A Ciência das Experiências de Quase-Morte

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A CIÊNCIA DAS EXPERIÊNCIAS DE QUASE-MORTE



A CIÊNCIA DAS EXPERIÊNCIAS DE QUASE-MORTE

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John C. Hagan III

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Livraria Danúbio Editora 2020


© The Science of Near-Death Experience, The Curators of the University of Missouri, 2017.

FICHA CATALOGRÁFICA Hagan III, John C., A ciência da experiência de quase-morte — 1º ed. — Curitiba, PR: Livraria Danúbio Editora, 2020. ISBN: 978-65-88248-00-3 1.Ciências Médicas. 2. Medicina. 3. Saúde. I. Título. CDD – 610 Tradução: Thiago Baran Revisão: Jefferson Bombachim Capa e diagramação: Lucas Guse Imagem da capa: Yongsung Kim (The Hand of God) Os direitos desta edição pertencem à Editora Danúbio CNPJ: 17.764.031/0001-11 — Site: www.editoradanubio.com.br Distribuição: CEDET - Centro de Desenvolvimento Profissional e Tecnológico Rua Ângelo Vicentim, 70, Campinas/SP Todos os direitos desta edição pertencem à Livraria Danúbio Editora Ltda. Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma,seja ela eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer meio.


Sumário Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Agradecimentos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Sobre o Missouri Medicine. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O periódico da Associação Médica do Estado do Missouri. . . . . . . . . Colaboradores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Introdução A Ciência da Experiência de Quase-Morte O mais abrangente estudo da literatura médica mundial revisada por pares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

Capítulo I As Experiências de Quase-Morte: Um ensaio em medicina e filosofia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 Capítulo II Uma visão geral das experiências de quase-morte. . . . . . . . . . . . . . . . 37 Capítulo III Da Própria Mente ou Para Além do Cérebro? O Desafio de Interpretação das Experiências de Quase-Morte . . . . . . . . . . 49

Capítulo IV A Pesquisa Prospectiva Holandesa sobre Experiências de Quase-Morte durante Paradas Cardíacas. . . . . . . . . . 61 Capítulo V Minha Jornada Inimaginável A Experiência de Quase-Morte de uma Médica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73


Capítulo VI Minha Experiência de Quase-Morte Um Chamado de Deus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 Capítulo VII Experiências de Quase-Morte A Evidência para a Sua Realidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

Capítulo VIII Percepção Verídica Aparentemente Não-Física em Experiências de Quase-Morte. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 Capítulo IX Através dos Olhos de uma Criança: Experiências de Quase-Morte nos Jovens. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

Capítulo X Experiências de Quase-Morte Angustiantes: Os Fundamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135 Capítulo XI Experiências de Quase-Morte: O Debate Mente-Corpo e a Natureza da Realidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . 147

Capítulo XII As Perspectivas da Neurociência nas Experiências de Quase-Morte. . . 159 Capítulo XIII As Experiências de Quase-Morte e a Emergente Visão Científica da Consciência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175


Prefácio

Raymond Moody, md, PhD Médicos e outros profissionais que tratam pacientes em estado terminal às vezes ouvem a pungente questão, que corta o coração: “Como é morrer?” No entanto, a resposta sempre parece estar além do escopo da profissão médica e talvez até mesmo além do alcance do conhecimento humano. Este livro pioneiro sobre experiências de quase-morte fornece uma resposta parcial para os médicos e também conforta os pacientes terminais. As experiências de quase-morte são muitos comuns entre sobreviventes de paradas cardíacas e de outros problemas de saúde severos. Elas chamaram a atenção do mundo todo em 1976 e, desde então, mantêm-se sob interesse do público, alimentando continuamente a sua imaginação. Essas experiências estão sujeitas a se tornarem mais comuns com o avanço constante das técnicas de ressuscitação cardiopulmonar. Por isso, este livro único surge em um momento muito oportuno. Experiências de quase-morte apresentam problemas realmente interdisciplinares que dizem respeito em igual medida à medicina clínica, à filosofia, aos estudos religiosos e às neurociências. Profissionais nesses campos encontrarão muitas informações questionadoras e clinicamente úteis neste livro.

