p. 86). 29 “Su estructura es particularmente dinámica. La cubierta está soportada por elementos de hormigón armado de nervatura vigorosa cuyo primer precedente lo encontramos en el proyecto para el Auditorio del Ministerio de Educación y Salud de Rio de 1948. Sistema estructural que Niemeyer volverá a utilizar en la fábrica Duchenen 1950 y, más tarde, en el Centro Cívico de Argel, em 1968” (BOTEY, Joseph M. Oscar Niemeyer: Obras e proyectos. Barcelona: Gustavo Gilli, 1996, p. 146). 28
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cepções anteriores Niemeyer realizará no conjunto formado pelo Palácio das Artes e Auditório (Primeiro Projeto) (1951) do Ibirapuera. Nesse conjunto, o Palácio das Artes 30 (1951) em “forma de cúpula” está ligado por uma marquise linear, que funciona também como rampa, a um Auditório (1951) de “forma trapezoidal” em planta e perfil “triangular”. Estabelece o arquiteto, objetivamente: “A ligação a distancia entre duas formas diferentes e invertidas entre si”. Devemos observar que, nesse Auditório (1951) do Conjunto do Ibirapuera, as superfícies externas procuram combinar com o tratamento dado ao Palácio das Artes (1951), hoje chamado de Oca. As superfícies lisas e pintadas de branco evitam as nervuras estruturais apresentadas nos projetos anteriores, como as do auditório do Ministério da Educação e Saúde (1948). Internamente encontramos no projeto original “colunas em forma de tronco” em um desenho das vigas internas em curva expostas no teto e nas paredes inclinadas do palco e da arquibancada. O projeto não foi construído. Sua concepção de volumes invertidos está presente na obra de Niemeyer no Congresso Nacional (1958), em Brasília. Na análise recém-feita, procuro demonstrar como Oscar Niemeyer trabalha dentro de um “sistema”, operando estratégias de um repertório inicial que vem redesenhando lentamente no desenvolvimento de sua obra. Portanto, conforme o programa, as condições econômicas relacionam os repertórios e as possibilidades de associação entre eles, novas ou já experimentadas. Não podemos, sem acompanhar sua obra desde o início, entender as escolhas repertoriais e menos ainda seu desenvolvimento. Entenderemos isso de maneira mais clara ao observarmos a retomada de dois repertórios do início de sua obra reutilizados nos Colégios Estaduais (1953) de Campo Grande e Corumbá, no estado de Mato Grosso do Sul. Neles, o auditório em forma “trapezoidal com curva para fora na base maior e cobertura plana inclinada” está interpenetrado com uma “estrutura
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A “forma de cúpula” do Palácio das Artes, que, durante as comemorações do IV Centenário de São Paulo, foi denominado também de “Palácio das Exposições”, foi a primeira forma construída, mas o “grau zero” encontra-se no Auditório de Ginástica do Estádio Nacional (1940). Essa forma, quando construída isolada do conjunto proposto, recebeu várias leituras populares, como “Palácio das Exposições – sua avançada concepção inspira curiosos apelidos dos visitantes: ‘a careca’, ‘o disco voador’.” Nessa calota esférica de quatro andares, realizam-se mostras de arte, história, folclore, técnicas populares, grandioso resumo da evolução cultural brasileira em todos os seus aspectos (FIGUEIREDO, Guilherme. “IV Centenário de São Paulo”, Manchete Especial [s/ numeração]. Bloch Editores, 1954).
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em forma única de arco abobadado e pilares inclinados”. Esses dois repertórios iniciais da obra do arquiteto, tanto a “forma trapezoidal” do Auditório do MESP (1936) como os arcos abobadados do Estádio Nacional (1940), voltam a ser utilizados 13 anos depois, revestidos da maior simplicidade formal possível. Niemeyer, que utilizou a interpenetração entre a “forma trapezoidal” e os “conjuntos de arcos abobadados” entre o Auditório e Biblioteca (1947) no CTA pela primeira vez, repete a solução simplificando suas formas. Somente voltando à chave do repertório escolhido e sua combinação é que poderíamos estabelecer a compreensão, retrocedendo às filiações históricas de seu desenvolvimento. Finalizando o período, gostaria de apresentar o Auditório da Escola Estadual Milton Campos ou Colégio Estadual de Belo Horizonte (1954), em que Niemeyer, curiosamente, não utilizou a planta em “forma trapezoidal”, e sim a “quadrada”. Provavelmente, a escala do auditório e o investimento na forma não justificassem a redução de lugares propiciada por uma “forma trapezoidal”. Mas imprimiu ao projeto um teto em curva suave e ao piso uma curva oposta, produzindo uma forma aerodinâmica.31 Niemeyer seleciona esse auditório quando fala de sua linha de liberdade plástica e invenção arquitetural: “Quando projetei um auditório cuja forma poderia lembrar um objeto parecido 32, foi ao problema da visibilidade interna que atendi”. [7]. A solução curva do piso para ajuste das cadeiras e visibilidade do auditório era um redesenho da solução usada para o
Joaquim Cardozo estabelece uma leitura semelhante à que estou querendo estabelecer com a forma aerodinâmica do Auditório do Colégio Estadual de Belo Horizonte (1954) e com as obras do Conjunto da Pampulha: “O uso freqüente das linhas curvas, no cassino, na igreja e na casa de baile, uso esse que tem sua origem no art-nouveau e se manifesta definitivamente na forma aerodinâmica, não aparece nas composições do arquiteto Niemeyer como uma textura decorativa, que era o ponto de vista de Gottfried Semper, e sim numa intenção de leveza, de desligamento do solo e das condições materiais, e mais ainda numa sugestão de efeito dinâmico” (CARDOZO, Joaquim.“O episódio da Pampulha”, Módulo 4, Rio de Janeiro, março de 1965, pp. 32-36). 32 Que objeto poderia ser parecido com aquele auditório? A resposta a essa pergunta penso que deve ser respondida como sendo uma “nave espacial”. Niemeyer evitou citar nominalmente. No entanto, não devemos esquecer que ele é um arquiteto que estabelece um diálogo obrigatório com a mídia na divulgação e na explicitação de seu trabalho, desde o início de sua carreira profissional em 1935. Também tem sua formação, mesmo política, no Partido Comunista, vivendo o pós-guerra e a propaganda política do início da Guerra Fria. No entanto, não devemos descartar as influências das mídias como influências futuristas espaciais do imaginário da época, também vindo das ficções científicas das histórias em quadrinhos e do cinema, de onde podem ter se concretizado as fantasias no repertório de sua arquitetura. Conforme cita neste texto:“Com isso, ia defendendo a minha arquitetura e as minhas fantasias, criando formas novas, elementos arquitetônicos que se adicionaram com o tempo ao vocabulário plástico de nossa arquitetura, muitas vezes usados pelos meus colegas, mas nem sempre na escala e no apuro desejados” (NIEMEYER, Oscar. Meu Sósia e eu. Rio de Janeiro: Revan, 1992, pp. 34-35). 31
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Auditório das Oficinas da Tribuna Popular (1945). Essa solução, que, nesse projeto, era interna ao volume, agora vem à superfície com a criação de uma nova forma. Devemos destacar a semelhança do edifício com a forma do “olho”, referência a Le Corbusier em seus desenhos na “promenade architecturale”.
Forma trapezoidal (perfil/modenatura) O “volume com perfil em forma trapezoidal” teve seu “grau zero” também na Pampulha, no primeiro projeto33 não executado para a casa de Juscelino Kubitschek: Pela primeira vez, o arquiteto emprega a fachada inclinada (atirantada), solução amplamente difundida na arquitetura brasileira nos anos 40-50. Esse projeto não foi construído, mas suas concepções foram adaptadas para a residência de Prudente de Moraes Neto no Rio de Janeiro, construída em 1943. [8]
A proximidade da origem desse repertório do conjunto da Pampulha não nos parece estranha, pois consideramos esse “volume com perfil em forma trapezoidal” e o “telhado inclinado” como um desenvolvimento do “telhado invertido” construído pela primeira vez no Iate Clube (1940) da Pampulha, explicitando a forma sobre pilotis. No caso do primeiro projeto com perfil de forma trapezoidal, a forma sobre pilotis é uma recorrência, mas os “pilotis” em ferro foram uma novidade em seu repertório, haviam sido utilizados anteriormente somente nas marquises do Cassino (1940) e da Igreja de São Francisco de Assis (1940), exatamente na primeira e na última obra a serem construídas no conjunto da Pampulha. Importante na obra de Niemeyer são “explicitações estruturais” em oposição à “explicitação do volume” e o ocultamento estrutural, ambos utilizados alternadamente em sua obra com intenção e expressão plástica. O projeto que teve essa concepção formal realizada pela primeira vez teve um novo calculista, o engenheiro Joaquim Cardozo, fundamental na caracterização do estilo do arquiteto, assim como Baugarten. Cardozo foi
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Essa solução surge em 1943, num primeiro projeto não executado para a casa de Kubitschek na Pampulha: o objetivo era a criação de um grande terraço descoberto na frente dos quartos, sem romper a pureza do volume global (BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981, p. 166).
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responsável pelas obras do Conjunto da Pampulha, onde a pureza do volume global foi priorizada em detrimento da expressão estrutural em algumas obras calculadas por Baugarten. No Hotel Resort da Pampulha (1943), temos a associação do “volume com perfil de forma trapezoidal” e do “bloco em curva” sobre pilotis. Esse procedimento Niemeyer justifica pela sugestão determinada pelas curvas de nível. Nessa obra, que seria construída nas proximidades do lago, há o corpo principal ligeiramente curvo e, em sua planta baixa, uma marquise ameboide com recorte na laje sendo utilizada como “terraço-jardim” com rampa de acesso. Esse projeto, não construído por razões políticas, encontrou um dos princípios de integração com a paisagem por meio da marquise; porém, mantendo o aspecto de diversificação de formas anterior do Conjunto da Pampulha. Nas obras futuras, haverá tendência de juntar em uma mesma obra vários repertórios. Esse aspecto pode ser evidenciado na Residência Burton Tremaine (1947), em Santa Bárbara, na Califórnia, Estados Unidos. Nesse projeto, proposto também para uma integração com o ambiente e a paisagem, Niemeyer realiza o “volume com perfil em forma trapezoidal” formando um bloco linear que se integra ao ambiente por uma marquise recortada em “forma ameboide” com acesso por escada; uma “sequência de abóbadas” ligada ao bloco linear por marquise é utilizada como garagem. O “volume de perfil trapezoidal”, inicialmente proposto sobre pilotis,34 terá nas residências do Centro Técnico da Aeronáutica (1947-1950) novas e variadas soluções: Posicionada na região nordeste, a zona residencial implicou para o arquiteto uma série de estudos sistemáticos de implantação e circulação da população que ocuparia o centro, após sua inauguração em 1950. Com um programa funcional definido e claro, apresentado pelo edital, ficou por parte da questão formal (estética)
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Essa solução, originalmente imaginada para o primeiro andar de uma obra sobre pilotis, foi depois frequentemente retomada e, mais tarde, ampliada para o térreo e mesmo para o conjunto térreo-andar. O emprego mais sistemático e mais notável dessa solução foi feito no Centro Técnico da Aeronáutica de São José dos Campos, a uns 100 quilômetros de São Paulo (1947-1953), onde essa disposição foi adotada para todos os edifícios residenciais, fossem eles pequenos prédios de apartamentos ou casas uniformes agrupadas em linha reta (BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981, p. 167).
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a diferenciação das diversas classes hierárquicas militares entre professores, estudantes, civis, cabos, tenentes, sargentos, capitães e diretores. [9]
Evidentemente, esses exercícios de caracterização formal Niemeyer já havia iniciado no Conjunto da Pampulha (1940); no entanto, com o mesmo repertório, como é o caso do “volume com perfil em forma trapezoidal”, era a primeira vez, e claro que o arquiteto lançou mão de outros repertórios associando a forma trapezoidal com pilotis em “V”, lâminas de brise-soleil inclinadas, lâminas de concreto vazadas e marquises lineares, ligando as fachadas em um único volume. Esse procedimento “clássico” será retomado em Brasília, estabelecendo relações semelhantes de ordem e hierarquia. Uma questão terminológica sempre ocorre quando buscamos descrever formas da arquitetura. O que Oscar Niemeyer chama de “fachadas inclinadas” estamos associando ao “volume com perfil trapezoidal”, o que possibilita explicar o “perfil trapezoidal” associado a um volume em curva ou alinhado. Outros historiadores referem-se a esses volumes relacionando-os ao “prisma de faces oblíquas”, como é o caso de Yves Bruand: “É o caso da fachada inclinada que substitui o paralelepípedo regular por um prisma de faces oblíquas, forma arquitetônica nova que Niemeyer explorou para dela extrair notáveis efeitos, mas que freqüentemente foi copiada de forma errada por seus admiradores”. [10]
Evidentemente, poder-se-ia entender a “forma trapezoidal” derivada do seccionamento de um “prisma” 35 conforme os desenhos do “esquema de funcionamento do prisma para residências” do Centro Técnico da Aeronáutica (1947-1950) apresentados por Alexandre Penedo. Preferi denominar o perfil de trapezoidal porque poderia associar todos os perfis desenvolvidos a partir do que chamei de
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Particularmente, o arquiteto vinha desenvolvendo e aplicando, desde a residência para Oswald de Andrade em 1938, a organização espacial (distribuição de cômodos) sob o telhado em calha única, em parte pelos estudos iniciais de Le Corbusier para a residência em Manthes, França. A partir da reforma da casa de Juscelino Kubitschek (1945),* uma nova característica seria adotada para os projetos residenciais em conjunção com a calha única: a forma trapezoidal derivada do seccionamento do prisma (PENEDO, Alexandre. Arquitetura moderna de São José dos Campos. Fundação Cultural Cassiano Ricardo/Johnson & Johnson Ind. Com. Ltda., p. 48). *Observação: Penedo provavelmente deve estar se referindo ao primeiro projeto para a casa de Juscelino Kubitschek (1943), e a data também não corresponde a Yves Bruand e Stamo Papadaki.
