ANUÁRIO 2014
ANUÁRIO 2014
PUCRS Reitor Ir. Joaquim Clotet Vice-reitor Ir. Evilázio Teixeira Pró-reitoria Acadêmica Mágda Rodrigues da Cunha Avenida Ipiranga, 6681 Porto Alegre/RS
Diretor João Guilherme Barone Reis e Silva Coordenador do curso de Jornalismo Fábian Chelkanoff Thier Coordenadora do Espaço Experiência Paula Puhl EDITORIAL J Laboratório de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Coordenador do Editorial J Fabio Canatta Coordenadora de produção Ivone Cassol Professores Responsáveis Alexandre Elmi, Fabio Canatta, Flávia Quadros, Ivone Casso, Marcelo Träsel, Marco Villalobos, Paula Puhl, Tércio Saccol e Vitor Necchi Alunos editores Bibiana Dihl, Caroline Ferraz, Guilherme Almeida, Júlia Bernardi, Thamíris Mondin, Thiago Rocha, Thiago Valença, Victor Rypl e Yasmin Luz Alunos Amanda Gonçalves, Amanda Oshida, Ana Maria Muller, Ana Paula Conrad, Anahis Vargas, Annie Castro, Antonio Carlos De Marchi, Betina Carcuchinski, Bruna Ayres, Bruna Gassen, Bruna Goulart, Bruna Zanatta, Bruno Ibaldo, Camilla Pereira, Cândida Schaedler, Carine Santos, Carolina Michaelsen, Carolina Teixeira, Carolina Zorzetto, Caroline França Medeiros, Cássia Oliveira, Cinthia Aquino, Cláudia dos Anjos, Constance Laux, Cristiane Luckow, Daniela Flor, Daniely Medeiros, Dimitri Barcellos, Douglas Abreu, Douglas Agostinho, Douglas Cauduro, Edna Alves, Eduarda Endler Lopes, Eduardo Deconto, Elisa Célia, Fernanda Mazzocco, Fernando Bacoff, Flávia Carboni, Frederico Martins, Gabriel Correa, Gabriel Golçalves, Gabriel Palma, Gabriel Raimundi, Gabriela Brasil, Gabriela Giacomini, Georgia Ubatuba, Guilherme Mercado, Gustavo Fagundes, Isadora Marcante, Jéssica Moraes, Jéssica Tarantino, Jéssica Wolf, João Alexandre Rodrigues, João Paulo Dorneles, João Paulo Wandscheer, João Pedro Arroque Lopes, Jorge Sant’ana, Júlia Alves, Júlia Bernardi, Júlia Braga, Júlia de Quevedo, Júlia Silveira, Julia Tarrago, Julian Schumacher, Juliana Bonotto, Juliane Guez, Karine Flores, Karyne de Oliveira, Kelly Freitas, Kelly Moreira, Kimberly Winheski, Laura Marcon, Leonardo Ferri,Letícia Ferraz, Lucas de Oliveira, Lúcia Vieira, Luísa Dal Mas, Luiza Meira, Luiza Menezes, Manoela Tomasi, Mariana Fritsch, Mariana Lubke, Mariana Melleu, Marianne Santiago, Marina Spim, Martha Menezes, Maura Meregali, Mauro Plastina, Milena Haas, Muriel Porfírio, Natalia Rodrigues, Nathalia Adami, Otávio Antunes, Pamela Floriano, Paola Pasquali, Patrícia Lapuente, Pedro Francisco Pacheco, Pedro Gomes, Pedro Henrique Tavares, Rafael Ferri, Rafael Sobral, Rafaela Johann, Raphael Seabra, Raquel Baracho, Rebeca Kuhn, Renata Araújo, Renata Fernandes, Ricardo Miorelli, Roberto Kralik, Rodrigo Luz, Rodrigo Mello, Rômulo Fernandes, Sofia Schuck, Stephanie Gomes, Taína Cíceri, Thiago Rocha, Vanessa Padilha, Vitor Laitano, Vitória Fonseca, William Anthony, Yanlin Costa e Yasmin Luz ANUÁRIO 2014 Coordenação Alexandre Elmi e Vitor Necchi Edição de fotografia Flávia de Quadros Alunos editores de conteúdo Bruna Zanatta, Cândida Schaedler e Thamíris Mondin Alunos editores de foto Annie Castro, Caroline Ferraz, Guilherme Almeida Projeto gráfico e diagramação Bruno Ibaldo Acesse editorialj.eusoufamecos.net
Um anuário reúne informações sobre o ano que antecede à publicação. Mais do que um inventário, ele pode servir para evidenciar os principais feitos do ciclo encerrado. Ao compilar o que se elaborou de mais relevante, a obra dialoga com a posteridade porque propõe itinerários para se conduzir a memória. O Anuário Editorial J 2014 nasce com a perspectiva de criar permanência – tema caro para quem lida com narrativas. Mais do que um recorte na realidade, mais do que um registro de parte dos acontecimentos, a maior potência deste documento é preservar a diversidade de registros elaborados por futuros jornalistas no momento em que se encontram em formação. A universidade é um espaço de conhecimento, de aprendizado, de crítica. A universidade também é um ambiente de experimentação. No universo específico do jornalismo, a Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da PUCRS busca contribuir para a formação de profissionais que combinem o domínio da produção de conteúdo em diferentes linguagens e plataformas com o exercício da crítica, da responsabilidade social e do compromisso com um mundo melhor. Este também é o propósito do Editorial J, o laboratório de jornalismo convergente. Com este anuário, projetamos ao futuro, mais do que o balanço de um ano, o registro do percurso de nossos universitários.
Alexandre Elmi Vitor Necchi
FOTO DA CAPA: GUILHERME ALMEIDA
FAMECOS
ITINERÁRIO PARA A MEMÓRIA
SUMÁRIO Para entender este anuário Bruno Ibaldo
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O Editorial J Laboratório da experimentação
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Funcionamento dos núcleos
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Cândida Schaedler
Cândida Schaedler
Impresso Metas bilionárias
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Especial: 50 anos do Golpe Militar
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Por que elas ainda recebem menos
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O som do preconceito
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Ensaio: Vidas Invisíveis
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Um refúgio chamado Brasil
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Victor Rypl e Anna Cláudia Fernandes
Bruna Zanatta, Júlia Bernardi, Guilherme Almeida e Caroline Ferraz
Anna Cláudia Fernandes, Thamíris Mondin e Caroline Ferraz
Antônio Carlos De Marchi e Guilherme Almeida
Guilherme Almeida
Bruna Zanatta, Júlia Bernardi, Mariana Fritsch e Pedro Scott
Vidas que mudaram com a Copa do Mundo Bibiana Dihl, Luiza Antonioni, Bruna Zanatta, Caroline Ferraz, Thamíris Mondin e Yanlin Costa
Ensaio: Copa na Vila Tronco Caroline Ferraz
O próximo RS
Thamíris Mondin, Bibiana Dihl, Yanlin Santos, Frederico Martins, Thiago Valença, Yasmin Luz, Victor Rypl, Gabriel Gonçalves, Bruno Ibaldo e Kimberly Winheski
Corte de árvores descontrolado Júlia Bernardi, Sofia Schuck e Kimberly Winheski
57 64 72 77
No fio do cabelo
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Preconceito sem espaço
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Ritual sustentável
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A agitação da economia do lixo
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Ensaio: Bric do Didi
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Elisa Celia
Bruna Ayres e Maiara Rubim
Bruna Zanatta e Pedro Scott
Júlia Bernardi, Pedro Henrique Tavares e Guilherme Almeida
Annie Castro
Web A eterna reforma política
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Os erros e acertos das pesquisas
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A medicina transparente
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O marqueteiro de Sartori
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Repórter precisa viver em crise
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A era de ouro do vigilantismo
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Kfouri: "Futebol brasileiro é pré-capitalista"
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Ensaio: Eleições
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Banheiro sem acesso
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O que os políticos gaúchos dizem
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Esgoto e lixo como vizinhos
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Ensaio: Remo em POA
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Shana Sudbrack
João Pedro Arroque Lopes e Bruno Ibaldo
Gabriel Gonçalves e Júlia Bernardi
Bruna Ayres
Eduarda Endler Lopes
Gabriel Gonçalves
Gabriel Gonçalves e Frederico Martins
Annie Castro, Frederico Martins, Gabriela Rabaldo e Maia Rubim
Gabriel Gonçalves e Gabriela Giacomini
Produção colaborativa
Caroline Ferraz e Raphael Seabra
Frederico Martins
O mundo sem telas
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Esgotamento do sistema político
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Percalços da democracia
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Tensão ao fazer edição histórica
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Vídeo
150
Áudio
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Bruna Gassen
Shana Sudbrack e Bruno Ibaldo
Gabriel Gonçalves e João Pedro Arroque Lopes
Camilla Pereira
Apêndices Impresso Edição 14
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Edição 15
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Edição 16
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Edição 17
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Web Publicações
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Anuário Editorial J
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PARA ENTENDER ESTE ANUÁRIO TEXTO
BRUNO IBALDO 8º SEMESTRE
R
METAS BILIONÁRIAS
eunir um material tão extenso é difícil por exigir inúmeras etapas: concepção, seleção, edição, adaptação, atualização, montagem, revisão etc. A diagramação está presente em todas elas. Soma-se a esta dificuldade o cuidado exigido, pelo diagramador a si mesmo, em favor da qualidade do trabalho de seus colegas repórteres, fotógrafos e editores. Não é somente o trabalho dele que está em jogo, mas o de uma equipe inteira, empenhada em fazer o melhor. E fazer o melhor é uma frase que o diagramador escreve em cada página. Não em palavras, mas em formas, cores, tipografia e layout. Para entender este anuário, reunimos aqui os recursos gráficos escolhidos para orientar a leitura. São símbolos que aparecerão nas páginas, com o que você precisa fazer para experenciar este anuário de maneira completa e observar esta e a próxima página antes de virar as demais.
O Editorial J produziu um retrato do trabalho das concessionárias de pedágio, que administraram as rodovias do Estado durante 15 anos. Por meio das informações de um documento do Daer, foi construído um banco de dados descrevendo a atuação em cada um dos sete polos rodoviários cedidos pelo governo. A iniciativa privada gastou nas estradas R$ 2,7 bilhões dos R$ 5,4 bilhões que ganhou durante o contrato, com valores corrigidos pelo IPC-A. Em 2013, foi substituída pela empresa pública EGR, que promete mais investimentos, mesmo com uma diminuição no preço dos tarifas.
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VICTOR RYPL 8º SEMESTRE ARTE
ANNA CLÁUDIA FERNANDES 8º SEMESTRE
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m 15 anos, R$ 5,4 bilhões foram arrecadados pelas empresas concessionárias de pedágios no Rio Grande do Sul. No mesmo período, as administradoras aplicaram R$ 2,7 bilhões nas estradas, gastando R$ 1,2 bilhão em investimentos e R$ 1,5 bilhão em manutenção e conservação. Os valores foram obtidos depois de um trabalho de cruzamento de dados publicados em um documento do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), intitulado Relatório de acompanhamento do programa de concessões do Rio Grande do Sul – 1998 a 2012 – Relatório N° 27. Nele constam números anuais sobre a receita e os gastos de cada um dos polos rodoviários do Estado durante a década e meia de contrato. O dinheiro aplicado nas estradas foi dividido nas categorias investimento, conservação e manutenção. As despesas de conservação são serviços mais leves como roçada e limpeza, enquanto as de manutenção são operações mais complexas, como tapar buracos e retirar terra. Os valores de 1998 a 2011 foram corrigidos para dezembro de 2012 através do IPC-A, permitindo a criação de números que retratassem a totalidade do contrato. A partir dos cálculos, comparou-se o trabalho das conces-
sionárias com o novo modelo de administração das estradas no Estado. A Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) assumiu ao longo de 2013 os polos Metropolitano, Gramado, Lajeado, Caxias do Sul e Santa Cruz do Sul, além das praças de pedágio comunitárias, que eram responsabilidade do Daer durante o período das concessionárias. A estatal pretende trabalhar sem lucro, aplicando 80% de sua arrecadação nas estradas, gastando 50% em manutenção e conservação e 30% em investimentos. Os 20% restantes serão os custos administrativos. “Ainda não foi possível alcançar essa meta, pelo número de licitações em andamento”, explica o presidente da empresa, Luiz Carlos Bertotto. Os valores estão
O raio-X A partir de documentos disponíveis no site do Daer, o Editorial J agrupou os principais números dos polos entre os anos de 1998-2012. A apuração exigiu que a reportagem montasse uma nova base de dados, para cruzamentos e comparações. As fichas ao lado mostram o montante da arrecadação, os valores aplicados em investimento, os recursos com manutenção (e conservação), a extensão total e qual foi o tráfego no período. Em 15 anos, 564.011.370 veículos circularam pelos trechos – é como se cada veículo da atual frota gaúcha tivesse atravessado cem vezes pelo menos uma das cancelas.
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AUTORES
Uma boa leitura.
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TEXTO
Antes do texto principal, pode-se ler os nomes dos alunos que trabalharam texto, foto e arte. O semestre indicado é o que o aluno se encontrava quando a reportagem foi publicada originalmente.
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A PEC Apesar de a minireforma ter sido aprovada no Senado, o grupo de trabalho aprovou outro projeto no dia 5 de novembro: uma proposta de emenda constitucional que estabelece mudanças no sistema eleitoral e na representação de partidos. A PEC 352/2013 cria uma cláusula de barreira para dificultar a atuação de partidos menores e institui o voto facultativo para todos os eleitores.
O texto propõe que os recursos do fundo partidário e o espaço de propaganda gratuita no rádio e na TV sejam divididos apenas entre partidos que tenham obtido pelo menos 5% dos votos válidos na Câmara dos Deputados distribuídos em pelo menos três Estados. O projeto ainda lança uma versão do voto distrital: os cadidatos do Legislativo concorreriam em regiões do Estado e não em todo o Estado.
"DEFENDO UMA REFORMA POLÍTICA DECIDIDA POR CONSULTA POPULAR." — DILMA DILMA ROUSSEFF ROUSSEFF EM EM — SEU PERFIL PERFIL NO NO TWITTER TWITTER SEU
ELEIÇÕES LIMPAS Em paralelo às propostas, corre um projeto de lei de iniciativa popular, o Eleições Limpas. Apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), defende eleições em dois turnos, sendo o primeiro voto no partido, para decidir a quantidade de vagas para cada legenda, e o segundo no candidato de preferência, a fim de preencher as vagas.
O projeto também proíbe doações de empresas para campanhas, estabelecendo o financiamento público com a opção de pessoas físicas doarem até R$ 700. Uma parcela de 10% do fundo partidário seria dividido igualitariamente entre os partidos registrados, e o restante, de acordo com a representação na Câmara Federal.
Publicação original
Janeiro Janeiro
PUBLICAÇÃO ORIGINAL Ao final de cada reprodução de texto e ensaio fotográfico, encontra-se um selo indicativo de onde o conteúdo foi publicado na sua versão original. Nele, um ícone representa a plataforma em que a reportagem foi veiculada pela primeira vez. São duas possibilidades:
Impresso
Web
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EDITORIAL J
LABORATÓRIO DA EXPERIMENTAÇÃO Editorial J foi criado para possibilitar que alunos praticassem em todas as plataformas jornalísticas e elaborassem reportagens aprofundadas TEXTO
CÂNDIDA SCHAEDLER 7º SEMESTRE
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m espaço para o aluno produzir narrativas jornalísticas em diversas plataformas, com foco na linguagem e na preservação do conteúdo, em um contexto de profunda transformação e digitalização. Esta é a proposta do Editorial J, Laboratório Convergente de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da PUCRS, que começou a ser planejado na metade de 2010 e foi posto em prática no segundo semestre de 2011. Sob a coordenação do professor Fabio Canatta, hoje o núcleo conta com alunos voluntários de todos os semestres, mais os matriculados na disciplina curricular de estágio. Acompanhando a produção diária do laboratório, nove professores estão disponíveis para sanar dúvidas e orientar em relação à abordagem e aos possíveis desdobramentos multimídia das matérias. No Editorial J, o aluno pode se movimentar por todas as editorias e plataformas, tomando como fio condutor a elaboração de uma reportagem que ultrapasse o protocolo de apresentar apenas duas vozes divergentes. O J busca revelar o terceiro, o quarto e, se for o
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caso, o quinto ponto de vista de ar em todas as outras e explorar um acontecimento, pois permite pautas de maneira multimídia. A extrair o máximo de um assunto mudança ocorreu com o objetiao explorá-lo em diversos olhares vo de permitir ao aluno trabalhar e mídias. Assim, o estagimais intensivamente em ário tem a chance de se um dos cinco núcleos e dedicar a uma pauta que para manter uma produpode ocupá-lo por um ção diária constante no semestre inteiro, ao meslaboratório. mo tempo em que de“Sempre tivemos a senvolve atividades próintenção de ser um laprias de uma redação de boratório-escola e um funcionamento diário. A lugar para o estudante "O J É O chamada pauta do dia foi se descobrir”, define o LUGAR DA criada com esse intuito, coordenador do Editopois instiga os integranrial J, Fabio Canatta. “O TENTATIVA." tes a repercutirem um J é o lugar da tentativa.” — FABIO CANATTA assunto do momento, Ele aceitou coordenar apurando e redigindo a a criação e o funcionanotícia para ser divulgamento do laboratório da no mesmo dia. pelo desafio que lhe Atualmente, o Editorepresentava e também rial J publica um jornal pelo brilho nos olhos impresso mensal, tem dos alunos ao se empeprogramação de três nharem em realizar coihoras diárias ao vivo na sas novas. Para ele, nem radioweb FamecosCast, exibe sempre a melhor pauta é aquela um telejornal semanal na UniTV que foi publicada, pois, às vezes, e produz conteúdo diário para o a discussão da ideia vale muito site. Nos primeiros semestres de mais pelo aprendizado e pela criação do laboratório, o aluno se inquietação que gera nos alumovimentava por todas as platanos – e as reuniões de pauta do formas, sem manter referência J estimulam o desenvolvimento fixa em alguma. Desde o ano pasda crítica permanente aos prosado, porém, ele é incentivado a cessos. escolher uma com a qual se identiCanatta ressalva que o laborafica mais e a se dedicar com prioritório está sempre mudando, antedade a ela. Ainda assim, pode atucipando-se às transformações do
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mercado e buscando propiciar a melhor experiência jornalística aos alunos, sem os compromissos de uma redação tradicional. Nas reportagens, experimentam recursos do webjornalismo, como o jornalismo de dados, publicações de Storify – plataforma online que permite encontrar e divulgar o que várias pessoas disseram sobre determinado assunto para mostrar a repercussão de um fato na internet – e também narrativas de reconstituição histórica e experiências com livros digitais. O J é também uma pesquisa constante sobre jornalismo.
GRANDES COBERTURAS Fugindo da rotina de trabalho desenvolvida de segunda a sexta-feira, 35 alunos do Editorial J se empenharam para cobrir as eleições de 2014, em pleno domingo, e puderam vivenciar a experiência de participar de uma grande cobertura jornalística. A equipe de estagiários se reuniu nos dias 5 e 26 de outubro para acompanhar, ao longo do dia, o andamento dos pleitos federal e estadual, preservando o olhar diferenciado que o J busca debruçar sobre os fatos. Ao longo dos dois dias, foram produzidas 65 reportagens multimídia, um programa de rádio ao vivo com mais de três horas no primeiro turno e um programa em vídeo ao vivo de duas horas e meia no segundo turno. A audiência do site ultrapassou 2,5 mil visualizações nos dois domingos, número superior ao registrado em uma semana normal. Alunos da Famecos que não participam regularmente do Editorial J também colabora-
ram com a cobertura, e a hashtag #VotoJ teve 407 contribuições nas redes sociais somente no dia 26. A experiência de cobertura intensiva já havia sido realizada nas eleições municipais de 2012.
PREMIADO A partir da intenção de dar destaque às minorias e às pautas que veículos tradicionais geralmente deixam de lado, o Editorial J conquistou tradição de ganhar o Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo, promovido pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH) e pela Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio Grande do Sul (OAB/RS). Ao longo de três anos e meio, o laboratório da Famecos acumula 13 prêmios, sendo seis no de Direitos Humanos (2011, 2012, 2013), seis no SET Universitário e um no Prêmio Telefônica Vivo de Jornalismo Universitário. A reportagem Vida sem banheiro, elaborada em 2012 pela então aluna Débora Fogliatto, que ganhou o 3º lugar no Prêmio Direitos Humanos daquele ano, exemplifica o foco na apuração minuciosa, no destaque às minorias e na utilização de diversas plataformas para publicar o conteúdo – características incentivadas pelo J. Débora apurou tanta informação que, além de página dupla no impresso, foi criado um livro especial para e-book com os mais de 10 mil caracteres de texto. Além disso, ela se dedicou à pauta por um semestre inteiro, devido à dificuldade de localizar famílias de Porto Alegre que não têm banheiro em casa – o que enfatiza a persistência de contar uma história para a qual ninguém ainda havia olhado.
HISTÓRIA Antes de o J ser criado, os estágios de jornalismo da Famecos eram divididos em quatro redações que entravam em contato apenas esporadicamente. O Hipertexto era focado no impresso; a Cyberfam, na web; a TV Foca, na televisão; a Radiofam, na rádio. Por iniciativa dos alunos, às vezes esses núcleos se comunicavam devido a conteúdos e pautas específicos, embora não na mesma proporção e intensidade em que se estabelece a interação no Editorial J, que utiliza a convergência como base de trabalho. Para se antecipar às alterações que já vinham acontecendo gradualmente no mercado, o então coordenador do curso de Jornalismo da Famecos, Vitor Necchi, reuniu os professores Eduardo Pellanda, Fábian Chelkanoff e Marcelo Träsel, no segundo semestre de 2010, para criar um laboratório de estágio que possibilitasse ao aluno uma vivência mais ampla da prática e da reflexão sobre a profissão. Com base em pesquisas sobre o mercado de trabalho e o contexto político e econômico, foram estabelecidas algumas linhas gerais para o que viria a ser o Editorial J. As discussões tomaram corpo no primeiro semestre de 2011, quando o professor Fábio Canatta saiu do emprego como editor do Terra e começou a se dedicar integralmente à atividade acadêmica. Junto com cinco alunos-bolsistas (Natália Otto, Felipe Martini, Marcelo Sarkis, Igor Grossmann e André Pasquali), Canatta e os professores André Pase e Marcelo Träsel se reuniram quase todas as tardes
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durante um semestre e criaram as políticas editoriais e as rotinas de trabalho do Editorial J, além de terem realizado alguns pilotos para testar a proposta. De acordo com Necchi, o modelo de estágio vigente na Famecos naquele momento já mostrava sinais de desgaste, embora tenha sido bem-sucedido em épocas específicas. “Por sermos uma universidade, é imperativo que reflitamos sobre o que se passa no mercado e possamos questionar o que é feito. A universidade é, por definição, um espaço de crítica”, resume. A coordenadora de produção do Editorial J, Ivone Cassol, era editora do Hipertexto e já estranhava o fato de a redação do jornal ser muito isolada. “Isso não condizia mais com o mercado”, lembra. Assim, o jornal impresso produzido no Editorial J busca trabalhar com mais profundidade as reportagens, abordando os assuntos de maneira abrangente e perene. Além disso, utiliza QR Codes para vincular os textos a conteúdo extra publicado no site. Pase, que atuava na Cyberfam, acredita que a principal diferença que guiou a criação do núcleo foi a inquietação envolvendo o tempo de leitura das reportagens, o que se traduziu na concepção do site, dividido nas colunas Acontece, Reflita e Explore. Pensando na linha convergente do laboratório, elas podem servir para o aluno aprofundar, gradualmente, o mesmo assunto. O Acontece abarca as matérias com tempo de leitura mais breve, o factual. O Reflita publica mais pontos de vista, enquanto o Explore inclui conteúdos a partir de um novo desdobramento, de ma-
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neira consolidada e bem mais aprofundada. Träsel, que também se envolveu na criação da identidade digital do J, aponta que não fazia sentido dividir o site por editorias, porque os internautas não utilizam mais essa lógica para buscar informações. Além disso, a produção do laboratório não é parelha em relação a editorias. Porém, o ritmo mais elevado de produção de pautas no Acontece acabava engessando a capa, o que deve mudar com a estreia do novo site do J, que privilegia os núcleos do laboratório. O design renovado da página eletrônica destaca a FamecosCast, os vídeos e o impresso, mantendo as divisões entre Acontece, Reflita e Explore, mas de maneira mais dinâmica.
MERCADO DE TRABALHO Os alunos que fizeram parte da criação do Editorial J sentem, até hoje, a diferença de terem participado de uma redação convergente. Marcelo Sarkis afirma que depara o tempo todo com os desafios que eram propostos no laboratório. O que mais o auxiliou foi a liberdade para opinar e criar o projeto junto aos professores, pois se trata apenas da primeira experiência de uma série que enfrentaria depois, no mercado de trabalho. Quando trabalhou com tecnologia e inovação no jornal Zero Hora, às vezes precisava apresentar projetos totalmente novos, criados do zero, à área comercial da empresa. “Ter participado da criação do J foi muito importante, porque já tinha
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noção de como se faziam essas coisas”, comenta. Agora ele trabalha no programa Fantástico, da Globo, como editor de texto e de internet, convivendo, novamente, com conteúdo multimídia em sua rotina. “A convergência com a qual lidei no J se repetiu inúmeras vezes no mercado”, pontua. Para a hoje mestranda em Sociologia Natália Otto, a experiência também foi muito positiva. Ela recorda que desde o início houve o foco de fazer reportagens com profundidade e caráter humano, tentando dar conta dos fatos de maneira complexa. “Acho isso muito importante, principalmente porque não é sempre assim que se dá o jornalismo no mercado de trabalho. Então acho fundamental que os alunos tenham um espaço para realizar o tipo ideal de jornalismo. E foi isso que tínhamos a intenção de ajudar a criar”, avalia. Embora tenha desistido da carreira jornalística e queira se tornar professora universitária em outra área, Natália não se arrepende de ter cursado jornalismo, nem de ter participado do J. “A experiência me estimulou intelectualmente e contribuiu para o meu amadurecimento como profissional, principalmente graças à autonomia que nos era dada em relação ao trabalho”, comenta. Para ela, independentemente do que se faça depois, o jornalismo prepara para a vida. “Quando feito com humanidade e responsabilidade, ele nos ensina a enxergar a realidade de outro modo, com mais complexidade e empatia. E esse é o tipo de experiência que se carrega para qualquer área, inclusive para a vida pessoal”, conclui.
FUNCIONAMENTO DOS NÚCLEOS
VÍDEO
Responsável pela elaboração de um telejornal semanal, exibido na UniTV e disponibilizado na internet, além de outro mensal com reportagens especiais. Os integrantes também produzem documentários e auxiliam os colegas de outros núcleos no desenvolvimento de vídeos que servem de complemento a reportagens em texto. Em 2014, o canal do J no YouTube ultrapassou 120 mil visualizações. A coordenação é dos professores Fabio Canatta e Marco Antônio Villalobos.
IMPRESSO
Elabora um jornal mensal de 12 páginas, com tiragem de 2 mil exemplares, distribuído na PUCRS, em veículos de comunicação e em outros lugares fora da universidade. As reportagens procuram abordar os assuntos de maneira abrangente e aprofundada, abrindo espaço a alunos da Famecos que não integrem a equipe regular do J. Esporadicamente, produzem um caderno especial encartado no jornal. O núcleo é coordenado pelos professores Alexandre Elmi e Vitor Necchi.
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FOTO
O núcleo é responsável pelas fotografias do impresso e da web, sob coordenação da professora Flávia Campos de Quadros. Os alunos publicam uma galeria de foto por semana no site, que pode se desdobrar em matérias escritas ou vídeos, e acompanham as pautas feitas pela redação da web e do impresso.
ÁUDIO
Desenvolve uma programação diária de três horas ao vivo na FamecosCast, radioweb do Editorial J, sob orientação dos professores Tércio Saccol e Filipe Gamba. Os integrantes cumprem uma escala e atuam como apresentadores, produtores e comentaristas, com estrutura que sustenta três programas: Lente de Aumento, das 15h10min às 15h40min, a radiorrevista Enfoca, das 16h às 17h, e Resumo Esportivo, das 17h às 18h.
WEB
Responsabiliza-se por receber dos alunos o material que é publicado no site e divulgado nas redes sociais do J. Eventualmente, os integrantes, sob orientação do professor Marcelo Träsel, criam projetos especiais e se mobilizam para realizá-los, como foi o caso do perfil do Twitter que recontava os principais episódios do golpe militar de 1964. Diariamente estão encarregados da edição, publicação e divulgação dos conteúdos produzidos pelos alunos para o site.
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Principais reportagens publicadas nas ediçþes de 2014 do jornal mensal
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METAS BILIONÁRIAS O Editorial J produziu um retrato do trabalho das concessionárias de pedágio, que administraram as rodovias do Estado durante 15 anos. Por meio das informações de um documento do Daer, foi construído um banco de dados descrevendo a atuação em cada um dos sete polos rodoviários cedidos pelo governo. A iniciativa privada gastou nas estradas R$ 2,7 bilhões dos R$ 5,4 bilhões que ganhou durante o contrato, com valores corrigidos pelo IPC-A. Em 2013, foi substituída pela empresa pública EGR, que promete mais investimentos, mesmo com uma diminuição no preço dos tarifas.
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m 15 anos, R$ 5,4 bilhões foram arrecadados pelas empresas concessionárias de pedágios no Rio Grande do Sul. No mesmo período, as administradoras aplicaram R$ 2,7 bilhões nas estradas, gastando R$ 1,2 bilhão em investimentos e R$ 1,5 bilhão em manutenção e conservação. Os valores foram obtidos depois de um trabalho de cruzamento de dados publicados em um documento do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), intitulado Relatório de acompanhamento do programa de concessões do Rio Grande do Sul – 1998 a 2012 – Relatório N° 27. Nele constam números anuais sobre a receita e os gastos de cada um dos polos rodoviários do Estado durante a década e meia de contrato. O dinheiro aplicado nas estradas foi dividido nas categorias investimento, conservação e manutenção. As despesas de conservação são serviços mais leves como roçada e limpeza, enquanto as de manutenção são operações mais complexas, como tapar buracos e retirar terra. Os valores de 1998 a 2011 foram corrigidos para dezembro de 2012 através do IPC-A, permitindo a criação de números que retratassem a totalidade do contrato. A partir dos cálculos, comparou-se o trabalho das conces-
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sionárias com o novo modelo de administração das estradas no Estado. A Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) assumiu ao longo de 2013 os polos Metropolitano, Gramado, Lajeado, Caxias do Sul e Santa Cruz do Sul, além das praças de pedágio comunitárias, que eram responsabilidade do Daer durante o período das concessionárias. A estatal pretende trabalhar sem lucro, aplicando 80% de sua arrecadação nas estradas, gastando 50% em manutenção e conservação e 30% em investimentos. Os 20% restantes serão os custos administrativos. “Ainda não foi possível alcançar essa meta, pelo número de licitações em andamento”, explica o presidente da empresa, Luiz Carlos Bertotto. Os valores estão
O raio-X A partir de documentos disponíveis no site do Daer, o Editorial J agrupou os principais números dos polos entre os anos de 1998-2012. A apuração exigiu que a reportagem montasse uma nova base de dados, para cruzamentos e comparações. As fichas ao lado mostram o montante da arrecadação, os valores aplicados em investimento, os recursos com manutenção (e conservação), a extensão total e qual foi o tráfego no período. Em 15 anos, 564.011.370 veículos circularam pelos trechos – é como se cada veículo da atual frota gaúcha tivesse atravessado cem vezes pelo menos uma das cancelas.
em discussão, porque não foram Durante os 15 anos de contrato, definidos para quais impostos a apenas os polos que serão admiEGR é imune. Ainda não está denistradas pelo Estado a partir de terminado se a empresa pública agora arrecadaram R$ 4,2 bilhões pagará o Imposto Sobre Serviços e gastaram R$ 2 bilhões nas estra(ISS) para as prefeituras das. Se esta distribuição e Imposto de Renda, fosse preservada no mopor exemplo. Enquanto delo da estatal, com uma nas praças comunitáreceita 26% menor e rias o custo do pedágio 80% aplicada nas rodocontinuará o mesmo, vias, os valores gastos na nas antes administradas estrada seriam 19,24% pelas concessionárias a maiores, com R$ 2,4 "NÃO FAZ SENtarifa será 26% menor, bilhões. Esse aumento TIDO COBRAR resultando em uma diaconteceria principalminuição da receita na mente na manutenção, PEDÁGIOS SEM mesma porcentagem. que cresceria 31,25%, OBRAS." Bertotto entende que, enquanto os investimenmesmo com a arrecatos subiriam em 3,46%. — LUIZ AFONSO SENNA dação menor, vai sobrar A EGR assumiu os muito mais dinheiro últimos compromissos para as estradas. combinados para o seu Aplicando a previsão primeiro ano de existênda EGR aos dados do cia. Na virada do ano, Daer, constatou-se que passou a administrar os a promessa da emprepolos Metropolitano e sa pode se concretizar. Gramado. A empresa do
governo do Estado já controlava os polos de Lajeado, Santa Cruz do Sul e Caxias, junto dos pedágios comunitários de Coxilha, Portão e Campo Bom, que antes pertenciam ao Daer. Essas praças foram assumidas no dia 15 de fevereiro de 2013 e constituíram a primeira arrecadação da empresa. A EGR foi criada pelo governo Tarso Genro (PT) seguindo o modelo das praças de pedágio comunitárias. A iniciativa marcou um abandono do modelo das concessões, que foi aplicado em 1997 em um acordo que cedeu os polos rodoviarios do Estado para a iniciativa privada por 15 anos. Enquanto o contrato firmado durante o governo Antônio Britto (PMDB) previa as obras a serem realizadas durante toda a sua duração, o modelo estatal irá investir conforme houver recursos em caixa, seguindo decisões de conselhos comunitários.
Metropolitano Receita
Caxias
R$ 1.259.151.761,98
Receita
R$ 803.170.109,48
Investimento
20,78%
Investimento
20,07%
Manutenção
26,75%
Manutenção
30,78%
Extensão Tráfego
535,77 km 149.592.730 veículos
Extensão Tráfego
191,07 km 98.302.962 veículos
Anuário Editorial J
2014
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Vacaria Receita
Gramado
R$ 443.113.919,38
R$ 264.731.263,14
Investimento
17,09%
Investimento
14,89%
Manutenção
48,34%
Manutenção
39,12%
Extensão Tráfego
141,84 km 43.670.045 veículos
Bertotto afirma que a retomada das estradas pelo governo não foi uma aventura, porque já havia uma experiência exitosa na administração de rodovias com as praças comunitárias. Ele aponta o fato de que foram realizados investimentos nessas estradas como duplicação de vias, mesmo sem o Daer aplicar todos os recursos arrecadados. Bertotto defende que, apesar de as rodovias não terem o mesmo padrão estético das anteriormente comandadas pela iniciativa privada, em termos de estrutura elas são ainda melhores. A diferença entre o que era praticado nessas praças comunitárias e o momento atual é que se viu a necessidade de uma empresa e não de um departamento. Enquanto a receita dos pedágios do Daer ia para o caixa único do governo, a ar-
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Receita
Anuário Editorial J
Extensão Tráfego
recadação da EGR é administrada pela própria empresa. O modelo de negócios da EGR é criticado pelo especialista em transportes Luiz Afonso Senna, que afirma ser “errado” cobrar por um serviço que ainda não está sendo prestado. “Não faz sentido cobrar pedágio sem um cronograma de obras”, pondera. Como trabalha exclusivamente com o que arrecada nas praças, a empresa estatal começou sem o dinheiro necessário para realizar investimentos. A EGR foi criada com um capiVeja + tal de R$ 500 mil, designado para infraestrutura administrativa e contraBase de tação de pessoal. Esse dados no site do modelo é diferente do Editorial J utilizado anteriormente pela iniciativa privada. Em 1998, primeiro ano do contrato das concessionárias, as empresas aplicaram valores con-
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144,07 km 38.016.044 veículos
sideráveis nas estradas, mesmo trabalhando com pouca receita. Polos como Metropolitano, Lajeado e Caxias gastaram nas rodovias 838,81%, 497,48% e 419,46% do que arrecadaram, respectivamente. Para Senna, esse investimento alto no início do contrato é o que justifica o fato de que, nos últimos anos das concessões, não se investia uma parcela grande da receita. “A concessionária não é uma ladra e nem a Madre Teresa”, brinca. “Ela se comprometeu a realizar um serviço durante 15 anos e cumpriu.” Bertotto afirma que a EGR já está pronta para trabalhar, após um ano de existência. “Hoje já temos recursos para fazer manutenção e conservação, e também para investimentos”, explica. Ele garante que, caso seja necessário realizar um investimento que precise de mais recursos do que a empresa tem em caixa, ela pode ter aportes do governo por um período deter-
Carazinho Receita
R$ 733.491.146,82
Investimento
30,37%
Manutenção
42,27%
Extensão Tráfego
250,4 km 75.139.343 veículos
minado ou realizar financiamentos. Em seu primeiro ano de atuação, a EGR já teve de interromper a cobrança em três praças de pedágio (Encantado, Venâncio Aires e Candelária) por determinação da Justiça. O motivo seria a ausência dos serviços essenciais, como guincho e ambulância. Bertotto defende que, sendo uma empresa pública, a EGR tem uma estrutura diferente das concessionárias privadas e que, dessa forma, utiliza os serviços de órgãos do próprio governo, especializados na prestação de socorro, como o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), o Corpo de Bombeiros e guinchos do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-RS). Segundo ele, o modelo se assemelha ao que o Daer adotava quando administrava os pedágios comunitários. Bertotto admite que houve uma demora no processo de firmar os convênios com o Detran-RS e os bombeiros e associa isso
à burocracia pela qual uma empresa estatal é submetida. “O Estado tem uma burocracia diferente, não posso simplesmente ir até a esquina e contratar uma empresa”, explica. O presidente garante que, ainda sim, nenhum atendimento foi prejudicado. Outra questão que levou a EGR aos tribunais em 2013 foi o repasse do ISS. As concessionárias chegavam a repassar às prefeituras uma alíquota de até 5% da arrecadação. Para Bertotto, a questão, de novo, diz respeito ao caráter público da empresa, que a tornaria imune ao imposto. “Se os municípios acharem que não [são imunes], e nós entendermos que sim, quem vai decidir é a Justiça”, alega. Ainda segundo ele, as empresas terceirizadas, contratadas pela EGR para realizarem os serviços de arrecadação, manutenção, conservação, pintura e ampliação das rodovias, repassam o imposto para as prefeituras mensalmente.
Santa Cruz do Sul Receita
Lajeado
R$ 580.273.435,95
Receita
R$ 1.304.989.183,32
Investimento
30,67%
Investimento
20,21%
Manutenção
35,81%
Manutenção
34,23%
Extensão Tráfego
207,87 km 36.626.600 carros
Extensão Tráfego
328,78 km 122.663.646 carros
Anuário Editorial J
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COMO FOI A distribuição de recursos no modelo de concessionárias, nos polos que a EGR assumiu:
COMO SERIA Como ficaria se a EGR aplicassse sua proposta de divisão sobre os valores do modelo anterior:
R$ 4,2 bilhões
R$ 3,1 bilhões
R$ 1,2 bilhão
R$ 1,6 bilhão
Receita
Manutenção
R$ 904 milhões Investimentos
Receita
Manutenção
R$ 935 milhões Investimentos
Publicação original
Maio, na edição 14
ESPECIAL
50 ANOS DO GOLPE MILITAR
O preto acima traduz o silêncio que imperou no Brasil durante os anos de chumbo. Entre 1964 e 1985, militares governaram o país a partir de um golpe contra o governo de João Goulart em 1º de abril, impondo um período de violência, censura e arbitrariedade. Cinquenta anos depois, os brasileiros ainda buscam a verdade e têm o direito de entender os desdobramentos de duas décadas que esvaziaram de sentido a vida de muitos. O Editorial J mergulhou em algumas histórias daqueles tempos de medo e sobressaltos, mas também de resistência. Neste caderno especial de oito páginas, o leitor conhecerá como a repressão montou um aparato de vigilância e perseguição no interior do Rio Grande do Sul, Estado-chave para o regime conter qualquer possibilidade de reação aos golpistas. O sistema criou filiais do temido Dops em dez municípios gaúchos. Também mostramos como a mídia, de uma maneira geral, aliou-se aos militares e civis que urdiram a derrubada de Jango. Por meio de editoriais e coberturas parciais dos acontecimentos, a imprensa agiu como aliada dos grupos que traçaram o objetivo de afastar do poder o governo legitimamente eleito. Mesmo com o clima político asfixiado pela censura, houve indignação e mobilizações para mostrar que alguma coisa de errado atormentava a normalidade política. Fotógrafos usaram as paredes de prédios nas ruas do centro da Capital para compartilhar imagens vetadas ou que poderiam soar provocativas – um movimento de reação àqueles anos de vazio e silêncio.
O INTERIOR PERSEGUIDO Com o objetivo de criar uma teia de vigilância, dez cidades gaúchas tinham filiais do temido Dops, que eram conhecidas como Sops TEXTO
BRUNA ZANATTA 3º SEMESTRE
JÚLIA BERNARDI 3º SEMESTRE FOTO
GUILHERME ALMEIDA 5º SEMESTRE
M
uitos preferem esquecer o ano de 1964. Porém, com oito décadas de vida, Valdetar Antônio Dorneles ainda lembra de tudo. Com o apoio de Leonel Brizola, então exilado no Uruguai, Dorneles convocou um grupo de rebeldes na primeira guerrilha rural contra o governo militar, na cidade de Três Passos, a 470 km da Capital. A operação, que contava com 20 homens, acabou fracassando. Seus militantes foram cruelmente torturados, e o grupo ficou 11 meses sem qualquer comunicação, encarcerado. Preso por quatro anos, cumpriu pena em cinco prisões e carrega na pele cicatrizes daquele tempo de lutas. O militante é uma das tantas vítimas da repressão no interior do Rio Grande do Sul, Estado que recebeu atenção especial dos militares, pela resistência à tentativa de golpe de 1961, no movimento que ficou conheci-
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Anuário Editorial J
do como Campanha da Legalidade. Já nessa época, segundo a historiadora Caroline Bauer, foram criadas as Seções de Ordem Política e Social (Sops), que funcionavam como uma espécie de filial do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e agiam dentro das delegacias regionais de cada cidade, vigiando de perto a atuação de possíveis rebeldes no Interior. Essa comunicação, porém, não era exclusividade do sistema de repressão gaúcho. “O diálogo entre o Dops, nas capitais, e as delegacias regionais, no Interior, acontecia em todo o território nacional, porém, no Rio Grande do Sul, acontecia através de um departamento especial”, explica Caroline. Esses braços operacionais elaboravam relatórios diários sobre a movimentação política, ainda que nada de anormal tivesse ocorrido na região. Ao fim do dia, um resumo de todas as ocorrências era encaminhado ao Dops, na Capital. Todos os movimentos articulados pela sociedade estavam sob vigilância. Em debates ou discussões nas escolas, os professores e organizadores eram minuciosamente observados, para saber se agiam ou pensavam contra ou a favor do regime militar.
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Essa era, em suma, a principal função do Sops. Caroline ressalta que a filial tinha a função de vigiar maior até do que a de reprimir. Segundo a dissertação de mestrado de Vanessa Lieberknecht, dois fatores eram mencionados com frequência nos documentos: a preocupação com a padronização da informação, para que se pudesse operar de forma mais eficiente e sem erros; e a diferenciação entre informe e informação. Os informes eram produzidos a partir de fatos concretos ocorridos na região, acusando um indivíduo específico. As informações não tinham uma comprovação efetiva do fato. Era preciso confirmação, por parte do delegado, para que a informação (Código INFE) se tornasse um informe (Código INFO). A produção desses informes garantia o controle da população e a repressão. Toda essa vigilância, para a historiadora Evelise Zimmer Neves, se devia, principalmente ao fato de que, na década de 1960, a maioria (55%) da população brasileira estava longe dos grandes centros urbanos. No Rio Grande do Sul, essa porcentagem era ainda maior: 62% dos gaúchos estavam na
Dorneles começou a ser perseguido com a atuação no Grupo dos 11 zona rural. “A presença [da repressão] no Interior era indispensável”, conclui Evelise. No total, dez Sops foram distribuídos de maneira estratégica pelo Estado, nas cidades de Alegrete, Cachoeira do Sul, Caxias do Sul, Cruz Alta, Erechim, Lajeado, Lagoa Vermelha, Osório, Rio Grande e Santo Ângelo. Três Passos, onde Dorneles vivia com a família, estava sob acompanhamento do Sops de Santo Ângelo. Mais velho de oito irmãos, ele ingressou na vida política com a Legalidade e a defesa da posse de João Gou-
lart, após a renúncia de Jânio Quadros. Na época, era professor e, pelas cidades onde passou lecionando, sempre buscou mobilizar a população em prol de melhorias, como escolas, times de futebol, igrejas e até reforma agrária. Sua família, respeitada e influente, sempre esteve engajada na política e, por essa razão, eram vigiados de perto. Em um domingo de abril de 1964, o primeiro mês da ditadura militar (1964-1985), instaurada no Brasil em 1º de abril daquele ano, a casa de Dorneles foi invadida por 41 militares.
“Fizeram uma limpa na minha casa. Não fiquei nem com a faca de cozinha. Levaram tudo”, conta. Também prenderam seu pai, Euzébio Teixeira Dornelles, preso, acusado de participar do Grupo dos 11. Ele foi solto na mesma noite. Na cozinha, abaixo da pistola fixada na parede que foi levada pelos soldados, estava uma pasta contendo documentos e atas referentes aos grupos. A casa foi revirada, mas a pasta ficou ali. Dias depois, Dorneles, temendo que mais famílias fossem prejudicadas, retirou-a do local e ateou fogo. Hoje, ele se arrepende: “Eu podia ter só enterrado aquela pasta. Aquilo era documento histórico”. O Grupo dos 11 era formado por colonos de uma região, que se comprometiam a garantir a legalidade constitucional e a concretização das reformas agrária e urbana. Apesar de terem sido idealizados por Brizola, não chegaram a ter uma coordenação geral e centralizada. Para alguns setores sociais – militares, integrantes de partidos como PSD e UDN e a maioria da Igreja Católica –, essas organizações eram vistas como subversivas e integradas ao “movimento comunista internacional”. Em sua tese, Evelise conta que, em algumas paróquias no interior do Estado, os filhos dos integrantes desses grupos não eram nem batizados. Segundo a edição de 10 de abril de 1965 da extinta revista Manchete, o número de Grupo dos 11 chegou a 24 mil, em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A partir do Golpe de 1964, a perseguição a quem estivesse ligado a esses coman-
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dos só aumentou. “Na verdade, a acusação de pertencer a essa organização foi um amplo guarda-chuva sob o qual os novos donos do poder – civis e militares – enquadraram toda sorte de inimigo político”, avalia Evelise. Mais tarde, a maior parte dos indiciados foi absolvida por absoluta falta de provas. Ainda assim, naquele momento, para Dorneles, o cenário mudou. “De ali em diante, para o Exército, éramos comunistas”, lembra. No Uruguai, Brizola enviou o coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório e Albery Vieira dos Santos que, mais tarde, seria acusado de ter se infiltrado e entregado o movimento. Dorneles ficou encarregado de mobilizar os colonos. No total, 23 homens, entre eles, seu pai, Euzébio Teixeira Dornelles, e seu irmão Abrão Antonio Dornelles, deixaram suas casas para fazerem parte da primeira guerrilha. Ao se despedir da mãe e dos irmãos, o alerta: “Se disserem que eu morri, não acreditem”. A Guerrilha de Três Passos começou em 25 de março de 1965. Os rebeldes tomaram o presídio e o destacamento da Brigada Militar de Três Passos, levando armas, munição e fardas. Deixaram a cidade sem comunicação telefônica, cortando os fios da rede, e ainda invadiram a Rádio Difusora, onde Odilon Vieira Bruhn transmitiu para toda a população um manifesto contra a ditadura militar: “As armas que derrubaram nossos presidentes e governadores hoje se levantam para reestruturar a democracia desse país”, explicaram. No caminhão Mercedes ano
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1939, o grupo passava Socioeducativo do Rio por cidades pedindo Grande do Sul (Fase), apoio e realizando saDorneles passou cinco ques. Escondiam-se no dias sem saber se era mato. Quando o Exérdia ou noite. “O pior cito os encontrou, eles castigo que tive, não foi "DALI EM já estavam no Paraná, o pau, não foi a corda, na cidade de Leônidas nem o enforcamento. DIANTE, PARA Marques (PR). As orNada me abalou tanO EXÉRCITO, dens do coronel eram to quanto aqueles cinde que não atirassem co dias. Desligado do ÉRAMOS COem ninguém para mamundo, não se ouvia MUNISTAS." tar. Ao verem o grupo nada”, lembra. diminuir de 20 para 10 Alguns não conse— VALDETAR DORNELES integrantes, resolveram guiram resristir tanto. se entregar, mas acaDorneles conta com baram caindo em uma pesar que o ex-sargento emboscada. O grupo da Brigada Militar Alfoi capturado e preso bery Vieira dos Santos no Quartel General de entregou o grupo. HoFoz do Iguaçu (PR), mem da confiança de quartel mais próximo da região, Brizola, Santos teria atuado denapenas dois dias depois do cotro do movimento, como agente meço da guerrilha. do governo militar, e, mais tarde, No Paraná, começou aquela em interrogatório, entregou todo que Dorneles considera a fase o esquema da Guerrilha de Três mais dura de sua vida. Nos inPassos, conforme trechos do terrogatórios, negou que tivesseu depoimento que relatam que sem tido o apoio de Brizola, e “dotado de privilegiada memória, tomou a responsabilidade da menciona grande número de pesguerrilha para si quando o corosoas que estão ligadas ao esquenel Jefferson pensou em se mama contrarrevolucionário de Letar. Ele pagou caro por sua asonel Brizola”. Segundo Dorneles, túcia. Por quatro anos, oscilou “muita gente inocente apanhou por prisões entre Porto Alegre por causa dele”. O irmão de Ale cidades do Paraná até ser libery, José Soares dos Santos, foi berto, em 1968. Ele lembra das uma vítima fatal da repressão, sessões de tortura pelas quais morrendo de forma violenta em passou: “Enrolavam uma linha 1977, também em Foz do Iguaçu. de pescar nos nossos dedos, ‘tu Ao que tudo indica, uma ação de conhece Fulano?’ ‘Não’, e puxaqueima de arquivo. vam aquela linha. A linha corta O Dops deixou de exisaté o osso”. Em Foz do Iguaçu, tir em 1982 e, junto com ele, o passou 51 dias em uma sala com Sops. Cinquenta anos depois, 48 homens e apenas um banheihoje advogado, casado, pai de ro. O pior momento veio em três filhos, Dorneles ainda mora Porto Alegre. Na sede do 18º em Três Passos e reafirma seu Regimento de Infantaria, que compromisso com o Brasil: “Se funcionava na Avenida Padre a pátria for ultrajada e precisar Cacique, onde hoje se localiza de um voluntário, eu saio outra a Fundação de Atendimento vez”.
