Mテ好IA PARAIBANA EM DEBATE: Comunicaテァテ」o, Cultura e Polテュtica
Coletivo COMjunto de Comunicadores Sociais Observatório da Mídia Paraibana
Editora Xeroca! A Editora Xeroca! é fruto do Coletivo COMjunto de comunicadores sociais. Carrega consigo uma das bandeiras mais levantadas pelo coletivo, a da Democratização da Comunicação. Possibilitando o compartilhamento de ideias, pesquisas e de diversos pontos de vista através da mídia impressa, com a linha editorial voltada para a desconstrução das relações opressoras da sociedade. Foge da lógica do lucro, tendo como prioridade a circulação e o acesso, os livros serão produzidos e vendidos a baixo custo. A Xeroca! é imperativo de reprodução, de Creative Commons, que entende a noção de direito autoral como o direito de todo autor de ter suas publicações lidas, compartilhadas por aí, longe do mofo. Missão Publicar livros de baixo custo que possam promover o debate critico sobre a sociedade, cultura, educação e comunicação, estimulando à leitura e à produção.
CONSELHO EDITORIAL Cecília Bandeira Delosmar Magalhães Isa Paula Morais Juliana Terra Mayra Medeiros CONSELHO FISCAL Alexandre Santos Isadora Dias Lucas Pontes
Dérika Virgulino Janaine Aires Organizadoras
MÍDIA PARAIBANA EM DEBATE: Comunicação, Cultura e Política
1ª Edição Autores Allysson Viana MARTINS Clara Bezerril CÂMARA Dérika Correia Virgulino DE MEDEIROS Janaine S. Freires AIRES Jocélio DE OLIVEIRA Laíza Félix DE AGUIAR Mabel Dias DOS SANTOS Suzy DOS SANTOS Virgínia de Oliveira SILVA Wellington PEREIRA
João Pessoa Editora Xeroca! 2013
PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Dérika Virgulino e Janaine Aires CAPA Janaine Aires REVISÃO Virginia de Oliveira Silva
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Mídia Paraíbana em debate: Comunicação, Cultura e Política/ Dérika Virgulino e Janaine Aires, organizadoras; Allysson Viana Martins [et al.] – João Pessoa: Editora Xeroca!, 2013. ISBN: 978-85-67001-01-2 1. Mídia 2. Paraíba. 3. Processos Comunicacionais. 4 Análise Midiática. Medeiros, Dérika Correia Virgulino de & Aires, Janaine Sibelle Freires II. Título. CDD 070
Sumário Apresentação ............................9
Dérika Correia Virgulino de MEDEIROS e Janaine S. Freires AIRES
Prefácio.....................11 Dissecando a Mídia Paraibana, expondo suas vísceras e esqueleto Virgínia de Oliveira SILVA
Jornalismo de qualidade na internet: um diagnóstico dos portais de notícia paraibanos........................17 Allysson Viana MARTINS Laíza Felix de AGUIAR
A inscrição do cotidiano no jornalismo impresso (o artesanato da pesquisa)..........................33 Wellington PEREIRA
“Mulher não é só bunda e peito”: a exploração do corpo feminino pelo Jornal JÁ Paraíba......................41 Mabel Dias dos SANTOS
A gente se vê na “Tela da Verdade”: as lições de um programa policial na Paraíba.................55 Jocélio de OLIVEIRA
O jornalismo político e o jogo de poder na Paraíba..................67 Clara CÂMARA
O retrato dos paradoxos da comunicação brasileira e da “não regulação” na estrutura midiática da Paraíba...............77 Janaine S. Freires AIRES Suzy dos SANTOS
Rádio comunitária: “a menina dos olhos” da política patrimonialista brasileira..................................91 Dérika Correia Virgulino de MEDEIROS
Apresentação A mídia é parte da realidade que forma a nossa existência. Debatê-la é, de certa forma, colocar em discussão o movimento material e simbólico que promovemos no nosso dia-a-dia. “Mídia Paraibana em Debate: Comunicação, Cultura e Política” traz estudos sobre os processos de mediação que se desenvolvem pelos meios de comunicação da Paraíba. O objetivo é apresentar um panorama midiático do estado, para, por meio dele, ouvir o que os estudos sobre os meios de comunicação nos dizem sobre a nossa história e as nossas relações sociais, econômicas e políticas. Ao mesmo tempo em que reflete sobre o movimento que promovemos no ambiente social da mídia, “Mídia Paraibana em Debate” também é parte de um movimento. Afinal, é fruto da provocação de uma convergência que levou os nove autores a se empenharem na reflexão sobre a mídia da Paraíba, estado que os une. O movimento que resultou neste trabalho é composto não só pelo desejo de estimular a produção crítica sobre a mídia, mas também de suscitar o debate permanente sobre essa realidade. Tarefa que, evidentemente, não se esgota no conjunto de pesquisas que apresentamos. Os textos, embora tratem de assuntos distintos, compartilham da perspectiva de que o enriquecimento das relações que se processam na mídia só é possível de acontecer através do desenvolvimento pari passu da crítica e da reflexão. Por isso, a proposta que orienta a presente produção é colaborar para o aprofundamento do debate sobre as singularidades da mídia paraibana. Provocando questionamentos, expondo dados característicos, revelando as angústias que nos afetam e nos instigam a buscar o conhecimento, insistimos na importância central da mídia para a compreensão da cultura, da sociedade e da política. Dérika Virgulino e Janaine Aires Organizadoras
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Prefácio
Dissecando a Mídia Paraibana, expondo suas vísceras e esqueleto. Virgínia de Oliveira Silva1 Toda e qualquer produção humana é passível de reflexão, avaliação e análise crítica. A partir do resultado dessas ações, pode-se sempre corrigir rotas, alterando, ampliando, reduzindo ou mesmo extinguindo processos, e, na melhor das hipóteses, otimizar todo o produto final. A produção midiática não é diferente das demais produções humanas e, portanto, não está isenta dessa possibilidade. O que Mídia Paraibana em Debate: comunicação, cultura e política, publicação primorosamente organizada pelas jornalistas formadas pela Universidade Federal da Paraíba e mestrandas em Comunicação na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Dérika Virgulino e Janaíne Aires, nos oferece ao longo de seus sete artigos é exatamente a exemplificação do exercício do debruçar atento e apurado sobre a questão da produção da mídia paraibana, em específico, mas também da mídia como um todo, se considerarmos as diversas problemáticas aqui apresentadas em uma perspectiva mais ampla e geral – o que de fato nos parece ser perfeitamente possível. A presente publicação inaugura os trabalhos da Editora Xeroca! – proposta por membros do Coletivo COMjunto de Comunicadores Sociais, que, inclusive, dela participam como autores(as), embora haja outros(as) externos(as) a este grupo - e possui o intento de, se não instaurar, pelo menos contribuir para o debate sobre alguns dos diversos aspectos que envolvem a temática da produção da mídia no Estado da Paraíba, dissecando-a, trazendo-a à luz sob a trifurcação presente nos eixos da comunicação, da cultura e da política. Assim, poderíamos dizer que o primeiro fato interessante e positivo que se pode observar desde a gênese de tal publicação é o seu caráter coletivo e coletivizante, vale dizer: agregador. Os sujeitos que nos propõem tais desdobramentos reflexivos são profissionais e acadêmicos envolvidos direta e indiretamente com questões 1 Pós-Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Professora do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB); Doutora (Uff) e Mestre em Educação (UFRJ); Licenciada em Letras (UFRJ) e Bacharel em Comunicação Social (UFPB). Membro do Coletivo COMJunto de Comunicadores Sociais; Coordenadora do Projeto Cinestésico Cinema e Educação (UFPB) e do Projeto Educação Legal (UFPB). Líder do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas, Gestão Educacional e Participação Cidadã (UFPB); Pesquisadora dos Grupos de Pesquisa Currículo, Redes Educativas e Imagens (UERJ) e Culturas e Identidades no Cotidiano (UERJ). Membro do Grupo de Trabalho Educação e Comunicação da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED). cinestesico@gmail.com
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pertinentes aos afazeres práticos e teóricos da mídia paraibana. Tal fato nos proporciona um leque de riqueza e variedade nas produções textuais que esse livro encerra, ao cortar a carne, afastar a gordura que recobre e encobre os órgãos e intestinos da mídia paraibana, para, enfim, revelar o seu esqueleto, ou seja, exatamente o cerne daquilo em que ela se ampara e se estrutura comunicacional, política e culturalmente. Como veremos a seguir. No artigo Jornalismo de qualidade na internet: um diagnóstico dos portais de notícia paraibanos, o doutorando em Comunicação na UFBA Allysson Viana Martins e a jornalista Laíza Félix de Aguiar analisam quatro sites jornalísticos paraibanos, detentores dos maiores índices de acesso, mensurados em 31/03/2013, de acordo com o site de aferição “Alexa”. Assim, pesquisando os atributos específicos do meio escolhido, os autores buscam verificar a qualidade do jornalismo produzido na web, a partir de fichas de análises, realizando um diagnóstico dos sites Portal Correio, Folha do Sertão, PB Agora e Diário do Sertão. Na tarefa de identificar o caráter qualitativo desses veículos, dialogando com autores como Benedeti (2009), Cerqueira (2010), Christofoletti (2010), Guerra (2010a; b; c), Lima (2010), Palacios (2008; 2011), Sousa (2010) e Ziller (2011), dentre outros, Martins e Aguiar oferecem-nos um panorama dos sistemas de comunicação on-line na Paraíba, cotejando o extenso material que levantaram, a saber: arquitetura da informação (geral), hipertextualidade, interatividade, multimidialidade, banco de dados, memória, blogs e design. Wellington Pereira, professor do Curso de Comunicação Social da UFPB, em seu artigo A inscrição do cotidiano no jornalismo impresso (o artesanato da pesquisa), oferece fundamentação teórico-filosófica para uma linha de pesquisa interessada em promover a leitura do cotidiano na mídia e, ao mesmo tempo, inscrever a mídia no cotidiano. À luz dos autores Freund (1981), Grawitz (1983), Horgan (1998), Juan (1991), Maffesoli (1995), Mills (2009), Pereira traz à tona relevantes apontamentos de pensadores como Le Play, Tocqueville, Marx, Dilthey, Simmel, Durkheim, Husserl, Weber, Kuhn e Bourdieu, a respeito da importante temática do estudo da vida cotidiana e do caminho percorrido pela Sociologia, compreendida como ciência, desde a sua protogênese até os dias de hoje. Imbuído nesse riquíssimo arcabouço teórico e reconhecendo que “o cotidiano como objeto de pesquisa e de inscrição em linguagens específicas é polissêmico e mutável”, o autor estabelece três maneiras de observação para a inscrição do cotidiano nas linguagens da mídia: valorizar o imaginário das sociedades; identificar as alteridades; e estudar tanto a apropriação dos discursos populares pela mídia quanto a apropriação da mídia pelos discursos populares. “Mulher não é só bunda e peito”: a exploração do corpo feminino pelo Jornal JÁ Paraíba, artigo escrito pela jornalista Mabel Dias, que, se por um lado, nos situa em relação à 4ª posição que o estado paraibano ocupa dentre as unidades 12
da federação brasileira em que mais há homicídios femininos, de acordo com o Mapa da Violência 2012, por outro, nos informa sobre a luta do movimento feminista paraibano para pautar a mídia televisiva, radiofônica, impressa e virtual, tanto para denunciar este problema quanto para promover a cobrança social junto ao poder público para que providencie políticas públicas que resolvam tal questão. Dias, em diálogo com Bourdieu (1998), Moreno (2012), Rosário (2004), Lira e Veloso (2008), dentre outros, analisa a ocorrência, a despeito desta bruta realidade, de violência simbólica e de gênero na coisificação do corpo feminino, estampado seminu e erotizado, além de jocosamente legendado, de segunda a sábado nas capas do jornal JÁ Paraíba, pertencente ao Sistema Correio de Comunicação e vendido a R$ 0,25. Para conseguir tal intento, a autora debruçase reflexivamente sobre 16 capas do referido jornal, publicadas ao longo dos 6 meses compreendidos entre dezembro de 2012 e maio de 2013. Dias nos aponta possíveis saídas para a problemática analisada: o controle social da mídia, a horizontalidade da comunicação, proposta por Paulo Freire, e a oferta de educação de qualidade. O próximo artigo põe na berlinda o programa jornalístico paraibano, de cunho policial e líder de audiência, que vai ao ar de segunda a sábado, por uma hora e meia no horário do almoço, na TV Correio, afiliada da Rede Record: o Correio Verdade e seu apresentador Samuka Duarte. Ao analisar o espaço reservado à exibição de crimes na TV, partindo do princípio que esse veículo ocupa posição central na vida das pessoas, o mestrando em Comunicação na UFPB Jocélio de Oliveira nos oferece à leitura o seu artigo A gente se vê na “Tela da Verdade”: as lições de um programa policial na Paraíba, fazendo interlocuções com Aires (2012), Fechine (2001), Joron (2004), Carvalho Júnior (2010), Pereira (2007), Tondato (2007), Vizeu (2002) e Veloso (2013). Oliveira destaca a vivência da fé como predominante aspecto partilhado entre o público e o programa; aponta que seu apresentador, ao realizar uma espécie de catequese midiática, em sua postura paterna com autoridade religiosa, ganha ares de conselheiro, orientador ou mesmo pastor; e afirma que o maniqueísmo presente na maneira como os assuntos são abordados no programa divide as pessoas e o mundo em dois lados: o “bem” e o “mal”. Segundo o autor, a performance, por vezes, surpreendente e lúdica de seu comunicador, ao fazer merchandising de algum produto comercial no meio do programa, garante a sua sobrevivência, a permanência do Correio Verdade no ar e atenua o horror apresentado aos telespectadores ao lado de sua refeição diária. Clara Câmara, mestranda em Comunicação na UFPB, em seu artigo opinativo O jornalismo político e o jogo de poder na Paraíba, interage com as reflexões de Bagdikian (1999), Bobbio (2002), Charaudeau (2012), Gomes (2004), Lima (2006) e Miguel & Biroli (2010), concentrando-se, primeiramente, em caracterizar 13
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o jornalismo político local e nacional. Em segundo lugar, apresenta a estreita relação dos proprietários de empresas de comunicação com o fazer político como a principal característica do jornalismo político executado na Paraíba. Em seguida, Câmara analisa as fronteiras determinantes desta característica e suas possíveis causas e conseqüências; e finaliza apresentando um perfil do jornalismo político paraibano, bem como justificativas para a promoção de debate sobre o enredamento existente entre os dois principais grupos de comunicação no estado paraibano, o Sistema Correio de Comunicação e a Rede Paraíba de Comunicação, e as divisões políticas presentes na Paraíba. Ressalvando que tais vínculos não explicam per si o atavismo que a política e a mídia paraibana vivenciam ao longo dos tempos, a autora propõe o enquadramento do jornalismo político paraibano naquilo que classifica como “jornalismo de poder”. O penúltimo artigo da presente publicação é O retrato dos paradoxos da comunicação brasileira e da “não regulação” na estrutura midiática da Paraíba, produzido a quatro mãos pela mestranda em Comunicação na UFRJ Janaíne Aires e pela professora da Escola de Comunicação da UFRJ Suzy dos Santos, no qual problematizam os resultados da concentração das concessões midiáticas tanto sobre o processo de produção quanto sobre o acesso à informação na Paraíba. Para isto, as pesquisadoras socializam e analisam dados sobre as empresas de radiodifusão, divulgados pelo Ministério das Comunicações no início de 2013. Aires e Santos trazem a colaboração reflexiva de Leal (1997), Mastrini & Mestman (1996), Mitinick (1989), Motter (1994), Ramos (1992; 2005; 2007), Rego (2008), dentre outros e se utilizam do conceito de “coronelismo eletrônico” para compreender a questão local, sem descuidar da relevância que o tema que abordam também possui no cenário nacional. As autoras cruzam os nomes dos detentores de concessões radiodifusoras na Paraíba com suas respectivas árvores genealógicas, atentando para o vínculo que mantêm/mantiveram com a propriedade de terras, mas, sobretudo, com o revezamento de cargos políticos eletivos na região ao longo de décadas. O resultado é impressionantemente revelador. Concluem que urge a retomada, com uma faceta mais política que técnica, do debate sobre a comunicação no Brasil, “com o objetivo de refletir sobre o processo de formação do Estado brasileiro e de suas amarras políticas e culturais, sob a proposta de superá-las.” Dérika Correia Virgulino de Medeiros, mestranda em Comunicação na UFRJ, em seu artigo Rádio comunitária: “a menina dos olhos” da política patrimonialista brasileira, apresenta a transformação que o conceito de rádio comunitária vem sofrendo ao longo dos anos: de instrumento de luta dos movimentos sociais à promotora política de interesses particulares. Medeiros faz referência à produção de autores como Caparelli & Santos (2005), Carvalho (1997), Leal (1997), Lima (2011), Santos (2005), para citar apenas alguns, e aponta, como outros sujeitos 14
desta publicação também o fazem, o vínculo existente entre comunicação e política na cultura nacional, manifesto, sobretudo, na concentração das concessões midiáticas por alguns grupos empresariais e políticos, facilitando o balcão de negócios que caracteriza a radiodifusão no Brasil e impossibilitando à sociedade a apreensão de um bem público: o que se denomina “coronelismo eletrônico”. A autora analisa ainda a nova predicação proposta por Lima (2011): “coronelismo eletrônico de novo tipo”, a partir de características adquiridas no contexto local (mas com extensões nacionais), pelo fato das rádios comunitárias passarem às mãos de prefeitos e vereadores, após os municípios conseguirem maior autonomia ao receberem o estatuto de entes federativos na Constituição Federal de 1988. Não obstante, Medeiros descortina perspectivas esperançosas em relação à possibilidade de reorganização dos movimentos sociais para a tomada de posse dos veículos de comunicação comunitária, a partir do advento das novas tecnologias digitais e seus múltiplos usos. Artigos devidamente apresentados, destacamos, por fim, a importância e a pertinência de se realizar a presente publicação, direcionada, de um modo específico, a profissionais, estudantes e pesquisadores do campo da Comunicação, bem como, de um modo geral, a todos os cidadãos que se preocupem efetivamente em enxergar (muito além de sua superfície epidérmica) e (quem sabe?) transformar a essência, os rumos e o cenário da mídia paraibana. Desejamos, assim, aos sujeitos leitores uma profícua reflexão sobre os temas abordados em Mídia Paraibana em Debate: comunicação, cultura e política e vida longa à Editora Xeroca!
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Jornalismo de qualidade na internet: um diagnóstico dos portais de notícia paraibanos Allysson Viana Martins2 Laíza Felix de Aguiar3 Introdução As pesquisas sobre qualidade no jornalismo perpassam questões que buscam compreender o que é qualidade e como garanti-la. Estudam-se também os critérios e os métodos de medição, refletindo se seriam específicos à análise do jornalismo na internet (em situações mais atuais) ou se possuem um alcance maior em sua aplicação e sua concepção, abarcando a produção em outras mídias, ainda que se resguardem as propriedades, os processos, as lógicas e os constrangimentos de cada uma. Algumas indagações são frequentes, como: o que é qualidade? Como defini-la e de que maneira garanti-la? Existe uma régua para medir a qualidade no jornalismo? Quais critérios devem ser levados em consideração para realizar essa análise? Esses aspectos podem ser aplicados ao jornalismo produzido em qualquer mídia ou devemos considerar o suporte no qual a produção está assente? Essas são algumas perguntas que pairam nas mentes de estudantes, profissionais, professores e pesquisadores de jornalismo. A qualidade jornalística pode ser avaliada através de diversas perspectivas, como conteúdo do produto midiático, instituição jornalística, organização profissional, interesse (do) público, entre outras. Neste artigo, a análise parte das características próprias do meio, acreditando que as especificidades da cibercultura, internet e web traduzem a eficiência dos produtos comunicacionais e jornalísticos. Os sites jornalísticos incorporam as potencialidades e as capacidades para trazer um produto de qualidade ao público, através de cada mídia. Propomos, então, um diagnóstico dos portais noticiosos da mídia paraibana a partir de algumas fichas de análise. Revelamos o caráter qualitativo desses veículos na internet, realizando um panorama dos sistemas de comunicação online do estado. A avaliação dos quatro sites e portais jornalísticos paraibanos selecionados 2 Jornalista. Doutorando e Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas (PósCom) pela UFBA. Integra o Grupo de Pesquisa em Jornalismo On-Line (GJOL). Publicou o e-book Crossmídia e Transmídia no Jornalismo, em 2011, e o artigo De Volta ao Passado nos Dez Anos do 11/9, no Encontro Anual da Compós, em 2013. E-mail: allyssonviana@gmail.com 3 Jornalista. Bacharel em Comunicação Social (Jornalismo) pela UFPB. Integrou o projeto “Modernização Tecnológica e Desenvolvimento Social. Um estudo das mídias digitais” sob orientação do Prof. Dr. Cláudio Cardoso de Paiva, entre 2009 e 2010, como bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). E-mail: laizafelix@gmail.com
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será feita através de ferramentas de análise desenvolvidas pelos pesquisadores do Grupo de Jornalismo On-line (GJOL) da UFBA e da Universidade da Espanha, cuja produção pode ser observada na publicação organizada pelo professor Marcos Palacios (2011). Os caminhos são indicados para a verificação da qualidade do jornalismo produzido na web, baseado nas especificidades de onde o produto está assente. As fichas seguem as características do que denominam de meios ciberdigitais, detendo-se a critérios como: arquitetura da informação (geral), hipertextualidade, interatividade, multimidialidade, banco de dados, memória, blogs e design.
O conjunto de quatro sites noticiosos produzidos na capital e em cidades do interior da Paraíba nos permite compreender e traçar um panorama da qualidade do webjornalismo praticado no estado. Aqui, visamos à realização de um diagnóstico dos sites mais acessados, apostando que eles devem empregar todos os recursos possíveis do meio para conquistar e manter sua audiência. As fichas foram aplicadas nos quatro sites jornalísticos paraibanos de maior acesso, segundo os índices do site Alexa4, recolhidos no último dia de março de 2013: Portal Correio5, Folha do Sertão6, PB Agora7, Diário do Sertão8.
Qualidade jornalística na web No que concerne especificamente à avaliação da qualidade do jornalismo desenvolvido para a web, Jorge Pedro Sousa (2001) informa que essas produções podem ser penalizadas quando os estudos não se valem das características e potencialidades da internet – apontadas através das leituras de Mielniczuk (2003), Palacios (2002, 2003 e 2008) e Pavlik (2001). A pesquisadora brasileira Joana Ziller (2005) demonstra que a maior dificuldade de se estudar qualidade no webjornalismo é não possuir critérios exatos para a sua medição - ainda que esse seja um problema mais geral na área da pesquisa de qualidade no jornalismo do que propriamente da mídia. Marcos Palacios (2008) aponta que há problemas em transpor para a internet critérios de análise de qualidade, metodologias e ferramentas aplicáveis e desenvolvidas para outros meio, pois se deixa de fora as especificidades do veículo on-line, ainda que as ferramentas atuais para avaliação 4 O site, fundado em 1996, busca mensurar a quantidade de usuários de qualquer tipo de endereços como sites e blogs. Disponível em: <http://www.alexa.com>. Acesso em: 31 de março de 2013. 5 Disponível em: <http://portalcorreio.uol.com.br/>. Acesso em: 31 de março de 2013. 6 Disponível em: <http://folhadosertao.com.br/portal/>. Acesso em: 31 de março de 2013. 7 Disponível em: <http://pbagora.com.br/>. Acesso em: 31 de março de 2013. 8 Disponível em: <http://diariodosertao.com.br/>. Acesso em: 31 de março de 2013.