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Os fascinantes papers compilados neste volume representam uma variedade de perspectivas. Os médicos clínicos cujos papers descrevem suas próprias experiências de quase-morte merecem nossa especial gratidão e respeito, pois a clara convicção de que experimentaram um estado transcendente de existência consciente além do mundo físico levanta questões na medicina clínica sobre uma vida após a morte. De que modo médicos e profissionais da saúde deveriam responder a pacientes inteligentes e articulados que relatam ter morrido e visitado um reino pós-morte cheio de luz? Problemas clínicos e filosóficos estão interligados de modo inextricável nessa questão pungente. Clinicamente, a situação costuma ser simples. Os médicos devem ouvir com cuidado o que os pacientes ressuscitados relatam. Então, devem assegurá-los que não estão sozinhos e que essas experiências ocorrem freqüentemente com indivíduos que se recuperam após quase morrer. Também devem reconhecer que tais experiências muitas vezes afetam de um modo profundo a vida espiritual posterior dos pacientes. A interpretação de uma experiência como essa deve ser deixada para o paciente. A tentativa de explicar experiências de quase-morte a partir da neurofisiologia, considerando-as como alucinações induzidas pela privação de oxigênio no cérebro, muitas vezes aliena os pacientes. Além disso, a vida após a morte ainda não é uma questão cientificamente respondida ou testada. Antes, é um tradicional e importante problema filosófico. E esse antigo problema filosófico se intrometeu bem no coração de nossa prática clínica. Assim, não é intelectualmente honesto evitar a questão por conta das próprias reflexões pessoais. Afinal, muitas pessoas brilhantes, perspicazes, de bom julgamento, concluem de suas experiências pessoais de quase-morte que há uma vida após a morte. Como pode a mente racional compreender um estado de coisas tão extraordinário? A medicina moderna e a antiga disciplina da filosofia podem parecer distantes. Contudo, o raciocínio filosófico é exatamente o necessário para abordar a questão da vida após a morte. As maiores mentes filosóficas apontaram que essas questões são inatingíveis por meio da lógica aristotélica que fundamenta o raciocínio comum. Portanto, o surgimento da questão da vida após a morte na prática clínica da medicina apresenta desafios excitantes que exigem novos métodos de análise conceitual. O tempo é propício para uma investigação racional inovadora da maior questão da existência humana. Este livro, o primeiro compilado por um jornal médico respeitado, mainstream, e revisado por pares, é um passo significativo nessa direção.

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Agradecimentos

Este livro é baseado em uma série de editoriais e artigos publicados no Missouri Medicine: The Journal of the Missouri State Medical Association, de setembro de 2013 até agosto de 2015. Agradecemos aos autores científicos renomados mundialmente por seus conhecimentos especializados e contribuições de qualidade sobre experiências de quase-morte. Os artigos foram todos reproduzidos com permissão do Missouri State Medical Association (msma), que detém os direitos autorais. Nenhuma porção deste livro pode ser reproduzida sem a permissão da msma por escrito. Gostaria de agradecer à msma pela grande honra de servir como editor da Missouri Medicine desde 2000. A produção e o design da Missouri Medicine: The Journal of the Missouri State Medical Association é inteiramente feita pela diretora-administrativa Lizabeth Fleenor. Sem as suas habilidades, dedicação e conhecimentos especializados nem a Missouri Medicine nem este livro poderiam ser produzidos. A msma também gostaria de agradecer à University of Missouri Press pela produção e publicação deste livro, em especial por abraçar a importância deste assunto e pelo entusiasmo ao trazê-lo à publicação. Finalmente, este livro é dedicado à minha inteligente, adorável e amável esposa, Becky Hagan. Sua vida significou tudo para mim.

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Sobre o Missouri Medicine

O periódico da Associação Médica do Estado do Missouri O Missouri Medicine é revisado por pares e seu conteúdo está ligado ao PubMed Central, que é o arquivo digital do U.S. National Institutes sobre as ciências biomédicas e biológicas. O conteúdo é indexado e pode ser encontrado no medline, na National Library of Medicine e em bancos de dados da ebsco. O Missouri Medicine pertence ao Missouri State Medical Association e está em publicação desde 1904. Ele ganhou diversas vezes o prêmio como a melhor publicação do estado (Ranly Awards). O Missouri Medicine também fornece conteúdo selecionado em destaque para o www.medhelp.org, a maior comunidade online de saúde que tem alcance de mais de 140 milhões de usuários no mundo todo ano. Em anos recentes, os artigos da Missouri Medicine estiveram em destaque internacionalmente: Wall Street Journal, Outside Magazine, Runner’s World, NBC News, General Surgery News, Anesthesia News e outros grandes jornais nacionais. Além de ter uma presença nacional, o Missouri Medicine é a maior publicação de saúde em circulação no Missouri, e sua área de captação inclui sete escolas médicas. Mais edições prévias podem ser encontradas em www.msma.org.