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CONEXÃO DA VIGÍLIA
Informe diário produzido por Delegacias Regionais para o Sops de Lagoa Vermelha
Solicitação do Dops pedindo informação para o Sops de Lagoa Vermelha
Informe do fim da ditadura ainda acusa presença do Grupo dos 11 na região
Publicação original Maio, no caderno especial da edição 14
RETRATOS DA DITADURA TEXTO
CAROLINE FERRAZ 5º SEMESTRE
A
Rua da Praia já foi um local para dar voz a fotojornalistas, quando as redações se calavam em apoio à ditadura e esqueciam temáticas sociais. Por quase dez anos e com o objetivo de democratizar o acesso à arte fotográfica, um grupo de profissionais organizou a Mostra Livre de Fotografia. Para alguns fotógrafos, foi um meio de dar visibilidade ao seu trabalho. Para outros, uma forma, aberta ao público, de contestar o momento em que se vivia. Iniciou-se em 1976 com exposições de profissionais e, como era livre, contava até mesmo com a participação de arquivos pessoais daqueles que passavam pela Praça da Alfândega, em Porto Alegre. Na primeira edição, em 1976, na Praça da Alfândega, a exposição foi marcada por vendaval e chuva, situação que deixou registros na memória daqueles que participaram. O evento ocorreu mesmo com as fotos molhadas e as imagens no chão. No segundo ano, a Empresa Porto Alegrense de Turismo (Epatur) ofereceu uma área coberta, para evitar o problema. Quem passava pela Rua da Praia, acompanhava de
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perto o material exposto, os quais, segundo os participantes, não tinham exclusivamente um viés de denúncia. Ricardo Chaves, o Kadão, por muito tempo editor de Fotografia de Zero Hora, fala de uma série de imagens que fez em Londres, no Speak Corner, em que há um grande número de pessoas com as mais variadas ideologias e expressam suas opiniões. Para o fotógrafo, mostrar estas fotos era uma contradição com a situação do Brasil. “Expus pra mostrar que em algum lugar do mundo as pessoas podiam dizer o que queriam e não eram punidas”, explica. A escolha do local não ocorreu por um motivo qualquer. Além de ser um ponto de grande circulação diária, era próximo à Companhia Jornalística Caldas Júnior, empresa em que trabalhavam boa parte dos fotógrafos que expunham seu material. Entre eles, Baru Derquin, apontado como um dos idealizadores da Mostra Livre. Junto a Baru, Juan Carlos Gomez, um uruguaio que saiu do país por causa da ditadura e foi recebido no jornal Zero Hora para trabalhar como repórter fotográfico. Eles organizaram a primeira edição. A intensão de trazer os trabalhos para a Rua da Praia foi de aproximar a fotogra-
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fia do público. “O que pretendíamos ali era conseguir um espaço para mostrar nosso trabalho, não apenas com cunho militar, mas de opressão social”, esclarece Gomez. Havia diversidade nas fotografias, pois elas não reportavam apenas ações dos órgãos de repressão. Seu caráter livre também deu suporte a uma pluralidade de interesses. Daniel de Andrade integrou-se à mostra na década de 1980. Ele conta que foi uma forma de dar maior visibilidade ao seu trabalho como fotojornalista, uma vez que a exposição já estava consolidada. Com a colaboração da Epatur, foi criado um prêmio que elegia as melhores fotografias a cada ano. Os vencedores recebiam um valor de 10 mil cruzados. Ao mesmo tempo em que atraiu participantes, a premiação também afastou idealizadores, como Luiz Abreu. Ele participou da primeira edição e afirma que eleger a melhor fotografia não era a ideia inicial. “Não me agradou. Estava quebrando o espírito original da mostra, por que estava propondo um tema e com prêmio em dinheiro. Já não seria tão livre assim, alguns botariam lá porque queriam ganhar o prêmio da Epatur”, explica. Abreu também participou da concepção da Mostra, a partir
JORGE AGUIAR /ARQUIVO PESSOAL
Fotógrafos organizaram mostra que aproximou reportagens da população e enfrentou repressão do regime militar
Jorge Aguiar registrou agressão truculenta de policiais militares contra estudantes
RICARDO CHAVES/ARQUIVO PESSOAL
Ricardo Chaves, o Kadão, expôs imagens fora do país
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LUIZ ABREU/ARQUIVO PESSOAL
de um conceito “anárquico, que dentro do período e da proposta era coerente com o que a gente pensava e com o momento em que a gente vivia”. O termo livre ligado à exposição dizia respeito à igualdade entre aqueles que colocavam suas fotografias no varal. Havia consenso sobre a necessidade de tornar democrática a arte fotográfica. “A gente renegava a ideia de galeria porque era muito elitizado. Achava que o espaço verdadeiro para a foto deveria ser a rua, onde o público podia olhar”, completa Abreu.
Luiz Abreu documentou varal que retratava temáticas variadas
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LUTA COM IMAGENS
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A mostra na Praça da Alfândega ocorreu até meados da década de 1980. Para Eduardo Tavares, repórter que participou de diversas edições, entre os motivos para que ela não continuasse, além do diferentes rumos que tomaram as carreiras dos fotógrafos organizadores, estão a abertura política e o fim da ditadura Trabalhar durante o regime militar não foi fácil para os fotógrafos que iniciavam suas carreiras. Enquanto na rua repórteres se arriscavam ao tentar fotografias que desafiassem o olhar dos militares, nas redações nem sempre estes trabalhos vinham a público. Tavares, fotógrafo há 40 anos, conta que era chamado de louco por fotógrafos profissionais quando começou, pois ficava em cima da cena com suas lentes, enquanto os outros acompanhavam de longe com tele-objetivas. Além disso, ele lembra que, em situações de aglomeração de repórteres, como nas visitas a Porto Alegre do presidente-general
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Anuário Editorial J
Veja + Acesse o conteúdo do livro
João Figueiredo (1979-1985), os agentes de segurança seguravam pregos para afugentar os jornalistas que tentavam se aproximar da comitiva presidencial. Como Tavares, diversos fotógrafos eram jovens e ainda mantêm na memória os acontecimentos de um período marcado pela autocensura e pela censura dos militares no poder. Jorge Aguiar, 58 anos, chegou a publicar materiais sem o seu crédito, pois receava a repercussão que poderia
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Histórias para lembrar Relatos sobre a ditadura de 1964
Meio século é pouco para a história de um país, mas é muito tempo para que se corra o risco de perder a memória. Em 2014, completam-se 50 anos do golpe militar que instaurou uma ditadura no Brasil. Ela durou até 1985. Antes que a memória perca o viço, deve-se ouvir e registrar a voz de quem viveu esse período de arbítrio, quando o terrorismo de Estado se impôs. Alguns tiveram atuação no combate ou na manutenção do regime de exceção; outros, viveram o período sem envolvimento direto. Há ainda aqueles que guardam lembranças, mesmo que tenham nascido depois do fim da ditadura. A memória de um país é coletiva. Ao mesmo tempo, individual. Da singularidade de vidas, surgem narrativas que abrem caminhos para se entender um tempo. Histórias para lembrar se inscreve na perspectiva de dar voz a 31 sujeitos. O militante que combateu e foi preso. Os jornalistas que tentaram contar o que se passava. O rapaz que descobriu que sua mãe foi torturada. O filho do torturador que descreve os traumas de sua família. Há também os entusiastas, que enaltecem o regime de 1964. E quem vive diariamente com a ausência e que, décadas depois, luta para ter o direito de pelo menos sepultar o familiar desaparecido.
ter a divulgação de fotos que não fossem percebidas pela censura. Em conversa com a reportagem do Editorial J, ele se comoveu ao lembrar de colegas que foram presos. “Eu me emociono ao falar sobre este assunto, porque teve colegas que sumiram, foram presos, torturados e perderam suas vidas”, lamenta. Luiz Ávila também enfrentou a censura na Zero Hora, jornal que foi criado em 4 de maio de 1964, após o fechamento do diá-
rio Última Hora. Ele lembra que, como boa parte dos trabalhos acabavam por não ser publicados, os repórteres fotográficos expunham seu material em frente à Loja Guaspari, na Avenida Borges de Medeiros. na Capital. Os três fotógrafos – que mais tarde participaram da Mostra Livre – expunham seus materiais ali, já no fim do período considerado de maior repressão militar (do AI-5, em 1968, até 1974) como forma de resistência política. Profissionais com trabalho de maior viés político colavam suas fotos na parede da loja, sem assinatura, e logo se afastavam para acompanhar as reações do públi-
co que passava pela rua. Eles se mantinham afastados, também, porque não tardava para que as fotografias fossem retiradas por militares fardados ou infiltrados entre os transeuntes. Aguiar lembra que estas ações não tinham data marcada para ocorrer, até mesmo porque existia um medo constante de que a espionagem do governo pudesse descobrir e levá-los presos. Outra tática usada, até mesmo para reportagens cotidianas, era nunca andar sozinho para que não ocorresse de serem levados para esclarecimentos no Departamento de Ordem Política e Social (Dops).
Publicação original Maio, no caderno especial da edição 14
POR QUE ELAS AINDA RECEBEM MENOS A pressão cultural que tende a cimentar os gêneros em papéis preestabelecidos é uma entre as tantas questões que inibem o avanço das mulheres e estancam seus salários. Por que, embora sejam tão economicamente ativas quanto os homens, elas ainda recebem menos do que eles? Mulheres que perseveraram em posições convencionadas como masculinas e pesquisadoras das questões de gênero conversaram com o Editorial J para tentar explicar esta situação desigual.
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Anuário Editorial J
TEXTO
ANNA CLÁUDIA FERNANDES 8º SEMESTRE
THAMÍRIS MONDIN 5º SEMESTRE FOTO
CAROLINE FERRAZ 6º SEMESTRE
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uando era estudante de Física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em umas das disciplinas, Daniela Pavani fazia as provas com o professor sentado ao seu lado. Isso não acontecia por alguma dificuldade de aprendizado. Pelo contrário, por ir bem no conteúdo, o professor acreditava que a aluna só poderia estar colando, afinal, mulheres não entendem matemática. Hoje Daniela é doutora em Astronomia e professora da universidade, provando que as mulheres pertencem também à área das exatas. O preconceito que ela sofreu aconteceu em meados de 1990, menos de duas décadas atrás. Ou seja, é recente e parte dele pode ser encontrado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em novembro de 2013, que mostra que as mulheres ainda recebem menos do que os homens e se dedicam muito mais ao lar e à família do que eles. Neste último ano, Daniela passou a se envolver mais com o debate de gênero, ao participar do edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) Meninas nas Ciências Exatas, incentivo para a entrada e a permanência de mulheres na área. Ela participa também da Conferência Nacional de Educação em discussões de recorte de gênero. A astrônoma acredita que os resultados obtidos pelo IBGE estão relacionados à estrutura social brasileira, que seria maé o percentual chista. Para ela, uma séque elas recebem rie de comportamentos a menos do que culturais podem inibir a eles. Com 12 presença das mulheres anos ou mais de em determinados emestudo, a diferenpregos. Ela explica que ça aumenta: elas há na sociedade a visão recebem 40,8% da mulher como guara menos. diã da vida privada, do cuidado com os filhos, Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra enquanto os homens de Domicílios (PNAD) ainda não são percebido Instituto Brasileiro de dos como responsáveis Geografia e Estatística (IBGE) por este aspecto do-
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Diretora do Instituto de Física da UFRGS, Márcia Barbosa é ativista das questões de gênero e uma exceção em relação às estatísticas méstico ao lado delas. Uma diferença tida como natural entre os gêneros, mas que é parte de uma construção histórica. As mulheres acumulam responsabilidades que não são divididas e acabam, muitas vezes, impedidas de ascender em suas carreiras profissionais. Segundo Daniela, não foram as distinções biológicas que levaram as mulheres à posição que ocupam hoje. Ela lembra dos brinquedos infantis: enquanto os de meninos instigam a aventura e a curiosidade, com carrinhos e jogos, os das meninas remetem aos cuidados da casa e das crianças, com bonecas e utensílios domésticos de brinquedo. Dessa forma, homens são entendidos como mais objetivos, melhores nas ciências exatas, enquanto elas, como organiza-
das e maternais, ideais para atividades cuidadoras, estabelecendo-se, assim, áreas mais masculinas ou femininas. De uma maneira geral, as profissões associadas ao feminino têm remuneração mais baixa (como pedagogia, serviço social, fisioterapia e enfermagem) do que as masculinas (engenharia, ciências e carreiras executivas). No Departamento de Astronomia da UFRGS, por exemplo, mesmo sendo considerada uma das áreas da Física com maior presença feminina, são quatro professoras de um quadro formado
58% dos homens negociam o salário no primeiro emprego, mas apenas
7% das mulheres fazem isso.
Fonte: Women don’t ask
por 12 docentes. “Qual é o problema para as mulheres que procuram um emprego fora dos ‘guetos cor-de-rosa’ das funções de secretária, professora, e das ocupações na área da saúde? Uma possibilidade é a ‘falta de compatibilidade’ entre o estereótipo popular da mulher e os cargos profissionais que exigem perícia, esforço e dedicação”, afirma Cordelia Fine, autora canadense do livro Homens não são de Marte, Mulheres não são de Vênus, da Editora Cultrix. Para a autora, esses estereótipos podem deturpar a maneira
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como as pessoas interpretam as coisas. Cordelia apresenta uma série de pesquisas em que currículos idênticos carregavam ora o nome de mulheres, ora o de homens, ora como solteiros e solteiras, ora como pais. O resultado indicou que, em cargos considerados mais masculinos, elas eram rejeitadas ou contratadas com ressalvas, enquanto as mães eram consideradas menos comprometidas e merecedoras de um salário menor do que as solteiras. Os pais não sofreram qualquer tipo de rejeição. A negociação salarial é outra justificativa para a mulher receber menos, embora seja contestada por pesquisadores. No levantamento realizado pelas autoras norte-americanas Linda Babcock e Sara Laschever, chegou-se à conclusão de que os homens negociam quatro vezes mais do que as mulheres. As autoras do livro Women don’t ask (Mulheres não pedem, em tradução livre), da Editora Random House, concluíram que enquanto eles encaram a negociação como uma diversão, para elas, pode chegar a ser tão assustador quanto ir ao dentista. Nem todas pensam assim. A publicitária Gabriela Wolffenbüttel, que trabalha como atendimento de uma empresa de tecnologia, não se esquivou ao cobrar uma promoção prometida pelo seu ex-chefe, mas da qual ele fugia até demiti-la, com a desculpa de corte de gastos. Além da demissão, a publicitária aponta para outras formas de tratamento dentro de sua
profissão com as quais não concordava. Já recebeu convites de clientes para sair, o que a deixava constrangida. Para o ex-chefe, era uma forma de atrair mais trabalhos. “Eu não imagino em um ambiente profissional que um homem tivesse que lidar com esse tipo de situação”, afirma. Para Elena Schunck, pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre a Mulher e Gênero (Niem) da UFRGS, a negociação por melhores salários ou promoções, no caso feminino, é menos uma questão de coragem e mais um conflito entre assumir novas responsabilidades no trabalho e dedicar-se aos cuidados com a família, sempre associados primeiramente das mães trabaàs mulheres e, muitas lham. Quando o vezes, exclusivamente a filho não frequenelas. “Acho que também ta creche, esse número cai para existe uma questão das 43,9%. responsabilidades que a mulher assume, que são maiores do que as dos homens”, diz. Como a Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra maternidade acaba sende Domicílios (PNAD) do um fator constante do Instituto Brasileiro de no debate entre mulher Geografia e Estatística (IBGE) e carreira, ela também influencia na aceitação ou não de promoções. No início de 2013, Priscila Bortolato, gerente de desenvolvimento de negócios da Givaudan, empresa de fragrâncias, deu à luz Bernardo. Com 33 anos, já havia conquistado certa estabilidade em sua empresa, e seus chefes já sabiam que ela planejava ter uma família. Seu emprego está garantido, mas ela mesma já se impôs um limite: daqui para frente, não poderá assumir cargos com exigências de viagens seguidas ou jornada de trabalho mais longa.
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“Também acredito que algumas oportunidades poderão ser vetadas, e que eu não seja considerada como uma opção para determinados cargos, o que talvez não acontecesse se não tivesse filho e possuísse mais disponibilidade e flexibilidade.” Ao evitar assumir cargos mais altos, a mulher entra em desvantagem econômica em relação ao homem. Para a professora Márcia Barbosa, diretora do Instituto de Física da UFRGS, duas responsabilidades acabam se tornando quase exclusivamente femininas: as crianças e os velhos. “As mulheres sofrem uma sobrecarga no começo da carreira, que é quando elas têm que cuidar dos filhos, e no final da carreira, que é quando têm que cuidar dos pais”, afirma. A física explica que isso ocorre porque a família é considerada uma questão privada, de forma que as políticas voltadas para esse âmbito são restritas. Quando há crianças mais novas em creches e elas ficam doentes, quem é chamada é a mãe, nunca o pai. Dessa forma, o empregador não quer pagar a mesma quantia para uma mulher que provavelmente vai precisar sair mais cedo. A tendência é o empresário optar por pagar um homem, que vai poder ficar até mais tarde. As obrigações domésticas e familiares ainda ocupam muito mais espaço na rotina feminina, o que acaba se refletindo na dificuldade delas de se comprometerem com viagens a trabalho e mais horas no emprego. Dados do IBGE mostram que os homens passam 42,1 horas por semana no trabalho, enquanto as mulheres, 36,1 horas. Contudo, nas tarefas domésticas, eles dedicam 10 horas semanais, enquanto elas,
20,8 horas semanais. Somando-se as atividades, elas trabalham 4,8 horas a mais. Ao optar por ter filhos, a mulher já não priorizaria cargos que exigem jornadas maiores. Por esse motivo, deixa de ser indicada para promoções. “Aí, como mulheres não assumem essa responsabilidade, mesmo as que não têm família não são pensadas para essas responsabilidades, porque não são vistas como líderes”, conclui Márcia. Para a física, a liderança acaba associada ao gênero masculino. Ela aponta que esse processo passa a ser exponencial, agravando o problema. “Urge ter políticas públicas para identificar as barreiras para as mulheres ascenderem nas diferentes carreiras e contornar esse processo”, propõe. Algumas das políticas apontadas são a flexibilidade na jornada de trabalho e maior número de creches. Márcia é uma das criadoras do grupo de gênero da União Internacional de Física e participa do grupo de gênero da Sociedade Brasileira de Física. Também é a única mulher entre os vinte integrantes do Comitê de Assessoramento de Física e Astronomia do CNPq, por meio do qual conseguiu obter a licença maternidade para as bolsistas de produtividade científica. Ela ainda é uma das três mulheres dos cerca de 30 membros do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, que assessora a presidente Dilma
Rousseff. Márcia conta que, uma vez que começou jovem na carreira, participava das conferências de minissaia. Sua atendas mulheres ção era chamada até por economicamente pesquisadoras mais veativas já sofreram lhas, que diziam que os assédio sexual. participantes poderiam notar que ela era mulher e sofreria mais preconceito por isso. “Como se Fonte: Organização não fosse possível notar Internacional do Trabalho (OIT) que uma pessoa é mulher”, completa. Posteriormente, ao ir a um debate, um colega afirmou que havia perdido uma das discussões porque o perfume de Márcia era muito forte e havia atrapalhado o raciocínio dele. “É normal as pessoas virem com argumento que lembram que se é mulher, que se está usando o fato de ser mulher para levar vantagem. E tu tens que responder, como eu respondi no evento: ganhei porque meus argumentos eram melhores do que os seus. Eu penso com os meus neurônios, sinto muito se tu pensas com os teus hormônios”, relembra. Ela observa o fato de as mulheres ainda terem de ouvir gracinhas no ambiente de trabalho, que revela um preconceito subjacente. Em ambientes onde a presença masculina é a posição do é dominante, a mulher Brasil no ranking ainda é recebida com da desigualdade de gênero. estranheza, embora o
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cenário esteja mudando. Para Joana Siqueira de Souza, engenheira civil e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), há uma maior presença de mulheres em canteiro de obras. “Vejo alunas que estão conseguindo se colocar em cargos no chão de fábrica. A mulher está conseguindo comandar uma equipe. Mas ainda acham que ela tem que provar, enquanto para o homem, já está provado”, reflete. 62ª é a posição do Brasil no Ranking do Relatório de Desigualdade de Gênero produzido anualmente pelo Fórum Econômico Mundial. São avaliadas quatro questões: o acesso à saúde e a capacidade de sobrevivência, o acesso à educação, a participação política e a participação econômica. Em relação a 2011, o país subiu 20 posições, mas esta evolução se deve mais às duas primeiras questões do que aos outros aspectos analisados. Apesar do avanço em pontos fundamentais, a igualdade na área política e na economia ainda é um desafio.
62º
Fonte: Relatório de Desigualdade de Gênero produzido e divulgado anualmente pelo Fórum Econômico Mundial
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O SOM DO PRECONCEITO Reação da comunidade surda a avanços tecnológicos, como o implante coclear, busca valorizar a identidade por meio da linguagem dos sinais TEXTOS
ANTONIO CARLOS DE MARCHI 4º SEMESTRE FOTOS
GUILHERME ALMEIDA 5º SEMESTRE
O
diagnóstico de surdez modifica e rearranja a dinâmica familiar. Choque, negação, raiva ou culpa, seguidos por esperança de cura, costumam ser os primeiros sentimentos dos pais de um deficiente auditivo. Em uma sociedade que exige sentidos aguçados, o indivíduo surdo fica suscetível à intransigência de quem não sabe lidar com suas necessidades. A desinformação agrava a situação, mesmo que a ciência já permita a reversão de um quadro de surdez. E neste ponto surge um novo conflito: a resistência da própria comunidade surda às técnicas da medicina. Na história dos surdos, são evidentes as marcas que os identificam como ser incompleto, incapaz ou deficiente. A partir desse ponto, todo tipo de violência física e simbólica foi exercida, como extermínio, reclusão domiciliar, proibição do uso da língua de sinais e segregação em escolas especiais. Embora tenha sofrido tanto desrespeito, não se espera que esse mesmo grupo exerça ju-
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ízos preconcebidos – mas é o que acontece. Em nome de uma justificativa conhecida como “cultura surda”, essa parcela da sociedade escolhe contraditoriamente a segregação própria num mundo que precisa como nunca de integração. A história de resistência começa na década de 1980, quando experimentos médicos surgiram prometendo a cura para a surdez. Pesquisadores criam um sistema tecnológico implantado na cabeça, colocado cirurgicamente debaixo da pele atrás da orelha, capaz de fazer o surdo ouvir. Chamado de implante coclear (IC), conhecido popularmente como ouvido biônico, é um equipamento eletrônico computadorizado que substitui totalmente a função auditiva do ouvido de pessoas que têm surdez total ou quase total. Segundo Hiltrud Elert, diretora do Colégio Especial Concórdia, da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), que atende deficientes auditivos, há um posicionamento por parte dos surdos adultos sinalizados – que utilizam somente a linguagem gestual e não se comunicam através da fala – que são contra o implante coclear. “Os principais argumentos estão ligados à falsa impressão de extermínio da cultura surda, dirigidas por médicos responsáveis pelos implantes e entendidas de forma errada pelos surdos
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sinalizados”, explica Hiltrud. Essa reação se constata a partir dos anos 1990, quando houve um avanço nas tecnologias de IC, que causou na comunidade surda uma ideia inapropriada de extinção da sua cultura. Com isso, esse grupo se sentiu afetado, pois vinha de uma recente luta pela oficialização da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras), método de comunicação pelo qual os surdos adquiriram a possibilidade de se expressar, mas que também enfrentou oposição desde o século 19. Em meados de 1880, a Libras foi proibida com a intenção de pressionar os surdos a desenvolverem a oralização. Desde então, iniciou-se uma luta da comunidade para mostrar que a linguagem por meio de sinais é uma língua, por conter estrutura textual. No Brasil, a Libras é reconhecida como meio legal de comunicação e expressão, conforme a Lei nº 10.436, de abril de 2002. Devido a essa conquista, os surdos solidificaram seus princípios de cultura e, consequentemente, aversão a procedimentos médicos como o implante. Hoje a comunidade surda, em geral, entende o IC como uma forma de abuso do poder, em que o indivíduo se vê induzido pela possibilidade de ser consertado, independentemente da oportunidade de se desenvolver
como uma pessoa normal. Para o militante da comunidade dos surdos Emiliano Aquino, filósofo e estudioso dessa cultura, a resistência ao IC e as ações radicais apresentadas pelos surdos sinalizados é algo natural. Ele não vê tais atitudes como um preconceito camuflado. “Todo o discurso médico, fonoaudiológico e familiar que acompanha o implante constitui a construção de um discurso negativador do mundo surdo”, completa. Segundo Simone Machado Fontoura, professora de Educação Física e deficiente auditiva, o implante deveria ser feito somente em adultos, quando o sujeito teria a oportunidade de escolher o que é melhor para ele. “Penso muito nas crianças, pois são pequenas, e isso dói no meu peito. É melhor ser adulto e já saber o que é o IC e também estar preparado para escolher”, salienta Simone. Em 2013, foi lançado o livro Implante coclear: normalização e resistência surda, que questiona o implante. Nele, a autora, Patrícia Rezende, surda, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), afirma que o implante é uma violência contra as crianças surdas, que são obrigadas a aprender a falar e, portanto, estariam sendo privadas de absorver a língua de sinais e a participar da cultura surda. Para ela, o surdo que usa implantes ou aparelhos auditivos está dominado pela ideologia do “ouvintismo” e da “medicalização da surdez”, além de ter vergonha de não escutar e ser infeliz, por não conseguir se inserir nem no mundo dos não ouvintes e dos ouvintes. Porém, Patrícia não está sozinha. São muitos os surdos que somente usam a língua de sinais e são contra receber implantes cocleares e aparelhos auditivos. Em 1998, quando Hiltrud assumiu a direção da escola, constatou
Rodrigo Panceri defende que decisão seja individual um princípio desse conflito entre os surdos sinalizados e as técnicas da medicina. Ela fazia parte da equipe médica do Sistema Único de Saúde (SUS) responsável pelo implante. “Percebi um certo desprezo vindo de alguns alunos. Os surdos sinalizados não aceitavam que o corpo docente e administrativo fosse ouvinte. Também não concordavam com a comunicação oralizada entre essas partes”, acrescenta a diretora. Para alguns deficientes auditivos, principalmente os adultos, a Libras se sobrepõe ao implante, visto que há uma maior valorização pelo desenvolvimento e adaptação individual somado ao conforto, do que passar pelo processo cirúrgico e pela reabilitação oral e auditiva. Há também quem não tenha acesso ou não possa arcar com as des-
pesas que garantem maiores chances de sucesso no procedimento. O médico Celso Dall’Igna, especialista em otorrinolaringologia e membro da equipe médica responsável pelos implantes do SUS, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), diz que os surdos que resolvem fazer o implante não são proibidos de usar a linguagem de sinais. “Os médicos desestimulam o uso da Libras para priorizar a linguagem oral, visto que, em casos de crianças, não é comum aprender duas línguas ao mesmo tempo”, garante. Ele também aponta que a Libras é utilizada mais por adultos, que, quando implantados, são estimulados a usar a linguagem oral. A medicina indica e prioriza este tipo de implante para crianças com idade entre um ano e um ano e meio
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por ser considerado o ponto zero da oralização. “Com o Teste da Orelhinha, há um diagnóstico de surdez bastante eficaz, e é fator determinante na escolha dos pais de pacientes do SUS. Em clínicas particulares, já foram feitas cirurgias em crianças de quase dez meses”, acrescenta Dall’Igna. O especialista explica, ainda, que o mais complicado no que diz respeito à fila de espera é o acesso primário, aquele feito nos postos de saúde, de onde é encaminhado à Secretaria de Saúde Municipal e, posteriormente, à Estadual, que redireciona ao Hospital de Clínicas. Os critérios para seleção de pacientes passam por aspectos médicos, psicológicos e sociais. Hospitais universitários e privados têm diferentes prioridades – o peso da condição social do paciente é mui-
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to maior em serviços que operam gratuitamente. Dall’Igna frisa que o importante é ter o diagnóstico precoce, facilitar o acesso e fazer a avaliação adequada. “O objetivo é fazer a cirurgia o quanto antes, buscando resultados melhores. É um procedimento caro, porém resolutivo, pois insere o paciente na sociedade”, explica. Segundo a Secretaria de Saúde do Estado, o HCPA é a única unidade habilitada pelo SUS para a cirurgia. O valor deste dispositivo na tabela do SUS é de R$ 43.830,15. Atualmente são realizadas, em média, duas cirurgias por mês. Dall’Igna aponta que já vivenciou preconceitos e resistências vindas, principalmente, de adultos. Ele acha que o grupo é bastante fechado e pensa que essas questões partem do medo dos integrantes de
perder um componente. “A comunidade se fecha e começa a correr boatos de que é uma máquina dentro da cabeça, que a pessoa vai ficar louca. Isso tudo na tentativa de preservar a comunidade”, acredita. O médico também observa que esse preconceito não começou após o surgimento do IC, mas existe desde que a prótese auditiva – aparelho convencional – foi inventada. “Com as próteses, não havia um preconceito forte, pois eram resultados pouco satisfatórios, e a comunidade surda aceitava em partes”, conclui. Devido à valorização da cultura que surge entre os grupos de surdos, cria-se a falsa impressão da não deficiência, em que eles se julgam naturais a partir do contato com outro indivíduo que também não ouve, quando não pela religião. É o que relata o documentário Som
Crianças aprendem a se comunicar com Libras desde os primeiros dias no Colégio Concórdia e fúria, no qual a mãe surda de uma criança com problemas auditivos, após ter coletado todas as informações sobre o IC, resolveu que não submeteria a filha ao procedimento e, como argumento, usa o direito de ser surda por naturalidade e pela vontade divina. Em outro momento do documentário, os pais surdos de uma filha ouvinte, adulta, conversam sobre a decisão que ela tomou de fazer o implante no seu filho de 11 meses. Os avós, muito críticos e contrários à opção da filha, chegam a creditar a surdez do neto à benção de Deus e que, se a filha não aceita o filho como surdo, admitem assumir a criança e criá-la. Dependendo do ponto de vista, faz sentido dizer que os surdos têm uma cultura particular, por usarem a língua de sinais e terem seus próprios modos de expressão,
mas culturas não se excluem mutuamente. O jornalista com surdez neurossensorial bilateral severa José Petrola tem uma posição mais flexível: “Se o aparelho auditivo ou o implante coclear permite que um surdo ouça ainda que com limitações, não há porque se opor ao uso da tecnologia”. Segundo Geraldine Brandeburski de Oliveira, mãe de uma criança implantada, as direções escolhidas por alguns surdos sinalizados deveriam ser repensadas. “Acho bem complicada a maneira com que eles veem esta questão, pois a maioria repudia seus pares por não usarem a Libras, quando não deveria ser assim. São escolhas, e todas são em prol do mesmo tipo de deficiência”, explica Geraldine. Em contrapartida, o militante das causas surdas Emiliano Aquino, pai ouvinte de uma criança implantada que conhece as duas línguas, adverte que o argumento mais simples é também o mais importante. “Nós não precisamos ser consertados. Você imagina o que significa para um surdo quando ele adquire a língua de sinais, quando ele encontra outro surdo e passa a fazer parte da comunidade surda? Essa é uma aquisição simbólica da qual não querem e não devem abrir mão”, explica. Se fosse possível fazer uma comparação, defender que os surdos oralizados não usem implantes cocleares ou aparelhos auditivos para preservarem uma cultura faz tanto sentido quanto dizer que alguém deveria se arrastar pelo chão em vez de usar cadeira de rodas para não perder sua identidade.
Este é um pensamento entre especialistas e pessoas envolvidas com a surdez. Roner Dawson é um deles. De forma voluntária, ele atravessa o Brasil fazendo palestras sobre o IC. Ele mostra que o implante não é uma tecnologia para todos e que não deve, jamais, ser imposto aos surdos pré-linguais adultos. “Quando viajo, junto as tribos procurando aumentar o conhecimento e diminuir estes ataques por ignorância”, esclarece Dawson. Ele também observa que não existe somente preconceito vindo da parte dos surdos sinalizados, que também há interesses e intolerâncias. “O preconceito vem da desinformação e ignorância pura e simples. Os interesses vêm dos profissionais (como intérpretes) que veem no IC uma ameaça ao trabalho deles”, aponta. Para Rodrigo Nunes Panceri, analista de tecnologia da informação, surdo desde os cinco anos, que perdeu a audição gradativamente e ficou 30 anos sem escutar nada, cada indivíduo deve tomar as suas próprias decisões. “A generalização que os surdos sinalizados exercem é desnecessária. Na tentativa de me aproximar desse grupo, observei um sentimento de segregação daquelas pessoas que optaram por ouvir”, admite. Panceri também destaca que, para uma comunidade que sofreu e ainda enfrenta o preconceito, eles mesmo se flagelam. “Certo dia, conversando com outro surdo, eu disse que iria fazer o implante coclear. Prontamente o outro surdo disse que nunca faria porque tinha medo”, conta.
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ENSAIO
VIDAS INVISÍVEIS
FOTOS
GUILHERME ALMEIDA 5º SEMESTRE
O
s moradores de rua estão cada vez mais discriminados. Vistos de maneira equivocada, vivem – ou sobrevivem – em uma espécie de invisibilidade. Com o projeto Vidas invisíveis, retrato seus cotidianos e exponho o esquecimento a que estão submetidos. Tento torná-los pelo menos um pouco mais visíveis. Ao seguir o straight photography, procuro a fotografia mais pura e objetiva, apresentando o dia a dia deles de maneira realista.
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Setembro, na edição 16
UM REFÚGIO CHAMADO BRASIL Em três anos, o número total de refugiados no país aumentou em 800%
TEXTO
BRUNA ZANATTA 4º SEMESTRE
JÚLIA BERNARDI 4º SEMESTRE
MARIANA FRITSCH 4º SEMESTRE FOTOS
PEDRO SCOTT 3º SEMESTRE
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alla Ka ainda se esforça para conseguir falar tudo o que quer em português, mas uma palavra já soa com certa facilidade: saudade. A expressão nem existe na sua língua (o dialeto wolof), mas ele sabe bem o que significa. Saudade é o aperto no peito que o acompanha desde que chegou ao Brasil, em julho do ano passado. Ele e mais quatro amigos vivem em Lagoa dos Três Cantos, "O BRASIL É pequena cidade de CONHECIDO colonização alemã de 1,6 mil habitantes, no COMO PAÍS interior do Rio GranACOLHEDOR." de do Sul, onde trabalham em um armazém — ANDRÉS RAMIREZ de cereais. O grupo faz parte do fenômeno de imigração que se alastra pelo Estado há pelo menos dois anos. Segundo o último levantamento do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), ligado Balla Ka ao Ministério da Justiça, e do (segundo da Alto Comissariado das Nações direita para Unidas para Refugiados (ACesquerda) e NUR), divulgado em maio desquatro amigos te ano, a Região Sul do Brasil é vieram do onde mais surgiram solicitações Senegal para de refúgio em 2013, chegando a Lagoa dos 37% do total, contra os 29% do Três Cantos total de solicitações da Sudeste.
O Estado de São Paulo lidera em número de solicitantes, seguido por Paraná, Distrito Federal e Rio Grande do Sul, que aparece em quarto lugar, com 9,3% dos casos. Ao todo, vivem hoje no Brasil cerca de 6,5 mil refugiados, de mais de 80 nacionalidades diferentes, segundo dados atualizados pelo ACNUR em julho. Pela convenção de Genebra de 1951, é refugiada “toda pessoa que, em razão de fundados temores de perseguição devido à sua raça, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar ao mesmo”. Definições mais amplas passaram a considerar como refugiadas as pessoas obrigadas a deixar seu país devido a conflitos armados, violência generalizada e violação massiva dos direitos humanos. Balla e seus amigos são do Senegal, país da costa ocidental da África, que está atualmente em um confronto civil conhecido como Conflito de Casamança, travado entre governo e forças separatistas da região ao sul do país. Com isso, milhares de senegaleses deixaram o país em busca de oportunidades e melhoria nas condições de vida. O dinheiro enviado por eles acabou se transformando em fonte determinante na receita do país. Devido ao aspecto violento do conflito, os senegaleses precisam da proteção do país em que chegam, garantida com o visto de refugiado, que assegura também a permissão de trabalho com carteira assinada. O Senegal é o segundo país em número de refugiados no Brasil,
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perdendo apenas para Bangladesh. A maioria dos solicitantes de refúgio vem de países da Ásia, da África e da América do Sul. Em Bangladesh, o agravante é a superpopulação. O país é um pouco maior do que o estado brasileiro do Amapá, mas o número de habitantes é 220 vezes maior. Entre 2010 e 2013, o número de pedidos de refúgio no Brasil aumentou em 800% (de 566 em 2010 para 5.256 em 2013). O governo brasileiro é hoje, entre os países emergentes, o principal doador de recursos financeiros à agência da ONU para refugiados. Segundo o representante do ACNUR no Brasil, Andrés Ramirez, o país sempre teve um papel pioneiro na proteção internacional dos refugiados. “O Brasil é internacionalmente reconhecido como um país acolhedor”, ressalta. Para ele, o aumento se deve ao grande número de conflitos no planeta (Primavera Árabe, conflitos mais antigos como a Guerra do Afeganistão e do Iraque e a guerra civil na Síria, por exemplo) o que faz com que as pessoas saiam dos seus países, pois a própria vida estava em risco. Outro fator importante é que o país está cada vez mais presente no cenário mundial e, segundo o Banco Mundial, já é a sétima economia do mundo. Essa é a razão pela qual Balla trocou seu país pelo interior do Rio Grande do Sul. “Brasil é país emergente, sabíamos que encontraríamos emprego”, conta. Ramirez avalia a legislação brasileira como uma das mais eficientes do mundo no tratamento de refugiados. Aqui, o refugiado tem acesso ao Sistema
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Único de Saúde (SUS) e conrefugiado. Uma vez no Brasil, os quista o direito de frequentar migrantes têm um prazo de 30 as escolas públicas de ensino dias para contatar a Polícia FedeFundamental e Médio. Também ral e abrir o processo de pedido pode obter documentos como de refúgio. Na ocasião, recebem Carteira de Trabalho e Previo protocolo que garante sua perdência Social e CPF. Para sair do manência legal no país até que o território nacional, o refugiado pedido seja analisado pelo Coprecisa de autorização do Conanare. re. Caso contrário, pode Hoje, além do moviperder sua condição de mento habitual na deleprotegido pelo Estado gacia da Polícia Federal, brasileiro. dezenas de estrangeiros Sediar a Copa do esperam por algum tipo Mundo em 2014 e as de assistência. A estruVIVEM Olimpíadas em 2016 tura de atendimento também atraiu muitos na Polícia Federal de HOJE NO desses refugiados, que Caxias do Sul foi amPAÍS CERCA acreditaram nas ofertas pliada, e os funcionáde empregos em potenrios têm procurado se DE 6,5 MIL cial, ocasionada pelos informar sobre a língua REFUGIADOS, megaeventos. Outros, falada por esses miaproveitaram os jogos grantes que chegam. O DE MAIS DE 80 da Copa para ingressar ACNUR também reaNAÇÕES. como torcedores e peliza treinamentos dos dir refúgio no Brasil. agentes públicos, junto Em junho, durante o do Conare. Mundial, Caxias do Sul, Um estudo da Ponna região serrana, foi tifícia Universidade Catomada por centenas de tólica de Minhas Gerais ganeses que entraram (PUC-MG), divulgado no Brasil com o visto de turista em maio, constatou que Caxias concedido pela embaixada brado Sul é a quinta cidade no Brasileira em Acra, capital do país. sil em número de refugiados haiEm apenas 13 dias, o número de tianos, que têm direito a um tipo ganeses chegou a 327, saturando especial de visto, o humanitário. a estrutura de atendimento e asPortanto, não estão qualificados sistência. como refugiados. Para Ramirez, Segundo Vinícius Possamai a preferência pelo interior se Della, delegado da Polícia Fededeve ao nível de desenvolvimenral de Caxias do Sul responsável to de municípios como Caxias pelo setor de imigração, não exisdo Sul e Passo Fundo, mesmo te investigação sobre alguém ou que não sejam grandes cidades. algum grupo que estaria trazen“Eles tentam arrumar emprego do esses migrantes. Ele associa em grandes centros, mas tamo fenômeno às condições favobém procuram opções diferenráveis que os migrantes encontes, até porque muitos vêm de tram ao chegar à cidade, como lugares pequenos e não estão promessas de emprego, rede de acostumados com grandes solos assistência eficiente e facilidade urbanos”, explica. para conseguir o protocolo de O agricultor Nelson Kuss-
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ler, na sua propriedade no interior de Ibirubá, no noroeste do Estado, deu oportunidade para dois refugiados encontraram a chance de mudar de vida. Aliou Salane é do Senegal, e Barri Alf, de Guiné Bissau, país africano de história política marcada por golpes e que aparece entre os principais solicitantes de refúgio. No começo, a língua foi uma adversidade a ser superada na relação de trabalho, e a comunicação se resolvia com gestos simples. Aliou estava há uma semana no Brasil quando foi contratado para trabalhar na granja. O trabalho não era bem o que ele esperava encontrar. “Imaginava que iria trabalhar na cidade, mas gosto daqui”, conta. O caráter rotineiro da vida no campo, porém, logo foi captado pelos dois. Hoje, quando ouvem uma palavra que ainda não conhecem, eles repetem e anotam do jeito deles. “Eles têm muito interesse em aprender. E já aprenderam muita coisa”, garante Kussler. No dia a dia da fazenda, eles tiram leite, cuidam da alimentação dos animais e da limpeza do galpão. Moram no alojamento da propriedade e mantêm uma relação tranquila com os demais empregados. É ali também que eles fazem todas as refeições. “Na África, comíamos uma vez no dia”, lembra Barri Alf, que trabalhou como camelô no Rio de Janeiro antes de vir para o Rio Grande do Sul. Todos os dias, Aliou e Barri Alf sobem o morro atrás do sinal de telefone e ligam para a família. E todos os meses, ao receberem o salário, vão a Passo Fundo a fim de enviar a maior parte da quantia para suas famílias, que permanecem nos países de origem.
Balla Ka veio em busca de vida melhor: “Brasil é emergente”
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MP FISCALIZA A MIGRAÇÃO Como o trabalho é fator fundamental na permanência deste contingente no Brasil, o tema merece a atenção do Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS), que atua na defesa dos direitos trabalhistas. Segundo a procuradora do Trabalho e coordenadora de Atuação em 1º grau de Jurisdição do MPT em Porto Alegre, Patrícia Sanfelici, o órgão conta hoje com um grupo de trabalho sobre migração, que se reúne periodicamente a fim de discutir questões relativas aos migrantes. Além disso, julga supostas irregularidade senvolvendo esses trabalhadores. Casos de estrangeiros trabalhando em condições precárias são algumas das questões já analisadas. A entidade acompanha de maneira especial os haitianos que chegam ao Estado. Em 2012, o MPT-RS abriu inquérito para investigar o caso de um grupo de haitianos que teria sido demitido de uma empresa em Igrejinha, no Vale do Paranhana. Na ocasião, o trabalho foi realizado em conjunto com a comissão interinstitucional, formada por representantes do MPT, da Procuradoria-Geral do Estado
(PGE), da Defensoria Pública do Estado e da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. A investigação não constatou irregularidades. “O resultado dessas investigações é variável, sendo que, por vezes, a denúncia não se confirma, e em outras, buscou-se a solução dos problemas encontrados”, afirma. A expectativa do ACNUR é de que, para 2014, 12 mil novos pedidos de refúgio sejam atendidos. No dia 30 de julho, o Conare aprovou um número histórico de pedidos de refúgio: 680 migrantes foram reconhecidos na ocasião, mais do que o total de reconhecidos em todo o ano passado. Desses, 532 são de nacionalidade síria. O país vive uma guerra civil que já forçou quase metade da sua população a sair de casa. Ao todo, 3 milhões de sírios estão refugiados em países vizinhos. No fim do ano, o Brasil sediará o encontro Cartagena +30, com a pretensão de consolidar e ampliar as conquistas da declaração assinada em 1984 na cidade colombiana de Cartagena das Índias, marco para o trabalho humanitário da América Latina e no Caribe.
Publicação original
Setembro, na edição 16
FOTO: CAROLINE
FERRAZ (6º SEM.)
VIDAS QUE MUDAM COM A COPA DO MUNDO O rotineiro também pode virar um projeto especial quando se está em um laboratório de jornalismo. Enquanto, em um jornal impresso, a cada ciclo de notícias de 24 horas, dezenas de histórias são apuradas, registradas e publicadas, em uma redação experimental, o ritmo é um pouco mais pausado. Por isso, o desafio dos núcleos de Impres-
so e de Fotografia do Editorial J foi reproduzir a rotina diária de uma redação na estreia do Brasil na Copa do Mundo de 2014. O projeto era apurar conteúdo como se fosse publicá-lo no dia seguinte. Assim, quatro equipes de fotógrafos e repórteres foram deslocadas para quatro pontos diferentes da cidade com uma pauta
na mão: como assistiriam à estreia da Seleção os personagens que tiveram suas vidas alteradas pela chegada à cidade do maior evento esportivo do mundo. A edição daquele mês do Editorial J estava praticamente encerrada, aguardando apenas a produção especial. Concluída, tomou o caminho da gráfica, fechando mais um ciclo da notícia.
"TORCENDO PELA SELEÇÃO" TEXTO
BIBIANA DIHL | 7º SEMESTRE FOTOS
LUIZA ANTONIONI | 4º SEMESTRE
V
estindo uma camiseta cinza com a inscrição Mek Áurio e enrolado em uma bandeira do Brasil, Áurio Giovanella entra na sala de casa, onde a TV está ligada. “Estou pronto”, avisa, e logo estende a bandeira sobre o sofá da sala. Na cozinha, Suzana, Nadyellen e Gustavo concluem os preparativos para a festa. O cheiro de pipoca salgada se mistura ao de pinhão. Apesar de a resposta ser previsível, a pergunta precisa ser feita: “O senhor vai torcer para a Seleção Brasileira?”. Áurio, 47 anos, é proprietário do Mek Áurio. O bar, fundado em 10 de agosto de 1985 quase ao lado do Beira-Rio, foi demolido na manhã de 6 de maio. “Não tive coragem de ficar lá enquanto a máquina demolia”, ele revela, enquanto Fred erra mais um passe. “Fui lá só depois para ver como tinha ficado.” O terreno onde se localizava o ponto de encontro, cuja renda correspondia a 80% do salário do dono, pertencia à prefeitura de Porto Alegre, que o alugava por R$ 1.059. O contrato tinha validade até 2017, com possibilidade de renovação para mais cinco anos. O bar foi pintado em janeiro deste ano nas cores da Copa do Mundo,
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mas, quatro meses depois, acabou demolido. No lugar, precisavam ser erguidas as estruturas temporárias do estádio. “Me tiraram dali para favorecer outro comércio, que é o comércio da Fifa”, lamenta Áurio. Neste momento, a conversa é interrompida com um “Uuuhhh”, feito em coro pelas quatro pessoas presentes na sala. Segundos antes, o narrador dizia: “Neymar caprichou na cobrança”. “Que caprichou, o quê?”, grita Nadyellen, 18 anos, filha de Áurio, depois que a bola passa longe do goleiro Pletikosa, da Croácia. O pai concorda: “É, a Seleção não está muito bem...”. Um reforço na pergunta: “O senhor vai torcer para a Seleção Brasileira?”. A resposta evidente está na bandeira estendida e nas camisetas do Brasil vestidas pelas outras três pessoas, mesmo que a Copa tenha tirado o Mek Áurio do local onde estava há 29 anos. “Vou, vou torcer, sim. Todo mundo gosta de futebol. Aqui a gente gosta da Seleção”, explica. “O problema é que foi uma sacanagem dos nossos políticos.” Havia a programação de um churrasco na casa de Áurio para assistir ao jogo entre Brasil e Croácia, mas ela foi cancelada depois
dos acontecimentos. “Fiquei sentido. Não estava no clima”, reconhece. Entre um pinhão e uma mão cheia de pipoca, Áurio conta que o vice-prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, deu declarações em que afirma que o dono do Mek Áurio sabia que teria que sair desde 2009. “É mentira”, rebate. “Nunca fui comunicado.” O aviso só chegou em 10 de abril, quando um oficial de Justiça esteve no bar e deu a notícia. A comoção foi grande. Vários clientes, alguns há mais de 20 anos, foram até o bar com o discurso de comer o último lanche, porque não sabiam quando poderiam comer outro novamente. Aliado à comoção da clientela, outro motivo que dá esperanças ao dono do bar é a garantia de que um novo Mek Áurio será construído após a Copa. “Eles não me querem lá, mas foram obrigados, porque meu contrato ainda era válido quando me tiraram”, alega. O novo bar, a ser construído em terreno cedido pela prefeitura ao Internacional, deve ficar pronto no final de agosto. Mas, assim como a pipoca que repousa no pote sobre a mesinha de centro – ninguém come, estão todos vidrados no jogo, que já está 2
a 1 –, o valor do novo terreno será salgado. “Vou pagar 600% a mais”, ele lamenta. “Vai ser cerca de R$ 6 mil.” Aos 46 minutos do segundo tempo, a bandeira da Seleção já estava amassada sobre o sofá, e a pipoca e o pinhão, frios. Mas a família Giovanella e os convidados ainda comemoraram o último gol marcado por Oscar, fechando o placar Na despedida, um agradecimento ao repórter: “Gosto que contem a minha história. Não te preocupa, que aqui estamos torcendo pela Seleção”.
Áurio Giovanella (D) fez questão de estender a bandeira do Brasil para assistir ao jogo com a família (abaixo)
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"SÓ É BOA PRO NEYMAR" TEXTO
BRUNA ZANATTA | 3º SEMESTRE FOTOS
CAROLINE FERRAZ | 6º SEMESTRE
N
a sala da residência de Semara Bugança, uma televisão de 42 polegadas exibe o primeiro jogo da Copa do Mundo 2014. O aparelho ainda está com os adesivos de proteção, como veio da loja. “Não comprei essa TV para a Copa do Mundo. Essa Copa só é boa pro Neymar”, avisa. Semara mora na Vila Tronco, na região da cidade conhecida como Grande Cruzeiro, zona sul de Porto Alegre, desde que nasceu. Atualmente, está na casa da mãe, na Avenida Moab Caldas, a popular Avenida Tronco, que deverá ser duplicada, inicialmente dentro dos projetos de mobilidade urbana vinculados à Copa do Mundo. Para que o projeto se concretize, ela, sua família, seus vizinhos e mais 1.525 famílias terão de deixar suas moradias. Pela casa, ela pode receber os R$ 52.340 do bônus-moradia oferecido pelo Departamento Municipal de Habitação (Demhab). “Vamos assistir à Copa no meio dos escombros”, lamenta Samara, que não realiza reformas em sua casa há três anos, aconselhada pelos agentes do órgão. “Eles falaram pra eu não gastar mais nessa casa.”. Quando o imóvel começou a apresentar problemas, ela se mudou para a residência da mãe, no mesmo terreno. Seus pais são uns
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dos que já conseguiram o benefício e hoje estão instalados na nova moradia, também na vila. Na casa onde morava, continuam todos os seus móveis. Quando ficou sabendo que poderia ganhar uma casa nova, Semara comprou móveis novos. “Comprei um jogo de sofá novo e uma cama box. Estão lá na casa, atirados. Pobre não pode ter conforto”, lastima. Um amigo da família entra na sala e diz a Semara – que perdeu o primeiro tempo porque estava trabalhando – que a presidente Dilma Rousseff foi vaiada. Ela se surpreende: “Sério?”. O amigo responde: “E tu achas pouco? Tu vais levar teu filho no Beira-Rio quando ele precisar de hospital?”. Neymar cobra o pênalti e vira o jogo. Gol! Todos permanecem sentados. O Fuleco, mascote da Copa do Mundo do Brasil, está estampado do lado de fora da casa, na parede. Na vizinhança, os sinais das desapropriações tomam conta da paisagem e misturam-se a bandeiras do Brasil e a declarações de incentivo à Seleção Brasileira: “Vai, Brasil!”. Os responsáveis pela ação são os 60 alunos do Instituto de Integração Social da Vila Tronco, que, há dois anos, recebe jovens de 14 a 17 anos para atividades recreativas no período em que não estão na escola. Marizia da Silva Canez mora em frente ao instituto, onde seus
filhos também passam as tardes. Por isso, Marizia abriu a casa para que as crianças a decorassem. As janelas, o teto, o chão e as unhas (Marizia é manicure) – tudo está nas cores do Brasil. Ela fez um chimarrão para torcer. A casa ainda vai passar pela avaliação e ela acredita que, apesar de tudo, a Copa pode melhorar sua vida. Logo, a casa mais decorada da Vila Tronco será desapropriada, e as janelas verdes e amarelas estarão entre os escombros. Na sede do instituto, que não será atingida pelas despropriações, um telão exibiu o jogo do Brasil e Croácia, a aguardada estreia no Mundial. As crianças celebraram o gol contra de Marcelo, zagueiro da Seleção Brasileira. Janaina Gonçalves é auxiliar e pinta na pele das crianças os símbolos da CBF e da Copa do Mundo. Ela pergunta por que estão torcendo para a Croácia. “Porque é melhor que o Brasil”, responde um dos meninos. O filho de Semara, João, participa do projeto e tem talento para desenho – o que explica o Fuleco na parede. A mãe não se incomoda e até pensa em colocar o menino em um curso de desenho, mas diz que “não está nem aí pra Copa”. Oscar marca e, já em um bar próximo, Semara comemora, junto de sua turma: “Esse guri mereceu o dele!”.