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“telhado invertido”, que também é formado por dois perfis trapezoidais e que, se considerar simplesmente como prismático, deixo de incluir sua origem, assim como as plantas trapezoidais dos auditórios e seus perfis trapezoidais trabalhados por Niemeyer. No entanto, a ideia de a forma partir de um prisma como nos ensina Penedo também me interessa para compreender o desenvolvimento subsequente anunciado por essas inclinações. Parece fundamental para entendermos as operações de linguagem de Niemeyer, considerar o “vértice do prisma” correspondente ao perfil da “forma trapezoidal” como “foco construtor” de sua modenatura. Com base nesse conceito desenhados por Alexandre Penedo podemos observar que o conjunto de modenaturas projetadas para o CTA tem volumes com foco acima ou abaixo do solo, produzindo a inversão do volume e, consequentemente, uma “forma trapezoidal” em sua modenatura. O sistema que estou propondo ao considerar a modenatura construída por “foco” acima ou abaixo auxilia também a compreensão, já anunciada em sua obra, da forma de “tronco de pirâmide invertido” do Museu de Arte Moderna de Caracas (1955), a que chegará sua pesquisa formal. Podemos observar nas variações repertoriais das residências do CTA (1947-1950) que as formas trapezoidais possuem seu prisma com foco acima do solo na maioria absoluta dos prédios, como: 1) H-20. Residência para oficiais e professores e H-22. Residência para oficial superior: forma trapezoidal definida por divisórias de lâminas de concreto vazadas; 2) H-19. Residência para funcionários de categoria: forma trapezoidal conseguida por uma marquise com pilotis em “V” linear unindo todas as fachadas, que apoiam estruturas de brise-soleil inclinadas e espaçadas; 3) H-18 e H-21. Residência para oficiais: forma trapezoidal determinada pelo perfil, que funciona como empena, criando varandas ensolaradas; 4) H-17. Residência para oficiais superiores e H-9. Residências para funcionários de categoria: “forma trapezoidal” construída por um pequeno balcão inclinado em sua fachada, volume marcado também pelo “telhado invertido”; finalmente, interessa-nos mostrar o 5) H-8 Tipo II. Alojamento para alunos do CTA: forma trapezoidal no corte apresenta-se invertida, com o foco de seu prisma construtor para baixo; portanto, virtualmente, a inversão da forma trapezoidal já está presente no Laboratório de Estruturas da Escola Profissional CTA (1950). A forma trapezoidal com inclinação nas duas laterais foi utilizada pela pri-
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meira vez no projeto da Residência de Gustavo Capanema (1947).36 Lá também temos o foco do prisma construtor da forma trapezoidal voltado para cima, ou seja, a base maior do trapézio está voltada para o solo. Essa forma trapezoidal está constituída de duas empenas de cantaria de pedra, fazendo evidente referência à Casa de Veraneio em Les Mathes (1935) de Le Corbusier. O projeto corbusiano foi construído em alvenaria de pedra e madeira e o de Niemeyer na técnica do concreto armado. Nas Residências para funcionários de categoria (1947-1950) do CTA e também nos projetos residenciais em que a forma pode abrigar todas as funções, como é o caso de sua Casa em Mendes (1949), Niemeyer teve que utilizar um anteparo para a superfície inclinada. O projeto, construído em alvenaria e telhado de cimento amianto, abriga de maneira funcional a sala de estar e os quartos com terraços individuais utilizando as “treliças de madeira”37 na fachada leste com o objetivo de trazer a natureza aos cômodos sem perder a intimidade. A Casa Mendes (1949) era residência de fim de semana do arquiteto e é nela que o volume com perfil trapezoidal ganha sua independência da solução em concreto armado, o que vem a facilitar a popularização dessa forma. Nela, encontramos a utilização da janela contínua do repertório corbusiano, que rasga um dos lados da “forma trapezoidal”; porém, permanece contida nela, juntamente com a chaminé em alvenaria de pedra da lareira da sala de estar. Devemos observar que esses materiais possuem ainda
“1947. Residence for Gustavo Capanema at the Gavea Section of Rio de Janeiro. Designed for the former Minister of Education, who was responsible for the new Ministry of Building, this house had to accommodate an extensive building program within a limited budget. This resulted in the extreme simplicity of a low, long building, bound on the narrow sides by masonry wall. The other two walls, set back from the building line so as to leave space for terraces on both floors, contributed to the general lightness of the structure” (PAPADAKI, Stamo. The work of Oscar Niemeyer. 2. ed. Nova York: Reinhold Publishing Corporation, 1951, p. 178). 37 A solução utilizada por Lúcio, combinando brise, treliças ou cobogós, será muito comum em arquitetos contemporâneos seus. A defesa de uma arquitetura moderna brasileira parecia se instaurar pela integração a uma estrutura moderna dos elementos da colônia, logo acrescida do uso dos azulejos, recurso primeiro aventado no projeto do MEC. Subjacente à ideia dessa integração confere, entretanto, a observação de Lúcio sobre a tendência sempre maior pelos espaços abertos. Ao uso de balcões e terraços se alia a amplidão dos espaços internos protegidos por essa membrana translúcida. Ora, o fechamento do interior pela treliça, resíduo dos muxarabis, é uma solução frequentemente urbana na arquitetura colonial mineira, embora possa ser encontrada nas casas rurais. Por outro lado, na paisagem esplendorosa do Rio, a treliça muitas vezes adquire outro sentido: o de trazer a natureza para a intimidade, ou seja, o exterior para o interior. Inverte-se assim, sutilmente, a qualidade do intimismo e a sua forma como decorrência (TELLES, Sophia Silva. Arquitetura moderna no Brasil: O desenho da superfície. Dissertação de mestrado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1988 p. 45). 36
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uma expressividade construtiva que, pouco a pouco, Niemeyer irá dissolvendo em sua obra, ou seja, o “volume trapezoidal”, apesar de único, ainda se divide na expressão dos materiais que compõem sua superfície. A “forma trapezoidal invertida” com linhas retas normalmente é apontada pelos historiadores como tendo sido utilizada pela primeira vez em Diamantina: Mas Niemeyer, sempre procurando novas formas, não se contentou com variações sobre o tema das fachadas e telhados oblíquos, de que resultava um prisma trapezoidal com a face inferior maior do que a superior. Ele teve a idéia de inverter os termos: para tanto, conservou o volume global propriamente dito, mas criou um efeito inteiramente novo e bem-sucedido ao virá-lo e colocá-lo sistematicamente sobre pilotis. Essa solução foi apurada em 1951, em dois dos edifícios que Juscelino Kubitschek, na época governador de Minas Gerais, encarregara Niemeyer de construir em sua cidade natal, Diamantina, a fim de fazer o progresso chegar até lá. [11]
No entanto, a inversão da forma já havia sido utilizada por Niemeyer no projeto do Laboratório de Ensaios de Estruturas do CTA, em 1950. Se observarmos fotos da maquete do projeto do CTA, de 1947, notamos que o arquiteto previra construir o laboratório com a estrutura de “abóbada hiperbólica”, posição que foi alterada no percurso da construção do CTA para uma estrutura na “forma trapezoidal invertida”. No Laboratório de Estruturas da Escola Profissional do CTA, hoje ITA (1950), as colunas estão consolidadas às vigas, que, unificadas, formam um “módulo único” ou “pórtico” com “desenho trapezoidal invertido e orgânico”. Niemeyer, utilizando-se da curva, evita o encontro angular das direções lineares envolvidas no perfil da forma e constrói uma linha contínua em todo o perfil do edifício por meio de sua estrutura aparente. Disposto perpendicular ao conjunto da Escola Profissional, o Laboratório de Ensaios de Estruturas de Aeronaves remete-nos aos aspectos de uma gaiola para pássaros. Em parte, em virtude do pé direito de extensa dimensão e aos sinuosos pilares preenchidos por elementos vazados. A particular qualidade estética, realçada pelo purismo da cor branca, e a escala utilizada pelo arquiteto conferem à obra uma presença marcante no conjunto. [12]
A semelhança do desenho da forma trapezoidal com o átrio bancário da
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Caixa de Aforro Postal Austríaco (1903-1912),38 de Otto Wagner, é muito grande. Embora a solução estrutural seja distinta, ambos os projetos procuram também iluminação zenital. No caso de Otto Wagner, totalmente, pois as colunas de estrutura metálica do edifício perfuram a cobertura e acabam em mastros, o pálio de vidro está suspenso. No caso de Niemeyer, uma cobertura também metálica, com iluminação zenital apenas em um dos lados, está fixada nas estruturas de concreto. No Laboratório de Ensaios de Estrutura do CTA, Niemeyer ensaia um sistema que utilizará na Fábrica Duchen (1950), na rodovia Presidente Dutra, km 4,5, que foi demolida com a autorização do arquiteto. Na fábrica Duchen (1950),39 temos também a ligação do perfil de “forma trapezoidal” encostada a outra da mesma maneira que os arcos em sua arquitetura, formando um novo perfil. Nesse trabalho, ele utiliza a técnica do concreto armado e as possibilidades estéticas da unidade arquitetônica em que os pilares e as vigas invertidas são fundidos, resultando em uma construção de betão armado monolítico que havia sido criada pelo francês François Hennebique 40 em 1892 e desenvolvida em 1902 apenas para pequenas casas pré-fabricadas. Não podemos deixar de notar também a semelhança estrutural da fábrica Duchen (1950) com o Pavilhão da Fábrica de Artigos de Esmalte e Metal 41 (1912), de Heinrich Zieger, Wayss e Freytag, em Ligetfalu,
A Caixa de Aforro Postal foi construída em duas fases. A primeira parte erigiu-se num tempo recorde, no lado amplo do sítio de construção trapezoidal, entre 1904 e 1906; a segunda parte terminou entre 1910 e 1912. Wagner reagiu ao pedido de “solidez máxima” com uma fachada de painéis de mármore, tendo à vista os pontos onde estavam presos, sendo até realmente acentuados por rebites com cabeça de alumínio. Há referências clássicas na hierarquia da altura do edifício e nas salas simétricas, embora a acentuação se dê principalmente no embasamento, por meio de filetes de vidro recuados, por exemplo, ou enfeites de metal concentrados, como na parte central (GÖSSEL, Peter; LEUTHÄUSER, Gabriel. Arquitetura no século XX. Alemanha: Benedikt Taschen, p. 81). 39 “Su estructura, calculada por Joaquim Cardozo, a base de pórticos rígidos de hormigón armado situados cada 10 m y con dos vanos de 18m cada uno, está diseñada de tal forma que define el aspecto externo del edificio. Los pilares de fachada, inclinados, se unen a los centrales mediante arcos, quedando el conjunto del pórtico acusado encubierta y marcando un ritmo transversal en este edificio tan largo” (BOTEY, Joseph M. Oscar Niemeyer: Obras e proyectos. Barcelona: Gustavo Gilli, 1996, p. 59). 40 Hennebique apercebeu-se das vantagens do betão armado acima de tudo pela oportunidade de reunir suportes, paredes e tetos numa só unidade, que demonstrasse maior estabilidade do que os métodos de construção antes conhecidos. A França – ao contrário de outros países europeus – recusou-se a reconhecer a patente da construção compósita que Hennebique apresentou em 1892. Mas isso não acarretou quaisquer efeitos negativos ao sucesso do negócio que, entre outras coisas, produzia casas pré-fabricadas transportáveis para guardas de passagem de nível (GÖSSEL, Peter; LEUTHÄUSER, Gabriel. Arquitetura no século XX. Alemanha: Benedikt Taschen, p. 108). 38
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na qual também foi usada a técnica do concreto e a unidade estrutural reunindo todos os componentes em um monobloco. O projeto de Oscar Niemeyer difere do desenho do pavilhão da fábrica de Ligetfalu na forma trapezoidal invertida e em sua característica orgânica. Conforme já salientamos várias vezes neste texto, é na modenatura que encontramos a marca do arquiteto, o estilo de Niemeyer oferece mais dificuldade em uma imitação do que o de Picasso. Não estou me referindo a seu repertório ou a alguns procedimentos projetuais que pudéssemos desvendar, mas a sua “modenatura” especificamente. Ela é decisiva também nessas formas trapezoidais invertidas e orgânicas, é o seu perfil que controla a qualidade de seu trabalho e sua diferença. Sobre o desenvolvimento da forma, Yves Bruand comenta as diferenças entre a estrutura aparente ondulante do auditório do Ministério de Educação e Saúde Pública (1949) e a fábrica Duchen (1950) e o parentesco ou a derivação de projetos anteriores, que preferimos chamar de redesenho: Toda fantasia ondulante desapareceu no desenho dos pórticos paralelos que formam a estrutura dos edifícios industriais, mas não se pode negar que existe um parentesco com os projetos anteriores; até a depressão central foi conservada, embora desta vez resulte da conjugação de dois arcos e não de um movimento contínuo. O efeito certamente é diferente: desapareceu toda falta de definição, toda sensação de equilíbrio precário, o dinamismo tem mais nuanças, dando à construção um aspecto de rigor que convém a uma fábrica, sem, contudo, renunciar a uma expressão formal original. Não se pode deixar de admirar a maneira como Niemeyer e Uchôa conseguiram adaptar a solução plástica, já anteriormente pressentida, a um programa funcional inteiramente diferente e extrair das imposições desse programa a elaboração do aspecto final dado à solução da questão. [13] Bruand, Yves, p. 157.
No entanto, mantendo a ordem cronológica, podemos perceber que o fato de Niemeyer alternar a expressão da estrutura com a valorização do volume é, no nosso entender, um partido intermediário, em que realiza com sutileza
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“Henrich Zieger, Wayss e Freytag. Pavilhão de uma fábrica de artigos de esmalte e metal em Ligetfalu, 1912. Uma grande sala, com 30m de vão e uma menor, com 18m de comprimento, tem a uni-las uma armação de teto arqueado triescorada. As possibilidades estéticas do betão estão aqui exemplificadas na unidade arquitetônica dos pilares e das vigas do tecto” (GÖSSEL, Peter; LEUTHÄUSER, Gabriel. Arquitetura no século XX. Alemanha: Benedikt Taschen, p. 108).