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Colaboradores

Eben Alexander III, MD, foi um neurocirurgião que passou quinze anos no corpo docente da Escola de Medicina de Harvard, na Brigham & Women’s e no Children’s Hospital em Boston, MA. Ele escreveu uma autobiografia sobre a sua experiência de quase-morte intitulada Proof of Heaven: A Neurosurgeon’s Journey into the Afterlife (2012), e escreveu uma seqüência denominada The Map of Heaven: How Science, Religion and Ordinary People are Proving the Afterlife (2014). Contato: ealexanderiii@earthlink.net. Nancy Evans Bush, MA, é presidente emérita da International Association for Near-Death Studies. Contato: nanbush5@gmail.com. Tony Cicoria, MD, é um cirurgião ortopedista e chefe de ortopedia no Chenango Memorial Hospital, Norwich, New York, e professor assistente clínico de ortopedia na Escola de Medicina de SUNY Upstate, em Syracuse. Jordan Cicoria, a filha do Dr. Cicoria, graduou-se recentemente pela Universidade de Rochester, é escritora e planeja iniciar a pós-graduação. Contato: tcicoria@gmail.com.

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Bruce Greyson, MD, é um professor de psiquiatria e ciências neurocomportamentais e ex-diretor da Divisão de Estudos Perceptivos da Escola de Medicina da Universidade da Virgínia. Contato: cbg4d@virginia.edu. John C. Hagan III, MD, é membro da American College of Surgeons e da American Academy of Ophtalmology. Um pesquisador clínico prolífico, ele publicou mais de 180 papers em publicações revisadas por pares e coeditou o texto Care of the Dying Patient (Missouri University Press, 2010). Ele é um escritor premiado e atuou como editor da Missouri Medicine desde 2000. Está listado na American’s Best Ophtalmologists e na liderança de diversas organizações profissionais estaduais e nacionais. Contato: jhagan@bizkc.rr.com. Jean Renee Hausheer, MD, FACS, foi membro da MSMA de 1986 a 2011 e atuou duas vezes no Missouri Board of Healing Arts. Ela se mudou para Oklahoma em 2011, onde é professora clínica de oftalmologia na Dean McGee Eye Institute, da Escola de Medicina da Universidade de Oklahoma. Ela atua em Lawton, Oklahoma. Contato: dr.jean.hausheer@gmail.com. Janice Miner Holden, EdD, é catedrática do Department of Counseling and Higher Education e professor do Counseling Program da Escola de Educação da Universidade de North Texas. Ela é editora do Journal of Near-Death Studies e ex-presidente da The International Association for Near-Death Studies (IANDS). Contato: jan.holden@unt.edu. Pim van Lommel, MD, trabalhou de 1977 a 2003 como cardiologista no Hospital Rijnstate, um hospital universitário em Arnhem, Holanda, e agora é pesquisador em tempo integral do relacionamento mente-cérebro. Através de sua pesquisa sobre experiências de quase-morte em sobreviventes de paradas cardíacas, ele é autor de mais de trinta artigos, um livro e diversos capítulos sobre a eqm. Contato: pimvanlommel@gmail.com. Jeffrey Long, MD, é um rádio-oncologista em Houma, Louisiana, e um especialista mundialmente reconhecido em experiências de quase-morte. O Dr. Long fundou a organização sem fins lucrativos Near Death Experience Research