Semara Bucança (D) colocou em sua sala (abaixo) uma televisão de 42 polegadas, mas garante: "Não foi para ver a Copa do Mundo"
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"MINHA VIDA É AQUI" TEXTO
THAMÍRIS MONDIN | 5º SEMESTRE FOTOS
YANLIN COSTA | 2º SEMESTRE
N
a quinta-feira, 12 de junho, o Brasil parou às 17h para assistir à abertura da Copa do Mundo. O jogo inaugural foi em São Paulo, mas, em Porto Alegre, as ruas ficaram irreconhecíveis para um dia útil no meio da semana. Na Zona Sul, nas redondezas do estádio Beira-Rio, palco dos jogos do Mundial na capital gaúcha, a batucada do samba que vinha de um pavilhão de festas ficava ainda mais alta pelo contraste do vazio na avenida. Do outro lado, em uma casa de madeira muito simples, erguida sobre um terreno desnivelado, o mecânico Geraldo Fraga, 48 anos, tomava café e fumava em silêncio, sentado na soleira da porta aberta. Geraldo costuma tragar seus cigarros olhando para o outro lado da avenida, onde vivia até fevereiro deste ano, quando foi despejado. Ele faz parte do grupo de moradores que ocupava a área ao lado do estádio do Internacional. Estava ali havia 15 anos, quando se mudou para um espaço onde funcionava uma floricultura. Antes disso, já morava na zona sul de Porto Alegre. Desde que chegou de Santo Antônio da Patrulha, recolhido aos dez anos como menor abandonado, permaneceu na região. Quando jovem, transitou entre os institutos vinculados à antiga Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor
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(Febem), onde aprendeu o ofício de mecânico, por meio do qual se sustenta até hoje e paga suas contas em dia, como gosta de destacar. “Sempre vivi por aqui. Minha vida é aqui, meus amigos, meus clientes. Se perguntar para qualquer um pelo Geraldão, todo mundo me conhece”, explica. Depois da ação de despejo, ele foi morar na casa onde recebeu a equipe do Editorial J, que pertence ao vizinho, para o qual prestava serviços como mecânico. Na nova casa, ele não tem o pequeno pátio que na outra lhe servia como espaço de trabalho. O acesso para a avenida também não é o mesmo, o que lhe tirou os clientes ocasionais que paravam por ali. Com o dinheiro do aluguel social, acordo que ele aceitou depois de brigar na Justiça pela posse da área que ocupava, paga o vizinho pela casa de dois cômodos. Antes, havia recusado a proposta que muitos de seus vizinhos aceitaram, a mudança para um espaço na Restinga.“Eles queriam nos empurrar lá para Pitinga, que é uma área da Restinga que chamam até de Carandiru. Querem nos empurrar onde não tem transporte e a gente não tem como vir reclamar. Para eles, quanto mais longe a gente estiver, melhor. E depois chamam de inclusão social. Para mim, isso é exclusão”, desabafa. O que mais
o incomoda é a permanência dos pavilhões da escola de samba Praiana e da Banda do Saldanha, que estão na mesma área onde ele morava. “É isso que eles vão deixar aí. Isso pode ficar. Eu e todo mundo tivemos que sair. A marmoraria, o posto de gasolina, todo mundo que tinha negócio. Mas a Praiana eles vão deixar. E o Saldanha também, que está aí ganhando rios de dinheiro”, reclama. Geraldo conversava sem se preocupar com a partida entre Brasil e Croácia, que marcava a abertura do Mundial e para a qual todos estavam voltados. Não viu nenhum lance do jogo. Não por protesto, embora considerasse a organização da Copa bastante injusta, mas porque sua televisão não sintonizava nenhum canal. Chacoalha a antena enferrujada, que já estava ali quando ele se mudou, para mostrar que o aparelho de tevê dentro da casa não tinha utilidade. “Pode ser que assista alguma coisa da Copa, se conseguir arrumar uma tevê que funcione, mas prefiro olhar corridas, sabe?”, justifica. Alheio ao clima de festa que contagiava a maioria dos lares brasileiros, Geraldo conversava sorridente e contava sua história com algum bom humor. Diante da pergunta se a Copa lhe tirou algo importante, ele disse que não foi o torneio, mas a organização dele.
“Não me sinto revoltado. A palavra é enganado. Eles só se lembraram que eu estava ali por causa da Copa. Quer dizer, o cara mora ali há 15 anos, paga água e luz em dia e, depois desse tempo todo, é que eles querem me chamar de invasor?”, pergunta, rindo largamente. Na despedida, a noite se anunciava, e o jogo estava inacabado. Geraldo seguiu fumando na soleira e olhando para o outro lado, enquanto a banda de samba ritmava os gols (3 a 1 para o Brasil).
Após a ação de despejo, Geraldo Fraga mora hoje em uma casa de madeira que pertence ao vizinho para o qual prestava serviços como mecânico
Conteúdo original
Julho, na edição 15
ENSAIO
COPA NA VILA TRONCO
FOTOS
CAROLINE FERRAZ 6º SEMESTRE
A
avenida Moab Caldas, popularmente conhecida como Avenida Tronco, foi escolhida como um dos locais para acompanharmos a abertura da Copa do Mundo no Brasil. Isto porque o lugar se fez presente no imaginário da população porto-alegrense pelos protestos, que ocorriam desde 2011 contra a retirada de famílias para as obras de ampliação da via. Como as obras faziam parte de uma relação de empreendimentos para o mundial, os motivos eram mais do que suficientes para estar próximo aos moradores e tentar compreender melhor como seria o clima na região, frente ao vazio deixado pelas 732 famílias já retiradas. Para surpresa, o ambiente festivo se mostra claro na documentação fotográfica. O contraste do verde e amarelo, as casas marcadas para retirada, aquelas que já foram abaixo, tudo deixa claro que a luta também ganha uma folga. Em um primeiro momento, foi estarrecedor ouvir os relatos de como estavam ocorrendo as remoções, com muitas informações diferentes entre moradores tão próximos. A tensão do tema rapidamente diminuiu com o jogo transmitido no telão da associação de moradores e com a alegria irradiada pelas eufóricas crianças, que não perderam nenhum passe do jogo.
Publicação original Junho, no Flickr do Editorial J
O PRÓXIMO RS Quem for escolhido para assumir o Piratini a partir de 1º de janeiro de 2015 terá de se adaptar à realidade dos números: tolhido pelas finanças, o Estado patina na melhoria de indicadores de serviços. Para compreender as tendências em áreas cruciais, o Editorial J comparou números do início dos anos 2000 com atuais e constatou que o Estado perde terreno no país.
TEXTO
THAMÍRIS MONDIN 6º SEMESTRE
BIBIANA DIHL 8º SEMESTRE
YANLIN SANTOS 3º SEMESTRE
FREDERICO MARTINS 6º SEMESTRE
THIAGO VALENÇA 5º SEMESTRE
YASMIN LUZ 4º SEMESTRE
VICTOR RYPL 8º SEMESTRE
GABRIEL GONÇALVES 4º SEMESTRE ARTE
BRUNO IBALDO 8º SEMESTRE
KIMBERLY WINHESKI
C 6º SEMESTRE
"INVESTIMOS UM SEXTO DO QUE ERA INVESTIDO." — ALFREDO MENEGHETTI
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om o calendário de 2014 alcançando a data marcada para o primeiro turno das eleições, em 5 de outubro, o Editorial J buscou encontrar a resposta para uma pergunta a respeito do futuro do Estado: qual é a situação das principais áreas de atuação governamental para o próximo governador do Rio Grande do Sul? Ao mergulhar em dados sobre educação, saúde, transportes, qualidade de vida, desenvolvimento e finanças públicas, a equipe do laboratório de jornalismo procurou traçar o cenário que será herdado pelo novo governo do Estado, a ser definido junto com a votação para a Presidência e para o quadro legislativo estadual e federal. Asfixiado por uma dívida
pública de R$ 50,4 bilhões, com 93% do valor correspondente ao débito interno com a União, o Rio Grande do Sul é o quarto estado mais endividado do país. A dívida consolidada líquida gaúcha foi duas vezes maior do que a arrecadação de 2013. Esta crise nas finanças, que começou a ser gerada pela gestão descontrolada há 40 anos, embaraça os investimentos em todas as áreas e trava o crescimento. Atualmente, cerca de 13% da arrecadação do Estado vai para o pagamento de juros e amortização da dívida estadual. Meta comum aos programas de governo dos candidatos ao Palácio Piratini, a renegociação da dívida pode ser avaliada pelo Senado ainda em 2014. O novo modelo, proposto através de um projeto de lei da presidente Dilma Rousseff, prevê a substituição do IGP-DI, índice de correção da inflação, cujo cálculo eleva ainda mais a dívida, pelo IPCA, um indexador de inflação menos elevado. O projeto de lei também reduz os juros do pagamento. Professor de economia da PUCRS, Alfredo Meneghetti lembra que, em 1998, quando ocorreu a primeira negociação da dívida, durante o governo Antônio Britto (1995-1998), o IGP-DI era considerado um bom índice. Hoje o cálculo deste mesmo indexador pode chegar ao dobro da correção feita pelo IPCA, o corretor oficial da União. Meneghetti também ressalta a diminuição do percentual da receita voltada para investimentos. Segundo o professor, a questão é mais um problema estrutural das finanças
EDUCAÇÃO Ideb observado no 3º ano do Ensino Médio na rede estadual
2005 2013 RS – 3º lugar
RS – 2º lugar
RS
3,7 Média nacional
3,7
RS
3,4
Média nacional
3
Taxa de abandono no 3º ano do Ensino Médio (Primeiro lugar no ranking indica o pior resultado)
2005 2011 RS – 23º lugar
RS – 16º lugar
RS
8,1%
Média nacional
10,3%
RS
10,3%
Média nacional
9,1%
gaúchas.“Há 30 anos, chegamos a destinar 30% da receita corrente líquida para investimentos. Hoje temos um gasto de investimento em 5%. Estamos investindo um sexto do que era investido”, afirma. Os gastos com servidores aposentados também impactam as finanças públicas. Segundo dados de junho deste ano, do total de 285.665 mil funcionários públicos do Estado, 139.455 mil são aposentados. Apesar de a receita do setor público estar comprometida, a renda da economia gaúcha apresenta crescimento. O Produto Interno Bruto (PIB) do Estado superou a média nacional em 2013 e cresceu 5,8%, enquanto o Brasil registrou alta de 2,3%. A região metropolitana de Porto Alegre tem o menor índice de desemprego entre as seis regiões estudadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com índice de 6,4%, no ano de 2013, a região deixou para trás Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Salvador e São Paulo. Em 2002, a taxa era de 15,3% de desempregados. A última colocada em 2013 foi a região metropolitana de Recife, que apresentou o índice de 13% de desempregados, enquanto em 2002 este número era de 20,3% para a mesma região. “A perspectiva para 2014 é o Brasil crescer 0,9% em termos de PIB e o Rio Grande do Sul chegar a 3%”, explica Meneghetti. Assim como a constrição das finanças, outros problemas já são velhos conhecidos dos gaúchos, como a saúde pública. Os investimentos no setor, apesar de am-
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SAÚDE
pliados, ainda são insuficientes. Durante o período de dez anos, o Rio Grande do Sul subiu três posições no ranking nacional de gastos com saúde a cada grupo de 100 mil habitantes, do 14º lugar para o 11º, segundo dados divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional que mostram quanto cada estado brasileiro aplicou em saúde pública nos anos de 2002 e 2012. Em 2002, o Rio Grande do Sul despendeu cerca de R$ 8,9 milhões na saúde pública, à frente de 12 estados. Dez anos depois, o Estado gaúcho gastou R$ 34,5 milhões em saúde para cada 100 mil habitantes. Segundo Marcelo Schenk, coordenador do curso de Gestão em Saúde da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), esse crescimento na tabela, à primeira vista, pode ser um bom sinal. “O avanço de posições pode ser considerado bom, entretanto, se comparado a outros estados com população semelhante, ainda ficaríamos para trás”, afirma. De acordo com dados divulgados na primeira semana de setembro, a situação da educação no Rio Grande do Sul será recebida pela nova gestão em um cenário mais otimista. No último ano, atingiu a 2ª posição no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) entre todos os estados do país em relação ao 3º ano do Ensino Médio. No relatório anterior, de 2011, estava no 12º lugar, ficando abaixo do Paraná e de Santa Catarina Em 2005, o Rio Grande do Sul figurava na primeira posição entre os estados da região Sul e em terceiro lugar no ranking brasileiro. Na tabela de evasão escolar, no ano de 2005, o Rio Grande do Sul ocupava a 23ª posição, com a taxa de 8,1% de abandono no Ensino
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Despesa total por 100 mil habitantes
2002 2012 RS – 14º lugar
RS – 11º lugar
RS
R$ 34,5 mi Média nacional
R$ 28,9 mi RS
R$ 8,9 mi
Média nacional
R$ 1,5 mi
QUALIDADE DE VIDA Posição no IDHM
2000 2010 RS – 4º lugar
RS – 6º lugar
RS
0,746 Brasil
0,727 RS
0,664 Brasil
0,612
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FINANÇAS PÚBLICAS Dívida com a União em bilhões de R$
2002 2013 RS – 4º lugar
RS – 4º lugar
RS
R$ 46,5 bi
RS
R$ 20,8 bi
Expectativa de vida ao nascer
2000 2010 RS – 3º lugar
RS – 5º lugar
RS
75,38 RS
73,22 Média nacional
70,46
Média nacional
73,48
Médio. Em 2011, houve piora, subiu para a 16ª, com 10,3% de evasão, acima da média nacional. Sobre o abandono dos estudos, a falta de investimentos desde as séries iniciais aparece como explicação. “Os alunos não conseguem se manter no Ensino Médio devido ao baixo nível de ensino no Fundamental atualmente”, relaciona Marta Luz Sisson, pesquisadora especialista em educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Na faixa etária correspondente ao Ensino Médio, muitos adolescentes desistem dos estudos para ingressarem em seus primeiros empregos por não enxergarem o sistema de ensino como uma possibilidade atrativa de posicionamento no mercado de trabalho. O abandono precoce da escola tem impacto na qualificação profissional e engrossa o quadro da precarização do trabalho. A pesquisadora explica que os números mostram o que aconteceu gradativamente ao longo dos anos com a educação no Estado. O modo de reverter essa situação seria ampliar o investimento em infraestrtura e modernização, começando pelo salário e qualificação dos professores. Apesar das contradições na educação gaúcha, em 2013, o crescimento no ranking nacional foi importante, ainda que pouco expressivo em uma relação comparativa, uma vez que muitos outros estados apresentaram baixa. “O índice cresceu, sim, mas muito pouco em relação ao anterior”, observa Marta. O ensino politécnico seria um dos motivos para o crescimento. “O sistema politécnico tem avaliação interdisciplinar. O aluno que não vai bem em determinada disciplina tem sua avalia-
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ção compensada por outra, em que se saiu melhor”, explica. Ainda no rastro das finanças enfraquecidas do Piratini, o contexto atual da infraestrutura viária do Rio Grande do Sul é frustrante. No último levantamento do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit), de 2013, sobre a pavimentação entre os 26 estados e o Distrito Federal, o Rio Grande do Sul figura na última posição no quesito estradas asfaltadas: 7,2% das estradas estaduais, federais e vicinais pavimentadas. A expectativa de vida e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) também caíram no Estado, regredindo duas posições de 2000 para 2010, apesar de o Rio Grande do Sul ainda apresentar boa colocação na tabela nacional. Está em 5º lugar no ranking brasileiro de 2010, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com média de 75,38 anos de vida. O primeiro é o Distrito Federal, com média de 77,35. Mas, apesar de estar apenas cerca de dois anos atrás do primeiro colocado, o estado já esteve melhor: em 2000, era 3º colocado, e a expectativa de vida era quase igual à do primeiro – 73,22 em comparação a 73,86. Em relação ao IDH, Rio Grande do Sul é o 6º colocado, com 0,746 no cálculo de 2010, segundo dados do PNUD. O primeiro, assim como no índice anterior, é o Distrito Federal, com IDH de 0,824. Em 2000, o Estado também estava melhor no ranking: era o 4º colocado. Estes e outros aspectos, revolvidos em exaustão durante o pleito eleitoral, formam o quadro que aguarda e desafia a gestão do Rio Grande do Sul para os próximos quatro anos.
SAÚDE Segundo o percentual de quilômetros asfaltados.
2006 2013 RS – 24º lugar
RS – 26º lugar * * Não constam os dados de Pernambuco
RS
8,03%
Média nacional
12,18%
-0,83%
+0,72%
RS
7,2%
Média nacional
12,9%
Veja + As tabelas completas da reportagem
Publicação original
Setembro, na edição 16
CORTE DE ÁRVORES DESCONTROLADO Porto Alegre não sabe as árvores que corta. Ao buscar informações consolidadas sobre corte e podas, o Editorial J encontrou dificuldades. Os dados obtidos apontam que pelo menos 1.282 árvores foram cortadas somente neste ano. Elas deveriam ser compensadas em 7.331 mudas. As consequências dos cortes, muitas vezes em decorrência de obras públicas e privadas, chegam até a população.
TEXTO
JULIA BERNARDI 4º SEMESTRE
SOFIA SCHUCK 2º SEMESTRE ARTE
KIMBERLY WINHESKI 6º SEMESTRE
V
ocês fazem um relatório anual ou mensal sobre as árvores que foram removidas ou plantadas em Porto Alegre?” Após um minuto pensativo, o supervisor do Meio Ambiente da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam), Mauro Gomes de Moura, responde ao Editorial J: “Não temos feito, mas deveríamos fazer pelo menos uma vez por ano para o Conselho Nacional do Meio Ambiente [Conama]”. Cada município precisa, em reuniões trimestrais do Conama, apresentar um relatório com as consequências ambientais de projetos públicos e privados, pois é competência do conselho acompanhar remoções e compensações da vegetação em função de investimentos e mudanças urbanas. Moura justifica não ter dados para apresentar, pois os poucos funcionários disponíveis acabam fazendo somente a parte operacional. Atualmente,16 fiscais atuam pela Smam. Na análise de Moura, é um contingente pequeno para controlar e fiscalizar diariamente todo o território da
“
Capital – cada um deles ficaria responsável por 31 km², o equivalente a 125 campos de futebol. Porto Alegre tem 1,2 milhão de árvores, sendo 664 tombadas por lei, portanto, não podem ser retiradas do seu hábitat. Esse é um sistema para preservação de espécies, e os critérios para tombamento são localização, beleza, raridade, idade ou condição fitossanitária. A duplicação da Avenida Beira-Rio próximo à Usina do Gasômetro, o alargamento da Rua Anita Garibaldi, a construção da trincheira da Avenida Cristóvão Colombo e a ampliação do Hospital de Clínicas são quatro grandes obras que se iniciaram em 2014 na Capital e envolveram o corte de árvores no seu entorno. As três primeiras fazem parte das obras de mobilidade e intervenção no trânsito para a Copa do Mundo e removeram 632 árvores até o momento . No Gasômetro, 115 árvores de espécies exóticas foram retiradas na Avenida Edvaldo Pereira Paiva. Conforme a lei de compensação, 400 mudas deveriam substituí-las. Na trincheira da Anita Garibaldi, ocorreram 120 cortes no mês de julho, entre a Rua Pedro Chaves Barcelos e a Alameda Vicente de Carvalho, e 258 devem ser plantadas. Na Cristóvão Colombo, estudos técnicos indicam que 132 sofrerão algum tipo de intervenção em decorrência da obra, sendo
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113 remoções, 11 transplantes e oito podas. Ao todo, 537 mudas deverão ser plantadas para compensar. A ampliação do Hospital de Clínicas é a que vai gerar o maior corte, com 284 remoções. A previsão é que 2,5 mil mudas sejam plantadas até o prazo final de dois anos. Porto Alegre é a quarta capital mais arborizada do Brasil, segundo estudo de 2012 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com 82,9%
da área coberta por árvores, porém, em razão da quantidade de remoções, está na contramão da sustentabilidade. A lei de compensação é de 1983 e determina que, para cada árvore cortada, outras sejam plantadas, de modo a minimizar os prejuízos ambientais. O número de mudas substitutas depende da altura e da espécie da árvore removida. Se uma está em risco de queda e em más condições, sua supressão não entra
na lei de compensação, de modo a apenas ser transplantada ou trocada por outra em seu lugar. Além disso, no decreto atual, a compensação precisa ser feita no mesmo local do corte, no entorno (mesmo bairro) ou pode ser convertido em dinheiro, se for comprovada a impossibilidade de plantio na mesma região. Moura explica que a lei é inviável. “Em uma avenida, por exemplo, se tiro uma árvore, tenho que plantar nove árvores
2 OBRAS PRIVADAS A Zona Sul é o local da Capital com maior número de intervenções por obras privadas.
3 ÁRVORES EM RISCO
650 ÁRVORES REMOVIDAS
3.636 PRECISAM SER COMPENSADAS
632
150 JÁ FORAM SUBSTITUÍDAS
Praças passaram por análise e mais da metade dos vegetais apresentou necessidade de corte. ESTÃO EM RISCO
38
FORAM REMOVIDAS
3.695 PRECISAM SER COMPENSADAS
1 OBRAS PÚBLICAS Ampliação do Hospital de Clínicias, trincheiras da Rua Anita Garibaldi e da Cristóvão Colombo e duplicação da Avenida Beira-rio próximo ao Gasômetro.
NÃO PRECISAM SER REMANEJADAS
39
73
JÁ FORAM PODADAS
no local. Se, daqui a três anos, a prefeitura resolve duplicar a avenida, e aí o que acontece? Tu precisas retirar aquelas árvores e plantar 90. E onde plantar tudo isso? No fim isso acaba em um número absurdo”, enfatizou. A secretaria não concorda com o decreto em vigência, e por isso desde 2013 está com um projeto de lei tramitando na Câmara de Vereadores, prevendo alterações nas regras. É um projeto complementar da lei orgânica de Porto Alegre, definindo assim novas diretrizes para a política de remoções de árvores. O projeto propõe a troca de biodiversidade por biodiversidade, o que se aproxima da possibilidade de manter ecossistemas preservados. Para isso, a Smam seria, caso o projeto seja aprovado, responsabilizada por proteger as áreas arborizadas, criar novas Unidades de Conservação e ampliar as já existentes. Atualmente, Porto Alegre tem quatro Unidades de Conservação (UC): Reserva do Lami, Morro do Osso, Morro São Pedro e Parque Saint´Hilaire. Com a nova legislação, a arborização seria uma obrigação orçamentária e não mais compensatória. “Não achamos que se troca diversidade por plantio de árvores em vias públicas”, defendeu Moura. Além disso, ele citou o custo de instalação e de manutenção das mudas como um obstáculo. No caso de obras públicas, segundo Moura, a própria empresa terceirizada é a responsável por plantar as mudas, e a Smam controla, seguindo o que
está previsto nos decretos. Ele explicou, ainda, que o capital financeiro é o fator que determina o tempo para o plantio. O engenheiro responsável pela obra da Cristóvão Colombo, Ciro Matte, discorda. Ele disse à equipe do Editorial J que a responsabilidade não é da construtora e que caberia à Smam realizar o plantio. Matte apresentou documentos que mostram a quantidade de árvores a serem plantadas, sem especificar Veja + quem deverá realizar a compensação. “Um responsabiliza o outro Galeria de fotos e no fim ninguém faz no site nada”, confirmou. A fiscal da Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov) Fernanda Borges confirma a informação da empresa contratada, contrariando a própria secretaria.“A realidade é que um joga a responsabilidade para o outro. Vocês jornalistas são importantes para investigar se realmente as árvores prometidas estão sendo plantadas. Nós só estamos fazendo nosso trabalho, também queremos que as replantem”, afirma um dos encarregados da obra, Rony Oliveira. O técnico em edificação Thiago Correa afirmou que o compromisso de compensar as 537 mudas é da prefeitura. Ele explicou também que as árvores pintadas de vermelho são aquelas que estão com ação na Justiça e, portanto, ainda não podem ser retiradas. “Nos chamam de assassinos de árvores, mas nós só estamos fazendo nosso trabalho”, reclamou Correa. A direção da empresa encarregada pelas obras na Anita Garibaldi afirmou que a obrigação
é das terceirizadas. Porém, como a obra é pública, a prefeitura fica responsável pela contratação da mesma, além de sua fiscalização. A Smov informou que cabe à Smam responder pelos cortes e reposições. “As empresas responsáveis contratam terceirizados para fazer a compensação. Caso verifiquemos que as mudas não estão sendo plantadas, a empresa paga uma multa”, ressaltou Moura. Anunciada como uma saída para desafogar o setor de emergência, a obra de ampliação do Hospital de Clínicas causou polêmica em função da necessidade de erguer a estrutura sobre uma área urbanizada às margens da Avenida Protásio Alves. O debate foi travado entre ambientalistas e engenheiros favoráveis ao projeto. Foram necessárias aproximadamente 284 remoções, representando de 10% a 15% da vegetação existente na instituição. A construção do novo complexo está a cargo da empresa Consórcio Tratenge-Engeform, que deve plantar em torno de 2,5 mil mudas na região. “A questão é que não há lugar para todo esse plantio. Nós vamos ter que negociar com o Ministério Público Federal, pois infelizmente não há como”, lamentou Moura. Além disso, há muitas restrições: não se pode plantar na frente de garagem, nem em frente de prédio tombado. Se embaixo passar uma rede fluvial, canalização da Sulgás ou se a calçada for pequena, também não é possível. “Ou seja, as possibilidades são muito reduzidas, e os números compensatórios muito absurdos”, complementa o supervisor da Smam. A questão do corte privado, salienta Moura, é um tema que
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pouco preocupa, pois o modelo adotado há um ano tem funcionado muito bem e não houve verificação de nenhuma fraude. O telefone 156 é o canal para que o proprietário informe sobre o motivo do corte e o projeto seja avaliado. Após isso, biólogos e engenheiros agrônomos cadastrados vão até os locais para validar os cortes. Então, o dono do local pode realizar a ação, sem um controle presencial dos fiscais. Mesmo assim, a secretaria fica com o relatório de pedido para que, se o Ministério Público for questionar o corte, possa existir comprovação. Outro tema ligado à gestão das árvores na cidade envolve as que estão caindo e as que necessitam de cuidado, também a cargo da Smam. São os mesmos 16 fiscais que estão encarregados de controlar a cidade. Com cinco zonais espalhadas pelo território da Capital, é feito o mapeamento das exigências de corte. Para isso, é fundamental o uso de equipamentos especifícios para analisar a parte interna. “Esse exame deve custar em torno de R$ 300 a R$ 400 por árvore, por isso que não fazemos muito”, avalia o supervisor. Recentemente fizeram o levantamento em 150 e em torno de 30% delas tiveram de ser trocadas. Dessas, 38 já foram removidas, 73 podadas e 39 não têm prioridade de remanejo. O supervisor muda de assunto quando questionado novamente se haveria um controle maior sobre a arborização em Porto Alegre e a responsabilidade de plantio em áreas públicas. “O que a cidade tem que saber é que tudo tem um custo. A cidade quer árvore, nós também queremos. Mas isso, é claro, com alto custo”, acrescentou.
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NO FIO DO CABELO Mulheres iniciam mobilização por corte e doação de mechas e espalham pelo Rio Grande do Sul onda de colaboração para combater estigma TEXTO E FOTO
ELISA CELIA 8º SEMESTRE
C
abelo é sinônimo de segurança, personalidade e estilo para as mulheres. Quando os fios caem, é sempre um fato marcante, estereotipando quem passa por tratamento quimioterápico. A autoestima e a autoconfiança vão por água abaixo justamente em um momento delicado, em que elas são indispensáveis. Por isso, desde abril deste ano, um grupo de amigas uniu-se para criar a ONG Cabelaço. Inicialmente, as meninas organizaram-se para arrecadar as mechas e enviar a uma ONG, a Cabelegria, em São Paulo. Porém, o alcance da divulgação nas redes sociais fez com que a proprietária de um atelier de perucas conhecesse o projeto. Ao confirmar que poderia acompanhar a doação e que pacientes infanto-juvenis receberiam as peças confeccionadas, a empresária Liziane da Silva, 33 anos, aliou-se. “Li sobre o evento e vi que elas teriam um custo para o envio do material para São Paulo por não terem quem confeccionasse. Vi uma oportunidade de ajudar novamente”, afirma. O projeto ganhou repercussão inesperada. Moradores do Interior do Estado têm procurado as amigas para organizarem ações semelhantes em diferentes
cidades. “A gente não tem como acompanhar em todo o Estado, mas instrui e depois recebe as mechas”, afima Carolina Conter, uma das criadoras da ONG. O sucesso também é uma surpresa para os funcionários dos Correios, onde o Cabelaço tem uma caixa postal. “Toda vez em que vou recolher o que chega, escuto uma reclamação na agência dos Correios. O volume é grande”, conta Carolina. Com a ajuda da empresa de Liziane, de junho até agora foram entregues sete perucas. Na lista de espera há dez aguardando as próximas. A ligação entre as crianças que estão em tratamento e a ONG Cabelaço é feita pela psicóloga Juliana Martini, 23 anos, representante no Estado da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia. O trabalho dela é visitar hospitais e
pacientes e acompanhar as histórias mais difíceis. Uma das perucas confeccionadas pelo atelier, a partir das doações do primeiro evento, realizado em abril, foi doada em junho para a menina Ananda Saraiva, de sete anos, diagnosticada com leucemia linfoide aguda (LLA). Ela havia deixado de frequentar alguns lugares em virtude da falta de cabelos. “Num final de semana, teríamos uma festa junina, e ela não quis ir porque se sentia diferente”, conta Graziela Fauth, 28 anos, mãe de Ananda. Quem já teve alguma experiência com o tema e a doença também tem disposição para ajudar. A técnica em radiologia médica e colaboradora do blog Além do Cabelo, Viviane Duarte, 28 anos, doou uma peruca que fez do próprio cabe-
A euforia de Ananda Saraiva (E) ao receber peruca doada foi registrada pela mãe em vídeo gravado por celular, no momento em que ONG cumpria mais uma jornada de solidariedade
lo. “Tive câncer de mama com 23 anos. Quando me dei conta que perderia o cabelo, cortei e mandei fazer uma peruca com os meus próprios fios”, lembra. A peruca de Viviane foi entregue a Dienifer Pereira, 17 anos, na mesma ocasião em que Ananda a recebeu. A adolescente faz tratamento há um ano contra leucemia mieloide aguda e aguarda por um transplante de medula. A entrega foi marcada para um pouco antes do início do segundo evento de arrecadação organizado pelo grupo, justamente para evitar o contato das pacientes com muita gente devido à baixa imunidade. A ansiedade e a alegria por aquele momento era percebida nos olhos de todos. Cada uma com a sua maneira de revelar: Dienifer aguardando calmamente com a irmã e a mãe, e Ananda dançando, cantando e fazendo vídeos e fotos pelo celular. Na hora tão esperada, Flavia Ma Oli, paciente no estágio de manutenção, fundadora do blog Além do Cabelo, instruiu as meninas na fixação das peças e mostrou acessórios para que elas variem o visual. A primeira a colocar a peruca foi Dienifer, que tinha a seu lado a doadora, emocionada, fotografando o momento. “É muito bom poder ajudar depois que tu passas pela mesma situação. É bom também mostrar que o cabelo cresce de verdade de novo”, comemora Viviane. Ananda, enquanto esperava a amiga se enfeitar para uma prometida foto das duas com cabelos, escolhia sozinha entre duas opções. “Quero a mais clarinha. Pode ser a minha?”, perguntou à psicóloga. Ao sentar na cadeira, já sem touca, fazia
caras e bocas para o espelho. Depois de certa resistência, aceitou que fosse cortada uma franja para dar um ar mais infantil. “É muito bom ver ela feliz. Com a liberação do médico, ela já pode ir para a escola”, relata a mãe, sensibilizada. O sucesso da ação das amigas superou o esperado. O número de mechas arrecadadas desde o início do projeto não está sendo divulgado por questões de segurança. “Temos exclusividade com a Marry Perucas, e a proprietária pediu para não falarmos em números. Eles já foram assaltados à mão armada duas vezes. O cabelo é um produto valioso, e quem rouba vende para a confecção de megahairs”, explica.
Veja + Um vídeo no site do Editorial J
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PRECONCEITO SEM ESPAÇO Por que a temática LGBT se destacou no debate da disputa à presidência tanto quanto temas tradicionais como economia TEXTO
BRUNA AYRES 6º SEMESTRE FOTOS
MAIARA RUBIM 4º SEMESTRE
T
emáticas pautadas pelo movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros) ganharam destaque nos debates realizados no primeiro turno da eleição presidencial, refletindo uma movimentação já percebida nas ruas e nas redes sociais. Assuntos tradicionalmente abordados em campanhas, como questões econômicas e sociais, acabaram não tendo a mesma visibilidade de outros pleitos. O cientista político Juliano Corbellini avalia que a força da luta LGBT conseguiu o espaço que buscava. “Isso é o reflexo do que está em pauta na sociedade mediante o extraordinário avanço do movimento na luta por direitos civis. A sociedade vai amadurecendo, e debates mais contemporâneos começam a ganhar espaço”, observa. A luta em prol do respeito à diversidade sexual começou no Brasil na década de 1970. Mesmo com cerca de 40 anos de mobilização, esta eleição mostrou que ainda há muito a se conquistar na
garantia desses direitos, conforme ficou evidenciado no debate promovido pela Rede Record no dia 28 de setembro. Na ocasião, uma declaração do candidato à Presidência Levy Fidelix (PRTB) causou polêmica e indignação, mas também recebeu apoio. Ao responder a uma pergunta da candidata Luciana Genro (PSOL) sobre o número de mortes na comunidade LGBT e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, Fidelix afirmou: “Tenho 62 anos e, pelo que eu vi na minha vida, dois iguais não fazem filho. E digo mais: aparelho excretor não reproduz”. Ele ainda comparou homossexuais a pedófilos e afirmou que jamais apoiará a união homoafetiva. “Temos 200 milhões de habitantes no Brasil. Se estimularmos isso, vamos reduzir para 100 milhões. Vamos ter coragem, somos maioria! Vamos enfrentar essa minoria”, bradou. Para Sandro Ka, diretor do grupo Somos – Comunicação, Saúde e Sexualidade, o maior motivo para o tema ter ganhado espaço no período que antecedeu ao pleito realizado no dia 5 de outubro é o tom de polêmica. “É arriscado para algumas campanhas tocar no assunto, então a maioria dos candidatos pouco se posiciona ou fala sobre isso apenas quando o clima é favorável,
após muito tempo de observação. Na vida privada dos candidatos, alguns até tem essas questões mais claras, mas, na campanha, não querem perder votos para esses assuntos”, pondera. O assessor de imprensa do PRTB no Rio Grande do Sul, Tomás Sá Pereira, ressalva que a posição de Fidelix no debate não é unanimidade no PRTB. “Ele exerceu o direito de falar o que pensa. Ele não é todo o partido, é o presidente. Não encontraremos a mesma ideia em todos os nossos militantes. São pensamentos particulares dele”, relativiza. A linha adotada por Fidelix é a mesma percebida em líderes políticos e religiosos vinculados às igrejas pentecostais, como os pastores Everaldo, também candidato à Presidência pelo PSC, e Silas Malafaia, líder do programa Vitória em Cristo, ligado à Assembleia de Deus. Este último esteve envolvido em outra polêmica, relacionada à candidata Marina Silva (PSB), que alterou o seu programa de governo após declarações que Malafaia publicou no Twitter em 29 de agosto. Ao cobrar uma posição da candidata acerca do texto originalmente publicado em relação aos direitos LGBTs, o pastor ameaçou que, caso ela não voltasse atrás, faria “a mais dura fala” em relação a
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um presidenciável. Em menos de 24 horas, Marina Silva aderiu à pressão e mudou o plano, que passou de “apoiar propostas em defesa do casamento civil igualitário”, para uma versão mais genérica, que dizia “garantir os direitos oriundos da união civil entre pessoas do mesmo sexo”. Isso gerou revolta em eleitores simpáticos às demandas da comunidade LGBT, ao mes-
mo tempo em que motivou outras manifestações de Malafaia nas redes sociais, afirmando que estava satisfeito e “não estamos aqui para engolir agenda gay”, publicou o pastor no Twitter. A menos de uma semana para a votação do primeiro turno, a declaração de Fidelix – que, após o debate, viu o número de seguidores de sua página no Facebook crescer 1.500%, somando mais de
40 mil – ganhou espaço dentro e fora das redes sociais em todo o país, com comentários que atacam e defendem o candidato. Luciana Genro ressalta que sua candidatura era “a única com coragem de pautar esse tema em rede nacional e em todos os debates, exigindo posicionamento dos demais candidatos”. Ela critica Marina, que “rifou os direitos LGBTs em menos de 24 horas,
após quatro tuítes do Malafaia”. Sobre Dilma Rousseff, lembra que a candidata vetou o programa Escola sem Homofobia por pressão da bancada fundamentalista. “Aécio mal tocou no tema”, conclui. O atraso civilizatório do país, para ela, é o maior motivo para temas que envolvam diretos LGBTs estejam se sobressaindo. “Enquanto em muitos paí-
ses o casamento civil igualitário e o direito à livre identidade de gênero já são assegurados pelo Estado, no Brasil, esses temas ainda não foram encarados pelo Congresso Nacional. O governo Dilma tem um papel fundamental na omissão da garantia desses direitos, já que nunca mobilizou sua base para apoiar o projeto do casamento civil igualitário e a Lei João Nery [que facilita a ob-
tenção de identidade social por transgêneros]”, ressalta. Nas redes sociais, a candidata recebeu críticas por conta de sua resposta à declaração de Fidelix. Os internautas cobraram mais rigidez de Luciana diante do comentário. “Durante o debate, nem sempre é simples responder com a mesma forma que se faria vendo de fora”, explica Luciana, que prometeu tomar providên-
Jovens pintam arco-íris no rosto, símbolo da diversidade sexual
cias sobre a declaração dada pelo candidato. “Fiz uma firme defesa do casamento civil igualitário e de todas as formas de família durante minha intervenção no debate. É muito perigoso que um candidato à Presidência expresse, em rede nacional, esse tipo de discurso de ódio, que serve de legitimação para os criminosos atacarem fisicamente e verbalmente a população LGBT todos os dias”, acusa. Indignados perante o discurso, Luciana e o deputado federal Jean Wyllys (PSOL) representaram contra Fidelix no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por incitação ao ódio. No dia 9 de outubro, a Defensoria Pública de São Paulo ingressou com uma ação civil pública por danos morais contra Fidelix e seu partido, o PRTB. O órgão concordou que sua declaração incitou o ódio contra a comunidade LGBT e pede a indenização de R$ 1 milhão – que serão revertidos a ações de incentivo à igualdade. Para o Núcleo Especializado de Combate à Discriminação, Racismo e Preconceito, “este discurso de ódio é incompatível com o respeito à dignidade da pessoa humana”. Fora a indenização, é pedido que os processados custeiem um programa que promova os direitos LGBT, com a mesma duração de tempo de sua fala e na mesma faixa de horário da programação. Caso não haja o pagamento, o órgão estipula a multa de R$ 500 mil a cada dia de atraso. A jornalista e pesquisadora de sexualidade Fernanda Nascimento percebe que uma pressão histórica obrigou os candidatos a colocarem esse tema em pauta. “Isto foi imposto pelo crescimento da demanda. O avanço da medicina, do Judiciário e o fato de a mídia abordar mais o tema contribuíram para esse fenômeno”. Fernanda lembra que a luta LGBT é mais 86
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ampla e também envolve fatores como a criminalização da homofobia e a necessidade de abordar o tema nas escolas, preparando os professores para discutir o tema em aula. “O que Levy falou foi tão chocante que surpreendeu as pessoas. Ninguém esperava aquele discurso com tanto ódio e bobagem. Muitos candidatos são preconceituosos e evitam tratar SOCIEDADE disso, mas ninguém falou ESPERA MAIS daquela maneira”, observa Fernanda. CLAREZA AO Para Sandro Ka, SE TRATAR existem discursos que vão “conforme a onda”, DO TEMA. dependendo das circunstâncias. “Eles pensam o que vão ganhar com tal posicionamento. O Levy acabou sendo o mais franco dos candidatos que fazem isso, de acordo com suas convicções. Luciana não é a única que abraçou a causa, mas a sua campanha sempre teve esse posiManifestantes cionamento marcado”, avalia. expressaram Fernanda sustenta que a hocontrariedade mofobia já está estigmatizada na ao discurso sociedade, mas afirma que isso de ódio está mudando. “Vivemos uma através de cultura machista, sexista e racista. beijaço Para desconstruir isso demora, mas as pessoas estão colocando essa questão em pauta.” Depois das declarações dos candidatos nos debates, a sociedade espera mais clareza ao se tratar do tema – tanto os simpáticos à causa, como aqueles que são contra. As manifestações acerca do assunto cobravam um posicionamento mais definido para o segundo turno de eleição presidencial, em 26 de outubro, quando Dilma Rousseff, do PT, derrotou Aécio Neves, do PSDB. 2014
IDEIAS VAGAS Os candidatos ao segundo turno da disputa presidencial tinham propostas vagas quanto à temática LGBT, na visão de especialistas no assunto. Tanto Aécio Neves (PSDB) quanto Dilma Rousseff (PT) não propuseram medidas inovadoras, avalia Sandro Ka, da ONG Somos. “As do tucano reafirmam ações já implementadas nas gestões petistas, e as de Dilma prometem dar prioridade à agenda, o que não aconteceu integralmente em seu mandato”, diz. Ele salienta que, durante a gestão da petista, houve avanços, mas também “inúmeros retrocessos e deslizes, como virar moeda de troca em negociações de apoio político”. Ka lembra que ações ligadas ao casamento gay e à adoção já são realidade, independentemente da ação do Executivo. Questões ainda em discussão, como a criminalização da homofobia, apontam para a necessidade de articulação entre setores do Legislativo com apoio do Executivo, defende. “O que é essencial que esteja presente na pauta do próximo presidente”, projeta Ka.
Aécio Neves (PSDB)
A prioridade do capítulo sobre direitos humanos era assegurar a paz, a igualdade e a segurança nos “setores mais vulneráveis da sociedade”, que inclui a comunidade LGBT. Ampliar a participação de ativistas nos debates e promover a igualdade de direitos da comunidade seriam algumas das prioridades, além de ampliar o Programa Brasil sem Homofobia. Incluir a descriminação por orientação sexual e identidade de gênero às já previstas em lei.
Dilma Rousseff (PT)
A candidata prometia prioridade à pauta. Segundo a coordenação da campanha, ela apoia a criminalização da homofobia e a legalização do casamento civil igualitário. Questões como investimento na prevenção e tratamento de aids e o Plano Nacional de Educação (que pretende conscientizar os jovens) não envolvem somente a comunidade LGBT, mas são algumas das propostas da presidente reeleita.
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RITUAL SUSTENTร VEL
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Projeto visa minimizar impacto causado por resíduos provenientes de oferendas religiosas TEXTO
BRUNA ZANATTA 4º SEMESTRE FOTO
PEDRO SCOTT (3º SEMESTRE)
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Oferendas deixam vestígios à beira do Guaíba
uem frequenta a Praia de Ipanema, um dos mais conhecidos pontos turísticos na Zona Sul de Porto Alegre, já se acostumou com a presença de oferendas, que se espalham pela areia e calçada. Pipoca, flores e carcaças de galinhas são as mais frequentes. Através desses presentes, as religiões afro-brasileiras manifestam a ligação com as divindades. Algumas dessas oferendas, porém, não são tão inofensivas. Espelhos, cacos de garrafas de vidro, vasos de barro, pentes e até facas são deixadas às margens do lago Guaíba. Esses objetos ameaçam a segurança de pescadores, de banhistas, de animais e dos próprios religiosos, que utilizam o local para os ritos. Joice Ferreira faz parte da diretoria da Federação Afro-Umbandista e Espiritualista do Rio Grande do Sul (Fauers) e conta que, durante algumas celebrações realizadas dentro do Guaíba, em Ipanema, é possível sentir a presença desses objetos no fundo do lago. Segundo ela, alguns religiosos inclusive já se machucaram. Pensando na segurança das pessoas e na preservação da natureza, a Fauers lançou, em 2008, o primeiro volume da Cartilha pela Natureza – Porque ela é o altar
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de todos nós. O projeto busca a conscientização e a preservação do ambiente, nos terreiros e nas comunidades, reconhecendo a natureza como fonte vital de energia sagrada – o axé, como entendem os representantes das religiões. A oferenda ecológica deve ser confeccionada por material biodegradável. São orientações simples como trocar bandejas de plástico por folhas de bananeira, optar por velas de sebo e gordura animal (velas não devem ser acendidas perto de árvores) e não deixar garrafas e copos de vidro no ambiente, entre outras. A iniciativa ainda conta com uma parceira especial. Perto de datas importantes, como a Festa de Iemanjá, no dia 2 de fevereiro, a Fauers leva material até um presídio, onde os detentos confeccionam barcos de papel machê utilizados na celebração, que reúne milhares de pessoas na praia de Cidreira, no litoral gaúcho. No dia do ritual, é possível trocar, no estande da federação, o barquinho de madeira por um barco 100% ecológico e que não irá agredir a natureza. A madeira leva cerca de 15 anos para ser decomposta no ambiente, o papel, não mais do que seis meses.
Conforme a diretora, o projeto foi bem aceito e, aos poucos, está provocando mudanças no modo das pessoas presentearem os orixás. “Cultuamos a natureza, mas o plástico não faz parte da natureza. Não podemos sujar nosso altar”, pondera. Para divulgar o trabalho, a entidade utiliza rádio, redes sociais e também investe bastante na orientação e na divulgação durante os eventos promovidos pela comunidade. A cartilha, porém, não menciona o uso de objetos cortantes ou mesmo o sacrifício de animais em rituais. O que é ofertado faz parte do fundamento de cada vertente e de cada religioso. “Não interferimos no que vai na oferenda, mas como vai”, explica. Nesses casos, é aconselhado que, se possível, dentro da fundamentação do ritual, que se enterrem animais sacrificados e objetos perigosos. Cada orixá (guardião espiritual) recebe uma oferta diferente, que varia também conforme a vertente da religião de matriz africana (são mais de 15 diferentes no Brasil). Na Umbanda, os 11 Orixás são presenteados, em sua maioria, com alimentos: milho torrado, batata, canjica, quindins, costela de porco.
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A AGITAÇÃO DA ECONOMIA DO LIXO A reciclagem de materiais descartados movimenta um mercado de insumos, como plástico, alumínio e vidro. Por meio de uma teia de conexão e parcerias, cooperativas transformam o que é desprezado em um negócio organizado, no qual até mesmo a cotação internacional é acompanhada.
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JÚLIA BERNARDI 4º SEMESTRE
PEDRO HENRIQUE TAVARES 8º SEMESTRE FOTOS
GUILHERME ALMEIDA 5º SEMESTRE
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ual a cotação do plástico hoje?” A pergunta é de Jacqueline Virti, da Cooperativa Mãos Verdes, para Roberto Santos da Silva, que coordena uma outra associação: a Cooperativa dos Recicladores de Dois Irmãos. Seria difícil imaginar que o jargão econômico poderia algum dia predominar nas
conversas de um galpão de lixo. Mas no cotidiano de quem trabalha no setor de reciclagem, a preocupação de Jacqueline e Silva tem fundamento. “Estamos sempre verificando o valor do plástico com nossos parceiros da indústria”, explica Silva. Os parceiros a quem ele se refere são as empresas que investem no material reciclado, principalmente plástico, alumínio e vidro. Na cooperativa de Dois Irmãos, o trabalho dos catadores vai além de uma simples separação entre plástico e vidro. “Aqui precisamos entender, por exemplo, que o colorido tem menos valor de mercado”, ressalta Silva. O que vale mais é o transparente.
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galpão. Dependendo da variaEle explica que este fator permição, é preciso mudar a dinâmica te colorir o material após o prode seleção dos materiais”, avalia. cesso de reciclagem. O plástico Hoje, a associação comanpreto, por exemplo, é comerciadada por Silva está finalizando lizado a uma média de R$1,90 a construção de mais uma quaao quilo, moído para indústria, dra do galpão. O objetivo é auporém o plástico branco já tem mentar a produtividade e contar o preço de R$ 2,30 ao quilo para com mais trabalhadores. Graças venda no mercado. “Nosso fatua um investimento da Braskem, ramento aqui na associação cheque auxiliou na compra de uma ga a R$ 40 mil mensais”, revela máquina, foi possível o cresciSilva. mento. A iniciativa da Em um cenário mais petroquímica tem como amplo, o valor pode paobjetivo desenvolver recer irrisório. No enainda mais a cultura de tanto, para a realidade reciclagem do plástisocial dos catadores, co, que tem alto capital essa quantia representa social, segundo Daniel um aumento de renda FIM DOS Fleischer, gerente de significativo. “Eles cheRelações Institucionais gam a tirar mais de R$ LIXÕES da Braskem. “Hoje é di2 mil mensais. Muitos IRÁ ABRIR fícil imaginar um cenápossuem carro e casa rio onde o plástico não própria”, conta JacCAMINHOS tenha um papel fundaqueline. Conforme as PARA FONTES mental”. mudanças acontecem Na sede da empresa, na economia, o preço DE RENDA. em Triunfo, é possível dos produtos para vennotar que a preocupada também sofre moção ecológica não se dificações. O interior limita apenas ao aporte gaúcho traduz um pafinanceiro para os canorama que vale para o tadores. Atualmente, a Brasil inteiro. O país reprincipal bandeira da cicla em torno de 22% Braskem é o plástico verde, um do plástico coletado, de acordo processo que consiste em procom uma pesquisa encomenduzir o material através do etadada pelo Instituto Sócio-Amnol, uma fonte de energia mais biental de Plásticos (Plastivida). limpa. No processo, o etanol é O campeão nesse processo é a desidratado e transformado em Suécia, que reaproveita cerca de eteno verde. 60% de todo plástico produzido. A potência empresarial da Na cooperativa, o trabalho é Braskem e a simplicidade dos cadividido em turnos. De hora em tadores de lixo se confudem no hora, um catador fica responsácontexto da economia brasileira: vel por fazer o contato com o elas são reflexo de um plano namercado. Segundo Jacqueline, cional que começou a ser elaboda Mãos Verdes, o preço varia de rado há pelo menos 20 anos. A acordo com a cotação na Bolsa Política Nacional de Resíduos de Valores em São Paulo (BoSólidos foi aprovada ainda em vespa). “A variação dos preços 2011 e pretende acabar com os afeta diretamente o trabalho no
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lixões a céu aberto no Brasil até o final deste ano. As associações de catadores ganharam força e aumentaram os ganhos. A situação, porém, está longe de ser resolvida. O prazo estabelecido para o fechamento dos lixões não vem sendo cumprido pela maioria dos estados da federação. “Em estados como Santa Catarina e São Paulo, a eliminação dos lixões está bem encaminhada”, diz Fabio Feldmann, consultor ambiental. Lógicas como essa mudam a dinâmica daqueles que trabalham com resíduos sólidos como forma de sobrevivência. O que acontece em Dois Irmãos é uma tendência, de acordo com Jussara Kalil, secretaria da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental. “O problema, contudo, é que muitos catadores ainda resistem ao fechamento dos lixões, porque consideram que sua capacidade de gerência é maior a céu aberto”, destaca. Não é apenas o plástico que entra no ciclo. Feldmann e Jussara explicam que o alumínio também tem aparecido com força nesta realidade. “A fabricação do alumínio, que começa com a bauxita, é demorada e custa caro. Por isso, muitas empresas preferem reciclar”, conta Jussara. Para Feldmann, outro ponto que deve ser considerado é o gasto de energia. O processo envolve extração, refino e tratamento químico para a produção do alumínio. Além disso, a bauxita não se repõe com facilidade na natureza e, portanto, não é um material barato e fácil de ser obtido. Reciclar o alumínio é economicamente mais rentável em relação ao processo de extração do minério e produção de metal. Como exemplo,
com a energia para a produção de uma latinha a partir da bauxita, é possível produzir 20 latas recicladas. No país, o valor da exportação de transformados plásticos chega a R$ 3 bilhões. O número de importação é ainda maior, ultrapassando R$ 8 bilhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2013, as importações de produ-
tos plásticos cresceram 7,1% (variação em dólares) enquanto as exportações se ampliaram 4,1 %. As importações chegaram a 732 mil toneladas de resíduo sólido, a partir de dados da Associação Brasileira de Indústria e Plástico (Abiplast), no último ano. Em contrapartida, as exportações atingiram 246 mil toneladas, um número que caminha contrário à balança comercial brasileira.