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a fusão de duas tendências: o volume único e a fusão de formas trapezoidais. Voltando a sua origem, temos o caso da escola Júlia Kubitschek (1951)42 e do Hotel Tijuco (1951)43 em Diamantina, no estado de Minas Gerais, que também representam a primeira tentativa bem-sucedida de integrar o programa em um volume único.44 Na escola, Niemeyer adotou a forma de perfil trapezoidal ao sentido longitudianal do edifício colocando esta sobre pilotis corbusianos e utilizou suportes que sustentam a laje afinando do balcão para o teto de sustentação. Esses suportes que demonstram sua estrutura têm um desenho particular que é um “grau zero” no trabalho de Niemeyer. Desenvolvem-se como os troncos das árvores ou as representações em desenho que se faz deles, afinando de baixo para cima. Esses suportes são independentes dos pilotis que levantam a forma “trapezoidal invertida” interpenetrada a um volume prismático em sua base. Portanto, o partido é visível: o perfil determina o volume da forma trapezoidal invertida; as aberturas valorizam a estrutura dos suportes e o volume prismático com tratamento de elementos vazados produzindo uma forma aerada e texturizada. Esse perfil de forma trapezoidal invertida, pertencente ao repertório dos anos 50, que aparentemente estaria encerrado com seu depoimento e a construção de Brasília, no entanto retornará no Panteão e Pira (1985), em homenagem a Tancredo Neves. No projeto do Hotel Tijuco (1951), Niemeyer realiza um desenho que já estava há muito tempo enunciado, mas o realiza reunindo a sua maneira três
Na escola Júlia Kubitschek, o caso é um pouco diferente: pilotis clássicos e suportes da projeção da laje de cobertura são absolutamente independentes uns dos outros, sublinhando o caráter autônomo do andar principal e a relativa falta de destaque do térreo; os efeitos plásticos são mais elaborados, também mais variados, e a comparação das duas obras faz com que a primeira pareça um pouco imatura, embora, tecnicamente, sua importância tenha sido maior em razão da influência que tiveram seus pilotis (BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981, p. 168). 43 No hotel, cuja disposição interna (ao contrário do hotel de Ouro Preto) é perfeitamente funcional, uma disposição engenhosa une estreitamente todos os elementos que compõem a fachada: a inclinação parece derivar naturalmente dos pilotis em forma de “V” transversal, dos quais um dos braços sustenta apenas o piso do primeiro andar, ao passo que o outro braço vai até o telhado e se incorpora habilmente às paredes de separação dos terraços que precedem os quartos (BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981, p. 168). 44 Intimamente aparentados por sua situação no topo de um terreno de inclinação forte e pelo aspecto formal que lhes foi dado, esses dois edifícios merecem, por este último motivo, receber um lugar importante na obra de Niemeyer: eles representam uma das primeiras tentativas verdadeiramente bem-sucedidas de integrar todo o programa num volume único, puro e pleno de originalidade, preocupação que aparece igualmente um pouco mais tarde no Palácio das Artes e no Auditório do Ibirapuera (BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981, p. 168). 42
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procedimentos:1. Coloca a forma trapezoidal invertida sobre pilotis; 2. Utiliza pilotis em “V” estruturais como parte da forma trapezoidal invertida; 3. Estabelece os pilotis “V” como suporte da projeção da laje de cobertura e da laje do primeiro piso, descarregando no solo, o outro braço sustenta somente o piso do primeiro andar. Objetivamente, Niemeyer realiza o caminho da forma do seu repertório funcionalizando sua estrutura e aproveitando o desenho da plasticidade do conjunto. No Hotel Tijuco (1951), a expressão estrutural volta a ter maior dominância do que a explicitação do volume singular, como na escola Juscelino Kubitschek (1951), em Diamantina. O Hotel Tijuco (1951) lembra, ainda que de um lado só, a mesma solução espelhada empregada no Museu de Arte do Rio de Janeiro (1954-1967) por Affonso Reidy.
Pilares/Pilotis Uma das evidências de nossa hipótese quanto à origem do repertório de Oscar Niemeyer nos procedimentos da arquitetura de Le Corbusier é o “grau zero” da utilização de pilotis em “V” de ferro no Pavilhão do Ministério da Educação e Saúde na Exposição do Estado Novo, no Rio de Janeiro. Nele estão presentes pilares em “V” simétricos, que seguram a marquise de maneira muito semelhante à primeira utilização desses pilotis por Le Corbusier na Cidade de Refúgio (1929), em Paris. No entanto, o primeiro edifício construído com pilotis em “V” nas marquises de concreto no Conjunto da Pampulha (1940) já representava um primeiro redesenho de Niemeyer onde os pilotis em “V” de ferro do Cassino da Pampulha (1940) e sua marquise de forma trapezoidal não faziam simetria com os do outro lado mas com dois delgados pilotis de ferro que seguravam uma parte curva da própria marquise formando uma espécie de nicho moderno para uma escultura. Ainda no mesmo Conjunto da Pampulha, sempre procurando caracterizar
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Figura 2: Pilares e Pilotis.
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suas obras diferenciando-as em seu pensamento clássico, Niemeyer realiza um novo redesenho, criando um “piloti curvo em V de ferro” para a marquise da Igreja de São Francisco de Assis (1940). Nela, encontramos respeitados também os conceitos e procedimentos corbusianos do ponto de vista funcional; porém, do ponto de vista plástico, notamos uma brilhante elaboração específica da obra de Niemeyer. Ao contrário da primeira utilização corbusiana do “pilar em V”, na marquise trapezoidal ligada à forma cilíndrica da Cidade de Refúgio (1929), em Paris, em que os pilares em “V” ficam frente a frente com a forma cilíndrica citada, na Igreja de São Francisco de Assis (1940), a marquise encontra-se de perfil, inclinada em relação a arco hiperbólico abobadado, e está também engastada ao campanário. O desenho em “V” do pilar de ferro apresenta uma curva expressiva que, de certa maneira, representa o esmagamento determinado pela inclinação e pelo peso da laje, apoiada com maestria sobre pontas. Nos pilares com vigas invertidas do Teatro de Belo Horizonte (1943), talvez pudéssemos dizer que encontramos a origem das colunas do Palácio do Planalto (1958-1960), pensando exclusivamente na modenatura e no afinamento 45 das colunas em direção ao solo, característica de leveza na obra de Oscar Niemeyer. Em 1946, Niemeyer estabelece uma relação de representação arquitetônica figurativa ainda maior e se aproxima ainda mais do conceito de diversificação funcional da arquitetura clássica. Isso já estava presente na Casa de Baile (1940), arquitetonicamente, o que para nós pode ser entendido como uma representação da “cabana primitiva”. Essa representação pode ser vista agora em seus pilares e sua representação em “forma de tronco”: pilar de concreto em forma de tronco no Colégio de Cataguases/MG (1946). Agora, penso valer a pena tentar um entendimento entre duas filiações arquitetônicas de Oscar Niemeyer: de um lado, aos aspectos simbólicos da arquitetura iluminista do século
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As cargas avaliadas dos pilares de fachada são de 1.000 kN de reação da laje de cobertura e 700 kN de peso próprio. São cargas muito menores do que as que atuam nos pilares internos. As seções transversais no topo e na base são, entretanto, tão reduzidas que tais pilares não podem ser considerados como concreto armado. As críticas que têm sido feitas ao excesso de percentagem de armadura não procedem: apenas o aço resiste à carga aplicada. O concreto tem a função exclusiva de proteger a armadura e mantê-la em sua posição (VASCONCELOS, Augusto Carlos. O concreto no Brasil. São Paulo: Pini, 1992, p. 92).
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XVII e sua caracterização clássica; de outro, à arquitetura expressionista. Sobre a arquitetura iluminista, recorremos a Manfredo Tafuri: La crisis semántica de la arquitectura, en cuanto crisis de los contenidos aceptados hasta esa época, provocó inicialmente un recrudecimiento de los aspectos alegóricos y simbólicos, ligados – en ese tiempo – a la celebración de valores civiles o, de modo directo, políticamente revolucionarios. (Del monumento a las virtudes femeninas o de la casa de placer, de Ledoux, a la obsesión por estructuras que dominan lo individual, de Lequeu, al Foro Bonaparte de Antolini, a las fiestas alegóricas revolucionarias francesas e italianas.) En otras palabras, a la tensión activa entre un lenguaje nacido para expresar valores universales y contenidos cambiantes y contingentes corresponde una suerte de expreso desafío que se da en el carácter paradójico y en el utopismo civil de la arquitectura, que puede asumir los aspectos generosamente megalómanos de un Boullée o dos perversos de un Soane. [14]
Vemos, na obra de Niemeyer, várias características recém-citadas aqui que, de certa forma, levaram Kenneth Frampton a considerar a semelhança dessa arquitetura com a obra do arquiteto: 1. A linguagem do arquiteto busca expressar valores universais e conteúdos diversificados e contingentes; 2. Utopismo da arquitetura de Niemeyer, tanto na possibilidade de megaescala, sempre proporcionada no Brasil pelo “Estado”, como na diversificação da linguagem para a arquitetura de menor escala ou civil; 3. Os aspectos clássicos de caracterização e diversificação formal de sua arquitetura, ligados a certa sensualidade e hedonismo, presentes também na “Architecture Parlante” de Ledoux. Seguindo o pensamento de Manfredo Tafuri: El declinar del barroco de género es sustituido por un nuevo concepto de tipo, en un primer momento íntimamente ligado al simbolismo de la arquitectura parlante teorizada por Camus de Mezières o Boullée (con la intervención de las teorías inglesas sentimentalista y sensualista), y en un segundo momento aislado como objeto de análisis en sí. Como para la cultura de los teóricos del humanismo y del manierismo), para los arquitectos del iluminismo el tipo no reverbera cualidades independientes y absolutas sobre el entorno urbano, más bien construye los espacios y los significados a través de una operación de cuantificación de valores figurativo-funcionales. Pero lo importante y significativo es el valor complejo que el concepto de tipo adquiere en la cultura iluminista. De un lado, el
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tipo es un instrumento de crítica arquitectónica. Racionalizando el acercamiento a la proyectación, se presta a funcionar como suporte para oposiciones también radicales revueltas contra la casualidad inorgánica del tejido ciudadino tradicional en favor de aquel caos organizado y racional en su estructura, teorizado por Laugier y vuelto a pensar por Milizia. De tal modo se introduce, en la ciudad, el orden en la variedad, que se había expresado en el “jardín inglés” y significaba emblemáticamente la aspiración iluminista y libertaria a una forma originaria, a lo Rousseau, del orden cívil. Pero, al mismo tiempo, la tipología facilitaba la reducción del simbolismo a mera referencia a las cualidades funcionales del edificio. Se podrá así pasar de las prisiones de Ledoux en Aix, de Damesme en Bruselas, de Dance en Newgate, o de Speeth en Würzburg, a los proyectos de mercados de Valadier, a las terrace houses de Nash, a la Gliptoteca de Munich de Leo von Klenze, y de aquí a la separación de tipologia formal y tipologia funcional, como en los tratados de Durand y de Dubut. [15]
Essa redução do simbolismo a mera referência das qualidades funcionais do edifício está distante da obra de Niemeyer. Talvez pudéssemos dizer que o arquiteto trabalha sobre partidos simples e racionais, que envolvem os dois aspectos lembrados por Manfredo Tafuri quando nos mostra a separação entre a obra de Ledoux e os tratados de Durand, ou, dito de outra forma, a separação entre uma tipologia formal e funcional. Niemeyer trabalha com o procedimento da arquitetura funcionalista, em que o partido se encontra explicitado tanto funcionalmente como formalmente. Na Casa de Baile (1940), temos um exemplo desses procedimentos na representação da “cabana primitiva”: “Nela podemos observar dois pólos onde duas plantas funcionais, uma do restaurante dançante e outra do trocador com pequeno palco ao ar livre”, que estão ligados por marquise; portanto, todo o projeto é funcional. Esse procedimento de ligação de partes funcionais é um partido recorrente na obra do arquiteto, que talvez pudéssemos caracterizar como um “tipo racional”; no caso do exemplo recém-citado, seu desenho sensual, acompanhando a ilha, tem características biomórficas. Talvez também pudéssemos caracterizá-lo como um “tipo formal”; portanto, teríamos em Niemeyer essa dupla caracterização e poderíamos acrescentar talvez outra, a do expressionismo.46 Niemeyer, entre os anos de 1946 e 1950, produz curiosamente uma fusão entre formas biomórficas mais abstratas e formas de tronco utilizadas
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nas colunas que inevitavelmente nos remetem à “Representação alegórica da cabana primitiva”, de autoria de Charles Eisen, encontrada no livro Essai sur l’architecture, de M. Antoine Laugier, publicado em 1753. A essas colunas deve ser somada ainda a similitude com as estruturas “ósseas” do projeto da fábrica da Duchen (1950). Essa similitude aparece na obra do arquiteto no final dos anos 50, citada por Rosa Cotta e A. Marcolli em “A considerazioni su Brasilia”, artigo publicado na revista Casabela, número 218, de 1958, e, mais tarde, por Leonardo Benevolo, ao referir-se às colunas 47 de Brasília. Portanto, em uma mesma obra, como na fábrica da Duchen (1950), encontramos todas as tensões formais a que se encontra exposta sua obra: a marquise biomórfica, o desenho do tronco de árvore e, no conjunto construtivo, a similitude com uma estrutura óssea colocada sobre uma tensão expressionista.48 Logo, o que Manfredo Tafuri está considerando no início do expressionismo é a formação de princípios arquitetônicos: Lo que importa destacar es cómo en todas esas corrientes se dibujan dos nuevos principios arquitectónicos: la aceptación cada vez más incondicional de las consecuencias lingüísticas, operativa y metodológicas que dimanan de la aceptación de la nueva naturaleza creada por la tecnología moderna y el planteamiento de un programa figurativo que respondiera a la crisis del objeto derivada de la reproductibilidad tecnológica del producto artístico. [16]
“Violletle Duc, el Art Nouveau, el Weiner Werkstätte, el Deutscher Werkbund, las experiencias de Behrens y de las experiencias de Behens y de la primera fase del expresionismo dirigen, de las maneras más diversas y distantes entre sí, una batalla por la recuperación de las bases institucionales del lenguaje arquitectónico y una relación entre instrumentos lingüísticos y significativos relativos” (TAFURI, Manfredo. “Las estructuras de lenguaje en la historia de la arquitetura moderna”. In: Teoría de la protestación arquitectónica. Barcelona: Gustavo Gili, 1970, pp. 39-40). 47 Perseguindo esse objetivo, Niemeyer é levado a forçar os efeitos que pode conseguir com os elementos usuais de construção, até deformar seu significado, apresentando-os isolados do contexto habitual, tais como enormes objetos trouvés; suas arquiteturas adquirem, assim, uma conotação surrealista, que foi observada mais de uma vez, e alguns detalhes – por exemplo, os elementos de mármore, polidos e torneados como ossos de animais– possuem uma inegável semelhança com certas imagens dos pintores surrealistas, de Dali aos seus contemporâneos brasileiros Oswald de Andrade Filho (n. 1914) e Atos Bulcão (n. 1918) (BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva, 1976, p. 720_. 48 Segundo dois processos de produção paralelos, faziam-se neste complexo fabril chapéus de pele e de lã. A tinturaria e a central elétrica serviam ambas as cadeias de produção e, por isso, situavam-se no eixo simétrico da fábrica. Na tinturaria, Mendelsohn ensaiou um novo sistema de ventilação, que extraía os fumos venenosos por meio de um postigo tipo poço com alhetas. Esse “barrete” fazia da tinturaria a característica dominante do pátio interior (GÖSSEL, Peter e LEUTHÄUSER. Arquitetura no século XX. Colônia, Alemanha: Taschen, 1996, p. 115). 46