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da web sejam de caráter genérico. Adelmo Genro Filho (1987), Carina Benedeti (2009), Carlos Franciscato (2003), Josenildo Guerra (2003, 2005, 2010a, 2010b, 2010c), Luiz Cerqueira (2010) e Rogério Christofoletti (2010) são alguns autores que trabalham, em alguma medida, com qualidade no jornalismo a partir do seu papel legitimado socialmente e de sua evolução histórica - isto é, do que a institucionalização representa e do que se exige do profissional e da prática, pois a qualidade é um atributo relativo às responsabilidades assumidas pela organização. Antonio Fidalgo (2004), Joana Ziller (2005), Joana Ziller e Maria Moura (2010), Pedro Sousa (2001), Renato Lima (2010), Suzana Barbosa (2008) e pesquisadores do Grupo de Jornalismo On-line (GJOL) da UFBA e da Universidade da Espanha, cuja produção pode ser observada através da publicação organizada pelo professor Marcos Palacios (2011), verificam a qualidade a partir das características do próprio meio – no caso de todos esses estudos, o jornalismo produzido na web. A estudiosa Carina Benedeti (2009) se refere a dois tipos de qualidade: uma intrínseca ao fato – revelando uma qualidade de categoria –, outra que se relaciona ao produto jornalístico – ao fazer e ao resultado da atividade profissional, baseada na legitimação e aceitação social da profissão. A pesquisadora Gislene Silva (2005, p. 99) vai dizer, por exemplo, que “os valores-notícia devem ser definidos como as qualidades dos eventos e não ‘da sua construção jornalística’”. Delimitar a noção dos critérios de noticiabilidade no território do acontecimento não significa ignorar a presença do jornalista, o sujeito (enunciador) que constrói a notícia. Em outras palavras, os valores-notícia ajudariam a identificar a qualidade intrínseca ao fenômeno noticiado, sem deixar de nortear-se pela interferência do jornalista, no que Charaudeau (2006) denominaria de “instância de produção”, ou seja, todos os agentes envolvidos na produção de material jornalístico e noticioso. Os autores supracitados procuram verificar de que forma as características próprias da mídia interferem na qualidade da produção, provavelmente porque o foco de estudo dos autores seja o jornalismo na internet ou na web. Ainda que haja “uma relevância clara na temática das tecnologias digitais quando se trabalha a qualidade da informação” (ZILLER, 2011, p. 83), tentam não perder a possibilidade de avançar a discussão para ficar no superficial da ferramenta e da técnica. Os autores buscam qualidades no webjornalismo, não reverberando e endossando a concepção de que o jornalismo impresso é, dentre todos os segmentos jornalísticos, o que mais sustenta a qualidade da informação, discurso “utilizado principalmente para evitar que seus leitores cedam às facilidades de outros meios jornalísticos” (BENEDETI, 2009, p. 11). Ainda assim, cabe ao jornalista e ao estudioso da área decidir até que ponto as características e as potencialidades do meio de comunicação serão 19
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aproveitadas e experimentadas nas publicações das organizações jornalísticas. Com o webjornalismo em perspectiva, Marcos Palacios (2002, 2003) defende que nem todas as características desenvolvidas são próprias da internet e explica que, em sua maioria, proporcionam apenas uma continuação ou uma potencialidade do meio anterior, com poucas carregando realmente uma ruptura para o modo de produção. Focado nas especificidades da web, como já explicado, Palacios (2011) organiza um estudo enfatizando demasiadamente a estrutura do meio como ponto fulcral da qualidade no webjornalismo. O português Jorge Pedro Sousa (2001) realiza sua pesquisa com intento de avaliar a qualidade em webjornais. Para essa análise, conteúdo (adaptação à internet), design (ergonomia – adaptação ao usuário) e navegação (interatividade com o jornal) são alguns dos critérios fundamentais considerados. Para um jornal ter qualidade na web, “deve aproveitar as potencialidades do meio, como a inclusão de sons e imagens, a introdução de hiperligações (inclusive nos textos), a possibilidade de dar feedback etc.” (ibidem, p. 5). O webjornalismo deve prezar pela atualização constante, pela inclusão de informação de background (acessível por meio de links), com textos próprios para a internet – conciso, claro e preciso –, além de uma base de dados, imagens e sons, com livre acesso dos usuários a esses arquivos. Apesar de todas as possibilidades de construção noticiosa na internet – graças às suas características –, o ritmo acelerado de produção de conteúdo nas redações jornalísticas, em relação aos outros veículos, dificulta o aproveitamento dessas potencialidades, de maneira quase paradoxal (ZILLER e MOURA, 2010). Como olhar para dentro Utilizamos como fundamentação básica o livro “Ferramentas para análise de qualidade no ciberjornalismo”, coletânea organizada por Marcos Palacios, com textos produzidos por pesquisadores do Brasil e da Espanha que integraram um convênio entre Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/Ministério da Educação/ Brasil) e DGU (Dirección General de Universidades/Ministério de Educación y Ciencia/Espanha), de 2007 a 2010. A proposta da obra é funcionar como uma caixa de ferramentas que deve ser utilizada livremente, conforme os objetivos da aplicação. Na apresentação, Palacios explica que Os textos aqui reunidos não discutem aspectos teóricos da Avaliação de Qualidade, nem se debruçam sobre as justificativas e opções metodológicas que levaram à escolha dos parâmetros utilizados em cada instrumental de análise 20
construído e testado ao longo destes dois anos. O material se organiza em torno das próprias Ferramentas: cada capítulo oferece um Manual e uma Ficha de Análise (2011, p. 3). Optamos por não usar algumas ferramentas, por demonstrarem ser documentais demais para o nosso propósito. Portanto, aplicamos as seguintes fichas: Ferramenta para Análise da Hipertextualidade em Cibermeios: avalia a utilização do hipertexto na página inicial do endereço e nas suas produções internas. A recomendação é que para que sejam analisadas as manchetes da home e as matérias correspondentes para verificar a relação entre o link e o conteúdo referente. Em seguida, deve-se observar o emprego da hipertextualidade, a saber: organização e estrutura dos conteúdos a partir dos menus, e a contribuição dos links para a narrativa jornalística. Para Barbosa e Mielniczuk, Além de apresentar recursos multimidiáticos, as notícias possuem associações a outros textos já publicados pelo cibermeio (links de memória ou documentais) bem como a opiniões e complementações agregadas através das opções de interatividade para os leitores/usuários. São os links hipertextuais que estruturam, organizam e apresentam o grande volume de informações que pode passar a integrar a narrativa do fato jornalístico num cibermeio (2011, p. 37). Ferramenta para Análise da Interatividade em Cibermeios: avalia a exploração da interatividade no jornalismo digital, na qual as ações recíprocas potencializadas pelas novas tecnologias foram consideradas a fim de simular ou promover diálogo entre o leitor e o produto. No jornalismo, os recursos interativos procuram trazer valores agregados à informação, através de interferências, como comentários nas matérias, participação na construção do conteúdo ou mesmo a sua própria elaboração, além da recuperação de dados e de outras manifestações em mão dupla. Ferramenta para Análise de Multimidialidade em Cibermeios: detém sua atenção nos elementos multimídia que possuam a finalidade informativa, aparecendo na primeira página ou nas publicações do cibermeio. Englobam, basicamente, o foco dessa observação: fotos, vídeos, áudios, infográficos e newsgames. Ferramenta para Análise de Design em Cibermeios: verifica as homes dos portais, observando itens como dimensões, resolução, estrutura e porcentagem de ocupação por conteúdo. É uma ferramenta que gera dados mais técnicos 21
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e objetivos, pois disseca a página inicial no âmbito de sua projeção na tela do computador. Ferramenta para Análise de Bases de Dados em Cibermeios: o emprego da base de dados – que remete às coleções digitais organizadas de modo automatizado para pesquisa e recuperação informativa – no jornalismo digital consiste na estruturação e na organização de todo o processo de produção noticiosa, desde a apuração até a circulação e a apresentação do material. Essa ferramenta busca detectar se, e de que maneira, o cibermeio utiliza base de dados na sua rotina de produção jornalística. Ferramenta para Análise de Memória em Cibermeios: trata da observação de arquivo, recuperação da informação e busca avançada. A memória é observada sob dois aspectos distintos: os estáticos, dedicados à analise do sistema de busca, história e articulação com edição impressa – ou em outro meio; e os dinâmicos, cujo foco é a localização e a natureza dos links, além da personalização e memória. Para delimitar o corpus deste estudo, fizemos um levantamento dos portais de notícias mais acessados da Paraíba, de acordo com o site Alexa. O site mais acessado que contém notícia é o do Governo do Estado9 – em 258º lugar do ranking nacional –, mas que não será considerado aqui por não ser jornalístico. Feitas essas considerações, selecionamos os seguintes portais: Portal Correio: fundado em 2004 e sediado em João Pessoa/PB, integra o Sistema Correio de Comunicação, que conta ainda com canais de tevê aberta e fechada, emissoras de rádio, revistas e jornais impressos. Noticia acontecimentos da capital e do interior do estado, do Brasil e do Mundo. Está em 275º do ranking nacional. Folha do Sertão: sediado em Sousa/PB, o portal existe há seis anos e se dedica aos acontecimentos de outras sete cidades do Sertão. Na 293ª posição, o veículo está vinculado a uma webrádio de mesmo nome, publicando, a priori, sobre eventos da região, seguidos da capital, do Brasil e do Mundo. PB Agora: em 329º lugar do ranking nacional, o portal também é sediado em João Pessoa/ PB e foca nos fatos da capital e do interior do estado, além de publicar notícias do Brasil e do Mundo. Diário do Sertão: sediado em Cajazeiras/PB, foi fundado há sete anos. Possui webrádio e agrega, no mesmo plugin, outras emissoras. Noticia eventos da região, da capital paraibana, do Brasil e do Mundo, estando em 366º lugar dos portais mais acessados do Brasil. Com esse corpus, temos como objetivo a realização de um diagnóstico dos portais de notícia mais acessados da Paraíba. Essa avaliação nos dará uma visão ampla de todo o sistema de comunicação do estado, não apenas do jornalismo realizado na capital. Neste trabalho, são apresentados os principais resultados obtidos pelas seis fichas de análise, aplicadas em cada portal, sendo empregados três dias para observação, dos quais um foi dedicado ao registro. 9 Disponível em: <www.paraiba.pb.gov.br>. Acesso em: 21 de abril de 2013.
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Diagnóstico dos sites jornalísticos paraibanos Portal Correio A hipertextualidade no Portal Correio apresenta, na página inicial, uma estrutura básica com menu e links para suas matérias hierarquizadas, apresentando seleção das notícias mais lidas e das últimas publicadas. As matérias, de modo geral, apresentam um baixo nível de hipertextualidade, tendo em vista que não há links narrativos no corpo do texto, o que demonstraria um trabalho específico dessa característica para cada publicação, através de outras notícias e conteúdos – não necessariamente do próprio meio –, com uma relação mais íntima com o assunto. Em suas publicações, percebemos apenas uma lista de links automatizados ao final do texto com cinco “Notícias relacionadas”, que, em sua grande parte, traz apenas outras publicações da mesma editoria, sem nenhuma associação direta com a temática abordada na matéria. Essa relação pode ocorrer de modo tão tangencial que relaciona, por exemplo, uma notícia sobre a foto de João Pessoa tirada por um astronauta – sob a alcunha da “cidade mais oriental das Américas – onde o Sol nasce primeiro”10 – com outra que informa a chegada de um elefante no zoológico da capital paraibana11 ou uma publicação que enfatiza a presença de pesquisadores brasileiros em estação no continente Antártico12. A exceção que observamos aconteceu nas matérias sobre a seca que assola a Paraíba e o nordeste. Ao final do texto, havia cinco publicações relacionadas, notícias próprias do tema. Além do mais, o site não se utiliza de tags na organização estrutural de sua informação, não permitindo, portanto, navegação através de palavras-chave, apenas por editorias. Todavia, as seções possuem, cada uma, uma cor de identificação própria. Os links para divulgação em redes sociais estão bem colocados e em lugar padrão, de fácil visibilidade – abaixo do título. A ausência de fóruns, chats, enquetes, feed, além de votações e comentários nas matérias revela a baixíssima interatividade que o portal cria com seus leitores. A não possibilidade de enviar conteúdo para publicação e a inexistência do espaço para divulgar uma possível produção dos leitores revela que o Portal Correio quer apenas publicidade por parte destes, através, por exemplo, das redes sociais Twitter e Facebook. A multimídia praticamente não é utilização nas 10 “Astronauta posta foto de João Pessoa”, publicada em 12 de abril de 2013. Disponível em: <http:// portalcorreio.uol.com.br/noticias/ciencia-e-tecnologia/bio/2013/04/12/NWS,222437,41,241,NOTICIAS,2190ASTRONAUTA-POSTA-FOTO-JOAO-PESSOA-CIDADE-ORIENTAL-AMERICAS-ONDE-SOL-NASCE-PRIMEIRO.aspx>. Acesso em: 17 de abril de 2013. 11 “Conheça a nova moradora da Bica: a elefanta Lady”, publicada em 11 de abril de 2013. Disponível em: <http://portalcorreio.uol.com.br/noticias/ciencia-e-tecnologia/bio/2013/04/11/ NWS,222367,41,241,NOTICIAS,2190-CONHECA-NOVA-MORADORA-BICA-ELEFANTA-LADY.aspx>. Acesso em: 17 de abril de 2013. 12 “Brasil deverá montar base para pesquisadores dentro do Continente Antártico no final de 2014”, publicada em 01 de abril de 2013. Disponível em: < http://portalcorreio.uol.com.br/noticias/ciencia-e-tecnologia/ bio/2013/04/01/NWS,221870,41,241,NOTICIAS,2190-BRASIL-DEVERA-MONTAR-BASE-PESQUISADORESDENTRO-CONTINENTE-ANTARTICO-FINAL-2014.aspx>. Acesso em: 17 de abril de 2013.
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matérias, os vídeos são escassos e os áudios, os infográficos, as animações e os newsgames – novo gênero informacional – são praticamente inexistentes. Não encontramos também galerias de imagens e de vídeos na página principal. No que se refere ao design, o portal possui o fundo branco com bom espaço entre as chamadas, a fonte é legível para leitura e o site, divido em três espaços de composição – ou frames –, não transmite confusão ao abrir. No primeiro frame, identificamos as matérias principais – independentemente da seção. Algumas matérias de cada uma das quatro editorias do site estão presentes no próximo espaço de composição textual. O terceiro frame traz links para outros meios de comunicação da empresa – TV Correio, Correio da Paraíba e Rádios. Cada frame é separado por um banner publicitário. Ao final, elencam-se as notícias mais lidas e as últimas publicadas de cada editoria e no geral, além dos três blogs do portal e da Fan Page no Facebook. Praticamente todas as chamadas na primeira página trazem uma imagem ou um vídeo com um título/link para a matéria, e as retrancas possuem cores próprias que servem para identificar a editora/seção onde os textos estão publicados. Percebemos padrão dos títulos e antetítulos com o bloco de texto e a legenda das fotos nas matérias; por vezes, essas imagens são pequenas e não permitem zoom. A base de dados estruturada para acesso do público é inexistente. Não há como se cadastrar no portal para realizar comentários, enviar conteúdos ou mesmo navegar pela estrutura e memória. Não há tags para navegação nem arquivos estruturados em base de dados, apenas a lista das últimas publicações das seções. A automatização ocorre apenas nas “Notícias relacionadas”, “Mais lidas” e “Últimas notícias”. De modo semelhante, a memória no portal não recebe nenhum tratamento especializado, até com ausência de arquivo. O sistema de busca interno é básico, somente por palavra e hierarquizado em ordem cronológica inversa. Não existe busca avançada por operadores booleanos, data, editoria, formato ou qualquer outro parâmetro. Folha do Sertão A hipertextualidade no portal Folha do Sertão se caracteriza, na home, por ausência de mapa de navegação e presença de menu misto, combinando uma fileira horizontal na parte superior esquerda da página com uma fileira vertical de nomes de editorias e colunistas também do lado esquerdo – além da repetição dessas informações em disposição mista no rodapé da página. Essa configuração dificulta a localização dos conteúdos no site, pois oferece muitas editorias (algumas repetidas) de forma desordenada e sem diferenciação por cor, dificultando a possibilidade de uma leitura lógica e intuitiva da página. Já as matérias não apresentam links dentro do texto, mas relacionam conteúdos 24
da mesma editoria por meio do título “Leia também”, que oferece cinco links diferentes com título e foto da respectiva matéria. A interatividade se configura, basicamente, pela utilização de um plugin do Facebook, no qual o usuário, ao fazer login com sua conta, comenta a notícia como numa caixa de comentários. Por esse plugin, outros usuários podem responder ao seu comentário e curti-lo. Fora disso, existe um e-mail de contato com a redação e links para as redes sociais, que ficam dispostos numa aba junto à barra de rolagem, do lado direito da página, identificados apenas pelos respectivos ícones. De todo modo, essas opções distanciam o leitor do conteúdo original publicado no site e não é possível inferir que ocorre interatividade por meio deles, pois as postagens nas redes sociais indicam prioritariamente a divulgação de conteúdo do site. A ausência de chats, fóruns, canais para colaboração, feeds e até mesmo da caixa de comentários – substituída pelo já citado plugin – são indicativos de baixa interatividade. Até mesmo a única enquete disponível na home já está fechada para votação e apresenta apenas o gráfico de resultado, sem indicar o período de aplicação da pesquisa nem quando outra será aberta. Ou seja, a renovação da pesquisa é lenta e não dá indicativo de sua frequência nem acesso às pesquisas e aos resultados anteriores. Quanto ao design, a página utiliza poucas cores: fundo cinza claro, botões para editorias em verde, títulos em azul e textos em preto. As fotos e os vídeos são de média e baixa resolução e estão ou dispostos dentro das matérias ou acompanhando as chamadas na home. Apenas os vídeos formam uma das editorias, mas, no lugar de ocupar uma galeria de vídeos, é apresentada uma lista de matérias cujo link remete a uma página com o vídeo embarcado. Já sobre as fotos, cabe dizer que são de violência explícita no caso de acidentes e mortes, não poupando o leitor, por exemplo, das cenas de crimes e batidas entre veículos, exibindo corpos e pessoas feridas durante o resgate. Do lado direito da página, tanto na visualização das matérias quanto na página principal, aparece uma coluna com banners para links publicitários, aparecendo também em outras localizações da página. Esses banners conferem uma aparência poluída ao site pela utilização de animação, disposição desordenada e quantidade excessiva. Esse item contribui fortemente para uma impressão de confusão na página, o que dificulta a percepção de hierarquia das notícias e do fluxo de leitura proposto pelo site. Por fim, não apresenta base de dados, não utiliza tags, nem possui arquivo estruturado. Não é possível se registrar no site, enviar conteúdos e acessar áreas organizadas de memória. Os conteúdos mais antigos descem do topo da página e vão para “Mais notícias”. Dali em diante é preciso ou fazer pesquisa por palavrachave ou acessar as notícias por editoria manualmente.
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PB Agora Quanto à hipertextualidade, o portal PB Agora se caracteriza por ausência de mapa de navegação e presença de menu horizontal localizado no lado superior esquerdo da página com links para as editorias, que se repete no rodapé da página. Já os links dentro dos textos das matérias marcam algumas palavras publicitárias que remetem para a página de assinatura da revista Valor Econômico. As matérias sugeridas são destacadas pelo marcador “Mais visitadas”, que oferece quatro links – dois acompanhados por foto – que não se relacionam por editoria ou assunto com a matéria. A interatividade é baixa e aparece mais consistente nas duas opções para comentários de matérias: a primeira, via caixa de comentários, solicita identificação do leitor preenchendo os campos nome e e-mail sem, no entanto, exigir registro no portal. O comentário enviado passa por moderação do site antes de ser publicado e não é possível votar ou responder aos comentários dos outros leitores. A segunda opção é o Twitter, na qual o usuário faz login com sua conta e comenta na caixa inserida ao lado da caixa de comentários. O tweet será direcionado ao perfil do portal na rede social que, inclusive, é a única utilizada. Seu conteúdo é, prioritariamente, para a divulgação de links para matérias no site. Além desses dois recursos, existe enquete aberta com possibilidade de visualizar parcial do resultado. No entanto, não existem fóruns, chats, nem algum tipo de canal para registro e envio de material como vídeos e fotos. O e-mail de contato é o da redação, mesmo para as colunas. É possível compartilhar as matérias em redes sociais, aumentar a letra, enviar por e-mail para um amigo e gerar uma versão para impressão. O design da página se caracteriza pela utilização de três tons de azul, detalhes em vermelho na logomarca, fontes em preto e de contraste e tamanho legível. Os títulos das editorias, no entanto, usam uma fonte menor que o restante da página, dificultando um pouco a leitura. Também não se diferenciam por botões coloridos, mas utilizam marcadores gráficos em formato de seta. As fotos são em tamanho médio e pequeno, com resolução média e baixa, e estão distribuídas ao longo das matérias e também reunidas em uma galeria no fim da página, no canto inferior esquerdo. Não existe galeria de vídeos. A distribuição dos banners publicitários não chega a poluir a página, mas sua disposição não segue um padrão de ocupação, de modo que um deles, por exemplo, aparece ao lado do frame da galeria de fotos. O endereço não possui base de dados, arquivo nem memória organizada das publicações. Para acessar conteúdos mais antigos, é necessário utilizar busca por palavras-chave, que também formam uma nuvem de tags no mesmo frame da galeria de fotos. No entanto, as matérias não usam marcadores, de modo 26
que essas tags são simuladas, pois, na verdade, são apenas palavras-chave recorrentes nos textos. A hierarquia das matérias mais recentes é clara porém, à medida que descemos a barra de rolagem, as notícias mais antigas misturam fontes menores e minúsculas em relação ao topo, tornando confusa a percepção do grau de importância. Diário do Sertão No Diário do Sertão, a hipertextualidade aparece na página inicial com uma estrutura de dois menus e links para suas matérias hierarquizadas, apresentando seleção das mais lidas. O menu, localizado no rodapé, traz todas as editorias do portal, enquanto o da parte superior se destina às informações institucionais, personalização, contato, galeria e blogs/colunas. As matérias não colocam links narrativos, nem ao menos os estáticos foras do corpo textual, não encontramos também tags na organização informativa do site – permitindo apenas navegação pelas editorias. Os links para divulgação das matérias nas redes sociais estão em lugar padrão e de fácil visibilidade – acima do título e abaixo do antetítulo. A ausência de fóruns, chats e votações nas matérias é compensada por enquetes, feeds e comentários nas notícias (sem necessidade de cadastro e registro, só de identificação), no tocante a interatividade. Contudo, a não possibilidade de os leitores enviarem conteúdo para publicação (apenas sugestão de pauta) e a inexistência do espaço para divulgar essa possível produção revela que o Diário do Sertão quer apenas publicidade por parte dos seus leitores, através das redes sociais, mas não muni-los de canais de expressão. Sobre a multimídia, podemos dizer que há uma boa utilização de imagens e vídeos, mas áudios, infográficos, animações e newsgames são inexistentes. Há uma seção de vídeos e outra do que denominam de “Foto Notícia”, mas poderiam ser transformadas em galerias mais bem navegáveis. Em avaliação o design, observamos que a fonte do Diário do Sertão é legível para leitura, mas o fundo branco possui pouco espaço entre as chamadas e o site, divido em quatro frames, transmite confusão informativa. O primeiro frame traz as matérias principais – independentemente da seção –, lista quatro colunistas e disponibiliza o link para a TV e Rádio Diário. O segundo e o terceiro espaço trazem algumas matérias das editorias do site. O último frame traz a seção “Foto Notícia”, as entrevistas da TV Diário (também em formato textual), uma Enquete e o seu resultado, além da seção “Fotos e Eventos”. O primeiro frame do segundo é separado, acertada e inteligentemente, por uma lista de rádios on-line. Os demais frames são separados por publicidade. Ao final, elencam-se as notícias mais lidas, alguns jornais da Paraíba e charges. Praticamente todas as chamadas trazem uma imagem ou um vídeo com um link/título para a matéria, 27
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das quais percebemos padrão dos títulos e antetítulos com o bloco de texto e a legenda das fotos nas matérias. A base de dados estruturada para acesso do público é inexistente. Não há como se cadastrar no site para enviar conteúdos ou mesmo navegar pela estrutura e memória. A publicação de comentários dispensa esse procedimento, exigindo apenas identificação. Não há tags para navegação nem arquivos estruturados em base de dados, podemos navegar só pelas últimas publicações das seções. A automatização ocorre apenas nas “Mais lidas” e na assinatura do Feed RSS. A memória no portal, de modo semelhante, não recebe nenhum tratamento especializado, culminando na total inexistência de arquivo. O sistema de busca interno é básico, sendo operado apenas por palavra e hierarquizado em ordem cronológica inversa, não existindo busca avançada por operadores booleanos, data, editoria, formato ou qualquer outro parâmetro. Considerações finais Os sites jornalísticos da Paraíba foram avaliados neste trabalho a fim de verificar suas qualidades a partir de uma visão que privilegia as características da mídia na qual o produto está assente. A web é alvo de diversos estudos, conforme supracitado, que buscam enfatizar suas propriedades como avanço qualitativo do conteúdo exposto, tendo em vista as continuidades, potencializações e rupturas do meio. No tocante às especificidades quantificáveis por meio das fichas de análise em Palacios (2011), observamos que os sistemas paraibanos de comunicação não se valem, de maneira eficaz e eficiente, das características da web. A hipertextualidade, a interatividade e a multimidialidade são praticamente inexistentes, salvo em raras exceções, quando ocorrem de maneira primitiva e incipiente. A base de dados e a memória não apresentam desenvolvimento algum, são nulas e necessitam de uma revisão urgente. Em alguns momentos, por outro lado, o design se sobressai, tanto no tocante ao layout como aos recursos empregados. Quanto à hipertextualidade, sugere-se a utilização de links narrativos no corpo do texto com a finalidade de complementar o assunto com as matérias já publicadas sobre o mesmo assunto sem, no entanto, aumentar seu tamanho. Do mesmo modo, pode-se incrementar a utilização de links para notícias fora do corpo texto. Títulos como “Notícias relacionadas” – utilizados pelo Portal Correio – dão a impressão de que o leitor vai obter mais informações sobre o mesmo tema quando, na verdade, está apenas tendo acesso a mais matérias da mesma editoria. Sendo assim, o nome poderia mudar para “Mais notícias de (colocar editoria correspondente)”, no caso de matérias na mesma seção. Já os portais PB Agora e Folha do Sertão – que relacionam matérias por quantidade de visitas 28
e por mesma editoria, respectivamente – poderiam refinar a relação entre as matérias para indicar textos sobre o mesmo assunto. Por fim, o portal Diário do Sertão deveria iniciar a utilização dos links dentro e fora do texto, pois é o único entre os portais estudados em que não aplica o recurso. Nenhum dos portais utiliza tags, que permitem uma melhor navegação no site e estimulam o leitor a continuar no endereço. Apesar disso, o portal PB Agora publica uma espécie de nuvem de tags que, na verdade, são as palavras mais utilizadas no site e que, quando clicadas, direcionam para o resultado de busca interna respectiva. A navegação por editorias no Portal Correio e no Diário do Sertão é eficiente, todavia, nos demais portais, a barra de menu das editorias sequer apresentam uma localização de destaque – mesmo que apareçam no topo da página. Já os links de divulgação em redes sociais e de indicação da matéria são bem utilizados pelos portais, embora pudesse haver um botão para dar zoom em fotos – só utilizado pelo Diário do Sertão – e para aumentar e diminuir o texto – presente apenas no PB Agora e Diário do Sertão. Sugere-se um diálogo maior com os leitores, ouvir a quem se destina a produção do jornal, por exemplo, possibilitando comentários nas matérias – não existente no Portal Correio – e recebendo material por parte da audiência. A mudança deve ser acompanhada da criação de uma seção própria para o conteúdo dos usuários, mas que não seja relegada ao final da página – deve estar bem vista e posicionada na home. Esse conteúdo deve passar por um filtro (que não político) e identificar sempre o autor do conteúdo; se possível, o contato pode ocorrer por e-mail, em caso de base de dados não desenvolvida. Promoções, enquetes, chats e feeds devem constar nessa reformulação, pois, quando são utilizados, aparecem de forma primária. O uso de mais imagens e vídeos nas matérias, bem como os outros recursos multimídias citados, deve perpassar as novas diretrizes. Sugere-se criar ou reestruturar –no caso do PB Agora, com fotos, e do Diário do Sertão, com vídeos – as respectivas galerias, talvez em parceria com sua própria audiência, que apreciará ter seu conteúdo publicado e visto. A página inicial se dinamizará com vídeos, infográficos e animações, além da possibilidade de dar zoom nas fotografias. Além disso, deve ser observado o teor retratado nas imagens e vídeos em casos de violência, pois algumas publicações são extremamente explícitas e não poupa os leitores (nem os personagens das matérias) de imagens fortes. A criação de base de dados estruturada, tanto para o uso interno quanto externo, é primordial para os portais estudados, mas sem esquecer-se de incluir o público nesse processo e de estruturar o conteúdo em base de dados para facilitar a leitura e o acesso do navegante e também do jornalista pelo site. No tocante à memória, a urgência se dá na criação do arquivo, passo extremamente importante e essencial, além de permitir navegação por todos os parâmetros 29
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possíveis (data/período, formato, seção etc.). O arquivo estruturado, para acesso público, deve abrir caminho para outra fase, como o aprimoramento do sistema de busca.