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Foundation e um fórum virtual (www.nderf.org) para que pessoas compartilhem suas eqms. Contato: nderf@nderf.org. Raymond Moody, MD, PhD, é um autor renomado mundialmente, conferencista e psiquiatra cujo livro seminal, Life After Life, mudou completamente como a morte e o morrer são vistos. Ele é bastante reconhecido como o principal especialista mundial no campo de estudos de quase-morte. Seus livros são best sellers perenes e mais de 20 milhões foram vendidos. Contato: Raymond@LifeAfterLife.com. Kevin Nelson, MD, é professor de neurologia na Universidade de Kentucky envolvido na prática clínica em neurofisiologia há trinta anos, e também é Director of Medical Affairs há quase vinte anos. Ele é autor do livro The Spiritual Doorway in the Brain. Contato: knelson@uky.edu. Dean Radin, PhD, é cientista chefe no Institute of Noetic Sciences (IONS) e docente adjunto no Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Sonoma. Ele é ex-presidente da Parapsychological Association e co-editor chefe do periódico The Journal of Science and Healing. Contato: dradin@noetic.org. Penny Sartori, RN, PhD, trabalhou como enfermeira de terapia intensiva por quase duas décadas. Ela conduziu o primeiro estudo prospectivo de longo prazo de experiências de quase-morte no Reino Unido. Tem especialidade excepcional e interesse em eqms em crianças, e publicou e palestrou extensivamente sobre esse tema. Contato: p.sartori@ntlworld.com.

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As descobertas mais importantes darão respostas a perguntas que ainda não sabemos como perguntar e dirão respeito a objetos que ainda não imaginamos. John N. Bahcall, astrofísico (1935—2005)



Introdução

A Ciência da Experiência de Quase-Morte O mais abrangente estudo da literatura médica mundial revisada por pares

John C. Hagan iii, md, facs, faao Médicos e profissionais da saúde precisam aprender como lidar apropriadamente com pacientes que relatam uma eqm. Vamos nos acostumar com as experiências de quase-morte.

O que acontece com a consciência durante a ação de morrer? Nossa melhor resposta vem de pessoas que “quase morrem”, mas retornam à vida e se recordam de eventos ocorridos durante os procedimentos usados para lhes arrancar das garras da morte, isto é, a ressuscitação, o atendimento de emergência, ou a cirurgia. À medida que nossas habilidades médicas e cirúrgicas aumentam, podemos, mais do que em qualquer outra época, trazer de volta pacientes que foram mais

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longe no caminho da morte. Suas recordações com freqüência contradizem a explicação científica dos médicos que afirmam ser um cérebro privado de oxigênio capaz de produzir lembranças intensas, vívidas, reais, e várias vezes até mesmo corroboradas em sua veracidade. Esses eventos são chamados hoje em dia de “experiências de quase-morte” (eqm), e a vida das pessoas que as têm é quase sempre transformada. O termo eqm1 foi cunhado por Raymond Moody em 1975, no seu livro seminal Life After Life, um best-seller contínuo, com mais de 13 milhões de exemplares vendidos até agora. Meu próprio interesse em eqms começou há muitos anos, quando, em uma festa, perguntei a um amigo o que ele estava lendo. Respondeu-me: “Evidence of the Afterlife: The Science of Near-Death Experiences do Dr. Jeffrey Long.” E acrescentou, “Deverias lê-lo quando eu terminar. É bem instigante. Acho que é sério.” Depois de ler mais de uma dezena de livros sobre o assunto, concluí que um estudo científico a respeito, com diversos artigos, e revisado por pares, médicos e outros cientistas, seria uma conquista tremenda e sem precedentes para a medicina em geral e para o Missouri Medicine em particular. A série de experiências de quase-morte do Missouri Medicine republicada neste livro é a mais enciclopédica e atualizada da literatura médica mundial. Utilizamos dois critérios para recrutar autores: (1) médicos renomados; ou pesquisadores científicos que se baseavam em evidências, atuantes no campo das experiências de quase-morte; (2) médicos que tiveram pessoalmente uma experiência de quase-morte. Preferimos relatos de eqm de médicos a relatos de eqm de não-médicos, pois médicos são observadores objetivos, que têm entendimento direto das possíveis interpretações fisiológicas, e, por isso, seus conhecimentos científicos dão ainda mais credibilidade para os seus testemunhos. Os médicos e todos os profissionais de saúde precisam aprender como lidar de forma apropriada com pacientes que relatam uma eqm. Estimativas quanto ao número de pessoas dos Estados Unidos que tiveram uma eqm variam entre 9 a 20 milhões. Em geral, os médicos não avaliam a freqüência com que seus pacientes têm eqms, tampouco o modo como lidam com a situação. Isso precisa mudar! Muitas questões metafísicas são encontradas no estudo de eqms. Seus relatos desafiam muitas crenças médicas profundas, de médicos e cientistas, sobre o que acontece com a função cerebral e com a consciência no limiar da morte. 1  No original: nde (Near-Death Experiences). [N.T.]