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Esses princípios encontram-se também presentes na obra de Oscar Niemeyer, o que confirma uma aproximação do arquiteto com o expressionismo, demonstrada pelas características figurativas de seu trabalho e também pela criação de um desenho particularizado incorporado funcionalmente pela própria técnica do concreto armado, reafirmando o objeto arquitetônico diante da nova natureza criada pela tecnologia moderna. Em Niemeyer, a reprodutibilidade técnica representada pela “autoconstrução” chegou a sua obra depois de Pampulha, o que vale dizer que o procedimento clássico de diversificação e particularização formal engloba a reprodução técnica como uma das particularidades de sua obra, e não o contrário. Na Residência Gustavo Capanema (1947), encontramos a modenatura do edifício na forma trapezoidal, com a base maior voltada para o solo, determinando colunas inclinadas cobertas com cantaria de pedras, lembrando a arquitetura vernacular da casa de fim de semana em La Celle-Saint-Cloud (1935) e a Casa de Veraneio em Les Mathes (1935), de Le Corbusier. Nesse projeto, encontramos a forma trapezoidal com uma única fachada inclinada, e o pilar em “V” de ferro sustenta uma marquise que, com a união das unidades habitacionais, forma um único volume e, consequentemente, dá a impressão de uma única marquise erguida por pilotis na H-19, Residência para Funcionários de Categoria CTA (1947). Devemos ainda observar que os pilotis estão colocados na modenatura lateral ao edifício. A continuidade da modenatura ou o perfil do edifício a qual acaba unindo pilotis e a viga invertida da cobertura acabam compondo as curvas do Auditório do MESP (1948) em uma única forma. Que neste caso corresponde a forma de concha do edifício. Esse procedimento de ligação entre os pilotis e a viga invertida neste caso corresponde ao “grau zero” e será recorrente na obra de Niemeyer. Aqui, encontramos a figura de uma “concha” e onde as características de similitudes orgânicas são evidentes; no entanto, a questão expressionista desaparece , pois a “modenatura” construída virtualmente por duas formas trapezoidais justapostas ao se utilizar de curvas acaba por abrandar o perfil, determinando outra característica recorrente no procedimento formal do arquiteto. O sistema de montantes construído por pilotis em “V”, totalmente preenchido e armado, afinando para o solo, no Hotel Quitandinha (1950), está ins-
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pirado na Unidade de Habitação (1946) de Marselha, um estudo confiado a Le Corbusier em 1945 pelo Ministro da Reconstrução francês no pós-guerra. Devemos observar, apesar da semelhança, um redesenho do pilar, em que Niemeyer procura um maior afinamento do sistema de pilares, lembrando provavelmente sua arquitetura da Pampulha. Porém, o sistema de transição necessário para esta construção, que seria um dos edifícios mais gigantescos de nosso tempo, uma megaestrutura a qual não permitia devido a carga a ser transmitida ao solo tal delicadeza Por isso o sistema de pilares com “a forma V” proposto era totalmente armado e prenchido. Ele recebia a direção das vigas de transição, o que equivale a dizer que mantinha um sentido ortogonal ao ao logo do edifício acompanhando suas curvas. Mesmo assim estas colunas seriam colossais para que pudessem transmitir esta transição de sua carga ao solo. Dois anos depois, um sistema semelhante será utilizado por Le Corbusier na Unidade de Habitação (1952) em Nantes-Rezé, em que o arquiteto também inovará na técnica, ficando o sistema de montantes como suporte de um empilhamento e de uma justaposição de apartamentos, caixas construídas no sistema de concreto protendido. Conforme já descrevemos antes, nossa leitura sobre o sistema estrutural com colunas ligadas em monobloco, vigas invertidas e aparentes, o mesmo da Fábrica Duchen (1950), possui um desenho orgânico, uma forma “óssea”, uma semelhança com a biologia. A meu ver, poderíamos também filiar Oscar Niemeyer não à corrente surrealista, como querem Rosa Cotta e A. Marcolli, mas ao “biomorfismo” de Arp, ou ao correlato de Henry Moore, 49 que a meu ver traz as experiências da Segunda Guerra. Nesse caso é a representação do “orgânico” como princípio formador da realidade, e não do inconsciente. Esses conceitos “orgânicos”, nesse caso anatômicos, têm tradição na arquitetura e podem ser vistos do ponto de vista das teorias de Darwin na arquitetura e de seus desdobramentos na obra do biólogo francês Georges
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O biomorfismo de Arp (tal como o correlato de Moore) é, pois, a representação do “orgânico” ou o princípio formador da realidade, e não do inconsciente; acaba por se contrapor, como exemplo de uma classicidade meta-histórica, à tendência tardo-romântica do Surrealismo. Da mesma forma, ao racionalismo construtivista, com seus planos geométricos e suas ortogonais, ele opõe contínuas curvas e sinuosidades, convexidades e concavidades das formas (ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. Trad. Denise Bottmann e Federico Caroti. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, pp. 363-364).
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Cuvier, 50 o verdadeiro fundador da anatomia comparativa, o mais respeitado e admirado na primeira metade do século XIX, nomeado Secretário Perpétuo da classe de Ciências Físicas e Matemáticas do Instituto Nacional em 1803. Cuvier comenta sua teoria sobre a equação de uma forma no organismo: en resumen, la forma y la estructura de los dientes regulam las formas Del cóndilo, de la escápula y de las garras de la misma manera que la ecuación de una curva regula sus restantes propiedades; y, al igual que para cualquier curva, todas sus propiedades pueden determinar-se tomando separadamente cada uno de ellos como base de una ecuación particular. De igual modo, una garra, una escápula, un cóndilo, el hueso de una pierna o un brazo, o cualquier otro hueso, aisladamente considerado, nos permite reconstruir las formas de los dientes. En consecuencia, una persona con suficiente dominio de las leyes de la estructura orgánica podría reconstruir el animal entero a que perteneció un hueso iniciado su investigación por el reconocimiento a fondo del mismo. [17]
Niemeyer, ao se ligar ao desenho biomórfico e orgânico na Fábrica Duchen (1950), está seguindo um procedimento de analogia biológica presente em Le Corbusier:
Para Le Corbusier, en cuyos escritos abunda la analogía biológica, el tradicional muro de carga en piedra es comparable al respectivo caprazónóseo de la tortuga o el bogavante. Por contra, las modernas estructuras adinteadas en hormigón o acero corresponderían a esqueletos; mientras que sus muros, cuya función no es estructural sino simplemente la división del espacio y protección frente al clima, equivaldrían a las membranas y la piel. 51 [18]
No entanto, conforme nos apresenta Philip Steadman em Arquitectura y naturaleza, publicado em 1979, Georges Cuvier abriu caminhos que influenciaram as teorias de Viollet-le-Duc e G. Semper:
“Trás la Revolución se estableció en Paris un nuevo Museu de História Natural, creado de lo que fuera el viejo Jardín des Plantes. A las diversas especialidades de la materia se asignaron doce cátedras, cubiertas con los científicos de la vida más destacados en aquel momento; entre ellos E. G. Saint-Hilaire, el geólogo Brongniart y dos figuras celebradísimas: el proto-evolucionista J. B. de Lamark, y el hombre a quien se consideraba el verdadero fundador de la anatomía comparativa, George Cuvier” (STEADMAN, Philip. Arquitectura y naturaleza: Las analogías biológicas en el diseño. Rosário, Madrid: H. Blume, 1982, p. 51; Título Original: “The evolution of designs. s.l.: Cambridge University Press, 1979). 51 LE CORBUSIER. Précisions sur un état présent de l’architecture et de l’urbanisme. Colección de L’Esprit Nouveau. Paris: s.n., 1960. “Le plan de la maison moderne”, p. 24. 50
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“Tras esta exposición de los métodos y conceptos anatómicos de Cuvier nos encontramos ya preparados para embarcarnos en la exposición de su influencia sobre la teoría arquitectónica y de las analogías que en términos anatómicos se establecieron entre ambos campos. Recordemos nuevamente las cuestiones más relevantes: “correlación de las partes”, “coherencia” o “unidad” del cuerpo orgánico, clasificación de las especies en la función y relación de los organismos con su entorno. Resulta obligado, sin embargo, el comentario previo sobre los problemas de dislocación histórica de los que ya se previno en el capítulo 1. La parte más importante de su trabajo la desarrolló Cuvier en las dos primeras décadas del siglo. Murió en 1832, el mismo año que Goethe. E. E. Viollet-le-Duc en Francia y G. Semper en Suiza son quienes, hacia 1855, defienden explícitamente por primera vez los métodos clasificados y analíticos de Cuvier como modelos para el estudio de los edificios y artefactos utilitarios. Desde entonces, el argumento se mantiene vivo hasta el fin de siglo, cuando Cuvier difícilmente habría interesado ya por sus posiciones teóricas, y aún menos a los arquitectos” [19]
Na obra de Niemeyer, podemos dizer que encontramos as questões aqui mencionadas, como, por exemplo, a analogia biológica, também encontrada em Le Corbusier. No caso de Niemeyer, podemos citar exemplos como a analogia com árvores do ponto de vista da construção do edifício desde a Casa Henrique Xavier (1936) até as formas de “tronco de árvore”, iniciadas na marquise do Colégio dos Meninos de Cataguases (1946) até o “grande tronco de árvore”, quase a representação de uma árvore completa, sobre o qual se sustenta a rampa do Palácio das Indústrias (1951), no Parque do Ibirapuera. Niemeyer apresenta seu interesse por essa analogia ao citar Rilke em seu livro Como se faz arquitetura (1986): “Como as árvores são magníficas, porém o mais magnífico ainda é o espaço sublime e patético entre elas”. Essa analogia se constitui em sua obra tanto no que ele chama de “espaço arquitetural”, pensando nos volumes e peristilos de sua arquitetura, como também na própria construção da similitude de sua arquitetura com formas orgânicas, sejam elas “troncos de árvores” e formas de “concha”, para seu auditório do MESP (1948), por exemplo, ou “ossos”, como nas colunas do Palácio da Alvorada (1957), em Brasília. De formas orgânicas como troncos, encontramos os pilares em “V”, os pilares em “W”, dos quais poderíamos dizer que, nos anos 50, procuram representar uma
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unidade orgânica de seu trabalho: 1) Pilar em forma de tronco console no Palácio dos Estados (1951); 2) Pilares em “W” e sistema de montantes no Conjunto Juscelino Kubitschek (1951); 3) Pilares em “V” e sistema de montantes no Palácio da Agricultura do Ibirapuera (1951) e do Hospital Sul América (1952); 4) Pilar em forma de “grande tronco” no Palácio das Indústrias (1951); 5) Pilares internos em forma de tronco no Auditório Trapezoidal Invertido do Ibirapuera (1951) e pilar em “V”, formando o volume trapezoidal invertido no Hotel Tijuco, em Diamantina/MG (1951), este com desenho menos adequado à metáfora do tronco de árvore, pois sua forma não é esculpida como nos anteriores. No caso do Conjunto do Ibirapuera (1951), podemos ver claramente uma diferença em relação ao Conjunto da Pampulha (1940). A principal é que, no Conjunto da Pampulha, Niemeyer buscou variação formal mais intensa e, no Ibirapuera, existe variação formal contrabalançada com a “unidade do corpo orgânico”, “coerência” e a “correlação entre as partes”, que são determinantes da unidade aquitetural. Interessa notar que as questões orgânicas presentes no Conjunto do Ibirapuera se encaixa nos conceitos da obra do biólogo francês Georges Cuvier, que seguiram para as teorias de Viollet-le-Duc e se mantiveram vivos até o final do século XIX. Considero que essa “unidade biológica” é a base para a unidade de sua obra no Conjunto do Ibirapuera (1951) e que é por meio dela que Niemeyer chega à representação clássica da qual fugiu no início de sua carreira na construção de Brasília, onde a unidade arquitetural e a unidade urbana são imprescindíveis para o arquiteto: Um dos problemas mais graves do urbanismo e da arquitetura atuais é a unidade urbana. É essa harmonia de prédios e fachadas, de volumes, alturas e espaços livres que constitui a arquitetura de uma cidade. O problema é antigo e tão importante que, em épocas passadas, na França, por exemplo, ao se criar uma praça e nela constituir um palácio, constituíam-se, ao mesmo tempo, as fachadas dos futuros prédios nela previstos. Isso mostra como era importante o problema da unidade urbana, problema que, com o correr dos tempos, foi sendo esquecido e hoje é completamente desprezado. Daí resultou essa confusão arquitetônica em que vivemos, desfigurando os conjuntos urbanos de todas as cidades modernas. [20]
Existe no conjunto de pilotis que vamos apresentar uma elaboração que vai se construindo internamente ao repertório do arquiteto e resultará nas formas
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das “colunatas” do Palácio da Alvorada (1957), do Palácio do Planalto (19581960) e do Palácio da Justiça (1985-1960). Essa elaboração de formas segue, como já afirmei anteriormente, a “unidade biológica” e, portanto, todas as similitudes com procedimentos orgânicos representados em concreto que Niemeyer chama de “unidade arquitetural”. Pois são as novas colunatas que estabelecem a ordem, a função e a unidade. Procurando ser mais claro, as tensões provocadas na técnica do concreto, do ponto de vista artístico, têm similaridade, no sentido metafórico, com o crescimento das árvores. Portanto, o afinamento para as pontas é uma referência direta a essa similitude. Podemos observar esse procedimento nos pilotis em forma de centopeia com pernas afinadas no Laboratório Túnel de Vento do CTA (1950) e nos “pilotis afinados para cima” na Escola Júlia Kubitschek, em Diamantina (1951), que possuem desenho semelhante ao utilizado nas pontas da estrutura da Catedral de Brasília e dos palácios. No entanto, a modenatura das “colunas curvas” da Residência Canavelas (1954) tem a composição e perfil semelhantes às do Palácio da Alvorada (1957), com a mesma lapidação côncava que encontramos nas colunas em “W” do Conjunto Juscelino Kubitschek (1951). Portanto, o que estou afirmando é que os conceitos de “unidade biológica” estão fundidos, nos palácios de Brasília, com o conceito de “unidade arquitetural” e, consequentemente, com o clássico. Também pode ser visto na modenatura do desenho no recorte da caixa de escada do Hospital Sul América (1952), claramente, o desenho do perfil da colunata do Palácio do Planalto (1958-1960). Assim como o conceito da arquitetura corbusiana na Casa Citrohan (1922), que tem forma cúbica sobre plataforma, ele foi redesenhado por Niemeyer no Iate Clube da Pampulha (1940), que denomino de “forma sobre plataforma com rampa de acesso”. Niemeyer utilizou-se de dois processos construtivos de concreto, a ponte e o arco, e construiu com sua modenatura o “sistema de ponte em arco” para o Clube Libanês/BH (1950),mais uma operação criativa e redesenhada pelo arquiteto. O conceito de forma sobre plataforma é recorrente na obra de Niemeyer, assim como a elaboração dada aos pilotis; neles estão presentes as similitudes com a natureza orgânica, ora mais literal, ora mais abstrata, como é o caso das colunas de Brasília. As transparências conceituais do arquiteto raras vezes podem
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ser vistas como a citada antes, pois seu racionalismo é dissolvido muitas vezes pelo imaginário e o figurativo, o que o aproxima muito de sua arquitetura do reconhecimento popular. No entanto, podemos ver esses conceitos em uma das obras não construídas em que ele reduz o edifício a uma única laje quadrada e há um único pilotis central, onde cabos de aço atirantados fixam a ponteira do pilar central à laje quadrada e ao solo, formando uma pirâmide de base quadrada nos estudos do Hospital Sul América (1952), reutilizados no Edifício Residencial na Exposição Interbau, Berlim, Alemanha (1955). Esse conceito de pilar central será recorrente em sua arquitetura até o próprio edifício ser um pilar central em forma de guarda-chuva no projeto do Centro Musical (1968) e do Museu de Exposição da Barra 72 (1969), ambos para o Rio de Janeiro.