Referências
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A inscrição do cotidiano no jornalismo impresso (o artesanato da pesquisa) Wellington Pereira13 Introdução A leitura do cotidiano na mídia pode fomentar uma série de pesquisas que se legitimarão a partir da inscrição epistemológica dos fenômenos socioculturais difundidas pela mídia na vida cotidiana. Os pesquisadores que trabalham com as várias formas do cotidiano, considerando a profundidade escondida nas aparências, devem utilizar como primeiras ferramentas teórico-metodológicas os conceitos da Sociologia do Cotidiano e arquétipos produzidos nas inferências da linguagem midiática na apresentação dos imaginários sociais. Do ponto de vista de uma Sociologia da Vida, por exemplo, se faz necessário enfatizar os conceitos precursores dos estudos do cotidiano, a partir do século XIX, relacionados às condições de trabalho encetadas pelo desenvolvimento industrial, presentes principalmente nos estudos de Toqueville e Marx (Juan, 1995, p.19). Os estudos sobre a vida cotidiana tiveram impulsos com a necessidade de descrever o mundo “ocidental civilizado”, nas sociologias de Le Play (França); nos escritos de Dilthey (Alemanha), cujos métodos procuravam fundar uma ciência experimental para interpretar fatos cotidianos (Juan, 1995, p.20). Mas é através dos estudos e pesquisas de Durkheim que os estudos da vida cotidiana ganham força como campo de análise dos fenômenos sociais e, principalmente, no que diz respeito às diferentes formas de interpretação do factual. Isto foi uma das proposições “durkheiminianas” que conduziram à percepção do desenvolvimento de uma sociologia compreensiva, na qual os fenômenos subjacentes nas diversas situações cotidianas são objetos de estudo. A fundamentação de uma linha de pesquisa capaz de ler o cotidiano na mídia e de inscrever a mídia no cotidiano – como estudo Stricto Sensu – requer uma compreensão filosófica da vida cotidiana. Isso nos faz adotar alguns paradigmas propostos por Salvador Juan, em seu livro Les formes élémentaires de la vie Quotidienne, no qual o autor procura estabelecer um paralelo entre as idéias de Georg Simmel e Husserl, privilegiando o formismo e a fenomenologia 13 Professor Titular da Universidade Federal da Paraíba. Doutorado em Sociologie – Université Paris-Descartes (1999), mestrado em Letras e graduação em Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba. E-mail: wjdop@ uol.com.br
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como categorias de interpretação dos modelos estético-cognitivos produzidos em contextos sociais distintos. Desde a busca incessante de Durkheim pela autonomia sociológica no campo das pesquisas sociais, os estudos sobre o cotidiano ganham importância à medida que podem servir como ferramentas metodológicas para a leitura do imaginário social construído por cada comunidade. Do ponto de vista metodológico, as pesquisas sobre mídia e cotidiano se efetivam na sociologia weberiana: “Ao contrário de Durkheim, Weber não distingue as estruturas e as instituições sociais. Ele se interessa pelo homem e pela maneira como ele se comporta em sociedade e como provoca transformações sociais” (Grawitz, 1993, p.98). A análise do cotidiano, seguindo a ótica weberiana, fortalece a noção de que o indivíduo é o núcleo do social, e a construção de conceitos é apenas um instrumento para a compreensão dos fatos sociais produzidos por atores sociais. Antes de evidenciarmos qualquer aproximação teórico-metodológica entre as linguagens da mídia e as teorias socioculturais sobre o cotidiano, se faz necessário definir, por exemplo, a função de uma Sociologia da Vida Cotidiana: “(...) ela analisa o domínio das ações individuais rotineiras e desorganizadas – como fatos sociais – os situando em seu meio institucional simbólico através do lugar dos atores na estrutural social” (Juan, 1995, p.123). O reconhecimento da importância dos estudos sociológicos sobre o cotidiano e a mídia – principalmente no campo da Comunicação Social – não pode se dar a partir de “paradigmas” rígidos, capazes de reduzir a importância do senso comum a uma ética da convicção na interpretação dos fatos sociais. Ao não reduzir o cotidiano a um paradigma utilitário – que transita entre as Ciências Humanas e a Física teórica –, aproximamos dois pesquisadores como Thomas Kuhn e Michel Maffesoli. Na concepção de Kuhn, a forma como o conceito de paradigma passou a ser empregado nas Ciências causou uma série de problemas de interpretação dos fenômenos sociais, pois se admitiu, falsamente, a legitimação de modelos exatos (perfeitos do ponto de vista geométrico) na produção do conhecimento, como podemos constatar: Kuhn abandonou a física pela filosofia e lutou durante quinze anos para transformar seu insight na teoria apresentada em A estrutura das revoluções científicas. A pedra angular de seu modelo era o conceito de paradigma. Antes de Kuhn, o paradigma se referia apenas a um exemplo útil para fins educacionais (...). Kuhn usava o termo para se referir a um conjunto de procedimentos ou idéias que instruem os cientistas, implicitamente, sobre aquilo em que devem 34
acreditar e como trabalhar (...). Há sempre anomalias, fenômenos que o paradigma não consegue explicar ou até o contradizem. As anomalias são freqüentemente ignoradas, mas, se acumuladas, podem provocar uma revolução (também chamada de mudança de paradigmas) (...). Negando a visão da ciência como um processo contínuo de construção, Kuhn sustentava que a revolução é um ato tanto destrutivo quanto criativo. (Horgan, 1998, pág. 61) Como observa Kuhn, o paradigma não é o ponto final: a definição acabada de um conceito. Nos estudos sobre a vida cotidiana – nas relações comunicacionais construídas pelas sociedades – o paradigma se assemelha aos tipos ideais weberianos e ao cotidiano, enquanto, estilo como nos explicita Michel Maffesoli: “(...) Pois o quotidiano não é um conceito que se pode, mais ou menos, utilizar na arena intelectual. É um estilo no sentido que dei a esse termo, isto é, algo de abrangente, de ambiente, que é a causa e o efeito, em determinado momento, das relações sociais em conjunto”. (Maffesoli, 1995; pág. 63). As aproximações das idéias e modelos teóricos de Michel Maffesoli, Thomas Kuhn e Max Weber – o estilo cotidiano, o paradigma e os tipos ideais – demonstram que o pesquisador vai encontrar nos estudos sobre a vida cotidiana um universo de transformações socioculturais que são regidas pela noção de efêmero (meta-temporalidade das transições) e avança para além da obsolescência material. Podemos estabelecer três ares de observação para a inscrição do cotidiano nas linguagens da mídia, na quais o pesquisador rompe os ardis que transformam a técnica e a obsolescência em metafísicas acabadas (para usar uma expressão como a de Heidegger): 1) valorização do imaginário das sociedades; 2) identificação das alteridades; 3) estudo da apropriação dos discursos populares pela mídia; e da apropriação da mídia pelos discursos populares. Na primeira assertiva, as concepções sobre a importância do imaginário nas sociedades contemporâneas – como elemento de pesquisa –, de acordo com Grawitz (1993, p.141), podem se concentrar em três núcleos teóricos e seus respectivos autores: a) estudos do imaginário, a partir das pesquisas de Castoriadis, Marx e Pierre Bourdieu, que se interessam por estudar as formas de organização do mundo do trabalho e a experiência dos trabalhadores na vida cotidiana, valorizando a dimensão simbólica. A segunda assertiva procura demonstrar que alguns teóricos auxiliam a percepção do outro – a questão da alteridade –, através de métodos e estilos (no sentido maffesoliano) de leitura da vida cotidiana. Nesse sentido, a orientação bibliográfica deve se apoiar – principalmente – em autores que tratam das formas sensíveis da sociedade, como Georg Simmel e Michel Maffesoli. 35
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As teorias de Simmel – nos estudos sobre mídia e cotidiano – podem conduzir a pesquisas através da análise de detalhes, dos signos que são construídos e reconstruídos no dia-a-dia, como: o galanteio, as refeições diárias, a vida urbana, o amor e a morte (Freund, 1981, p.13). O tema da terceira assertiva deve ser o entendimento da apropriação das linguagens – tanto pelo cotidiano quanto pela mídia –, verificando as distorções e tentativas de aproximação de uma argumentação retórica, o que poderíamos chamar de consenso das realidades opositoras. O consenso das realidades opositoras obriga os pesquisadores a considerar as imbricações conceituais que transitam entre o cotidiano midiático e a mídia do cotidiano, ou seja: não há posicionamentos estéticos no superlativo. No cotidiano, as linguagens se amalgamam, se reconstituem para fugir à falsa exatidão dos paradigmas mal interpretados. Por isso, o a pesquisador não pode partir da cultura midiática para interpretar a vida cotidiana como um “campo de pouso” das astúcias da razão –, no qual as tecnologias midiáticas exercem poderes sobre um senso comum indefeso. Os projetos de pesquisa construídos para estudar as relações entre mídia e cotidiano devem considerar serem as realidades opositoras elementos de junções muito mais do que de injunções. A eficácia metodológica está em demonstrar que os discursos midiáticos que circulam no cotidiano não são passíveis de reformulação pelo senso comum; e que o cotidiano difundido pela mídia não pode ter seu imaginário valorizado. Portanto, não há como trabalhar com “maniqueísmos” conceituais nessa relação. O cotidiano é um feixe semiótico. A mídia é um deles. Ao pesquisador cabe interpretar os pontos que parecem divergentes na interpretação dos construtos das modalidades narrativas – como espelhos de uma linguagem unida pelo utilitarismo da objetividade – o onde e quando – e pela necessidade de aceleração e desaceleração dos tempos verbais – o modo indicativo do jornalismo.
As pesquisas sobre o cotidiano e as regras da vida jornalística O desafio do pesquisador, ao estudar a inscrição do cotidiano nas linguagens da mídia – e a difusão do cotidiano nos meios de comunicação de massa –, é entender como relações assimétricas, multiformes e polissêmicas podem ser representadas, em telejornais, jornais impressos e revistas, através de códigos verbais que buscam estratégias para comercializar realidades retóricas. Do ponto de vista metodológico, podemos escolher alguns caminhos para entender como a construção da vida cotidiana no jornalismo, principalmente nos meios impressos, acaba se reduzindo a proposições argumentativas que 36
distanciam os leitores dos níveis de interpretação das realidades, ou seja: o real no jornalismo é determinado pela disposição dos referenciais. As regras da vida jornalística se estabelecem a partir das convenções sociolingüísticas – flexíveis –, ora variando entre o índice e os ícones opinião e informação. Ao tentar compreender a inscrição do cotidiano na linguagem midiática, se faz necessário absorver a seguinte idéia: na mídia, aquilo que parece representar a realidade dos fatos, através de imagens, palavras e traços gráficos, é apenas a conversão simbólica de um modelo social. Na mídia, especificamente na linguagem jornalística, o caráter simbólico se evidencia a partir das normas “redacionais” e organizacionais – codificadas nos manuais de redação – que exigem coerência narrativa para falar das contradições semânticas da vida cotidiana. Nas narrativas jornalísticas, os fatos sociais são enquadrados a partir de um modelo funcional e argumentativo da linguagem. Assim, a noção da realidade é a “realidade referenciada” pelo domínio retórico, responsável por reduzir a polissemia do cotidiano à identificação dos referentes temporais e físicos das comunidades. As regras jornalísticas só reconhecem os valores da vida cotidiana quando elas podem ser demonstradas através da redução da imagem pela palavra, da palavra pelo conceito denotativo: as atitudes dos atores sociais são paralisadas pelo referenciais políticos, econômicos e jurídicos do Estado. Promover a difusão dos elementos socioculturais da vida cotidiana, considerando apenas o aspecto referência é verificar apenas o caráter institucional da circulação dos atores sociais de acordo com os contratos estabelecidos formalmente para manutenção da sociedade. Mas o que escapa a esse modelo contratual é visto ao mesmo tempo como contradição e possibilidade de lucros: aquilo que fere as constituições se torna relevante para a comercialização da informação. Um dos equívocos da linguagem midiática é pretender representar a vida cotidiana a partir de um sistema calcado na objetividade – como sinônimo de verdade. Por isso, os cidadãos percebem - com auxílio do senso comum - que as manifestações estéticas vivenciadas no cotidiano ultrapassam os limites argumentativos impostos pelas narrativas midiáticas, pois necessitam de outras linguagens – como a linguagem do corpo – para que haja compreensão. Como inscrever o cotidiano no Jornalismo impresso Para que as narrativas sobre o cotidiano, no jornalismo impresso, não caíam nos ardis semânticos e ideológicos dos “discursos objetivos”, devemos 37
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estabelecer alguns procedimentos para inscrição da vida cotidiana na linguagem jornalística: 1) as construções de enunciados jornalísticos sobre o cotidiano não devem ser regidas apenas por descrições do mundo referencial, ou seja: se faz necessário demonstrar como o sensível determina a forma como são traduzidas em informação as ações dos sujeitos; 2) a vida cotidiana está para a mímese, assim como a vida jornalística está para a imitação. A primeira se renova a cada movimento dos atores sociais; a segunda é a extensão de tipos sociologicamente idealizados; 3) a vida cotidiana não pode ser retratada, no jornalismo impresso, considerando-se apenas as técnicas estruturantes de apreensão do real: é preciso evidenciar o caráter ilógico da vida mundana através de recursos como a utilização da metáfora; 4) na construção da pauta, o jornalista deve empreender esforços para estabelecer uma “cartografia dos sentidos”, promovendo vínculos entre as culturas subjetivas e objetivas; 5) é preciso demonstrar, através dos gêneros jornalísticos, que os fragmentos da vida cotidiana, os intervalos intersticiais, são campos simbólicos produzidos por atores sociais. A construção do cotidiano no jornalismo impresso não se dá apenas com aplicação tautológica das técnicas jornalísticas, porque é, antes de tudo, um problema ontológico (do ser) e metodológico – competência para coleta e organização de enunciados socioculturais.
A pesquisa como artesanato do cotidiano. O artesanato da pesquisa significa que o trabalho simboliza a união entre as formas racionais de construção dos referentes bibliográficos capazes de legitimar, academicamente, as idéias do pesquisador e os jogos de linguagem capazes de transformar a razão paralisante dos conceitos em lógica lúdica de significados, ou seja: objeto e objetivos da pesquisa devem ser colocados em movimento a partir da criatividade dos pesquisadores. A criatividade em pesquisa não é sinônima de “digressão” – sequer do excesso de metáforas, que podem ser usadas como instrumentos metodológicos - mas um exercício, no qual se estende a vida à pesquisa e a pesquisa à vida – de forma que a recriação não prescinda da recriação, como nos explicita C. Wright Mills, “Não há ruptura entre o trabalho e diversão, ou trabalho e cultura. O modo como o artesão ganha seu sustento determina e impregna todo o seu modo de vida”. (2009, p.59). O lúdico é método. Proporciona ao pesquisador a utilização da abordagem indutiva ampliada, na qual nenhuma proposição depende do estatuto de “verdade científica”.
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Na inscrição do cotidiano no jornalismo impresso, o pesquisador deve procurar mais ludogia que ideologias com relação aos jogos de linguagens – de acordo com a “tradição wittgenstiana”. A análise da ideologia demonstra a aparência do sistema de idéias considerado dominante. Nesse sentido, as linguagens das editorias, no jornalismo, refletem o predomínio ideológico nos campos da política, cultura, lazer, esportes, economia etc. Na ludogia – esfera de conhecimento que se refere a jogos e passatempos –, o recorte da temática não se subordina à violência dos conceitos, mas busca construir um conhecimento que não é determinado pelas teses – argumentação e comprovação científicas das idéias; considerando o lugar das referências como determinante na conclusão da pesquisa. O trabalho de pesquisa sobre a inscrição do cotidiano no jornalismo impresso deve se basear não em teses, mas em métis. Esta representa o pensamento circular – em constante movimento – que busca entender, geometricamente, as formas dos saberes. Se a tese necessita da antítese para anunciar sua legitimidade na síntese, a métis traz em si formas antitéticas e sintéticas, pois considera, antes de tudo, as diversas formas que o objeto pode assumir no transcurso da pesquisa. O cotidiano como objeto de pesquisa e de inscrição em linguagens específicas é polissêmico e mutável. Portanto, sua leitura requer instrumentos que ultrapassem o “império utilitário das referências” e ousem dialogar com outros campos do conhecimento, considerando o senso comum e o lúdico como ferramentas essenciais no estudo das formas de inscrição dos fenômenos da vida cotidiana no jornalismo. Conclusão Os elementos estruturais de um anteprojeto de pesquisa têm, em primeiro lugar, um caráter hipotético, pois o percurso do pesquisador deve se estabelecer através do equilíbrio entre as normas científicas e a sua imaginação criativa. A jornada do artesão-pesquisador, sobretudo aquele que busca entender o feixe de significados produzidos pelas mídias no cotidiano e do cotidiano nas mídias, deve atender às considerações de C. Wright Mills; Para dar a seu trabalho o frescor da criatividade, o artesão deve por vezes abrir-se àquelas influências que só nos afetam quando nossas atenções estão relaxadas. Assim, para o artesão, afora o mero repouso animal, o lazer pode ocorrer naqueles períodos intermitentes necessários para a individualidade em seu trabalho. Assim, como leva para seu lazer a capacidade e os problemas de seu trabalho, 39
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também traz de volta para o trabalho aquelas sensibilidades que não atingiria em períodos de tensão elevada, constante, necessários para o trabalho consciente. (Mills, 2009, p. 62). A pesquisa do cotidiano inscrito no jornalismo impresso deve ser estruturada a partir de três elementos: 1) o trabalho do pesquisador como artesão de conceitos; 2) a verificação das formas ético-estético da vida cotidiana; 3) a análise das narrativas jornalísticas que reapresentam os fenômenos cotidianos através da linguagem jornalística. Referências FREUND, Julien. Introdução à tradução francesa da obra de Georg Simmel: sociologie e epistemologie. Paris: Puf, 1981. GRAWITZ, Madeleine. Méthodes des Sciences Sociales. Paris : Éditions Dalloz, 1983. HORGAN, John. O fim da ciência: uma discussão sobre os limites do conhecimento científico. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. JUAN, Salvador. Les formes élémentaires de la vie quotidienne. Paris: Puf, 1991. MAFFESOLI, Michel. A contemplação do mundo. Porto Alegre: Arte e ofícios, 1995. MILLS, C. Wright. Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.
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“Mulher não é só bunda e peito”: a exploração do corpo feminino pelo Jornal JÁ Paraíba Mabel Dias14 “Os meios de comunicação têm um papel decisivo para preservar a igualdade de gênero, ou seja, a democracia (...)” – Teresa Carreras, diretora de La Independent – Barcelona
A Paraíba ocupa o 4º lugar no Mapa da Violência 201215, dentre os estados em que mais se matam mulheres no Brasil. A Capital, João Pessoa, está na 12º posição. A violência contra a mulher é o reflexo de uma sociedade patriarcal, em que o homem considera a figura feminina como sua “propriedade”. A violência contra a mulher é classificada como psicológica, física, moral, patrimonial, sexual e tráfico de mulheres. O movimento feminista na Paraíba tem pautado a mídia (TV, rádio, jornal impresso, portais, entre outros), em relação aos assassinatos de mulheres no estado, provocando uma incidência política positiva para denunciar este fenômeno, como também mobilizar a sociedade e cobrar do Poder Público a aplicação integral da Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006) e de outras políticas públicas que preservem os direitos humanos das mulheres. O movimento feminista paraibano mudou a maneira como a imprensa noticia os casos de violência contra a mulher (AZEVEDO, 2011). Antes, estas notícias eram colocadas no caderno policial dos jornais impressos. Hoje, elas são inseridas no caderno Cidades e também podem contar com Cadernos Especiais sobre a temática. No dia 15 de abril de 2013, o jornal Correio da Paraíba publicou matéria especial sobre a violência contra a mulher no estado, ocupando por inteiro a página B4 do Caderno Cidades. Na contramão desta conquista, em 2009, um jornal que prima por trazer expostas em sua capa imagens de mulheres seminuas, em poses eróticas. Tal impresso, denominado “JÁ Paraíba”, possui como fórmula de venda quatro elementos básicos: futebol, violência, mulheres seminuas ou nuas e o preço convidativo, principalmente para as pessoas de menor poder aquisito: apenas R$ 0,25. O JÁ Paraíba é um dos veículos do Sistema Correio de Comunicação, que também é responsável pelo Jornal Correio da Paraíba, e circula diariamente, de 14 Graduada em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: mabeld38@gmail.com 15 Conferir as páginas 7 e 8. www.mapadaviolencia.org.br/pdf2012/mapa2012_mulher.pdf
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segunda a sábado. O JÁ Paraíba é considerado um jornal fait divers. Na edição lançada no dia 11 de maio de 2013, comemorou os quatro anos de existência. Não é difícil encontrar em qualquer ponto da cidade alguma pessoa que esteja folheando o JÁ. De acordo com Manuela Lira e Ana Veloso (2008), a violência simbólica contra as mulheres “confere poder aos meios de comunicação em reproduzir o estereótipo patriarcal que relega uma posição de subalternidade à mulher, apresentando-a como inferior ao homem. Dessa forma, pode servi-lo como seu objeto de prazer e de consumo ideológico (fetiche) sexual” (p.2) Para as autoras, os meios de comunicação têm atuado como intrumentos de difusão de mensagens machistas, colaborando com o processo de massificação/coisificação social da imagem feminina. Esse processo é resultado da desconsideração da função política e social do homem e da mulher, tanto em um contexto individual, quanto no coletivo. Neste artigo, pretende-se discutir o uso da imagem das mulheres como estratégia de venda de um jornal, de apelo popular. Acreditamos que esta discussão é importante para refletirmos tanto sobre a fórmula utilizada por este tipo de impresso quanto sobre as relações de gênero. Para tanto, dedicaremonos vamos nos dedicar à análise de 16 capas do Jornal JÁ Paraíba, publicadas no período de dezembro de 2012 a maio de 2013, com o intuito de responder as seguintes perguntas: Os corpos das mulheres seminuas, expostos na capa do Jornal JÁ, representam mais uma violência para o sexo feminino? A exibição das imagens de mulheres seminuas no JÁ Paraíba pode contribuir para o estímulo da violência contra a mulher? A mídia precisa de controle social? Controle sobre a mídia é censura? Estes são os pontos principais que serão debatidos neste artigo. O boom dos jornais populares Os jornais chamados populares, assim considerados por atingirem um grande número de pessoas e por terem uma linguagem acessível, têm como receita para atrair o público as manchetes de crimes bárbaros, imagens de mulheres seminuas, fofocas sobre pessoas famosas e notícias de esportes. Seu surgimento teve início no fim do século XIX, na Inglaterra e nos Estados Unidos. No Brasil, começaram a ser produzidos no início do século XXI. O propósito é atingir as chamadas classes C, D e E, utilizando-se de uma linguagem simples textos curtos, muita fotografia e cores fortes. Diniz (2009) aponta os jornais populares como a alternativa à crise financeira que abala a mídia impressa em todo o mundo. Com o surgimento da internet e dos portais de notícias on line, em que os leitores podem acessar sem ter que pagar diretamente por elas, os empresários da comunicação tiveram que 42
encontrar um meio para poder manter-se no mercado de impressos e assegurar os lucros. Não importava de que maneira fosse. E os jornais “populares” surgiram como a solução. Dines (2009) afirma que em 2008 este mercado exibiu cerca de um milhão e duzentos mil exemplares diários, o que pode significar, no mínimo, o dobro deste quantitativo em número de leitores. Aliado a todos estes elementos, o corpo feminino novamente é exposto como produto nas capas dos jornais fait divers, termo francês que indica os fatos que envolvem escândalos, curiosidades e fenômenos bizarros encontrados nos jornais da imprensa sensacionalista ou popular (NEVES, 2007). O uso do corpo feminino como meio para atrair consumidores é um fato presente na mídia em geral, e não só nos jornais tidos como populares. As estratégias de comunicação em geral, vinculadas ao mercado e a necessidade de vender produtos, geraram uma relação muito direta entre consumo, prazer e poder. E a mulher aparece aí quase que como o próprio produto de consumo. É assim que se vende cerveja, é assim que se vende carro, é assim que se vende qualquer coisa a partir da figura feminina, especialmente a partir do corpo da mulher (Entrevista da deputada federal Maria do Rosário do PT do Rio Grande do Sul à revista Carta Maior, em 20/07/2004). E o JÁ Paraíba não foge a uma das regras dos jornais sensacionalistas ao querer vender suas “ideias”, e expõe em sua capa, e nas páginas destinadas a entretenimentos, fotos de mulheres nuas ou seminuas, em poses consideradas sensuais. Geralmente, as fotos das páginas internas do tablóide trazem um texto apelativo sobre a modelo daquela edição, que demonstra a reprodução da visão machista da sociedade em relação às mulheres, e consequentemente, de seus editores. Entre estes, podemos citar o da edição do dia 27/04/2013, número 300: “Bela e difícil: Veridiana Quadros é uma bela loira de olhos verdes, corpo bronzeado e escultural. Essa é de deixar os homens de queixo caído, mas ela garante que não é uma mulher fácil”.
Não está indicado no JÁ quem escreve estas notas ou se elas são retiradas de outro jornal ou revista que explore o corpo feminino como mercadoria. Porém, revela a representação estereotipada da mulher, embasada ainda em uma ideologia de consumo que impõe padrões de beleza, gerando assim 43
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discriminações àquelas que não conseguem ou que não querem alcançar tal exemplo. Além da imposição de modelos “perfeitos” de mulheres, o texto traz em seu último parágrafo um jogo com a imagem da modelo, em três fotos, na primeira vestindo lingerie; na segunda “de quatro”, sem o sutiã; e na terceira deitada, também sem o sutiã e com as duas mãos sobre os seios. A relação que o redator busca fazer entre texto e fotos tenta mostrar que, vestida desta forma, ela não pode ser uma mulher difícil, e que, portanto, estaria “disponível” a quem quiser. Além de estimular o desejo do leitor diante da modelo, vende-se a mulher e os desejos que os homens terão sobre ela. Os textos, aliados às imagens no jornal JÁ Paraíba, mostram as mulheres como meros objetos sexuais, submissas e desprovidas de intelectualidade. Se observarmos bem, o conjunto de fatores que fazem parte da receita dos jornais sensacionalistas direciona-se ao público masculino. As mulheres, como alerta Bourdieu (1999), são tratadas como objetos ou como símbolos cujo sentido lhes está alheio e cuja função é manter o capital simbólico – especialmente a honra – em poder dos homens. Dessa forma, elas circulam como mercadorias de ínfimo valor no mercado de bens simbólicos; precisam estar sempre belas e magras (SAYÃO, 2003).