Veja + Um vídeo no site do Editorial J
COMO VIVEMOS A EXPERIÊNCIA NARRATIVA
Dentre todos os mandamentos de nossas reuniões de pauta, fugir do óbvio certamente está no topo da lista. Reciclagem é mais um dos temas do jornalismo ambiental fadados a cair nas limitações de uma cobertura padronizada que, normalmente, se curva aos pés da menina dos olhos das indústrias do século 21, a sustentabilidade. Era necessário, portanto, esquecer tudo e partir do zero: como desenvolver uma cobertura inovadora e sem vícios? Durante nossa visita à Braskem, no Polo Petroquímico de Trinfuro, esta era nossa principal pergunta. Antes mesmo de definir as pautas, discutimos qual seria nossa estrutura de narrativa. Com o esqueleto pré-definido, foi possível visualizar as necessidades. Trabalhamos com
o pensamento no produto final. Com isso, a construção de reportagem foi atrás das respostas para as perguntas mais pertinentes. Durante a excursão, que também incluiu a Associação de Catadores de Dois Irmãos e a Suzuki Recicladora Ltda., procuramos enxergar o plástico de uma maneira ampla: um material que, além de alimentar negócios de uma grande empresa como a Braskem, aumentou a renda de uma classe que até pouco tempo carecia de estrutura de trabalho, os catadores. Com a implantação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, uma demanda com mais de duas décadas, eles puderam se reunir em cooperativas, como a de Dois Irmãos. Hoje a renda mensal de alguns já ultrapassa três salários mínimos.
Nossa história precisava ter o ponto de partida nestes trabalhadores, esses personagens que aliam cuidado ambiental e sustento familiar. Mais do que texto, precisávamos construir uma estrutura com imagens e sons. A cor do plástico, critério de seleção fundamental para quem vive de reciclagem, tinha que estar presente. Para fazer esta apuração, que contou com o trabalho de seis repórteres, escolhemos o modelo snow fall. A estrutura, criada pelo The New York Times no ano passado, possibilita a interação do leitor com diferentes formatos em uma única página. O texto é recortado pelos vídeos das repórteres Jéssica Moraes e Yasmin Luz, além de um trabalho fotográfico da autoria de Guilherme Almeida e Yanlin Costa.
Publicação original
Setembro, na edição 16
ENSAIO
BRIC DO
FOTOS
ANNIE CASTRO 1º SEMESTRE
A
lheias ao caos da rua Dr. Flores, no centro de Porto Alegre, as paredes da sala 1 do prédio 321 abrigam equipamentos fotográficos e inúmeras histórias. Há 33 anos, o fotógrafo Evaldir Garcia do Canto, mais conhecido como Didi, deu vida ao bric batizado com o seu apelido. O estabelecimento é muito mais do que um ponto de venda, é também um local de reconhecimento. Didi e o espaço que criou são de muita importância para fotógrafos que iniciaram suas carreiras ainda na época da fotografia analógica. O que levou a reportagem até um dos lugares mais reverenciados pelos fotógrafos porto-alegrenses foram os rumores de que o Bric do Didi iria fechar. Para a alergia dos amantes da fotografia, o estabelecimento apenas irá mudar de proprietário. Por conta da idade e da falta de herdeiros, Didi procura alguém que mantenha o projeto que começou.
DIDI
Publicação original Outubro, no Flickr do Editorial J
Seleção de notícias e reportagens publicadas na página do J na internet
WEB
A ETERNA REFORMA POLÍTICA A MINIREFORMA
TEXTO
SHANA SUDBRACK 8º SEMESTRE
D
Em julho, foi criado um grupo de trabalho na Câmara de Deputados com a missão de elaborar um projeto de refoma política em 90 dias. O resultado foi a polêmica minireforma política, amplamente criticada ao ser acusada de abrir brechas na Lei da Ficha Limpa, limitar a fiscalização das prestações de contas das legendas e ainda autorizar doações indiretas de empresas com contratos com o governo. Um artigo da minireforma prevê que a aprovação de contas eleitorais não seja pré-requisito para a certidão de quitação eleitoral dos candidatos, bastando apenas a apresentação das contas para o político receber a certidão. A lei trata de outros pontos,
epois de mais de duas décadas de discussão sobre a reforma política no Brasil, os protestos de junho acabaram impulsionando projetos sobre o tema, e diferentes grupos brigam pela sua própria maneira de reformar o sistema político brasileiro. A ideia de uma reforma política é quase tão antiga quanto a Constituição de 1988. Fernando Henrique Cardoso, quando ainda era senador, já a defendia. Ao se eleger presidente, prometeu fazê-la, o que não aconteceu durante seus dois mandatos. Lula criticou FHC por não cumprir a promessa, mas fez o mesmo: se comprometeu com uma reforma e não a colocou em prática. O assunto começou a receber maior destaque quando o deputado federal Henrique Fontana (PT-RS), então relator da Comissão da Reforma Política da Câmara dos Deputados, apresentou um projeto sobre o tema em 2011 que previa, entre outras mudanças, o financiamento exclusivamente público de campanhas, o fim das coligações nas eleições proporcionais e um sistema de voto em lista flexível para os parlamentares. O projeto tramitou no Legislativo durante dois anos, mas, nos últimos meses, foi colocado de lado frente a novas propostas impulsionadas pela pressão popular das manifestações de junho, que levaram milhares de brasileiros às ruas. 106
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como ofensa em rede social, novas eleições frente à cassação de cargo majoritário e teto de gastos com alimentação e combustível. Em setembro, o relator do projeto, deputado federal Candido Vaccarezza (PT-SP), disse que a minireforma havia morrido. Apesar disso, no dia 13 de novembro, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou a minireforma, excluindo diversas mudanças feitas pela Câmara, como a proibição de doação indireta de campanha por empresas ligadas a concessionárias de serviços públicos. A minirreforma foi aprovada pelo plenário do Senado e sancionada pela presidente Dilma Roussef, tornando-se a Lei 12.891/2013.
OS PLEBISCITOS Ainda no mês de junho, a presidente Dilma Rousseff propôs um plebiscito para autorizar uma Constituinte para a reforma política. A consulta popular trataria de cinco temas: financiamento das campanhas, mudanças no sistema eleitoral, fim da suplência de senador, manutenção das coligações partidárias e o fim do voto secreto nas votações do Legislativo. O projeto não foi adiante, mas a presidente segue defendendo a proposta. No dia 10 de novembro de 2013, ela publicou uma série de tuítes sobre o tema. 2014
Em agosto, outro projeto de plebiscito começou a tramitar na câmara. As bancadas do PT, do PC do B, do PDT e do PSB propuseram uma consulta popular com cinco questões, três sobre financiamento de campanhas eleitorais; uma sobre participação popular pela internet; e uma sobre a realização de todas as eleições de quatro em quatro anos. Desde setembro, o PDC 1258/2013 espera parecer da Comissão de Finanças e Tributações e da de Constituição e Justiça da Câmara.
A PEC Apesar de a minireforma ter sido aprovada no Senado, o grupo de trabalho aprovou outro projeto no dia 5 de novembro: uma proposta de emenda constitucional que estabelece mudanças no sistema eleitoral e na representação de partidos. A PEC 352/2013 cria uma cláusula de barreira para dificultar a atuação de partidos menores e institui o voto facultativo para todos os eleitores.
O texto propõe que os recursos do fundo partidário e o espaço de propaganda gratuita no rádio e na TV sejam divididos apenas entre partidos que tenham obtido pelo menos 5% dos votos válidos na Câmara dos Deputados distribuídos em pelo menos três Estados. O projeto ainda lança uma versão do voto distrital: os cadidatos do Legislativo concorreriam em regiões do Estado e não em todo o Estado.
"DEFENDO UMA REFORMA POLÍTICA DECIDIDA POR CONSULTA POPULAR." — DILMA ROUSSEFF EM SEU PERFIL NO TWITTER
ELEIÇÕES LIMPAS Em paralelo às propostas, corre um projeto de lei de iniciativa popular, o Eleições Limpas. Apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), defende eleições em dois turnos, sendo o primeiro voto no partido, para decidir a quantidade de vagas para cada legenda, e o segundo no candidato de preferência, a fim de preencher as vagas.
O projeto também proíbe doações de empresas para campanhas, estabelecendo o financiamento público com a opção de pessoas físicas doarem até R$ 700. Uma parcela de 10% do fundo partidário seria dividido igualitariamente entre os partidos registrados, e o restante, de acordo com a representação na Câmara Federal.
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Janeiro
ERROS E ACERTOS DAS PESQUISAS TEXTO
JOÃO PEDRO ARROQUE LOPES 6º SEMESTRE ARTE
BRUNO IBALDO
O 8º SEMESTRE
s erros na previsão do resultado das eleições de 5 de outubro pelas pesquisas de boca de urna no Rio Grande do Sul levantaram suspeitas sobre a
eficiência dos métodos usados pelos institutos para avaliar a opinião dos eleitores. Para o professor da PUCRS e pesquisador do mercado Ilton Teitelbaum, houve erros nas pesquisas, mas os métodos são seguros. O professor explica que a maioria das pesquisas eleitorais é feita de forma quantitativa, para ver o que está para acontecer: “As pesquisas não foram falhas, pois fotografaram o momento do
crescimento de Sartori [candidato do PMDB ao governo do Estado] e a queda de Marina [candidata do PSB à presidência da República]”. Teitelbaum acrescenta que o Ibope errou e não admitiu isso, mas ressalta que deve ter acontecido devido ao fato de a consulta ter se concentrado em grandes centros. “A pesquisa de boca de urna era para ser divulgada às 17h. Então, deve ter sido feita até 11h, predominando, neste
RESULTADOS DO 1º TURNO
COMPARE ABAIXO OS RESULTADOS DO PRIMEIRO TURNO DAS ELEIÇÕES NA PESQUISA DE BOCA DE URNA REALIZADA PELO IBOPE E NO RESULTADO FINAL DA VOTAÇÃO DIVULGADO PELO TSE. (FONTES: IBOPE E TSE)
Boca de urna 37
Votação 37
35 31
OLÍVIO DUTRA
LASIER MARTINS
44 40
35
32
TARSO GENRO
41
30
29
IVO SARTORI
DILMA ROUSSEFF
33
AÉCIO NEVES
horário, eleitores mais engajados nas ruas, o que acaba refletindo no resultado”, explica. No Rio Grande do Sul, a pesquisa de boca de urna indicava que Olívio Dutra (PT) seria o senador eleito, mas a contagem dos votos revelou a preferência dos eleitores por Lasier Martins (PDT). Sobre a descrença nos institutos de pesquisa, o presidente do Instituto Meta, Flavio Silveira, argumentou que pesquisas erram quando há mudanças comportamentais de última hora, como quando parte do eleitorado de Ana Amélia Lemos migrou para a candidatura de José Ivo Sartori. “A falta de crença nos institutos se deve ao desconhecimento das teorias probabilísticas e à percepção de que os institutos existem para manipular”, lamenta Silveira. Ele acrescenta que isso já ocorreu em outros pleitos, quando mudanças bruscas aconteceram, e as pesquisas não previram o resultado. Um caso foi a virada de Luiza Erundina sobre Paulo Maluf, em 1989, na corrida pela prefeitura de São Paulo. O presidente do Instituto Meta explica que estão sendo usados coletores eletrônicos com tablets, para poupar tempo e dar segurança à aplicação de questionários. Outra característica modernizante é o uso do sistema de georreferenciamento GPS no controle da aplicação de questionários. “Assim se evitam fraudes e se sabe onde os pesquisadores estão”, complementa Silveira.
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Outubro
MEDICINA TRANSPARENTE TEXTO
GABRIEL GONÇALVES 3º SEMESTRE
JÚLIA BERNARDI 3º SEMESTRE
A
transparência nos processos de produção da indústria farmacêutica está novamente no centro de um debate público. Um estudo científico divulgado no dia 10 de abril pela rede investigativa Cochrane Collaboration apontou a ineficiência do tratamento médico com o remédio Tamiflu, principal medicamento usado pela população mundial no combate à gripe A. Em 2009, quando o vírus H1N1 tornou-se epidemia mundial, a Organização Mundial da Saúde (OMS) indicou o medicamento para o tratamento da gripe A, induzindo diversos países, como Brasil, Estados Unidos e Inglaterra, a investirem bilhões de dólares em estoques do produto. Após cinco anos de fabricação do remédio, a Cochrane Collaboration publicou o primeiro estudo científico com as informações necessárias para uma conclusão concreta sobre a eficácia do medicamento, após quatro anos de batalha com a Hoffman-La Roche, empresa fabricante, pela liberação completa dos relatórios. De acordo com o novo estudo, o remédio não melhora os sintomas dos infectados e não impede que o vírus se espalhe. A nova pesquisa revela opini-
ões divergentes dentro da comunidade científica. Formada por redes de investigação médica sem fins lucrativos, como a Cochrane Collaboration, a BMJ Group e a Sense About Science, a Alltrials Registered reivindica a regulação da indústria farmacêutica por meio da divulgação completa dos relatórios de produção dos novos medicamentos. Segundo a organização, milhares de testes não são nem mesmo registrados pela indústria, induzindo a tratamentos deficientes e desperdiçando a oportunidade da praticar uma medicina de melhor qualidade. Para o professor do curso de Farmácia da PUCRS e coordenador financeiro do Laboratório Analítico de Insumos Farmacêuticos (LAIF), Airton Monza, a omissão de parte de relatórios sobre a fabricação de remédios é uma prática comum e estratégica do ponto de vista comercial. Monza lembra que nenhuma indústria costuma revelar os dados completos de produção, devido à concorrência e à espionagem entre as empresas. O professor ressalta que a omissão não compromete a qualidade dos remédios, pois os fabricantes ganham mais com a comercialização de bons produtos, a longo prazo, do que com a fabricação de medicamentos sem qualidade, que podem ser rapidamente desmascarados. Monza observa que o novo estudo não leva a uma conclusão imediata sobre a eficiência do re-
médio. A recente pesquisa deve estimular novos testes clínicos com o medicamento ao longo dos próximos anos. No Brasil, o Ministério da Saúde investiu R$ 400 milhões em estoques do remédio. Em 2013, o então titular da pasta, Alexandre Padilha, atrelou as mortes causadas pelo vírus H1N1 à demora dos pacientes em começar o tratamento com o Tamiflu. Até então, nenhum governo no mundo tinha acesso a todos os dados necessários para avaliação completa do produto. Professor da PUCRS e coordenador da LAIF, José Aparício Brittes Funck lembra que os órgãos governamentais de regulação têm o poder de exigir os testes completos das empresas. O Ministério da Saúde afirma que o estudo realizado pela Cochrane Collaboration será avaliado. Segundo a Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, a comunidade médica está orientada para que o medicamento seja dispensado aos pacientes que apresentarem os sintomas da gripe H1N1. As principais redes de farmácia do Estado ainda vendem o Tamiflu, a um preço médio de R$ 200.
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Abril 110
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O MARQUETEIRO DE SARTORI TEXTO
BRUNA AYRES
A
6º SEMESTRE
pós 48 horas de José Ivo Sartori (PMDB) ser eleito governador do Rio Grande do Sul, Marcos Martinelli ainda parece estar no clima de campanha. O coordenador de marketing do ex-prefeito de Caxias do Sul salienta que tudo foi possível principalmente devido a “muito trabalho, confiança e um bom programa de governo”. A campanha de sucesso adotou medidas próximas ao público, como os slogans “Sartorão da massa” e “Meu partido é o Rio Grande”, até apresentar a mãe do candidato a seus eleitores. “70% das pessoas não o conheciam, e precisávamos apresentá-lo, mostrar seu passado, quem passou os valores para ele. Ele não queria, mas o convencemos”, explica Martinelli. A equipe do gringo viu o candidato saltar de míseros 5%, segundo a primeira pesquisa divulgada pelo Ibope, no dia 7 de agosto, para 60% dos votos no primeiro turno, emplacando o primeiro lugar, o qual disputaria com Tarso Genro (PT). “Não esperávamos tanto, mas sabíamos que íamos para o segundo turno”, aponta Martinelli, que, juntamente com sua equipe, acompanhou o peemedebista alcançar mais de 3,8 milhões de votos e conquistar a vaga com 61,21% dos votos.
Martinelli, que tem em seu currículo uma experiência de mais de 30 anos de trabalho em jornalismo, já passou pelos principais veículos de comunicação do país. A vida no marketing político começou em 1989, quando participou da campanha de Mário Covas no primeiro turno para candidato à presidência da República pelo PSDB. No segundo turno, compôs a equipe de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que acabou perdendo para Fernando Collor, do PRN. As campanhas que mais marcaram a carreira de Martinelli aconteceram em Roraima, para governo do Estado: em 1998, com Teresa Jucá, perdeu por 0,7% dos votos; em 2010, integrou a equipe de Anchieta, no qual saiu vitorioso. Trabalhar pela vitória de Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro de Portugal, em 2011, também é considerado marcante por Martinelli. Outra campanha que o marqueteiro destaca foi a vitória de José Fortunati para a prefeitura de Porto Alegre, em 2012. “Estávamos atrás e acabamos vencendo com a maior margem de todas as capitais do Brasil”, orgulha-se. Martinelli afirma que, “enquanto tiver coração”, continuará trabalhando em campanhas políticas: “Toda eleição é difícil, trabalhamos todos os dias, 24 horas. Tem que se adequar. Nunca paramos.”
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Outubro
REPÓRTER PRECISA VIVER EM CRISE TEXTO
EDUARDA ENDLER LOPES 1º SEMESTRE
R
ebelem-se! Não se acomodem!”, provocou o repórter Geneton Moraes Neto para uma turma com aproximadamente 60 alunos de jornalismo que participaram da oficina “Reportagem: a essência do jornalismo”, ministrada na tarde de ontem (23/9) no 27º SET Universitário. O evento é promovido pela Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da PUCRS. A aula durou quatros horas e iniciou-se com a exibição do documentário Garrafas ao mar: a víbora manda lembranças, dirigido por Geneton. O filme serviu como base para os ensinamentos que Geneton, que trabalha na Globo News, compartilhou com a turma. A obra, que conta a história do jornalista Joel Silveira (1918-2007), conhecido como Víbora, começa com a apresentação de frases de grandes autores, como Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Chega ao ápice com a entrevista que Geneton fez com Joel, de quem acabou se tornando amigo, uma relação que durou 20 anos, até a morte do entrevistado. Joel se consagrou pela cobertura de guerras e pelo contato com personalidades brasileiras, incluindo presidentes. Ele pretendia fazer um jornalismo mais chamativo e vivo, para, por fim, transformar o Brasil em um país menos banal. O velho jornalista, percebendo
que Geneton tinha talento para reportagem, o chamava de “Coisa investigativa”. Estava certo. O repórter da Globo News nunca se acomodou. Sempre foi atrás dos objetivos, analisando, investigando, descobrindo detalhes e cobrindo-os. Toda essa experiência, que já soma 40 anos de profissão (ele começou a trabalhar aos 16 anos, no Diário de Pernambuco), foi a base da oficina com a qual pretendia apresentar o caminho para se fazer uma boa reportagem. Mais do que isso, ele pediu para que os alunos se rebelassem. Foi assim que o “Coisa investigativa” motivou a turma a lutar contra a mesmice, o tédio, a desilusão, a arrogância e contra o deslumbramento da profissão. “Se declarem em estado de prontidão contra todas as coisas ruins do jornalismo”, pediu. Geneton salientou que, acima de tudo, o jornalista deve ter iniciativa, que os melhores jornalistas são os que se autodiplomam. Provou isso ao contar uma de suas histórias, quando entrevistou, por telefone, Carlos Drummond de Andrade, 17 dias antes da morte do poeta, o que lhe rendeu 90 páginas transcritas. O jornalista esperava não ser atendido, já que o escritor desgostava de entrevistas, mas arriscou a iniciativa e conseguiu. Resultado: Geneton obteve uma grande entrevista que foi considerada uma espécie de derradeiro balanço que o poeta fez da sua vida. Essa história foi lembrada na oficina do SET Universitário para
enfatizar que jornalista não pode descartar matéria antes mesmo de fazê-la. E, aos risos, aconselhou que repórter precisa viver permanentemente em crise, tanto pessoal quanto profissional. Geneton, depois que os alunos pararam de sorrir, explicou que a crise deve estar sempre presente para que o repórter não deixe de refletir. Atualmente, ele mesmo não sabe se jornalismo é o que deseja, tanto que se licenciou da emissora para tocar projetos particulares. Próximo ao fim da aula, Geneton declarou guerra contra o óbvio, pois o público deve sempre ser surpreendido. “O leitor tem que se engasgar com a torrada do café da manhã ao ler a manchete”, brincou. Mesmo com dúvida em relação ao jornalismo, salienta que é preciso acreditar no que se faz, pois a história que se conta pode se tornar importante para alguém. A fala do repórter prendeu a atenção de todos, como a estudante de Jornalismo Maria Eduarda de Mello Levy. Ela se inscreveu na oficina porque considerou uma oportunidade única, já que admira o trabalho de Geneton. “Foi maravilhoso! O bom humor e o amor que ele tem pelo jornalismo me cativaram muito”, acrescentou.
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Setembro 112
Anuário Editorial J
2014
A ERA DE OURO DO VIGILANTISMO TEXTO
GABRIEL GONÇALVES 3º SEMESTRE
Q
uase um ano depois do ex-funcionário da NSA Edward Snowden tornar público cerca de 20 mil documentos sobre os programas de espionagem do governo dos EUA, a comunidade de ativistas e entusiastas de informação digital se enxerga no início de uma ciberguerra de informações, longe de um término. O combate à espionagem e a privacidade dos indivíduos foram tema central de diversas palestras e debates na 15º edição do Fórum Internacional do Software Livre (FISL), realizada esta semana no Centro de Eventos da PUCRS. No encontro da última quinta-feira (8/5), o painel "Software livre e a era da espionagem", formado por Isabela Fernandes, Jeremie Zimmerman, Leonardo Lazarte e Pedro Rezende, atentou à inédita facilidade das agências governamentais em praticar espionagem de massa. Fundador do La Quadrature du Net, grupo de advocacia que promove os direito digitais e a liberdade dos cidadãos, o francês Jeremie Zimmerman apontou uma mudança na relação entre homens e máquinas nos últimos 15 anos. “Tínhamos máquinas amigas. Máquinas que podíamos entender, máquinas em que podíamos confiar. Crescemos num mundo de amizade. Foi nesse
mundo de máquinas amigáveis que aprendemos computação. Atualmente, carregamos máquinas inimigas em nossos próprios bolsos”, alertou. “Vivemos na era de ouro da espionagem”. A frase de um funcionário da NSA, relatada em um dos documentos publicados por Edward Snowden, é um consenso entre os especialistas de informação digital. Professor de Ciências da Computação da Universidade de Brasília, Pedro Rezende enxerga ainda mais gravidade no atual momento. Segundo o professor, a questão é mais profunda que uma era de ouro da inteligência de sinais: “É a era de ouro do empoderamento de sinais, que é o vigilantismo. Enquanto nossa sociedade estiver vivendo um momento de fartura, ninguém enxerga a dimensão do risco que o vigilantismo representa. A partir do momento em que as pessoas começarem a lutar pela sobrevivência por causa de escassez de energia, de alimentos etc., quem se achar em posição de poder decidir, vai decidir”. Segundo Rezende, o problema não é tecnológico, mas cultural. “É perigoso pensar que a tecnologia vai resolver o problema. Por que nós precisamos ter todas as novidades da tecnologia? Ninguém aqui se questiona a respeito disso”, podenrou. Os dados públicos, cada vez mais valorizados pela comunicação social, através do jornalis-
mo de dados, foram sublinhados como dispositivo de soberania da população diante do Estado, no discurso do professor de Engenharia de Software da Universidade de Brasília, Leonardo Lazerte. Na visão do professor, o grande fluxo de diferentes dados, sejam de saúde, metadados ou do governo, exige a compreensão maior do seu significado por parte da sociedade. “Primeiro, temos que juntar dados, guardar informações. Em segundo lugar, compartilhar a informação para que o jornalismo de dados possa realmente trabalhar, processar sua inteligência em cima desses fatos”, afirmou. Pontuado por palestras, debates e workshops de profissionais mundialmente conhecidos, o FISL é um dos principais encontros mundiais de entusiastas e especialistas de softwares de código aberto, desde 1999.
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Maio
KFOURI: “FUTEBOL BRA É PRÉ-CAPITALISTA” TEXTO
GABRIEL GONÇALVES 4º SEMESTRE
A
estrutura do futebol brasileiro é “profundamente reacionária, refratária a qualquer tipo de mudança, profundamente corruptora, corrompida e incompetente”, na avaliação do jornalista Juca Kfouri, comentarista dos canais ESPN e colunista do jornal Folha de São Paulo. Com 44 anos de carreira no jornalismo esportivo e um histórico de quem dividiu a juventude entre os gols de Pelé na Copa de 1970 e a militância na Aliança Libertadora Nacional, durante o regime militar, Kfouri participou, na última terça-feira (26/8) de um debate promovido pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) da PUCRS no auditório da Faculdade de Comunicação Social (Famecos). Crítico incansável, Juca Kfouri lamentou a atuação dos gestores do futebol e sugeriu mudanças estruturais no mercado brasileiro. Na entrevista concedida, antes da realização do debate, foi ainda mais contundente nas suas considerações, resumidas a seguir.
COPA
DEMOCRÁTICO
“O balanço, que começa a ser feito, mostra que o Brasil perdeu com a Copa, que o país gastou mais do que entrou. Construiu pelo menos cinco elefantes brancos, não teve o fluxo de turistas imaginado – pois o turista que vem para esse tipo de evento tem uma mochila nas costas e dorme em albergue –, e os feriados da Copa, realizados para evitar congestionamentos, custaram R$ 30 bilhões referentes ao não funcionamento da indústria. Ou seja, em junho e julho, os feriados para a Copa custaram outra Copa.”
“Tem que mexer na estrutura. Para mexer na estrutura, tem que democratizar, dar voz ao torcedor. Você deve ter sócio-torcedores com direito de eleger o presidente do clube. Este presidente deve ser o representante do clube numa liga de clubes, que cuida do campeonato desses times. A confederação nacional cuida da seleção de futebol, pois não é atribuição dela cuidar do campeonato nacional. A democratização redunda numa melhor organização das competições.”
COM A PRESIDENTE
FIFA E O GOVERNO
Poucas semanas antes da Copa, Kfouri foi convocado, juntamente com outros colegas de profissão, para uma reunião com a presidente Dilma Rousseff, quando debateram o evento e a situação do esporte no país. “Eu falei pra ela sobre o retrato que faço do futebol brasileiro: é pré-capitalista, ainda está na fase da acumulação primitiva do capital, na base da pirataria, como os ingleses fizeram, e isso tem que ser implodido.”
“A Dilma foi mais dura que o Lula, principalmente em relação à CBF. A presidente não recebeu o Ricardo Teixeira, nem o José Maria Marin [atual presidente da CBF] na abertura da Copa. E nem fazia sentido. O Marin é fartamente responsável pela prisão e morte do jornalista Vladimir Herzog [morto no DoiCodi, em São Paulo, em 1975]. Ela não poderia estar ao lado deste cara [Marin].”
SILEIRO O FUTEBOL BRASILEIRO
CORRUPÇÃO NO ESPORTE
“Engatinha-se, por exemplo, com a movimentação do Bom Senso FC. Engatinha-se com algumas campanhas presidenciais querendo assumir programas que levam em consideração a necessidade de democratização do nosso futebol e esporte. Mas, infelizmente, não tenho muita dúvida em dizer que o futebol é uma das instituições mais retrógradas do Brasil e talvez seja uma das últimas a mudar. A estrutura do futebol é profundamente reacionária, refratária a qualquer tipo de mudança, profundamente corruptora, corrompida e incompetente. Destronar esta gente é tão complicado, que você já teve bons presidentes de clube tragados por essa estrutura.”
“O Brasil tem condição de fazer frente [aos campeonatos europeus]. Não faz porque a má gestão e a corrupção impedem. A corrupção, diga-se de passagem, não é um privilégio nacional. A corrupção se dá no mundo do esporte de maneira generalizada. Acabamos de ver o presidente do Bayern, de Munique, em cana por evasão de divisas. Vimos a Fifa dizimar quatro ou cinco cartolas, porque a Justiça suíça os pegou.”
Publicação original
Agosto
ENSAIO
ELEIÇÕES 2014
FREDERICO MARTINS
A
cobertura das eleições de 2014 foi uma oportunidade de intenso aprendizado e produção para o Núcleo de Fotografia do Editorial J. Os alunos acompanharam a movimentação dos eleitores nas ruas, o voto dos candidatos nos dois turnos do pleito e o último debate dos candidatos a governador José Ivo Sartori e Tarso Genro. No segundo turno, o laboratório convergente contou com uma equipe de oito repórteres fotográficos nas ruas de Porto Alegre para narrar com imagens como foi o voto da presidente Dilma Rousseff e a participação popular nas festas dos futuros governantes no Palácio Piratini e no Planalto. O trabalho resultou em várias galerias fotográficas acessíveis no site e no flickr do Editorial J. Também propiciou uma rica experiência de cobertura política, em que os alunos puderam vivenciar pautas que exigem dinamismo e agilidade na agenda do jornalismo local.
ANNIE CASTRO
MAIA RUBIM
MAIA RUBIM
FREDERICO MARTINS
MAIA RUBIM
GABRIELA RABALDO
FREDERICO MARTINS
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Anuรกrio Editorial J
2014
FREDERICO MARTINS
Publicação original Outubro, no Flickr do Editorial J
BANHEIRO SEM ACESSO TEXTO
GABRIEL GONÇALVES 3º SEMESTRE
GABRIELA GIACOMINI
D
1º SEMESTRE
os atuais 39 banheiros públicos localizados em praças, parques, terminais de ônibus e viadutos de Porto Alegre, poucos estão preparados para receber pessoas com deficiências, caso dos novos sanitários da Praça da Alfândega. Utilizados por milhares de pessoas diariamente, esses sanitários são uma das poucas alternativas para quem está na rua. Os critérios básicos de acessibilidade para portadores de deficiência são estabelecidos pela Lei da Acessibilidade, decretada em 2 de dezembro de 2004. Embora o texto promova diversos direitos em prol de pessoas com dificuldade de locomoção, cadeirantes sofrem dificuldades não apenas para se deslocar, mas também para acessar banheiros públicos. Sancionada no ano de 2000, a Lei Nº 10.098, que prevê a existência de um sanitário ou um lavatório disponível em espaços públicos para pessoas com deficiências, é ignorada até mesmo pelo novo banheiro da Praça da Alfândega, inaugurado neste ano. A equipe do Editorial J visitou dez banheiros públicos da Capital, localizados em pontos de grande circulação da cidade. De todos os banheiros visitados, sete não oferecem condições para o acesso de
pessoas com deficiência. Dentre os locais que possibilitam a acessibilidade de cadeirantes estão o Parque Farroupilha, a Usina do Gasômetro e o Parque Harmonia. Segundo a coordenadora da Secretaria Municipal de Acessibilidade e Inclusão Social (SMAIC), Alda Gislaine da Silva, “todos os banheiros possuem projetos” para serem adaptados. Alda alega que, em 2013, a secretaria elaborou projetos de acessibilidade para os banheiros dos parques Harmonia, Marinha do Brasil e Terminal Parobé, que foram enviados ao Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), responsável pela aprovação e realização dos projetos. No entanto, o assessor de imprensa do DMLU, Rodolfo Rospide Júnior, afirma que desconhece a existência dos documentos. Questionado sobre as potenciais iniciativas do DMLU sobre a falta de acessibilidade dos sanitários, Rospide alega que “nem mesmo as ruas possuem acessibilidade”. A equipe também averiguou, além da acessibilidade, as condições de higiene e a preservação dos espaços. Em nove dos dez banheiros visitados, havia pelo menos um funcionário trabalhando como auxiliar de serviços gerais, contratado pela prefeitura ou terceirizado pela Cootravipa.
Os sanitários da Usina do Gasômetro, embora sem a presença de funcionários, foi o único Mapa interativo que continha itens básino site do cos de higiene. Editorial J Os banheiros em pior situação são os do Terminal Parobé, ao lado do Mercado Público. Com pouca ventilação, devido à localização no subsolo da plataforma de ônibus, o mau cheiro faz os usuários taparem o nariz. “Banheiro horrível, cheiro muito forte”, reclama a estudante Natália da Cruz Fernandes. O funcionário Jadir Rodrigues estima que cerca de 3 mil pessoas utilizam os banheiros do terminal diariamente. Dentre os itens analisados pela reportagem, papel higiênico gratuito foi encontrado apenas nos sanitários da Rodoviária e do Gasômetro. Como a prefeitura não fornece o material, os servidores dos outros pontos disponibilizam o papel em troca de contribuição financeira. Apesar disso, a prefeitura ofereceu sabonete e papel higiênico gratuitos nos dias da Copa do Mundo em Porto Alegre.
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Publicação original
Junho 124
Anuário Editorial J
2014
O QUE OS POLÍTICOS GAÚCHOS DIZEM partido
política
brasil leibancada
nome
educação
municípios assembleia
pública
trabalho povo
público
milhões vida região
país
reais saúde sociedade
relação
federal
governo
comissão
governador
A
proposta de reunir todos os discursos dos parlamentares federais e estaduais gaúchos foi concebida em abril de 2014, quando os alunos de Jornalismo da Famecos começaram a esquadrinhar os bancos de dados da Câmara de Deputados e da Assembleia Legislativa para coletar os discursos proferidos ao longo do mandato. O material foi reunido num único arquivo, totalizando mais de 4 mil páginas. Este corpus foi então refinado no ambiente de computação estatística R, para retirar termos comuns como “este”, “Sul” ou “Srs.” e calcular a frequência relativa entre as palavras usadas pelos deputados em seus pronunciamentos. O resultado foi esta nuvem de palavras-chave, na qual os termos mais aplicados nos discursos aparecem em cores mais escuras e tamanho maior.
pessoas mil tempo
recursos
desenvolvimento
PRODUÇÃO COLABORATIVA*
Publicação original
* Laura Marcon, Manoela Tomasi, Mariana Lübke, Marina de Oliveira, Nathália Rodrigues, Pâmela Floriano, Renata Fernandes, Ricardo Miorelli, Rômulo Fernandes e Victor Rypl
Setembro
ESGOTO E LIXO COMO VIZINHOS
TEXTO
CAROLINE FERRAZ 7º SEMESTRE FOTOS
RAPHAEL SEABRA
Q
6º SEMESTRE
uando transborda esta caixa, fica dois, três dias com o esgoto escorrendo na frente de casa. A gente tem que colocar uma tábua para passar”, relata Marisa Lopes da Rocha, 56 anos, moradora do bairro Lomba do Pinheiro, na zona leste de Porto Alegre. Esta situação é reflexo da atenção destinada ao saneamento da periferia da Capital. A população da região cresceu exponencialmente entre 2000 e 2010, passando de 30.388 para 51.415, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, a estrutura de saneamento não seguiu o mesmo ritmo. Neste ano, pesquisa do Instituto Trata Brasil divulgou que a capital gaúcha ocupa o 46º lugar no ranking relativo ao saneamento básico entre os municípios brasileiros, enquanto o país ocupa a 112º posição entre outros 200 países pesquisados. Vivendo há 32 anos no acesso 5, da rua Adão Benedito Lopes Brandão, Marisa convive com dois sérios problemas no seu terreno. Um deles é a caixa de escoamento de água construída pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), que forma um córrego na porta dela sempre que o encanamento entope. No fundo do terreno, ainda há mais problemas, decorrentes do lixo acumulado pelos vizinhos e do deságue direto dos canos da rede de esgoto daquela região. O que mais incomoda a moradora é lixo jogado pelos outros moradores. Os dejetos que o De“
partamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) não recolhe são jogados no leito do arroio. Há uma infinidade de objetos descartados, que vão de bicos infantis a sofás. Com duas crianças na casa, a moradora recomenda aos netos que não andem pelo local. Ainda assim, uma bicicleta das crianças pode ser vista escorada em uma árvore a poucos metros da ladeira que leva ao esgoto. Apesar de a casa estar próxima das águas poluídas, Marisa não acredita que o local seja foco de ratos e baratas. “O que incomoda um pouco é o cheiro no verão”, revela timidamente. Ela não se preocupa com a possibilidade da dengue atingir sua família, mesmo com água parada nos objetos do monte de lixo próximo à casa. O córrego também pode ser foco de doenças pelo deságue do encanamento direto dos moradores. De cima dos degraus que dão acesso à casa, Marisa mostra a caixa de passagem por onde escoa o esgoto das moradias do bairro, que está dentro do terreno dela e transborda sempre que entope. “Meu marido queria botar concreto nos canos para parar de cair água”, conta. A moradora lembra que o Dmae leva até três dias para ir até o local fazer as limpezas e, por isso, ela precisa improvisar a passagem com tábuas. Ela reclama e pede para o departamento instalar a caixa fora do seu terreno, mas, de acordo com a moradora, eles dizem que não podem. O bairro Lomba do Pinheiro é permeado pelo Arroio Taquara, que nasce em Viamão e tem mais de cinco quilômetros de extensão. No acesso da rua São Paulo para a Conde de Bonfim, um trecho do arroio está sendo canalizado
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Anuário Editorial J
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pelo empresário Dirceu Costa. O terreno vizinho ao dele era um depósito de lixo com mais de dois metros de profundidade. Ele decidiu cercar o terreno e aterrar o material. “Foram mais de 40 caçambas de terra aqui”, conta, enquanto um novo caminhão des-
peja o material. Costa afirma que há denúncias ambientais contra a dona do terreno e que, inclusive, cobrou dela uma resolução do problema. “Fui reclamar, mas ela disse que não iria se incomodar para ver isso”, revela.
POSIÇÃO DO DEP De acordo com a assessora Adriana Machado, do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), o Arroio Taquara está passando por dragagem, ainda que a reportagem não tenha observado trabalhos no local. No entanto, o órgão não conta com um plano hídrico que identifique os arroios da cidade. A fiscalização acerca da situação dos locais é feita a partir de contratos para limpeza já existentes, mas o departamento não soube informar como é a rotina de vistorias. Nas duas situações relatadas, há despejo de esgoto cloacal – proveniente dos vasos sanitários – direto das moradias, sem passar por fossa ou outra etapa de tratamento doméstico, como é exigência do Dmae. A falta de fiscalização das instalações de esgoto das moradias decorre da irregularidade dos terrenos, provenientes de ocupação em décadas passadas. A moradora Marisa da Rocha
lembra que, há mais de 30 anos, foi direcionada para a Lomba do Pinheiro pelo Departamento Municipal de Habitação (Demhab), e os próprios moradores construíram as casas. Conforme o Plano Municipal de Saneamento Básico, a região apresenta cerca de 72,9% de redes de coletas de esgoto implantados. A reportagem entrou em contato com o Dmae para obter esclarecimentos sobre a rede de esgoto irregular, mas não teve resposta. À beira do Arroio Taquara, também existe a possibilidade de deslizamento das casas, pois muitas foram construídas no leito do córrego. A casa de Luana Souza está entre outras duas que receberam visita de técnicos do Demhab, alertando para os riscos do local. Quando chove, a água sobe até a metade da parede pelo lado de fora, mas não chega a inundar, pois a entrada está no ponto mais alto do leito, oposto à passagem de água.
Publicação original
Setembro
ENSAIO
REMO
EM POA
FOTOS
FREDERICO MARTINS 6º SEMESTRE
O
remo é considerado uma das modalidades esportivas mais tradicionais dos Jogos Olímpicos. Em Porto Alegre, não é tão difundido, se comparado a esportes como futebol e vôlei. Não é de se espantar, afinal, a cidade meio que vira as costas para o Lago Guaíba. Entre as exceções, estão os integrantes das equipes de remo do Grêmio Náutico União. Referência desse esporte na Capital, o clube promove treinos de segunda a sábado, das 7h30min às 10h, na sede da Ilha do Pavão. Diariamente, os atletas deslizam com seus barcos, ampliando os limites da cidade.
Publicação original
Agosto
O MUNDO SEM TELAS TEXTO
BRUNA GASSEN
A
7º SEMESTRE
sobrancelha bem desenhada, o sorriso alinhado e o cabelo negro impecável não parecem ser de uma mulher que, há 12 anos, fugiu da guerra no Afeganistão. Roquia Atbai, 44 anos, é falante, vaidosa, com unhas e lábios pintados. O perfil de mulher moderna foi também o motivo que a trouxe para o Brasil. Roquia se recusou a usar a burca que cobre todo o "A VIDA rosto e a ver o mundo por uma tela – o que É MUITO gerou intolerância do DIFÍCIL grupo religioso Talibã, que comandou o AfePARA OS ganistão nos anos 2000 AFEGÃOS e impôs o uso da burca no país. A OrganizaAQUI." ção das Nações Unidas — ROQUIA ATBAI (ONU) trouxe dezenas de refugiados para o Brasil. “Quando a guerra começou, não sabíamos para onde iríamos, a ONU só pediu que arrumássemos nossos pertences para sair logo de lá” conta. No Brasil, Roquia pode andar com as roupas que gosta, e com o comprimento que ela achar melhor. “Isso me faz muito feliz”, comemora. A diferença entre a cultura do Oriente Médio e a de Porto Alegre não agradou tanto o ex-marido, Abdul Atbai, que voltou para a terra natal – mas Roquia prefere não falar sobre o assunto.
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Ela e os três filhos – Omar, 13 anos, Farhad, 19, e Malik, 20 – resolveram ficar. A refugiada garante que das seis famílias de afegãos que vieram para o Porto Alegre em 2002, permanecem na cidade apenas ela e seus filhos. “A vida é muito difícil para os afegãos aqui, difícil de aprender o português, difícil de conseguir trabalho”, lamenta. Formada em Pedagogia, trabalhava como professora da 7ª série do Ensino Fundamental no Afeganistão. “O ensino aqui é parecido com o de lá, dividido em ensino fundamental e médio”, explica. Pouco antes de vir para o Brasil, durante seis anos, Roquia estudou Estética em Nova Dehli, na Índia – onde aprendeu a técnica de depilação que utiliza em Porto Alegre. Ela trabalha como depiladora em um famoso salão de beleza no bairro Petrópolis. Conquistou centenas de clientes na Capital com a técnica do fio de seda. O produto, importado da Índia, remove os pelos através de um processo em que Roquia usa a boca para segurar uma das pontas do fio e trabalha com as duas mãos na outra ponta. Além da sobrancelha, o fio de seda também remove pelos de qualquer parte do corpo – buço, rosto, pernas. Roquia garante que é a única profissional no
país que utiliza a técnica com o fio importado. “Os profissionais daqui costumam utilizar o fio de costura”, explica. Atrizes, cantoras e modelos fazem a sobrancelha com fio – de costura ou de seda –, o que ajudou a popularizar a técnica. “Comecei em um salão menor e hoje trabalho em um maior, das 9h às 22h. O movimento é grande, mas as clientes vêm porque me conhecem, não tanto por causa do salão”, revela, sem falsa modéstia. Com o trabalho garantido, a parte mais difícil da adaptação foi aprender a falar português. Roquia ainda tem dificuldade com algumas palavras comuns e com a escrita, além de trocar o gênero dos substantivos e adjetivos – fala “na banheiro”, por exemplo. A depiladora mantém no Brasil tradições que trouxe do Afeganistão. “Faço as comidas que gostava de comer lá e rezo nos mesmo horários”, conta. Ela pretende voltar ao Afeganistão, pelo menos para visitar a família e os amigos.
REFUGIADOS TRIPLICARAM Em 2013, foram expedidas 649 autorizações de refúgio para estrangeiros no Brasil, e em 2012, 199. Roquia é uma das 5.208 pessoas nesta situação no país, de 79 diferentes nacionalidades. Os dados são do Comitê Nacional de Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça.
Do total de pessoas para as quais foi concedido refúgio no ano passado, 283 têm a Síria como origem, o que representa 43,6%. Essas pessoas fugiram da guerra civil, o que justifica o aumento no número de refugiados que vieram para o Brasil. Em nível nacional, a Agência da Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) trabalha em parceria com órgãos do governo prestando assessoria técnica e providenciando informação dos países de origem dos refugiados. O representante da ACNUR no Brasil, Andres Ramirez, afirma que o acesso à documentação não é o principal problema. “O processo às vezes é complicado, mas normalmente se consegue resolver. O principal problema é o tema do emprego e da moradia, que tem sido recorrente”, explica. Ramirez afirma que a situação está em pauta e que a ACNUR tenta trabalhar com o governo uma solução para a falta de emprego e moradia. O refúgio é um direito de estrangeiros garantido por uma convenção da ONU de 1951 e ratificada por lei no Brasil em 1997.
REFUGIADOS ASSISTIDOS Criado em 2007, o Grupo de Assessoria a Imigrantes e Refugiados (Gaire) faz parte do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (Saju) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O grupo inclui estudantes e profissionais que vão além da universidade. O monitor do Gaire, David Reis, diz que o grupo foi criado para dar apoio a pessoas que vêm
para Porto Alegre como refugiados. “A proposta é ajudar quem vem de outros países em situação de alta vulnerabilidade e que deparam com uma cultura totalmente diferente”, explica. Além de assistência jurídica, o grupo presta assistência psicológica e social. O Gaire atende a pessoas de diversas nacionalidades que soli-
citam ou já receberam o status de refugiados. “Já foram atendidos afegãos, cubanos, colombianos, nacionais de Cabo Verde, Argélia, e vários outros”, afirma Reis. Ele diz que as dificuldades de integração dos refugiados são grandes, devido à diferença nos costumes. “Mas, ultimamente, temos observado uma integração bem positiva dos refugiados”, garante.
AS DIFERENÇAS Refugiados
Refugiado é todo aquele que foi forçado a abandonar o país de origem para preservar a sua vida e a de sua família, por temores de perseguição causados por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas.
Apátridas
Um apátrida é um indivíduo que não é titular de qualquer nacionalidade, ou seja, é uma pessoa que não é considerado nacional por qualquer Estado. Essa condição ocorre, por exemplo, quando um Estado deixa de existir e não é substituído por nenhum outro
ou o Estado ocupante não reconhece determinado grupo de pessoas como seus nacionais. São também apátridas as pessoas pertencentes a minorias étnicas nascidas no território de Estados cujas leis não atribuem nacionalidade a tais grupos.
Imigrantes
A imigração é o movimento de entrada em um país, podendo ser permanente ou temporária, com a intenção de trabalho e/ou residência.
Repatriado
Repatriado é aquele que retornou a pátria por vontade própria ou por obrigação.
Publicação original
Maio
ESGOTAMENTO DO SISTEMA POLÍTICO DOAÇÕES RECEBIDAS
TEXTO
SHANA SUDBRACK 8º SEMESTRE GRÁFICO
R$ 4.629.362.106 (2012)
BRUNO IBALDO 8º SEMESTRE
É
difícil encontrar alguém que despreze a necessidade de uma reforma política. Quando questionados, os vereadores Nereu D’Ávilla (PDT), Valter Nalgestein (PMDB) e Fernanda Melchiona (PSOL), o deputado federal Henrique Fontana (PT) e a presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS), Elaine Macedo, deram a mesma resposta: a reforma é uma necessidade urgente porque o sistema atual está esgotado. Uma das questões mais citadas como um problema é o financiamento das campanhas políticas. Atualmente, existe um financiamento misto. As campanhas são pagas com recursos públicos e privados. Existe um fundo partidário, mas a maior parte das despesas são custeadas por empresas e pessoas físicas. Henrique Fontana (PT-RS), relator de uma proposta de reforma política, diz que o modelo atual de financiamento faz com que a democracia brasileira fique cada vez mais dominada pelo poder econômico: “As eleições são verdadeiras corridas do ouro. Há um crescimento exponencial no custo de campanhas e com isso
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Anuário Editorial J
R$ 3.666.605.190 (2010)
R$ 2.512.406.149 (2008)
R$ 1.729.042.577 (2006)
R$ 1.393.222.416 (2004) R$ 792.546.932 (2002)
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FONTE: ÀS CLARAS - HTTP://WWW.ASCLARAS.ORG.BR
entregamos um poder enorme a esses financiadores”. Fernanda Melchiona concorda que o financiamento de campanhas é um dos principais problemas: “A política está dominada pelo interesse das grandes empresas. É preciso minar o seu poder sobre a política para aumentar a democracia”. Nereu D’Ávilla se-
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gue na mesma toada: “O Henrique Fontana tinha razão, o maior problema é o financiamento privado de campanha”. Por isso, Fontana propôs um financiamento exclusivamente público de campanha. Segundo o projeto do deputado, as campanhas seriam custeadas por um fundo com dinheiro públi-
co. Conforme a proposta, 5% dos recursos seriam divididos igualmente entre os partidos registrados no TSE, 10% entre as siglas que tenham pelo menos um representante na Câmara de Deputados e 75% divididos proporcionalmente, de acordo com o número de votos obtidos pelo partido para Câmada de Deputados ou Assembléia Legislativa. Esta proposta se tornou bastante popular, mas também recebeu críticas. Valter Nalgestein admite que já foi a favor do projeto, mas mudou de ideia: “O Brasil tem carência de recursos em tantas áreas, não podemos gastar mais com os políticos. Além disso, os partidos seguirão a receber dinheiro privado. Eles já recebem dinheiro ilegal hoje e vão continuar recebendo se mudarmos as regras. Nós só vamos ter menos controle”. O vereador também lembra que partidos de todos os lados são financiados por terceiros. “A iniciativa privada financia políticos alinhados à direita, os sindicatos financiam políticos alinhados à esquerda e todas essas instituições têm seus próprios interesses”, explica Nagelstein. Elaine Macedo, presidente do TRE-RS, também critica as altas doações para campanhas políticas: “Essas doações fantásticas mostram que, evidentemente, quem está doando tanto para uma campanha vai cobrar a conta depois”. Ela não defende nenhum modelo específico, mas lembra que a OAB protocolou um projeto de lei que pode ser considerado um meio termo entre o sistema atual e o proposto por Fontana. O projeto apresentado pela OAB é conhecido como Eleições Limpas. Ele prevê o finan-
ciamento público de campanha e a possibilidade de pessoas físicas doarem até R$ 700. A divisão do fundo partidário é um pouco diferente do projeto de Fontana. Neste cenário, 10% seriam divididos igualmente entre todos os partidos, 15% entre agremiações com representação na Câmara e 75% proporcionalmente de acordo com o número de votos na Câmara.
“NÃO ME REPRESENTA” A frase que ficou famosa nas redes sociais e foi repetida nos protestos de junho simboliza um outro grande problema da política brasileira: a falta de representatividade. Para Elaine Macedo, o maior problema do sistema atual é a falta de representação popular nas eleições proporcionais. “Candidatos populares sem nenhuma tradição política recebem um número de votos tão grande que acabam elegendo outras pessoas que jamais seriam eleitas”, avalia. Elaine se refere a uma distorção provocada pelos campeões de votos, que acabam por eleger colegas de partido. Atualmente, o sistema eleitoral para deputados e vereadores é proporcional. Se um partido recebe 10% dos votos para a Câmara de Deputados, terá 10% das cadeiras, mesmo que os 10% dos votos tenham sido todos para o mesmo candidato. É consenso que o fato de candidatos sem votos se elegerem é um problema, mas falta encontrar uma solução. O vereador Nereu D’Ávilla é a favor de voto majoritário para eleições legislativas, elegendo os candida-
tos com mais votos independentemente do partido. Fontana discorda. “O personalismo é muito forte na democracia brasileira. Isso é um problema. Enquanto não fortalecermos os partidos, teremos uma democracia frágil. Na minha opinião, o melhor sistema que vi é o do projeto Eleições Limpas. É melhor do que o meu”, admite. Neste modelo, haveria o voto em dois turnos. O primeiro voto seria no partido, para escolher o número de cadeiras para cada sigla, e o segundo seria no candidato, para escolher quem irá preencher essas vagas. Fernanda Melchiona considera a proposta boa, parecida com o modelo que ela defende: o voto proporcional em lista ordenada e flexível. Neste sistema, o partido elabora uma lista de candidatos, mas o eleitor pode escolher o próprio candidato. Quem recebe maior quantidade de votos é eleito, as demais vagas são divididas de acordo com a lista do partido.