Arcos e Abóbadas O primeiro “arco abobadado” da obra de Oscar Niemeyer está baseado na Casa Monol (1919) de Le Corbusier, um projeto de casas em série. O caráter arquitetônico aliado à plasticidade do concreto armado e à unicidade da obra está presente para determinar sua arquitetura, ao passo que a produção em série, com elementos pré-fabricados, constitui um problema que o arquiteto abordará especialmente na fase pós-Brasília. Portanto, o “grau zero” do arco em Niemeyer, na casa de fim de semana de Oswald de Andrade (1938),52 é um redesenho entre dois projetos corbusianos: a Casa Errazuris (1930) e o arco da Casa Monol (1919), o que pode ser rapidamente constatado na comparação de suas modenaturas. Na construção da Igreja de São Francisco de Assis (1940), na Pampulha, em Belo Horizonte, uma nave central é formada por um “arco parabólico único”, sendo o arco de parábola da fachada maior do que sua terminação do arco cruzeiro. O objetivo construtivo é produzir uma clara52
“This small house designed for the open country and for a limited budget shows the main characteristics of Niemeyer’s residential planning: integrated space for outdoor and indoor living, strict economy in the distribution of each area-function combined with a generous total building volume, and, finally, the introduction of a major art as a legitimate architectural element. The porch, situated between the car port and the main part of the house, features a large mural on a rough masonry wall. The wall also serves as a screen to the service area at the rear. The two bed form the living room. The roof is designed to provide minimum and maximum heights required by the plan” (PAPADAKI, Stamo. The work of Oscar Niemeyer. 2ª impression. New York: Reinhold Publishing Corporation, 1951, p. 18).
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boia na ligação do arco central, que cobre o altar-mor e é o centro de uma sequência de arcos. Essa nova modenatura parabólica de Niemeyer teve a colaboração do calculista Joaquim Cardozo e caracteriza outro aspecto da obra do arquiteto: um tratamento volumétrico sem a presença de vigas aparentes,53 o que não encontramos na parceria com Emílio Henrique Baumgart (1889-1943). Dessa parceria, temos a construção de arcos e estruturas aparentes e cobertas apenas em parte, correspondendo às arquibancadas do conjunto da “área de piscinas” do Estádio Nacional (1941), no Rio de Janeiro. Nesse mesmo projeto, temos também a interpenetração entre o volume prismático e o primeiro conjunto de arcos sequenciados com modenatura mais branda, na Escola de Educação Física do Estádio Nacional (1941). Essa modenatura branda será utilizada também como marquise em sua obra até o ano de 1955. No acesso dos fundos do teatro, Niemeyer utilizou também um conjunto de arcos sequenciados com modenatura branda e inclinada em suas terminações – Teatro Municipal de Belo Horizonte (1943). Nova utilização do conjunto de arcos sequenciados com modenatura branda sobre o desenho da marquise formando a cobertura desta como edifício é outra combinação original de Niemeyer no Restaurante e Centro de Lazer (1944) da Lagoa Rodrigo de Freitas, onde ele estabelece o mesmo tratamento de arcos e inclinação nas terminações, até mesmo quando compõe a curva da marquise, o que dá uma plasticidade ainda maior ao conjunto. Portanto, esse procedimento passa a ser recorrente nos projetos a partir do final dos anos 40 e continua até 1955, como no caso do conjunto de arcos sequenciados com modenatura branda com terminações
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A superfície é construída absolutamente pelo arco que tem a “forma parabólica” semelhante à construção apresentada por Le Corbusier, em Por uma arquitetura, do Grande Hangar de Dirigível em Orly, de Freyssinet e Limousin. No entanto, o projeto de seu primeiro arco na casa de fim de semana de Oswald de Andrade é uma obra única em concreto armado construída de uma única vez, e não em partes justapostas, como o Grande Hangar em Orly. Portanto, entendo que esse procedimento, que será incorporado ao estilo de Niemeyer, teve a participação decisiva de Joaquim Cardozo, que, com sua habilidade, produzirá uma melhor modenatura juntamente com o arquiteto, sem vigas expostas, do que no Estádio Nacional (1941), em que o calculista é Emílio Henrique Baumgart, o que corresponde a um estilo que também será consagrado por Niemeyer. Logo, os dois estilos foram criados quase que contemporaneamente e seguirão por toda a obra do arquiteto.
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inclinadas, que voltam a ser utilizados como “garagem” e vedação demuxarabi de madeira – Casa Burton Tremaine (1947), Santa Bárbara, Califórnia, EUA, e o conjunto de arcos sequenciados com modenatura branda de terminações inclinadas nas laterais do projeto “Scheme 32” para a sede da ONU (1947) em Nova York. O mesmo é utilizado novamente como marquise de entrada em três arcos no terraço-jardim, sendo reutilizado no projeto de Niemeyer com Le Corbusier, “Scheme 23/32”.54 Wallace Harrison foi coordenador do projeto e trabalhou com uma equipe de arquitetos consultores: Oscar Niemeyer, N.D. Bassov, Gaston Brunfaut, Ernest, Le Corbusier, Sven Marklius, Haward Robert, G.A. Soilleux, Ssu-ch’e ng Liang e Julio Vilamajo. Essa equipe, como sabemos, soube valorizar o projeto de Niemeyer, mas sua parceria com Le Corbusier respeitando o mestre não teve sucesso como a proposta anterior do próprio Niemeyer. Ele sempre comentou em suas entrevistas que se arrependia de ter se prestado a realizar o novo projeto com Le Corbusier. Niemeyer sempre foi versátil na variação de possibilidades plásticas dos arcos: 1. Realiza na cobertura do Hotel Regente (1949), em São Conrado, no Rio de Janeiro, a combinação entre arco maior e sequência de arcos com modenatura branda; 2.Alterna com o arco abobadado com modenatura branda para o sistema de volutas inventado na Igreja de São Francisco de Assis (1940), na Pampulha; 3. Temos a construção com sete volutas e uma central no conjunto do laboratório da Fábrica Duchen (1950), na via Dutra, Km 4,5. Devemos observar que, no caso da utilização desses repertórios, Niemeyer sempre alterna, excluindo a utilização
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A consciência da ambiguidade da posição serpeia no estado de espírito, tornando-se ainda mais pungente em virtude do confronto ininterrupto com as certezas iluministas do racionalismo de Le Corbusier, ao lado de quem, durante alguns meses de 1947, trabalhara como consultor na comissão encarregada de projetar o Palácio das Nações Unidas em Nova York, comissão esta dirigida por Wallace Harrison. Diálogo fecundo em meio a um acontecimento esquálido, absurdamente manobrado por Harrison e destinado a se concluir na desastrada e “cinzenta” construção finalmente erguida. Mais do que canteiro experimental da “Ville Radieuse” (TESTORI, 1979, p. 120.), resta o fato do encontro amistoso entre dois arquitetos, caracterizado pela conciliação de projetos distintos (23 de Le Corbusier e 32 de Niemeyer) numa solução unitária (32/23), pela qual o mestre suíço acerta a separação “da grande assembleia da sala dos conselhos” e a redução desta às dimensões de um bloco “baixo e alongado”, com a cobertura côncava (NIEMEYER, 1975 [III], p. 219) (PUPI, Lionello. A arquitetura de Oscar Niemeyer. Trad. de Luiz Mario Gazzaneo. Rio de Janeiro: Revan, 1988, p. 40).
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do arco abobadado com modenatura branda e as volutas. O restaurante do CTA possue um volume que pode ser comparado ao volume de forma trapezoidal esculpido com curvas; no teto e no lado maior do trapézio. Quando em vista aérea dão a impressão de que essa forma trapezoidal está se abrindo de econtro ao chão. Este procedimento formal de desmanche da forma aproximando-se do solo é recorrente em Niemeyer. No caso do Restaurante do CTA ao mesmo tempo que a modenatura é abrandada em direção ao solo ainda se que interpenetra por baixo de uma sequência de arcos.Aqui temos um novo “grau zero” nesta interpenetração entre o Restaurante e Auditório do CTA (1950), em São José dos Campos. Vemos nesse exemplo um procedimento construtivo recorrente, qual seja o de lapidar a forma com curvas; esse é o caso da forma trapezoidal aqui encontrada juntamente com o processo de interpenetração e a justaposição de formas. Um dos desenhos originais de Niemeyer que se utiliza de sobreposição tem seus antecedentes no Iate Clube da Pampulha (1940), que corresponde, em conceito, à forma do volume com telhado invertido alongado sobreposto a uma plataforma sobre pilotis. Esse “redesenho” de procedimento formal, acrescentando-se ao da sobreposição e ao da interpenetração, está entre os mais originais desenhos do arquiteto. Realizando a combinação do arco sobreposto e interpenetrado com o desenho de uma estrutura de ponte em arco que funciona com plataforma no projeto do Clube Libanês (1950), em Belo Horizonte, ele estabelece a base para a construção do Clube de Diamantina (1950), no estado de Minas Gerais. Há sequência de arcos também no Posto de Gasolina Clube 500 (1952), na via Dutra. Esse projeto, em uma das mais importantes rodovias brasileiras,
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Figura 3: Arcos e Abรณbadas.
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foi exemplo para outros postos de gasolina em todo o país. Novas fromas de justaposição serão utilizadas pelo arquiteto. A forma trapezoidal com telhado curvo invertido sobre uma ponte-plataforma será sobreposta por um arco no Hospital Sul América (1952), no Rio de Janeiro. Nesse projeto, Niemeyer acabou fundindo a concepção do Iate Clube da Pampulha (1940) do volume sobre pilotis com o telhado curvo invertido do Iate Clube Fluminense (1945) também sobre pilotis interpenetrando o volume de um arco independente sobreposto O uso do arco de modenatura branda sobrepondo marquise iniciado no projeto do Restaurante e Centro de Lazer (1944) da Lagoa Rodrigo de Freitas em uma sequência de arcos ganha agora na utilização da unidade do arco e na interpenetração com o volume com telhado de curva invertida uma forma totalmente inventiva e particular. Nos projetos das Escolas Secundárias de Campo Grande e Corumbá, estado de Mato Grosso do Sul, Niemeyer novamente surpreende, ligando o volume trapezoidal único a um único arco com modenatura branda. Como já dissemos, para Niemeyer, a elaboração formal em seu repertório arquitetônico se dá de duas maneiras: 1. A primeira é realizada redesenhando um determinado repertório, como é o caso das inúmeras elaborações existentes em sua obra do “repertório trapezoidal”; 2. Outro procedimento é construído pela justaposição ou interpenetração de repertórios. Nessas escolas, Niemeyer realiza os dois processos determinando uma forma em que confirma a simplicidade que busca em sua obra, usando de criatividade na reunião de dois repertórios únicos unidos pela laje que é sobreposta pelo arco. Talvez, nesse trabalho, a característica figurativa que torna sua obra popular tenha se manifestado: a forma total se assemelha a um “gafanhoto”. Claro que pode ser contradita, mas depois de afirmada fica difícil nos livrarmos dela. A gestualidade sempre presente em sua arquitetura, bem como todos os aspectos construtivos com as superfícies do concretismo, não poderia deixar de estar presente nas superfícies de concreto de Oscar Niemeyer, que curiosamente realiza um arco recortado com uma parte dobrada por uma gestualidade evidente na Estação de Aeroporto de Diamantina (1954), no estado de Minas Gerais. Evidentemente, alguma impressão Niemeyer recolheu da obra “Unidade tripartida” (1948-1949), de seu crítico contumaz Max Bill. No entanto, pode-
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mos afirmar que o Aeroporto de Diamantina (1954) tem já a gestualidade que estará presente na arte brasileira do final dos anos 50, como no neoconcretismo de Lygia Clark,55 com seus recortes da fita de “Moebius”. Evidentemente, se fôssemos traçar uma proximidade mais precisa com a obra de Niemeyer, deveríamos afirmar que esse recorte vem inicialmente do trabalho do arquiteto por intermédio da obra de Matisse, ou, ainda, que a obra de Ivan Serpa, “Formas” (1951), premiada na I Bienal Internacional de São Paulo, está mais próxima da arquitetura de Niemeyer dos anos 50 do que a “Unidade Tripartida” (19481949). Niemeyer, no projeto da sede da ONU (1947-1952), realiza uma sequência de “três” arcos, sendo que o do meio não tem sua modenatura chegando até o chão. Ele realiza, no Edifício Residencial no Bairro Hansa, em Berlim, na Alemanha (1955), na Exposição Interbau, outra simplificação original, desenhando uma sequência de dois arcos de modenatura branda, ambos chegando até o chão. Podemos notar que, até 1955, encontramos uma produção muito grande de arcos na arquitetura de Niemeyer e que, a partir de Brasília, teremos uma substituição de repertórios, como, por exemplo, os dois volumes trapezoidais ou a cúpula e o arco sobre plataforma pensados nos estudos preliminares para o Palácio do Congresso Nacional de Brasília (1956-1957). Notamos claramente que os arcos foram substituídos pelas “cúpulas” e “calotas”, que estarão presentes na forma final do Congresso Nacional (1958).