Em outra edição, desta vez a do dia 08/05/2013, a modelo que tem seu corpo exposto na capa é Josi Detz. No texto que acompanha suas fotos, também em número de três, o redator da nota informa que ela estuda para concursos federais. Neste sentido, o JÁ opta mais uma vez em não mostrar uma imagem positiva da mulher, como ser humano capaz, pró-ativo e inteligente, preferindo relacionar a imagem feminina apenas como mais um produto. Em 1995, o Brasil participou da 4ª Conferência Mundial da Mulher, realizada em Pequim, na China. Nesta conferência, estabeleceu-se uma plataforma de ação com 12 áreas prioritárias referentes à mídia. Os objetivos da Conferência, conforme aponta Moreno (2012), explicitam a necessidade de estimular, controlar e criar uma mídia que promova o crescimento digno da mulher, em vez de incentivar o rebaixamento de sua autoestima ao perpetuar e reiterar a apresentação de conceitos negativos e degradantes. Entre os objetivos da Conferência estão: Incentivar a mídia a que se abstenha de apresentar a mulher como ser inferior e de explorá-la como objeto sexual e bem de consumo, ao invés de apresentá-la como ser humano criativo, agente principal, contribuinte e beneficiária do 44
processo de desenvolvimento (Conferência Mundial da Mulher, Pequim, 1995). Mas, por que utilizar o corpo feminino para vender jornais? Por que exibir imagens de mulheres com seus corpos em trajes minúsculos ou nuas como estratégia de venda para atrair consumidores? A mídia, neste caso, o jornal impresso, reforça a violência simbólica, associando a mulher como objeto de consumo, de prazer e de lazer dos homens. Bourdieu (1999) afirma que para compreender a dominação masculina em uma sociedade contemporânea é fundamental considerar as estruturas inscritas na objetividade e na subjetividade dos corpos. Para os corpos existirem no mundo social eles precisam estar inseridos em uma cultura, deixando assim de ter um aspecto físico para assumir um significado cultural. A mídia é uma instituição que normatiza o simbólico, ao construir representações do sexo feminino, a partir da exploração de seus corpos. “O uso do próprio corpo pela mulher continua de forma bastante evidente subordinado ao ponto de vista masculino” (BOURDIEU, 1999, p.40). A violência simbólica do JÁ e a violência de gênero Tradicionalmente, conhecemos como violência contra a mulher as formas física, psicológica, patrimonial, moral, sexual, e o tráfico de mulheres. Porém, há uma que não é tão debatida nem evidenciada pela sociedade: a violência simbólica. Violência simbólica, violência suave, insensível, invisível as suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou mais precisamente do desconhecimento, do reconhecimento, ou em última instância, do sentimento. Essa relação social extraordinariamente ordinária oferece também uma ocasião única de apreender a lógica da dominação, exercida em nome de um princípio simbólico conhecido e reconhecido tanto pelo dominante quanto pelo dominado, de uma prioridade distintiva, emblema ou estigma, dos quais o mais eficiente simbolicamente é essa propriedade corporal inteiramente arbitrária e não predicativa que é a cor da pele (BORDIEU, 1999, p.7-8). Por ser algo do campo subjetivo, a violência simbólica pode ser considerada como uma maneira “sutil” de agressão, que não é percebida rapidamente como 45
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uma violência física, por exemplo. A violência simbólica pode ser comparada à psicológica, na medida em que seus sintomas, por assim dizer, são sentidos subjetivamente. Um dos argumentos utilizados pelos editores dos jornais sensacionalistas é que as mulheres que têm seus corpos nus expostos em suas capas não são obrigadas a fazê-lo. O que isto pode ser dito para justificar que isto não representa uma violência, pois elas permitiram que seus corpos fossem exibidos da maneira que os editores do jornal bem quisessem. E com o propósito que quisessem. Porém, segundo Pierre Bourdieu, em seu livro “O Poder Simbólico”, os sistemas simbólicos são estruturas basilares da sociedade que conduzem instrumentos de dominação para legitimar o poder, seja numa relação entre classes sociais (divisão de trabalho) ou numa relação manual/intelectual (divisão de trabalho ideológico). “O poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 1998, p.7-8). O poder dominante, observa Bourdieu, rege as instituições (Estado, família, religião e os meios de comunicação), estando em toda parte, agindo de maneira disfarçada para não ser percebido. Esse poder também induz a violência simbólica contra a imagem da mulher, e que está presente na mídia.
Os jornalistas [...] podem até não ter a plena consciência de que a veiculação de matérias [...] pode refletir um estereótipo ou visão preconceituosa de determinada classe, raça ou gênero. No entanto, o mais grave é que a sociedade, e as próprias mulheres, como objetos simbólicos da reprodução desses valores, muitas vezes também não conseguem perceber o desrespeito à condição social feminina (VELOSO & LIRA, 2008, p. 5). Por outro lado, 80% das mulheres consideram que a sua imagem na mídia atualmente, além de desagradar, contribui para uma desvalorização e subjulgamento geral da figura feminina (pesquisa Fundação Perseu Abramo/ SESC – 2011) As estatísticas apontam que, a cada dois minutos, cinco mulheres são vítimas de violência no Brasil (MORENO, 2012, p.49). A despeito dessa dura realidade, a exposição do corpo feminino em jornais como o JÁ Paraíba reforça a cultura machista tão marcante em nossa sociedade, afirma o homem como dominador e a mulher como objeto decorativo e servil. O modo como os jornais sensacionalistas apresentam a figura feminina retroalimenta a desigualdade social de gênero e em nada contribui para o combate à violência contra a mulher. 46
Na edição de nº 223 do dia 26/01/2013, o jornal JÁ Paraíba traz entre as suas manchetes de capa o sequestro da estudante Fernanda Hellen, de apenas 11 anos, que foi encontrada morta no quintal de seu vizinho, em abril de 2013. Na edição de nº 217, de 19/01/2013, o JÁ noticia a fuga do ex-marido da professora Briggída Lourenço, Gilberto Stuckert Neto, acusado de matá-la em seu apartamento. Ao mesmo tempo em que traz em suas páginas informações sobre a violência contra meninas e mulheres na cidade de João Pessoa, como também, o contato de serviços de apoio e denúncia às mulheres vítimas de violência de gênero, o JÁ Paraíba estampa em sua capa, acima da manchete sobre o caso Fernanda Hellen e da professora Briggída Lourenço, imagens de mulheres em poses apelativas, com os seios à mostra, sendo cobertos apenas por duas estrelas. Tal exposição mostra uma contradição do jornal, que denuncia a violência contra a mulher na Paraíba, e por outro lado, explora seus corpos, como se fossem mercadorias, um fetiche sexual para o público masculino. Sob nosso ponto de vista, a exibição de corpos de mulheres seminuas, com apelo erótico, mostrando-as “disponíveis” com textos convidativos aos homens, pode estimular a prática da violência contra a mulher. Em outra capa, desta vez do dia 22/12/2012, às vésperas do Natal, o JÁ Paraíba, expõe a foto de duas mulheres vestidas de Mamãe Noel, “brincando” de olhar o que está escondido por dentro do vestido de cada uma. Tal imagem tenta trazer à tona a antiga fantasia masculina de ver duas mulheres tendo relações sexuais, ou ainda, fazendo um ménage a trois, com a presença de um homem. Resta-nos a dúvida: é um jornal ou uma revista pornô? Para a ex-deputada federal, Maria do Rosário (PT), atual ministra da Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal, a exposição da mulher na mídia desta forma, mostra a conivência dos meios de comunicação, e inclusive da sociedade em geral, com a transformação da imagem e do corpo da mulher em mercadoria, num contexto fortemente erotizado. Para a ministra, após realizar uma análise da exploração do corpo da mulher pela mídia, ela constatou que a apresentação das mulheres desta forma estimula a violência sexual por parte dos homens, conforme destacamos abaixo:
Não sei se o que houve, em termos de comunicação, se foi planejado, ou se os setores que decidem sobre ela avaliaram alguma vez os efeitos dessa coisificação da mulher. [...] Desde grupos musicais até programas de televisão, os meios de comunicação de massa em geral construíram uma ideia da mulher a partir de partes de seu corpo. É bum-bum assim, é um seio desse ou daquele jeito, etc. absolutamente 47
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segmentado, cérebro e corpo (Maria do Rosário, entrevista à revista Carta Maior, 20/07/2004) A diretora executiva do Sistema Correio de Comunicação – sistema responsável, pela produção do jornal JÁ Paraíba -, Beatriz Ribeiro, também é presidente da Fundação Solidariedade. A Fundação é defensora dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Ao todo são oito objetivos que deveriam ter sido implementados até 2012 e revistos em 2015. Dentre estes objetivos, o de número 3 trata da igualdade entre os sexos e a valorização da mulher. A Fundação Solidariedade se coloca como determinada a cumpri-los, realiza diversos eventos para divulgar suas propostas e conseguir recursos e aliados. A mais recente delas aconteceu no dia 25 de abril de 2013 quando três deputados estaduais da Paraíba, Daniela Ribeiro (PP), Toinho do Sopão (PEN) e Olenka Maranhão (PMDB), estiveram reunidos com a presidente da Fundação para firmar parceria e ações voltadas para defesa e ampliação dos direitos da mulher. Entre as linhas de atuação do grupo está o combate à violência contra a mulher. Em entrevista ao Portal Correio da Paraíba, a deputada Daniela Ribeiro, que também é presidente da Comissão dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa do estado, afirma que a divulgação de projetos que beneficiem a mulher é fundamental para o cumprimento dos direitos: Temos o exemplo da Lei Maria da Penha, que passou a ser aplicada depois de ampla divulgação nos meios de comunicação. Por isso, buscamos a parceria com a Fundação Solidariedade, instituição que nos ajudará a difundir os direitos da mulher na Paraíba (Trecho da entrevista em 25/04/2013). Resta-nos saber de que forma a Fundação Solidariedade pretende difundir os direitos da mulher no estado, bem como combater a violência que alcança índices preocupantes na Paraíba. Isto porque a presidente da Fundação e a diretora executiva do Sistema Correio, que produz o JÁ, são a mesma pessoa, e como já foi dito anteriormente, o JÁ é um dos veículos responsáveis em difundir a violência simbólica contra as mulheres, na medida em que expõe seus corpos no jornal como mercadoria de consumo para o público masculino. O que é totalmente contrário ao já citado Objetivo do Milênio de número 3. Diante deste quadro, devemos ficar atentos para saber se as Metas do Milênio serão de fato alcançadas na Paraíba. Para Moreno (2012), os meios de comunicação possuem uma importância significativa para a formação da cultura e responsabilidade na implementação 48
da equidade de gênero e, consequentemente, na formação de uma sociedade democrática, igualitária e inclusiva. Pontos caríssimos à democracia de um país e que o Sistema Correio. Políticas públicas para as mulheres e o marco regulatório das comunicações Depois de vários anos de luta, foi realizada, em 2009, a I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). Nesta conferência, foram definidas as demandas para um novo marco regulatório das comunicações no Brasil. Em 2011, a cidade do Rio de Janeiro sediou o seminário “Marco Regulatório – propostas para uma comunicação democrática”, na qual foi estabelecida uma plataforma com 20 propostas consideradas prioritárias para a definição de um marco legal para as comunicações. Entre estes 20 pontos, não há nenhuma recomendação que seja direcionada aos veículos de comunicação sensacionalista impressos e o modo como mostram a imagem da mulher. Porém, nos pontos 13 e 14 da Plataforma, existem orientações para o respeito à diversidade etnicorracial, de gênero e orientação sexual, de classes e de crença, e a criação de mecanismo de responsabilização das mídias por violações de direitos humanos. O marco regulatório das comunicações é o documento mais recente que propõe meios para regulamentar artigos da Constituição Federal em relação à comunicação, seja em relação ao combate aos oligopólios, seja em relação ao conteúdo discriminatório que é veiculado pela mídia, que não vem cumprindo com sua finalidade educativa, cultural e informativa. Em dezembro de 2011, aconteceu a III Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, na qual foi elaborado o III Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, referendando as propostas aprovadas por quase 200 mil brasileiras na II Conferência, em 2008. O II Plano (2008) de Políticas para as Mulheres traz em seu eixo VIII propostas em relação à Cultura, Comunicação e Mídias Igualitárias, Democráticas e Não Discriminatórias. Em seu objetivo geral, no ponto IV, propõe: “Contribuir para elaboração de um marco regulatório para o sistema de comunicação brasileiro que iniba a difusão de conteúdos discriminatórios relacionados a gênero, raça/etnia, orientação sexual, e para a implantação de órgão executor desta finalidade”. Nas prioridades, o Plano estabelece: “Construir mecanismo de monitoramento e controle social dos conteúdos veiculados nos espaços de mídia e comunicação, assegurando participação ativa, constante e capilarizada da sociedade.” O II Plano já indicava propostas para o estabelecimento de um marco regulatório para as comunicações. O Brasil possui inúmeros mecanismos para controle dos conteúdos de mídia que agridam a democracia e a igualdade de gênero, como também, propõe 49
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políticas públicas para o enfrentamento efetivo à violência doméstica e familiar contra a mulher como a Lei Maria da Penha, por exemplo. O que falta é que estas leis sejam colocadas em prática. Na Paraíba, não existe compromisso político para tornar efetivas as recomendações do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, que propõem uma mídia igualitária e mecanismos de controle social. Em relação ao Marco Regulatório das Comunicações, a presidenta Dilma Roussef não tem demonstrado interesse em debatê-lo com a sociedade, tão pouco de efetivá-lo. Os jornais sensacionalistas fazem parte de uma lógica da sociedade capitalista em que o lucro é o que interessa. E nesta seara, não importa os meios que serão usados para atingir os fins. E a figura feminina entra aí como mais um produto a ser utilizado para conseguir lucro. Os jornais populares, segundo Neves (2007), têm uma grande importância, pois atingem a população que é excluída da informação e que não tem o hábito da leitura. Porém, não podem se valer desta máxima para explorar a imagem feminina de qualquer jeito, rasgando Leis, normas, o código de ética dos jornalistas e convenções das quais o Brasil é signatário, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Convenção Cedaw), ou ainda a Conferência de Beijing que propõe aos governos e aos próprios meios de comunicação objetivos estratégicos e ações específicas para estimular, controlar e criar uma mídia que promova o crescimento digno da mulher. A mídia é uma prestadora de serviço público, formadora de opinião, e, portanto, com responsabilidade social sobre as informações e imagens que veicula. “A mídia quer seja considerada concessão pública, quer seja considerada propriedade privada, produz uma mercadoria de inegável impacto social no imaginário, nos desejos, nos hábitos, na cultura da população que atinge” (MORENO, 2012, p.221). Diante disto, a mídia deve cumprir o seu papel, que também é educativo, e possuir um controle de qualidade, que seja feito não só por ela mesma, como também pela própria sociedade civil. Os jornais populares podem veicular informações de qualidade, ter uma linguagem simples, mas que não reforce preconceitos de classe, gênero ou orientação sexual. Que não se utilize da imagem da mulher para poder atrair público e conseguir vender seu produto. Agindo desta forma, o jornalismo popular terá credibilidade para cumprir a função de colaborar com o crescimento intelectual das pessoas que são excluídas social e economicamente da sociedade. A partir do momento em que jornais sensacionalistas como o JÁ colocam em suas capas corpos de mulheres em poses apelativas, sem fala própria, de maneira erotizada, realizam um retrocesso na luta de mais de 20 anos do movimento feminista, que possui como principal bandeira o direito das mulheres ao próprio corpo. A Lei Maria da Penha, que apresenta cláusulas de combate à 50
violência contra a mulher, foi uma conquista árdua, fruto de muito empenho e luta do movimento feminista. Infelizmente, o passo que avançamos nos direitos humanos das mulheres, continuamos ainda a assistir a violação de nossos corpos, seja de maneira física, seja de maneira simbólica, como no caso da mídia aqui analisada. Somos violentadas por sermos mulheres. Nosso corpo é agredido todos os dias, de várias maneiras. E difícil mudar os hábitos, imagens, estereótipos e preconceitos sem o concurso dos meios de comunicação, que poderiam ser aliados de peso. Mais difícil ainda é conseguir mudar os hábitos apesar de combatendo as imagens das mulheres veiculadas pela mídia – imagens carregadas e reprodutoras de preconceitos de gênero [...] Como concessão pública ou empresa privada, difusora de produtos culturais de grande alcance e impacto social, seria dever e responsabilidade social da mídia dirigir os seus esforços no sentido do efetivo cumprimento e adequado tratamento dos direitos humanos das mulheres – metas dos governos e dos países democráticos [...] (MORENO, 2012, p.221-222). Considerações Finais Os jornais populares ou sensacionalistas promovem um retrocesso em relação aos direitos humanos das mulheres. Infelizmente, a sua fórmula de venda e marketing tem conseguido alcançar êxito, consolidando este produto no mercado jornalístico, gerando lucros aos empresários que produzem este tipo de material. O capitalismo transforma pessoas em mercadorias, e as empresas de comunicação, por fazerem parte deste sistema, não fogem à norma de fazer tudo para conseguir manter-se no mercado. Conferências, Convenções e o próprio Marco Regulatório das Comunicações, traçam uma série de recomendações para os meios de comunicação, orientandoos a não reproduzir os estereótipos que violentam as mulheres. A mídia tem, sim, responsabilidade no que transmite, por isto, não deve se omitir ou fugir deste compromisso ético, para que mantenha a democracia e atue para o fim da violência de gênero. O controle social da mídia, proposto por diversas entidades, entre elas o Coletivo Intervozes e o próprio movimento feminista, não se configura como censura para imprensa. Mas, sim, o chamamento para que esta mídia assuma a responsabilidade em relação às informações que faz circular na sociedade. 51
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Outro meio pelo que podemos nos guiar para a promoção de uma mídia igualitária e inclusiva é indicado pelo educador Paulo Freire. Ele propõe uma comunicação horizontal, em que o individuo atue como sujeito político e social, e não como integrante de uma massa passiva, que absorve informações e não faz valer seu papel de cidadão, questionando aquilo que recebe. Por outro lado, um dos fatores responsáveis pelos índices de venda é a educação fragilizada de nosso país. E não porque o chamado “povão” gosta de ver sangue e mulher nua. A educação, que pode proporcionar uma leitura crítica da mídia, é o ponto fundamental para que possamos estabelecer uma imprensa livre de fato, e que não reproduza a violência simbólica contra mulheres, negros, indígenas, homossexuais e pobres. Referências AZEVÊDO, Sandra Raquew dos Santos. Mulheres em pauta – gênero e violência na agenda midiática. João Pessoa, Editora Universitária UFPB, 2011 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 2. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. DINIZ, Lilia. “O boom dos jornais populares”. Observatório da Imprensa – 28/11/2007 – Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/ news/view/o_boom_dos_jornais_popularesnbsp Acessado em 10 de maio de 2013. ____________. “Jornais populares fogem do padrão se espremer, sai sangue”. Observatório da Imprensa – 15/04/2009 – Disponível em: http://www. observatoriodaimprensa.com.br/news/view/jornais_populares_fogem_ dopadrao_se_espremer_sai_sangue. Acessado em 10 de maio de 2013. MORENO, Rachel. A imagem da mulher na mídia- controle social comparado. São Paulo, Publisher Brasil, 2012 NEVES, Cigredy Observatório da Imprensa – 25/09/2007 – “Sensacionalmente correto” Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/ view/sensacionalmente_correto Acessado em 10 de maio de 2013. PEREIRA, Cícero Antônio Dias. “A exploração do corpo feminino como ferramenta para alavancar circulação da mídia impressa – uma infeliz experiência chamada “A gata da serra” do Jornal Diário da Borborema”. 52
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A gente se vê na “Tela da Verdade”: as lições de um programa policial na Paraíba Jocélio de Oliveira16 Introdução A literatura existente sobre programas policiais no país apontam o extinto Aqui e Agora, exibido durante a década de 90 no SBT, como o primeiro produto audiovisual policial na TV brasileira. A fórmula foi apropriada e replicada por outras emissoras de alcance nacional e tornou-se modelo para as afiliadas. No horário do almoço, cinco programas, inicialmente de cunho jornalístico, disputam a audiência entre os paraibanos. Quatro deles assumem os eventos policiais como mote único para a elaboração de uma performance cativante: Cidade em Ação, da TV Arapuan (Rede TV!); Aqui na Clube, transmitido pela TV Clube (Rede Bandeirantes); Caso de Polícia, exibido na TV Tambaú (SBT) e o Correio Verdade, da TV Correio17, afiliada da Rede Record. O quinto programa, JPB 1ª edição, da TV Cabo Branco afiliada da Globo, noticia ainda os fatos políticos, matérias de comportamento sobre moda, alimentação, agenda cultural, entre outros. Nesse trabalho, vamos colocar em tensão o espaço para exibição dos crimes na televisão. Nossa análise centra atenção no programa Correio Verdade (identificado daqui em diante como CV), apresentado por Samuka Duarte. A escolha leva em consideração o destaque na audiência local que o produto alcançou. Aires (2012, p. 4) identificou na homepage do sistema de comunicação que o programa alcançava, à época, 46,18 pontos. Durante sua trajetória, iniciada em 2003, uma cobertura chama atenção pelo desrespeito aos direitos humanos. No dia 30 de setembro de 2011, por exemplo, foi exibido pelo Correio Verdade o suposto estupro de uma adolescente numa escola pública de João Pessoa. O caso se transformou em ação judicial ajuizada pelo Ministério Público Federal18. 16 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba. Desenvolve estudos sobre as relações entre o público e programas policiais na Paraíba. Jornalista desde 2009, atuou em revista, portais de notícia e televisão. E-mail: oliveira.jocelio@gmail.com 17 A TV Correio faz parte do Sistema Correio de Comunicação, reúne 4 sites, 1 fundação, 2 revistas, 11 rádios AM e FM, 2 TVs, sendo um canal fechado e outro aberto, além 2 jornais impressos. Como pode ser conferido em http://portalcorreio.uol.com.br/servicos/todos-os-veiculos.aspx 18 Mais informações podem ser conferidas no site do Ministério Público Federal na Paraíba, a partir das notícias: Estupro na TV: pela 3ª vez, MPF insiste que Justiça Federal aprecie liminar http://www.prpb.mpf.gov. br/news/estupro-na-tv-pela-3a-vez-mpf-insiste-que-justica-federal-aprecie-liminar; MPF ajuíza nova ação contra programa Correio Verdade http://www.prpb.mpf.gov.br/news/mpf-ajuiza-nova-acao-contra-programa-
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A tradição acadêmica já tratou de analisar programas com esse perfil e sugerem que eles buscam para si uma missão educativa e de defesa da sociedade, para isso se utilizam de um discurso com apelo religioso (JORON, 2004). Além disso, eles provocariam a desinformação, na medida em que seus discursos sensacionalistas condenam os suspeitos de forma antecipada, enquanto reforçam preconceitos e estereótipos (CARVALHO JÚNIOR, 2010). Acreditamos que o enquadramento como ‘sensacionalista’ limita a análise a um conceito já desgastado e, com isso, empobrece o debate. Por outro lado, o que nos preocupa nesse cenário é a compreensão desse fenômeno social de liderança da audiência mantido pelo CV. Quais laços de identidade se criam entre o público e o programa? Que tipo de características existentes no Correio Verdade produzem esse tipo de afeto? No cotidiano dos jornalistas na redação trabalha-se com a seletiva noção do que uma audiência presumida espera da notícia (VIZEU, 2002). Colocamos em tensão nesta pesquisa o que se assume como esse “gosto popular” em programas policiais. Ao longo deste trabalho, pretendemos sugerir alguns pontos que podem contribuir para essa discussão. A análise ainda é incipiente e apresenta ideias iniciais que serão desenvolvidas ao longo de uma pesquisa no Programa de mestrado em Comunicação e Culturas Midiáticas da Universidade Federal da Paraíba. Para efeito desta discussão, analisamos seis edições do programa, que foram escolhidas de forma aleatória, durante os meses de março e abril, e gravadas por meio da utilização de um dispositivo móvel, um tablet. Ao longo desse percurso, vamos recuperar as críticas feitas em nível nacional e local aos produtos midiáticos que seguem a linha da televiolência. Tentamos identificar nessas análises quais itens apontam para a criação de algum vínculo entre o CV e o público. Por fim, defendemos que embora esse produto televisual seja fundado no formato do telejornalismo, essa já deixou de ser a sua principal função. Ele tem a sua sobrevida garantida em função da apropriação de diversos formatos na sua definição. Por isso, desse ponto em diante, optamos aqui por não chamar o CV de telejornal, apesar de entender que o material exibido pode ser chamado de reportagem ou notícia, fórmula que também é encontrada em programas de entretenimento, por exemplo. Essa questão também será pontuada à frente. Do Correio Verdade e sua arte O programa é exibido de segunda a sábado, a partir do meio dia e tem duração de uma hora e meia. É um dos principais produtos da emissora e líder correio-verdade e MPF processa TV Correio e apresentador por exibição de cenas de estupro de menor http:// www.prpb.mpf.gov.br/news/mpf-processa-tv-correio-e-apresentador-por-exibicao-de-cenas-de-estupro-demenor. Todos os sites foram acessados em 16 de outubro de 2012.
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de audiência no horário do almoço. Ele é apresentado por Samuka Duarte, que é formado em Matemática e Biologia. A atuação dele é essencial para dar ritmo ao produto audiovisual. Muitas vezes ele assume o papel de entreter o público. No site do programa ele é apresentado da seguinte forma: “Samuka Duarte é um apresentador irreverente e carismático que conquista seu telespectador por exigir explicação da autoridade e soluções de problemas direcionados à violência e à injustiça social”. Carisma e irreverência que já são expostos desde o início do CV, como foi possível observar na edição do dia 8 de abril. Ele arremata a abertura do programa da seguinte forma: “Aqui é pau pra comer sabão! E pau pra saber que sabão não se come! Aqui o tira gosto é macaíba e ripa na chulipa!”. Ainda sobre o apresentador, o trabalho de AIRES (2012) sugere que “Samuca19 define o seu espaço social, político e econômico, clamando o reconhecimento das autoridades policiais por outros poderes, através da sua competência técnica, solidificada no seu dia a dia de trabalho e pela valorização do espetacular” (p. 10). Mas ele não está sozinho nessa tarefa e durante sua performance faz questão de deixar isso claro. Enquanto “chama” as reportagens, interage com os cinegrafistas do estúdio, operadores de áudio, a editora do programa, que são identificados pelos nomes ou apelidos. Alguns deles chegam a ser convidados para aparecerem na frente das câmeras. Outros se mantém no nível do imaginário, como elemento abstrato e integrante da rotina do CV. Além das pessoas, são utilizados recursos técnicos diversos para compor o produto. Imagens das reportagens são exibidas num telão para que seja feito o recorte que se pretende destacar. Também na edição do dia 8 de abril, por exemplo, a tatuagem do nome “Paulo” no braço de uma vítima de violência contra mulher foi o detalhe necessário para que todo um discurso imaginário fosse estabelecido sobre a relação do casal. Nesse caso, a mulher foi espancada pelo companheiro porque teria quebrado o carro dele, depois de uma crise de ciúmes por vê-lo com outra mulher numa festa. A partir da tatuagem, o apresentador do CV cria a imagem de que a mulher era extremamente apaixonada e não suportara a cena. No entanto, a tensão ou o aspecto “lúdico” do CV tem na sonorização o seu ponto de apoio mais sólido. A trilha, o som de projéteis de bala de revólveres caindo no chão, ou ainda falas e expressões que interagem com o apresentador, a exemplo de “Que é isso?”, “Misericórdia!”. Por sua vez, as reportagens são utilizadas como base para o comentário, sempre em tom de indignação e de orientação para o público. 19 A autora grava o nome de Samuca com “C” no texto do artigo. No entanto, a forma utilizada pelo apresentador utiliza “K”.