A VOZ DO POVO Para um brasileiro propor uma lei, é preciso recolher as assinaturas de 1% dos eleitores espalhados em pelo menos cinco Estados do país. Apesar desta ferramenta ser pouco utilizada, maior paticipação popular sempre encabeça as reinvidicações dos eleitores. Exemplos de países desenvolvidos como a Islândia e a Suécia, que utilizam a internet para propor e discutir leis e até criar uma nova constituição, mostram como é possível ter uma população mais atuante nas decisões políticas e animam
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os eleitores. Porém, a presidente do TRE-RS acredita que o problema não é ausência de ferramentas. “É muito mais uma questão de conscientização política do que de facilitar a participação popular, de ter uma nova lei”, afirma Eliane Macedo. O vereador Nalgestein, apesar de considerar a participação popular importante, também tem uma posição crítica em relação ao assunto. “Qual a função da democracia representativa? Quando um político é eleito, ele recebe uma delegação para administrar. Ele deve, sim, ouvir a população, mas ele não pode sair da responsabilidade de decidir como vai alocar recursos”, pondera. Fontana, Fernanda e D’Ávilla acreditam que novas ferramentas de participação popular são necessárias e que a internet pode ser utilizada. Porém, todos alertam para os desafios da participação online como a possível falta de segurança e a exclusão da parcela da população que não tem acesso a internet.
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PERCALÇOS DA DEMOCRACIA TEXTO
GABRIEL GONÇALVES 4º SEMESTRE
JOÃO PEDRO ARROQUE LOPES 6º SEMESTRE
H
á uma consciência muito clara do esgotamento das formas da democracia representativa e parlamentar.” Com essa frase, o professor de filosofia da USP Vladimir Safatle encerrou sua palestra, na segunda-feira (25/8), na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da PUCRS. Essa também é uma amostra do discurso politizado do filósofo, conhecido nas frequentes aparições na mídia, em colunas semanais no jornal Folha de São Paulo e na revista Carta Capital. Editorial J entrevistou Safatle, que foi preterido este ano pelo PSOL na escolha do candidato ao governo do Estado de São Paulo. Ele também é incluído na nova geração de pensadores de esquerda, que pautou parte das manifestações de junho do ano passado, com a ideia de esgotamento dos dispositivos de representatividade política, disponíveis no atual modelo de democracia parlamentar.
“
O senhor foi um dos intelectuais mais ativos nas manifestações de junho do ano passado. Em 2014, ano de eleições e de Copa do Mundo, para onde desaguaram
as pautas levantadas durante aquele período? Elas ainda estão em latência, não conseguiram se constituir como pauta dentro do debate. Tem questões ligadas à reinvenção da democracia que, aos poucos, vão reaparecendo. Mas as pautas estão, ainda, muito em latência. Estas pautas devem aparecer nas eleições deste ano? Pouco provável. O que não significa que estarão perdidas. Talvez elas precisem de mais tempo para conseguir forçar a agenda eleitoral do país, que é muito resiliente a modificações. Hoje, quem é o maior inimigo da democracia? O sistema financeiro. Ele é o maior risco da democracia. Enquanto o sistema financeiro existir com essa força, com essa capacidade de lobby, de intervenção, nossa democracia vai ser uma simples farsa. Nos discursos, o senhor enfatiza a necessidade de uma reforma na tributação de grandes fortunas, para o estabelecimento de uma social-democracia efetiva, próxima ao modelo europeu. Qual a sua interpretação sobre a imobilidade e as poucas possibilidades destas reformas serem aprovadas, devido aos atuais mecanismos legislati-
vos do modelo brasileiro? Dentro da estrutura parlamentar, como ela é hoje, é uma reforma quase impossível. No entanto, ela é a mais necessária de todas. Então, vai muito da força política popular, para pressionar a criação de mecanismos de transformação. O senhor afirma que, no atual governo, acabaram-se as medidas anticíclicas. Há uma grande ruptura entre o segundo mandato do governo Lula e o primeiro mandato da Dilma? Há de se reconhecer que, no primeiro mandato do Lula, havia mais intervenções estatais do que no mandato Dilma, algo que eu realmente não esperava. O governo Dilma tentou, por exemplo, diminuir os juros bancários, fazer uma luta política contra o sistema financeiro brasileiro e abandonou isso em dois ou três meses. Este governo se mostrou muito fraco neste sentido, o que não significa que um terceiro mandato do Lula seria melhor. Simplesmente, houve um momento histórico da economia mundial que permitiu o Lula fazer as políticas que ele fez.
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Agosto
TENSÃO AO FAZER EDIÇÃO HISTÓRICA TEXTO
CAMILLA PEREIRA 6º SEMESTRE
F
“
echou” – anunciava à redação, à meia-noite de domingo (26/10), o diagramador Jonathas Costa. Estava pronta a edição de segunda-feira (27/10) do Correio do Povo, mais tradicional jornal de Porto Alegre. O fechamento do periódico costuma ser às 22h30 em dia tranquilo, mas a edição finalizada anunciando Sartori como novo governador do Estado e Dilma Rousseff reeleita presidente do país atrasou uma hora e meia. “Esse foi o fechamento de edição mais tranquilo pelo qual passei. Quando comecei, levava dias para terminar a apuração”, observou o diretor de redação, Telmo Flor. “Cheguei, num pleito, a entrar no jornal domingo de manhã e sair segunda de noite.” Às 18h de domingo, a edição começou a tomar forma. Os editores Dulci Emerim e Luis Augusto Kern, mais conhecido como Lak, e Jonathas, diagramador responsável pelas páginas de política, planejam a distribuição do conteúdo. Enquanto isso, no núcleo on-line, o editor Tiago Medina alimenta o Convertlive, sistema que permite a atualização rápida com pequenas frases ao vivo, atualiza a capa do www.correiodopovo.com.br e acompanha a Rádio Guaíba para novas informações. Trinta e três minutos
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depois, todos os canais do Correio anunciavam José Ivo Sartori como governador do Estado. Na troca de capa do site, que é o processo mais complicado desde que o portal do Correio foi renovado, Medina digitou, afoito, a nova chamada da manchete: “José Ivo Sartori é eleito governador do Estado”. Salvou as mudanças e recostou-se na cadeira, apreensivo. “Não adianta atualizar a capa de minuto a minuto. O sistema do site leva, mais ou menos, dois minutos para alterar a informação que o usuário vê. Toda vez que eu preciso trocar com uma informação importante é assim, fico nervoso”, revela. Ao faltar poucos minutos para às 20h, se aproxima o horário da divulgação dos resultados da eleição presidencial. O diagramador Pedro Dreher de-
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senha o primeiro rascunho do que será a capa do dia seguinte e comenta. “Aqui em cima vai um fotão do Sartori porque as pessoas se importam mais com o que está perto delas. Na parte inferior, vai a foto da Dilma, porque ela provavelmente deve ganhar. A foto é do mesmo tamanho, títulos em cima e legendas embaixo”, explica. Às 20h, todos olham ansiosos para a televisão ligada que vai divulgar os primeiros dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em seguida, Dilma é anunciada como a candidata vencedora, com cerca de 95% das urnas apuradas. “Vamos esperar chegar mais perto dos 100% para colocar na capa”, avalia Medina. Meia hora depois, o site www.cor reiodopovo.com.br exibe uma foto de Dilma Rousseff, em carreata do dia anterior, anunciando sua reeleição. Lak senta na cadeira relaxado: “Não tem o que fazer agora. Os repórteres não retornaram dos comitês ainda, não tem matéria”. Por isso, Lak decide escrever uma matéria especulando o secretariado de Sartori. Ele explica ter apurado, em off, durante a semana, possíveis nomes indicados ao governo peemedebista. Experiente, o editor escreve sem consultar anotações, valendo-se apenas da memória. O telefone toca e Lak atende: – Política, boa noite.
– Boa noite. Senhor, por favor, ponha no jornal que o país vai explodir. – Como o país vai explodir? – Vai explodir com esse monte de PT! – Meu amigo, por favor, seja breve, estamos com muito trabalho. Mais um minuto se passa. Lak encerra a ligação e desabafa: “Dia de eleição e a gente tem que aguentar essa gente falando da República Bolivariana! Fraude no TSE! E ainda me manda botar no jornal”. Preocupado com o avanço das horas, os editores Lak e Dulci decidem chamar de volta os repórteres que estão nos comitês dos candidatos. Ricardo Giusti, fotógrafo, apresenta aos editores as opções de imagens das agências de notícias. O repórter Iuri Ramos retorna do comitê de José Ivo Sartori às 22h12min, senta ao lado da colunista Taline Oppitz e escreve sobre o que acompanhou durante o dia. Ele cobriu a agenda do candidato peemedebista no domingo eleitoral. Três minutos mais tarde, Lak se agita: “Vou começar a enlouquecer. Ainda tenho uma hora até enlouquecer, não tem jornal ainda!”. Dulci, com olhar preocupado, reclama a foto da Dilma, do seu primeiro discurso como presidente após o pleito. Todo o conteúdo das páginas de política nacional do Correio é de agência e editado por ela. Na edição de segunda, são sete páginas de política, quatro sobre política local e três sobre política nacional. Às 22h30min, nenhuma página de política está pronta. Na diagramação, Jonathas corre contra o tempo. Pela sua experiência com infografia, ficou responsável pelas páginas da cobertura elei-
toral. A ideia é que as nacionais contenham 13 pequenos gráficos com os demais governadores eleitos, além de um mapa do Brasil que distingue a votação dos Estados para presidente. O deadline inicial da diagramação era às 22h30min. “A situação aqui está periclitante. São 23h, e eu não consigo colocar na página todos os governadores eleitos”, declara em meio à batalha com o ilustrador. Os repórteres retornam das ruas para escrever. Lak aguarda a produção, ansioso. Na pré-impressão, as páginas que estão prontas passam por teste de cor, e Telmo corre entre a sala dele e a redação. Atravessa a sala com um passo pesado, quase uma corrida, buscando página por página na sala da pré-impressão. As revisoras já estão trabalhando, correm atrás dos editores para pequenos consertos nas páginas ainda em revisão. Ufa! Fica pronta a edição anunciando “Novo estilo no Piratini” (José Ivo Sartori) e “Desafios da reeleição” (Dilma Rousseff).
Publicação original
Outubro
Destaques das coberturas e programas realizados pelo nテコcleo
Vテ好EO
T
odo dia, um boletim; toda semana, um telejornal ou programa temático. Essa foi a rotina do Núcleo de Vídeo em 2014, quando foram produzidos 18 telejornais, além de 33 boletins somando Blitz Cultural e Blitz da Copa – programetes produzidos inteiramente com dispositivos móveis. Os telejornais foram divididos em temáticos e factuais. Mais de duas horas e 20 minutos de conteúdo audiovisual foram publicados no canal do laboratório no YouTube, gerando cerca de 6 mil visualizações. No caso dos programas temáticos, os alunos escolhiam uma pauta e pensavam em como ele iria se desdobrar em diferentes abordagens. Os assuntos tratados foram: Mobilidade Urbana, Copa do Mundo, Especial Instituto de Educação, Viver do Passado e SET Universitário. O Mobilidade Urbana, primeiro de 2014 feito pelo Editorial J, apresentou a reportagem especial sobre acessibilidade de deficientes físicos em táxis e de deficientes visuais no centro de Porto Alegre, feita por duas repórteres: Daniely Medeiros e Raquel Baracho. O propósito do programa foi responder à pergunta: a mobilidade urbana da Capital suporta a quantidade de pessoas que virão na Copa do Mundo? Os repórteres do laboratório foram às ruas da cidade para testar. No programa especial sobre a Copa do Mundo de 2014, em junho, uma das reportagens tratou sobre a remoção de moradores da Vila Tronco para que uma das obras pudesse ser feita no local. Todas as reportagens abordaram assuntos ligados à
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competição e às transformações provocadas na cidade. O programa do Instituto de Educação surgiu a partir dos alunos da escola que vieram até a Famecos para uma oficina, e o enfoque desse Editorial J na TV foi mostrar os trabalhos elaborados pelos estudantes na escola. Uma das reportagens, feita por Bibiana Dihl, mostrou alunos que produziam chocolate para financiar a compra de sapatilhas para a oficina de dança do instituto. O programa Viver do Passado contou histórias de pessoas que procuram roupas em brechós, livros raros em sebos e peças centenárias em antiquários, assim como de idosos que jogam damas no Centro e de profissões antigas com clientes frequentes: barbeiro e alfaiate. O SET Universitário acontece todos os anos na Famecos. Na 27ª edição, o Editorial J fez um programa especial sobre o evento. Foram apresentadas duas entrevistas exclusivas: uma com o jornalista Geneton Moraes Neto, que trabalha na Rede Globo desde 1985, e outra com o também jornalista Luiz Cláudio Cunha, autor da série de reportagens realizadas entre 1978 e 1980, sobre o episódio conhe-
Alunas apresentam o especial Instituto de Educação
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cido como Sequestro dos Uruguaios, na Operação Condor. Foram cinco telejornais não temáticos, mais o programa especial que trouxe as principais reportagens na retrospectiva do ano. O Editorial J na TV do dia 19 de setembro exibiu a reportagem sobre a polêmica que envolve uso de facas no Acampamento Farroupilha, produzida pela estudante Jéssica Moraes. O mês é conhecido pelos gaúchos pelas comemorações do 20 de Setembro, que evoca os episódios da Guerra dos Farrapos. A reportagem de Carolina Zorzetto, no telejornal de outubro, denunciou motoristas que faziam uma manobra ilegal. Eles usavam áreas de postos de combustíveis como retorno, o que provocava insegurança em pedestres e frentistas. O último telejornal do Editorial J na TV do ano, produzido em novembro, veiculou uma pauta sobre a zona rural de Porto Alegre. A reportagem mostrou um lado da Capital desconhecido para muitas pessoas. Na Zona Sul, são plantados legumes, frutas e verduras, posteriormente comercializados na Centrais de Abastecimento do Estado do Rio Grande do Sul S/A (Ceasa) e na Festa do Pêssego no Bairro Vila Nova. Outro ponto forte do Núcleo de Vídeo do Editorial J foram os boletins Blitz da Copa e Blitz Cultural. O primeiro gerou 25 boletins, nos quais os repórteres falavam de algum ponto da cidade relacionado ao Mundial. Exemplos: Aeroporto Interna-
cional Salgado Filho, Estádio Beira Rio e locais de obras. O intuito era, em 60 segundos, atualizar as notícias daquele dia ou semana sobre os preparativos para a Copa. Os boletins da mesma semana eram reunidos, dando origem a um programa apresentado por um dos alunos. O Blitz Cultural seguia a mesma ideia. A partir do segundo semestre de 2014, repórteres iam a museus, galerias e exposições a fim de informar a audiência acerca de eventos culturais que poderiam ser visitados, o que resultou em oito programas publicados no YouTube.
Júlia Bernardi apresenta boletim do Blitz Cultural
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Como foi o rotina de produção da webradio Famecos Cast
ÁUDIO
A
Famecos Cast, webradio da Famecos, tem como marca a experimentação dos estudantes, desde a concepção dos programas até a produção, reportagem, apresentação e operação técnica. Ao longo de 2014, a emissora contou com 18 integrantes, fixos ou não, fazendo manchetes, roteiros, coberturas, reportagens, entrevistas e debates. O ano marcou a estreia, ainda sem periodicidade fixa, do programa Microfone Aberto, que conta com a participação de convidados, presencialmente ou por telefone, para abordar temas factuais de interesse público e conectados ao jornalismo e à comunicação. O ano também foi de manutenção de programas, como o Lente de Aumento, que promove debates sobre mídia, web, imprensa, mercado da comunicação, inovação e publicidade. Outra atração da webradio que permanece é o Bombou na Timeline, que apresenta destaques da internet, das redes sociais e do entretenimento, e o Enfoca, radiorevista da Famecos Cast, com destaques do dia, manchetes, previsão do tempo, serviço, aprofundamento em temas factuais, quadros, colunas e reportagens. Encerra a tarde da Famecos Cast o Resumo Esportivo, programa de debates esportivos, informações e notícias sobre diferentes modalidades, além de áudios e atualizações sobre partidas e competições. A equipe da Famecos Cast produziu cerca de 230 horas de programação ao longo do ano. Além da própria grade, a Famecos Cast deu suporte para a
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Rádio Saguão, criada para o desenvolvimento de entrevistas e prestação de serviços durante a realização do SET Universitário, maior evento da faculdade destinado a universitários de todo o Brasil. Também contribuiu na apresentação sobre o universo da rádio e das mídias sonoras para alunos de Ensino Médio na Feira das Profissões promovida pela universidade, em que estudantes puderam conhecer o funcionamento da emissora e participar de forma experimental. O ano marcou também a crescente integração de plataformas, com a participação recorrente de alunos dos núcleos de Impresso, Online, de Vídeo
e de Fotografia em pautas, entrevistas, debates e também como criadores de colunas e apresentando programas. Foram dez diferentes colunas desenvolvidas, sobre temas como política, esporte, cultura e internet. Cerca de 800 ouvintes acompanharam a rádio ao longo do ano. Outro evento que contou com cobertura de parte da equipe da Famecos Cast foram os Jogos Maristas. Os repórteres da Famecos Cast fizeram narração, comentários, reportagem em diferentes modalidades e plantão. O evento contou com mais de 1,1 mil visualizações em quatro dias na plataforma ustream.
ROTINAS A Famecos Cast conta com produção diária. Enquanto programas como o Lente de Aumento demandam ampla pesquisa e aprofundamento em temas de grande repercussão e impacto social, o Enfoca obriga os estudantes a editarem notícias, previsão do tempo, áudios de repercussão sobre temas do dia, manchetes da internet, esportes, comunicação e fatos históricos. Também ocorreram, em 2014, diversas entrevistas durante o Enfoca para divulgar assuntos da universidade e externos. Foram produzidos conteúdos específicos para o áudio, como a reportagem especial sobre a criação de refúgio para a vida silvestre em Porto Alegre, a pauta sobre tecnologia e acessibilidade para pessoas com deficiência visual, o pro-
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grama especial sobre a história das Copas, o trabalho sobre vacinação contra o HPV, o especial sobre os 20 anos da morte de Ayrton Senna e entrevistas com o filósofo Vladimir Safatle e o jornalista Juca Kfouri. O ano também foi marcado por maior aproveitamento do material gerado pelas disciplinas de radiojornalismo do curso de Jornalismo da Famecos, como as reportagens especiais de Radiojornalismo 3, os programas especiais de Projeto Experimental em Rádio e os documentários elaborados nas disciplinas de estágio. Desta forma, os estagiários da Famecos Cast puderam se integrar também com outras equipes e compreender melhor a inserção dos exercícios práticos das disciplinas em uma rádio experimental.
APÊNDICES
TODAS AS PÁGINAS DO
IMPRESSO
EDIÇÃO 14
ABRIL/MAIO 2014 • NÚMERO 14 • FAMECOS/PUCRS • WWW.PUCRS.BR/FAMECOS/EDITORIAL J
Polos arrecadam R$ 5,4 bilhões
Levantamento exclusivo feito pelo Editorial J calcula o valor acumulado da receita das praças privadas de pedágio ao longo de 15 anos de contrato com o Estado PÁGINAS 6 E 7
CADERNO ESPECIAL
Raízes da diferença Por que as mulheres ainda recebem menos do que os homens no Brasil
50 anos de um golpe na história do Brasil
PÁGINAS 8 E 9
DIAGRAMAÇÃO:
Anna Cláudia Fernandes/Bruno Ibaldo/Carine Santos/Flávia Drago/Kimberly Winheski
CADERNO:
O ibope da psicopatia Como os desvios comportamentais cativam a audiência na televisão
50 anos da ditadura
Pró-reitora Acadêmica Mágda Rodrigues Cunha FAMECOS Diretor João Guilherme Barone Reis e Silva
Coordenador do Editorial J Fabio Canatta Coordenadora de produção Ivone Cassol Projeto gráfico Luiz Adolfo Lino de Souza e Núcleo de Design Editorial/ Espaço Experiência Professores responsáveis Alexandre Elmi, Fabio Canatta, Flávia Quadros, Ivone Cassol, Marcelo Träsel, Marco Villalobos, Paula Puhl, Rogério Fraga e Tércio Saccol Alunos editores Bibiana Dihl, Caroline Ferraz, Guilherme Almeida,Thamíris Mondin, Thiago Valença e Victor Rypl Alunos Amanda Gonçalves, Amanda Oshida, Ana Paula Conrad, Antônio Carlos de Marchi, Bruna Gassen, Bruna Goulart, Bruna Zanatta, Bruno Ibaldo, Carine Santos, Caroline França Medeiros, Daniely Medeiros, Dimitri Barcellos, Douglas Agostinho, Douglas Cauduro, Edna Alves, Eduardo Deconto, Elisa Célia, Fernanda Mazzocco, Fernando Bacoff, Frederico Martins, Gabriel Correa, Gabriel Palma, Gabriela Brasil, Gabriela Giacomini, Gabriel Golçalves, Jéssica Tarantino, João Alexandre Rodrigues, João Pedro Arroque Lopes, Júlia Alves, Júlia Bernardi, Júlia Braga, Julia Tarrago, Julian Schumacher, Juliana Bonotto, Karyne de Oliveira, Kelly Freitas, Kimberly Winheski, Luiza Menezes, Laura Marcon, Manoela Tomasi, Mariana Fritsch, Mariana Lubke, Mariana Melleu, Marina Spim, Marianne Santiago, Maura Meregali, Natalia Rodrigues, Nathalia Adami, Pamela Floriano, Pedro Francisco Pacheco, Rafael Ferri, Rafaela Johann, Raquel Baracho, Renata Araújo, Renata Fernandes, Ricardo Miorelli, Rômulo Fernandes, Stephanie Gomes, Sofia Schuck, Thiago Rocha, Yanlin Costa e Yasmin Luz
Laboratório convergente da Famecos www.pucrs.br/famecos/editorialj
Uma praça chamada Harald Edelstam
Cruzando os dados
PUCRS Reitor Ir. Joaquim Clotet Vice-reitor Ir. Evilázio Teixeira
Coordenadora do Espaço Experiência Denise Avancini
memória
papo de redação
Jornal mensal do Laboratório de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Avenida Ipiranga, 6681 Porto Alegre/RS
Coordenador do curso de Jornalismo Fábian Chelkanoff Thier
PÁGINAS 4 E 5
P O R Victor Rypl (8º sem.)
A
reportagem “A matemática dos pedágios” surgiu a partir da descoberta de um documento do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), que trazia dados sobre o trabalho das concessionárias de pedágio durante cada um dos 15 anos de contrato com o governo do Estado. O Editorial J começou a trabalhar com o arquivo no meio do primeiro semestre de 2013, inicialmente criando um banco de dados com a totalidade desses números, mas organizando, a partir deles, valores novos. As informações do documento intitulado Relatório de acompanhamento do programa de concessões do Rio Grande do Sul - 1998 a 2012 - Relatório N° 27, disponível no site do Daer, foram passadas para uma planilha nova. Trabalhamos principalmente com os valores de receita e gastos com a estrada, divididos entre investimento, manutenção e conservação. Esses dados foram escolhidos pois eram os que mais impactavam na população do Estado, revelando o quanto ela contribuiu e recebeu de volta. A reportagem permitiu adotar estratégias de apuração do jornalismo de dados, que está se tornando tendência nas redações. A experiência de tentar traduzir a montanha de valores e porcentagens em algo que fizesse sentido ao leitor foi um processo de produção um pouco diferente do normal, devido a sua complexidade, mas permitiu entender melhor a pauta e o que realmente era importante. Uma grande parte dos números não teve espaço na reportagem, por mais que tenham ajudado a entender melhor a história dos polos. Os valores e porcentagens entraram no texto conforme a necessidade da pauta. Algo que ajudou na construção da matéria foi a criação de gráficos como procedimento anterior à análise. Foi mais fácil tirar conclusões dos valores dessa maneira do que encarando uma planilha de Excel.
PASSO A PASSO
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O ponto de partida foi o site do Daer, no qual continha um documento sobre o trabalho das cencessinárias de pedágio durante os 15 anos de contrato.
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O documento, denominado Relatório de acompanhamentos de programa de concessões de rodovias do Rio Grande do Sul, trazia os valores e gastos com as principais estradas estaduais.
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Estes dados foram divididos em uma planilha por seções tais como investimentos, manutenção e conservação. O objetivo era avaliar o quanto foi aplicado e o quanto o Estado recebeu de retorno nas estradas.
4
Criamos elementos gráficos no estilo de cartões para melhor visualização dos números, a fim de que o leitor tenha mais facilidade em comparar os valores investidos.
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EMB A IX A DOR S UECO ES T Á P R ES T ES A S ER HOM EN AG EA DO COM P R A ÇA EM P ORTO A L E G RE
Olhar para trás A prática do jornalismo está ligada à ideia de atualização e de que é preciso correr contra o tempo presente. Mas há também o registro e o resgate, elementos fronteiriços que deixam o trabalho do jornalista entre o passado, o presente e o futuro. A imprensa é uma constante criadora de arquivos que poderão ser resgatados para que a História seja conhecida e estudada depois. No ano em que o Brasil pontua cinco décadas do golpe que instalou a ditadura militar no país por 21 anos, o Editorial J olhou para trás para rememorar parte das consequências daquele momento. Cinquenta anos podem ser pouco para a História, mas foram suficientes para desconectar trajetórias de pais, filhos e netos. O mais comum de se ouvir dos jovens é que a ditadura e o golpe não são assuntos comentados em casa, mesmo que seus pais tenham vivido o período. Esta desintegração geracional é perigosa, porque a memória que não existe deixa espaço para repetições. Com a redemocratização, o regime autoritário aplicou uma sistemática de esquecimento a partir da versão oficial, que excluía a memória dos silenciados. Abrandando o academicismo do texto histórico, o jornalismo pode fazer a ponte entre a sociedade e o seu passado dissolvido. A partir disso, revigora-se a memória coletiva , a maior defesa de um povo e fator essencial para que patologias políticas e sociais não se repitam.
Arquivo do Museo de la Memoria y de los Derechos Humanos
POR Julia Bernardi (3º sem.)
P
orto Alegre pode ganhar uma praça, cujo nome será uma homenagem ao embaixador sueco que salvou milhares de vidas nos primeiros instantes do regime militar de Augusto Pinochet, no Chile. Por iniciativa do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), a prefeitura da Capital procura um local para batizar com o nome do diplomata Harald Edelstam. O prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, abraçou a causa da instituição, em reunião no início de 2013 com o MJDH. A ideia inicial era escolher uma praça próxima à Arena do Grêmio, no bairro Humaitá, mas uma vistoria do local descartou a ideia. De acordo com o secretário de Comunicação Social de Porto Alegre, Flávio Dutra, ela não atendeu as especificações do projeto e uma nova praça está sendo escolhida. O projeto surgiu em 2012 com a exibição de um filme sobre o trabalho de Edelstam, produzido para comemorar os 100 anos de seu nascimento. A vida de Edelstam é de um herói. Em 11 de setembro de 1973, Pinochet derrubou o então presidente Salvador Allende com um golpe militar. Em meio a este cenário, o embaixador se comportou como um defensor da Justiça. No dia 30 de outubro de 1973, levou para a Suécia, em um avião alugado no Chile, um grupo de mais de 20 pessoas. Dias após, foi considerado persona non grata no Chile e ficou impedido de voltar. O diplomata salvou, entre os presos que estavam no Estádio Nacional do Chile e em todo o território chileno, mais de mil pessoas, entre uruguaios, paraguaios, brasileiros, cubanos e chilenos. Falava como o representante do povo sueco no Chile e conquistava, como diplomata, respeito de outras nações.
Diplomata usou influência para salvar militantes ameaçados pelo regime de Pinochet em 1973 no Chile A carreira de Edelstam como diplomata se iniciou em 1939, na Segunda Guerra Mundial, em Berlim, depois na Noruega, quando houve a invasão dos nazistas. Ajudou muitas pessoas da mesma forma. Após, em 1954, na Guatemala no golpe que derrubou Jacob Arbenz, o alvo da sua atuação foi salvar indígenas. Em 1978, trabalhou na Espanha, e terminou sua carreira em 1979, na Argélia. Ele é lembrado pelas pessoas que salvou como um howmem astuto. Tinha mais de 1m90cm de altura, nariz largo, mistério no sorriso e sensibilidade aguçada. Em razão de todo esse trabalho em prol da defesa do ser humano, o professor Marco Antônio Villalobos com os alunos do núcleo de vídeo do Editorial J realizou em 2013, o docu-
mentário Harald Edelstam - O Nome da Esperança,vencedor do prêmio Direitos Humanos de Jornalismo de 2013, na categoria acadêmica. “Pessoas como Harald Edelstam não se encontram mais no mundo”, diz Belela Herrera, esposa do embaixador uruguiaio no Chile, entrevistada no documentário. As entrevistas e as pesquisas históricas realizadas para o documentário permitiram traçar um perfil de Edelstam. O diplomata queria despertar a opinião pública mundial, sobre o que ocorria nas cadeias e nos centros de tortura que os militares haviam instalado. “Não conhecemos nenhum outro embaixador no período que teve esta atitude”, emociona-se Milton Gianoni, exilado uruguaio. Exilados uruguaios no Chile
wcontam que estavam na resibreviveu em função do envolvidência de Raul Rodriguez, um mento do embaixador da Suécia. militante Tupamaro, quando “Qualquer outro não teria feito o um ônibus levou todos para que ele fez: arriscar-se por deso Estádio Nacional do Chile. conhecidos, que não tínhamos “Havia tortura por as mesmas ideias todos os lados do políticas que ele”, Estádio Nacional do afirma. Assista ao documenChile, muita genO MJDH, mentário sobre o diplomata te assassinada que tor dessa homena-
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qualquer um poderia tropeçar em um cadáver a qualquer momento. Desespero e simulações de fuzilamento”, conta Rodriguez, também entrevistado no documentário. O Estádio Nacional do Chile era um lugar de horror e tortura, onde Edelstam atuou para tentar evitar um número maior de mortes. Rodriguez conta que so-
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gem, é um movimento que apura os abusos dos regimes militares na América do Sul. O presidente da instituição, Jair Krischke, diz que segue na luta para que a praça saia do papel.Diante de todas essas histórias de vidas modificadas, a praça pretende ser uma parte da homenagem de Porto Alegre ao trabalho de Edelstam.
psicologia
Perigosa atração PERSONAGENS DE SERIADOS DE TV E C RIMINOSOS C OM TRAÇ OS DE
A atração por personagens problemáticos pode sair da televisão e invadir o mundo real. Existem casos de pessoas, geralmente do sexo feminino, que se apaixonam fantasiosamente por sujeitos perigosos ou que cometeram algum tipo de crime. Este comportamento é classificado como hibristofilia, uma conduta sexual onde o prazer não se encontra no ato sexual, e sim no imaginário. A hibristofilia ganha espaço na internet, principalmente em blogs pessoais como o Tumblr. Nestes websites onde há o compartilhamento de interesses, muitas meninas trocam informações a respeito de presidiários e criminosos que já estão mortos – desde o endereço da penitenciária até discussões sobre a personalidade e vida pessoal deles. Um dos sites mais conhecidos pelas ditas hibristofílicas é o truecrimehothouse.tumblr.com. A dona do blog , que não se identifica, dá dicas sobre como mandar a primeira carta para um detento e aborda outras questões sobre quem quer começar a manter contato com eles. Apesar de dedicar muito tempo ao assunto, ela não se considera hibristofílica, pois seu interesse nestes infratores é estudá-los de forma psicológica e por que eles cometeram seus crimes. Quando questionada a respeito da possível hibristofilia de suas leitoras, ela diz que algumas são legítimas e outras apenas garotas jovens e inseguras. “Acho que algumas garotas se atraem por bad boys e algumas se sentem seguras em começar um relacionamento com um preso, principalmente com aquele que nunca vai ser solto. Quando eu digo ‘segura’, quero dizer que elas sabem que o prisioneiro não vai traí-las fisicamente”, explica a dona do website. “Algumas mulheres com história de abuso começam relacionamentos com estes presos porque estes homens estão cumprindo [prisão] perpétua e não podem abusar delas. Vejo o quão perturbador é o fato de que algumas meninas bajulem jovens assassinos e mais velhos também, mas isto pode passar, como também pode não passar”, comenta. Já as hibristofílicas legítimas apresentam essa atração em consequência de fatores que vão desde traumas com relacionamentos
Costumava ser uma espécie de vítima da vida. Sem muito dinheiro, trabalha em mais de um emprego para sustentar a família – um deles como professor de química. Descobre que tem câncer e acaba liberando o que há de pior em si. Deixa de ser o professor quieto, virando um assassino e grande comerciante de metanfetamina.
PSICOPATIA CONQUISTAM UM NÚMERO C ADA VEZ M AIOR DE ADMIRADORES P O R Flavia Drago (8º sem.) e Betina Carcuchinski (2º sem.)
Dexter, Eric e Dylan têm em comum uma personalidade denominada pelos especialistas de perversa, que pode resultar na psicoalvez esta seja a execupatia. A desordem está ligada aos ção mais difícil que Dexcasos de tiroteios, principalmente ter já fez. Normalmente, nas escolas norte-americanas e quando mata alguém, hoje tem se mostrado presente ele não sente nada além do prazer não só nestes episódios de violênde acabar com uma vida. Só que cia, mas também nas telas de TV. desta vez será diferente: a vítima é A psicopatia é um transtorno que seu próprio irmão. As leis de Dexacumula admiradores no univerter são claras: é permitido matar se so televisivo e amores platônicos a vítima também for um matador entre adolescentes. em série – mais do que permitido, Existe uma fórmula utilizaé necessário. O próprio irmão de da pelos roteiristas de seriados Dexter é um serial killer e por que vem dando certo entre os este motivo é amarrado na mesma telespectadores: apostar em percama que utilizava para matar sonagens que se distinguem dos prostitutas inocentes. Enquanto demais pelo seu comportamento ata o irmão à cama, Dexter ouve, atípico, colocando-os para viver em pensamento, “ele é seu irmão, em ambientes com situações cotimas ameaçou sua irmã adotiva. É dianas. Estes protagonistas apreum risco a ser combatido” e “você sentam distúrbios de personalidanunca teve sentimentos, Dexter”. de e, alguns deles, são assassinos, O personagem hesita, mas precisa cínicos e mentirosos – a exemplo continuar: ajoelha-se aos pés da dos seriados Dexter, Sopranos e cama e, com uma faca afiada, corta Breaking Bad. De acordo com o o pescoço e o deixa sangrar até a roteirista Gibran Dipp, o segredo morte. do sucesso é colocar estas figuras Por um ano, Eric Harris e problemáticas e fazê-los interagir Dylan Klebold planejam em seus em um cenário dominado por quartos um massacre na Columbiregras sociais e éticas conhecidas ne High School ao estilo do videopela audiência. game DOOM. Depositam bombas Além das caracem três pontos na esterísticas que levam cola, compram duas a crer em um diagcaçadeiras, uma pisEle faz nóstico psicopata, tola semiautomática são retratados nos e um rifle de assalto o que, de seriados os motivos de 9 mm. O plano forma instidestes personagens inicial é explodir os serem como são. artefatos no refeitiva, as pes“Existe sempre uma tório na hora do resoas gostajustificativa para creio. Quem sair vivo suas ações, provopelos portões deve riam.” cando no público um ser alvejado pelas arGibran Dipp sentimento de pena e mas. As bombas, no compreensão”, analisa entanto, não exploDipp. Os seriados também dem. Os dois garobuscam a empatia pela identifitos, que em dois meses se formacação. O telespectador chega à riam, entram na escola atirando a conclusão de que não está sozinho esmo. O saldo total é de 13 mortos ao sentir vontade de agir de forma e 21 feridos, além do suicídio dos não pensada e fora da conduta dois atiradores na biblioteca. social. “Há uma admiração em rePode parecer absurdo, mas lação ao personagem corrompido, cenas como a retratada no seriado pois ele faz o que, de forma instinDexter e a do tiroteio que acontetiva, as pessoas gostariam de fazer ceu na região de Columbine (Estaum dia: roubar, matar, violar a lei dos Unidos), em 1999, têm atraído sem sentir culpa depois - pois espessoas que se identificam com o tas são ações que, devido à ética e comportamento dos assassinos.
Amor platônico por autores de crimes
Walter White (Breaking Bad)
T
O T R A N S TOR N O Segundo a psicóloga Débora Coelho, a psicopatia se encaixa no que se conhece como personalidade perversa. São indivíduos que não obedecem às leis, mas preferem adotar uma própria lei e acreditam que as suas regras são melhores, desejando que as pessoas ao seu redor as sigam. Segundo a psicóloga, o perverso não experimenta a empatia, não demonstra compadecimento com o próximo, não sente culpa pelas coisas que comete e carrega forte narcisismo.
Dexter (Dexter) É um assassino, mas a grande diferença deste personagem dos demais é que ele direciona seu transtorno para a extinção de quem ele acha que merece morrer. Segue, portanto, uma ética inventada por seu pai (Código de Harry) no qual ele só poderá matar assassinos.
“
empatia impostas pela sociedade, são impedidas de serem realizadas”, diz o roteirista. Marcelo Pereira, músico e estudante de psicologia, é um destes telespectadores que se considera fã das três séries. Para ele, o que atrai nestes personagens é justamente o fato deles fugirem das regras sociais. “É muito mais interessante e divertido de assistir estes tipos de seriados do que aquele no qual o personagem certinho segue a bondade à risca”, admite. Pereira, que sempre se interessou pelo comportamento dos psicopatas, sociopatas e criminosos, acredita que Dexter segue as leis impostas pelo próprio pai ao matar criminosos porque, desta forma, pode se sentir menos culpado. “Ao mesmo tempo, ele segue um raciocínio maquiavélico, utilizando meios que nem sempre são os melhores
ou mais éticos para justificar o seus fins. Isso só torna o personagem mais interessante”, acrescenta. Para quem acompanha estas séries, os meios não convencionais de conquistarem um objetivo por muitas vezes têm a sua razão. “No caso de House, é fazendo literalmente qualquer coisa que ele puder para salvar um paciente. No caso de Walter [personagem de Breaking Bad], ele resolve fabricar meta-anfetamina para poder deixar uma boa herança à sua família quando ele morrer. Por causa disto, eles se tornam anti-heróis, fazendo coisas erradas, sendo grosseiros e reclusos, tudo por um bem maior (ou pelo menos é a maneira que entendem o que fazem)”, avalia Pereira. Segundo o psiquiatra Gabriel Gauer, especialista em Ciências Criminais, são diversos os fatores
que colaboram para o desenvolvimento da psicopatia. “Existe a genética, que acaba tornando o indivíduo predisposto a ser psicopata, e também depende de como foram os traumas, a infância e se sofreu abusos sexuais ou psicológicos”, explica. Para ele, a psicopatia tem como característica a vontade de exercer poder sobre os outros. “Muitos do que praticam crimes e gostam de ver suas vítimas sofrerem é porque de alguma forma sofreram abusos. Há uma inversão de papéis, pois no momento do crime ele se sente no controle”, analisa Gauer. Além disso, o psicopata pode ser caracterizado como um mentiroso crônico, pois acredita controlar a verdade. Também é frequentemente descrito como sedutor, que envolve as pessoas em sua personalidade perversa.
Tony Soprano (The Sopranos) Pertencente à máfia italiana residente em New Jersey (EUA), é o protagonista da série e possui cargo importante na família DiMeo. Tony passa a se consultar na série com uma terapeuta para tratar a depressão e crises de síndrome do pânico.
antigos, até o simples gosto pelo perigo. Ao mesmo tempo, podem se sentir atraída porque busca um elemento transgressor na sociedade. Quando questionadas sobre o próprio comportamento, algumas meninas não sentem vergonha de falar sobre o que sentem em relação aos criminosos. Uma destas garotas, que se chama na internet “senhora Eric Harris”, explica que, desde sempre, interessou-se por assuntos soturnos. “Lembro de ler histórias sobre crime quando jovem e me atrair pelos personagens. Para mim, é o homem violento e não o ato de violência que excita. Acho sexy que eles queiram fazer coisas más e que suas mentes sejam escuras e desequilibradas. É o poder deles e o estar tão vulnerável com alguém”, diz. Ao mesmo tempo, ela sente que poderia ter feito algo pelo Eric Harris. “Às vezes eu queria ter ajudado eles e os amado, pois era isso que eles precisavam. Toda mulher com hibristofilia quer um homem sombrio e perigoso que poderia matar ou torturar alguém sem pensar duas vezes, mas é gentil e amável com suas mulheres”, admite. Débora explica que a mulher tem, de forma inata, um sentimento materno de proteção. “Elas acreditam que o amor pode curar tudo”, explica. Além disto, a mulher sente que tem poder quando um homem que não demonstra afeto pela sociedade em geral, mas consegue unicamente amá-la. Existe uma tendência em mulheres masoquistas de se unirem a um agressor. De acordo com a psicóloga, não se pode dizer que todas que se apaixonam por criminosos sejam masoquistas, mas há sempre a questão do vínculo. Alguém que tem traços sádicos apresenta uma pré-disposição a buscar um par com características violentas semelhantes. Sendo um fator de vínculo, admiração ou identificação, os especialistas consideram complicado classificar adolescentes como hibristofílicas. “A adolescência é uma época muito peculiar. Todo o comportamento do adolescente é patológico, então não se diz que há alguma coisa muito forte acontecendo psiquicamente, porque crescer é um momento maluco. Ter comportamentos bizarros na adolescência – e isto é normal”, avalia a psicóloga.
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estradas
A matemática bilionária dos pedágios P O R Victor Rypl (8º sem.)
O Editorial J produziu um retrato do trabalho das concessionárias de pedágio, que administraram as rodovias do Estado durante 15 anos. POr meio das informações de um documento do Daer foi construído um banco de dados descrevendo a atuação em cada um dos sete polos rodoviários cedidos pelo governo. A iniciativa privada gastou nas estradas R$2,7 bilhões dos R$5,4 bilhões que ganhou durante o contrato, com valores corrigidos pelo IPC-A. Em 2013 foi substituída pela empresa pública EGR, que promete mais investimentos mesmo com uma diminuição no preço dos tarifas.
E
tende trabalhar sem lucro, aplicando 80% m 15 anos, R$ 5,4 bilhões foram de sua arrecadação nas estradas, gastando arrecadados pelas empresas con50% em manutenção e conservação e 30% cessionárias de pedágios no Rio em investimentos. Os 20% restantes serão os Grande do Sul. No mesmo período, custos administrativos. “Ainda não foi possível as administradoras aplicaram R$ 2,7 bilhões alcançar essa meta, pelo número de licitações nas estradas, gastando R$ 1,2 bilhão em inem andamento”, explica o presidente da emvestimentos e R$ 1,5 bilhão em manutenção e presa Luiz Carlos Bertotto. Os valores estão conservação. Os valores foram obtidos depois em discussão, porque não foram definidos de um trabalho de cruzamento de dados pupara quais impostos a EGR é imune. Ainda blicados em um documento do Departamento não está determinado se a empresa pública Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), pagará o Imposto Sobre Serviços (ISS) para as intitulado Relatório de acompanhamento do prefeituras e Imposto de Renda, por exemplo. programa de concessões do Rio Grande do Enquanto nas praças comunitáSul - 1998 a 2012 - Relatório rias o custo do pedágio continuará N° 27. Nele constam números o mesmo, nas antes administradas anuais sobre a receita e os pelas concessionárias a tarifa será gastos de cada um dos polos Ainda 26% menor, resultando em uma rodoviários do Estado durante não foi diminuição da receita na mesma a década e meia de contrato. O porcentagem. Bertotto entende dinheiro aplicado nas estradas possível que, mesmo com a arrecadação foi dividido nas categorias alcançar a menor, vai sobrar muito mais diinvestimento, conservação e nheiro para as estradas. manutenção. As despesas de meta.” Aplicando a previsão da EGR conservação são serviços mais Luiz Carlos aos dados do Daer, constatou-se leves como roçada e limpeza, Bertotto que a promessa da empresa pode enquanto as de manutenção se concretizar. Durante os 15 anos são operações mais complexas, de contrato, apenas os polos que serão como tapar buracos e retirar administradas pelo Estado a partir de agora terra. Os valores de 1998 a 2011 foram corarrecadaram R$ 4,2 bilhões e gastaram R$ 2 rigidos para dezembro de 2012 através do bilhões nas estradas. Se esta distribuição fosse IPC-A, permitindo a criação de números que preservada no modelo da estatal, com uma reretratassem a totalidade do contrato. ceita 26% menor e 80% aplicada nas rodovias, A partir dos cálculos, comparou-se o traos valores gastos na estrada seriam 19,24% balho das concessionárias com o novo modelo maiores, com R$ 2,4 bilhões. Esse aumento de administração das estradas no Estado. A aconteceria principalmente na manutenção, Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) assumiu que cresceria 31,25%, enquanto os investimenao longo de 2013 os polos Metropolitano, Gratos subiriam em 3,46%. mado, Lajeado, Caxias do Sul e Santa Cruz do A EGR assumiu os últimos compromissos Sul, além das praças de pedágio comunitárias, combinados para o seu primeiro ano de exisque eram responsabilidade do Daer durante tência. Na virada do ano, passou a administrar o período das concessionárias. A estatal pre-
“
os polos Metropolitano e Gramado. A empresa do governo do Estado já controlava os polos de Lajeado, Santa Cruz do Sul e Caxias, junto dos pedágios comunitários de Coxilha, Portão e Campo Bom, que antes pertenciam ao Daer. Essas praças foram assumidas no dia 15 de fevereiro de 2013 e constituíram a primeira arrecadação da empresa. A EGR foi criada pelo governo Tarso Genro (PT) seguindo o modelo das praças de pedágio comunitárias. A iniciativa marcou um abandono do modelo das concessões, que foi aplicado em 1997 em um acordo que cedeu os polos rodoviarios do Estado para a iniciativa privada por 15 anos. Enquanto o contrato firmado durante o governo Antônio Britto (PMDB) previa as obras a serem realizadas durante toda a sua duração, o modelo estatal irá investir conforme houver recursos em caixa, seguindo decisões de conselhos comunitários. Bertotto afirma que a retomada das estradas pelo governo não foi uma aventura, porque já havia uma experiência exitosa na administração de rodovias com as praças comunitárias. Ele aponta o fato de que foram realizados investimentos nessas estradas como duplicação de vias, mesmo sem o Daer aplicar todos os recursos arrecadados. Bertotto defende que, apesar de as rodovias não terem o mesmo padrão estético das anteriormente comandadas pela iniciativa privada, em termos de estrutura elas são ainda melhores. A diferença entre o que era praticado nessas praças comunitárias e o momento atual é que se viu a necessidade de uma empresa e não de um departamento. Enquanto a receita dos pedágios do Daer ia para o caixa único do Governo, a arrecadação da EGR é administrada pela própria empresa. O modelo de negócios da EGR é criticado pelo especialista em transportes Luiz Afonso Senna, que afirma ser “errado” cobrar por um
delária) por determinação da Justiça. O motivo serviço que ainda não está sendo prestado. seria a ausência dos serviços essenciais, como “Não faz sentido cobrar pedágio sem um croguincho e ambulância. Bertotto defende que, nograma de obras”, diz ele. Como trabalha sendo uma empresa pública, a EGR tem uma exclusivamente com o que arrecada nas praestrutura diferente das concessionárias privaças, a empresa estatal começou sem o dinheiro das e que, dessa forma, utiliza os serviços de necessário para realizar investimentos. A EGR órgãos do próprio governo, especializados na foi criada com um capital de R$ 500 mil, desigprestação de socorro, como o Serviço de Atennado para infraestrutura administrativa e condimento Móvel de Urgência (Samu), o Corpo tratação de pessoal. Esse modelo é diferente do de Bombeiros e o guincho do Departamento utilizado anteriormente pela iniciativa privada. Estadual de Trânsito (Detran-RS). Segundo Em 1998, primeiro ano do contrato das ele, o modelo se assemelha ao que o Daer concessionárias, as empresas aplicaram adotava quando administrava os pedágios covalores consideráveis nas estradas, mesmo munitários. Bertotto admite que trabalhando com pouca receita. houve uma demora no processo Polos como o Metropolitano, de firmar os convênios com o DeLajeado e Caxias gastaram nas tran-RS e os bombeiros e associa rodovias 838,81%, 497,48% e Não faz isso à burocracia pela qual uma 419,46% do que arrecadaram, sentido empresa estatal é submetida. “O respectivamente. Para Senna, Estado tem uma burocracia diesse investimento alto no início cobrar ferente, não posso simplesmente do contrato é o que justifica o pedágios ir até a esquina e contratar uma fato de que, nos últimos anos das empresa”, explica.— O presidente concessões, não se investia uma sem obras.” garante que, ainda sim, nenhum parcela grande da receita. “A Luiz Afonso atendimento foi prejudicado. concessionária não é uma ladra Senna Outra questão que levou a e nem a Madre Teresa”, brinca: EGR aos tribunais em 2013 foi o “Ela se comprometeu a realizar repasse do ISS. As concessionárias um serviço durante 15 anos e chegavam a repassar às prefeituras uma alícumpriu”. quota de até 5% da arrecadação. Para BertotBertotto afirma que a EGR já está pronta to, a questão, de novo, diz respeito ao caráter para trabalhar, após um ano de existência. público da empresa, que a tornaria imune “Hoje já temos recursos para fazer manutenao imposto. “Se os municípios acharem que ção e conservação, e também para investimennão [são imunes], e nós entendermos que tos”, explica. Ele garante que, caso seja necessim, quem vai decidir é a Justiça”, alega. sário realizar um investimento que precise de Ainda segundo ele, as empresas terceirizamais recursos do que a empresa tem em caixa, das, contratadas pela EGR para realizarem ela pode ter aportes do governo por um períoos serviços de arrecadação, manutenção, do determinado, ou realizar financiamentos. conservação, pintura e ampliação das rodoEm seu primeiro ano de atuação, a EGR já vias, repassam o imposto para as prefeituras teve de interromper a cobrança em três praças mensalmente. de pedágio, (Encantado, Venâncio Aires e Can-
“
Como foi
Como seria
A distribuição de recursos no modelo de concessionárias, nos polos que a EGR assumiu:
Como ficaria se a EGR aplicassse sua proposta de divisão sobre os valores do modelo anterior:
R$ 4,2 bilhões
R$ 3,1 milhões
R$ 1,2 bilhão
R$ 1,6 milhão
R$ 904 milhões
R$ 935 milhões
Receita
Manutenção
Receita
Manutenção
Investimentos
Investimentos
+ Confira a base de dados em http://www.eusoufamecos.net/ editorialj/banco-de-dados-pedagios/. É possível pesquisar: • Divisão dos gastos. • Fatia de cada polo. • Evolução anual. • Comparação entre polos.
O raio-X A partir de documentos disponíveis no site do Daer, o Editorial J agrupou os principais números dos polos entre os anos de 1998-2012. A apuração exigiu que a reportagem montasse uma nova base de dados, para cruzamentos e comparações. As fichas ao lado mostram o montante da arrecadação, os valores aplicados em investimento, os recursos com manutenção (e conservação), a extensão total e qual foi o tráfego no período. Em 15 anos, 564.011.370 veículos circularam pelos trechos – é como se cada veículo da atual frota gaúcha tivesse atravessado cem vezes pelo menos uma das cancelas.