Marquises Uma marquise realizada com caráter temporário no Pavilhão do Ministério da Educa55
Partindo da experiência concretista, Lygia Clark dá um passo adiante, ao romper a unidade da superfície e, progressivamente, fazendo-a desagregar-se como tal, para integrar-se totalmente no espaço real, tridimensional. Daí surge os “bichos”, só agora mostrados no MAM do Rio, mas já expostos em 1960 na Galeria Bonino e na II Exposição Neoconcreta. Esses “bichos” – como ela os chama – são construções em metal, feitas de partes conjugadas móveis, permitindo ao espectador transformá-las dentro de uma série limitada de movimentos e combinações. Imediatamente, tendeu-se a classificar essas construções como esculturas, e a própria artista, ao intitulá-las de “bicho”, procurou escapar às consequências afetivas de sua experiência. Ora, tais construções nasceram da tentativa de superação do caráter representativo do quadro, sendo, portanto, por natureza, antifigurativas. No momento em que passamos a chamá-las de “bichos”, atribuímos-lhes um caráter metafórico que imediatamente as reintegra num nível de figuração correspondente ao de certa arte dita abstrata (GULLAR, Ferreira. “Lygia entre o brinquedo e a máquina”. In: AMARAL, Aracy (supervisão, coordenação geral e pesquisa). Projeto construtivo brasileiro na arte: 1950-1962. Catálogo da exposição do Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro e Pinacoteca do Estado de São Paulo. Patrocínio FUNARTE e Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. Publicação da Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. São Paulo, 1977, p. 255).
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ção e Saúde, na Exposição do Estado Novo, é o“grau zero” das marquises na obra de Oscar Niemeyer. No entanto, a primeira marquise trapezoidal construída em concreto armado, já citada anteriormente, foi a do Cassino da Pampulha (1940). Essa marquise tem sua forma trapezoidal engastada nos pilotis do cassino e utiliza pilotis de ferro em“V” na posição simétrica a uma curva sustentada por dois pilotis simples, formando um nicho. É uma referência direta à marquise da Cidade de Refúgio (1929), em Paris, de Le Corbusier. Portanto, a primeira marquise veio até a arquitetura de Niemeyer quase que em sua forma original no Pavilhão do Ministério da Educação e Saúde; entretanto, no próprio cassino e na Igreja de São Francisco de Assis, ela sofre redesenhos criativos e sucessivos. A partir daí, Niemeyer desenvolverá seu próprio repertório na Casa de Baile (1940), onde a marquise acompanha, em parte, o desenho da ilha. Sua forma é original na arquitetura e uma referência direta ao “princípio biomórfico” de Hans Arp (1888-1966) e seu partido, segundo Carlos Eduardo Dias Comas:“A Casa de Baile parafraseia as casas de vidro de Mies e Philip Johnson, reinterpretando como elas o tema da cabana original”. [21] Na construção dessa marquise, temos também a combinação de círculos tangentes, como na Casa de Baile (1940). Niemeyer, ao fazer da geometria a construção efetiva de suas marquises, parece ter um pensamento ordenador racionalista sobre o projeto. Evidentemente, o desenho que ele apresenta dessas marquises a mão livre é mais contundente e expressivo do que seu resultado realizado com círculos, elipses curvas e retas. Essas formas “biomórficas” tiveram origem no Ministério de Educação e Saúde Pública (1936), realizado pela equipe brasileira aos cuidados de Oscar Niemeyer a partir de 1937, depois do golpe do Estado Novo, de Getúlio Vargas. Nesse projeto, também podemos observar que Niemeyer e Burle Marx trabalharam juntos no desenho do tapete “biomórfico” do gabinete do ministro Gustavo Capanema. Muito jovem ainda, Lúcio Costa fora nomeado professor da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. Logo nos anos 30, confia ao aluno Burle Marx sua primeira encomenda: o jardim da casa de Alfredo Schwartz, que ele então construía com Gregori Warchavchik. Costa e seu associado eram fervorosos adeptos de Le Corbusier e, em 1936, quando Costa ganhou o concurso do Ministério da Educação e Saúde, tiveram a felicidade de poder associar o próprio Le Corbusier à concepção definitiva do edifício. Mais uma vez, é Burle Marx quem ele chama para juntar-se à equipe, que, a partir de então, conta também com Oscar Niemeyer, outra figura essencial da arquitetura brasileira, e com quem ele igualmente trabalhará repetidas vezes. [22]
Devemos notar também que a solução final de Burle Marx nos jardins do
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MESP, com formas “biomórficas”, a partir de 1937, não corresponde ao desenho
Figura 4: Marquises.
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da maquete do projeto final da equipe brasileira, onde é evidente a semelhança com os jardins da Casa Schwartz, antes citada. Com isso, quero observar que não se trata de um acaso; de fato, o projeto das “formas biomórficas” no paisagismo de Burle Marx foi produzido para o MESP em 1938 e, muito provavelmente, essas características surgiram de um trabalho talvez conjunto entre esse paisagista e Oscar Niemeyer. Eles certamente influenciaram um ao outro. É do alto dos andares do Ministério que melhor discernimos esse desenho. Hoje, infelizmente, só as grandes massas desenhadas por Burle Marx continuam legíveis. Chegamos, no entanto, a conhecê-las, graças a um guache sobre cartolina, de 1938, que bem demonstra o papel desempenhado por seu talento de pintor na apresentação de seus projetos. Em compensação, as plantações propriamente ditas estão irreconhecíveis, resultado do pouco cuidado que lhes foi dispensado. O inter-relacionamento das essências escolhidas e sua alternância, o contraste das vegetações altas e baixas, bem como as oposições de coloridos e suas revocações de uma forma para outra, tudo isso desapareceu. Testemunho da intenção original de Burle Marx, o guache já de entrada surpreende pela ausência quase completa da cor verde. O artista parece oferecer aos usuários do Ministério uma autêntica pintura abstrata, pintura para ser contemplada, sim, mas pela qual também seria possível passear. [23]
Faço essa breve exposição porque vale a pena observar as diferenças entre as “formas biomórficas” de Burle Marx e de Oscar Niemeyer. Em Burle Marx, podemos ver, desde o projeto dos jardins do MESP, de 1938, um desenho mais orgânico, em que as curvas estão mais presentes, ao passo que, na marquise da Casa de Baile (1940), de Oscar Niemeyer, o desenho é construído, como já afirmei anteriormente, pela introdução da geometria, ou com a combinação entre arcos, que, na marquise do projeto no Hotel Resort (1943), também na Pampulha, formam uma elipse. Voltaremos a essa comparação. No entanto, quero ressaltar que o desejo orgânico presente nessa arquitetura de Niemeyer, de fazer com que sua arquitetura se instalasse na natureza, por meio das “formas biomórficas” de suas marquises, é da mesma ordem de um desenho vindo do interior da natureza no paisagismo de Burle Marx. Encontramos na marquise do projeto do Hotel Nova Friburgo, em Nova Friburgo/RJ, a proposta de interação entre arquitetura e natureza, e também a primeira interpenetração entre
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marquise e conjunto de arcos hiperbólicos sequenciais, que talvez pudéssemos considerar como uma característica orgânica de sua arquitetura. Na marquise do projeto Restaurante e Centro de Lazer, na Lagoa Rodrigo de Freitas/RJ, encontramos um conjunto de inter-relações de outras obras como: 1. O comprimento da marquise da Casa de Baile (1940);2. A rampa de acesso do Hotel Resort (1940);3. A ligação entre marquise e volutas sequenciais do Hotel de Nova Friburgo (1944-1945). Na marquise do Iate Clube Fluminense (1945), em Botafogo, encontramos a forma alongada da marquise do Hotel de Nova Friburgo (1944-1945), com a combinação tangente das retas ao círculo maior e menor. A marquise da Escola dos Meninos de Cataguases tem o “grau zero” em seus pilares em forma de “tronco” estilizado, uma representação de similaridade orgânica que estará presente em toda a obra de Niemeyer, dos anos 50 até o projeto da Ponte da Academia de Veneza (1985). Na marquise da Casa Burton Tremaine (1947), em Santa Bárbara, Califórnia, no recorte da laje da marquise, temos o “grau zero” das marquises antropomórficas, no estilo de Matisse. Talvez a obra em que temos conjuntamente os jardins de Burle Marx possa esclarecer as diferenças. É de fácil verificação que o desenho da marquise de Niemeyer possui um desenho mais geométrico, em que retas e curvas são combinadas. O desenho de Burle Marx, embora contorne a marquise, é mais orgânico e parece ter sido desenhado a mão livre. Uma das maiores marquises foi desenhada por Niemeyer no Hotel Quitandinha (1950), em Petrópolis, com o objetivo de estabelecer relação entre a implantação no solo do imenso volume do bloco curvo e a natureza. Na marquise do projeto do Hotel Regente (1949), em São Conrado, Rio de Janeiro, temos uma mistura entre a Casa Burton Tremaine (1947) e o desenho elíptico do Hotel Resort (1943). Na marquise da Fábrica Duchen (1950), vemos a combinação da elipse do Hotel Resort (1943), ligada por prolongamento, com formas “biomórficas”. Isso demonstra a oscilação constante, na obra de Niemeyer, entre uma forma mais abstrata e uma mais figurativa. Na marquise do Conjunto Juscelino Kubitschek (1951), em Belo Horizonte, temos uma ligação direta com a marquise elipsoidal. Na marquise do Palácio da Agricultura (1951), no Parque do Ibirapuera, encontramos o resultado de combinação entre retas e curvas e sua ligação ao edifício na forma do
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Conjunto Juscelino Kubitschek (1951). A forma “antropomórfica” da marquise do Parque do Ibirapuera (1951) tem semelhança evidente com “Swimmer in Pool”, de Matisse, na exposição “JAZZ”, no MOMA, em 1948, cujo catálogo reproduziu a publicação francesa de 1947 da Paris Publication of Editions Verve. O desenho da marquise do projeto inicial do Parque do Ibirapuera (1951) vem demonstrar a intencionalidade na estruturação do novo desenho, que passa de uma forma de tentáculos neurais orgânicos para um desenho antropomórfico próximo do “Swimmer in Pool” de Matisse. Uma única marquise estabelece o desenho da cobertura da Casa Oscar Niemeyer (1953), na Estrada das Canoas, 2310, em São Conrado, no Rio de Janeiro, aqui, novamente parafraseando as casas de vidro de Mies van der Rohe e Philip Johnson de maneira mais efetiva. Devemos observar, no entanto, que seu desenho não é exatamente o desenho “biomórfico” de Hans Arp (1888-1966), pois Niemeyer aproxima essa obra de um desenho mais racionalista nas concordâncias entre retas e curvas. Interagindo os dois desenhos, o da laje com o da planta, esse procedimento também pode ser considerado orgânico. Na marquise de laje recortada emoldurada por um quadrado, encontramos um desenho “antropomórfico” funcionando como terraço-jardim e cobertura, no volume de pirâmide invertida do projeto do Museu de Arte Moderna (1955) de Caracas, Venezuela. Essa marquise, ou laje recortada da pirâmide invertida, tem a cabeça da figura formada pela caixa de escada. Todo o desenho se encontra emoldurado pelo quadrado da pirâmide invertida. Essa figura foi construída, assim como a marquise do Conjunto do Ibirapuera (1951), para ser vista de avião, o que é um procedimento recorrente no arquiteto e da arquitetura moderna. A marquise com pilotis combinados de retas e curvas, engastada na forma de “casca construída por perfil elíptico”, é encontrada no terraço-jardim da cobertura do Edifício Residencial para a exposição Interbau, bairro Hansa, em Berlim. Já a marquise da biblioteca de Belo Horizonte (1955) tem sua construção compondo retas e curvas de maneira semelhante às do Hotel Quitandinha (1950), em Petrópolis, embora sua escala seja infinitamente menor. Nesses projetos do final dos anos 50, a analogia orgânica presidiu a construção das marquises, chegando até a mudança de repertório em Brasília. A constituição
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figurativa das colunatas de seus palácios prossegue também no período que denomino Pós-Brasília.