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Essas questões apresentadas até aqui se articulam para garantir audiência, o que se reflete em lucros para empresa. Antes de tudo, um programa nesse estilo segue um modelo claro de negócios, que possibilita a realização da última característica que queremos pontuar nesta parte do trabalho: a existência do merchandising dentro do CV. Os produtos são diversos e vão de bebidas alcoólicas a lojas de tecidos e serviços de telefonia e TV por assinatura. Alguns deles são oferecidos por representantes do produto, outros tomam por empréstimo a figura de Samuka. Quando um representante do produto em questão entra no estúdio, promove outro nível de interação, dessa vez entre o apresentador, o vendedor e o público. Uma relação ainda mais complexa e que amplia a necessidade de uma audiência significativa, como condição para o estabelecimento dos contratos comerciais e faturamento da empresa de comunicação.
Como se estrutura a televiolência Mas afinal, qual seria o significado de violência na TV? As contribuições para uma resposta a essa questão podem ser encontradas na pesquisa de Tondato (2007). O texto da pesquisadora se debruça sobre o seguinte problema: a violência está na mídia ou na sociedade? E para estabelecer essa compreensão, parte do que seria a violência na mídia. Foram utilizadas ferramentas metodológicas tais como entrevistas individuais, grupos focais, análises de conteúdo e discurso. Suas observações servem para nos situar num ambiente mais amplo: ser violento na TV não está relacionado a mostrar cenas de sangue, tampouco as pessoas o associam (de maneira geral) a programas de conteúdo jornalístico. “Violento é a dramatização exagerada, não reconhecida do conteúdo jornalístico, visto que a narração dos fatos, mortes, ataques, acidentes e desastres é considerada prestação de serviço.” (TONDATO, 2007, 129), conclui a autora. Ainda segundo a professora, o público não considera os programas policiais como violentos porque não há lógica no que é exposto lá. Afirma ainda que “A carnavalização dos acontecimentos dificulta a reflexão” (TONDATO, 2007, 132). Cujo exemplo é identificável no CV do dia 8 de abril, quando o repórter Samuka Filho induz quatro homens – presos por porte ilegal de armas e suspeita de tentativa de homicídio – a parabenizar a equipe de policiais que os prenderam. O pesquisador Carvalho Júnior (2010) chama a atenção para o fato de que a relação entre mídia e violência é bastante controversa no contexto das Ciências Sociais. Ele explica que a problemática incide na indefinição sobre a causa entre a representação do crime e os seus efeitos. Chama a atenção ainda para o fato de 58
que o público parte das informações e opiniões transmitidas pelas mídias para modelar as próprias atitudes em relação ao tema. Assim, a literatura identifica como problema presente nesses produtos audiovisuais a ausência de uma contextualização crítica do crime, que permita compreendê-lo não apenas como um desvio da rotina, opção do bandido, ou negligência da vítima – uma banalidade –, mas sim como um problema crônico. Percebe-se a inexistência de vozes que considerem o crime como resultado, também, da carência de políticas públicas, questões relacionadas à falta de emprego e de acesso à educação, entre outros pontos de vistas sociológicos. Os personagens que aparecem nas reportagens variam apenas entre suspeito, vítima e seus parentes, além da polícia. Por outro lado, Carvalho Júnior (2010, p.188) reconhece que “o leitor, ouvinte ou telespectador não são meros receptores passivos, mas intérpretes ativos dos textos, das mensagens e das imagens da mídia”. Perspectiva com a qual concordarmos por acreditar que as escolhas do público se baseiam num arcabouço sociocultural que se forma na vida cotidiana e na cotidianidade20 e que vão além da violência midiatizada. O autor chega a apontar a prevalência de fatores como educação, sexo e idade em detrimento da própria mídia. Um aspecto predominantemente partilhado entre o público e o programa é a vivência da fé. Esse elemento é melhor caracterizado na obra de Joron (2004), ao afirmar que a conotação religiosa é melhor percebida “na presença, na fala e nos gestos do apresentador que lembra muito a atuação de um pastor praticando um exorcismo em frente à plateia de fiéis, tanto quanto na dimensão sacrificial do processo ostentador da violência, partilhando simbolicamente com o público a carne e o sangue das vítimas” (p. 53). Nesse sentido, o pesquisador aponta que a audiência dos programas se justifica num discurso que apela para a “remoralização da sociedade”. Temos um exemplo dessa atitude na edição do dia 23 de março do CV. Após noticiar o assassinato de dois jovens, Samuka Duarte orienta os telespectadores: “Olhe, gente, hoje é sábado! Então hoje é dia, geralmente, sábado e domingo, as pessoas procuram mais ir à igreja. Não interessa a igreja. Qualquer igreja, seja católica ou evangélica. Você que está me assistindo agora, que é jovem, procure, meu amigo, ir à igreja. Você que é uma menina de 12, 13, 14, 15 anos, não importa a idade, procure ir a igreja. Procure 20 Mundo da vida, vida cotidiana e cotidianidade são conceitos que pertencem à sociologia do cotidiano. O mundo da vida é o mundo já pronto, que se apresenta para nós desde o nosso nascimento. A vida cotidiana é a vida que nós estabelecemos na rotina. Atitudes e fatos tais como pegar o ônibus, ir para escola. É a vida de todo dia e que começa a delimitar a faixa temporal de cada indivíduo. Momento no qual você delimita o seu espaço no mundo da vida. Por fim, temos a ideia da cotidianidade que se alinha a noção de “qualidade da vida cotidiana”. Como participar de grupos diferentes, morar em cidades diferentes, fazer cursos. Dá qualidade a vida cotidiana. Tem a ver com ética, cidadania, reconhecimento do sujeito. Uma reflexão mais profunda pode ser vista em PEREIRA (2007).
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se aproximar de Deus. Porque você pode prestar atenção: a coisa tá ficando feia. Cada vez mais, os jovens estão se afastando de Deus, estão se afastando dos princípios morais: não querem ouvir a mãe, não querem ouvir o pai. Só quer ouvir um amiguinho: bora alí, bora pegar um negocim, vamos pegar uma coisinha! ‘É verdade pura!’ (efeito sonoro!)21”
Identidades e inferências em torno da experiência paraibana Acreditamos que a televisão ocupa lugar de centralidade na vida dos cidadãos. Nessa mídia, a divulgação de fatos está num espaço significativo como um dos principais conteúdos consumidos pelas pessoas e mais ainda como a forma primeira através das quais a audiência busca informação. Sua programação também acaba tomando lugar de referência temporal, lugar de orientação, na comunicação midiática contemporânea. A partir dessa concepção, há de se pensar o que o público espera dos meios. Sobre o contexto paraibano, gostaria de destacar dois trabalhos que também tem o CV como objeto de análise. O de Aires (2012) analisa, entre outros aspectos, a cobertura feita pelo programa sobre o caso do “Estuprador do Geisel”, a partir de uma ideia de comunicação para a promoção da cidadania e dos direitos humanos. A autora coloca em tensão a relação entre o suspeito, a polícia e o repórter. Uma segunda abordagem é a de Veloso (2012), que faz uma descrição da rotina do CV por meio da visita à emissora de televisão e acompanhamento do dia a dia de sua produção. O primeiro estudo conclui que o caráter informativo foi posto de lado, no caso policial em questão, para que fosse colocado em evidência um discurso punitivo de Samuka. Essa fala se reflete a partir de uma adjetivação que desqualifica o acusado como pessoa. Para a autora, esse comportamento parte da crença na empatia que provoca no público. Já no segundo caso, a pesquisadora narra a rotina do programa. Durante a época da visita, o primeiro semestre de 2012, a emissora permitia a entrada de pessoas para assistir ao programa ao vivo no estúdio. A prática foi abandonada no início deste ano e agora apenas pessoas que serão entrevistadas no programa, ou que vão fazer algum tipo de apelo, podem fazer esse acompanhamento. Durante esse acompanhamento, ela identificou atitudes em relação a Samuka Duarte, que apontam para uma empatia e admiração: “Este público se diz ‘fã’ do apresentador: admiram não só o seu jeito de noticiar os fatos, mas seus conselhos e sua história de vida” (VELOSO, 2012, p. 4), Completa ainda que os telespectadores se sentem contemplados por sua visão de mundo. 21 Grifo do autor.
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A pesquisadora é da àrea da sociologia e faz um apontamento que chama a atenção: As notícias não seguem o padrão de um telejornal que supostamente apenas informa o ocorrido. As notícias do ‘Correio Verdade’ são compostas como uma estória, possuem um roteiro e uma preocupação excessiva com os detalhes, com as particularidades do caso – aquilo que os faz único ao mesmo tempo em que parte de uma categoria mais ampla de fatos (aqueles que o programa trata). (VELOSO, 2012, p. 10) Nos interessa analisar dois aspectos: em primeiro, o texto revela a visão também de uma telespectadora, tendo em vista que algumas questões específicas do jornalismo foram desconsideradas. Um exemplo é o de que as reportagens em si são escritas de forma roteirizada, independentemente do programa. Suas partes constitutivas (off, sonora, passagens22) formam um enunciado lógico com começo, meio e fim. Por sua vez, as próprias notícias são elementos que compõem um produto televisual fundado no jornalismo e a ordem como elas são exibidas ajudam a contar a história do “dia” e dessa forma, também constituem uma narrativa. Em segundo lugar, tomamos como aspecto vinculante entre mídia e público o que foi caracterizado pela autora como “preocupação excessiva com detalhes”. Acreditamos que esse tipo de tratamento dado a notícia é bem visto pelas audiências, que tenderiam a compreender melhor o fato. No entanto, faz-se necessário ter em mente que o CV dispõe de uma hora e meia para explicar fatos cujo volume varia de acordo com o dia, enquanto que outros produtos audiovisuais têm tempo menor e também noticiam o crime. As orientações editoriais sobre como abordar cada tema, além da escolha por noticiar o máximo de fatos, acabam por comprometer determinados programas, sob essa ótica. Das rotinas aos efeitos Ao jornalismo está associada uma ideia de imediatismo que se alia à carência do tempo chamado factual para a garantia de sua existência. O novo é o que rende notícia. No CV, essa questão é posta em segundo plano. O que importam são os fatos que, por vezes, aparecem datados nas intervenções 22 No jargão jornalístico chama-se de off o texto narrado pelo repórter. Sonoras são as falas das pessoas entrevistadas e passagem é o momento em que o repórter aparece na matéria. Alguns outros elementos podem ser utilizados para compor a reportagem de TV, tais como trilhas musicais ou o som ambiente da gravação.
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dos repórteres e são utilizados como “mote” para discussão e performance do apresentador. A professora Fechine (2001) sugere que passemos a encarar os produtos televisuais a partir de uma perspectiva de formatos em detrimento da noção de gêneros como forma para fugir da institucionalização já estabelecida por estes. Sobre a caracterização dessa conceito proposto, ela explica que “(...) a noção de formato incorpora toda dinâmica de produção e recepção televisiva a partir daquilo que lhe parece mais característico enquanto princípio de organização: uma fragmentação que remete tanto às formas quanto ao nosso modo de consumi-las” (p.6-7). Em sua pesquisa, foram identificados 12 formatos23. Os programas podem apresentar características de mais de um deles ao mesmo tempo. No caso CV, acreditamos que além do jornalismo (ligado à transmissão, divulgação e repercussão de fatos noticiosos), podemos identificar também características dos formatos fundados na paródia, publicidade/propaganda, performance e no diálogo. Os produtos baseados na paródia têm perfil cômico e humorístico, que se manifestam no nosso objeto de análise a partir de expressões utilizadas pelo apresentador, a exemplo de chamar os suspeitos de “maleta” e outras expressões de cunho popular como “roscópio”, para se referir a relógio, e “ou então deu um miguel, né?”, que seria o ato de ludibriar alguém. Além das intervenções sonoplásticas que interagem com o próprio Samuka Duarte. Expressões tais como “Misericórdia!”, “Sangue de Jesus tem poder” e “Vixi Maria!”, observadas na edição do dia 8 de abril. Já o formato baseado na performance está associado à atuação do apresentador e dos repórteres em cena, seja ela no estúdio ou na rua. Elas podem ser exemplificadas na edição do dia 23 de março último, na qual Samuka se deita no chão para demonstrar a qualidade do lençol de uma loja de tecidos do qual fazia merchandising no programa. No caso dos repórteres, existe o caso de Jorge Filho que se apresenta no vídeo de forma caricata, como se fosse um personagem, quase sempre vestido de preto, com óculos escuros, chapéu e um tecido que encobre a cabeça – semelhante ao utilizado por cortadores de canade-açúcar para se protegerem do sol. Temos ainda o formato baseado na publicidade/propaganda que se associa ao apelo para a venda de algo para o telespectador, no caso, um produto. Esse comportamento é identificado diariamente nos diversos merchandising existentes dentro do CV. Sejam eles feitos pelo apresentador, ou por um representante do produto, como já apontamos anteriormente. 23 Os 12 formatos são: fundado no diálogo, fundado no folhetim, fundado no filme, fundado na performance, fundado no jogo, fundado no apelo pedagógico, fundado na propaganda/publicidade, fundado na paródia, fundado no jornalismo, fundado na transmissão direta, fundado nas histórias em quadrinhos e fundado no voyeurismo.
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Por fim, os produtos televisuais fundados no diálogo são baseados na conversa interpessoal que se dá de forma direta como o telespectador e/ou com um público presente fisicamente no auditório, que podem ser entrevistados ou não. Funciona, em certa medida, como um programa de auditório. Essa característica e experiência foi demonstrada por Veloso (2012), embora a prática de levar telespectadores para o auditório tenha sido abandonada. Mas, entendemos que a atuação do apresentador comunica de forma direta ao público, a partir da orientação e aconselhamento. Outra conduta da equipe do CV que se identifica com esse formato se observa quando autoridades policiais e vítimas de crime são levadas ao estúdio para entrevista. Conforme identificado nas edições dos dias 9 e 13 de abril de 2013. Pela conjunção de todos esses formatos dentro do mesmo produto audiovisual, não consideramos que o programa CV se enquadre numa categoria fechada como “telejornalismo”. No entanto, ele se usa de seus elementos para constituir a sua própria identidade, que não é maior, menor, melhor ou pior do que a outra. Tendo em vista que precisamos considerar que o grotesco é uma categoria estética, tanto quanto o belo (e que por oposição, ajuda a defini-lo, inclusive). Após essa discussão, conseguimos identificar seis características que podem ser apontadas como responsáveis pela solidificação do elo entre o público e o programa CV:
1. Porque admiram o apresentador e se identificam com ele. Seu discurso empático convence porque parte do ponto de vista da vítima, personagem “obrigatoriamente preferido” pelo público. Com isso, parte para o julgamento e a condenação midiática do suspeito com apoio popular. Em seu texto, CARVALHO JÚNIOR (2010) chama a atenção para o fato de que essa postura também provoca a descrença no sistema penal; 2. Parte da fé, da religiosidade e da valorização da família para estabelecer um vínculo afetivo com as audiências. Orienta para que pessoas em situação de risco procurem igrejas e, nesse momento, faz questão de dizer que não importa a designação religiosa, o que evita a divisão do público; 3. A violência é diluída e amenizada pelo riso provocado na atuação do apresentador. Quando é feita a opção pelo CV o telespectador “espera o inesperado”, como o fato de se deitar e rolar no chão já citado. Além da jocosidade da performance coletiva dos profissionais do produto audiovisual, estabelecida através da sonorização do ambiente; 4. Num cenário de ampla vitimização da juventude24, os “maus exemplos” 24 Segundo a pesquisa do Mapa da Violência 2011 sobre os Jovens no Brasil, elaborada pelo Ministério da Justiça em parceria com o Instituto Sangari, entre os anos de 1998 e 2008 houve um incremento de 17,8% no número de homicídios contra pessoas entre 15 e 24 anos. Em 73,6% dos casos, as mortes estão relacionadas
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ajudam a catequizar os filhos. O personagem visto na televisão parece ter mais autoridade do que os próprios pais em casa, que utilizam o apresentador como referência para balizar a educação; 5. A violência está próxima e permeia a vida cotidiana dos que se veem na “tela da Verdade”, como Samuka chama o telão que existe no estúdio. Afinal, quando resume as vozes do crime à vítima (e familiares), ao bandido e à polícia, o programa dá voz à comunidade, e às camadas mais simples da população, para a expressão de sua revolta. Espaço que não é encontrado em outros meios de comunicação e, por vezes, nos aparelhos de estado; 6. A linguagem dos repórteres e apresentadores se aproxima sobremaneira ás das comunidades, com o uso muitas vezes de gírias e outras expressões. Além do fato de a mensagem ser direta ao público com o qual Samuka quer interagir e ao qual faz referência, por vezes, utilizando expressões como: “você que está aí em casa me assistindo sabe que é verdade!”. Considerações finais O programa Correio Verdade não tem preocupação com um dos principais critérios de noticiabilidade estabelecidos para o jornalismo: a atualidade. Tendo em vista que algumas das reportagens exibidas com destaque têm quase 24 horas de diferença em relação ao horário de exibição. Período entre o qual já foram exibidos outros telejornais da mesma emissora. Os acontecimentos são utilizados como base para o discurso adotado pelo apresentador, tendo em vista que algumas das reportagens são iniciadas com a intervenção do repórter que faz a datação do crime. A partir do “mote” estabelecido pela reportagem, Samuka assume o papel de orientador, uma postura paterna com autoridade religiosa. A tentativa é de ocupar o lugar de defensor da família paraibana. Tenta fazer isso a partir de uma catequese midiática. Não há complicações para que esse papel seja assumido, tendo em vista que a leitura da sociedade feita pelo programa é de que o mundo, e as pessoas que vivem nele, dividem-se em dois grupos que não se misturam: o bem e o mal. Nesse sentido, a compreensão dos repórteres e do próprio apresentador é, na maioria das vezes, de que as vítimas e os algozes procuraram o seu destino. Essa dicotomia facilita em primeiro lugar a identificação do público ora com a vítima e sua família, da qual as dores e as fragilidades são exploradas, valorizadas e provocadas. Ora com a fala do apresentador, que em geral, é de censura e desrespeito aos criminosos. Momento no qual surge o discurso do “direitos humanos só servem para proteger bandido”, e similares. a causas externas, que para efeito da pesquisa são homicídios (37,9%), suicídios (3,9%) e acidentes de trânsito (19,3%). O número se repete na Paraíba, onde os homicídios são responsáveis por 39,3% dos casos de morte de jovens, à frente de Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte e Sergipe, na região Nordeste.
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De certo modo, quem assiste ao programa quer ser surpreendido, aguarda o inesperado. A performance de Samuka Duarte causa empatia e riso. Na edição do dia 23 de março, por exemplo, ele se deita sobre o lençol de uma loja de tecidos que fazia merchandising no programa. Tais comportamento amenizam o efeito aterrorizante dos casos de violência divulgados todos os dias. Por outro lado, é importante salientar que esses vínculos com os telespectadores não se estabelecem de forma impositiva por parte dos profissionais que fazem o programa de TV em relação às pessoas que o assistem. Está envolvido na rotina da produção televisual o foco na audiência como sinônimo de lucro e retorno financeiro. É necessário não perder de vista que a TV funciona como uma indústria que oferece conteúdo como produto. Assistir ou não esse material é questão de escolha. Opção que se dá em vários níveis, o mais básico deles é a troca de canal. Tal empreitada é difícil para o perfil apontado pela emissora como público padrão do Correio Verdade. Isso porque, a exemplo do que propõe Joron (2004), os profissionais de comunicação sabem a importância do riso nesse contexto. Muito além do riso, compreendem também o valor de cada peça colocada para compor o programa. Não acreditamos, pois, que haja intenção de manipular as audiências, mas sim de mantê-las fiéis. Para isso, se utilizam (com esses apetrechos técnicos e subjetivos) de acontecimentos exibidos que fazem parte do cotidiano das comunidades-alvo. Embora ainda carente de análise que se dará num nível mais profundo e avançado da pesquisa, acreditamos que as lições proferidas por Samuka Duarte não se desmancham no ar. Elas se convertem em eco dentro das casas e realmente se reproduzem como orientações de pais e mães aos filhos da vida real. Referências AIRES, Janaíne S. Freires. O bandido, o repórter e a sagrada polícia – que práticas sociais a tríade do telejornalismo policial promove? IN: XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Fortaleza, 2012. Anais. CARVALHO JÚNIOR, Orlando lyra de. Mídia e criminalidade: acertos e impasses no agenda-setting e no accountability. IN: Revista Ciência Sociais Unisinos, São Leopoldo, Vol. 46, n. 2, p. 187-196, maio/agosto 2010 JORON, Philippe. Fenomenologia da televiolência. IN: Revista Famecos, Porto Alegre, n. 25, dezembro de 2004 FECHINE, Yvana. Gêneros televisuais: a dinâmica dos formatos. In: Revista Symposium – Ciências, Humanidades e Letras. Ano 5, N. 1, janeiro-junho/2001, 65
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Recife (PE): Fasa/Universidade Católica de Pernambuco. P. 14-26 VELOSO, Wanessa. Souto. Verdade e espetáculo: dilemas da construção da ideia de justiça num programa de televisão paraibano. 2012. Disponível em: http://www.sinteseeventos.com.br/ciso/anaisxvciso/resumos/GT14-23.pdf. Acessado dia 22 de março de 2013 JORON, Philippe. Fenomenologia da televiolência. IN: Revista Famecos, Porto Alegre, n. 25, dezembro de 2004 PEREIRA, Wellington. A comunicação e a cultura no cotidiano. IN: Revista Famecos, Porto Alegre, n. 32, abril de 2007 TONDATO, Márcia Perencin. Violência na mídia ou violência na sociedade? A leitura da violência na mídia. IN: Revista Famecos, Porto Alegre, n. 32 – abril de 2007 VIZEU, Alfredo. Telejornalismo, audiência e ética. Disponível em: http://www. bocc.ubi.pt/pag/vizeu-alfredo-telejornalismo-audiencia-etica.pdf. Acessado dia 7 de julho de 2012
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O jornalismo político e o jogo de poder na Paraíba Clara Câmara25 Introdução O presente artigo opinativo se debruça sobre o jornalismo político paraibano. Atualmente, podemos apontar dois principais grupos de comunicação na Paraíba: o Sistema Correio de Comunicação e a Rede Paraíba de Comunicação. Tendo em vista o entrelaçamento desses grupos com os pólos políticos vigentes no Estado, é possível fazer um levantamento a respeito do jornalismo político que é realizado dentro das fronteiras paraibanas. Ou seja, ao analisar os principais personagens da história política do estado, percebemos que eles estão intimamente ligados aos seus meios de comunicação, o que se reflete na produção jornalística local. No entanto, essas vinculações políticas não conseguem explicar, sozinhas, a íntima relação que a política e a mídia paraibana apresentam há anos. São demonstrações diárias de que, aqui, a cobertura política pelos meios de comunicação ganha outros objetivos, além do básico, ligado ao repasse de informações e contributivo de formação de opinião. É na busca pela caracterização do jornalismo político paraibano que este artigo encontra seu principal ponto de discussão. Para isso, propomos, primeiramente, uma breve localização do que é o jornalismo político e como ele se apresenta no Brasil e na Paraíba. Esse recorte é importante para entendermos o debate posterior, quando apresentaremos, na segunda parte deste artigo, uma das características mais marcantes do jornalismo político realizado no Estado, que é o entrelaçamento pessoal dos donos de empresas de comunicação com o exercício político. Na terceira parte, torna-se, fundamental analisarmos os limites determinantes dessas características. O jornalismo paraibano privilegia a política, sim, mas não são apenas as relações entre os políticos e os empresários da mídia que estimulam e caracterizam essa preferência. Procuramos destrinchar quais são as outras possíveis causas e, como veremos na quarta parte do artigo, quais são as consequências desse entrelaçamento de interesses. Por fim, com o auxílio das constatações que fizemos ao longo do artigo, esboçamos um perfil do jornalismo político paraibano e apresentamos justificativas para o debate em torno da estreita relação da mídia com a política no Estado. 25 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: clara.knox@gmail.com
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As formas do jornalismo político no Brasil e na Paraíba Caracterizar o jornalismo político, sem antes repassar o conceito que está por trás dessa especificidade editorial, poderia resultar em uma impressão vaga e descontextualizada sobre esse exercício. Por isso, para esclarecer em qual campo se enquadra e sobre o que discorre esse tipo particular de jornalismo, recorremos, primeiro, à definição de política apontada por Bobbio et al (1998). Seu sentido clássico remonta à polis, tanto que a própria palavra Politikós deriva do amplo conceito grego de cidade e espaço público. Com o passar do tempo, foi sendo comum associar a política à esfera de atividades humanas que estão envolvidas, de algum modo, com as coisas do Estado (BOBBIO et al, 1998). Até que, depois de perder alguns aspectos de seu significado inicial, na época moderna foi: (...) substituído pouco a pouco por outras expressões como “ciência do Estado”, “doutrina do Estado”, “ciência política”, “filosofia política”, etc, passando a ser comumente usado para indicar a atividade ou conjunto de atividades que, de alguma maneira, têm como termo de referência a pólis, ou seja, o Estado. (BOBBIO et al, 1998, p. 954)
E é se debruçando sobre essas atividades que um ramo específico do jornalismo sobrevive. O jornalismo político, poderíamos resumir, se ocupa em reportar as informações sobre o que acontece nas engrenagens do Estado, oferecendo aos cidadãos a possibilidade de tomar conhecimento sobre acontecimentos e decisões que influenciam, direta ou indiretamente, as suas vidas. Através do jornalismo político também é possível construir um saber pontual, dentro da perspectiva da sociedade democrática representativa, que é a informação sobre as personagens que serão escolhidos para desempenhar a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos. Por isso, é comum que os meios de comunicação reflitam essa preocupação em estar bem informado sobre o que acontece no mundo da política. Particularmente analisando esse jornalismo aqui no Brasil, a sua cobertura está intimamente atrelada ao imperativo de que a mídia deve funcionar como um Quarto Poder, aquele que vigia e tem a possibilidade de intervir nos encaminhamentos dos outros três poderes que compõem o Estado, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
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Obviamente, essa ideia evoca um imaginário um tanto idealista e até ingênuo da prática jornalística, já que pressupõe uma consonância do jornalismo com o interesse público e a sua imparcialidade diante dos sedutores jogos do poder. Não discutiremos aqui a questão da objetividade e parcialidade da mídia, já que o nosso interesse está mais ligado à caracterização do jornalismo político do que à uma análise da deontologia do jornalismo atual. Mas, pensar em termos de Quarto Poder é interessante para avaliarmos o quanto a mídia no Brasil passou a fazer parte da política e vice versa. Esse entrelaçamento, sabemos, tornou-se mais evidente com a consolidação das grandes empresas de comunicação. Em seu livro intitulado ‘Mídia, crise política e poder no Brasil’, por exemplo, Venício A. de Lima aponta sete teses a respeito desse relacionamento da mídia com a política. Uma dessas teses, oportunamente, afirma justamente que a própria mídia se transformou em um importante ator da política, tamanha a interação que existe entre as duas áreas e o poder que as grandes empresas de comunicação passaram a exercer dentro do campo político. As empresas de mídia são hoje atores econômicos fundamentais como parte de grandes conglomerados empresariais articulados em nível global. Além disso, pelo poder que emana de sua capacidade única de produzir e distribuir capital simbólico e pela ação direta de seus concessionários e/ou proprietários, se transformaram também em atores com interferência direta no processo político. (LIMA, 2006, p.59) É justamente nesse ponto, que trata das grandes empresas de comunicação e a influência que são capazes de desempenhar na política, que focamos no jornalismo político da Paraíba. Afinal, acompanhando a tendência nacional, aqui também observamos o poder desses grupos de comunicação e as consequências para a produção jornalística local. Um bom exemplo de como essa produção se desenrola pode ser verificado nas rádios paraibanas, diariamente, a partir do meio dia. Isso porque, ao sintonizar em algumas das principais estações, não é incomum ouvir programas de debate que se ocupam, prioritariamente, com questões da política local. De forma parecida, diversos programas de televisão também dão visibilidade aos bastidores do poder e as editorias de política dos jornais impressos são sempre as que recebem mais atenção dos donos dos veículos. Há um cuidado maior em relação a quem vai cobrir as pautas da área, que acabam sendo os “carros-chefes” dos veículos, já que explicitam, de maneira direta ou indireta, 69