Metropolitano Receita
R$ 1.259.151.761,98
Caxias Receita
Vacaria
R$ 803.170.109,48
Receita
Gramado
R$ 443.113.919,38
Receita
Carazinho
R$ 264.731.263,14
Receita
Santa Cruz do Sul
R$ 733.491.146,82
Receita
R$ 580.273.435,95
Lajeado Receita
R$ 1.304.989.183,32
Investimento
20,78%
Investimento
20,07%
Investimento
17,09%
Investimento
14,89%
Investimento
30,37%
Investimento
30,67%
Investimento
Manutenção
26,75%
Manutenção
30,78%
Manutenção
48,34%
Manutenção
39,12%
Manutenção
42,27%
Manutenção
35,81%
Manutenção
Extensão Tráfego
535,77 km 149.592.730 veículos
Extensão Tráfego
191,07 km 98.302.962 veículos
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Extensão Tráfego
141,84 km 43.670.045 veículos
Extensão Tráfego
144,07 km 38.016.044 veículos
Extensão Tráfego
250,4 km 75.139.343 veículos
Extensão Tráfego
207,87 km 36.626.600 carros
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Extensão Tráfego
20,21% 34,23% 328,78 km
122.663.646 carros
economia
A pressão cultural que tende a cimentar os gêneros em papéis pré estabelecidos é uma entre as tantas questões que inibem o avanço das mulheres e estancam seus salários. Por que, embora sejam tão economicamente ativas quanto os homens, elas ainda recebem menos do que eles? Mulheres que perseveraram em posições convencionadas como masculinas e pesquisadoras das questões de gênero conversaram com o Editorial J para tentar explicar esta situação desigual.
Caroline Ferraz (6º sem.)
Por que elas ainda recebem menos P O R Anna Cláudia Fernandes (8º sem.) e Thamíris Mondin (5º sem.)
A negociação salarial é outra justifique levaram as mulheres à posição que cativa para a mulher receber menos, emocupam hoje. Ela lembra dos brinquedos bora seja contestada por pesquisadores. infantis: enquanto os de meninos instigam uando era estudante de Física No levantamento realizado pelas autoras a aventura e a curiosidade, com carrinhos e na Universidade Federal do Rio norte-americanas Linda Babcock e Sara jogos, os das meninas remetem aos cuidados Grande do Sul (UFRGS), em Laschever, chegou-se à conclusão de que da casa e das crianças, com bonecas e utensíumas das disciplinas, Daniela Paos homens negociam quatro vezes mais do lios domésticos de brinquedo. vani fazia as provas com o professor sentado que as mulheres. As autoras do livro WoDessa forma, homens são entendidos ao seu lado. Isso não acontecia por alguma men don’t ask (Mulheres não pedem, em como mais objetivos, melhores nas ciências dificuldade de aprendizado. Pelo contrário, tradução livre), da Editora Random House, exatas, enquanto elas, como organizadas por ir bem no conteúdo, concluíram que enquanto eles encaram a e maternais, ideais para o professor acreditava negociação como uma diversão, para elas, atividades cuidadoras, estaque a aluna só poderia pode chegar a ser tão assustador quanto ir belecendo-se, assim, áreas estar colando, afinal, ao dentista. mais masculinas ou feminimulheres não entenEntretanto, nem todas pensam assim. nas. De uma maneira geral, é o valor que elas dem matemática. Hoje A publicitária Gabriela Wolffenbüttel, atuas profissões associadas ao recebem a menos Daniela é pós-doutora almente atendimento de uma empresa de feminino têm remuneração do que eles. Com em Astronomia e protecnologia, não se esquivou ao cobrar uma mais baixa (como pedago12 anos ou mais de fessora da universidade, promoção prometida pelo seu ex-chefe, mas gia, serviço social, fisioteraprovando que as mulheda qual ele fugia até demiti-la, com a desculpia e enfermagem) do que estudo, a diferença res pertencem também pa de corte de gastos. Além da demissão, a as masculinas (engenharia, aumenta: elas à área das exatas. O prepublicitária aponta para outras formas de ciências e carreiras execurecebem 40,8% a conceito que ela sofreu tratamento dentro de sua profissão com as tivas). No departamento menos. aconteceu em meados quais não concordava. Já recebeu convites de astronomia da UFRGS, de 1990, menos de duas para sair de clientes, o que a deixava conspor exemplo, mesmo sendo Fonte: Pesquisa Nacional décadas atrás. Ou seja, trangida. Para o ex-chefe, era uma forma de considerada uma das áreas por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Braele é recente e parte dele atrair mais trabalhos. “Eu não imagino em da Física com maior presileiro de Geografia e pode ser encontrado na um ambiente profissional que um homem sença feminina, são quatro Estatística (IBGE) Pesquisa Nacional por tivesse que lidar com esse tipo de situação”, professoras de um quadro Amostra de Domicílios afirma. formado por 12 docentes. (PNAD) do Instituto Para Elena Schunck, pesquisadora do “Qual é o problema para Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre a as mulheres que procuram um emprego divulgada em novembro de 2013, que mosMulher e Gênero (NIEM) da UFRGS, a negofora dos ‘guetos cor-de-rosa’ das funções tra que as mulheres ainda recebem menos ciação por melhores salários ou promoções, de secretária, professora, e das ocupações do que os homens e se dedicam muito mais no caso feminino, é menos uma questão de na área da saúde? Uma possibilidade é a ao lar e à família do que eles. coragem e mais um conflito entre assumir ‘falta de compatibilidade’ entre o estereótipo Neste último ano, Daniela passou a se novas responsabilidades no trabalho e depopular da mulher e os cargos profissionais envolver mais com o debate de gênero, ao dicar-se aos cuidados com a família, sempre que exigem perícia, esforço e dedicação”, participar do edital do Conselho Nacional associados primeiramente às mulheres e, afirma Cordelia Fine, autora canadense do de Desenvolvimento Científico e Tecnolómuitas vezes, exclusivamente a elas. “Acho livro Homens não são de Marte, Mulheres gico (CNPq) Meninas nas Ciências Exatas, que também existe uma questão das responnão são de Vênus, da Editora Cultrix. Para incentivo para a entrada e a permanência de sabilidades que a mulher assume, que são a autora, esses estereótipos podem deturpar mulheres na área. Ela participa também da maiores do que as dos homens”, diz. Como a maneira como as pessoas interpretam as Conferência Nacional de Educação em disa maternidade acaba sencoisas. Cordelia apresenta cussões de recorte de gênero. A astrônoma do um fator constante uma série de pesquisas em acredita que os resultados obtidos pelo IBGE no debate entre mulher que currículos idênticos estão relacionados à estrutura social brasie carreira, ela também carregavam ora o nome leira, que seria machista. Para ela, uma série influencia na aceitação ou de mulheres, ora o de hodos homens de comportamentos culturais podem inibir não de promoções. mens, ora como solteiros e negociam o salário a presença das mulheres em determinados No início de 2013, solteiras, ora como pais. O no primeiro empregos. Ela explica que há na sociedade Priscila Bortolato, gerente resultado indicou que, em emprego, mas a visão da mulher como guardiã da vida de desenvolvimento de cargos considerados mais apenas privada, do cuidado com os filhos, enquanto negócios da Givaudan, masculinos, elas eram os homens ainda não são percebidos como empresa de fragrâncias, rejeitadas, ou contratadas responsáveis por este aspecto doméstico ao deu à luz Bernardo. Com com ressalvas, enquanto lado delas. Uma diferença tida como natural 33 anos, já havia conquisas mães eram consideraentre os gêneros, mas que é parte de uma tado certa estabilidade das menos comprometidas mulheres fazem construção histórica. As mulheres acumuem sua empresa, e seus das e merecedoras de um isso. lam responsabilidades que não são divididas chefes já sabiam que ela salário menor do que as e acabam, muitas vezes, impedidas de ascenplanejava ter uma família. solteiras. Já os pais não Fonte: Women don’t ask der em suas carreiras profissionais. Segundo Seu emprego está garansofreram qualquer tipo de Daniela, não foram as distinções biológicas tido, mas ela mesma já rejeição.
Q
26,7%
58%
7%
Diretora do Instituto de Física da UFRGS, Márcia Barbosa é ativista das questões de gênero e uma exceção em relação às estatísticas respondi no evento: ‘ganhei porque meus é uma das criadoras do o que acaba se refletindo se impôs um limite: daqui para frente, não argumentos eram melhores do que os seus. grupo de gênero da União na dificuldade delas de poderá assumir cargos com exigências de Eu penso com os meus neurônios, sinto Internacional de Física se comprometerem com viagens seguidas ou jornada de trabalho muito se tu pensas com os teus hormôe participa do grupo de viagens a trabalho e mais mais longa. “Também acredito que algumas das mulheres nios’”, relembra. Ela observa o fato de as gênero da Sociedade Brahoras no emprego. Dados oportunidades poderão ser vetadas, e que economicamente mulheres ainda terem de ouvir gracinhas sileira de Física. Também do IBGE mostram que os eu não seja considerada como uma opção no ambiente de trabalho, que revela um é a única mulher entre os homens passam 42,1 hopara determinados cargos, o que talvez não ativas já sofreram preconceito subjacente. vinte integrantes do Coras por semana no trabaacontecesse se não tivesse filho e possuísse assédio sexual. Em ambientes onde a presença mascumitê de Assessoramento lho, enquanto as mulhemais disponibilidade e flexibilidade”, afirma. Fonte: Organização Inlina é dominante, a mulher ainda é recebida de Física e Astronomia res, 36,1 horas. Contudo, Ao evitar assumir cargos mais altos ternacional do Trabacom estranheza, embora o cenário esteja do CNPq, por meio do nas tarefas domésticas, a mulher entra em desvantagem econôlho (OIT) mudando. Para Joana Siqueira de Souza, qual conseguiu obter a eles dedicam 10 horas mica em relação ao homem. Para Márcia engenheira civil e professora da Pontifícia licença maternidade para semanais, enquanto elas, Barbosa, professora doutora e diretora do Universidade do Rio Grande do Sul (PUas bolsistas de produti20,8 horas semanais. SoInstituto de Física da UFRGS, duas resCRS), há uma maior presença de mulheres vidade científica. Ela ainda é uma das três mando-se as atividades, elas trabalham ponsabilidades acabam se tornando quase em canteiro de obras. “Vejo alunas que mulheres dos cerca de 30 membros do 4,8 horas a mais. Ao optar por ter filhos, a exclusivamente femininas: as crianças e os estão conseguindo se colocar em cargos no Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, mulher já não priorizaria cargos que exigem velhos. “As mulheres sofrem uma sobrechão de fábrica. A mulher está conseguindo que assessora a presidente Dilma Rousseff. jornadas maiores. Por esse motivo, deixa carga no começo da carreira, que é quando comandar uma equipe. Mas ainda acham Márcia conta que, uma vez que começou de ser indicada para promoções. “Aí, como elas têm que cuidar dos filhos, e no final que ela tem que provar, enquanto para o jovem na carreira, participava das confemulheres não assumem essa responsabida carreira, que é quando têm que cuidar homem, já está provado”, reflete. rências de minissaia. Sua atenção era chalidade, mesmo as que não têm família não dos pais”, afirma. A física explica que isso 62ª é a posição do Brasil no Ranking mada até por pesquisadoras mais velhas, são pensadas para essas responsabilidades, ocorre porque a família é considerada uma do Relatório de Desigualdade de Gênero que diziam que os participantes poderiam porque não são vistas como líderes”, conquestão privada, de forma que as políticas produzido anualmente pelo Fórum Econônotar que ela era mulher e sofreria mais clui Márcia. voltadas para esse âmbito são restritas. mico Mundial. São avaliadas quatro quespreconceito por isso. “Como se não fosse Para a física, a lideQuando há crianças mais tões: o acesso à saúde e a capacidade de possível notar que uma pessoa é mulher”, rança acaba associada ao novas em creches e elas sobrevivência, o acesso à completa. Posteriormengênero masculino. Ela ficam doentes, quem é educação, a participação te, ao ir a um debate, um aponta que esse processo chamada é a mãe, nunca política e a participação colega se afirmou que passa a ser exponencial, o pai. Dessa forma, o emdas mães econômica. Em relação à havia perdido uma das agravando o problema. pregador não quer pagar trabalham. 2011, o país subiu 20 podiscussões porque o per“Urge ter políticas púa mesma quantia para é a posição do Quando o filho não sições, mas esta evolução fume de Márcia era muito blicas para identificar uma mulher que provaBrasil no ranking frequenta creche, se deve mais às duas priforte e havia atrapalhaas barreiras para as muvelmente vai precisar sair da desigualdade de esse número cai meiras questões do que do o raciocínio dele. “É lheres ascenderem nas mais cedo. A tendência é gênero. para 43,9%. aos outros aspectos ananormal as pessoas virem diferentes carreiras e o empresário optar por lisados. Apesar do avanço com argumento que te contornar esse procespagar um homem, que vai Fonte: Relatório de Fonte: Pesquisa Nacional em pontos fundamentais, lembram que tu és muso”, propõe. Algumas das poder ficar até mais tarde. Desigualdade de Gênero por Amostra de Domicílios a igualdade na área polítilher, que tu estás usando políticas apontadas são a As obrigações domésproduzido e divulgado (PNAD) do Instituto Braca e na economia ainda é anualmente pelo Fórum o fato de ser mulher para flexibilidade na jornada ticas e familiares ainda sileiro de Geografia e Econômico Mundial Estatística (IBGE) um desafio. levar vantagem. E tu tens de trabalho e maior núocupam muito mais esque responder, como eu mero de creches. Márcia paço na rotina feminina,
52%
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biblioteca
cidade + Giovanna Pozzer (6º sem.)
Coleções relevam a paixão por livros e a identidade cultural dos seus proprietários
O senhor livro BIBLIOTECAS CASEIRAS RESISTEM À TEC NOLOGIA DIGITAL P O R Helena Lukianski (7-º sem.) e Giovanna Pozzer (6º sem.)
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ivros tradicionais podem ser totalmente substituídos por arquivos eletrônicos? Conforme uma pesquisa feita pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), as obras digitais ainda não representam nem 1% do faturamento das editoras do Brasil, embora o índice de crescimento do mercado de e-books tenha sido de 350% de 2011 para 2012. Porém, mais do que uma questão de dados econômicos, a decisão de manter uma biblioteca em casa costuma estar relacionada a um sentimento de afeto pelos livros de papel. Charles Kiefer, professor e autor de mais de 30 livros, contabiliza cerca de 10 mil exemplares em sua biblioteca. “Livro é fetiche, né?”, diz. Kiefer não é avesso a novas tecnologias, mas comenta que usa mais aparelhos eletrônicos para consultar enciclopédias e escutar música. Para o escritor, uma tecnologia não substitui a outra. Ele exemplifica: “O cinema não matou o teatro, e o CD não matou a orquestra”. Além
62º
disso, Kiefer garante que a maior parte da sua biblioteca não pode ser encontrada em formato digital: “Não dá para pensar que o livro digital substituirá o papel tão cedo”. Nos Estados Unidos, a venda de e-books representou 20% do faturamento do mercado editorial em 2012. O escritor, professor e editor Paulo Tedesco fundou, em 2009, a Oficina do Livro, que surgiu com o objetivo de ministrar aulas sobre a prática de editoração e o mercado dessa atividade. Sobre o futuro do livro tradicional, ele afirma: “Todo livro hoje nasce digital, todos nós escrevemos em computadores ou transformamos em arquivos digitais para o livro depois se transformar em outro arquivo ou em outro suporte”. Tedesco acredita que, em breve, o mercado estagnará em 50% de suporte papel e 50% digitalizado. Na sua visão, “a interatividade do livro em papel é maior do que a do digital, pois ela se dá com o suporte e não necessariamente com o conteúdo”. Compositor e pianista, Flávio Oliveira cria uma metáfora para definir o deleite do ser humano aos livros. Para ele, as biblio-
tecas trazem o conceito de “egrégora”, palavra que significava a vigília dos monges em oração permanente diante de suas catedrais. Ele explica que esta ideia de vigiar, como forma de cuidado e contemplação, também é identificada em bibliotecas. “O livro constitui parte essencial desta egrégora-vigília, que mantém a memória e o saber humanos vivos. Livros causam-me tanto prazer quanto fazer música. Meu local de trabalho, meu atelier, está em casa, na minha biblioteca”, conta. O projeto Minha Biblioteca, do Editorial J, tem o objetivo de abordar a importância do papel na vida de alguns amantes dos livros. O convidado de cada episódio abre sua casa para mostrar sua biblioteca, fala de suas primeiras leituras e de como os livros entraram em suas vidas. Contam, também, quais os autores e os personagens preferidos e como organizam as bibliotecas. Nos três primeiros episódios, Antônio Hohlfeldt, David Coimbra e Diego Grando mostram, cada um a sua maneira, seus gostos e estilos, por meio das suas bibliotecas particulares.
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Assista aos vídeos da seção Minha Biblioteca no site http://www.youtube.com/ user/editorialj.
Os extremos da Capital CON T R AS T ES M A R CA M V IDA DA P OP ULA ÇÃ O QUE MOR A N OS LIMIT ES D E P ORTO A L E G RE Guilherme Almeida (5º sem.)
P O R Douglas Roehrs (6º sem.)
C
om um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,805, conforme dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) divulgados em 2013, Porto Alegre convive com contrastes. O número, baseado em educação, renda per capita e longevidade, é considerado alto, o que levaria a supor que a qualidade de vida na cidade é excelente se ela for comparada com os padrões internacionais. No entanto, um único número não reflete a realidade encontrada na capital gaúcha, que é de extremos, dividida em zonas de qualidade elevadíssima, que divergem de outras com números muito baixos. Para entender estas particularidades e fazer uma análise das diferenças entre os bairros porto-alegrenses, o Editorial J visitou os extremos geográficos de Porto Alegre, em busca de histórias capazes de ilustrar as discrepâncias estatísticas. Os bairros Lami (Sul), Anchieta (Norte), Mário Quintana (Leste), Vila Assunção (Oeste), Belém Velho (Centro) e Centro Histórico representam a pluralidade da sexta capital com maior IDH do país – o Centro Histórico foi visitado por ser a parte mais frequentada da cidade. Natural de Erechim, Clea Passuello Sandre, 66 anos, farmacêutica bioquímica aposentada, mora há 38 anos com seu Ângela mora na região Leste e marido, João Lino Sandre, 78, também farmacêutico bioquímico aposentado, no executar as reformas necessárias, o que bairro Vila Assunção. Mãe de três filhos, já fez com que ela até mesmo cogitasse a gosta de ir ao cinema, assistir a peças de hipótese de mudar de bairro. Seus filhos teatro e espetáculos musicais e de viajar – a convenceram a não levar ideia adiante, sua última viagem foi para Maceió. Quatro decisão aprovada pelos vizinhos e famiempregados trabalham na sua casa: faxiliares. “O que ganho é muito pouco e ainneira, passadeira, jardineiro e uma pessoa da tem bastante coisa para responsável pela manutenção arrumar na casa”, desabafa. geral do imóvel. O bairro, que O re ndim e nt o m é dio do s segundo ela é perfeito, possui responsáveis por domicílio um rendimento médio dos Renda tem na região onde mora Ângela responsáveis por domicílio variação é de 1,46 salários mínimos de 10,38 salários mínimos (R$ 1.057,04, tomando como (o equivalente a R$ 7.515,12, de até base o valor unitário de R$ pelo salário mínimo em vigor 1.241% 724), um pouco mais elevado desde 1º de janeiro de 2014), do que a média mais baixa da conforme levantamento da entre cidade. Prefeitura Municipal de Porto bairros. O bairro Serraria, na reAlegre e IBGE-Censo 2010. gião sul, que possui o pior A porto-alegrense Ângela índice entre os locais com dados Maria dos Santos Goulart, 57 disponíveis, tem um rendimento anos, doméstica, reside há 25 médio dos responsáveis por domicílio ceranos no bairro Mario Quintana. Viúva há ca de 14 vezes menor que o bairro Pedra 22 anos, dois dos sete filhos moram com Redonda, de melhor índice em Porto Aleela. No seu tempo livre, gosta de costurar gre. Enquanto a média salarial na Serraria para fora – a atividade também lhe possié de 1,41 salários mínimos (R$ 1.020,84), bilita uma renda além do salário mínimo no bairro Pedra Redonda o valor é 17,5, ou recebido no trabalho. Sua casa amarela, seja, a variação entre os pontos, mesmo que também é habitada pelo cachorro entre localidades próximas geograficaMarley, precisa de reparos, que ela tenta mente, é de 1.241%. fazer com o tempo. No entanto, é difícil
complementa a renda costurando para clientes
+ O telejornal temático Pontos extremos de Porto Alegre sobre as condições opostas da capital gaúcha está dividido em duas partes e pode ser visto através do canal do youtube do Editorial J: http://www. youtube.com/user/editorialj
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Anchieta Mário Quintana Centro Histórico
Vila Assunção
Belém Velho
Lami
CADERNO ESPECIAL - 50 ANOS DO GOLPE DE 1964
ABRIL/MAIO 2014 • FAMECOS/PUCRS WWW.PUCRS.BR/FAMECOS/EDITORIAL J
Eu, Carolina
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P O R Douglas Rohers (7º sem.)
Faltam algumas horas para o show, mas Cássio dos Santos Rezende,29 anos, já se prepara. Durante o dia, ele é cabeleireiro e maquiador; à noite, dá lugar a Carolina Schults, divertida mulher
que realiza performances de dança no Vitraux. A família sabe que ele é homossexual e aceita. Nenhum deles sabe que ele é drag queen. Cássio tem medo de contar. Confira o vídeo no site do Editorial J.
Confira a transformação de Cássio em Carolina
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vazio acima traduz o silêncio que imperou no Brasil durante os anos de chumbo. Entre 1964 e 1985, militares governaram o país a partir de um golpe contra o governo de João Goulart em 1º de abril, impondo um período de violência, censura e arbitrariedade. Cinquenta anos depois, os brasileiros ainda buscam a verdade e têm o direito de entender os desdobramentos de duas décadas que esvaziaram de sentido a vida de muitos. O Editorial J mergulhou em algumas histórias daqueles tempos de medo e sobressaltos, mas também de resistência. Neste caderno especial de oito páginas, o leitor conhecerá como a repressão montou um aparato de vigilância e perseguição no Interior do Rio Grande do Sul, Estado-chave para o regime conter
qualquer possibilidade de reação aos golpistas. O sistema criou filiais do temido Dops em dez municípios gaúchos. Também mostramos como a mídia, de uma maneira geral, aliouse aos militares e civis que urdiram a derrubada de Jango. Por meio de editoriais e coberturas parciais dos acontecimentos, a imprensa agiu como aliada dos grupos que traçaram o objetivo de afastar do poder o governo legitimamente eleito. Mesmo com o clima político asfixiado pela censura, houve indignação e mobilizações para mostrar que alguma coisa de errado atormentava a normalidade política. Fotógrafos usaram as paredes de prédios nas ruas do centro da Capital para compartilhar imagens vetadas ou que poderiam soar provocativas - um movimento de reação àqueles anos de vazio e silêncio.
A cronologia segundo o @golpe1964 Um perfil criado pelo Editorial J no Twitter recontou episódios do golpe. Nas próximas páginas, o jornal publica uma seleção dos principais posts:
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Março, 31- Leonel Brizola visita o Gen. Ladário e sugere uma requisição das emissoras de rádio e TV, para fazer propaganda da Legalidade
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Março, 31 - Gen. Mourão dá início ao golpe em Juiz de Fora (MG), horas antes do combinado. As tropas se dirigem ao Rio de Janeiro.
O Interior perseguido COM O OB JET I VO DE CRI A R U MA TE I A DE VI GI LÂN C I A, DE Z C I DADE S GAÚ C HAS T I N HAM F I L I AI S DO TE MI DO DO PS, Q U E E RAM C O N H E C I DAS C O MO SO PS Guilherme Almeida: (5º sem.)
P O R Bruna Zanatta (3º sem.) e Júlia Bernardi (3º sem.)
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uitos preferem esquecer o ano de 1964. Porém, com oito décadas de vida, Valdetar Antônio Dorneles ainda lembra de tudo. Com o apoio de Leonel Brizola, então exilado no Uruguai, Dorneles convocou um grupo de rebeldes na primeira guerrilha rural contra o governo militar, na cidade de Três Passos, a 470 km da Capital. A operação, que contava com 20 homens, acabou fracassando. Seus militantes foram cruelmente torturados, e o grupo ficou 11 meses sem qualquer comunicação, encarcerado. Preso por quatro anos, cumpriu pena em cinco prisões e carrega na pele cicatrizes daquele tempo de lutas. O militante é uma das tantas vítimas da repressão no interior do Rio Grande do Sul, Estado que recebeu atenção especial dos militares, pela resistência à tentativa de golpe de 1961, no movimento que ficou conhecido como Campanha da Legalidade. Já nessa época, segundo a historiadora Caroline Bauer, foram criadas as Seções de Ordem Política e Social (Sops), que funcionavam como uma espécie de filial do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), e agiam dentro das delegacias regionais de cada cidade, vigiando de perto a atuação de possíveis rebeldes no Interior. Essa comunicação, porém, não era exclusividade do sistema de repressão gaúcho. “O diálogo entre o Dops, nas capitais, e as delegacias regionais, no Interior, acontecia em todo o território nacional, porém, no Rio Grande do Sul acontecia através de um departamento especial”,
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Dorneles começou a ser perseguido com a atuação no Grupo dos 11 explica Caroline. Esses braços operacionais elaboravam relatórios diários sobre a movimentação política, ainda que nada de anormal tivesse ocorrido na região. Ao fim do dia, um resumo de todas as ocorrências era encaminhado ao Dops, na Capital. Todos os movimentos articulados pela sociedade estavam sob vigilância. Em debates ou discussões nas escolas, os professores e organizadores eram minuciosamente
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observados, para saber se agiam ou pensavam contra ou a favor do regime militar. Essa era, em suma, a principal função do Sops. Caroline ressalta que a filial tinha a função de vigiar maior até do que a de reprimir. Segundo a dissertação de mestrado de Vanessa Lieberknecht, dois fatores eram mencionados com frequência nos documentos: a preocupação com a padronização da informação, para que se pudesse operar de forma mais eficiente e sem erros;
e a diferenciação entre informe e informação. Os informes eram produzidos a partir de fatos concretos ocorridos na região, acusando um indivíduo específico. Já as informações não tinham uma comprovação efetiva do fato. Era preciso confirmação, por parte do delegado para que a informação (Código INFE) se tornasse um informe (Código INFO). A produção desses informes garantia o controle da população e a repressão.Toda essa vigilância, para a
historiadora Evelise Zimmer Neves, se devia, principalmente ao fato de que, na década de 1960, a maioria (55%) da população brasileira estava longe dos grandes centros urbanos. No Rio Grande do Sul, essa porcentagem era ainda maior, 62% dos gaúchos estavam na zona rural. “A presença [da repressão] no interior era indispensável”, conclui Evelise. No total, dez Sops foram distribuídos de maneira estratégica pelo Estado, nas cidades de Alegrete, Cachoeira do Sul, Caxias do Sul, Cruz Alta, Erechim, Lajeado, Lagoa Vermelha, Osório, Rio Grande e Santo Ângelo.
Três Passos, onde Dorneles vivia com a família, estava sob acompanhamento do Sops de Santo Ângelo. Mais velho de oito irmãos, ele ingressou na vida política com a Legalidade e a defesa da posse de João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros. Na época, era professor e, pelas cidades onde passou lecionando, sempre buscou mobilizar a população em prol de melhorias, como escolas, times de futebol, igrejas e até reforma agrária. Sua família, respeitada e influente, sempre esteve engajada na política e, por essa razão, eram vigiados de perto. Em um domingo de abril de 1964, o primeiro mês da ditadura militar (1964-1985), instaurada no Brasil em 31 de março daquele ano, a casa de Dorneles foi invadida por 41 militares. “Fizeram uma limpa na minha casa. Não fiquei nem com a faca de cozinha. Levaram tudo”, conta. Levaram também seu pai, Euzébio Teixeira Dornelles, preso, acusado de participar do Grupo dos 11 e solto na mesma noite. Na cozinha, abaixo da
Março, 31 - Juscelino avisa a Jango sobre as ações em Minas Gerais. O Presidente não acredita.
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tregado o movimento. Dorneles pistola fixada na parede que foi ficou encarregado de mobilizar levada pelos soldados, estava os colonos. No total, 23 homens, uma pasta contendo documenentre eles, seu pai, Euzébio Teitos e atas referentes aos grupos. xeira Dornelles, e seu irmão A casa foi revirada, mas a pasta Abrão Antonio Dornelles, deificou ali. Dias depois, Dorneles, xaram suas casas para fazerem temendo que mais famílias fosparte da primeira guerrilha. Ao sem prejudicadas, retirou-a do se despedir da mãe e dos irmãos, local e ateou fogo. Hoje, ele se o alerta: “Se disserem que eu arrepende: “Eu podia ter só enmorri, não acreditem”. terrado aquela pasta. Aquilo era documento histórico”. O Grupo dos 11 era formado por colonos de uma região, que A Guerrilha de Três Passos se comprometiam a garantir a começou em 25 de março de legalidade constitucional e a con1965. Os rebeldes tomaram o cretização das reformas agrária presídio e o destacamento da e urbana. Apesar de terem sido Brigada Militar de Três Passos, idealizados por Brizola, não chelevando armas, munição e fardas. garam a ter uma coordenação Deixaram a cidade sem comunigeral e centralizada. Para alguns cação telefônica, cortando os fios setores sociais – militares, inteda rede e ainda invadiram a Rágrantes de partidos como PSD e dio Difusora, onde Odilon Vieira UDN e a maioria da Igreja CatóBruhn transmitiu lica –, essas organipara toda a popuzações eram vistas lação um manifesto como subversivas e contra a ditadura integradas ao “moDali militar: “As armas vimento comunista em dianque derrubaram internacional”. Em nossos presidensua tese, Evelise te, para o tes e governadores conta que, em alExército, hoje se levantam gumas paróquias para reestruturar a no interior do Eséramos codemocracia desse tado, os filhos dos munistas.” país”, explicaram. integrantes desses No caminhão grupos não eram Valdetar Mercedes ano nem batizados. Dorneles 1939, o grupo pasSegundo a edisava por cidades peção de 10 de abril dindo apoio e realizando de 1965 da extinta saques. Escondiam-se no mato. revista Manchete, o número de Quando o Exército os encontrou, Grupo dos 11 chegou a 24 mil, eles já estavam no Paraná, na ciem Santa Catarina e Rio Grandade de Leônidas Marques (PR). de do Sul. A partir do Golpe As ordens do coronel eram de de 1964, a perseguição a quem que não atirassem em ninguém estivesse ligado a esses comanpara matar. Ao verem o grupo dos só aumentou. “Na verdade, diminuir de 20 para 10 integrana acusação de pertencer a essa tes, resolveram se entregar, mas organização foi um amplo guaracabaram caindo em uma emda-chuva sob o qual os novos boscada. O grupo foi capturado e donos do poder – civis e militapreso no Quartel General de Foz res – enquadraram toda sorte de do Iguaçu (PR), quartel mais próinimigo político”, avalia Evelise. ximo da região, apenas dois dias Mais tarde, a maior parte dos depois do começo da guerrilha. indiciados foi absolvida por No Paraná, começou aquela absoluta falta de provas. Ainda que Dorneles considera a fase assim, naquele momento, para mais dura de sua vida. Nos interDorneles, o cenário mudou. “De rogatórios, negou que tivessem ali em diante, para o exército, tido o apoio de Brizola, e tomou éramos comunistas”, lembra. a responsabilidade da guerrilha No Uruguai, Brizola enviou para si quando o coronel Jefo coronel Jefferson Cardim de ferson pensou em se matar. Ele Alencar Osório e Albery Vieira pagou caro por sua astúcia. Por dos Santos que, mais tarde, seria quatro anos, oscilou por prisões acusado de ter se infiltrado e en-
Março, 31 - Gen. Ladário é recebido por Jango, que lhe entrega o comando do III Exército e o ordena se deslocar para o Sul do país.
entre Porto Alegre e cidades do Paraná até ser liberto, em 1968. Ele lembra das sessões de tortura pelas quais passou: “Enrolavam uma linha de pescar nos nossos dedos, ‘tu conhece Fulano?’ ‘Não’, e puxavam aquela linha. A linha corta até o osso”. Em Foz do Iguaçu, passou 51 dias em uma sala com 48 homens e apenas um banheiro. O pior momento veio em Porto Alegre. Na sede do 18º Regimento de Infantaria, que funcionava na Avenida Padre Cacique, onde hoje se localiza a Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul (Fase), Dorneles passou cinco dias sem saber se era dia ou noite. “O pior castigo que tive, não foi o pau, não foi a corda, nem o enforcamento. Nada me abalou tanto quanto aqueles cinco dias. Desligado do mundo, não se ouvia nada”, lembra.
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Março, 31 - Gen. Kruel apela para Jango se libertar do cerco das forças populares. O presidente se nega.
A conexão da vigília
Informe diário produzido por Delegacias Regionais para o Sops de Lagoa Vermelha
“
Alguns não conseguiram resristir tanto. Dorneles conta com pesar, que o ex-sargento da Brigada Militar Albery Vieira dos Santos entregou o grupo. Homem da confiança de Brizola, Santos teria atuado dentro do movimento, como agente do governo militar, e, mais tarde, em interrogatório, entregou todo o esquema da Guerrilha de Três Passos, conforme trechos do seu depoimento que relatam que “dotado de privilegiada memória, menciona grande número de pessoas que estão ligadas ao esquema contrarrevolucionário de Leonel Brizola”. Segundo Dorneles, “muita gente inocente apanhou por causa dele”. O irmão de Albery, José Soares dos Santos, foi uma vítima fatal da repressão, morrendo de forma violenta em 1977, também em Foz do Iguaçu. Ao que tudo indica, uma ação de queima de arquivo. O Dops deixou de existir em 1982, e junto com ele, o Sops. Cinquenta anos depois, hoje advogado, casado, pai de três filhos, Dorneles ainda mora em Três Passos e reafirma seu compromisso com o Brasil: “Se a pátria for ultrajada e precisar de um voluntário, eu saio outra vez”.
Solicitação do Dops pedindo informação para o Sops de Lagoa Vermelha
Informe do fim da ditadura ainda acusa presença do Grupo dos 11 na região
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A cronologia A cronologia segundo segundo o @golpe1964 o @golpe1964 Março, Março, 31 - Jango 31 - Jango receberecebe um bilhete um bilhete do do Ministro Ministro da Justiça, da Justiça, Abelardo Abelardo Jurema, Jurema, lhe informando lhe informando da movimentação da movimentação das das tropastropas em Minas. em Minas.
Março, Março, 31 - Gov. 31 - Carlos Gov. Carlos Lacerda Lacerda é é informado informado que o que Ministro o Ministro da Justiça, da Justiça, Abelardo Abelardo Jurema, Jurema, ordenou ordenou um ataque um ataque ao Palácio ao Palácio da Guanabara. da Guanabara.
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Março, Março, 31 - Gen. 31 - Zerbini Gen. Zerbini intercepta intercepta o Esquadrão o Esquadrão Motorizado. Motorizado. O General O General AluísioAluísio diz que dizfoique forçado foi forçado a aderir a aderir à à manobra manobra do Gen. doKruel. Gen. Kruel.
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Março, Março, 31 - Gen. 31 - Assis Gen. Brasil, Assis Brasil, chefe chefe da Casa daMilitar, Casa Militar, pede informações pede informações ao ao Gen. Zerbini, Gen. Zerbini, que acredita que acredita não possuir não possuir forçasforças para enfrentar para enfrentar o II Exército. o II Exército.
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Março, Março, 31 - Kruel 31 - Kruel emite emite proclamaproclamação deção que deoque II Exército o II Exército aderiuaderiu ao ao golpe para golpe“salvar para “salvar a pátria, a pátria, livrando-a livrando-a do jugo dovermelho”. jugo vermelho”.
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Abril,Abril, 1 - Gen. 1 -Morais Gen. Morais ÂncoraÂncora sugeresugere ao presidente ao presidente deixardeixar o Rio de o Rio Janeiro de Janeiro por falta porde falta segurança. de segurança.
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Conspiração Conspiraçãoimpressa impressanos nosjornais jornais
P O R PThamiris O R Thamiris Mondin Mondin (5º sem.) (5º sem.) Os 50 Os anos 50 anos do golpe do golpe resistência resistência dentrodentro da imprensa. da imprensa. O jornal O jornal Úl- Úl-Roteiro implantação implantação da reforma da reforma agrária. agrária. A campaA campaainda ainda assim,assim, sempre sempre eleito eleito democraticademocratica1964:golpe 1964:golpe midiático-civil-militar midiático-civil-militar . . Roteiro de ataques de ataques tima Hora, tima Hora, do carioca do carioca Samuel Samuel Wainer, Wainer, era o era o nha denha desmoralização de desmoralização do governo do governo federalfederal que falava que falava do Jango, do Jango, mentemente em nome em nome da da Dos jornais Dos jornais do eixo docentral eixo central do paísdosurpaís surque que instalou instalou a ditadura a ditadura atuação atuação da imprensa da imprensa nos últimos nos últimos respirorespiro janguista janguista no país, noem país, especial em especial na suana sua1 Artigos condizia condizia com ocom público o público do jornal, do jornal, as classes as classes falavafalava mal. Omal. jornal O jornal preservação preservação da legada legagia umgia discurso um discurso replicado replicado por todo porotodo Brasil. o Brasil. do Diário do Diário de Notíde Notí1 Artigos dias do dias governo do governo de João deGoulart João Goulart militar militar no Brasil no Brasil versãoversão gaúcha, gaúcha, por sepor tratar se tratar de umde veículo um veículo que seque autodenominaram se autodenominaram “produtoras” “produtoras” do Brasil do Brasil falavafalava mal mal lidade. lidade. Uma esquiUma esquiOs opositores Os opositores declarados declarados do governo do governo Jango Jango cias,cias, de março de março de 1964, de 1964, atacam atacam antes antes do golpe do golpe militar militar de 1964 de 1964 com trajetória com trajetória fortemente fortemente ligadaligada à Getúlio à Getúlio durante durante a tentativa a tentativa de golpe de golpe de 1961, de que 1961, que do Jango do Jango e gostava e gostava zofrenia zofrenia política política hoje hoje eram eram essencialmente essencialmente os diários os diários paulistas paulistas Jango, Jango, acusando-o acusando-o de entravar de entravar espalham espalham umauma sensação sensação alinhavou alinhavou o discurso o discurso fervoroso fervoroso Vargas. Vargas. Sufocado Sufocado pela censura, pela censura, o periódico o periódico encontrou encontrou a resistência a resistência na campanha na campanha da Le-da Ledo regime. do regime. O Globo O Globo tão evidente, tão evidente, que que Folha Folha de S.Paulo de S.Paulo e O Estado e O Estado de S.Paulo de S.Paulo e os e os o desenvolvimento o desenvolvimento brasileiro. brasileiro. das classes conservadoras conservadoras brasileiras, brasileiras, que que de constrangimento de constrangimento pelapeladas classes se desfez se desfez de suas desedes suas regionais sedes regionais e encerrou e encerrou galidade galidade liderada liderada por Leonel por Leonel Brizola. Brizola. Rura- Ruratambém. também. A TribuA Tribudeixa deixa dúvidas dúvidas sobre sobre cariocas cariocas O Globo, O Globo, JornalJornal do Brasil, do Brasil, Correio Correio enxergavam enxergavam uma ameaça uma ameaça nas reformas nas reformas de de as as atividades definitivamente definitivamente em 1971. em 1971. listas tinham listas tinham espaçoespaço privilegiado privilegiado no Diário no Diário e e atividades na dana Imprensa da Imprensa se se a ingenuidade a ingenuidade dos dos da Manhã da Manhã e Tribuna e Tribuna da Imprensa, da Imprensa, este deeste de imprensa imprensa brasileira. brasileira. NosNosbase propostas 2 Correspondente 2 Correspondente do Odo O base propostas pelo presidente. pelo presidente. A mídia A mídia na- naJoão Batista Melo Melo Filho Filho era redator era redator acusavam acusavam Jango Jango de populista de populista e incoerente, e incoerente, João Batista arrependeu arrependeu porque porque jornalistas jornalistas que partique partiCarlosCarlos Lacerda, Lacerda, então governador então governador do Estado do Estado Estado Estado de S.Paulo de S.Paulo em Buenos em Buenos da época da época concentrava concentrava suas forças suas forças nos nos idosidos de 1964, de 1964, os grandes os grandescional cional da Agência da Agência Nacional Nacional em 1964, em 1964, a agência a agência um traidor, um traidor, já quejá eleque eraele também era também um proum proacreditava acreditava que, com que, com ciparam ciparam do golpe. do golpe. da Guanabara da Guanabara e inimigo e inimigo político político de Getúlio de Getúlio Aires, Aires, em edição em edição de 6 de de 6abril de abril periódicos periódicos impressos, impressos, que detinham que detinham grandegrande de de notícias oficialoficial criadacriada durante durante o Estado o Estado dutor dutor rural. Eles rural.representavam Eles representavam na época na época a a notícias a queda a queda do Jango, do Jango, os intelecos intelecVargas, Vargas, de quem de quem JangoJango foi ministro foi ministro do do Entre Entre grupos grupos midiáticos midiáticos influência influência sobre asobre sociedade a sociedade civil. Ocivil. esforço O esforço de 1964, de 1964, fala sobre fala sobre os louvores os louvores Novo Novo como como um braço um braço do Departamento do Departamento classe classe mais conservadora mais conservadora da sociedade, da sociedade, em em o governo o governo iria para iria para tuais que tuaisemprestaque emprestaTrabalho Trabalho e herdou e herdou o posicionamento o posicionamento refor- reforpela neutralidade, pela neutralidade, ainda ainda que superficial, que superficial, só só da Argentina da Argentina à participação à participação da da assumiram assumiram um um objetivo objetivo de Imprensa de Imprensa e Propaganda e Propaganda (DIP).(DIP). Por sePor se um país um predominantemente país predominantemente agrícola agrícola e cujo e cujo o coloode colo Carlos de Carlos La- Laram suas ram palavras suas palavras mista.mista. Os editoriais Os editoriais do Correio do Correio da Manhã da Manhã de de viria depois. viria depois. Com as Com redações as redações poucopouco pro- proimprensa imprensa brasileira brasileira no Golpe. no Golpe. posicionar posicionar a favorado favor governo do governo de João deGouJoão Goulatifúndio latifúndio era a expressão era a expressão maior maior da riqueza. da riqueza. cerda,cerda, e nãoe foi”, não foi”, para vociferar para vociferar con- con31 de março 31 de março e 1 de abril e 1 dede abril 1964, de intitulados 1964, intitulados claro: claro: derrubar derrubar o o fissionalizadas, fissionalizadas, a opinião a opinião naquele naquele período período lart, como lart, como boa parte boa dos partefuncionários, dos funcionários, foi foi Embora a imprensa a imprensa gaúchagaúcha não repernão repereclarece eclarece Juremir. Juremir. Embora tra Jango, tra Jango, a maioria a maioria de “Basta!” de “Basta!” e “Fora!”, e “Fora!”, foram foram o marco o marco da atu-da atunão ficava restritarestrita aos editoriais: aos editoriais: as páginas as páginas presidente presidente João João Goulart. Goulart.não ficava demitido demitido em 5 de emmarço 5 de março de 1964. de 1964. “ Eu fui “ Eu fui3 Capa cutissecutisse com intensidade com intensidade no cenário no cenário nacio-nacioPassados Passados 50 anos, 50 os anos, os purgou purgou o arrepeno arrepenação da ação imprensa da imprensa na construção na construção do golpe. do golpe. 3 Capa do Odo Globo, O Globo, de 3 de de 3 de também também pingavam pingavam ideologia. ideologia. incluído incluído entre os entre afastados os afastados porque porque esta era esta a era a nal, era nal, essencial era essencial para as para forças as forças direitistas direitistas grandes grandes veículos veículos ten- tendimento dimento quase quase ime- imeCom um Com discuro um discuro imperativo, imperativo, clamavam clamavam pela pela abrilabril de 1964, de 1964, exalta exalta a Marcha a Marcha O Editorial O Editorial J buscou J buscou minhaminha posição, posição, depoisdepois de ter de acompanhado ter acompanhado que o que aparato o aparato midiático midiático do Riodo Grande Rio Grande do do tam espiar tam espiar a culpa, a culpa, diato diato após oapós golpe. o golpe. saída do saída presidente. do presidente. A tensão A tensão da Guerra da Guerra Fria e Fria a campanha e a campanha da Família, da Família, com com DeusDeus e pela e pela registros registros que que ilustram ilustram a a anticomunista muito muito de perto de operto movimento o movimento da legalidade da legalidade Sul mantivesse Sul mantivesse a opinião a opinião de seudepúblico seu público destacando destacando principrinciMuitos, Muitos, no entanto, no entanto, As propostas de Jango, de Jango, apesarapesar do viésdo viés anticomunista davamdavam o tom odatom conjuntura da conjuntura As propostas Liberdade Liberdade comocomo “Marcha “Marcha da da em 1961”, em 1961”, lembralembra Batista. Batista. Na época Na época BatistaBatista no caminho no caminho da campanha da campanha contracontra Jango,Jango, palmente palmente o período o período se mantiverem se mantiverem fiéis fiéis social, social, propunham propunham movimentação movimentação eco- ecohistórica de 1964. de 1964. A imprensa A imprensa destacava destacava o o Editorial Editorial do Correio do Correio da Manhã da Manhã posição posição dos dos jornais jornais da da histórica Vitória”. Vitória”. também também trabalhava trabalhava como diretor como diretor de telejorde telejorpara evitar para evitar insurreições insurreições como como a de 1961. a de 1961. da censura, da censura, mas o mas o ao regime ao regime militar, militar, nômica nômica e consequente e consequente manutenção manutenção do do suposto suposto perigoperigo de uma de“cubanização” uma “cubanização” do do de 31de de31março de março de 1964 de 1964 foi foi época época e mostram e mostram como como Brasil Brasil nalismo nalismo na TV na Piratini. TV Piratini. A sua A demissão sua demissão foi foi “O Rio “O Grande Rio Grande do Sul do sempre Sul sempre foi muito foi muito viviestrago estrago foi irremefoi irremeque ainda que ainda apareceria apareceria sistema sistema capitalista. capitalista. Mesmo Mesmo assim,assim, ele eraele era a partir a partir das ideias das ideias de transformação de transformação um marco um marco da ação da ação golpista golpista Nota do jornal do jornal O Estado O Estado de de 4 Nota solicitada solicitada ao diretor ao diretor da emissora, da emissora, que recuque recu-4 sado pelo sadoregime pelo regime em função em função do eleitorado do eleitorado diável.diável. na imprensa na imprensa como como diariamente diariamente associado associado aos ideais aos ideais soviéticos. soviéticos. social do social governo do governo federal. federal. “A mídia “A mídia da época da época a imprensa a imprensa integrou integrou S. Paulo, S. Paulo, de março de março de 1964, de 1964, sou. Mas sou.oMas nome o nome de Batista de Batista não apareceria não apareceria trabalhista trabalhista e pelose simpatizantes pelos simpatizantes de Jango de Jango No Rio NoGrande Rio Grande uma revolução uma revolução lega- legaDestacado Destacado como imprudente como imprudente e ignorante, e ignorante, o o representava representava os interesses os interesses das camadas das camadas desqualifica desqualifica JoãoJoão Goulart, Goulart, o conjunto o conjunto de forças de forças nos créditos nos créditos do telejornal do telejornal até 1977. até 1977. Para Para e Brizola”, e Brizola”, explicaexplica o historiador o historiador e pesquie pesquido Sul,doo Sul, Diário o Diário de Notícias, de Notícias, um braço um braço dos dos lista ou lista umou contragolpe, um contragolpe, mesmo mesmo depoisdepois de de presidente, presidente, que eraque umera social um democrata, social democrata, foi foi mais ricas mais da ricas população da população e cumpriu e cumpriu esse esse destacando-o destacando-o comocomo inculto inculto e e ele, não ele,é não possível é possível dissociar dissociar o golpe o de golpe Es-de Essador sador de ditaduras de ditaduras de segurança de segurança nacional nacional DiáriosDiários Associados, Associados, de Assis deChateaubriand, Assis Chateaubriand, 1965, quando 1965, quando os militares os militares não respeitaram não respeitaram pintado pintado nos jornais nos jornais como como uma personaliuma personalide reagir de reagir às reformas às reformas de base de de base de dominantes dominantes do país do país que,que,papel papel ironizando ironizando seus seus conhecimentos conhecimentos tado dos tado interesses dos interesses da mídia da mídia da época. da época. “Os “Os da Universidade da Universidade Federal Federal do Riodo Grande Rio Grande do do estampava estampava nos seus noseditoriais seus editoriais a insatisfação a insatisfação o que oseria que oseria finalo do final mandato do mandato de Jango de Jango dade fraca dadeefraca influenciada e influenciada pela aproximação pela aproximação JangoJango como como quem quem reage reage diantediante do medo do medo temerosas temerosas pelapela postura postura de perder grandes grandes veículos veículos eram das eram famílias das famílias conserconserSul (UFRGS), Sul (UFRGS), Enrique Enrique Padrós. Padrós. ApesarApesar da da com João com Goulart João Goulart e, especialmente, e, especialmente, com com e permaneceram e permaneceram no poder. no poder. “O Correio “O Correio da da com ocom comunismo. o comunismo. Estas acusações Estas acusações susten-sustenpolíticos. políticos. de perder seus privilégios. seus privilégios. Uma mídia Uma mídia de de vadoras, vadoras, passavam passavam de geração de geração para geração. para geração. atmosfera atmosfera midiática midiática predominantemente predominantemente o decreto o decreto da Superintendência da Superintendência de Política de Política ManhãManhã reconheceu reconheceu imediatamente imediatamente que haque hataram taram a ideiaado ideia contragolpe, do contragolpe, que legitimava que legitimava classe,classe, ideologicamente ideologicamente marcada marcada e que eseque se reformista reformista de Jango, de Jango, Com as Com imagens as imagens das marchas das marchas da família da família5 Notícia contrária ao governo ao governo Jango,Jango, houvehouve também também Agrária Agrária (SUPRA), (SUPRA), um passo um passo decisivo decisivo para aparacontrária a via uma viaditadura uma ditadura e tentou e tentou combatê-la combatê-la mas mas a intenção a intenção de derrubar de derrubar um governante um governante deixoudeixou envolver envolver naquela naquela tramatrama da Guerra da Guerra do Odo Estado O Estado de S.de S. 5 Notícia ajudaram ajudaram a consolidar a consolidar o oFria, acreditando com Deus, com Deus, o papelo fundamental papel fundamental da imprenda imprenFria, acreditando ou fingindo ou fingindo acreditar acreditar que que Paulo, Paulo, de 3 de de 3abril de abril de 1964, de 1964, 3 3 sa foi sa transmitir foi transmitir a sensação a sensação de quedetoda queatodaanuncia a o Brasil o Brasil estavaestava à beiraàde beira uma derevolução uma revolução co- coanuncia o primeiro o primeiro Ato InstiAto Insti4 4 golpe golpe de Estado. de Estado. nação nação estavaestava contracontra o governo”, o governo”, conclui. conclui.
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munista”, munista”, explicaexplica o historiador o historiador e jornalista e jornalista Juremir Juremir Machado Machado da Silva, da Silva, autor autor do livro do livro
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A cronologia segundo o @golpe1964 Abril, 1 - Leonel Brizola visita o Gen. Ladário e sugere uma requisição das emissoras de rádio e TV, para fazer propaganda da Legalidade.
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Abril, 1 - Jango informa Raul Ryff, seu assessor de imprensa, que está indo para Brasília.
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Abril, 1 - Jango debate com seus aliados se deve permanecer em Brasília ou se deslocar para o Rio Grande do Sul.
Retratos da ditadura
Abril, 1 - Jango deixa Brasília rumo a Porto Alegre, usando um avião menor que o planejado.
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Abril, 2 - Ignorando protestos dos deputados janguistas, presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declara vaga a Presidência.
DA P OP UL AÇÃO E E N FRE N TO U RE PRE SSÃO DO RE GI ME MI LI TAR P O R Caroline Ferraz (6º sem.)