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Experiências de Quase-Morte fazem os cientistas pensar, talvez com grande desconforto, nas questões mais profundas e antigas da humanidade. De onde viemos? Por que estamos aqui? Qual é o propósito da vida? O que ocorre quando morremos? É claro que a contemplação da morte e os questionamentos a respeito dela, o mistério do processo terminal da vida, além dos medos relacionados à natureza ou à existência de uma vida após a morte, estão programados em nosso dna desde o início da existência sensciente. No primeiro Capítulo i, Raymond A. Moody — o pai das eqms e o autor de livros que venderam mais de 20 milhões de exemplares — descreve como registros históricos que remontam à Grécia antiga contém descrições similares ao conceito moderno de uma eqm. O livro de Moody, Life After Life (1975), apresenta uma coletânea inicial de mais de 150 eqms contemporâneas. A eqm normalmente inclui muitas das características seguintes: a mente deixando o corpo em uma viagem ascendente; a passagem de uma luz escura a uma luz brilhante, muitas vezes dentro de um túnel; a luz, que é muitas vezes interpretada como Deus ou o Ser Supremo, é inefável e transmite alegria, paz, amor e conforto. Os pacientes se encontram com amigos e familiares já falecidos, que os acolhem; revêem as próprias vidas e conseguem entender o significado delas, como a viveram, e como afetaram outras pessoas; sempre relatam que não gostariam de desfazer essa unidade com a luz, a fonte de amor; e retornam à vida mortal de modo relutante, ou para ajudar quem precisa deles na Terra, ou porque, algumas vezes, ouvem a contragosto: “Sua hora ainda não chegou”. Ao retornar ao corpo terreno, costumam levar uma vida com mais sentido e mais plena de amor. A partir de então, neles, o medo da morte se torna ausente. Bruce Greyson, Professor da Escola de Medicina da Universidade da Virgínia e co-fundador da Associação Internacional para Estudos de Quase-Morte (iands),2 no Capítulo ii, revisa as explicações científicas postuladas para as eqms, incluindo: expectativa; memórias do nascimento; gasometrias alteradas; intrusão do sono paradoxal;3 alucinações tóxicas e/ou metabólicas; neuroquímica; fenômenos neuroanatômicos, sem encontrar uma explicação definitiva para as eqms. Além dos aspectos positivos durante e depois de uma eqm, Greyson foi o primeiro a apontar a ocorrência de “experiências de quase-morte traumáticas”, que são 2  No original, International Association for Near-Death Studies. [N.T.] 3  rem.

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perturbadoras e até mesmo aterrorizantes para quem as experimenta. Também notou que a maior parte das pessoas que têm eqms são saudáveis mentalmente e que não se deve confundir ou equipará-las com despersonalização, dissociação, transtorno de estresse pós-traumático ou outros estados patológicos como a Síndrome de Charles-Bonnet. Dean Radin, um dos principais especialistas em utilizar ciência baseada em evidência e em laboratório para estudar eqms, relata essas conclusões no Capítulo iii: Com uma exceção, eqms podem ser interpretadas como formas incomuns de alucinação associadas com o cérebro ferido ou morrendo. A exceção envolve percepções descritas a partir de perspectivas de fora do corpo, que são mais tarde confirmadas como corretas e que não poderiam ter sido inferidas. Mais de um século de estudos de laboratório especularam se é possível para a mente, em princípio, transcender os limites físicos do cérebro. O banco de dados experimental cumulativo tem como forte indício que ele pode. Não está claro que essa descoberta implica que a mente está separada do cérebro, mas de fato sugere que uma explicação exaustiva de eqms precisará de revisões para apresentar hipóteses científicas sobre o relacionamento entre mente e cérebro. Pim van Lommel, um cardiologista holandês célebre que conduziu estudos prospectivos em pacientes com paradas cardíacas durante hospitalizações. Em 18% dos 344 pacientes ressuscitados com sucesso houve o relato de eqms típicas. Também cita quatro outros estudos prospectivos concebidos de forma similar nos quais se descobriu que entre 10% e 20% de 562 pacientes relatam uma eqm. Van Lommel é o primeiro em nossa série que aborda a questão da consciência não-local como uma necessidade para explicar cientificamente muitos dos hoje intrigantes fenômenos de eqms. Consciência não-local é o tema estimulante de seu livro Consciousness Beyond Life (2001, HarperOne). Sua pesquisa aparece no Capítulo iv.