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quais são as preferências políticas do momento, para cada um dos grupos. A Paraíba respira política e seus meios de comunicação colaboram – e muito – para que isso aconteça. Isso nos leva a questionar quais poderiam ser as intenções das empresas ao permearem seus veículos com discussões políticas. Uma possível justificativa pode estar no próprio exercício de informar. Afinal, como nos lembra Charaudeau (2012): Toda instância de informação, quer queira, quer não, exerce um poder de fato sobre o outro. Considerando a escala coletiva das mídias, isso nos leva a dizer que as mídias constituem uma instância que detém uma parte do poder social. (CHARAUDEAU, 2012, p.63) E a mídia paraibana sabe que detém esse poder. Não é à toa que os donos desses grupos de comunicação tendem a usar o espaço de seus veículos para promover os interesses de seus aliados. Mas, para entendermos melhor como se dão essa e outras características, precisamos destrinchar os dois grupos que nos propomos a analisar. A politizada mídia paraibana Antes de entrarmos de fato nas discussões sobre o jornalismo político paraibano, é necessário apresentarmos um panorama geral sobre cada um dos grupos e também um breve histórico político de seus donos. Essa contextualização, posteriormente, vai nos servir para aprofundar a discussão em torno da real influência que essas relações políticas surtem na produção jornalística do Estado. 2.1 A Rede Paraíba de Comunicação A Rede Paraíba de Comunicação é comandada por José Carlos da Silva Júnior e seu filho, Eduardo Carlos. O grupo detém, entre outros veículos, as TVs Paraíba e Cabo Branco, afiliadas da Rede Globo em Campina Grande e João Pessoa, respectivamente. As rádios Cabo Branco FM, Paraíba FM, o portal G1 Paraíba e o Jornal da Paraíba também fazem parte do arsenal de mídias do grupo. Senador pelo PMDB por dois mandatos, de 1996 a 1997 e em 1999, José Carlos da Silva Júnior também foi primeiro suplente do senador Ronaldo Cunha Lima e chegou a exercer o mandato durante 90 dias, quando Ronaldo se afastou por motivos de saúde. Também foi vice-governador do Estado, na época em que Ronaldo Cunha Lima estava no poder, entre 1991 e 1994. 2.2 O Sistema Correio de Comunicação O Sistema Correio de Comunicação, atualmente, é formado pela TV Correio, afiliada da Rede Record na Paraíba, pelo Jornal Correio da Paraíba, o Portal Correio e algumas rádios, como a Mix, 98 FM e a Correio JP Sat. 70
O proprietário do Sistema é o empresário e senador Roberto Cavalcanti, hoje ligado ao PRB, que assumiu o lugar do também ex-governador do Estado, José Targino Maranhão (PMDB), no Senado. Atualmente, esses personagens acima citados não estão mais na cena política paraibana. Ronaldo Cunha Lima faleceu em 2012, e José Maranhão não ocupa, até a presente data, cargo político ligado diretamente ao estado. No entanto, as vinculações de hoje recebem, direta ou indiretamente, influência dessas de outrora. É o caso do atual governador do estado, Ricardo Coutinho (PSB), que acabou ocupando o lugar de predileção que José Maranhão tinha perante o Sistema Correio. Por outro lado, a Rede Paraíba protagonizou uma verdade guerra contra Ricardo em meados de 2011, apesar do apoio a um de seus grandes aliados, Cássio Cunha Lima, em diversos momentos. São novos entrelaçamentos, mas que apenas evidenciam a antiga questão da relação da mídia com a política. 2.3 Alianças firmadas, interesses garantidos? Como podemos observar, há uma predominância de atividades políticas na trajetória dos donos dos sistemas de comunicação da Paraíba. Essas relações, ao longo dos anos, foram sendo evidenciadas na produção jornalística de seus veículos. Mas, obviamente, apenas essas vinculações partidárias e pessoais, não podem ser estabelecidas como determinantes para a caracterização do jornalismo político do Estado. Mencionar apenas esse ponto seria reducionista e superficial, já que existem diversas questões por trás da adesão a uma legenda partidária ou mesmo do acordo firmado entre dois políticos, principalmente quando um deles é também um empresário e defende seus interesses econômicos. No entanto, o que é importante perceber com esse resgate de relações é a forma como a política pode se intrometer na mídia. Wilson Gomes (2004), em seu livro ‘transformações da política na era da comunicação de massa’, menciona as ingerências políticas que são observadas na comunicação brasileira, além do institucional controle exercido pelo governo. Dessa forma, o autor apresenta três situações em que a política pode atrapalhar o bom funcionamento da prática jornalística. A primeira diz respeito às vantagens que donos de empresas de comunicação ou os editores da mesma almejam. Nessa busca, eles se deixam levar pelos jogos políticos, o que pode refletir na produção: “Quando o patrão ou a instância editorial de um órgão de imprensa, por exemplo, submete os interesses jornalísticos na apuração ou na edição a cálculos de vantagens políticas para o grupo ou partido político a que ideologicamente se filia” (GOMES, 2004, p. 177) 71
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Já a segunda maneira foca no poder do empresário e da própria comunicação. De acordo com Gomes (2004), um outro atropelamento da política na comunicação é quando o empresário, o dono da empresa de comunicação, usa seus veículos para manipular as estruturas da disputa política. É com base no poder que detém, que o empresário “ordena e estrutura pauta, apuração e edição para controlar a esfera política, favorecendo os grupos e indivíduos que quer, perseguindo os que o desejam.” (GOMES, 2004, p. 177) A diferença entre os dois modos está nos objetivos que são projetados. Enquanto no primeiro é motivado por convicções políticas, já que pressupõe o mínimo de crença em uma causa ou partido para aderir à prática, e objetiva fazer prevalecer as preferências políticas dos donos ou de editores sobre as condutas de ética jornalística, o segundo traz o acúmulo de poder como foco principal. Por fim, o terceiro ponto envolve a questão das concessões de rádio e TVs, já que consiste no fato de:
um grupo ou sujeito de interesses no campo político controlar direitos de emissão de rádio e/ou televisão ou possuir jornais para, através desses meios, obter vantagens na arena política. (GOMES, 2004, p. 177) Ou seja, apesar de apenas as vinculações políticas não serem suficientes para explicar o cenário do jornalismo político paraibano, elas já nos indicam um caminho marcado pelo interesse em beneficiar alguns em detrimento de outros. Na arena da comunicação, isso pode ser traduzido em matérias enaltecendo o trabalho de determinado vereador, prefeito ou governador, da mesma forma que o mesmo trabalho pode ser criticado ou apresentado de forma menos entusiasta pelos veículos do grupo de comunicação opositor. Mas, diante desse cenário determinado pelas alianças políticas, é preciso indagar quais são as outras características que podem nos ajudar a explicar o porquê de a mídia paraibana privilegiar tanto a política e também de que forma essa política é usada para corroborar os interesses dos grupos de comunicação.
A renúncia partidária
Atualmente, seria problemático falar sobre ideologias de direita e esquerda e associá-las a distintos conglomerados ou a veículos de comunicação. O simplismo dessa dicotomia, sabemos, não pode representar de forma completa 72
e convincente as escolhas de foco de uma reportagem, o encaminhamento editorial de um veículo ou a omissão diante de certos fatos. Da mesma forma, as legendas partidárias parecem ter cada vez menos identificação com uma determinada linha de pensamento ou ação, o que impossibilita sua localização para a maioria da população. Fala-se em crise dos partidos, ainda com algumas ressalvas, e na inexistência de uma tradição partidária consolidada aqui no Brasil (LIMA, 2006). Tudo isso faz com que a mídia absorva algumas atividades que deveriam ser deixadas apenas para o campo dos partidos políticos. Dentre essas atividades, ainda segundo Lima (2006), podemos destacar: a construção de uma agenda pública, geração e transmissão de informações políticas e fiscalização das ações do governo (LIMA, 2006, p. 56). Percebemos que, de fato, havia um espaço em aberto para a mídia penetrar. Além de se apropriar de algumas, a mídia também tende a não seguir uma lógica partidária. Na Paraíba, por exemplo, o comportamento dos meios de comunicação, apesar da sua estreita relação com a política, passa distante das legendas. Em um exemplo recente, temos o caso da mudança de posicionamento ocorrida no período em que o estado se preparava para os resultados das eleições para governador, em 2010. O Sistema Correio, após um longo período de apoio a José Maranhão, cujas relações com Roberto Cavalcanti já foram aqui anteriormente explicitadas, passou a se aproximar do novo governo, vitorioso nessas eleições, encabeçado por Ricardo Coutinho. Ora, considerando que José Maranhão representava o PMDB, partido de orientação centrista e Ricardo Coutinho o PSB, cuja legenda se aproxima da esquerda, não podemos deixar de observar a incoerência dessa “troca” de aliados. Embora essas identificações, sozinhas, não deem conta de localizar os partidos e seus filiados em uma vertente política, é o suficiente, aqui, para perceber que a questão do alinhamento da mídia na Paraíba obedece à uma lógica norteada, principalmente, pelo poder. Se pensarmos no poder como a “capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos” (BOBBIO et al, 1998, p. 933), podemos desenhar um jornalismo político que mais poderia ser caracterizado como ‘jornalismo de poder’, pela sua constante preocupação em estimular os cidadãos a aceitar ou negar determinada ação política. E o fazem colocando em destaque as principais polêmicas envolvendo os políticos da região, as intrigas, as novas alianças, quem fez e quem deixou de fazer seu trabalho. A questão, além da discutível relevância de algumas informações repassadas, perpassa também pela falta de espaço que a mídia está deixando para o real debate político. Esquece-se, convenientemente, que também é através dos veículos de comunicação que os cidadãos se mantêm informados sobre seus representantes e devem saber mais do que o trivial para poder julgá-los. 73
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Assim, o foco da produção se aproxima mais de uma espécie de ‘coluna social da política’ do que da cobertura de fatos políticos, o que deixa no ar dúvidas sobre as reais intenções de bem informar sobre os acontecimentos da política.
Os representantes que não escolhemos Quando analisamos o jornalismo político da Paraíba, não podemos deixar de perceber a falta que a pluralidade de vozes faz. O ambiente que já era restrito, em 2012 se tornou mais perceptível a carência de múltiplas abordagens no jornalismo paraibano. Isso porque foi nesse ano que o Grupo Diários Associados fechou seus jornais, O Norte, em João Pessoa, e Diário da Borborema, na região de Campina Grande. Apesar dos haver outros jornais, emissoras de rádio e televisão, não existe outro grupo que possa ser colocado, em tamanho e influência, junto aos dois que citamos aqui. Por isso, entendemos que a preponderância do poder desses grupos de comunicação no Estado é, ao mesmo tempo, um sinalizador de que a produção jornalística no Estado tende a ficar fadada a visões limitadas e também um fator para pensarmos a democratização da mídia. A concentração do poder, resultado da má distribuição das concessões de rádio e TVs, ao longo dos anos, evidencia um problema nacional e aqui na Paraíba não seria diferente. Além de deter o monopólio da mídia, esses dois grupos também se localizam no centro do jogo político. O que acaba acontecendo é a incansável marcação dos interesses políticos de seus donos aparecerem em patamares acima do da experimentação criativa e até do compromisso social com a informação completa e de qualidade que permeia o jornalismo. O resultado, com isso, é que muitas vezes se mina a possibilidade de fazer um jornalismo, de fato, plural e questionador. Além dessa constatação, e focando especificamente na cobertura política, podemos entrever um outro cenário incômodo, no qual essa mesma mídia, uniforme, acaba desempenhando um papel de representante dos cidadãos frente aos políticos.
A mídia tornou-se o principal instrumento de contato entre a elite política e os cidadãos comuns. As consequências desse fato são importantes: ele significa que o acesso à mídia substitui esquemas políticos tradicionais e, notadamente, reduz o peso dos partidos políticos (BIROLI & MIGUEL, 2010, p.9)
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São os donos dos veículos que, tendo nas mãos uma maneira eficaz de expor os detentores do poder, tendem a pressioná-los ou aliviá-los sobre questões econômicas, sociais e culturais. Mas, o problema é que essa pressão que os meios de comunicação fazem diante do poder público, na maioria das vezes, é focada em troca de influência e poder e passam longe dos interesses da coletividade. Como nos lembra Bagdikian (1993): Essas mesmas corporações exercem influência considerável dentro do governo, exatamente porque detêm o poder de influenciar a percepção que suas audiências têm acerca da vida pública, incluindo aquelas acerca da política e dos políticos, com base no modo como são divulgados – ou não – através da mídia. (BAGDIKIAN, 1993, p.26) Conclusão Muito se discute a respeito do relacionamento da mídia com a política e, ainda, outros tantos debates precisam ser levantados dentro desse tema. Ao tratar do assunto, embora haja uma considerável bibliografia que cobre a área no âmbito nacional, é perceptível a lacuna em relação a discussões localizadas. Cada parte do Brasil apresenta sua especificidade, que pode ser refletida na produção jornalística. Até certo ponto, as descrições e conceituações gerais e nacionais falam pouco ou vagamente dos problemas pontuais que podem ser encontrados no Brasil. É preciso reforçar, então, a necessidade de se analisar o local para, cada vez mais, buscar a compreensão do todo. E foi com o intuito, de contribuir para esse mosaico do jornalismo brasileiro, que trouxemos constatações e comentários sobre o perfil do jornalismo político paraibano. Como vimos, o jornalismo político local é marcado pelas relações políticas e pessoais dos donos dos dois principais grupos de comunicação do Estado. Mas essas vinculações, apesar de nos dar uma ideia de como a política e a mídia se relacionam profundamente, não são suficientes para explicar os privilégios concedidos aos assuntos políticos. É aí que entram a característica não partidarizada da mídia paraibana, que acaba se colocando a favor ou contra políticos sem qualquer adesão prévia a legendas e convicções políticas. Por isso, enquadramos o jornalismo político paraibano como sendo mais identificado com um ‘jornalismo de poder’. Esse poder, no entanto, está mais preocupado com a balança de influências e favores que se põe no meio do relacionamento entre a mídia e a política do que, de fato, em informar os cidadãos a respeito dos fatos da arena pública. O 75
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problema está justamente aí, já que essa mesma mídia de intenções duvidosas também é a que se coloca diante dos tomadores de decisão para representar “nossos interesses”. Referências BAGDIKIAN, Ben H. O monopólio da mídia. São Paulo: Editora Página Aberta, 1993. BOBBIO, N. et al. Dicionário de Política. Brasília: UnB, 2002. 12º ed. CHARAUDEAU, Patrick. O discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2012. GOMES, Wilson. Transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004. LIMA, Venício A. de. Mídia: crise política e poder no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006. MIGUEL, Luis Felipe e BIROLI, Flávia. Comunicação e política: um campo de estudos e seus desdobramentos no Brasil. In: Midia: representação e democracia. São Paulo: Editora Hucitec, 2010.
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O retrato dos paradoxos da comunicação brasileira e da “não regulação” na estrutura midiática da Paraíba Janaine Aires26 e Suzy dos Santos27
Introdução É fato que, no jogo político do país, as concessões de radiodifusão se tornaram importantes moedas políticas nas relações partidárias e eleitorais. Considerar esta realidade é fundamental para compreendermos os traços característicos da estrutura midiática brasileira e ensaiar novas formas de regulação. Entre outras características, nosso modelo de comunicação distingue-se pela concentração dos meios em poucas famílias e grande quantidade de políticos como concessionários; e pela incapacidade histórica do congresso nacional em regulamentar a área (MOTTER, 1994). Nos diversos cantos do país, estes traços vão deixar marcas nas estruturas midiáticas locais. Como outros estados brasileiros, a Paraíba, localidade que pretendemos analisar neste texto, é reflexo da sobreposição destes elementos no seu desenho sociocultural, marcado pela forte dependência econômica do poder público. O objetivo deste estudo é compreender a localização dos sistemas de comunicação da Paraíba neste modelo de comunicação. Pretendemos problematizar as consequências da concentração midiática no que se refere à produção e ao acesso à informação no Estado, apresentando dados obtidos através da observação da lista dos sócios e diretores das empresas de radiodifusão, disponibilizada em janeiro de 2013, pelo Ministério das Comunicações. A origem biográfica dos radiodifusores paraibanos, especificamente em sua maioria ligada ao contexto político, é relacionada àqueles que descendem de famílias políticas tradicionais, que estendem suas atividades na região ao longo de décadas. O vínculo com a propriedade de terras é outro dado característico. No Brasil, os media eletrônicos se desenvolveram com base em pressupostos paradoxais. Ao mesmo tempo em que concentra prerrogativas no 26 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista Faperj. E-mail: janaineaires@gmail.com 27 Professora da Escola e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: suzy.santos@eco.ufrj.br
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Executivo, caracterizando um forte controle estatal, o modelo de comunicação adotado permite ampla liberdade de propriedade das emissoras de radiodifusão por grupos empresariais privados, o que favorece a concentração. Apesar de ser caracterizado como um serviço público, o setor de radiodifusão no Brasil ainda é pouco coberto pelas ferramentas de transparência. Saber quem são os donos e a que interesses estão atrelados nos parece importante para compreender a emissora que presta o serviço. A relevância, no entanto, não altera o quadro de quase escuridão, os dados disponibilizados nem sempre permitem uma visão clara, há outorgas com informações desatualizadas, outras vezes em nome de terceiros. Em parte, essa ausência de transparência resulta do caráter estratégico que a radiodifusão adquire no contexto político e o desejo em encobrir irregularidades do setor colaborou para torná-lo um dos menos transparentes sistemas nacionais (STEVANIM, SANTOS, 2011). Uma observação rápida da lista de sócios na seção dedicada às outorgas do estado da Paraíba nos permitiu perceber a grande repetição de nomes e sobrenomes, demonstra que a concentração da produção nas mãos de poucos atores, que caracteriza o contexto brasileiro, também se reproduz nesta localidade. O cruzamento de dados e a busca por informações sobre cada um dos sócios e diretores nos fez enxergar um panorama mais preocupante, no qual a propriedade dos meios de comunicação coincide com o universo de disputa política da Paraíba, contexto que se conecta com a rede de relações políticas que fundamenta o sistema que tem se denominado de “coronelismo eletrônico” (SANTOS, 2006, 2007, 2008; SANTOS, CAPPARELLI, 2005). Aos estudos da comunicação, muito podem contribuir as análises dos contextos regionais. Tradicionalmente, a pesquisa na área tem colaborado com um olhar assimétrico em relação aos processos comunicacionais locais, bem como tem pouca tradição na manipulação de dados. Frequentemente dividida entre os polos nacional e regional, a análise comparativa sobre a mídia brasileira alça o que compreende como nacional ao lócus do profissionalismo, da independência política e financeira e relega ao regional o espaço da dependência, do profissionalismo arcaico e dominado pela política local (PINTO, 2013). Embora a Paraíba não seja completamente diferente da imagem construída em torno do coronelismo, isto é, do retrato de uma região com dificuldades econômicas, fundamentadas em uma economia agrária e marcada pela seca, desejamos nos afastar da concepção que relega aos contextos regionais o espaço natural daquilo que é atrasado. Mesmo que os dados apresentados indiquem certa dominação política dos meios de comunicação paraibanos, acreditamos que esta realidade é reflexo do contexto brasileiro como um todo. A problematização da diversidade da mídia da localidade é capaz de nos permitir refletir sobre as relações que se processam em outras regiões do país. 78
A relevância do número de políticos como concessionários não é exclusividade do estado, sendo representativa do contexto brasileiro. Elencamos exemplos figurativos da conjuntura de mídia paraibana a partir do universo das concessões comerciais do estado, ao todo 63 concessões (deixando de lado as rádios e televisões comunitárias e educativas), distribuídas entre representantes de diversas camadas de poder, seja ela executiva ou legislativa, do âmbito dos municípios, do estado e das representações federais.
Na reaproximação com a Política, a importação de modelos não é suficiente No processo de formação do Estado moderno brasileiro, é possível identificar características que incidem sobre as políticas de comunicação e consequentemente sobre o modelo estrutural da mídia brasileira. Em 2012, a tese de doutorado de Rodrigo Murtinho Torres buscou ampliar a compreensão sobre a configuração dos meios de comunicação, analisando a inserção destes no projeto de desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Murtinho aponta uma série de mitos que cercam o contexto político e que associa ao Estado a imagem de uma entidade com vida própria, lógica, tradição, costumes e problemas somente seus. Concepção que atribui ao modelo de organização política a culpa “por todos os problemas da sociedade”, como se esta não resultasse de outros elementos que compõem o país. Assim, colaborase com a perspectiva que confunde o “governo do momento” com o Estado, como se este último “estivesse desvinculado da estrutura social e dos conflitos” que nos formam. Distante destes mitos, o Estado moderno brasileiro, afirma, é “expressão de um modelo de desenvolvimento que inclui elementos de natureza econômica, política, social e cultural” (TORRES, 2012, pp. 21-22). Processo semelhante de desvinculação nos parece acontecer entre a compreensão do papel dos meios de comunicação e a estrutura social na qual estão alojados. O que em parte é responsável pela “importação” de modelos regulatórios cuja aplicação no contexto brasileiro se apresenta insatisfatória. Partir do debate técnico sem trazer a questão ideológica não nos parece suficiente. É importante nos aproximarmos desta discussão em virtude do que se tem denominado de “crise de paradigmas” no debate em torno das políticas de comunicação (RAMOS, 1992). Murilo Ramos (2007) aponta criticamente para um desvio de rota de grande parte do pensamento intelectual e ativista de esquerda para mais longe do Estado e para mais perto de alternativas de intervenção social identificadas genericamente como da “sociedade civil”, da esfera pública e das organizações governamentais. Para o autor, é necessário repensar e renovar a ideia de 79
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sociedade civil, noção usada correntemente no Brasil como força aglutinadora e transformadora da concentração de poder nos meios de comunicação (p.21), é fundamental observar o conflito que se abriga em torno dessa noção e perceber que ele não se apresenta como transformador das tais estruturas. Creditar à sociedade civil papel aglutinador da transformação na área soa como ingenuidade de parte de militantes e intelectuais do setor. A noção compõe, com desenvoltura, parte dos mitos discursivos do capitalismo (SCHILLER, 1997), em especial aquele que pressupõe neutralidade do Estado como intermediário entre sociedade e mercado. Para Schiller, o Estado é um dos espaços de luta social, apresentá-lo como neutro é parte do movimento liberal no intuito de camuflar a disputa entre projetos e sentidos sociais. Neste debate, importa rediscutir até o conceito de empresariado que, assim como o conceito de sociedade civil, também é contraditório. Conforme discutiremos adiante no debate sobre o caso paraibano, várias empresas de comunicação no Brasil que não se encaixam no “perfil” de empresas cuja finalidade principal é gerar lucro financeiro. É preciso, para se apropriar desta discussão, compreender que a empresa como instituição, mais do que produzir dinheiro, é produtora de hegemonia. E no caso da mídia, adquirirá um papel singular. “A particularidade brasileira, entretanto, é a capacidade que a Mídia tem demonstrado de se colocar, mediante o uso de um absurdo poder de pressão, fora do alcance mesmo dos mais mínimos controles legais” (RAMOS, 2005, p. 75). Se tomarmos os principais modelos internacionais como exemplo, perceberemos que, independente das diferenças normativas entre eles, o componente estatal - seja na prestação monopolista dos serviços europeus, seja no ambiente de competição entre agentes privados (e mesmo que, no modelo estado-unidense o Estado “esteja fora”), em ambos o Estado tem significativa força política e capacidade regulatória. No caso brasileiro, verifica-se que o Estado abre mão da sua capacidade de regular, especialmente a partir do período de redemocratização. O sistema brasileiro de comunicações até hoje carece de um marco normativo. E, neste âmbito, atravessou processos de fragmentação política e normativa que privilegiavam o abrigo de interesses setoriais privados. No entanto, cabe uma ressalva importante: a regulação é um processo ou uma relação em curso, que tem lugar em um ou vários momentos no tempo (MITNICK, 1989, pp. 25-26). Um processo que não é só composto por leis, que podem ser instrumentos do poder repressivo; mas também por instituições diferenciadas capazes de domar a pressão e proteger os próprios interesses; ou mesmo facilitadoras de respostas às necessidades e aspirações sociais (PORTER, 1988). Dessa forma, quando apontamos a mídia brasileira como partícipe de um ambiente não regulado, esquecemos que a “não regulação” é uma forma 80
de regulação. Este processo não parte necessariamente de centros de poder, existem várias camadas de regulação: Os objetos regulatórios podem variar em nível: indivíduos, grupos e organizações, sistemas. A regulação pode aplicar-se a relações entre sujeitos ou a características dos sujeitos mesmos, incluindo atividades nas que se embarcam, estas relações e características podem abarcar uma ampla gama de áreas (MITNICK, 1989, p. 37). No Brasil e, especificamente no caso analisado, o estado da Paraíba, os meios de comunicação permanecem distantes da prática democratizadora, isto é, “aquela prática que amplia as possibilidades de participação popular, não só na produção de programas, mas também na tomada de decisões” (MASTRINI, MESTMAN, 1996, p. 82). Entre outros aspectos, esta realidade se perpetua em virtude da ausência de diagnósticos prévios e dos limites de alcance das reformas no setor. Considerando o contexto das políticas de comunicação da América Latina, Mastrini e Mestman destacam que em parte este distanciamento também se deve: à forte resistência que se interpôs ao poder comunicacional (e historicamente ligado ao político) e que esteve associada ao fracasso das reformas que esses governos tentaram desenvolver no campo econômico e social (MASTRINI, MESTMAN, 1996, p. 84). Outro elemento determinante para esta resistência e distanciamento é a proximidade entre regulador e regulado. Processo que tais autores atribuíram como parte do que se denomina “democracia formal de interesse privado”, caracterizada por determinadas formas de privatização do público e que colabora para que as políticas de comunicação sejam “definidas a partir de um reduzido grupo de atores sociais em seu próprio benefício, que legitimam e consolidam o novo setor oligopólico da radiodifusão, estreitamente imbricado com o capital financeiro” (MASTRINI, MESTMAN, 1996, p. 86).