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Luiz Abreu documentou varal, que retratava temáticas variadas
Jorge Aguiar registrou agressão truculenta de policiais militares contra estudantes com a situação do Brasil. “Expus pra mostrar que em algum lugar do mundo as pessoas podiam dizer o que queriam e não eram punidas”, explica. A escolha do local não ocorreu por um motivo qualquer. Além de ser um ponto de grande circulação diária, era próximo à Companhia Jornalística Caldas Júnior, empresa em que trabalhavam boa parte dos fotógrafos que expunham seu material. Entre eles, Baru Derquin, apontado como um dos idealizadores da Mostra Livre. Junto a Baru, Juan Carlos Gomez, um uruguaio que saiu do país por causa da ditadura e foi recebido no jornal Zero Hora para trabalhar como repór-
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ter fotográfico. Eles organizaram a primeira edição. A intensão de trazer os trabalhos para a Rua da Praia foi de aproximar a fotografia do público. “O que pretendíamos ali era conseguir um espaço para mostrar nosso trabalho, não apenas com cunho militar, mas de opressão social”, esclarece Gomez. Havia diversidade nas fotografias, pois elas não reportavam apenas ações dos órgãos de repressão. Seu caráter livre também deu suporte a uma pluralidade de interesses. Daniel de Andrade integrou-se à mostra na década de 1980. Ele conta que foi uma forma de dar maior visibilidade ao seu trabalho como fotojorna-
lista, uma vez que a exposição já estava consolidada. Com a colaboração da Epatur, foi criado um prêmio que elegia as melhores fotografias a cada ano. Os vencedores recebiam um valor de 10 mil cruzados. Ao mesmo tempo em que atraiu participantes, a premiação também afastou idealizadores, como Luiz Abreu. Ele participou da primeira edição e afirma que eleger a melhor fotografia não era a ideia inicial. “Não me agradou. Estava quebrando o espírito original da mostra, por que estava propondo um tema e com prêmio em dinheiro. Já não seria tão livre assim, alguns botariam lá porque queriam ganhar o prêmio da
Epatur”, explica. Abreu também participou da concepção da Mostra, a partir de um conceito “anárquico, que dentro do período e da proposta era coerente com o que a gente pensava e com o momento em que a gente vivia”. O termo livre ligado à exposição dizia respeito à igualdade entre aqueles que colocavam suas fotografias no varal. Havia consenso sobre a necessidade de tornar democrática a arte fotográfica. “A gente renegava a ideia de galeria por que era muito elitizado. Achava que o espaço verdadeiro para a foto deveria ser a rua, onde o público podia olhar”, completa Abreu.
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Luta com imagens
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F OT ÓG RAF OS ORG AN I ZA RAM MO STRA LI VRE Q U E APROXI MO U RE PO RTAGE NS
Rua da Praia já foi um local para dar voz a fotojornalistas, quando as redações se calavam em apoio à ditadura e esqueciam temáticas sociais. Por quase dez anos e com o objetivo de democratizar o acesso à arte fotográfica, um grupo de profissionais organizou a Mostra Livre de Fotografia. Para alguns fotógrafos, foi um meio de dar visibilidade ao seu trabalho. Para outros, uma forma, aberta ao público, de contestar o momento em que se vivia. Iniciou em 1976 com exposições de profissionais e, como era livre, contava até mesmo com a participação de arquivos pessoais daqueles que passavam pela Praça da Alfândega, em Porto Alegre. Já na primeira edição, em 1976, na Praça da Alfândega, a exposição foi marcada por vendaval e chuva, situação que deixou registros na memória daqueles que participaram. Mas o evento ocorreu mesmo com as fotos molhadas e as imagens no chão. No segundo ano, a Empresa Porto Alegrense de Turismo (Epatur) ofereceu uma área coberta, para evitar o problema. Quem passava pela Rua da Praia acompanhava de perto o material exposto, os quais, segundo os participantes, não tinham exclusivamente um viés de denúncia. Ricardo Chaves, o Kadão, por muito tempo editor de Fotografia de Zero Hora, fala de uma série de imagens que fez em Londres, no Speak Corner, em que há um grande número de pessoas com as mais variadas ideologias e expressam suas opiniões. Para o fotógrafo, mostrar estas fotos era uma contradição
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Ricardo Chaves, o Kadão, expôs imagens feitas fora do país Os depoimentos do livro em www.eusoufamecos.net/editorialj/historiasparalembrar
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Histórias para lembrar Relatos sobre a ditadura de 1964
A mostra na Praça da Alpresos. “Eu me emociono ao fândega ocorreu até meados da falar sobre este assunto, pordécada de 1980. Para Eduardo que teve colegas que sumiram, Tavares, repórter que particiforam presos, torturados e pou de diversas edições, um perderam suas vidas”, declara. dos motivos para que ela não Luiz Ávila também enfrencontinuasse, além do diferentes tou a censura na Zero Hora, rumos que tomaram as carreiras jornal que foi criado em 4 de dos fotógrafos organizadores, maio de 1964, após o fechaestá a abertura política e o fim do mento do diário Última Hora. regime militar. Trabalhar duranEle lembra que, como boa parte te o regime militar não foi fácil dos trabalhos acabavam por para os fotógrafos que iniciavam não ser publicados, os repórsuas carreiras. Enquanto na rua teres fotográficos expunham repórteres se arriscavam ao tenseu material em frente à Loja tar fotografias que desafiassem o Guaspari, na Avenida Borges olhar dos militares, nas redações de Medeiros na Capital. nem sempre estes trabalhos viOs três fotógrafos – que nham a público. mais tarde participaram da Tavares, fotógrafo há 40 Mostra Livre – anos, conta expunham que era chaseus materiais mado de louco ali, no fim do por fotógrafos período conprofissionais siderado de quando comaior represmeçou, pois são militar (do ficava em cima AI-5, em 1968, da cena com até 1974) suas lentes, como forma enquanto os de resistência outros acompolítica. Propanhavam de fissionais com longe com tetrabalho de le-objetivas. maior viés poAlém disso, ele lítico colavam lembra que, suas fotos na em situações Coojornal destaca parede da loja, de aglomera- primeira Mostra sem assinatução de repórra, e logo se teres, como afastavam para acompanhar as nas visitas a Porto Alegre do reações do público que passava presidente-general João Figueipela rua. Eles se mantinham redo (1979-1985), os agentes de afastados, também, porque não segurança seguravam pregos tardava para que as fotografias para afugentar os jornalistas fossem retiradas por militares que tentavam se aproximar da fardados ou infiltrados entre os comitiva presidencial. transeuntes. Como Tavares, diversos Aguiar lembra que estas fotógrafos eram jovens e ainda ações não tinham data marmantêm na memória os aconcada para ocorrer, até mesmo tecimentos de um período marporque existia um medo conscado pela autocensura e pela tante de que a espionagem do censura dos militares no poder. governo pudesse descobrir e Jorge Aguiar, 58 anos, chegou levá-los presos. Outra tática a publicar materiais sem o seu usada, até mesmo para reporcrédito, pois receava a repertagens cotidianas, era nunca cussão que poderia ter a divulandar sozinho para que não gação de fotos que não fossem ocorresse de serem levados percebidas pela censura. Em para esclarecimentos no Deconversa com a reportagem do partamento de Ordem Política Editorial J, ele se comoveu ao e Social (Dops). lembrar de colegas que foram
Meio século é pouco para a história de um país, mas é muito tempo para que se corra o risco de perder a memória. Em 2014, completam-se 50 anos do golpe militar que instaurou uma ditadura no Brasil. Ela durou até 1985. Antes que a memória perca o viço, deve-se ouvir e registrar a voz de quem viveu esse período de arbítrio, quando o terrorismo de Estado se impôs. Alguns tiveram atuação no combate ou na manutenção do regime de exceção; outros, viveram o período sem envolvimento direto. Há ainda aqueles que guardam lembranças, mesmo que tenham nascido depois do fim da ditadura. A memória de um país é coletiva. Ao mesmo tempo, individual. Da singularidade de vidas, surgem narrativas que abrem caminhos para se entender um tempo. Histórias para lembrar se inscreve na perspectiva de dar voz a 31 sujeitos. O militante que combateu e foi preso. Os jornalistas que tentaram contar o que se passava. O rapaz que descobriu que sua mãe foi torturada. O filho do torturador que descreve os traumas de sua família. Há também os entusiastas, que enaltecem o regime de 1964. E quem vive diariamente com a ausência e que, décadas depois, luta para ter o direito de pelo menos sepultar o familiar desaparecido.
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“Todos fomos afetados” P ROF ESS OR DA P UCRS LAN Ç O U LI VRO SO BRE AÇ ÃO DA MÍ DI A E M 1964 Foto: Guilherme Almeida
P O R Anselmo Loureiro (3º sem.) Jornalista e pesquisador acostumado a colecionar polêmicas, Juremir Machado da Silva comprou mais uma. Desta vez, ao lançar um livro que relaciona mídia e ditadura militar (19641985) no Brasil. Autor de 34 obras, seus dois últimos lançamentos abordam fatos ligados, de alguma forma, aos 21 anos do regime militar no país: Jango: a vida e a morte no exílio, lançado pela L&PM no ano passado, e o mais recente, 1964: golpe midiático-civil-militar, pela Sulina, sobre a forma como a imprensa brasileira apoiou o golpe. O Editorial J conversou com o Juremir sobre suas pesquisas. “Enxergamos de uma maneira muito positiva, aqueles (jornalistas) que apoiaram o golpe, como Alberto Dines, Antônio Calado e Carlos Heitor Cony. Depois, eles rapidamente se arrependeram, mas na época jornalistas e intelectuais caíram no discurso de uma ameaça comunista”, explicou. A seguir, trechos da entrevista:
J – Quais são as responsabilidades individuais do jornalista, em situações como a campanha da imprensa contra Jango? Juremir – Os jornalistas têm, como todas as pessoas, uma margem de autonomia. Quanto maior o capital simbólico, mais audiência e prestigio e mais ele é reconhecido. O principal problema da autonomia é a ideologia profissional. Em 1964, apoiaram o golpe porque acreditavam que era preciso derrubar o Jango. Não foi porque eles eram obrigados, mas sim por adesão. J – Atualmente, se houvesse uma situação no país como a de 1964, a mídia brasileira seria golpista? Juremir – É especulação, mas parece que sim. Parte de nossa imprensa gostaria de se livrar do governo petista. Não sei se a imprensa iria muito longe. Atualmente, temos um espírito democrático mais consolidado. Na época, todos eram golpistas. Toda hora havia tentativas de golpe. Nos anos 1950 foram muitas. O golpismo estava na mentalidade de todos. Hoje é muito difícil.
Editorial J – A reação da imprensa do Rio Grande do Sul foi diferente da do resto do país? Juremir Machado da Silva – A reação da imprensa gaúcha não foi diferente. O meu livro trata dos jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro, por uma escolha metodológica. J – Houve uma mudança de postura da imprensa gaúcha em relação aos golpistas entre 1961, com a Legalidade, e 1964? Juremir – São posturas totalmente diferentes, tanto no Rio Grande do Sul quanto fora do Estado. Em 1961, era visto como despropósito, como algo ilegítimo agir contra Jango, que de alguma maneira foi considerado injustiçado. No mesmo ano, o (Leonel) Brizola era governador do Estado e cunhado do Jango. Também os periódicos apoiaram o Jango de maneira geral, com a exceção do O Globo. Três anos depois, a imprensa ficou contra o presidente deposto. Poderíamos dizer que os mais coerentes foram o jornal A Última Hora que em 1961 e 1964 estava com ele. Já a Tribuna da Imprensa e O Globo eram contrários a Jango nos dois episódios. Os demais mudaram de posição. J – Por que quase toda imprensa apoiou um movimento antidemocrático? Juremir – Creio que existiram vá-
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que a esquerda está no poder, eles defendem a ideia de que são (os componentes da esquerda) corruptos. Na época do Getulio, Jango e agora. Sempre foi assim.
J – Quais as fontes que o senhor utilizou? Juremir – Os jornais da época são fontes primárias. Os livros escritos na época por jornalistas caíram no esquecimento. Documentos e bibliografia. Para esse tipo de obra, o fundamental são os periódicos.
Juremir acredita que jornalistas têm espaço para autonomia rios fatores. Primeiramente, a situação da Guerra Fria. O mundo estava dividido em dois blocos. O capitalismo, influenciado pelos EUA. A passagem de Cuba para o socialismo assustava a população e a mídia da época. Também havia a influência da imprensa estadunidense. Eles criaram essa ideia de que o Brasil estava a mercê de uma ameaça comunista muito concreta. Outro fator também é o conservadorismo exacerbado dos proprietários dos jornais e dos jornalistas. Os jornalistas e os intelectuais caíram em uma ameaça comunista. J – É possível traçar algum paralelo entre o comportamento da
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mídia em 1964 e hoje? Juremir – Hoje não estamos mais perto de uma ameaça comunista. Atualmente, é bem mais difícil de se criar esta ideia, embora muitos dos que se opõem ao governo Dilma Rousseff, ao lulismo e ao petismo utilizem uma retórica anticomunista como se eles (Dilma, o lulismo e o petismo) estivessem próximo de Cuba. Tentam mostrar que o PT é, no fundo, marxista e gostariam que o Brasil fosse viver um regime cubano. O que está mais próximo mesmo é o clima de combate ao governo, apesar de o sistema ser de centro-esquerda, tentando fazer crer que é a gestão mais corrupta de todos os tempos. Em 1964, também era assim. Toda vez
J – Por que o senhor se interessa em pesquisar e escrever sobre o Jango e Golpe de 64? Juremir – Estamos vivendo agora os 50 anos do golpe. Esse assunto sempre mexeu como o nosso ego. O período mudou a vida de todos. Pessoas foram exiladas, assassinadas, desaparecidas, torturadas, presas. Outras perderam emprego. Foi uma transformação radical. Todos nós fomos afetados pela ditadura militar. Cresci nesse momento. Foi uma mudança tremenda na nação e que não terminou, em certo sentido, porque os torturadores não sofreram punições. As comissões da verdade ainda estão na justiça de transição. O Jango é uma figura emblemática. Se ele foi assassinado ou não, ele é o personagem importante da história.
EDIÇÃO 15
JUNHO/JULHO 2014 • NÚMERO 15 • FAMECOS/PUCRS • WWW.PUCRS.BR/FAMECOS/EDITORIAL J
Uma copa que dura para sempre Três pessoas com vidas transformadas pelas obras realizadas em Porto Alegre contam suas histórias no primeiro dia da Copa do Mundo no Brasil
Mulheres abrigadas
Bruno Ibaldo/Carine Santos/Kimberly Winheski
CADERNO:
Copa do Mundo
Alunos
Coordenadora do Espaço Experiência Denise Avancini
Coordenadora de produção Ivone Cassol Projeto gráfico Luiz Adolfo Lino de Souza e Núcleo de Design Editorial/ Espaço Experiência Professores responsáveis Alexandre Elmi Fabio Canatta Flávia Quadros Ivone Cassol Marcelo Träsel Marco Villalobos Paula Puhl Rogério Fraga Tércio Saccol Alunos editores Bibiana Dihl, Caroline Ferraz, Guilherme Almeida, Thamíris Mondin, Thiago Valença e Victor Rypl
Para preservar identidade e cultura, surdos reagem a implantes modernos que prometem melhorar a audição.
Amanda Gonçalves, Amanda Oshida, Ana Paula Conrad, Antonio Carlos De Marchi, Bruna Gassen, Bruna Goulart, Bruna Zanatta, Bruno Ibaldo, Carine Santos, Caroline França Medeiros, Daniely Medeiros, Douglas Agostinho, Douglas Cauduro, Edna Alves, Elisa Célia, Frederico Martins, Gabriel Correa, Gabriel Palma, Gabriela Brasil, Gabriela Giacomini, Gabriel Gonçalves, Jéssica Moraes, Jéssica Tarantino, João Alexandre Rodrigues, João Pedro Arroque Lopes, Júlia Alves, Júlia Bernardi, Júlia Braga, Julia Tarrago, Julian Schumacher, Juliana Bonotto, Karyne de Oliveira, Kelly Freitas, Kimberly Winheski, Luiza Menezes, Laura Marcon, Manoela Tomasi, Mariana Fritsch, Mariana Lubke, Mariana Melleu, Marianne Santiago, Maura Meregali, Natalia Rodrigues, Nathalia Adami, Pamela Floriano, Pedro Francisco Pacheco, Rafaela Johann, Raquel Baracho, Renata Araújo, Renata Fernandes, Ricardo Miorelli, Rômulo Fernandes, Sofia Schuck, Thiago Rocha, Yanlin Costa e Yasmin Luz
POR Thamíris Mondin (5º sem.) O mês de junho para o Editorial J foi de experimentações. Nesta edição, o leitor pode conferir o resultado de algumas delas. Na reportagem sobre a resistência da comunidade surda em relação aos implantes auditivos, o repórter Antonio De Marchi viveu a necessidade de expandir seus conceitos sobre comunicação, sem que ele dominasse a linguagem de sinais. Seu objetivo era tentar entender de que forma e por quais motivos o grupo desenvolveu um preconceito contra tecnologias inovadoras que prometem melhorar a audição. No caderno especial produzido para a Copa do Mundo, um grupo de três repórteres e três fotógrafas se propôs a cobrir a abertura do maior evento esportivo do planeta, no dia 12 , a partir de uma perspectiva diferente. Acompanhamos a primeira partida do Mundial, entre Brasil e Croácia, ao lado de personagens
CONTEÚDOS DO EDITORIAL J
Foto Yanlin Costa (2º sem.)
FamecosCast É uma webradio com programação diária de reportagens, debates, entrevistas, colunas e noticiários ustream.tv/channel/famecos-cast.
Twitter, Flickr e Facebook Por meio de perfis, notícias e imagens são compartilhadas. Pelo Twitter, no @editorialj. No Facebook, pelo facebook.com/editorialj. No Flickr, flickr.com/editorialj.
reportagem e na rotina dos braque tiveram suas vidas mudadas sileiros. pelo campeonato mundial de Entrar no espaço destas pesseleções. soas e nas suas histórias foi uma O dono da lanchonete mais maneira diferente de construir as famosa do entorno do Beimatérias, em que a percepção dos ra-Rio, que teve de deixar o repórteres manifesponto, os moradotou-se nos textos reres da Vila Tronco digidos logo depois desalojados pelas Indignada experiência e em obras e um ex-modos, tristes cima da hora do ferador de mais de chamento. O projeto uma década da e também era viver a dinâmica área ao lado do felizes, do deadline, mesestádio, que tammo que em torno de bém foi despejado. uma uma pauta especial. Estas foram nossíntese da Nos limites de um sas companhias na Laboratório de Jorlargada da grande Copa. nalismo, buscou-se festa que domina reproduzir a rotina de o país e boa parte uma redação envolvida em do mundo entre os uma cobertura diferenciada. meses de junho e julho. Esta e outras reportagens Resignados, indignados, foram produzidas e trabalhadas tristes e também felizes, estes graficamente em um tempo mais personagens formam uma sínacelerado do que o previsto, com tese da esquizofrenia emocional o cuidado de não comprometer brasileira sobre a Copa. A cono resultado e alinhavadas pela fusão entre euforia e revolta, intensidade e a expectativa do um pouco mais de uma ou de evento que o Brasil esperava há outra, e até mesmo a sensação sete anos. de apatia, estão presentes nesta
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Editorial J na TV Telejornal quinzenal, com pautas temáticas e reportagens sobre assuntos diversos. As edições estão disponíveis em youtube.com/ editorialj.
IMPRESSÃO Gráfica Epecê - PUCRS
Laboratório convergente da Famecos www.pucrs.br/famecos/editorialj
JUNHO /J UL HO DE 2 0 1 4 • PÁ G INA 2
Banheiros da Capital A equipe do Editorial J avaliou as condições de higiene, preservação e acessibilidade de dez banheiros públicos da Capital, por onde vão transitar os turistas da Copa do Mundo. A visita revelou sanitários limpos, embora sem itens básicos de higiene e com problemas de acessibilidade para cadeirantes. Confira a reportagem: http://www. eusoufamecos.net/editorialj/ banheiros-porto-alegre/
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mídia
Ao lado de quem perdeu
Vice-reitor Ir. Evilázio Teixeira Pró-reitora Acadêmica Mágda Rodrigues Cunha
Coordenador do Editorial J Fabio Canatta
Contra a tecnologia
papo de redação
PUCRS Reitor Ir. Joaquim Clotet
FAMECOS Diretor João Guilherme Barone Reis e Silva
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CADERNO ESPECIAL
Jornal do Laboratório de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Avenida Ipiranga, 6681 Porto Alegre/RS
Coordenador do curso de Jornalismo Fábian Chelkanoff Thier
Caroline Ferraz (6º sem.), Luiza Antonioni (4º sem.) e Yanlin Costa (2º sem.)
DIAGRAMAÇÃO:
Protegidas e sob o resguardo da Lei Maria da Penha, vítimas aguardam a hora de poder voltar para casa.
Jornalista, robô E MP RE S AS DE CO MU N ICA ÇÃ O RE CO RRE M A A LG O RIT MO S PA RA AU TO MAT IZ A R A P RO DU ÇÃ O D E T E X TO S E ACE L E RA R CICLO DE N OT Í CI AS P O R Gabriel Gonçalves (3º sem.)
trimestres, a empresa tem visto aumentar sua receita. No quarto trimestre, a receita subiu 7%, para 2.050 milhões de dólares americanos, enquanto no terceiro trimesm um portal de notícias, o repórter tre elevou 38%”, escreve o software. relata um terremoto próximo à Em um cenário em que programas de cidade de Los Angeles (EUA), poucomputador se encarregam de escrever cos minutos após os tremores de hard news, Araújo entende que a atuação terra. “Um terremoto de 4.2 graus de magdos seres humanos ficará concentrada em nitude foi registrado nesta segunda-feira, procedimentos que exijam atividades coma quatro milhas de West Wood, de acordo plexas, delegando aos não humanos funções com o Serviço Geológico dos EUA. O tremor que não sejam tão interessantes. Araújo vê o ocorreu às 7h23min, a uma profundidade jornalista do futuro como um intérprete das de 4,3 milhas”, informa o texto. No mesinformações organizadas pela automatizamo site, um eficiente jornalista esportivo ção. “Cada vez mais o papel do humano não escreve sobre uma partida de baseball, que é só levar e trazer informação, mas também terminou há poucos segundos. “Os esforços suas impressões. O jornalista tem de se code Willie Argo levaram o Illinois a uma vitólocar como um ser humano que entende e ria de 11-5 sobre os Lions Nittany, no sábado, reconfigura os dados, não apenas um coletor em Nêspera Field”. Os dois textos foram de dados, que vai fazer algo no local e trazer produzidos por algoritmos, programas de informações”, argumenta. computador capazes de escreNo Brasil, o mercado de ver com a precisão de um ser comunicação também dá humano. O que parece enredo seus primeiros passos na de ficção científica já pode ser O lead, adequação aos novos meios considerado realidade. Os em certo de obter e organizar informaalgoritmos escritores fazem ção. Professor do Programa parte da realidade de imporsentido, é de Mestrado e do Curso de tantes veículos de comunicaalgoritmo Jornalismo da Faculdade ção, escrevendo notícias de Cásper Líber, Walter Lima, economia para a Forbes ou também.” jorna li sta bra silei ro com relatando terremotos para o Willian Araújo formação em Consultoria em Los Angeles Times. Internet, afirma que os veícuAlgoritmos são sistemas los nacionais devem se arriscar de comandos pré-programamais nos investimentos em pesdos para resolver um proquisa de novas plataformas de tecnologia, blema específico, determinado por um caso contrário, a implementação de novas programador. Em 2010, pesquisadores da tecnologias fica “parecendo uma ação de Medill University of Journalism, nos Esmarketing para se mostrarem modernas”, tados Unidos, ampliaram a funcionalidapondera. de dos softwares, desenvolvendo o Stats Nas faculdades de comunicação, que Monkey, um algoritmo com comandos concentram a formação no aspecto humacapazes de transformar as estatísticas de nista do jornalismo, passam por um inédito um jogo de baseball em texto jornalístico. período de adaptação aos novos meios, da Desde lá, os algoritmos-escritores ganhamesma forma que o jornalismo. No Brasil, ram a confiança em redações. Para o douos programas de ensino das faculdades torando em Comunicação e Informações ainda engatinham na implementação de pela Universidade Federal do Rio Grande disciplinadas voltadas para a computação. do Sul (UFRGS) Willian Araújo, a fórmula Willian enxerga um necessário momento de do lead jornalístico já é uma espécie de transição nos cursos. “Se nós continuarmos automatização da escrita, em busca da formando pessoas para o mercado, vaobjetividade. “O lead, em certo sentido, é mos formar desempregados, pois existem um algoritmo também. A própria fórmula poucas vagas. Atualmente, o jornalismo do jornalismo, em busca da objetividade, é claramente próximo ao curso de Letras. acaba se automatizando”, afirma. Mas agora, vemos uma outra aproximação, No portal da Forbes, uma seção à com tecnologia, que é tão fundamental parte é dedicada às notícias publicadas quanto essa primeira”, observa. por um repórter-robô. Na página, um algoritmo relata a variação monetária de uma empresa, com a precisão de um ser Os textos produzidos por algoritmos foram humano. “Em cada um dos últimos três originalmente publicados em inglês.
E
Repórteres autômatos
“
Narrative Science, a agência-robô de notícias Principal desenvolvedora de inteligências artificiais voltadas para o jornalismo, a empresa é responsável pela maior parte da parcela de jornalistas-robôs no mercado. Capazes de transformar dados e estatísticas em textos jornalísticos, os robôs da Narrativre Science atuam em veículos como a Forbes, onde atualizam as últimas variações monetárias do mercado financeiro, e até cobrem partidas de baseball.
The Homicide Report, o robô policial
Stats Monkey, o robô esportivo
Por meio de um mapa interativo da cidade de Los Angeles (EUA), o algoritmo é responsável por situar os locais dos últimos homicídios ocorridos nos mais diversos bairros. No local onde os crimes são cometidos, o robô anexa um pequeno texto, com a descrição da vítima e do homicídio, o que pode funcionar como prevenção.
O Stats Monkey produz textos sobre partidas de baseball em menos de dois segundos, o que garante a agilidade na publicação logo depois das disputas. O robô é capaz de apontar o melhor jogador da partida em seus textos, além de escrever diferentes matérias para um mesmo jogo. Uma das vantagens é, inclusive, publicar sob os pontos de vista de cada um dos times. O programa se baseia em estatísticas coletada no minuto-a-minuto dos jogos, além de contar com moldes textuais definidos por jornalistas esportivos e uma biblioteca de termos comumente utilizados em matérias sobre baseball, o que garante o estilo. Os serviços do algoritmo podem ser encontrados em um aplicativo desenvolvido para smartphones.
Quakebot, o robô do tempo O software produz textos jornalísticos sobre terremotos ocorridos na cidade de Los Angeles, na Califórnia, região ameaçada por abalos sísmicos, a partir de dados enviados pela Agência de Pesquisa Geológica dos EUA. O robô seleciona as informações consideradas relevantes e as encaixa em moldes textuais pré-estabelecidos.
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violência Laura, 23 anos
Uma lei com várias faces
Laura recebeu a medida protetiva na hora da entrevista e pretende retornar para casa nos próximos dias, depois que seu companheiro deixar a residência. Mãe de dois filhos pequenos, está grávida de mais um:
“
PR OT E G I DAS E M UM ABR IGO NA C AP ITAL,TR Ê S MULH E R E S ALVO DE
Como vou ficar em casa com meus filhos se ele me ameaçou com uma pedra? Tive que vir para cá. Fui na Delegacia da Mulher, e eles me mandaram para cá. Faz sete dias que estou aqui. Estou gostando, mas não é como a casa da gente. Poderia voltar para casa, mas com esse papel que eles me entregaram agora. Com a medida protetiva, poderia ir para casa e ele poderia sair. Não tinha esse papel ainda (medida protetiva). Agora espero, ( cercomo ele não pode ficar perto de mim, que dê cer to. Não quero mais. Ele me incomodava faz tempo,
V I O L Ê N C I A FA M I L I A R C O NTAM H ISTÓR IAS SOBR E DE SE JO DE VOLTAR PAR A C AS A Frederico Martins (5º sem.)
P O R Júlia Bernardi (3º sem.)
A
cada 15 segundos, uma mulher é agredida no Brasil. 70% destes crimes acontecem no âmbito familiar e são de autoria dos próprios companheiros. No Rio Grande do Sul, conforme a Secretaria de Política para Mulheres, a Central de Atendimento à Mulher registrou 108 mil casos de violência contra a mulher em 2013. A Lei Maria da Penha foi criada em 7 de agosto de 2006, para defender as mulheres quando agredidas no âmbito doméstico ou familiar. Surgiu depois que a biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes lutou para ter seus direitos atentidos, após ser agredida pelo companheiro. Sua história deu origem à lei em defesa das mulheres. Segundo a psicóloga Luciana Krebs, coordenadora da Casa de Apoio Viva Maria, a agressão pode não vir somente do homem. “Chegam casos para nós de mulheres agredidas por filhas, tias e mulheres próximas, e essa também é uma forma de violência, temos que combater e dar todo auxílio aqui”, comentou. Desde 2011, no Rio Grande do Sul, aproximadamente 19 mil mulheres denunciaram abusos cometidos por seus companheiros. As delegacias especializadas foram o meio encontrado para que elas contassem suas histórias com uma confiança maior no tratamento e no auxílio. Além disso, o Centro de Referência da Mulher de Porto Alegre, que tem o papel de articular os serviços que integram a rede de atendimento à mulher, deveria ser uma forma de passagem da vítima para que chegue às casas de abrigo, quando necessário. O centro, criado em 2011, ainda busca apoio para se consolidar. Após o pedido de medida protetiva, as famílias são monitoradas por patrulhas Maria da Penha, soldadas da Brigada Militar que visitam as casas. Na Capital, são quatro patrulhas que atuam nos Territórios de Paz dos bairros Rubem Berta, Lomba do Pinheiro, Restinga e Santa Tereza. A sol-
só que nunca havia me ameaçado. Mas, agora, ele desceu um soco em mim e na minha outra filha. É complicado para as crianças também. Esse aqui é dele (mostra o filho), mas aquela é enteada e ele não gosta dela. Ele quer me agredir e agredir ela também. No primeiro dia, fui dormir na madrinha da minha filha e de manhã cedo vim pra cá. Precisamos estar aqui por causa da proteção, porque casa a gente tem. Mas, se sair daqui, não posso voltar, com ele lá. Poderia morar com meu irmão, mas é mais horrível do que aqui. Neste lugar, há cuidado com as crianças, todo um trabalho, tem horário, não pode ficar muito tempo na rua, tem a divisão da limpeza. Gosto de cuidar das minhas coisas, de limpar, de lavar roupa, louça. Queria que ele saísse de casa e se tratasse, para eu poder voltar para casa, porque ele não deve ser certo! Pessoa que quer agredir a mulher não pode ser certa. O juiz concedeu a medida de distância e, agora, posso sair com a nenê na pracinha. O meu ex-marido ainda pode me procurar, tenho medo. Não quero ficar no abrigo sem precisar.”
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Vim, pela primeira vez, no dia 29 de julho de 2013, por causa da agressão da minha filha. Tivemos uma briga e ela me agrediu, me rolou no chão e levei seis pontos no rosto. Fiquei uns dias no Hospital de Pronto-Socorro (HPS), depois vim para cá. A Luciana, que comanda aqui, foi me buscar e fiquei três meses. Aqui me sinto feliz, como se estivesse em casa. São muito bons pra mim, desde as psicólogas e todos que nos auxiliam. A gente tem tudo. Estou feliz, mas a gente sempre quer voltar para casa. Estou com 75 anos e tenho muita vontade de voltar para minha casa, porque tenho uma netinha e sinto saudades de casa, dos meus bichos, de tudo. Aqui estou muito bem. Agora, é segunda vez que estou aqui. Quando voltei para casa, ela (a filha) não chegou a me agredir porque fugi, de noite. Vim, me deram novamente amparo na Viva Maria. Pela idade em que estou, tenho que ter meu descanso na minha casa,
das agressões contra mulheres acontecem à noite.
que custei tanto para arrumar, construir, ter meu lar. A minha filha mora lá e não tiro porque acho ela uma infeliz, pois não tem para onde ir. A menina dela, 11 anos, criei desde pequena. Não faço questão de que ela saia de casa também, só queria que, se eu voltasse, que não me maltratassem. Criei ela desde pequena, mas ela judia de mim. Está fazendo tratamento e me obrigou a fazer também, mas estou lúcida. Faço tudo o que posso para voltar. Tenho que cumprir as regras aqui também. Tenho idade, mas sou muito obediente. E amo todos que estão aqui. No fim do mês de junho serão três meses que estou aqui, nesta segunda vez. Mas quero voltar para minha casa, ter um quartinho. O que eu vou fazer? Eu amo demais a mi-nha casa. Quase não saio daqui. Quando saio, vou de camionete com eles, assim não tem perigo.”
44,3% utilizam arma branca.
54,5% cometem violência usando separação como justificativa.
83,7% das agredidas são brancas.
Com endereço omitido para evitar os agressores, Casa Viva Maria oferece segurança às vítimas dada Bruna Aguiar, que atua no bairro Rubem Berta, conta que a confiança entre a mulher e policial é importante para que os casos sejam analisados corretamente. “O que elas mais querem é manter a família e a gente tenta ajudar, dando apoio e confiança para que elas contem sua história”, relata. Em contrapartida, quando essa proteção não é obtida com eficácia ou as mulheres não se sentem seguras de estar em suas próprias casas por terem sofrido tentativa de morte, os abrigos são uma alternativa para que elas possam recomeçar suas histórias. No Rio Grande do Sul, há sete casas-abrigo ligadas a assistentes sociais. Em Porto Alegre, só a Viva Maria atua nesse formato. A casa Viva Maria foi a primeira do Brasil. Completa, em 2014,
na redondeza. Segurança 24 horas 22 anos de existência. A casa é é essencial no local. exemplo para que outras intensiA rede de atendimento funciona fiquem seus trabalhos na defesa a partir das Delegacias da Mulher, da mulher. “A maior dificuldade que fazem a triagem e é fazer com que os encaminham ao abrihomens não descugo as vítimas que pasbram onde é a casa, saram risco de vida, para que não veO que pois as vagas são esnham procurar suas elas mais cassas. Hoje, existem esposas ou ex-muvagas para 11 famílias lheres. Em Caxias do querem é (mães e filhos), totaliSul, a casa já trocou manter a zando no máximo 40 três vezes de lugar. A pessoas na residência. nossa, Graças a Deus família.” “Agora estamos com nunca foi descoberBruna seis famílias. Aguarta”, conta Luciana Aguiar damos mais uma vinda sobre o motivo do da Palestina e outra de cuidado da preservaSão Paulo. Não é comum, ção do endereço da mas como estamos com lugar, casa. Segundo ela, se vamos receber casos mais graves”, o companheiro ou agressor descoenfatiza Luciana. brir o endereço da casa pode proUm trabalho especial é recurar à mulher e causar problemas
“
alizado com as crianças, pois a realidade pode ser alterada no início da história de vida. “Se elas viram só isso, como podem agir diferente? Esse ciclo de violência é reproduzido nas crianças”, pondera a psicóloga. Como ciclo ela se refere às mulheres que retornam as suas casas, reatam com os companheiros agressores e retornam ao abrigo, posteriormente. A permanência é de três meses na casa. Depois, as famílias tem que conseguir apoio e com seu trabalho conquistar as próprias vitórias. Em depoimento, três mulheres contaram ao Editorial J um pouco da sua luta, vida e saudade. O uso de nomes fictícios foi necessário para preservar a identidade das mulheres que trocaram a casa pelo abrigo, devido à violência doméstica.
69,6%
Paula, 42 anos Agredida pelo companheiro, foi esfaque esfaqueada no rosto e nas mãos e aguarda, com ansiedade, o dia de voltar para casa:
“
Era casada há 15 anos. Daí pedi para me separar, e ele acabou não concordando. Não aceitou a separação e tentou me matar. Fui direto para o pronto-socorro, porque os cortes foram muito profundos. Só depois que consegui prestar queixa na Delegacia da Mulher. Agora, ele está preso. Com isso, pretendo voltar para casa, porque ficou tudo lá. A casa ficou abandonada, então quero retornar. Não dá para ficar mais tempo
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Entre os dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul a respeito da violência praticada contra as mulheres no Estado em 2013, um é relevador da necessidade de afastá-las dos agressores – pouco mais da metade dos homens que atacam as companheiras são reincidentes:
37%
Tânia, 75 anos À espera da medida protetiva negada porque a juíza entendeu que violência só é de gênero (homem para a mulher) e não doméstica (qualquer pessoa que faça uma agressão), Tânia explicou sua situação:
Mapa da agressão contra a mulher
aqui. Vim com meus filhos. Tenho três crianças pequenas. São seis filhos, na verdade, mas os três mais velhos ficaram em casa. Apenas três ficaram comigo, porque são menores e precisam da mãe por perto. É difícil me acostumar a estar aqui. Não é a mesma coisa que a nossa casa, mas há momentos bons e outros em que a gente fica ansiosa. Certas coisas acabam nos irritando, como morar com tanta gente, porque não estamos acostumadas a morar com tantas pessoas. A gente vai levando, até vou sentir falta depois, da companhia, do cuidado com as crianças, do apoio das meninas. Mas quero voltar. Cheguei essa semana aqui e não pretendo ficar muito tempo, se Deus quiser.”
são atuais ou antigos companheiros.
23,9% das vítimas têm entre 18 e 24 anos.
53,3% dos agressores já têm antecedentes com a vítima.
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sociedade Fotos Guilherme Almeida (5º sem.) são obrigadas a aprender a falar e, portanto, estariam sendo privadas de absorver a língua de sinais e a participar da cultura surda. Para ela, o surdo que usa implantes ou aparelhos auditivos está dominado pela ideologia do “ouvintismo” e da “medicalização da surdez”, além de ter vergonha de não escutar e ser “infeliz”, por não conseguir se inserir nem no mundo dos não ouvintes e dos ouvintes. Porém, Patrícia não está sozinha. São muitos os surdos que só usam a língua de sinais e são contra receber implantes cocleares e aparelhos auditivos. Em 1998, quando Hiltrud assumiu a direção da escola, constatou um princípio desse conflito entre os surdos sinalizados e as técnicas da medicina. Ela fazia parte da equipe médica do Sistema Único de Saúde (SUS) responsável pelo implante. “Percebi um certo desprezo vindo de alguns alunos. Os surdos sinalizados não aceitavam que o corpo docente e administrativo fosse ouvinte. Também não concordavam com a comunicação oralizada entre essas partes”, acrescenta a diretora.
Crianças aprendem a se comunicar com Libras desde os primeiros dias no Colégio Concórdia
O som do preconceito
R E A Ç Ã O DA C O MU N I DA DE SUR DA A AVANÇ OS TE C NOLÓGIC OS, C OMO O IM P LAN T E C O C L E A R , B U S C A VA LO R I Z AR A IDE NTIDADE P OR M E IO DA LINGUAGE M DOS SIN A IS POR Antonio Carlos De Marchi (4º sem.)
O
diagnóstico de surdez modifica e rearranja a dinâmica familiar. Choque, negação, raiva ou culpa, seguidos por esperança de cura, costumam ser os primeiros sentimentos dos pais de um deficiente auditivo. Em uma sociedade que exige sentidos aguçados, o indivíduo surdo fica suscetível à intransigência de quem não sabe lidar com suas necessidades. A desinformação agrava a situação, mesmo que a ciência já permita a reversão de um quadro de surdez. E neste ponto surge um novo conflito: a resistência da própria comunidade surda às técnicas da medicina. Na história dos surdos são evidentes as marcas que os identificam como ser incompleto, incapaz ou deficiente. A partir desse ponto, todo tipo de violência física e simbólica foi exercida, como extermínio, reclusão domiciliar, proibição do uso da língua de sinais, segregação em escolas especiais. Embora tenha sofrido tanto desrespeito, não se espera que esse mesmo grupo exerça juízos preconcebidos – mas é o que acontece. Em nome de uma justificativa conhecida como “cultura surda”,
essa parcela da sociedade escolhe contraditoriamente a segregação própria num mundo que precisa como nunca de integração. A história de resistência começa na década de 1980, quando experimentos médicos surgiram prometendo a cura para a surdez. Pesquisadores criam um sistema tecnológico implantado na cabeça - colocado cirurgicamente debaixo da pele atrás da orelha, capaz de fazer o surdo ouvir. Chamado de Implante Coclear (IC), ou conhecido popularmente como “ouvido biônico”, é um equipamento eletrônico computadorizado que substitui totalmente a função auditiva do ouvido de pessoas que têm surdez total ou quase total. Segundo Hiltrud Elert, diretora do Colégio Especial Concórdia, da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), que atende deficientes auditivos, há um posicionamento por parte dos surdos adultos sinalizados – que utilizam somente a linguagem gestual e não se comunicam através da fala - que são contra o Implante Coclear. “Os principais argumentos estão ligados à falsa impressão de extermínio da cultura surda, dirigidas por médicos responsáveis pelos implantes e entendidas de forma errada pelos surdos sinalizados”, explica Hiltrud. Essa reação se constata a partir
dos anos 1990, quando houve um avanço nas tecnologias de IC, que causou na comunidade surda uma ideia inapropriada de extinção da sua cultura.
Com isso, esse grupo se sentiu afetado, pois vinha de uma recente luta pela oficialização da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras), método de comunicação pelo qual os surdos adquiriram a possibilidade de se expressar, mas que também enfrentou oposição desde o século XIX. Em meados de 1880, a Libras foi proibida com a intenção de pressionar os surdos a desenvolverem a oralização. Desde então, iniciou-se uma luta da comunidade para mostrar que a linguagem por meio de sinais é uma língua, por possuir estrutura textual. No Brasil, a Libras é reconhecida como meio legal de comunicação e expressão, conforme Lei nº 10.436 de abril de 2002. Devido a essa conquista, os surdos solidificaram seus princípios de cultura e, consequentemente, aversão a procedimentos médicos como o implante. Hoje a comunidade surda, em geral, entende o IC como uma
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forma de abuso do poder, onde o indivíduo se vê induzido pela possibilidade de ser consertado, independente da oportunidade de se desenvolver como uma pessoa normal. Para o militante da comunidade dos surdos, Emiliano Aquino, filósofo e estudioso dessa cultura, a resistência ao IC e as ações radicais apresentadas pelos surdos sinalizados é algo natural. Ele não vê tais atitudes como um preconceito camuflado. “Todo o discurso médico, fonoaudiológico, familiar, que acompanha o implante constitui a construção de um discurso negativador do mundo surdo”, completa. Segundo Simone Machado Fontoura, professora de Educação Física e deficiente auditiva, o implante deveria ser feito somente em adultos, quando o sujeito teria a oportunidade de escolher o que é melhor para ele. “Penso muito nas crianças, pois são pequenas e isso dói no meu peito. É melhor ser adulto e já saber o que é o IC e também estar preparado para escolher”, salienta Simone. Em 2013, foi lançado o livro Implante coclear: normalização e resistência surda que questiona o implante. Nele, a autora, Patrícia Rezende, surda, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), afirma que o implante é uma violência contra as crianças surdas, que
Para alguns deficientes auditivos, principalmente os adultos, a Libras se sobrepõe ao implante, visto que há uma maior valorização pelo desenvolvimento e adaptação individual somado ao conforto, do que passar pelo processo cirúrgico e pela reabilitação oral e auditiva. Há também quem não tenha acesso ou não possa arcar com as despesas que garantem maiores chances de sucesso no procedimento. O médico Celso Dall’Igna, especialista em otorrinolaringologia e membro da equipe médica responsável pelos implantes do SUS, no Hospital de Clínicas (HCPA), diz que os surdos que resolvem fazer o implante não são proibidos de usar a linguagem de sinais. “Os médicos desestimulam o uso da Libras para priorizar a linguagem oral, visto que, em casos de crianças, não é comum aprender duas línguas ao mesmo tempo”, garante. Ele também aponta que a Libras é utilizada mais por adultos, que, quando implantados, são estimulados a usar a linguagem oral. A medicina indica e prioriza este tipo de implante para crianças com idade entre um ano e um ano e meio por ser considerado o ponto zero da oralização. “Com o Teste da Orelhinha há um diagnóstico de surdez bastante eficaz, e é fator determinante na escolha dos pais de pacientes do SUS. Em clínicas particulares já foram feitas cirurgias em crianças de quase dez meses”, acrescenta Dall’Igna. O especialista explica, ainda, que o mais complicado no que diz respeito à fila de espera é o acesso primário, aquele feito nos postos de saúde, de onde é encaminhado à Secretaria de Saúde Municipal e, posteriormente, à Estadual, que redireciona ao Hospital de Clínicas. Os critérios para seleção de pacientes passam então por aspectos médicos, psicológicos e sociais. Hospitais universitários e privados têm diferentes prioridades – o peso da condição social do paciente é muito maior em serviços que operam gratuitamente. Dall’Igna frisa que o importante é ter o diagnóstico precoce, facilitar o acesso e fazer a avaliação adequada. “O objetivo é fazer
a cirurgia o quanto antes, buscando resultados melhores. É um procedimento caro, porém resolutivo, pois insere o paciente na sociedade”, explica. Segundo a Secretaria de Saúde do Estado, o HCPA é a única unidade habilitada pelo SUS para a cirurgia. O valor deste dispositivo na tabela do SUS é de R$ 43.830,15. Atualmente são realizadas, em média, duas cirurgias por mês. Dall’Igna aponta que já vivenciou preconceitos e resistências vindas, principalmente, de adultos. Ele acha que o grupo é bastante fechado e pensa que essas questões partem do medo dos integrantes de perder um componente. “A comunidade se fecha e começa a correr boatos de que é uma máquina dentro da cabeça, que a pessoa vai ficar louca. Isso tudo na tentativa de preservar a comunidade”. O médico também observa que esse preconceito não começou após o surgimento do IC, mas existe desde que a prótese auditiva - aparelho convencional - foi inventada. “Com as próteses, não havia um preconceito forte, pois eram resultados pouco satisfatórios, e a comunidade surda aceitava em partes”, conclui. Devido à valorização da cultura que surge entre os grupos de surdos, cria-se a falsa impressão da não deficiência, onde eles se julgam naturais a partir do contato com outro indivíduo que também não ouve, quando não pela religião. É o que relata o documentário Som e fúria, no qual a mãe surda de uma criança com problemas auditivos, após ter coletado todas as informações sobre o IC, resolveu que não submeteria a filha ao procedimento e, como argumento, usa o direito de ser surda por naturalidade e pela vontade divina. Em outro momento do documentário, os pais, surdos, de uma filha ouvinte, adulta, conversam sobre a decisão que ela tomou de fazer o implante no seu filho de 11 meses. Os avós, muito críticos, e contrários à opção da filha, chegam a creditar a surdez do neto à benção de Deus e que, se a filha não aceita o filho como surdo, admitem assumir a criança e criá-la. Dependendo do ponto de vista, faz sentido dizer que os surdos têm uma cultura particular, por usarem a língua de sinais e terem seus próprios modos de expressão, mas culturas não se excluem mutuamente. O jornalista com surdez neurossensorial bilateral severa José Petrola tem uma posição mais flexível: “Se o aparelho auditivo ou o implante coclear permite que um surdo ouça ainda que com limitações, não há porque se opor ao uso da tecnologia”. Segundo Geraldine Brandeburski de Oliveira, mãe de uma criança implantada, as direções escolhidas por alguns surdos sinalizados deveriam ser repensadas. “Acho bem complicada a maneira com que eles veem esta questão, pois a maioria repudia seus pares por não usarem a Libras, quando não deveria ser assim. São escolhas, e todas são em prol do mesmo tipo de deficiência”, explica Geraldine. Em contrapartida, o militante das causas surdas Emiliano Aquino, pai ouvinte de uma criança implantada que conhece as duas línguas, adverte que o argumento mais simples é também o mais importante. “Nós não precisamos ser consertados. Você imagina o que significa para um surdo quando ele adquire a língua de sinais, quando
ele encontra outro surdo e passa a fazer parte da comunidade surda? Essa é uma aquisição simbólica da qual não querem e não devem abrir mão”, explica.
Se fosse possível fazer uma comparação, defender que os surdos oralizados não usem implantes cocleares ou aparelhos auditivos para preservarem uma cultura faz tanto sentido quanto dizer que alguém deveria se arrastar pelo chão em vez de usar cadeira de rodas para não perder sua identidade. Este é um pensamento entre especialistas e pessoas envolvidas com a surdez. Roner Dawson é um deles. De forma voluntária, ele atravessa o Brasil fazendo palestras sobre o IC. Ele mostra que o implante não é uma tecnologia para todos e que não deve, jamais, ser imposto aos surdos pré-linguais adultos. “Quando viajo, junto as tribos procurando aumentar o conhecimento e diminuir estes ‘ataques por ignorância’”, esclarece Dowson. Ele também observa que não existe somente preconceito vindo da parte dos surdos sinali-
Rodrigo Panceri defende que decisão seja individual
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zados, que também há interesses e intolerâncias. “O preconceito vem da desinformação e ignorância pura e simples. Os interesses vêm dos profissionais (como interpretes) que veem no IC uma ameaça ao trabalho deles”, aponta. Para Rodrigo Nunes Panceri, analista de Tecnologia da Informação, surdo desde os cinco anos, que perdeu a audição gradativamente e ficou 30 anos sem escutar nada, cada indivíduo deve tomar as suas próprias decisões. “A generalização que os surdos sinalizados exercem é desnecessária. Na tentativa de me aproximar desse grupo, observei um sentimento de segregação daquelas pessoas que optaram por ouvir”, admite. Panceri também destaca que, para uma comunidade que sofreu e ainda enfrenta o preconceito, eles mesmo se flagelam. “Certo dia conversando com outro surdo, eu disse que iria fazer o implante coclear. Prontamente o outro surdo disse que nunca faria porque tinha medo”, conta.
Guilherme Almeida (5º sem.)
CADERNO ESPECIAL | COPA DO MUNDO 2014
JUNHO/JULHO 2014 • FAMECOS/PUCRS WWW.PUCRS.BR/FAMECOS/EDITORIAL J
Crespo
N O LUG A R DA Q UÍ MIC A, A BE LE Z A DO FIO NATUR AL P O R Kelly Freitas (8º sem.)
natural”, diz Silvia Letícia Moura da Silva, uma das administradoras do grupo. Vanessa Dias, 24 anos, afirma que procurava saber como cuidar melhor dos cachos.“Achava que o meu cabelo era uma vassoura e que tinha que criar cachos. Nunca fiz alisamento, optei pelo relaxamento porque não sabia cuidar. Achava que era igual as outras, que deveria pentear meu cabelo pela manhã ainda seco”, diz a estudante de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O período em que se para de utilizar técnicas de alisamento e o cabelo cresce naturalmente é chamado de transição. Depois de chegar a um tamanho em que a dona se sinta confortável para cortá-lo, é feito o big chop, que é quando as mulheres chegam a tê-lo o mais curto que já tiveram ou terão na vida. É um período de descobrimento pessoal, de que as madeixas não são o único elemento que define sua feminilidade. Luana, um ano após tomar a iniciativa sozinha, procurou grupos de identificação negra e começou a fazer parte do Meninas Black Power, do Rio de Janeiro, o Coletivo Negração, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que trata do preconceito dentro e fora das paredes da universidade, e o Gurias Crespas e Cacheadas. “Aumentou ainda mais a minha vontade de conhecer outras gurias, aflorou a minha militância de ir atrás de outras histórias na qual a libertação é nosso grito de identidade”, esclareceu a estudante.
Ve ja ww a ga w.e leria d us ou e ima fam ge eco ns em s.n et/ ed ito ria lj
Aos 10 anos, Luana de Brito experimentou pela primeira vez a química nos cabelos. No começo, fez apenas um relaxamento, mas em seguida os fios foram alisados. “Quando alisei, me sentia bonita, até porque sempre tive vontade de ter ele liso e poder ter variedades de cortes. Mas quando você fica anos passando química, chega uma hora em que seu cabelo não aceita mais, não aguenta tanta violência”, conta a estudante de Marketing e Propaganda. Hoje com 24 anos, Luana afirma que ficou 12 deles mantendo o processo químico. Parou quando começou a perder muito cabelo, chegando a ter queimaduras de segundo grau no couro cabeludo. “Foi um despertar que me aconteceu em um momento muito importante na minha vida. Várias escolhas, decisões de fortalecer minha identidade, de me empoderar perante qualquer situação e principalmente de aceitar meu cabelo como ele é!”, garante. Enquanto Luana sofreu as consequências dos frequentes alisamentos antes de abandoná-los, outras meninas, através de incentivos, aprendem antes disso a admirarem seus cabelos naturais. No grupo do Facebook denominado Gurias Crespas e Cacheadas, mais de 700 mulheres encontram-se nas mais variadas fases do descobrimento de seu próprio cabelo. “Aceitamos a todos que desejam dicas para cuidados dos cabelos crespos e cacheados. Não importa se a pessoa utiliza química, não incentivamos o uso da mesma e também não persuadimos as pessoas a deixarem ao
Caroline Ferraz (6º sem.)