Formas cilíndricas O “grau zero” das formas cilíndricas é encontrado também no Conjunto da Pampulha. Utilizando-se de uma combinação de círculos (maior e menor) na construção do salão de baile do Cassino da Pampulha (1940), 56 Niemeyer determinou uma planta oval totalmente revestida de vidro, definida por Yves Bruand como forma de “pera”, ligada à planta quadrada do cassino por uma maestria do arquiteto: Niemeyer criou uma conexão com rampa e escadaria em curva, desconstruindo a rigidez no encontro entre os dois volumes. Essa estratégia, desenvolvida aqui de outra maneira, será utilizada na sede do jornal L’Humanité (1987), onde novamente um cilindro associado à curva do edifício cria uma desconstrução do desenho em “Y” da planta e privilegia um dos pontos dessa forma como fachada. As formas cilíndricas da Casa de Baile (1940) 57 também são resultado da composição entre dois círculos, como também a forma do trocador e do palco ao ar livre. O desenho é construído por dois círculos, o menor é interno ao menor. No círculo menor, teremos a pista de dança e as mesas e, na parte não comum da interseção entre os dois, teremos o palco, ladeado pelo equipamento de banheiros, bar e cozinha. Interessante observar que a “forma cilíndrica única” apareceu pouco depois no repertório de Oscar Niemeyer, até porque parece ter sido resultado de uma decisão de simplificação das composi-
O Cassino, sobre uma elevação do terreno à beira d’água, pode ser visto da Casa de Baile, situada no lado oposto da lagoa, assim como da terceira unidade do projeto, o Iate Clube. O programa compreende os salões habituais, as salas de jogos, o bar e o restaurante, com uma pista de dança e um palco, dispostos em três blocos, claramente reunidos, que expressam, pelas formas simples, com contornos preciosos, a função de cada elemento. A severidade aparente do conjunto é equilibrada pelo jogo de massas em comunicação, pela transparência das fachadas e dos interiores, como também pelos pilotis e brise-soleil do bloco arredondado e pelo contorno gracioso das marquises sobre a entrada, perto de uma escultura de Zamoiski (MINDLIN, Henrique E. Arquitetura moderna no Brasil. Trad. Paulo Pedreira. Prefácio de S. Giedion. Apresentação de Lauro Cavalcanti. Rio de Janeiro: Aeroplano, 1999, p. 88). 57 A Casa de Baile é um pequeno restaurante e casa de dança popular em uma ilha perto da barragem, com acesso por uma passarela. O salão é circular, mas a forma crescente das dependências de serviço construídas em torno dele confere uma forma ovoide à planta. O teto é uma placa de concreto que se prolonga em linha sinuosa, acompanhando o contorno da ilha. Na extremidade dessa marquise, há um lago de plantas ornamentais com um palco ao ar livre no lado oposto (MINDLIN, Henrique E. Arquitetura moderna no Brasil. Trad. Paulo Pedreira. Prefácio de S. Giedion. Apresentação de Lauro Cavalcanti. Rio de Janeiro: Aeroplano, 1999, p. 188). 56
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ções circulares. Portanto, o Estúdio de Dança em “forma cilíndrica”, encontrado no mesmo eixo do prédio prismático da Escola de Educação Física do Estádio Nacional (1941), é o “grau zero” da forma cilíndrica do arquiteto, construída efetivamente apenas 28 anos depois, na Universidade de Constantine (1969), em Argel, Argélia. Essa descontinuidade é justamente o que não permite, em um primeiro momento, reconhecer o trabalho de Niemeyer como o de um repertório em que as formas cilíndricas estão presentes, mesmo sem terem sido construídas, desde 1941. A forma cilíndrica com caixilho de vidro da Torre D’Água (1941), em Ribeirão das Lajes, no estado do Rio de Janeiro, tem, sem dúvida, influência da Ville Savoye (1929), em relação à planta quadrada sobre forma cilíndrica, e também em relação ao desenho da rampa. A maioria das obras de “forma cilíndrica” do arquiteto não foi construída no momento de sua criação, entre os anos de 1941 e 1944. Esse é o caso desta outra criação do arquiteto: a “forma cilíndrica sobre pilotis”, em uma extremidade, ligada por uma marquise sinuosa a um conjunto de volutas, que sobrepõem a marquise na outra extremidade. No Centro de Lazer da Lagoa (1944), há um desenho semelhante à Casa de Baile (1940), agora sobre pilotis. Esse procedimento vem a confirmar o redesenho como desenvolvimento da obra do arquiteto e a ele ainda deve ser somada a solução já ensaiada no Iate Clube da Pampulha (1940): “forma sobre plataforma”. A forma cilíndrica na biblioteca de Belo Horizonte (1955) estabelece uma relação indireta, conectada por uma forma cunhada, que parte do cilindro até a forma em curva do edifício sobre pilotis. Niemeyer tratou o volume cilíndrico com brise-soleil em toda a sua superfície, menos na conexão da forma cunhada com o volume curvo do edifício. O resultado gráfico do brise-soleil no volume já tinha sido usado inicialmente no edifício de escritórios Montreal (1950) e repetido no edifício Copan (1951), ambos em São Paulo. As formas cilíndricas, a partir de 1955, serão quase esquecidas nos projetos do arquiteto. Isso até 1969, quando voltarão a ser construídas em Argel. Du-
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Figura 5: Formas cilĂndricas.
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rante esse período, foram lembradas nos projetos para a cidade de Brasília. O primeiro projeto, não construído, foi o da Universidade de Brasília, em 1960, e tinha uma “forma cilíndrica única”, próxima ao corpo dos edifícios principais, curvos, paralelos e longilíneos, e encontrava-se desconectada dele, livre. O segundo, no projeto do Aeroporto de Brasília (1965), também não construído, tinha sua “forma cilíndrica” cercada por colunatas formando um peristilo coberto circular. Essa pequena utilização do repertório das “formas cilíndricas” no período poderia dar a impressão de que elas tenderiam a desaparecer; no entanto, a continuidade da obra de Niemeyer demonstra exatamente o contrário e tem ainda dois importantes períodos de grande utilização, um nos anos compreendidos entre 1969 e 1972 e outro entre 1978 e 1995.
Cúpulas e Calotas O “grau zero” da forma de cúpula, na obra de Oscar Niemeyer, encontra-se na Arena de Ginástica do Estádio Nacional (1941). Essa arena é cercada pelo prolongamento da estrutura, que avança formando um peristilo. O desenho da forma da cúpula é interrompido por uma curva invertida, produzindo o suporte para as arquibancadas, já prenunciando o estilo do arquiteto. Ou seja, Niemeyer, no Estádio Nacional (1941), nesse seu primeiro desenho da forma de “cúpula”, caracteriza-a por um duplo tratamento entre superfície e estrutura, em que há o desenho liso da superfície da cúpula de concreto e o desenho aparente de parte de sua própria estrutura. O engenheiro Emílio Henrique Baumgart (18891943), um pioneiro do concreto armado, especialmente no afinamento de estruturas e espessuras de concreto armado, e também um dos primeiros a construir cúpulas de concreto armado de grande diâmetro e pouca espessura, foi responsável pela realização dessa forma: “A cúpula do cinema Roxy, no Rio de Janeiro, com 32,6 m de diâmetro e apenas 7 cm de espessura, constituiu, em 1937, um feito notável no Brasil”. [24] Portanto, essa característica importante da obra de Niemeyer, contrapondo uma superfície lisa com a estrutura ou uma superfície com a estrutura aparente, foi iniciada com o brilhante engenheiro Emílio Hen-
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rique Baumgart e é uma constante em toda a obra do arquiteto, assim como o embate com o afinamento das estruturas, do qual Joaquim Cardozo será herdeiro. A primeira cúpula será construída pela primeira vez somente dez anos depois, no Palácio das Artes do Parque do Ibirapuera (1951), e a forma da cúpula será unicamente lisa externamente. No interior dessa cúpula, a superfície também é lisa, até porque Niemeyer projetou internamente uma estrutura de “forma arbórea”. Portanto, ela parece proposital, com o objetivo de contraste. A “forma arbórea” desprendida da cúpula possui rampas com desenho de ferradura, que dão acesso aos dois pisos acima do térreo e também ao sótão. Portanto, o contraste exterior é também obtido externamente, nas diferenças entre a forma de cúpula e a forma do auditório trapezoidal invertido, e entre a superfície lisa das duas formas e a marquise que liga as duas, formando um único conjunto. O desenho das lajes, no interior da cúpula, teve como modelo o primeiro pavimento de forma hexagonal com curvas para dentro em seus lados. A utilização do sistema estrutural ponte em arco encimado por outro arco, no projeto do Clube Libanês (1950), em Belo Horizonte, representa, na obra
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Figura 6: CĂşpulas e Calotas.
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de Niemeyer, a modenatura aberta pousada sobre terreno ou plataforma. Essa composição foi construída no Clube de Diamantina/MG (1950). Nesses dois projetos, observando exclusivamente a modenatura (dois arcos) e comparando com o Hospital Sul América (1952), teríamos o arco e o volume trapezoidal sobre plataforma e notaríamos a semelhança dos dois casos quanto à posição dos volumes, ambos voltados para baixo. Uma das características do estilo do arquiteto está na linguagem concretizada de pousar volumes arquitetônicos sobre a natureza. Essa categoria tem dois aspectos: o primeiro é abrir a modenatura do volume no contato com o terreno; o segundo é produzido com a inversão do volume, fazendo com que ele toque o solo ou a plataforma de maneira tangente, reduzindo o apoio. No caso do Palácio das Artes e do Auditório do Parque do Ibirapuera (Cúpula e Volume Trapezoidal Invertido), notaremos a semelhança com a modenatura do Congresso Nacional (1958), em Brasília: ambos encontram-se invertidos (cúpula e calota). Em um dos volumes a cúpula toca a plataforma, abrindo seu contato como se estivesse pousado sobre ela, : esta corresponde ao Senado. A outra calota toca a mesma plataforma na tangente da forma correspondente ao Congresso Nacional. Comparando com o Palácio das Artes e o Teatro do Ibirapuera proposto e não construído, temos: a modenatura da cúpula do Palácio da Artes e volume trapezoidal abertos sobre plataforma, compondo entre os dois formas invertidas semelhantes as do Congresso Nacional. Esta semelhança difere unicamente entre as formas que ficam invertidas, sendo estas: semelhantes no Congresso Nacional (Cúpula e Calota) e diferentes no Conjunto original proposto ao Conjunto do Ibirapuera (Cúpula e Forma Trapezoidal Invertida). Essa modenatura é desenvolvida com o sentido de arquitetura pousada, conforme linguagem de Niemeyer no Hospital Sul América (1952), e teve sua inspiração e origem no Clube Libanês (1950), em Belo Horizonte, e no Iate Clube Fluminense (1945). Coloquei esse exemplo de arcos entre as cúpulas em virtude da semelhança de suas modenaturas e também para evidenciar que foram os procedimentos de composição iniciados com os arcos que vieram a determinar os procedimentos de Niemeyer com as cúpulas. Em uma das propostas para o Congresso Nacional, encontrada em um con-
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junto de estudos, temos um estudo que corresponde à utilização de duas formas trapezoidais colocadas simetricamente em uma barra horizontal, que tem as “colunatas” do Anteprojeto do Palácio da Alvorada (1956). Essas formas trapezoidais serão substituídas pela cúpula e pela calota sobre plataforma horizontal. Entre esses Estudos Preliminares 58 para o Palácio do Congresso Nacional (1956-1957), encontramos outro dos primeiros partidos de Niemeyer; nele, há um “volume prismático” semelhante ao utilizado por Le Corbusier no primeiro projeto do MESP (1936) para a Praia de Santa Luzia. Esse “volume prismático” era proposto no mesmo sentido do eixo monumental e estava ladeado por uma cúpula e uma calota, onde funcionariam respectivamente o Senado Federal e a Câmara dos Deputados. Devemos notar que Niemeyer afirma uma mudança em seu trabalho, em seu “Depoimento” na revista Módulo, número 9, de fevereiro de 1958: “As obras de Brasília marcam, juntamente com o projeto para o Museu de Caracas, uma nova etapa no meu trabalho profissional. Etapa que se caracteriza por uma procura constante de concisão e pureza, e de maior atenção para os problemas fundamentais da arquitetura”. [25] O Museu de Arte Moderna de Caracas (1955), na Venezuela, é datado de 1954 ou 1955, ano em que Niemeyer está falando de sua mudança. Portanto, a mudança da forma trapezoidal pela cúpula e pela calota, em Brasília, é uma dessas mudanças de seu repertório mais utilizada até então, pois devemos notar que a cúpula que teve seu “grau zero” em 1941 no Estádio Nacional só foi construída em 1951 pela primeira vez no Palácio das Artes do Conjunto do Parque do Ibirapuera. Vale dizer que, quando foi proposta a cúpula para o Congresso Nacional (1956-1957), ela era, até aquele momento, um repertório pouco visto em sua obra e foi isso que possibilitou sua utilização no projeto. Portanto, o Congresso Nacional (1958), uma das obras preferidas do arquiteto, de uma inventividade reconhecida até por Le Corbusier, tem seu repertório constituído no início da obra de Niemeyer. Não descartamos aqui sua originalidade ímpar e todo o sentido que essa obra dá à arquitetura brasileira, mas devemos pontuar 58
Estudos Preliminares para o Palácio do Congresso em Brasília (1956-1957), inéditos, foram encontrados pela arquiteta Maria Helena Flynn no final da década de 1970 e incorporados por Júlio Roberto Katinsky em seu concurso de livre-docente no Departamento de História da FAU/USP. Hoje, os originais encontram-se perdidos.
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a utilização de um repertório conhecido. Ao contrário do aparente aceite das críticas sofridas no final dos anos 40, Niemeyer irá seguir o desenvolvimento dessas formas e seus repertórios até o fim; a meu ver, sabendo como ninguém trabalhar e redesenhar seu próprio repertório. Neste aspecto em que afirma que seu trabalho é invenção. Minha tese é a de que em duas de suas obras fundamentais: o Conjunto da Pampulha (1940-1942) e o Estádio Nacional (1941) encontramos o conjunto de repertórios formais que demonstrei e com os quais passa por Brasília e segue no período Pós-Brasília. A cidade de Brasília, a qual Niemeyer emprestou suas formas, funciona, ao nosso ver, como “A Porta do Inferno (1880-1917)” foi para Auguste Rodin (1840-1917), ou seja, como um eixo sintagmático de sua obra. No caso de Rodin, a maioria de suas esculturas foi para “A Porta do Inferno” inspirada em Dante ou saiu dela para serem esculturas independentes. Niemeyer tem construído em Brasília objetivamente, em nossa hipótese, todo o seu “Repertório de Formas”, ou seja, continuou a redesenhar suas formas vindas do repertório consolidado no início dos anos 40. Seguiu suas novas direções a partir das críticas e auto-crítica de 1948 criando no Museu de Caracas (1955) e Brasília com suas unidades arquiteturais, mas seguiu incorporando redesenhos de formas cilíndricas e outras anteriores a Brasília nos novos projetos que desenvolveu posteriormente para a cidade, depois da volta de seu exílio voluntário. Isso vem a confirmar que se encontra no conhecimento de seu repertório e no constante redesenho de sua obra a chave para entender a “criação constante” que Oscar Niemeyer afirma assertivamente em sua arquitetura. Nesta compreensão é que podemos entender o desapego à própria unidade arquitetural com que iniciou a construção de Brasília e as novas formas edificadas na Capital a partir de seu retorno ao Brasil. Nossa hipótese é que Nimeyer passou sua vida criando e redesenhando a partir de seu repertório, que teve sua origem partindo, mas diferenciando-se de Le Corbusier. Niemeyer controla o uso de seu repertório, um exemplo disto é a recuperação da forma cilíndrica no início dos anos 70 até 90, como: Universidade de Argel (1969-1972), no Museu do Índio (1981-88) e Memorial da América Latina (1986- 1991), sendo que todas estas obras foram realmente edificadas. Aqui
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procuro demonstrar como estas obras recuperam a forma cilíndrica proposta inicialmente para a Sala de Dança do Estádio Nacional (1941), que nunca havia sido construída até os anos 70, também redesenhos da forma original. No caso do Memorial, incorpora também as formas em arcos de repertórios posteriores ao Conjunto da Pampulha. A forma de cúpula que tinha sido proposta para o Ginásio do Estádio Nacional (1941) e nunca construída, veio a ser construída pela primeira vez no Conjunto Ibirapuera e posteriormente em Brasília no Congresso Nacional. Foram as formas de Brasília que consagraram definitivamente o arquiteto internacionalmente. Estas mesmas formas foram chave na consagração de Oscar Niemeyer na Europa. Para chegar às conclusões aqui apresentas, dividindo o repertório de Oscar Niemeyer, inicialmente, recorri a desenhos realizados em lápis sobre cartolina, separando como hipótese os principais repertórios e utilizando algumas sugestões formais do próprio arquiteto. Ao realizar estas divisões segundo um eixo temporal com suas respectivas formas, pudemos observar que as raízes deste repertório estavam em duas obras principais nas quais pudemos confirmar a nossa tese: O o Estádio Nacional e o Conjunto da Pampulha como já tínhamos afirmado anteriormente . Chegamos ao repertório final de nossa hipótese: 1. Volume telhado invertido/Volume Trapezoidal ou Prismático; 2. Pilares/Pilotis; 3. Arcos e Abóbadas; 4. Marquises; 5. Formas Cilíndricas e 6. Cúpulas e Calotas. Com este repertório pudemos entender melhor os procedimentos de projeto e criação da forma através do redesenho elaborado por Oscar Niemeyer. Quando mostrei meu trabalho ao mestre ele me perguntou: - De quem são estes desenhos? Respondi:- Uns são seus, outros são meus. Ele então afirmou: - Muito bem. Estes desenhos seguem ao texto.