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Jean Renee Hausheer é uma oftalmologista respeitada que anteriormente lecionava na Universidade de Missouri-Kansas City e hoje é Professora Clínica na Escola de Medicina da Universidade de Oklahoma. No Capítulo v, ela descreve pela primeira vez sua própria eqm no Independence Regional Hospital (Missouri). No Capítulo vi, Tony Cicoria, Professor Assistente na Escola de Medicina SUNY Upstate, e Jordan Cicoria escrevem sobre a eqm de Tony, ocorrida em 1994 e amplamente divulgada, quando ele foi atingido por um raio. Após a eqm, ele teve uma obsessão em aprender a tocar piano e compor música original, obtendo sucesso nas duas tarefas. Ambos os médicos descrevem suas eqms como positivas, eventos transformadores que enriqueceram suas vidas, reafirmaram suas crenças em Deus e removeram qualquer receio da morte. Jeffrey Long, um rádio-oncologista de Louisiana, estabeleceu a organização sem fins lucrativos Near Death Experience Research Foundation (nderf ), para a coleção, a informação e o estudo de pessoas com eqm no mundo todo. Por favor, visite seu site www.nderf.org para entender como as eqms são universais e interculturais. No Capítulo vii, o Dr. Long elabora em nove linhas de evidência que convergem na explicação de que as eqms não podem ser explicadas cientificamente neste momento. Entre as mais impressionantes dessas nove linhas estão relatos factuais de eventos remotos fisicamente, que ocorreram no passado, ou que de fato ocorreriam no futuro, ou que ocorreram durante a eqm da pessoa, e eram por ela incognoscíveis de outra forma. Outros eventos inexplicáveis envolvem indivíduos totalmente cegos descrevendo com precisão eventos visualmente vívidos durante suas ressuscitações. Noventa e seis por cento de pacientes que relataram eqms à nderf, muitos bem-educados e treinados cientificamente, chamam suas experiências de “inquestionavelmente reais”. Jacine Miner Holden, editora do Journal of Near-Death Studies, antiga presidente do iands e uma das maiores especialistas mundiais no estudo das eqms por percepção verídica aparentemente não-física (pva),4 apresenta no Capítulo viii sua pesquisa e a de outros próceres neste campo de tema fascinante. Como pode uma pessoa tendo uma eqm, durante uma parada cardíaca, ao ressuscitar e se recuperar, relatar de forma precisa eventos e ocorrências locais e remotos no tempo e no espaço, incognoscíveis até mesmo por uma pessoa bem acordada e 4  No original, apparently non-physical veridical perception (avp). [N.T.]

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alerta, localizada no mesmo espaço físico da pessoa em aparente comatose e em quase-morte? PVAs representam um dos aspectos mais difíceis da pesquisa de eqms que ainda deverão ser explicadas por aqueles cientistas que atribuem as eqms à neurofisiologia alterada. Penny Sartori é uma das principais pesquisadoras de eqms em crianças. No Capítulo ix, ela revisa sua investigação coletiva, que inclui crianças em eqm que, mais tarde na vida, descrevem com precisão eventos de seus nascimentos ou infâncias. Ela acredita que isso demonstra que um cérebro maduro e funcional não é necessário para uma eqm; argumenta contrariamente ao cérebro como o centro da consciência humana e aponta que a neurofisiologia falhou como explicação às eqms. Também assinala que as crianças que têm suas eqms prontamente validadas têm resultados acima da média nas vidas futuras, enquanto aquelas que não têm pronta validação têm resultados abaixo do normal. Ela argumenta com firmeza para que os profissionais de saúde sejam treinados a reconhecer eqms e validá-las rápida e apropriadamente, especialmente às crianças. Nancy Evans Bush, ex-presidente do iands, e Bruce Greyson, recém-aposentado diretor da Divisão de Estudos Perceptivos da Universidade da Virgínia, apresentam no Capítulo x as pouco discutidas “experiências de quase-morte traumáticas” (eqmts).5 A revisão de mais de 30 anos de literatura de eqms concluiu que eqmts podem ocorrer com uma freqüência de até um em cada cinco casos, e que barreiras para relatá-las, tanto externas quanto internas, as fazem ser menosprezadas. A eqmt carrega conotações traumáticas para os eventos caracteristicamente prazerosos da eqm. O contexto da eqmt é de um “vácuo” com sentimentos de solidão, isolamento, de vazio e até mesmo um senso de aniquilação. Finalmente, na eqmt os temas “celestiais e redentores” da maioria das eqms são substituídos por uma experiência “infernal e condenatória”. Muito tempo e esforço são necessários da parte desses indivíduos para tentarem resolver a debilitação e o resíduo negativo das eqmts. Três mecanismos são comumente empregados. Primeiro, “Eu precisava disso”, no qual o indivíduo busca fazer as pazes com a sua vida e se tornar uma pessoa melhor, sendo comum a mudança para um grupo religioso dogmático. A segunda metodologia é o reducionismo com que a eqmt é justificada ou repudiada como uma alucinação ou uma reação adversa medicamentosa. O terceiro grupo luta por anos tentando compreender por que a eqmt 5  No original, “distressing near-death experiences” (dndes). [N.T.]