Políticos concessionários na Paraíba A quantidade de políticos concessionários de radiodifusão na Paraíba é tão considerável, que se contabilizássemos os políticos que não estão exercendo mandato eletivo no momento, seus filhos ou parentes a lista praticamente coincidiria com aquela disponibilizada no portal do Ministério das Comunicações. 81
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Os dois principais sistemas de comunicação, com atuação estadual, também pertencem a grupos que estão inseridos no contexto político paraibano. A Rede Paraíba, que aglomera o Jornal da Paraíba, TV Paraíba e TV Cabo Branco, as rádios CBN e Cabo Branco e o Portal G1, é administrada pelo grupo São Braz, da família Silva. Tem José Carlos da Silva Júnior como sócio. Silva Júnior, como é conhecido na política, foi vice-governador da Paraíba de 1983 a 1986, na gestão Wilson Braga, e suplente de Ronaldo Cunha Lima no Senado. Assumindo o cargo, em virtude do afastamento do titular, em 1996, 1997 e 1999. Já o Sistema Correio, por sua vez, é administrado pela família de Roberto Cavalcanti. Reúne as TV Correio e RCTV, o jornal Correio da Paraíba e o Paraíba Já, o Portal Correio e várias rádios. A maior parte das concessões está nos nomes de Beatriz Albuquerque Ribeiro, Maria Alice Albuquerque Ribeiro e Martha Albuquerque Ribeiro, outras estão registradas no nome de Roberto Cavalcanti Filho, todos parentes de Roberto Cavalcanti que também detém concessões em seu nome. Cavalcanti foi suplente no Senado de José Maranhão e chegou a assumir o cargo em 2006 e no período de 2009 a 2011, depois de executar, através de seus veículos, uma intensa campanha pela cassação do governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima. Nestes dois casos, a consolidação da relação política entre o empresário radiodifusor e o político se dá na oferta de suplências senatoriais, que aparecem como ferramentas de estabelecimento de adesão. Assim como a Política, a comunicação também é um negócio de família. A unidade familiar exerceu papel fundamental na formação da sociedade brasileira, o que de certa forma colaborou para que a solidariedade parental se tornasse basilar para compreender as relações políticas (RÊGO, 2008, p.14). A família é a essência do modelo patrimonialista, que “se organiza e se legitima caracterizado pelo poder arbitrário e se perpetua pela tradição” (STEVANIM, SANTOS, 2011), realidade que se explica pelas características de formação da sociedade brasileira. Embora não se trate de um sinônimo do coronelismo, o patrimonialismo torna frágil o poder do estado e fortalece o poder privado. O coronelismo, no contexto de formação da república, é um sistema mais específico que é, conforme o percursor dos estudos na área, Victor Nunes Leal (1997), contornado pela relação de troca entre elementos que formam o poder, especificamente em um momento de transição entre duas estruturas políticas diferenciadas. Ressemantizando o conceito para os estudos da comunicação, o coronelismo eletrônico se refere também a relações de troca entre elementos que formam o poder, só que agora no contexto de redemocratização do país. Por isso, não cabe apontar os donos dos meios de comunicação como “coronéis eletrônicos”, o termo “eletrônico” refere-se ao caráter sistemático destas relações. Na Paraíba, o vínculo das famílias não se circunscreve somente a um município, é comum a família estender os seus laços políticos por toda uma 82
região, partilhando, nem sempre concomitantemente, a administração de um município e regiões circunvizinhas. Muito embora, a quantidade de políticos concessionários seja significativa, conforme já afirmamos e aprofundaremos mais adiante, muitos também são beneficiados pelas concessões em nome de terceiros ou de parentes de políticos. Nesta condição está Agnaldo Ribeiro, do Partido Progressista (PP), que atualmente é Ministro das Cidades do governo Dilma Rousseff. Segundo dados do Observatório do Direito à Comunicação e da Folha de São Paulo, o Ministro controla, através de terceiros, as concessões das rádios Cariri AM e PB FM. Agnaldo é filho de Enivaldo Ribeiro, ex-prefeito de Campina Grande, presidente do PP, e irmão da Deputada Estadual Daniela Ribeiro, do mesmo partido, que tem um programa chamado “Mandato Popular” na rádio. A mãe deles, Virgínia Veloso Borges, é prefeita da cidade de Pilar, também pelo PP. A região em que a família atua corresponde às terras que tradicionalmente dominam, voltadas para a produção de cana-de-açúcar, na região da Borborema. No sertão, são os herdeiros do ciclo do algodão, que figuram nos postos mais significativos da administração pública da região. Na cidade de Sousa, dez membros da família Gadelha dividem a sociedade de duas importantes rádios: a Rádio Jornal de Sousa e o Sistema Regional de Comunicação, cujo nome fantasia é “Rádio Líder FM” e a disputa político-administrativa da cidade. Salomão Gadelha, já falecido, foi prefeito da cidade. Marcondes Gadelha foi senador e atualmente preside o Partido Social-Cristão (PSC), seu filho Leonardo Gadelha é deputado federal pela mesma legenda. Lafayette Gadelha é vereador da cidade, pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e André Gadelha é o atual prefeito, pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Embora nem sempre a família tenha obtido êxito nos pleitos para a administração do município, desde 1947 mantém representantes na câmara municipal. Na disputa eleitoral de 2012, em que a família teve êxito na eleição destes dois últimos membros citados, a rádio Líder FM teve sua programação temporariamente suspensa, devido à constatação da justiça eleitoral de que a emissora dedicou mais de 50% do tempo de diversos programas da grade beneficiando o candidato a prefeito André Gadelha, em detrimento dos outros candidatos. Na região, também atuam as ondas sonoras da Rádio Progresso de Souza FM, que tem como sócios João Virgínio de Sousa, o João Cazé, ex-vereador do município; Homero de Sá Pires, ex-prefeito da cidade de Santa Cruz na década de 1960 e pai de Lindolfo Pires, que atualmente é Deputado Estadual, pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e candidatou-se à prefeitura da cidade em 2012; e José Marques Mariz, parente do ex-governador da Paraíba, Antônio Mariz. 83
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Na cidade de Patos, o domínio da comunicação se confunde com a árvore genealógica de duas famílias, cuja soma do tempo de administração da cidade é de 35 anos. A atual prefeita, Francisca Motta (PMDB), é sócia da radio Itatunga ao lado do seu ex-genro, o ex-prefeito da cidade Nabor Wanderley Filho. O mandato do deputado federal Hugo Mota também é um legado da família. Hugo é neto de Francisca e de Edvaldo Fernandes Motta, ex-deputado, já falecido que ainda consta como sócio da rádio no catálogo de sócios e diretores do Ministério das Comunicações, e de Nabor Wanderley, ex-prefeito. Hugo é filho de Nabor Wanderley Filho, que também é ex-prefeito. Todos pelo mesmo partido da matriarca. Radiodifusão como uma caixinha de ferramentas Na cidade de Guarabira, principal cidade da região do brejo, o Sistema Correio de Comunicação que possui atuação estadual introduz um de seus braços. A Rádio Guarabira FM é dividida entre Beatriz Ribeiro, diretora do Sistema Correio de Comunicação, o deputado estadual Raniery Paulino e membros da família Aguiar: Jaberlly Cristina de Lucena Aguiar, Maria José de Lucena Aguiar e Jacquelyne de Lucena Aguiar, que têm relações políticas diversificadas. As relações políticas que permeiam esta concessão são bastante complexas e muitas vezes conflitantes. Embora o conflito político, em geral, se dê entre as famílias e outras concessões que também atuam na região, neste caso em específico, o conflito se processa dentro dela, em virtude da diversidade de laços políticos estabelecidos. João Rafael de Aguiar, patriarca da família que em parte detêm a concessão, é também sócio-diretor da Rádio Cultura de Guarabira. Empresário importante da cidade, João Rafael é segundo suplente do Senador Cícero Lucena. Apesar de suplente do senador do PSDB, suas filhas atuam como assessoras do Senador Vital do Rêgo, do PMDB, que disputa a região do Cariri Oriental e de Campina Grande, com a família Ribeiro e a família Cunha Lima. A dependência econômica do dinheiro público leva os grandes sistemas de comunicação do estado a tomar novos posicionamentos com relação à arquitetura do governo estadual a cada nova gestão. O mesmo não acontece nos âmbitos locais, já que pertencente a um grupo político específico a concessão geralmente atuará em torno dos interesses deste. O caso de Guarabira demonstra que nem sempre os laços estabelecidos entre sistemas maiores e as empresas de âmbito local correspondem e que há uma disputa política entre ambos. O que demonstra que a estrutura da mídia do estado está articulada com esta realidade, mas também obedece aos arranjos locais de poder, nas suas mais diversas camadas. O que justifica a complexidade dos estratagemas estruturais da cidade de Guarabira, que ainda tem o seu atual prefeito, Zenóbio Toscano, 84
imerso no universo de concessões de radiodifusão. Sua esposa e deputada estadual Maria Hailea Araújo Toscano, cujo apelido é Léa Toscano, é sócia da rádio Constelação, também em Guarabira. A disputa política na região coincide com essa divisão dos meios de comunicação do município. O pai de Raniery Paulino, Roberto Paulino, foi prefeito da cidade entre 1977 e 1982, sucedido por Zenóbio Toscano de 1983 a 1988; Roberto retoma o poder de 1989 a 1992; é sucedido por Jáder Soares Pimentel, 1993 a 1996; quando assume Léa Toscano por dois mandatos de 1997 a 2004; sucedida por Maria de Fátima Paulino, por dois mandatos 2005 a 2012; até que Zenóbio retoma o poder para o mandato de 2013-2017. De 1998 em diante, a política paraibana passou a ser fortemente caracterizada pela bipolarização partidária, resultada do rompimento entre políticos oriundos do PMDB. Desde este episódio, a administração política do estado, basicamente, passou a ser dividida entre o PSDB e o PMDB. Essa polarização começa a ser superada com o fortalecimento de outros partidos, mas ainda se reflete na organização midiática do estado. O percursor do processo de cisão interna do PMDB foi o governador Ronaldo Cunha Lima (1991 a 1994), falecido em 2012, que é pai do atual senador e ex-governador (2003 a 2009), Cássio Cunha Lima. Ambos figuram entre os governadores cujos parentes próximos são concessionários de radiodifusão. A rede Tamandaré, da cidade de Picuí, é uma sociedade de Savigny Rodrigues da Cunha Lima e Silvana Medeiros da Cunha Lima. Como senador, Ronaldo Cunha Lima contou com a suplência de Silva Júnior, dono da Rede Paraíba. Seus opositores políticos também estão dotados das mesmas ferramentas estratégicas. Os ex-governadores José Maranhão e Roberto Paulino também têm parentes concessionários de radiodifusão, conforme já detalhamos. Roberto é pai de Raniery Paulino, que detém concessões na sua cidade base, Guarabira e na cidade de São Bento. Já na cidade natal de Maranhão, Araruna, sua irmã Wilma Targino Maranhão é sócia, ao lado de Magda Maranhão, da Rádio Serrana. A família faz parte da política na região há seis décadas. Wilma é prefeita da cidade, seu filho, Benjamin Maranhão, é Deputado Federal. E Olenka Maranhão é deputada estadual. Como senador, José Maranhão ainda contou com a providencial suplência de Roberto Cavalcanti, dono do Sistema Correio de Comunicação, cuja atuação foi fundamental para que, após derrotado nas urnas, Maranhão pudesse tornar-se governador da Paraíba por mais um mandato em virtude da cassação de seu adversário, Cássio Cunha Lima. As empresas de Roberto Cavalcanti foram importantes ferramentas políticas na campanha pela cassação de Cássio Cunha Lima, processo que logrou êxito e permitiu a ascensão de Roberto Cavalcanti ao cargo de senador e de Maranhão à administração estadual. 85
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Diante destes dados, verificamos que os meios de comunicação estão diretamente conectados com os interesses e a disputa política da região. O que nos leva a concluir que a produção e a distribuição da informação estão a serviço do interesse particular destas famílias em detrimento do interesse público. Considerando o perfil das famílias que detêm as outorgas de radiodifusão, percebe-se que as concessões públicas adquirem: Papel similar ao que foi da terra na cooptação de votos; garantia de renda através de incentivos fiscais, financiamentos e publicidade oficial; garantia de proteção nos mercados locais contra predadores concorrenciais; ferramenta de divulgação de outros “negócios” sob influência de líderes políticos; importante ferramenta de construção de imagem mítica; controle do fluxo de informação; arma fundamental contra os inimigos políticos (STEVANIM, SANTOS, 2011, p. 13). Soma-se a essa conjuntura a dependência de enorme parcela da população do poder público. Dados do IBGE apontam que 90% dos municípios da PB dependem (em mais de 40%) dos recursos federais, o que faz com que o interesse pela informação sobre a Política Partidária seja também uma questão de sobrevivência.28 Em parte dos casos apresentados, as rádios pertencem a grupos que se mantêm no poder há décadas. Parece-nos que os instrumentos de comunicação, ao lado de outras ferramentas sociais como o próprio mandato e as suas prerrogativas, são ferramentas fundamentais para a manutenção e a criação de parte do capital simbólico que sustenta a estrutura política da localidade. Isto nos leva a crer que a não renovação da política partidária também é determinada pela estrutura midiática, na medida em que a não alteração da estrutura midiática implica, de certo modo, na manutenção da conjuntura política, mesmo que a posse de uma concessão de radiodifusão não seja prerrogativa automática para a conquista de votos. Observa-se que os negócios das famílias se ampliam para a “economia da cultura, do conhecimento e da comunicação, gerando capital social em torno de seus próprios nomes” (STEVANIM, SANTOS, 2011, p. 14).
28 Conferir em Valor Econômico. Norte e Nordeste seguem dependentes do governo. 13 de dezembro de 2012. Disponível em http://www.valor.com.br/brasil/2938488/norte-e-nordeste-seguem-dependentes-dogoverno. Acessado em 05/01/2013
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Apontamentos Finais Neste trabalho desejamos problematizar as consequências da concentração midiática, no que se refere à produção e ao acesso à informação, na Paraíba. O retrato que os paradoxos da nossa mídia imprimem no contexto paraibano, que dentre as particularidades é caracterizado pela forte depedência do poder público, delimita um panorama atravessado pelo abrigo de interesses setorias privados. O que resulta, conforme explicitamos, em um ambiente distante da prática democratizadora. A análise dos dados dos meios de comunicação nos levam a concluir que estes estão diretamente conectados com os interesses e a disputa política, que se reproduz com certa homogeneidade em algumas regiões ao longo de décadas. Neste contexto, a produção e a distribuição da informação nos parecem estar à serviço do interesse particular dos grupos que se dividem na administração dos municípios e do estado. Sob esse ponto de vista, apontamos que também na Paraíba aspectos da realidade nacional colaboram para que as concessões de radiodifusão adquiram o papel que outrora foi ocupado pela propriedade de terra, como um elemento de manutenção do poder. Os meios de comunicação se tornam ferramentas fundamentais no jogo político local, seja pela sua importância para a fomatação da imagem mítica dos políticos que deles se beneficiam, seja como arma contra seus inimigos. Referências LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. 3ªed. MASTRINI, Guillermo; MESTMAN, Mariano (1996) ¿Desregulación o reregulación? De la derrota de las políticas a la política de la derrota., CIC Nº 2, UCM, Madrid. MITNICK, Barry. Economia Política de la regulacion. México: Fondo de cultura, 1989. Cap. 1. “El concepto y los objetivos de la regulacion”. p. 21-40 MOTTER, Paulino. A batalha invisível da Constituinte: interesses privados versus caráter público da radiodifusão no Brasil. 1994. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Universidade de Brasília. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
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Rádio comunitária: “a menina dos olhos” da política patrimonialista brasileira Dérika Correia Virgulino de Medeiros29 Introdução De uma ferramenta de luta dos movimentos sociais; das classes menos favorecidas economicamente; dos bairros e comunidades por melhores condições de existência, transformação social e direito à cidadania, as rádios comunitárias no Brasil vêem ao longo dos anos, sobretudo nas últimas décadas, se tornando moeda de troca política em nome de interesses privados. O vínculo entre comunicação e política está profundamente arraigado na cultura brasileira, servindo como instrumento de formação de consensos e favoritismo eleitoral. Esse fenômeno atravessou o período de ditadura militar – quando se enunciou uma política de expansão das telecomunicações no Brasil para garantir o controle da opinião pública, em nome da “segurança nacional”, chegando até os tempos da democracia. A consolidação de um sistema de normas legais beneficiários de interesses privados, ainda no período de recessão no país com a legislação de 1962, que regulamentava os serviços de rádio, televisão e telefonia, possibilitou a construção de um ambiente de concentração midiática nas mãos do mercado e de grupos políticos, favorecendo a prática de barganha política que se mantém até hoje como principal característica da Radiodifusão brasileira. Esse aspecto da realidade do país passou a ser convencionalmente denominado de coronelismo eletrônico, fazendo referência ao período da instalação da República Velha (1889 - 1930) quando a figura do coronel compunha a estrutura de poder do Brasil, a partir de uma forte influência exercida sobre os trabalhadores rurais, que dependiam dele economicamente. Assim, resguardado sob as asas de um sistema eleitoral que não previa o voto secreto, o coronel obrigava os trabalhadores a votar no seu apadrinhado político, numa prática conhecida como “voto de cabresto” (SANTOS, 2005). O coronelismo eletrônico, no entanto, se configura não mais pelo uso da propriedade rural como forma de extensão do poder dos coronéis, mas sim, dos meios de comunicação, principalmente o rádio e a televisão. A relação 29 Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro – ECOPós/UFRJ. Membro do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária – LECC/UFRJ e do Coletivo de Comunicadores Sociais – COMjunto.
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estabelecida entre o proprietário do veículo com o poder público é de base clientelar, ou seja, um vínculo que provoca o desmantelamento do bem público em função de interesses particulares, sobretudo na forma do voto. Essa referência ao coronelismo do período imperial, a partir da utilização do termo, parece oportuna por designar o fato de que no coronelismo eletrônico a moeda de troca continua sendo a compra de voto, porém, o instrumento agora é a manipulação da informação com o objetivo de influenciar a opinião pública. Isso significa dizer que o coronel hoje mantém práticas típicas do antigo coronel, como usar sua influência junto ao governo, para arranjar emprego para os apadrinhados ou levar obras e melhoramentos para suas bases eleitorais, mas mudou muito a forma de fazer política. Se antes os métodos de cabala de votos se resumiam às instruções dadas aos cabos eleitorais e aos comícios, é inegável que a televisão [e o rádio (...)] se tornaram um novo e decisivo cenário da batalha política estadual e municipal (COSTA e BRENER apud LIMA, 2011, p. 106). Entretanto, é mais especificamente a partir da promulgação da Constituição de 1988, que o coronelismo eletrônico vem se configurando no que o professor Venício Artur de Lima definiu como coronelismo eletrônico de novo tipo, e é justamente a essa prática que este artigo pretende debruçar-se. O coronelismo eletrônico de novo tipo trata de um momento da história do país em que a política local, ou municipalismo, encontra-se mais revigorada, após ser dado início a um movimento de descentralização das políticas públicas, gerando maior autonomia aos municípios e fortalecendo sua política local. A partir desse contexto, quem entra em cena são as rádios comunitárias – instaladas em âmbitos menores – como novo mecanismo de barganha política, só que, dessa vez, controlado não mais por deputados, senadores ou governadores, como no coronelismo eletrônico, mas sim, por representantes mais locais, como prefeitos e vereadores (LIMA, 2011). Com efeito, pretende-se neste artigo observar como as rádios comunitárias, frente a esta conjuntura se revelam como um importante instrumento na consolidação de uma estratégia política e eleitoral para exercer influência de voto sobre a população, não apenas em âmbito local, mas também nacional, visto que pulverização dessa forma de comunicar pelo país é capaz de alcançar lugares que o ente federativo não alcançaria, criando, dessa forma, uma rede nacional de apoio a determinados grupos políticos e partidários.
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Além disso, as incoerências de uma legislação de Radiodifusão Comunitária, submetida aos interesses políticos-mercadológicos, contribuem para que se utilize uma ferramenta que originalmente e por direito é de luta dos movimentos e coletivos sociais, para fins de interesse privado. Poder renovado O termo coronelismo foi engendrado pelo pesquisador Vitor Nunes Leal, em 1949, circunscrito, como dito anteriormente, à Primeira República no país quando o poder público vinha progressivamente ganhando força, em contraponto com a decadência dos senhores de terra e chefes locais, que vinham mantendo uma estrutura econômica sobre suas fazendas marcada ainda pela lógica colonial (LEAL, 1997). Foi possível o estabelecimento do coronelismo no Brasil graças a uma estrutura agrária concentradora da propriedade da terra, possibilitando o controle político nos municípios por lideranças locais. É, contudo, nas palavras de Leal (1997), o “resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada. [...] É antes uma forma peculiar de manifestação do poder privado” (p. 40). Assim, o coronelismo representava um aspecto da política local, mas que se refletia diretamente no âmbito nacional, contribuindo, portanto, para a construção da política do país. Isso significa dizer que, enquanto os coronéis utilizavam métodos como “o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto, a desorganização dos serviços públicos locais” (LEAL, 1997, p. 41), para manter a sobrevivência do seu poder na esfera local, o Governo federal também tomava proveito desses métodos para negociar a coesão dos entes federativos. O voto de cabresto era o objeto de maior eficiência entre os métodos do coronelismo, pois, por meio dele, os coronéis passavam a ter o poder de decidir sobre a alocação dos recursos federais que chegavam até o município, e indicavam quem ocuparia os cargos na máquina pública, como os delegados, os juízes, e outros cargos relevantes para o estabelecimento da ordem pública. Toda a preocupação do coronel em manter a guarda do seu poderio em âmbito local, se deve ao fato de que o período foi profundamente marcado pelo advento da república e a decadência do setor agrário. O contexto histórico revela que ao longo do século XIX, com o fim da escravidão, a crise de alguns dos principais produtos agrícolas, como o açúcar e o algodão, além da modernização do comércio e a industrialização do país, contribuíram para o fortalecimento dos industriais e a crescente queda de poder econômico dos senhores de terra (SANTOS, 2006).