Relação dos repertórios e obras estudadas (1938-1955):
1938 Casa de Fim de Semana de Oswald de Andrade (telhado invertido/arco abobadado) 1939 Casa M. Passos (telhado invertido) 1940 Cassino da Pampulha (pilotis “V”/formas cilíndricas/marquise) 1940 Iate Clube da Pampulha (telhado invertido) 1940 Casa de Baile da Pampulha (formas cilíndricas/marquise) 1940 Igreja de São Francisco de Assis (pilotis “V” curvo/arcos abobadados/marquise) 1941 Torre de Água em Ribeirão das Lajes (formas cilíndricas)
Marco do Valle
1941 Estádio Nacional (formas trapezoidais/pilotis estádio/arcos abobadados/cúpulas/marquise) 1943 Casa Juscelino Kubitschek (telhado invertido) 1943 Hotel Resort da Pampulha (telhado invertido/marquise) 1943 Teatro de Belo Horizonte (telhado invertido/pilotis estrutura/arco abobadado) 1944 Casa Prudente de Moraes (telhado invertido) 1944 Centro de Lazer da Lagoa (abóbadas sequenciais/formas cilíndricas/marquise) 1945 Iate Clube Fluminense (telhado invertido/marquise) 1946 Colégio Cataguases (pilotis tronco/marquise) 1947 CTA (auditório trapezoidal trabalhado/pilotis V/abóbadas sequenciais) 1947 ONU- Projeto 32 (auditório trapezoidal trabalhado/abóbadas sequenciais) 1947 Residência Gustavo Capanema (telhado invertido) 1947 Casa Burton Tremaine, Santa Bárbara, Califórnia (forma piramidal/abóbadas sequenciais/marquise) 1948 Auditório para o MESP (auditório trapezoidal/pilotis da estrutura) 1949 Hotel Regente (forma trapezoidal/abóbadas sequenciais/marquise) 1949 Residência do Arquiteto em Mendes (forma trapezoidal) 1950 Clube em Diamantina (pilotis da estrutura/arco abobadado estrutura) 1950 Fábrica Duchen (forma trapezoidal orgânica/pilotis da estrutura/abóbadas sequenciais/ marquise) 1950 Hotel Quitandinha Primeiro Projeto (pilotis V fechado/marquise) 1951 Conjunto Ibirapuera (forma trapezoidal/pilotis tronco e V/cúpula/marquise) 1951 Conjunto Juscelino Kubitschek (pilotis W/marquise) 1951 Escola Júlia Kubitschek (forma trapezoidal invertida/pilotis afinando) 1951 Hotel Tijuco/Diamantina (forma trapezoidal invertida/pilotis V/estrutura) 1952 Hospital Sul América (forma trapezoidal e abóbada/pilotis V/pilotis estrutura/abóbada) 1952 Casa Oscar Niemeyer/Estrada das Canoas (marquise) 1952 Posto de Gasolina/SP (abóbadas sequenciais) 1953 Colégios Estaduais, Campo Grande e Cuiabá, MS, Brasil (forma trapezoidal/arco abobadado) 1954 Residência Canavelas (forma trapezoidal curva/colunas curvas) 1955 Museu de Arte Moderna, Caracas (forma piramidal/marquise) 1955 Biblioteca Municipal de Belo Horizonte (forma cilíndrica/marquise) 1955 Edifício Bairro Hansa, Berlim (pilotis V/pilotis estrutura/marquise/abóbadas)
Referências das citações
01. NIEMEYER, Oscar (1992). Meu sósia e eu. Rio de Janeiro: Revan. 02. BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. 03. Ibidem. 04. Ibidem. 05. CARDOZO, Joaquim. “O episódio da Pampulha”. In: XAVIER, Alberto. Depoimento de uma geração. 06. NIEMEYER, Oscar. “Residência para o escritor Oswald de Andrade”, Arquitetura e Urbanismo (maio-jun. 1939). 07. NIEMEYER, Oscar. Meu sósia e eu.
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08. SEGAWA, Hugo. “Os mineiros e arquitetura moderna”, Projeto 81 (novembro de 1985). 09. PENEDO, Alexandre. Arquitetura moderna de São José dos Campos. Fundação Cultural Cassiano Ricardo/Johnson & Johnson Ind. Com. Ltda. 10. BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. 11. Ibidem. 12. PENEDO, Alexandre. Arquitetura moderna de São José dos Campos. Fundação Cultural Cassiano Ricardo/Johnson & Johnson Ind. Com. Ltda. 13. BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. 14. TAFURI, Manfredo (1970). “Las estructuras del lenguaje en la historia de la arquitectura moderna”. In: Teoría de la projetación arquitectónica. Barcelona: Gustavo Gili Barcelona, pp. 35-36. 15. Ibidem, pp. 36-37. 16. Ibidem, p. 40. 17. CUVIER, G. (s.d.). Recherches sur le ossements fossiles, Discours préliminaire. Paris: s.n., pp. 60-61. O Discours préliminaire a essa obra foi traduzido por R. Kerr como Essay on the theory of the Earth. Edimburgo e Londres: s.n., 1813. Essa passagem aparece nas páginas 94-95. Também foi publicado separadamente em francês com o título Discours sur le révolutions de la sur face du globe. Paris: s.n., 1825. 18. STEADMAN, Philip (1982). Arquitectura y naturaleza: Las analogías biológicas en el diseño. Rosário, Madrid: H. Blume, p. 60. Título original: The evolution of designs. s.l.: Cambridge University Press, 1979. 19. Ibidem, pp. 59-60. 20. NIEMEYER, Oscar (1986). Como se faz arquitetura. Petrópolis: Vozes, p. 67. 21. COMAS, Carlos Eduardo Dias (1994). “A legitimidade da diferença”, Arquitetura e Urbanismo 55 (agosto-setembro), p. 52. 22. CAILLOIS, Roger (1996). “Jardins impossíveis”. In: LEENHARDT, Jacques (org.). Nos jardins de Burle Marx. São Paulo: Perspectiva, p. 15. Título original em francês: Dans les jardins de Roberto Burle Marx. s.l.: Actes Sud, 1994. 23. Ibidem, pp.15-16. 24. VASCONCELOS, Augusto Carlos de (1992). O concreto no Brasil. São Paulo: Pini, p. 25. NIEMEYER, Oscar (1958). “Depoimento”, Módulo 9 (fevereiro), pp. 3-6.
Fonte das imagens Figura 1: Autor, 1998. Figura 2: Autor, 1998. Figura 3: Autor, 1998. Figura 4: Autor, 1998. Figura 5: Autor, 1998. Figura 6: Autor, 1998.
Sobre os autores
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Alex Carvalho Brino Graduado em Arquitetura e Urbanismo na UFRGS (1999). Atua como arquiteto em Porto Alegre. Realizou mestrado em Teoria, História e Crítica da Arquitetura no PROPAR - UFRGS (2004). É professor adjunto na UNIVATES e UNISC, onde atua desde 2004. É coordenador do Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da UNIVATES desde 2007. É pesquisador integrante do grupo de pesquisa “Lucio Costa: Obra Completa”.
Anna Paula Canez Graduada em Arquitetura na UFRGS (1988). Realizou mestrado (1996) e doutorado (2006) – PROPAR/UFRGS. É Professora Titular da UniRitter, onde atua desde 1990, líder do grupo de pesquisa “Lucio Costa: Obra Completa” e coordenadora do Mestrado Associado em Arquitetura e Urbanismo UniRitter/Mackenzie. Participa como colaboradora de escritório de arquitetura. É autora dos livros; “Fernando Corona e os caminhos da arquitetura moderna em Porto Alegre”; “Arnaldo Gladosch: o edifício e a metrópole” e coautora de; “Acervos Azevedo Moura & Gertum e João Alberto: imagem e construção da modernidade em Porto Alegre”; “Arquiteturas Cisplatinas: Roman Fresnedo Siri e Eládio Dieste em Porto Alegre e Composição, partido e programa: uma revisão crítica de conceitos em mutação”. Em 2007 coordenou a edição fac-similar do livro “Lucio Costa: sôbre arquitetura”, organizado por Alberto Xavier.
Danilo Matoso Macedo Graduado em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 1997), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, 2003), Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ENAP, 2004), doutorando em Arquitetura e Urbanismo (UnB, 2012-2015). Foi professor substituto de projeto arquitetônico na Escola de Arquitetura da UFMG (2003) e professor no Curso de Arquitetura e Urbanismo do UniCEUB Brasília (2003-2005). É arquiteto da Câmara dos Deputados desde 2004. Possui escritório próprio desde 1996, sendo atualmente sócio do escritório MGS Macedo, Gomes & Sobreira. Participa de concursos nacionais e internacionais de arquitetura, tendo recebido premiações em diversos deles. É fundador (2007) e coordenador do Núcleo Docomomo Brasília. Escreveu o livro “Da matéria à invenção: as obras de Oscar Niemeyer em Minas Gerais, 1938-1955” (2008); e organizou com Fabiano Sobreira o livro “Forma estática forma estética: ensaios de Joaquim Cardozo sobre arquitetura e engenharia” (2009). É fundador e editor da revista de Arquitetura e Urbanismo MDC.
Elcio Gomes da Silva Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (1995), Doutor pela mesma instituição (2012). Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em desenvolvimento de projetos. É coordenador do Núcleo de Arquitetura da Câmara dos Deputados, que abriga a Seção de Patrimônio Histórico e Arquitetônico, Seção de Acessibilidade e Projetos Sustentáveis e Seção de Gerenciamento e Planejamento do Espaço Físico.
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Oscar Niemeyer: possíveis outros olhares
Eunice Helena Sguizzardi Abascal Possui graduação pela Faculdade de Arquitetura Mackenzie (1982), mestrado em Programa de Pós-graduação em Comunicação e Letras - Unversidade Presbiteriana Mackenzie (1996), mestrado em Ciências Sociais pela Escola Pós-Graduada de Ciências Sociais da FESP-SP (1986) e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (2004). Atualmente é Professor Adjunto I - FAU Mackenzie e docente permanente do Programa de Pos-graduacao em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Latino-Americana, atuando principalmente nos seguintes temas: arquitetura paulista contemporânea, arquitetura, historiografia, ensino de arquitetura e espaços públicos.
Farès el-Dahdah Possui graduação em Belas Artes e Arquitetura - Rhode Island School of Design (1986 e 1987). É Doutor em Design (1992) e Mestre (1989) em Arquitetura e Urbanismo pela Harvard University. Atualmente é professor de arquitetura na Rice University onde coordena o Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e dirige o projeto arkheBrasil. Co-organizou, o livro “Roberto Burle Marx 100 anos: a permanência do estável”, organizou “Lucio Costa: Brasilia´s Superquadra”, tendo ainda colaborado nas obras “A doce revolução de Oscar Niemeyer” e “Brasília: l’èpanoussement d’une capitale”. Participou dos projetos de organização dos acervos da Fundação Oscar Niemeyer e da Casa de Lucio Costa, nas quais atua como conselheiro. Seus diversos ensaios sobre história e teoria da arquitetura da arquitetura tem sido publicados em revistas de vários países.
Marco do Valle Possui doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (2000), mestrado em Artes pela Universidade de São Paulo (1991) e graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1982). Atualmente é professor doutor da Universidade Estadual de Campinas, atuando principalmente nos seguintes temas: Arte Contemporânea e Arquitetura.
Marcos Almeida Arquiteto, Professor Titular e Coordenador Setorial de Extensão e Atividades Complementares do Curso de Arquitetura da UniRitter Laureate International Universities. Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1997) e Pós-Graduado com Mestrado em Arquitetura na área de Teoria História e Crítica pelo PROPAR - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2004). É pesquisador integrante do grupo de pesquisa “Lucio Costa: Obra Completa”.
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Simone Neiva Professora Doutora da Universidade Vila Velha (2011-2014). Membro do corpo docente permanente do Programa de Graduação em Arquitetura Urbanismo. Membro do Núcleo Docente Estruturante (2014). Graduada (UFES/1994) em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Espírito Santo, Especialista (2000/PUCRio) em História da Arte e História da Arquitetura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Mestre (2003/TODAI) em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Tóquio, Doutora (2007/FAUUSP) em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, possui pós-doutorado (2010/FAUMack) em Projeto de Arquitetura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Consultora da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO/ 2007). Integrou os grupos de Pesquisa da Fundação Japão/Universidade de Tóquio (2005-2006) e da Universidade Presbiteriana Mackenzie (2011-2013). Membro do Grupo de Pesquisa ArqCidade da Universidade Vila Velha (2014) atua nos seguintes temas: ensino de arquitetura e urbanismo; percepção e forma arquitetônica; estudo dos procedimentos e processos de projeto em suas diversas escalas do edifício à cidade; patrimônio histórico; cultura, arquitetura e urbanismo japonês.
Wilson Flório Graduado em Arquitetura e Urbanismo na UPM (1986). Atuou como arquiteto durante 20 anos em São Paulo. Concluiu Especialização em Didática no Ensino Superior na UPM (1995). Realizou Mestrado em Arquitetura na FAU Mackenzie (1998) e Doutorado na FAU USP (2005). É professor adjunto na FAU Mackenzie, onde atua desde 1992. Líder do Grupo de Pesquisa “Arquitetura, Processo de Projeto e Análise Digital”, cadastrado no CNPq desde 2005. É professor adjunto no IA UNICAMP, onde atua desde 2007. É autor do livro “Projeto Residencial Moderno e Contemporâneo: análise gráfica dos princípios de forma, ordem e espaço de exemplares da produção arquitetônica residencial”, volumes I e II. Tem capítulos de livros sobre processo de projeto, e também publicações em revistas nacionais/internacionais e eventos científicos na área de processo de projeto e tecnologias digitais. Atualmente é revisor da CAPES e da FAPESP, com pesquisas financiadas pelo CNPq, FAPESP, FINEP e CAPES.