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aconteceu com eles e por que não conseguem se livrar dos efeitos colaterais negativos. Muitas vezes se comprometem com psicoterapias de longo prazo, as quais normalmente não têm efeito. Nem as eqms nem as eqmts são pré-condicionadas pela conduta de uma vida individual — mesmo uma pessoa santa pode ter uma eqmt enquanto criminosos e misantropos podem experimentar eqms agradáveis e redentoras. Eben Alexander iii, ex-neurocirurgião de Harvard, é o autor de sucesso de Proof of Heaven: A Neurosurgeon’s Journal into the Afterlife (2012) e da abrangente continuação The Map of Heaven: How Science, Religion and Ordinary People Are Proving the Afterlife (2014, ambos da Simon & Schuster).6 No Capítulo xi, ele narra a sua própria recuperação total e miraculosa de um caso da quase sempre fatal meningoencefalite E. Coli, e a eqm complexa experimentada durante o coma. Os Drs. Radin, Van Lomme, Alexander e o neurocirurgião pioneiro Wilder Penfield negam todos que a complexidade do cérebro possa explicar a existência da consciência. Alexander escreve: “A verdade é que quanto mais entendemos o funcionamento físico do cérebro, mais percebemos que ele não cria de forma alguma a consciência. Nós estamos conscientes apesar do cérebro! O cérebro serve mais como uma válvula redutora ou filtro, limitando a consciência pré-existente ao limiar do ‘aqui e agora’ ilusório em que nos encontramos neste mundo físico.” E continua: “A comunidade eqm, assim como as experiências relacionadas, transformadoras espiritualmente das mais diversas formas, fornece evidências convincentes de que a consciência é fundamental no universo.” No Capítulo xii, Kevin Nelson, professor de Neurologia da Escola de Medicina da Universidade de Kentucky e autor de vários livros, incluindo The Spiritual Doorway in the Brain (Plume, 2012), fornece o que ele classifica de explicações “baseadas no cérebro” para experiências de quase-morte, enfatizando a intrusão do sono paradoxal e a neurofisiologia alterada. Ele assevera que as eqms não oferecem percepção alguma sobre a vida após a morte ou prova o que os espiritualistas chamam de Céu. Quer se acredite em alguma, toda ou nenhuma das interpretações e explicações das eqms oferecidas por outros autores que tratam do assunto, como médicos e cientistas que acreditam no método científico, é obrigatória a leitura da teoria de Nelson sobre a sua causalidade. 6  Publicados no Brasil como Prova do Céu (Sextante, 2013) e Mapa do Céu (Sextante, 2014) respectivamente. [N.E.]