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A decadência sócio-econômica dos senhores rurais – montados numa agricultura decadente, numa agricultura depredadora -, incapazes, portanto, de solucionar os próprios problemas que a agricultura colocava para eles Esse personagem da vida local, o que me pareceu sobretudo foi um homem mais fraco do que forte (LEAL, 1980. p. 13). Mas, ao mesmo tempo, o Estado e a União necessitavam manter o prestígio dos coronéis, tendo em vista que o isolamento de muitos municípios em um país de proporções continentais como o Brasil, não facilitava a inserção do poder dos governos estaduais e federais nessas regiões. Era então que entrava em ação o papel do coronel para estabelecer esta ponte, dando apoio aos governos e angariando votos. Nesse sentido era indispensável a função intermediária dos donos de terra. Por esses termos é possível inferir que a grande característica do coronelismo é a política de reciprocidade entre os coronéis com o governo estadual e, consequentemente, com o federal, isto é “os coronéis apóiam o governador, que lhes dá carta branca em seus domínios; os governadores apóiam o presidente da República, este reconhece a soberania deles nos estados” (CARVALHO, 1997, p. 5). Tudo isso relacionado menos com o vigor dos senhores de terra, do que com sua decadência. Assim, Leal (1997) afirma:
A debilidade dos fazendeiros só aparenta fortaleza em contraste com a grande massa de gente que vive, mesquinhamente, sob suas asas e enche as urnas eleitorais a seu mandato. O “coronelismo” assenta, pois, nessas duas fraquezas: fraqueza do dono de terra, que se ilude com o prestígio do poder, obtido à custa da submissão política; fraqueza desamparada e desiludida dos seres quase subhumanos que arrastam a existência no trato das suas propriedades (p. 78). Era, portanto, um período em que os coronéis buscavam alternativas à sua situação econômica, a fim de garantir a sobrevivência do seu prestigio político. Eles utilizam-se da estratégia do recurso da terra, para “exercer sobre a população um domínio pessoal e arbitrário que a impede de ter acesso ao mercado e à sociedade política” (CARVALHO, apud BAYMA, 2007, p. 347). Como bem observa José Murilo de Carvalho (1997), para Vitor Nunes Leal o coronelismo é um complexo sistema político composto por uma relação que 94
vai do coronel até o presidente da República, e que, além disso, é histórico, isto é, um fenômeno que se desenvolveu sob uma determinada conjuntura política, econômica e social. Entretanto, apesar de não haver consenso entre pesquisadores posteriores quanto ao fim do coronelismo no Brasil, cabe aqui neste momento destacar que o conceito é ainda bastante pertinente dentro dos estudos políticos e sociais, mas, sobretudo comunicacional, objeto de análise deste artigo. Não por outro motivo, mesmo com o estabelecimento do voto secreto durante o governo de Getúlio Vargas, é possível afirmar que a figura do coronel não acabou, ao contrário, se perpetuou, porém, com um caráter mais adaptado à nova realidade brasileira. Realidade esta que, inclusive, não era tão diferente assim da época em que o Brasil vivia uma situação deplorável quanto às condições de vida da população, com altos índices de pobreza e analfabetismo, sobretudo nos pequenos municípios do país (CAPARELLI e SANTOS, 2005). A pesquisadora Suzy Santos (2006) definiu cinco enunciados que ela considerou como possíveis indicadores da hereditariedade do coronelismo no Brasil. São eles: 1) a circunscrição a um momento de transição do sistema político nacional; 2) as relações clientelistas com alto grau de reciprocidade; 3) a debilidade da distinção entre interesses público e privado; 4) o controle dos meios de produção baseado no poder político em detrimento do poder econômico e isolamento da municipalidade (p. 4). Dessa forma, se durante a República Velha o poder dos coronéis era representado pelo latifúndio da terra, atualmente, são os meios de comunicação, especialmente o rádio e a televisão, que possibilitam o poder dos novos coronéis. Devido a esse contexto, as poucas famílias que compõem o quadro da oligarquia brasileira detêm o poder dos mais importantes veículos de comunicação no Brasil (BAYMA, 2007). Essa relação extremamente estreita entre comunicação e política no país se dá devido a uma série de fatores que envolvem desde a legislação específica de telecomunicação que se revela profundamente antidemocrática, sobretudo no quesito outorga de concessão pública de Radiodifusão – que no atual panorama normativo, possibilita apenas a formação de um ambiente de concentração midiática nas mãos da elite política e comercial do país, em detrimento da possibilidade de diversidade e pluralidade dos veículos de comunicação, além de determinantes como, a grande dissolução entre o público e o privado e a falta de regulação no setor, dentre outros fatores que contribuem para que seja possível 95
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fazer uma correlação entre o coronelismo, da época da República Velha, com o fenômeno comunicacional: o chamando coronelismo eletrônico. A consolidação do coronelismo eletrônico no Brasil teve seu impulso já na década de 60 e 70, com a ditadura militar e sua política de expansão das telecomunicações por todo o território, para não apenas divulgar sua ideologia de governo, mas também para proteger as fronteiras do país contra a influência estrangeira. Foi estabelecido desde esse período um sistema de concessão pública oferecido pela União a grupos privados capaz de impor um modelo de centralidade nos meios de comunicação no país, mantidos, em larga medida, pela publicidade governamental. Esse quadro favoreceu o surgimento de um novo tipo de poder não mais coercitivo – característica muito comum durante a ditadura militar, mas um poder ainda mais eficiente, o da construção de consensos. A partir daí o que se buscava era a formação da opinião pública que fosse capaz de facilitar candidatos e grupos partidários nos anos eleitorais. A partir do controle das concessões, os novos coronéis impõem, contudo, sua influência junto à população, principalmente, na conquista de voto, difundindo sua ideologia e, especialmente, agredindo a imagem dos seus adversários políticos. Um caso emblemático desse tipo de reação foi reproduzido durante as eleições de 1989, primeira eleição presidencial pelo voto direto. Neste momento, a Rede Globo, que já era o maior grupo privado de comunicação no país, e fiel represente do grupo político de direita brasileiro, realizou um debate que ficou conhecido como um dos maiores marcos de manipulação da imagem em uma emissora de TV aberta, com o objetivo de derrotar o candidato do partido esquerdista, o ex-presidente Lula, em nome da velha aliança entre o veículo e a classe dominante do país. Nesta eleição, Fernando Collor de Mello, candidato do grupo direitista do Brasil, elegeu-se presidente da República. É, portanto, diante desse contexto que se torna possível observar que os grandes grupos políticos no país, sobretudo aqueles instalados no Nordeste Brasileiro, têm vínculos estreitos com a mídia, especialmente com as emissoras de rádio e TV comercial e com as rádios educativas, das quais muitos possuem o direito de outorga de concessão. São grupos de senadores, deputados e até mesmo governadores, os principais agraciados por esse vínculo. Dentre os mais conhecidos, e representativos, estão as oligarquias regionais identificadas por nomes como: Barbalho, Sarney, Jerissati, Garibalde, Collor de Melo, Franco, Alves, Magalhães, Martinez e Paulo Octável (LIMA, 2011). Para autores como José Murilo de Carvalho o coronelismo é um fenômeno datado e que estaria circunscrito apenas no período da República Velha. “O fim do coronelismo é datado por Carvalho em dois momentos: um simbólico, quando 96
da prisão dos grandes coronéis baianos pelo Governo Provisório, em 1930, e outro, de fato, no momento da implantação do Estado Novo” (SANTOS, 2006, p. 13). No entanto, o autor parece não ponderar sobre alguns argumentos importantes dado por pesquisadores, a respeito do próprio Vitor Nunes Leal, sobre a continuidade de aspectos da pobreza miserável da população no país, o que eleva, e ainda sustenta, uma estrutura de poder profundamente antidemocrática, tudo isso associado com práticas clientelistas. Essa formatação do sistema social brasileiro é o que daria condições para que fosse perpetuada a marca do coronelismo apenas com uma nova cara. A faixa do prestígio e da influência do “coronel” vai minguando, pela presença de outras forças, em torno das quais se vão estruturando novas lideranças (...). O que não quer dizer que tenha acabado o “coronelismo” (...) Que importa que o “coronel” tenha passado a doutor? Ou que a fazenda se tenha transformado em fábrica? Ou que seus auxiliares tenham passado a assessores ou a técnicos? A realidade subjacente não se altera, nas áreas a que ficou confinada. O fenômeno do “coronelismo” persiste, até mesmo como reflexo de uma situação de distribuição de renda, em que a condição econômica dos proletários mal chega a distinguirse da miséria (LEAL, 1997, p. 18). O trecho acima destacado da obra de Victor Nunes Leal, “Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil”, revela bem a compreensão de que mesmo após a urbanização do país, isto é, a quebra da dependência ao sistema agrário; a instalação do voto secreto; e o estabelecimento de elementos democráticos no país, dentre outros fatores mais modernizantes, as funções de coronel permaneceram no país, apesar de travestidas de outras funções, tão importantes quanto o papel do dono de terras, no atual contexto social. É por meio do controle dos canais do espectro eletromagnético, concedido tanto pelo legislativo quanto pelo presidente da República, que o coronelismo eletrônico se realiza. A consolidação de uma norma legislativa caduca e burocrática tornou possível que ao longo dos anos, o procedimento de concessões se tornasse o instrumento de ação de privilégios dos interesses privados de grupos políticos, e interesse do próprio estado. Desde a formulação da Constituição de 1988, se estabeleceu a divisão do poder de outorgar concessões de Radiodifusão entre o Executivo e o Legislativo. 97
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O problema gerado a partir dessa decisão, é que como as principais empresas midiáticas estão nas mãos dos grupos políticos do país, criou-se a situação de que são eles mesmo que não só outorgam as concessões como também formulam a própria legislação do setor de comunicação no Brasil, sendo assim os principais beneficiários desse sistema (LIMA, 2011). Isso tornou possível que ao longo dos anos, o setor de comunicação passasse a ser o ambiente propício para a prática dos interesses dos grupos privados, do Estado e da elite política do país, quando o que estava em jogo era o interesse público. Diante desse quatro, a legislação passou a apontar inúmeros atrasos e distorções quanto à realidade atual. Podemos citar alguns pontos como: os longos contratos de outorga de concessão de Radiodifusão de 10 a 15 anos, para rádio e televisão, respectivamente com possibilidade de renovação; a falta de regulamentação para propriedade cruzada dos veículos de comunicação e para a propriedade dos meios em mãos de políticos; barreiras na legislação de Radiodifusão comunitária, dentre outros entraves para o desenvolvimento da democracia e cidadania no país. Outro ponto que também merece ganhar maior destaque é a falta de obediência ao Artigo 221, da Constituição Federal, que dispõe sobre os princípios que devem orientar a programação dos meios de comunicação, como: preferência às finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional, regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; regionalização da produção cultural, artística e jornalística; e respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, (LIMA, 2007, p. 84). Essas obrigações sequer são consideradas pelos empresários da mídia, nem são fiscalizados pelo poder público. É possível inferir que todos esses aspectos da legislação e da política brasileira estão assentados na profunda debilidade da diferenciação entre o público e privado, com um Estado cada vez mais caracterizado por um sistema patrimonialista. De acordo com Leal (1997), citado por Santos (2006), a desorganização dos serviços públicos é um dos principais responsáveis pela forte propagação do coronelismo, e mais recentemente, do coronelismo eletrônico. Porém, Santos (2006) enfatiza que assim como o coronel destrinchado por Victor Nunes Leal, que vinha passando por decadência econômica, e via assim seus interesses privados cada vez mais comprometidos, passando assim a depender diretamente da submissão ao poder público para sobreviver e manter seu status, o coronel eletrônico também encontra dificuldades em seus negócios privados. Isso ocorre devido a fatores como a ampliação da democracia no país acompanhada pelo aspecto da inovação tecnológica, o que trouxe maior ampliação e potência democrática para o setor de comunicação. Sem contar 98
que a própria legislação traz a proibição de que as outorgas de Radiodifusão comerciais e canais por assinatura sejam entregues nas mãos da classe política do país. Com efeito, os coronéis encontram saída na aliança com os grupos políticos. “A possibilidade de diminuição de seu poder fez com que ele (o coronel) assumisse um papel diferencial como um intermediário entre o poder federal e o setor empresarial. Esta é sua condição de sobrevivência neste momento histórico” (SANTOS, 2006, p. 19). Essas dificuldades também empurraram o novo coronel a uma possibilidade que se abria desde o regime militar, que era o surgimento de um novo tipo de compromisso direto entre o presidente da República e os municípios Isso significa dizer que o coronel ganhou um aliado direto na defesa dos seus interesses pessoais, o governo Federal. E com isso, para atuar de forma mais eficaz nos seus currais eleitorais, os coronéis da mídia conquistaram um interesse especial pelos veículos de menor alcance, qual seja, os veículos de comunicação comunitária. Além disso, um forte aliado nessa conjuntura para os coronéis foi a promulgação da Lei de Radiodifusão Comunitária, de 1998, de caráter profundamente excludente, e com muitas aberturas para usos privados.
“Coronelismo eletrônico de novo tipo” Foi no contexto pós Constituição Federal de 1988, que esse caráter da política nacional se intensificou, dando origem ao que Venício Artur de Lima vem denominando de coronelismo eletrônico de novo tipo. Segundo o autor, dois elementos levantados a partir da Constituição, influenciaram na “guinada” dessa nova forma do coronelismo eletrônico: o estabelecimento do município como ente federativo, e a exigência da participação do Legislativo na aprovação, junto com o executivo, na outorga de concessões públicas de Radiodifusão, tanto comerciais, quanto educativas e comunitárias (LIMA, 2011). Com a Constituição, houve inicio ao processo de descentralização das políticas públicas com novas configurações na distribuição de renda. Isso conferiu uma força e importância maior aos municípios e, consequentemente, à sua política local. E é justamente nesse contexto que o coronelismo eletrônico de novo tipo surge mais potencializado, sobretudo, a partir da sua vinculação com as rádios comunitárias. Segundo dados de Lima (2011), em 1998, ano da promulgação da Lei de Radiodifusão Comunitária (Lei nº 9.612), cerca de 70% de todos os novos atos de concessão, foram direcionados às rádios comunitárias. Essa alta porcentagem está diretamente associada também ao fato de que, com a divisão da tarefa com o legislativo para a aprovação das concessões de rádios 99
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comunitárias, criou-se a situação de que são os próprios coronéis eletrônicos, ou seja, os políticos concessionários de mídia, que aprovam ou não a concessão. Normalmente eles aprovam para eles mesmos, ou recusam quando o veículo comunitário pode fazer concorrência direta com o veículo de comunicação o qual ele é dono no município. Com isso, Venício Artur de Lima, classifica o coronelismo em três categorias: o coronelismo que tinha como instrumento de barganha política a posse da terra, no período da República Velha, e que possui o líder local como a força política. O coronelismo eletrônico que tinha como instrumento de poder as concessões de rádio e TV comerciais e educativas, e que como força política mediadora os senadores, deputados e governadores. E por último, o coronelismo eletrônico de novo tipo, que detém como mecanismo de poder as rádios comunitárias e como força política medidora os vereadores, prefeitos, líderes partidários locais, além de candidatos municipais derrotados (LIMA, 2011). Essa conjuntura é assentada numa Legislação específica para Rádio Comunitária que, ao invés de realizar seu verdadeiro propósito de colaborar na construção de um sistema de comunicação mais abrangente em termos de pluralidade de acesso aos mais diversos setores da sociedade, seve aos interesses de uma classe político-partidária sedenta de poderes políticos. Mesmo possuindo, ideologicamente, preceitos como o que está descrito no Artigo 3º da Lei (nº 9.612/98) de: I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas em benefício do desenvolvimento geral da comunidade; II - promoção das atividades artísticas e jornalísticas na comunidade e da integração dos membros da comunidade atendida; III - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, favorecendo a integração dos membros da comunidade atendida; IV - não discriminação de raça, religião, sexo, preferências sexuais, convicções político-ideológico-partidárias e condição social nas relações comunitárias (p.1). Nenhuma dessas finalidades é respeitada em nome de interesses particulares. Além desses pontos, a legislação ainda prevê que, idealmente, os veículos de comunicação comunitária devem prestar serviços sem fins lucrativos; não realizar qualquer tipo de proselitismo religioso ou político, nem ter vínculos que os submetam a qualquer tipo de orientação ideológica; possuir uma programação que atenda às necessidades da localidade assistida; dentre outras aspectos que a identifiquem como sendo de caráter comunitário. 100
Para conseguir uma outorga de rádio comunitária, ainda, a associação comunitária responsável deve enfrentar uma série de critérios burocráticos que limitam sua legalização. E quando a rádio passa a funcionar sem a outorga, são duramente reprimidas pela polícia federal, que além de fechar o estabelecimento e confiscar os equipamentos, prende os responsáveis pelo funcionamento do veículo. Um dos fatores que correspondem à burocratização do processo de análise das propostas de outorga, e que contribui para sua morosidade, é o fato de que a jurisdição que trata diretamente do assunto ocorra no âmbito federal. Para a obtenção de uma autorização de funcionamento deve-se fazer uma requisição ao Ministério das Comunicações e sua aprovação depende do voto favorável do Congresso Nacional e da Presidência da República (LEAL, 2007). A extrema burocracia e morosidade nos processos de outorgas das rádios comunitárias pode ser um dos motivos que explica o fenômeno de crescimento das rádios que funcionam por linha modulada, aquelas popularmente denominadas de rádios poste. Na Paraíba, de acordo com a Associação Paraibana de Rádios a Cabo – Aprac, em 2002 existia no Estado entre 30 e 40 rádios poste registradas na Associação. Atualmente, esse número já chega a 150. Em João Pessoa, capital da Paraíba, no mesmo período o aumento foi de cerca de 40%. A Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) levantou outros pontos da Lei que impedem o adequado e democrático desenvolvimento das rádios comunitárias no país, são eles: a falta de transparência e participação popular no processo de obtenção de concessão; a destinação de apenas três canais comunitários por município; a proibição de publicidade; a ausência do direito a contestarem as emissoras não-comunitárias em casos de interferências, embora essas tenham direito à proteção contra interferências das comunitárias; a proibição de que as emissoras comunitárias entrem em cadeia e a limitação da potência de transmissão de 25 watts. Dois pontos que representavam também grandes limitadores da legislação, quais sejam: o alcance do sinal da rádio de apenas 1 km de raio e a obrigatoriedade de que os diretores dos veículos mantivessem residência nesse raio de cobertura, foram revogados apenas em julho desse ano após inúmeras reivindicações dos movimentos sociais, incluindo a Abraço. Todas essas restrições foram estabelecidas para evitar o potencial de ação que as emissoras comunitárias possuem, e assegurar a concentração midiática e os interesses político-mercadológicos nas localidades. Porém, é importante o papel que os movimentos populares vêm desempenhando na luta por mudanças na legislação, e pela restrição da concentração midiática no país e do poder do coronelismo eletrônico.
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A associação desses fatores vem impedindo que os veículos comunitários fiquem de posse da sociedade civil organizada, facilitando, por sua vez, o seu controle por parte da classe política nos municípios. Apenas em 2003, durante o governo Lula, foi criado um grupo de estudos com o objetivo de avaliar as várias propostas de modificações para a Lei. No entanto, mesmo sendo apresentado ao final do estudo um relatório demonstrando a necessidade e urgência para a alteração dos pontos sugeridos, não foi levado a diante as mudanças. Novamente, em 2005, outro grupo foi criado com o mesmo propósito, porém, até hoje apenas tímidas modificações foram realizadas. As pressões políticas para que as mudanças não ocorram são muitas. Até mesmo os dados disponíveis para a população sobre a situação das rádios comunitárias no país são mínimas. Foi também apenas em 2003 que alguns dados foram disponibilizados no site do Ministério das Comunicações, porém sem algumas informações importantes como, por exemplo, os nomes dos diretores e demais componentes dos veículos comunitários. É apenas a partir dessas informações que se torna possível a verificação das relações entre os meios comunitários e os grupos políticos das localidades. No entanto, pretendendo realizar uma pesquisa sobre a verificação de quantas são as rádios comunitárias no Brasil que possuem ligação com a classe política de 1999 até 2004, que os pesquisadores Venício Artur de Lima e Cristiano Aguiar Lopes, vivenciaram uma verdadeira maratona para conseguir as informações necessárias. Sem que alguns dados estivessem disponíveis no site do Ministério das Comunicações, os pesquisadores precisaram encaminhar solicitações tanto para a Câmara dos deputados quanto para o Senado Federal, para obter informações sobre as pessoas que compõem o quadro de diretores das rádios. Após muito tempo realizando um trabalho praticamente manual para juntar todos esses dados que não se encontravam em um mesmo arquivo ou documento, Lima e Lopes chegaram à conclusão de que há ligação em praticamente todas as rádios comunitárias legalizadas no país com os grupos políticos de cada localidade. Com resultados detalhados sobre a situação das rádios comunitárias legalizadas no país, a pesquisa mostrou que na Paraíba, neste período, ou seja, de 1999 a 2004, 97 rádios receberam autorização de Brasília para funcionamento, e destas, mais de 50 possuíam vínculos com a política local. Os dirigentes eram, em sua maioria, candidatos derrotados nas eleições para vereador; possuíam algum cargo na administração pública, como secretários e até mesmo como prefeitos; dirigentes partidários; ou eram ainda parentes próximos de alguma autoridade pública. Em João Pessoa, com mais de 700 mil habitantes30, a única rádio comunitária legalizada até hoje, é a Rádio Comunitária Cruz das Armas FM, freqüência 104,9. 30 Senso do IBGE 2013
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Em execução desde 2002, o veículo foi autorizado a funcionar com base no decreto nº 1.597. Desde a sua fundação que Jonildo Cavalcanti da Silva Filho se mantém como presidente da rádio, e divide a gerencia com mais outros 12 membros. Atualmente, de acordo com o presidente da Abraço/PB, José Moreira existe cerca de 20 processos de pedido de outorga para o funcionamento de rádio comunitária em João Pessoa no Ministério das Comunicações que ainda não foram analisados. Enquanto isso, em municípios do Estado com um número populacional bem inferior ao da capital, já existem mais de uma rádio autorizada. É o caso da cidade de Junco do Seridó, que tem menos de sete mil habitantes, e já possui três rádios comunitárias com concessão. Apesar de não haver informação sobre se há relação entre as rádios desse município com a política local, é possível inferir que quanto menor for o município e mais “interiorano”, mais útil parece ser a presença de um veículo comunitário ligado a política da localidade para a manutenção das práticas coronelistas, visto que a fiscalização tende a ser menor, além de que se constrói uma rede de influência em locais que a política partidária em âmbito nacional, por exemplo, normalmente não adentraria. É nesse sentido que a pesquisa de Lima e Lopes (2007) apontou também que a utilização das rádios comunitárias ocorre em dois níveis: no municipal, em que as outorgas têm um valor no “varejo” da política, com uma importância bastante localizada; e no estadual/federal, no qual se atua no “atacado”, por meio da construção de um ambiente comunicacional formado por diversas rádios comunitárias controladas por forças políticas locais que devem o “favor” de sua legalização a um padrinho político (p. 49).
No caso da rádio pessoense Cruz das Armas FM fica claro o estreito laço que esta mantém com os interesses políticos. Apenas dois anos após surgimento do veículo, ou seja, em 2004, o presidente já se lançou como candidato a vereador pelo Partido dos Trabalhadores (PT), porém, não conseguiu se eleger. Nas eleições de 2008, novamente Jonildo se candidata ao mesmo cargo, dessa vez pelo PPS, e consegue se eleger como suplente de vereador pela legenda com 1.664 votos. Já em 2012, pelo PCdoB, Jonildo teve o número de votos reduzido para 1.343 ao disputar novamente o cargo de vereador da capital, e não conseguiu vencer as eleições.
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Para esse seu projeto de tornar-se vereador da capital da Paraíba, ser administrador e um dos locutores da única rádio comunitária do município representa um fator de grande peso para travar uma maior aproximação com o eleitorado, especialmente em um bairro do subúrbio de João Pessoa, no qual a escuta da rádio parece fazer parte da rotina dos moradores. A rádio não possui ainda características de um veículo comunitário, de acordo com os princípios e normas estabelecidos na Legislação específica do setor. A programação não diz respeito a assuntos que estejam ligados a vida dos moradores do Bairro de Cruz das Armas, daí o nome da rádio; reproduz padrões comerciais; além de não ter sido construída com base na participação coletiva dos indivíduos da localidade que também não participam da gerência do meio. A participação da população ocorre apenas de forma indireta, isto é, por meio de ligações. A prioridade, em termos de conteúdos, é para temas que estejam em sintonia com a política paraibana, carro chefe da programação radiofônica do Estado, sobretudo das rádios comerciais e também do veículo em questão. As demais notícias giram em torno de temas sobre o cotidiano da cidade, além da programação musical. Até mesmo as propagandas divulgadas durante a programação não correspondem apenas aos estabelecimentos comerciais da localidade. Os radialistas responsáveis também recebem nos estúdios entrevistados sobre temas variados, e divulgam serviços de utilidade pública, como uma espécie de “achados e perdidos”. Esses aspectos revelam que a rádio apesar de ter a concessão para atuar como um meio comunitário, não apresenta nenhuma característica que a distingue como tal. Além disso, parte das formas de financiamento contradiz o que está previsto na legislação pertinente, a respeito da utilização de publicidade comercial, como já dito anteriormente – apesar de ser esta uma questão bastante controversa entre os pesquisadores da área, tendo em vista que a Lei só permite que a manutenção financeira dos meios comunitários se estabeleça apenas sob a forma de apoios culturais, o que prejudica a manutenção dessas rádios, facilitando, ainda, as relações político-partidárias. É, portanto, um típico caso de prática política que remonta ao antigo Estado patrimonialista, em que há a mistura entre os interesses públicos e privados. E é justamente por esta razão que este artigo pretende mostrar como um sistema patrimonialista é fundamental para o estabelecimento tanto do coronelismo eletrônico, quando do coronelismo eletrônico de novo tipo (LIMA e LOPES, 2007). Os políticos em âmbitos locais têm uma parcela significativa no domínio do sistema midiático no Brasil. E como as rádios comunitárias por razões técnicas e de abrangência municipal correspondem a nova arma de poder desse atual contexto, elas possuem lugar estratégico para a consolidação do sistema de 104
poder nacional. Devido a isso, é que os políticos em nível nacional como bem observaram os autores, agem no atacado, ou seja, ajudando na legalização das rádios para contar com o apoio dos mais diversos municípios. A relação do político com as rádios comunitárias se estabelece, normalmente, através da delegação de poderes a algum correligionário que passa a organizar a rádio nos termos da Lei, isto é, arregimentando pessoas para comporem uma espécie de associação comunitária para a composição da diretoria, enquanto o político financia o custo dos equipamentos. Mesmo sendo proibida por lei a utilização dos veículos comunitários para fins político-partidários, há o uso abusivo desses meios pelos candidatos em época de campanha eleitoral. Além do uso em campanha, como as rádios possuem dificuldades legais de auto-financiamento, elas são costumeiramente financiadas por políticos locais ou lideranças partidárias que passam, devido a isso, a propagar diariamente a ideologia política defendida por eles. Considerações finais É possível perceber, portanto, a estreita relação existente entre os meios de comunicação no Brasil com a classe política, e as consequências danosas que essa ligação tem para o desenvolvimento de uma democracia plena no país. E essa problemática ganhou um agravante, pois passou a envolver, em um grau cada vez mais elevado, um dos maiores meios de comunicação voltados diretamente para os grupos sociais organizados, como instrumentos de suas lutas por direitos e transformação social por melhores condições de vida, que são os veículos de comunicação comunitária. Entretanto, nem tudo parece estar perdido. Pois, apesar de a política coronelista dos meios de comunicação ter o projeto de tomar progressivamente posse desse mecanismo de luta, os movimentos sociais por todo o Brasil vêm se organizando contra esse sistema centralizador da classe dominante brasileira. Esses grupos estão se apropriando de outros métodos, facilitado, sobretudo, pelas novas tecnologias. Uma das grandes discussões hoje, que se faz acerca do campo da comunicação no Brasil, é ao redor da digitalização do rádio, que envolve, ao mesmo tempo, outro assunto de extrema necessidade que é a regulação da comunicação no Brasil. Com isso, muitos movimentos sociais vêm no ambiente do ciberespaço uma possibilidade de promover conteúdo comunitário, com as rádios Web para burlar as limitações e pressões políticas impostas pela atual legislação, e acabam potencializando, muitas vezes, suas ações, a partir do momento em que libertam suas demandas dos limites locais, e formam redes de reivindicação por todo o país, através do contato com outras realidades locais. 105
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Mas, para além desses novos mecanismos encontrados para manter viva a chama comunitária, também cabe aqui reforçar a necessidade de se lutar por mudanças reais na atual conjuntura política do país, podendo ser iniciada pela regulamentação no setor e reformulação da legislação comunitária, para que estes veículos sejam reconduzidos as suas funções originais, que é servir aos interesses da população sem qualquer interferência política. Referências BAYMA, I. F. C. O telefone social do príncipe. In.:RAMOS, M. C. e SANTOS, S. Políticas de Comunicação: buscas teóricas e práticas. São Paulo: Paulus, 2007. CARVALHO, J. M. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: uma discussão conceitual. Dados-Revista, Vol. 40, n. 2. Rio de Janeiro, 1997. LEI Nº 9.612, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998. Institui o Serviço de Radiodifusão Comunitária. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9612. htm . Acesso em: 4 de janeiro de 2013. LEAL, S. Radiodifusão comunitária no Brasil: desafios e perspectivas para as políticas públicas. In.:RAMOS, M. C. e SANTOS, S. Políticas de Comunicação: buscas teóricas e práticas. São Paulo: Paulus, 2007. LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. 3 ed. ____________. O coronelismo e o coronelismo de cada um. Dados-Revista de Ciências Sociais, vol. 23, n. 1, p. 11 – 14. LIMA, V.A. Regulação das comunicações: história, poder e direitos. São Paulo: Paulus, 2011. LIMA, V. A e LOPES, C. A. Coronelismo eletrônico de novo tipo (1999 – 2004): as autorizações de emissoras como moeda de barganha política. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/download/Coronelismo_ eletronico_de_novo_tipo.pdf . Acesso em: 4 de janeiro de 2013. SANTOS, S. E-Sucupira: o Coronelismo Eletrônico como herança do Coronelismo nas comunicações brasileiras. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS). Bauru, SP: 2006. 106
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