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No Capítulo xiii, que conclui o livro, Eben Alexander iii examina com grande pormenor as explicações sobre eqms oferecidas pelo Dr. Nelson no Capítulo xii, e as considera cheias de lacunas. Eben examina os escritos do famoso neurocirurgião canadense Wilder Penfield e assevera que estes são similares aos de sua própria autoria e aos de outros autores de eqms desta série da Missouri Medicine, em contraposição aos cientistas “fisicalistas” que Nelson representa. O doutor também apresenta outros neurocientistas estimados e mundialmente famosos que deixaram o campo do fisicalismo e não mais consideram a química cerebral capaz de explicar a existência da consciência ou elementos de milhares de eqms que, estudados cuidadosamente pela ciência, desafiam a explicação científica. Ao conhecer melhor as eqms, e me tornar mais familiarizado com o assunto, indaguei os meus pacientes que tiveram paradas cardíacas ou estavam inconscientes e quase morreram. Vários descreveram eqms típicas sem pestanejar. Médicos agora me procuram para me contar suas próprias eqms. É uma síndrome clínica real que médicos e profissionais de saúde precisam reconhecer e ser capazes de lidar apropriadamente. As experiências de quase-morte merecem mais pesquisa científica única e inovadora. Tal qual o Dr. Nelson acredita no presente, talvez as eqms sejam explicadas pela neurofisiologia e não passem de ilusões do cérebro. Alternativamente, como o Dr. Alexander e a maioria de nossos outros autores médicos-cientistas acreditam, podemos estar nos aproximando do ponto em que a ciência vai provar que as eqms são eventos reais, ocorrendo em outra dimensão, possivelmente espiritual em vez de material, e que, em última análise, serão validadas cientificamente, mas estão muito além dos poderes de compreensão e interpretação da ciência empírica.

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Capítulo I

As Experiências de Quase-Morte: Um ensaio em medicina e filosofia

Raymond A. Moody, md, PhD As experiências de quase-morte são um fenômeno antigo e muito comum que perpassa as antigas filosofias, a religião e o curandeirismo e chega até a mais moderna prática clínica da medicina.

Os modernos avanços no conhecimento médico tornam possível reviver pacientes vítimas de lesões e doenças cada vez mais severas e potencialmente fatais, incluindo paradas cardíacas. Ao serem reanimados, esses pacientes muitas vezes afirmam terem experimentado estados alterados de consciência que mudam suas vidas e são interpretados em termos espirituais. A partir de 1965, entrevistei alguns milhares de indivíduos que tiveram experiências de quase-morte (eqms),

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quando sobreviveram por pouco a graves crises de saúde. Conduzi as entrevistas primeiro como professor de filosofia e lógica, depois como médico e psiquiatra. Este documento é uma visão geral da minha pesquisa sobre as experiências de quase-morte, seu significado histórico, suas características, sua dimensão sociológica e suas implicações clínicas.

a história das experiências de quase-morte

As experiências de quase-morte são um tema fascinante e perene que liga a prática médica moderna à antiga filosofia grega. Os filósofos gregos Heráclito, Demócrito e Platão teorizaram sobre pessoas conhecidas como “espectros”, que supostamente morreram e voltaram à vida. Heráclito ponderou, enigmaticamente, que o espectro foi de alguma forma escolhido para vigiar os vivos e os mortos. A obra mais famosa de Platão, A República, culmina no mito de Er, um guerreiro que parece ter sido morto em batalha. Em seu funeral, contudo, Er se reanimou espontaneamente e contou a história da saída e entrada do seu corpo em um complexo mundo do além. Platão levou histórias como as de Er a sério, como se oferecessem uma garantia de vida após a morte. Demócrito, o fundador da teoria atômica, também estava interessado em histórias de pessoas que haviam retornado dos mortos. Em seus escritos, que agora sobrevivem apenas na forma de fragmentos, Demócrito tentou explicar “histórias de volta dos mortos” nos termos de seus princípios explicativos favoritos — átomos e vácuo. Ele observou que não existe o momento da morte. Em outras palavras, Demócrito defendeu que as experiências dos moribundos resultam do desfalecimento gradual do corpo antes da morte. É evidente que as pessoas sabem das experiências de quase-morte há milhares de anos. Essas experiências devem ter sido bem raras na Antigüidade e nos períodos medievais, já que sobreviver a ferimentos ou doenças extremas era muito mais incomum. Existem relatos esparsos desses períodos, mas a situação mudou drasticamente no fim do século xx. As últimas décadas do século xx contemplaram avanços memoráveis em tecnologia e procedimentos para a ressuscitação cardiopulmonar. O uso generalizado dessas novas técnicas logo aumentou drasticamente o número de pessoas que sobreviveram a um encontro com a morte.

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