VIDAS QUE MUDAM COM A COPA DO MUNDO
especial P O R Bibiana Dihl (7º sem.)
V
estindo uma camiseta cinza com a inscrição Mek Áurio e enrolado em uma bandeira do Brasil, Áurio Giovanella entra na sala de casa, onde a TV está ligada. “Estou pronto”, ele avisa – e logo estende a bandeira sobre o sofá da sala. Na cozinha, Suzana, Nadyellen e Gustavo concluem os preparativos para a festa. O cheiro de pipoca salgada se mistura ao de pinhão. Apesar de a resposta ser previsível, a pergunta precisa ser feita: “O senhor vai torcer para a Seleção Brasileira?”. Áurio, 47 anos, é proprietário do Mek Áurio. O bar, fundado em 10 de agosto de 1985 quase ao lado do Beira-Rio, foi demolido na manhã de 6 de maio. “Não tive coragem de ficar lá enquanto a máquina demolia”, ele revela, enquanto Fred erra mais um passe. “Fui lá só depois para ver como tinha ficado”. O terreno onde se localizava o ponto de encontro, cuja renda correspondia a 80% do salário do dono, pertencia à prefeitura de Porto Alegre, que o alugava por R$ 1.059,00. O contrato tinha validade até 2017, com possibilidade de renovação para mais cinco anos. O bar foi pintado em janeiro deste ano nas cores da Copa do Mundo, mas, quatro meses depois, acabou demolido. No lugar, precisavam ser erguidas as estruturas temporárias do estádio. “Me
Caroline Ferraz (6º sem.) tiraram dali para favorecer outro comércio, que é o comércio da Fifa”, lamenta Áurio. Neste momento, a conversa é interrompida com um “Uuuhhh”, feito em coro pelas quatro pessoas presentes na sala. Segundos antes, o narrador dizia: “Neymar caprichou na cobrança”. “Que caprichou, o quê?”, grita Nadyellen, 18 anos, filha de Áurio, depois que a bola passa longe do goleiro Pletikosa, da Croácia. O pai concorda: “É, a Seleção não está muito bem...”. Um reforço na pergunta: “O senhor vai torcer para a Seleção Brasileira?”. A resposta evidente está na bandeira estendida e nas camisetas do Brasil vestidas pelas outras três pessoas, mesmo que a Copa tenha tirado o Mek Áurio do local onde estava há 29 anos. “Vou, vou torcer, sim”, ele afirma. “Todo mundo gosta de futebol. Aqui a gente gosta da Seleção”, explica. “O problema é que foi uma sacanagem dos nossos políticos”. Havia a programação de um churrasco na casa de Áurio para assistir ao jogo entre Brasil e Croácia, mas ela foi cancelada depois dos acontecimentos. “Fiquei sentido. Não estava no clima”, conta. Entre um pinhão e uma mão cheia de pipoca, Áurio conta que o vice-prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, deu declarações em que afirma que o dono do Mek Áurio sabia que teria que sair desde 2009. “É mentira”, rebate. “Nunca fui comunicado”. O aviso só chegou em 10 de abril,
TORCENDO PELA SELEÇÃO
quando um oficial de Justiça esteve no bar e deu a notícia. A comoção foi grande. Vários clientes, alguns há mais de 20 anos, foram até o bar com o discurso de comer o último lanche, porque não sabiam quando poderiam comer outro novamente. Aliado à comoção da clientela, outro motivo que dá esperanças ao dono do bar é a garantia de que um novo Mek Áurio será construído após a Copa. “Eles não me querem lá, mas foram obrigados, porque meu contrato ainda era válido quando me tiraram”, conta. O novo bar, a ser construído em terreno cedido pela prefeitura ao Internacional, deve ficar pronto no final de agosto. Mas, assim como a pipoca que repousa no pote sobre a mesinha de centro – ninguém come, estão todos vidrados no jogo, que já está 2 a 1 –, o valor do novo terreno será salgado. “Vou pagar 600% a mais”, ele lamenta. “Vai ser cerca de R$ 6 mil”. Aos 46 minutos do segundo tempo, a bandeira da Seleção já estava amassada sobre o sofá, e a pipoca e o pinhão, frios. Mas a família Giovanella e os convidados ainda comemoraram o último gol marcado por Oscar, fechando o placar Na despedida, um agradecimento ao repórter: “Gosto que contem a minha história. Não te preocupa, que aqui estamos torcendo pela Seleção”.
SÓ É BOA PRO NEYMAR
Luiza Antonioni (4º sem.)
P O R Bruna Zanatta (3º sem.)
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a sala da residência de Semara Bugança, uma televisão de 42 polegadas exibe o primeiro jogo da Copa do Mundo 2014. O aparelho ainda está com os adesivos de proteção, como veio da loja. “Não comprei essa TV para a Copa do Mundo. Essa Copa só é boa pro Neymar”, avisa. Semara mora na Vila Tronco, na região da cidade conhecida como Grande Cruzeiro, zona sul de Porto Alegre, desde que nasceu. Atualmente, está na casa da mãe, na Avenida Moab Caldas, a popular “Avenida Tronco”, que deverá ser duplicada, inicialmente dentro dos projetos de mobilidade urbana vinculados à Copa do Mundo. Para que o projeto se concretize, ela, sua família, seus vizinhos e mais 1.525 famílias terão de deixar suas moradias. Pela casa, ela pode receber os R$ 52.340,00 do bônus-moradia oferecido pelo Departamento Municipal de Habitação (Dehmab). “Vamos assistir à Copa no meio dos escombros”, lamenta ela, que não realiza reformas em sua casa há três anos, aconselhada pelos agentes do órgão. “Eles falaram pra eu não gastar mais nessa casa”, conta. Quando a casa começou a apresentar problemas, ela se mudou para a resi-
Áurio Giovanella, o dono do Mek Áurio, assistiu ao jogo de estreia com a família
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dência da mãe, no mesmo terreno. Seus pais são uns dos que já conseguiram o benefício, e hoje estão instalados na nova moradia, também na vila. Na casa onde morava, continuam todos os seus móveis. Quando ficou sabendo que poderia ganhar uma casa nova, Semara comprou móveis novos. “Comprei um jogo de sofá novo e uma cama box. Estão lá na casa, atirados. Pobre não pode ter conforto”, lastima. Um amigo da família entra na sala e diz a Semara – que perdeu o primeiro tempo porque estava trabalhando – que a presidenta Dilma Rousseff foi vaiada. Ela se surpreende: “Sério?”. O amigo responde: “E tu achas pouco? Tu vais levar teu filho no Beira-Rio quando ele precisar de hospital?”. Neymar cobra o pênalti e vira o jogo. Gol! Todos permanecem sentados. O Fuleco, mascote da Copa do Mundo do Brasil, está estampado do lado de fora da casa, na parede. Na vizinhança, os sinais das desapropriações tomam conta da paisagem e misturam-se a bandeiras do Brasil e a declarações de incentivo à Seleção Brasileira: “Vai, Brasil!” Os responsáveis pela ação são os 60 alunos do Instituto de Integração Social da Vila Tronco, que, há dois anos, recebe jovens de 14 a 17 anos para atividades recreativas no período em que não estão na escola. Marizia da Silva Canez mora em frente
ao Instituto, onde seus filhos também passam as tardes. Por isso, Marizia abriu a casa para que as crianças a decorassem. As janelas, o teto, o chão e as unhas (Marizia é manicure) – tudo está nas cores do Brasil. Ela fez um chimarrão para torcer. A casa ainda vai passar pela avaliação e ela acredita que, apesar de tudo, a Copa pode melhorar sua vida. Logo, a casa mais decorada da Vila Tronco será desapropriada, e as janelas verdes e amarelas estarão entre os escombros. Na sede do Instituto, que não será atingida pelas despropriações, um telão exibiu o jogo do Brasil e Croácia, a aguardada estreia no Mundial. As crianças celebraram o gol contra de Marcelo, zagueiro da seleção brasileira. Janaina Gonçalves é auxiliar e pinta na pele das crianças os símbolos da CBF e da Copa do Mundo. Ela pergunta por que estão torcendo para a Croácia. “Porque é melhor que o Brasil”, responde um dos meninos. O filho de Semara, João, participa do projeto e tem talento para o desenho – o que explica o Fuleco na parede. A mãe não se incomoda e até pensa em colocar o menino em um curso de desenho. Mas diz que “não está nem aí pra Copa”. Oscar marca e, já em um bar próximo, Semara comemora, junto de sua turma: “Esse guri mereceu o dele!”.
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Moradora da Vila Tronco, Semara Bugança deixou sua casa em função das obras da Copa
Yanlin Costa (2º sem.)
MINHA VIDA É AQUI
Geraldo Fraga viveu por 15 anos na área ao lado do Beira-Rio e foi despejado em fevereiro P O R Thamíris Mondin (5º sem.)
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a quinta-feira, 12 de junho, o Brasil parou às 17h para assistir à abertura da Copa do Mundo. O jogo inaugural foi em São Paulo, mas em Porto Alegre as ruas ficaram irreconhecíveis para um dia útil no meio da semana. Na Zona Sul, nas redondezas do estádio Beira-Rio, palco dos jogos do Mundial na capital gaúcha, a batucada do samba que vinha de um pavilhão de festas ficava ainda mais alta pelo contraste do vazio na avenida. Do outro lado, em uma casa de madeira muito simples, erguida sobre um terreno desnivelado, o mecânico Geraldo Fraga, 48 anos, tomava café e fumava em silêncio, sentado na soleira da porta aberta. Geraldo costuma tragar seus cigarros olhando para o outro lado da avenida, onde vivia até fevereiro deste ano, quando foi despejado. Ele faz parte do grupo de moradores que ocupava a área ao lado do estádio do Internacional. Estava ali havia 15 anos, quando se mudou para um espaço onde funcionava uma floricultura. Antes disso, já morava na zona sul de Porto Alegre. Desde que chegou de Santo Antônio da Patrulha, recolhido aos 10 anos como menor abandonado, permaneceu na região. Quando jovem, transitou entre os institutos de menores vinculados à antiga Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (Febem), onde aprendeu o ofício de mecânico, por meio do qual se sustenta
até hoje e paga suas contas em dia, como gosta de destacar. “Sempre vivi por aqui. Minha vida é aqui, meus amigos, meus clientes. Se perguntar para qualquer um pelo Geraldão, todo mundo me conhece”, explica. Depois da ação de despejo, ele foi morar na casa onde recebeu a equipe do Editorial J, que pertence ao vizinho, para o qual prestava serviços como mecânico. Na nova casa, ele não tem o pequeno pátio que na outra lhe servia como espaço de trabalho. O acesso para a avenida também não é o mesmo, o que lhe tirou os clientes ocasionais que paravam por ali. Com o dinheiro do aluguel social, acordo que ele aceitou depois de brigar na Justiça pela posse da área que ocupava, paga o vizinho pela casa de dois cômodos. Antes, havia recusado a proposta que muitos de seus vizinhos aceitaram, a mudança para um espaço na Restinga.“Eles queriam nos empurrar lá para Pitinga, que é uma área da Restinga que chamam até de Carandiru. Querem nos empurrar para o meio dos bandidos, onde não tem transporte e a gente não tem como vir reclamar. Para eles, quanto mais longe a gente estiver, melhor. E depois chamam de inclusão social. Para mim, isso é exclusão”, desabafa. O que mais o incomoda é a permanência dos pavilhões da escola de samba Praiana e da Banda do Saldanha, que estão na mesma área onde ele morava. “É isso que eles vão deixar aí. Isso pode ficar. Eu e todo mundo tivemos que sair. A marmoraria, o posto de gasolina, todo mundo que tinha negócio. Mas a Praiana eles vão deixar. E
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o Saldanha também, que está aí ganhando rios de dinheiro. Isso é Brasil”, reclama. Geraldo conversava sem se preocupar com a partida entre Brasil e Croácia, que marcava a abertura do Mundial e para a qual todos estavam voltados. Não viu nenhum lance do jogo. Não por protesto, embora considerasse a organização da Copa bastante injusta, mas porque sua televisão não sintonizava nenhum canal. Chacoalha a antena enferrujada que já estava ali quando ele se mudou, para mostrar que o aparelho de tevê dentro da casa não tinha utilidade. “Pode ser que assista alguma coisa da Copa, se conseguir arrumar uma tevê que funcione. Mas prefiro olhar corridas, sabe?”, justifica. Alheio ao clima de festa que contagiava a maioria dos lares brasileiros, Geraldo conversava sorridente e contava sua história com algum bom humor. Diante da pergunta se a Copa lhe tirou algo importante, ele disse que não foi o torneio, mas a organização dele. “Não me sinto revoltado. A palavra é enganado. Eles só se lembraram que eu estava ali por causa da Copa. Quer dizer, o cara mora ali há 15 anos, paga água a luz em dia, e depois desse tempo todo é que eles querem me chamar de invasor?”, pergunta, rindo largamente. Na despedida, a noite se anunciava, e o jogo estava inacabado. Geraldo seguiu fumando na soleira e olhando para o outro lado, enquanto a banda de samba ritmava os gols (3 a 1 para o Brasil).
EDIÇÃO 16
AGOSTO/SETEMBRO 2014 • NÚMERO 16 • FAMECOS/PUCRS • WWW.PUCRS.BR/FAMECOS/EDITORIAL J
Para onde vai o Rio Grande Próximo governo do Estado vai assumir o Palácio Piratini com o desafio de adaptar o seu plano às dificuldades históricas impostas pela crise nas finanças públicas. O Editorial J comparou números para entender as principais tendências relativas à oferta de serviços públicos essenciais, como educação, saúde e transportes. O cenário desanimador indica que o Rio Grande do Sul patina. PÁGINAS 6 E 7
Pedro Scott (3º sem.)
O que políticos diziam antes da disputa eleitoral
Bruno Ibaldo
FAMECOS Diretor João Guilherme Barone Reis e Silva Coordenador do curso de Jornalismo Fábian Chelkanoff Thier Coordenadora do Espaço Experiência Paula Puhl Coordenador do Editorial J Fabio Canatta Coordenadora de produção Ivone Cassol Projeto gráfico Luiz Adolfo Lino de Souza e Núcleo de Design Editorial/ Espaço Experiência Professores responsáveis Alexandre Elmi Fabio Canatta Flávia Quadros Ivone Cassol Marcelo Träsel Marco Villalobos Rogério Fraga Tércio Saccol Vitor Necchi Alunos editores Caroline Ferraz, Guilherme Almeida, Thamíris Mondin, Thiago Valença, Victor Rypl e Yasmin Luz. Diagramação Bruno Ibaldo
história
Alunos Ana Maria Muller, Anahis Vargas, Annie Castro, Betina Carcuchinski, Bruna Ayres, Bruna Zanatta, Bruno Ibaldo, Camilla Pereira, Cândida Schaedler, Carolina Michaelsen, Carolina Teixeira, Carolina Zorzetto, Cássia Oliveira, Cinthia Aquino, Cláudia dos Anjos, Constance Laux, Cristiane Luckow, Daniela Flor, Douglas Abreu, Eduarda Endler Lopes, Flávia Carboni, Frederico Martins, Gabriel Gonçalves, Gabriel Raimundi, Georgia Ubatuba, Gustavo Fagundes, Guilherme Mercado, Isadora Marcante, Jéssica Moraes, Jéssica Wolf, João Paulo Dorneles, João Paulo Wandscheer, João Pedro Arroque Lopes, Jorge Sant’ana, Júlia Bernardi, Júlia de Quevedo, Júlia Silveira, Juliane Guez, Karine Flores, Kelly Moreira, Leonardo Ferri, Letícia Ferraz, Lucas de Oliveira, Lúcia Vieira, Luísa Dal Mas, Luiza Meira, Martha Menezes, Mauro Plastina, Milena Haas, Muriel Porfírio, Otávio Antunes, Paola Pasquali, Patrícia Lapuente, Pedro Henrique Tavares, Pedro Gomes, Raphael Seabra, Rafael Sobral, Raquel Baracho, Rebeca Kuhn, Roberto Kralik, Rodrigo Luz, Rodrigo Mello, Sofia Schuck, Taína Cíceri, Thiago Rocha, Vanessa Padilha, Vitor Laitano, Vitória Fonseca, William Anthony e Yanlin Costa
POR Thamíris Mondin (6º sem.)
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ara inaugurar a cobertura multimídia do Editorial J sobre as eleições de 2014, a edição impressa de nº 16 mergulhou em dados correspondentes às principais áreas de atuação governamental do Rio Grande do Sul para compreender o cenário que será herdado pela próxima gestão, em outubro. Questões como educação, saúde, qualidade de vida, estrutura viária, desenvolvimento econômico e finanças públicas foram analisadas a partir de números divulgados entre 2002 e 2014 e alinhavadas pelas observações de especialistas de cada área. O quadro final, que mostra um Estado com dificuldades de crescimento, sufocado pela dívida pública de R$ 50,4 bilhões, está apresentado na reportagem especial das páginas 6 e 7. Ainda dentro do panorama eleitoral, a página 8 foi ilustrada com uma nuvem de palavras
FamecosCast É uma webradio com programação diária de reportagens, debates, entrevistas, colunas e noticiários ustream.tv/channel/famecos-cast.
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Luiza Meira (2º sem.)
CONTEÚDOS DO EDITORIAL J
aqui, além da sua adaptação e montada a partir dos discursos dos mecanismos de fiscalização dos deputados estaduais e fededeste fluxo migratório, cada vez rais, que reúne os termos mais mais intenso no Estado. recorrentes usados em seus proO leitor encontra ainda manunciamentos. térias sobre a relação do sistema E no período que o Brade reciclagem com sil decide quem vai a economia (ps. 10 ocupar a Presidêne 11) e sobre a inicia pelos próximos ciativa humanitária quatro anos, o EdiInauguque tem se tornado torial J rememoramos a popular e mobilira as seis décadas zado cada vez mais da morte daquele cobertura adeptos: a doação que é considerado multimídia de cabelos para os o maior político da que sofrem com os história nacional sobre as efeitos da quimiotee o que por mais eleições. rapia no tratamento tempo esteve no do câncer (p. 9). comando do país: Por fim, ainda na Getúlio Vargas. Na ideia de uma contracapa página ao lado, o livre de todas as pré-definições legado e o impacto da morte do gráficas do nosso impresso, estadista nos rumos da história abrimos mão das cores que brasileira. identificam o Editorial J e diNas páginas 4 e 5, as repórtevulgamos uma galeria que torna res Bruna Zanatta, Júlia Bernarvisível os moradores de rua de di e Mariana Fritsh falam sobre Porto Alegre, ignorados no cotio novo perfil de imigrantes que diano. Todas as fotos, feitas por estão adotando o interior do Rio Guilherme Almeida, podem ser Grande do Sul como destino e encontradas em nosso site. os motivos que os trouxeram até
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Editorial J na TV Telejornal quinzenal, com pautas temáticas e reportagens sobre assuntos diversos. As edições estão disponíveis em youtube.com/ editorialj.
IMPRESSÃO Gráfica Epecê - PUCRS
Laboratório convergente da Famecos www.pucrs.br/famecos/editorialj
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No cercado da imprensa Entre agosto e setembro, o Rio Grande do Sul sedia anualmente a Expointer (Exposição Internacional de Animais, Máquinas, Implementos e Produtos Agropecuários). A feira é ponto de visitação e lazer dos gaúchos, para além dos envolvidos com o agronegócio e a pecuária. O evento movimenta a imprensa local e desloca para Esteio, na região metropolitana de Porto Alegre, equipes que acompanham cada detalhe. O Editorial J esteve por lá para observar os bastidores da cobertura jornalística e a força-tarefa para reinventar, ano após ano, a maneira de contar as histórias da Expointer. Confira o resultado em: http://www.eusoufamecos.net/edito rialj/agronegocio-nas-manchetes-o-trabalho-da-imprensa-na-expointer/
O tiro que adiou o golpe AO DIS PA RA R CO N T RA O P RÓ P RIO P E ITO, G ET Ú L IO VA RG AS CO N T E VE A P RESSÃO DO S Q U E LU TAVA M CO N T RA S UAS ID E IAS A E MP U RRO U CO N S P IRA ÇÃ O G O L P IS TA PARA 1964 Reprodução/Folha da Tarde
P O R Thamíris Mondin (6º sem.)
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m 2014 são rememoradas duas datas marcantes na história recente do Brasil: os 50 anos do golpe civil-militar, de 1964, e os 60 anos do suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. O intervalo de 10 anos entre os dois acontecimentos mais significativos do cenário político brasileiro do século XX estão, para muitos pesquisadores do período, relacionados. “Existia, mesmo antes de 1954, uma força de setores que tinham a intenção de romper com a ordem estabelecida, com uma deposição forçada. O suicídio de Getúlio foi, sim, um ato político. Só se pode dizer hoje que ele adiou o golpe porque é uma visão prospectiva, mas ele inibiu aqueles que intentavam o golpe. Esta intenção já se via antes e se viu depois, em 1961, quando foi outra vez impedida, pela legalidade”, explica o historiador e pesquisador de História Política do Brasil da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Luiz Alberto Grijó. As pressões sobre o governo em crise de Getúlio não vinham só do setor militar. “Existia isso pelo lado civil também. Carlos Lacerda era um exemplo disso, de uma parcela civil que se opunha ao governo supostamente de esquerda de Vargas e desejava uma ruptura, não importando os meios”, complementa Grijó. Lacerda, político e jornalista, vociferava em seu jornal, a Tribuna da Imprensa, contra Getúlio. Este periódico também teria papel importante no grupo da imprensa que apoiaria o golpe, 10 anos depois. Na madrugada de 5 de agosto de 1954, Lacerda sofreu um atentado na Rua Tonelero, no Rio de Janeiro, que foi atribuído ao presidente Vargas e sua guarda pessoal, agravando a crise. Depois da última reunião ministerial no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, em que havia decidido por se licenciar, Getúlio se recolheu e, poucas horas depois, na manhã de 24 de agosto de 1954, disparou contra o próprio peito, concretizando o que escrevera em sua carta-testamento: “Saio da vida para entrar na História”. Para o historiador e jornalista Juremir Machado da Silva, autor do romance histórico Getúlio, o suicídio não só adiou o golpe como mexeu também com o cenário eleitoral dos anos seguintes. “Com a morte dele e a comoção popular, mudaram os rumos das eleições seguintes. Em 1954 se elegeu Juscelino Kubitschek, com Jago na vice-presidência, muito mais próximos das ideias de Getúlio. Muito possivelmente, se
Arquivo Nacional
Nosso olhar sobre a eleição
Vice-reitor Ir. Evilázio Teixeira Pró-reitora Acadêmica Mágda Rodrigues da Cunha
PÁGINAS 10 E 11
PÁGINA 8
PÁGINAS 4 E 5
papo de redação
PUCRS Reitor Ir. Joaquim Clotet
Como funciona a economia da reciclagem
Estrangeiros chegam em busca de oportunidades
DIAGRAMAÇÃO:
Jornal do Laboratório de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Avenida Ipiranga, 6.681 Porto Alegre/RS
Do lixo ao lucro
Propostas cruzadas Guilherme Almeida (5º sem.)
A nova onda de migração
Ato extremo do presidente levou multidão às ruas para lamentar morte e fim prematuro do mandato AGO S TO / S ET E M B R O DE 2 0 1 4 • P Á GI N A 3
Getúlio tivesse terminado aquele mandato, sairia desgastado e seus opositores assumiriam”, reflete Juremir. O partido opositor de Getúlio, a União Democrática Nacional( UDN), contava com o apoio de setores conservadores da elite, contarariados pelo populismo e as medidas sociais implementadas pelo presidente. Com forte alinhamento com a imprensa do centro do país, a UDN liderou a campanha cotra Getúlio nos meses que antedecederam sua morte. O jornalista Walter Galvani conta que, na época, se posicionava como antigetulista e percebia o protagonismo da imprensa. “Naquele ano de 1954, eu era o que se poderia chamar de um guri bobo, com recém completados 20 anosde idade, e sem nenhuma maturidade. Havíamos fundado, em Canoas, um pequeno jornal que teria o nome de Expressão. Com a influência da UDN, líamos sempre que podíamos os jornais do Rio e São Paulo e, de um modo muito especial, a Tribuna da Imprensa, de Lacerda”, lembra. A notícia da morte comoveu todo o país e, em especial, o Rio Grande do Sul. “No dia 24 de agosto, assim que a rádio Farroupilha de Porto Alegre deu a notícia, pouco depois das 8h30min, as pessoas pró e contra começaram a se juntar no centro de Canoas, onde vivíamos. E por uma questão até de definições políticas, os pró Getulio ficaram acima dos trilhos ferroviários, nas imediações da praça central, a Praça da Bandeira, e os curiosos ou opositores se juntaram na avenida Vitor Barreto. Com 300 metros de permeio”, relembra Galvani. Getúlio Vargas foi um divisor de águas na história brasileira. Governou o país entre 1930 e 1945, com o a ditadura do Estado Novo a partir de 1937, e depois voltou democraticamente na chamada “eleição carismática” de 1950, quando fez um governo de centro-esquerda. “O Brasil é um antes e outro depois dele. Ele tinha um projeto nacionalista, de incorporação de grandes setores excluídos da população, de modernização do país. E ele conseguiu, mudou o Brasil”, explica Juremir. Entre as maiores realizações dos períodos em que o país foi governado por Getúlio estão a criação da Petrobrás e a Consolidação das Leis do Trabalho. “O que ele fez, nunca antes havia sido feito. O legado histórico-social dos governos que ele capitaneou é incomparável. Ele criou um modelo de organização do Estado e de administração pública que não existia antes no Brasil”, finaliza Luiz Alberto Grijó.
Pedro Scott (3º sem.)
migração
tência eficiente e facilidade para conseguir o o segundo país em número de refugiados no protocolo de refugiado. Uma vez no Brasil, Brasil, perdendo apenas para Bangladesh. os migrantes têm um prazo de 30 dias para A maioria dos solicitantes de refúgio vem contatar a Polícia Federal e abrir o processo de países da Ásia, da África e da América do de pedido de refúgio. Na ocasião, recebem o Sul. Em Bangladesh, o agravante é a superprotocolo que garante sua permanência legal população. O país é um pouco maior do que no país até que o pedido seja analisado pelo o estado brasileiro do Amapá, mas o número Conare. de habitantes é 220 vezes maior. Hoje, além do movimento habitual na Entre 2010 e 2013, o número de pedidos delegacia da Polícia Federal, de refúgio no Brasil aumentou dezenas de estrangeiros espeem 800% (de 566 em 2010 ram por algum tipo de assispara 5.256 em 2013). O govertência. A estrutura de atendino brasileiro é hoje, entre os O Brasil mento na Polícia Federal de países emergentes, o principal é conheciCaxias do Sul foi ampliada, e doador de recursos financeiros os funcionários têm procuraà agência da ONU para refugiado como do se informar sobre a língua dos. Segundo o representante país falada por esses migrantes que do ACNUR no Brasil, Andrés chegam. O ACNUR também Ramirez, o país sempre teve acolhedor.” realiza treinamentos dos agenum papel pioneiro na proteção tes públicos, junto do Conare. internacional dos refugiados. Andrés Ramirez Um estudo da Pontifícia “O Brasil é internacionalmente Universidade Católica de Minhas reconhecido como um país acoGerais (PUC-MG), divulgado em lhedor”, ressalta. Para ele, o aumaio, constatou que Caxias do Sul é a quinta mento se deve ao grande número de conflitos cidade no Brasil em número de refugiados no planeta (Primavera Árabe, conflitos mais haitianos, que têm direito a um tipo especial antigos como a Guerra do Afeganistão e do de visto, o humanitário. Portanto, não estão Iraque e a guerra civil na Síria, por exemplo) qualificados como refugiados. Para Ramirez, o que faz com que as pessoas saiam dos seus a preferência pelo interior se deve ao nível países, pois a própria vida estava em risco. de desenvolvimento de municípios como Outro fator importante é que o país está Caxias do Sul e Passo Fundo, mesmo que cada vez mais presente no cenário mundial não sejam grandes cidades. “Eles tentam e, segundo o Banco Mundial, já é a sétima arrumar emprego em grandes centros, mas economia do mundo. Essa é a razão pela também procuram opções diferentes, até qual Balla trocou seu país pelo interior do porque muitos vêm de lugares pequenos e Rio Grande do Sul. “Brasil é país emergente, não estão acostumados com grandes solos sabíamos que encontraríamos emprego”, urbanos”, explica. conta. O agricultor Nelson Kussler, na sua propriedade no interior de Ibirubá, no noroeste do Estado, deu oportunidade para dois refugiados encontraram a chance de mudar de Ramirez avalia a legislação brasileira vida. Aliou Salane é do Senegal, e Barri Alf, como uma das mais eficientes do mundo no de Guiné Bissau, país africano de história tratamento de refugiados. Aqui, o refugiado política marcada por golpes e que aparece tem acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS) entre os principais solicitantes de refúgio. e conquista o direito de frequentar as escolas No começo, a língua foi uma adversidade públicas de ensino Fundamental e Médio. a ser superada na relação de trabalho, e a Também pode obter documentos como Carcomunicação se resolvia com gestos simples. teira de Trabalho e Previdência Social e CPF. Aliou estava há uma semana no Brasil quanPara sair do território nacional, o refugiado do foi contratado para trabalhar na granja. precisa de autorização do Conare. Caso conO trabalho não era bem o que ele esperava trário, pode perder sua condição de protegido encontrar. “Imaginava que iria trabalhar na pelo Estado brasileiro. cidade, mas gosto daqui”, conta. O caráter Sediar a Copa do Mundo em 2014 e as rotineiro da vida no campo, porém, logo foi Olimpíadas em 2016 também atraiu muitos captado pelos dois. Hoje, quando ouvem desses refugiados, que acreditaram nas oferuma palavra que ainda não tas de empregos em potencial, conhecem, eles repetem e anoocasionada pelos megaevenVivem tam do jeito deles. “Eles têm tos. Outros, aproveitaram os muito interesse em aprender. jogos da Copa para ingressar hoje no E já aprenderam muita coisa”, como torcedores e pedir repaís cerca garante Kussler. fúgio no Brasil. Em junho, No dia a dia da fazenda, durante o Mundial, Caxias do de 6,5 mil eles tiram leite, cuidam da Sul, na região serrana, foi torefugiados, alimentação dos animais e da mada por centenas de ganeses limpeza do galpão. Moram no que entraram no Brasil com o de mais de alojamento da propriedade e visto de turista concedido pela 80 nações. mantêm uma relação tranquila embaixada brasileira em Acra, com os demais empregados. É capital do país. Em apenas ali também que eles fazem todas 13 dias, o número de ganeses as refeições. “Na África, comíamos chegou a 327, saturando a esuma vez no dia”, lembra Barri Alf, que tratrutura de atendimento e assistência. balhou como camelô no Rio de Janeiro antes Segundo Vinícius Possamai Della, delede vir para o Rio Grande do Sul. gado da Polícia Federal de Caxias do Sul resTodos os dias, Aliou e Barri Alf sobem o ponsável pelo setor de imigração, não existe morro atrás do sinal de telefone e ligam para investigação sobre alguém ou algum grupo a família. E todos os meses, ao receberem o que estaria trazendo esses migrantes. Ele assalário, vão a Passo Fundo a fim de enviar a socia o fenômeno às condições favoráveis que maior parte da quantia para suas famílias, os migrantes encontram ao chegar à cidade, que permanecem nos países de origem. como promessas de emprego, rede de assis-
Refúgio chamado Brasil
“
E M T R Ê S A N O S, O N ÚME R O TOTAL DE R E FUGIADOS NO PAÍS AUM E NTOU E M 800 % P O R Bruna Zanatta (4ª sem.), Júlia Bernardi (4ª sem.) e Mariana Fritsch (4ª sem.)
Pedro Scott (3º sem.)
Balla Ka (segundo da direita para esquerda) e quatro amigos vieram do Senegal para Lagoa dos Três Cantos
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alla Ka ainda se esforça para conseguir falar tudo o que quer em português, mas uma palavra já soa com certa facilidade: saudade. A expressão nem existe na sua língua (o dialeto wolof), mas ele sabe bem o que significa. Saudade é o aperto no peito que o acompanha desde que chegou ao Brasil, em julho do ano passado. Ele e mais quatro amigos vivem em Lagoa dos Três Cantos, pequena cidade de colonização alemã de 1,6 mil habitantes, no interior do Rio Grande do Sul, onde trabalham em um armazém de cereais. O grupo faz parte do fenômeno de imigração que se alastra pelo Estado há pelo menos dois anos. Segundo o último levantamento do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), ligado ao Ministério da Justiça, e do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), divulgado em maio deste ano, a Região Sul do Brasil é onde mais surgiram solicitações de refúgio em 2013, chegando a 37% do total, contra os 29% do total de solicitações da Sudeste. O Estado de São Paulo lidera em número de solicitantes, seguido por Paraná, Distrito Federal e Rio Grande do Sul, que aparece em quarto lugar, com 9,3% dos casos. Ao todo, vivem hoje no Brasil cerca de 6,5 mil refugiados, de mais de 80 nacionalidades diferentes, segundo dados atualizados pelo ACNUR em julho. Pela convenção de Genebra de 1951, é refugiada “toda pessoa que, em razão de fundados temores de perseguição devido à sua raça, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar ao mesmo”. Definições mais amplas passaram a considerar como refugiadas as pessoas obrigadas a deixar seu país devido a conflitos armados, violência generalizada e violação massiva dos direitos humanos. Balla e seus amigos são do Senegal, país da costa ocidental da África, que está atualmente em um confronto civil conhecido como Conflito de Casamança, travado entre governo e forças separatistas da região ao sul do país. Com isso, milhares de senegaleses deixaram o país em busca de oportunidades e melhoria nas condições de vida. O dinheiro enviado por eles acabou se transformando em fonte determinante na receita do país. Devido ao aspecto violento do conflito, os senegaleses precisam da proteção do país em que chegam, garantida com o visto de refugiado, que assegura também a permissão de trabalho com carteira assinada. O Senegal é
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Balla Ka veio em busca de vida melhor: “Brasil é emergente”
MP fiscaliza a migração Defensoria Pública do Estado e da ComisComo o trabalho é fator fundamental são de Direitos Humanos da Assembleia na permanência deste contingente no Legislativa. A investigação não constaBrasil, o tema merece a atenção do Ministou irregularidades. “O resultado dessas tério Público do Trabalho no Rio Grande investigações é variável, sendo que, por do Sul (MPT-RS), que atua na defesa dos vezes, a denúncia não se confirma, e em direitos trabalhistas. Segundo a procuoutras, buscou-se a solução dos probleradora do Trabalho e coordenadora de mas encontrados”, afirma. Atuação em 1º grau de Jurisdição do MPT A expectativa do ACNUR em Porto Alegre, Patrícia é de que, para 2014, 12 mil Sanfelici, o órgão conta hoje novos pedidos de refúgio secom um grupo de trabalho jam atendidos. No dia 30 de sobre migração, que se reúNa Áfrijulho, o Conare aprovou um ne periodicamente a fim de ca, comíanúmero histórico de pedidos discutir questões relativas de refúgio: 680 migrantes aos migrantes. Além disso, mos uma foram reconhecidos na ocajulga supostas irregularidade vez ao sião, mais do que o total de senvolvendo esses trabalhareconhecidos em todo o ano dores. Casos de estrangeiros dia.” passado. Desses, 532 são de trabalhando em condições nacionalidade síria. O país precárias são algumas das Barri Alf vive uma guerra civil que já questões já analisadas. forçou quase metade da sua A entidade acompanha população a sair de casa. Ao todo, de maneira especial os hai3 milhões de sírios estão refugiados em tianos que chegam ao Estado. Em 2012, países vizinhos. o MPT-RS abriu inquérito para invesNo fim do ano, o Brasil sediará o entigar o caso de um grupo de haitianos contro Cartagena +30, com a pretensão que teria sido demitido de uma empresa de consolidar e ampliar as conquistas da em Igrejinha, no Vale do Paranhana. Na declaração assinada em 1984 na cidade ocasião, o trabalho foi realizado em concolombiana de Cartagena das Índias, junto com a comissão interinstitucional, marco para o trabalho humanitário da formada por representantes do MPT, da América Latina e no Caribe. Procuradoria-Geral do Estado (PGE), da
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eleições 2014
O Rio Grande para o próximo governo O Rio Grande para o próximo governo Quem for escolhido para assumir o Palácio Piratini a partir de 1º de janeiro de 2015 terá de adaptar seus projetos à realidade dos números: tolhido pelas finanças públicas, o Estado patina na melhoria de alguns indicadores de serviços. Para compreender as tendências em áreas como saúde, educação, transportes e qualidade de vida, o Editorial J comparou números do início dos anos 2000 com os recentes disponíveis e constatou que o Estado perde terreno no Brasil.
Arte: Bruno Ibaldo (8º sem.) e Kimberly Winheski (6º sem.)
POR Thamíris Mondin (6º sem.), Bibiana Dihl (8º sem.), Yanlin Santos (3º sem.), Frederico Martins (6º sem.), Thiago Valença (5º sem.) Yasmin Luz (4º sem.), Victor Rypl (8º sem.) e Gabriel Gonçalves (4º sem.)
C
om o calendário de 2014 alcançando a data marcada para o primeiro turno das eleições, em 5 de outubro, o Editorial J buscou encontrar a resposta para uma pergunta a respeito do futuro do Estado: qual é a situação das principais áreas de atuação governamental para o próximo governador do Rio Grande do Sul? Ao mergulhar em dados sobre educação, saúde, transportes, qualidade de vida, desenvolvimento e finanças públicas, a equipe do laboratório de jornalismo procurou traçar o cenário que será herdado pelo novo governo do Estado, a ser definido junto com a votação para a Presidência e para o quadro legislativo estadual e federal. Asfixiado por uma dívida pública de R$ 50,4 bilhões, com 93% do valor correspondente ao débito interno com a União, o Rio Grande do Sul é o quarto estado mais endividado do país. A dívida consolidada líquida gaúcha foi duas vezes maior do que a arrecadação de 2013. Esta crise nas finanças, que começou a ser gerada pela gestão descontrolada há 40 anos,
Transporte Segundo o percentual de quilômetros asfaltados.
30 anos, chegamos a destinar embaraça os investimentos em to30% da receita corrente líquida das as áreas e trava o crescimenpara investimentos. Hoje temos to. Atualmente, cerca de 13% da um gasto de investimento em 5%. arrecadação do Estado vai para o Estamos investindo um sexto do pagamento de juros e amortização que era investido”, afirma. Os gasda dívida estadual. tos com servidores aposentados Meta comum aos programas também impactam as finanças de governo dos candidatos ao públicas. Segundo dados de junho Palácio Piratini, a renegociadeste ano, do total de 285.665 mil ção da dívida pode ser avaliada funcionários públicos do Estado, pelo Senado ainda em 2014. O 139. 455 mil são aposentados. novo modelo, proposto através Apesar de a receide um projeto de lei ta do setor público da presidente Dil estar comprometida, ma Rousseff, prevê a a renda da economia substituição do IGPInvesgaúcha apresenta -DI, índice de corretimos um crescimento. O Proção da inflação, cujo duto Interno Bruto cálculo eleva ainda sexto do do Estado (PIB) sumais a dívida, pelo que era perou a média nacioIPCA, um indexador nal em 2013 e cresde inflação menos investido” ceu 5,8%, enquanto elevado. O projeto de Alfredo o Brasil registrou alta lei também reduz os Meneghetti de 2,3%. A região mejuros do pagamento. tropolitana de Porto Professor de ecoAlegre tem o menor índice nomia da PUCRS, Alde desemprego entre as seis regifredo Meneghetti lembra que, em ões estudadas pelo Instituto Bra1998, quando ocorreu a primeira sileiro de Geografia e Estatística negociação da dívida, durante o (IBGE). Com índice de 6,4%, no governo Antônio Britto (1995ano de 2013, a região deixou para 1998), o IGP-DI era considerado trás Belo Horizonte, Fortaleza, um bom índice. Hoje o cálculo Recife, Salvador e São Paulo. Em deste mesmo indexador pode 2002, a taxa era de 15,3% de dechegar ao dobro da correção feita sempregados. A última colocada pelo IPCA, o corretor oficial da em 2013 foi a região metropoliUnião. Meneghetti também restana de Recife, que apresentou o salta a diminuição do percentual índice de 13% de desempregados, da receita voltada para investienquanto em 2002 este número mentos. Segundo o professor, a era de 20,3% para a mesma requestão é mais um problema esgião. “A perspectiva para 2014 é o trutural das finanças gaúchas.“Há
“
Despesa total por 100 mil habitantes Despesa total por 100 mil habitantes
RS – 4º lugar
2002 2012
RS – 4º lugar
ra e Transportes (Dnit), de 2013, sobre a pavimentação entre os 26 estados e o Distrito Federal, o Rio Grande do Sul figura na última posição no quesito estradas asfaltadas: 7,2% das estradas estaduais, federais e vicinais pavimentadas. A expectativa de vida e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) também caíram no Estado, regredindo duas posições de 2000 para 2010, apesar de o Rio Grande do Sul ainda apresentar boa colocação na tabela nacional. Está em 5º lugar no ranking brasileiro de 2010, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com média de 75,38 anos de vida. O primeiro é o Distrito Federal, com média de 77,35. Mas, apesar de estar apenas cerca de dois anos atrás do primeiro colocado, o estado já esteve melhor: em 2000, era 3º colocado, e a expectativa de vida era quase igual à do primeiro – 73,22 em comparação a 73,86. Em relação ao IDH, Rio Grande do Sul é o 6º colocado, com 0,746 no cálculo de 2010, segundo dados do PNUD. O primeiro, assim como no índice anterior, é o Distrito Federal, com IDH de 0,824. Em 2000, o Estado também estava melhor no ranking: era o 4º colocado. Estes e outros aspectos, revolvidos em exaustão durante o pleito eleitoral, formam o quadro que aguarda e desafia a gestão do Rio Grande do Sul para os próximos quatro anos.
Educação Ideb observado no 3º ano do Ensino Médio na rede estadual
2005 2013 RS – 3º lugar
RS – 2º lugar
RS
3,7 Média nacional
3,7
RS
3,4 Média nacional
3
Taxa de abandono no 3º ano do Ensino Médio (Primeiro lugar no ranking indica o pior resultado)
2005 2011 RS – 23º lugar
RS – 16º lugar
RS
RS
8,1%
10,3%
Média nacional
Média nacional
10,3%
9,1%
Qualidade de vida
Saúde
Dívida com a União em bilhões de R$
2002 2013
RS – 26º lugar
+
Finanças públicas 2006 2013
RS – 24º lugar
possibilidade atrativa de posiciootimista. No último ano, atingiu a namento no mercado de trabalho. 2ª posição no Índice de DesenvolO abandono precoce da escola tem vimento da Educação Básica (Ideb) impacto na qualificação profissioentre todos os estados do país m nal e engrossa o quadro da precarirelação ao 3º ano do Ensino Mézação do trabalho. dio. No relatório anterior, de 2011, A pesquisadora explica que os estava no 12º lugar, ficando abaixo números mostram o que aconteceu do Paraná e de Santa Catarina Em gradativamente ao longo dos anos 2005, o Rio Grande do Sul figurava com a educação no Estado. O modo na primeira posição entre os estade reverter essa situação seria amdos da região Sul e em terceiro lupliar o investimento em infraestrgar no ranking brasileiro. Na tabetura e modernização, la de evasão escolar, começando pelo saláno ano de 2005, o Rio rio e qualificação dos Grande do Sul ocuprofessores. Apesar pava a 23ª posição, Confira as tabelas das contradições na com a taxa de 8,1% completas no site do educação gaúcha, em de abandono no EnEditorial J 2013, o crescimento sino Médio. Em 2011, no ranking nacional houve piora, subiu foi importante ainda para a 16ª, com 10,3% que pouco expressivo de evasão, acima da em uma relação commédia nacional. parativa, uma vez que Sobre o abandono muitos outros estados dos estudos, a falta apresentaram baixa. de investimentos des“O índice cresceu, sim, de as séries iniciais mas muito pouco em relação ao aparece como explicação. “Os anterior”, observa Marta. O ensino alunos não conseguem se manter politécnico seria um dos motivos no Ensino Médio devido ao baixo para o crescimento. “O sistema nível de ensino no Fundamental politécnico tem avaliação interdisatualmente” relaciona Marta Luz ciplinar. O aluno que não vai bem Sisson, pesquisadora especialista em determinada disciplina tem sua em educação da Pontifícia Univeravaliação compensada por outra, sidade Católica do Rio Grande do em que se saiu melhor”, explica. Sul (PUCRS). Ainda no rastro das finanças Na faixa etária correspondente enfraquecidas do Piratini, o conao Ensino Médio, muitos adolestexto atual da infraestrutura viária centes desistem dos estudos para do Rio Grande do Sul é frustrante. ingressarem em seus primeiros No último levantamento do Deparempregos por não enxergarem tamento Nacional de Infraestrutuo sistema de ensino como uma
Brasil crescer 0,9% em termos de PIB e o Rio Grande do Sul chegar a 3%”, explica Meneghetti. Assim como a constrição das finanças, outros problemas já são velhos conhecidos dos gaúchos, como a saúde pública. Os investimentos no setor, apesar de ampliados, ainda são insuficientes. Durante o período de dez anos, o Rio Grande do Sul subiu três posições no ranking nacional de gastos com saúde a cada grupo de 100 mil habitantes, do 14º lugar para o 11º, segundo dados divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional que mostram quanto cada estado brasileiro aplicou em saúde pública nos anos de 2002 e 2012. Em 2002, o Rio Grande do Sul despendeu cerca de R$ 8,9 milhões na saúde pública, à frente de 12 estados. Dez anos depois, o Estado gaúcho gastou em R$ 34,5 milhões em saúde para cada 100 mil habitantes. Segundo Marcelo Schenk, coordenador do curso de Gestão em Saúde da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), esse crescimento na tabela, à primeira vista, pode ser um bom sinal. “O avanço de posições pode ser considerado bom, entretanto, se comparado a outros estados com população semelhante, ainda ficaríamos para trás”, afirma. De acordo com dados divulgados na primeira semana de setembro,a situação da educação no Rio Grande do Sul será recebida pela nova gestão em um cenário mais
Posição no IDHM
2002 2012
Expectativa de vida ao nascer
2000 2010
RS – 11º lugar
RS – 14º lugar
RS – 4º lugar
2000 2010
RS – 6º lugar
RS – 3º lugar
RS – 5º lugar
* * Não constam os dados de Pernambuco
RS
8,03%
Média nacional
12,18%
-0,83%
+0,72%
R$ 46,5 bi
R$ 34,5 mi
0,746
Média nacional
0,727
RS
R$ 8,9 mi RS
R$ 20,8 bi
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Média nacional
R$ 1,5 mi
RS
Brasil
R$ 28,9 mi
Média nacional
12,9%
RS
RS
RS
RS
7,2%
75,38 RS
73,22
RS
0,664 Brasil
Média nacional
70,46
0,612 AGO S TO / S ET E M B R O DE 2 0 1 4 • P Á GI N A 7
Média nacional
73,48
eleições 2014
solidariedade
No fio do cabelo
O que dizem os discursos dos políticos
MU L HE RE S IN ICIA M MO B IL IZ A ÇÃ O P O R CO RT E E DOA ÇÃ O D E ME CHAS E ESPAL H AM P E LO RIO G RA N DE DO S U L O N DA D E CO L A B O RA ÇÃ O PA RA CO MB AT E R ESTI G M A
N UV E M O R G A N I Z A DA A PA RTIR DOS P R ONUNC IAM E NTOS DE DE P UTADOS E STADUA IS E
P O R Elisa Celia (8ª sem.)
FE DE R A I S DO R I O G R A N DE D O SUL M OSTR A P R E OC UPAÇ ÃO C OM O P R ÓP R IO TR AB A L HO
A
partido
brasil leibancada
nome
política
trabalho povo
público
milhões vida região
país
reais saúde sociedade
relação
federal
governo
comissão
governador
educação
pessoas mil tempo
recursos
+ Mapa da retórica
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municípios assembleia
pública
nuvem de palavras organizada pelo Editorial J para apurar o pensamento de políticos demonstra que a principal preocupação está no trâmite do próprio trabalho. Isso é revelado pela importância dada ao termo “governo”, o mais recorrente. Outras palavras como “política”, “partido”, “governador”, “comissão”, “bancada” e “assembleia” mostram como a fala dos parlamentares é pautada por descrições e debates sobre o universo em que eles vivem. Para o cientista político Humberto Dantas, trata-se de um discurso comum, que se repete nos últimos 20 anos. “Os deputados discursam para eles mesmos”, afirma. Em contraste, termos como “sociedade”, “pessoas” e “povo” são menos repetidos. Dantas questiona o propósito da fala dos congressistas e qual a utilidade dela para o cidadão comum. Ele também cita a falta de pluralidade dos políticos ao mencionarem a população, utilizando termos genéricos com mais frequência do que referências específicas. “Não se fala em homem, mulher, negro, índio”, critica. Entre as possíveis áreas de investimento, a que recebeu maior destaque foi a saúde, no quarto nível de ocorrência. A educação também foi contemplada pelo panorama geral do discurso dos parlamentares, mas menos repetida. A palavra “trabalho” está presente na nuvem, mas pode significar tanto a criação de empregos para a população quanto as ações e as atividades dos próprios políticos. Termos como segurança, transporte, cultura, ambiente e economia não aparecem diretamente na nuvem de palavras. Dantas afirma que, segundo pesquisas, a segurança é o tema mais relevante para o cidadão brasileiro, tornando problemática a ausência do termo. Ele também cita a falta de referências ao transporte público por parte dos deputados gaúchos. O Estado passou por transformações profundas na área durante os últimos anos, com a criação da Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), que assumiu a administração das estradas substituindo o modelo das concessionárias privadas. Estas mudanças não estão refletidas no discurso dos parlamentares eleitos nesse período. O cientista político questiona: “Cade a representação? Quem eles estão representando?”.
desenvolvimento
POR Victor Rypl (8ª sem.)
abelo é sinônimo de segurança, personalidade e estilo para as mulheres. Quando os fios caem, é sempre um fato marcante, estereotipando quem passa por tratamento quimioterápico. A autoestima e a autoconfiança vão por água abaixo justamente em um momento delicado, em que elas são indispensáveis. Por isso, desde abril deste ano, um grupo de amigas uniu-se para criar a ONG Cabelaço. Inicialmente, as meninas organizaram-se para arrecadar as mechas e enviar a uma ONG, a Cabelegria, em São Paulo. Porém, o alcance da divulgação nas redes sociais fez com que a proprietária de um atelier de perucas conhecesse o projeto. Ao confirmar que poderia acompanhar a doação e que pacientes infanto-juvenis receberiam as peças confeccionadas, a empresária Liziane da Silva, 33 anos, aliou-se. “Li sobre o evento e vi que elas teriam um custo para
+
o envio do material para São Paulo por não terem quem confeccionasse. Vi uma oportunidade de ajudar novamente”, afirma. O projeto ganhou repercussão inesperada. Moradores do Interior do Estado têm procurado as amigas para organizarem ações semelhantes em diferentes cidades. “A gente não tem como acompanhar em todo o Estado, mas instrui e depois recebe as mechas”, afima Carolina Conter, uma das criadoras da ONG. O sucesso também é uma surpresa para os funcionários dos Correios, onde o Cabelaço tem uma caixa postal. “Toda vez em que vou recolher o que chega, escuto uma reclamação na agência dos Correios. O volume é grande”, conta Carolina. Com a ajuda da empresa de Liziane, de junho até agora foram entregues sete perucas. Na lista de espera há dez aguardando as próximas. A ligação entre as crianças que estão em tratamento e a ONG Cabelaço é feita pela psicóloga Juliana Martini, 23 anos, representante no Estado da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia.
O trabalho dela é visitar hospitais e pacientes e acompanhar as histórias mais difíceis. Uma das perucas confeccionadas pelo atelier, a partir das doações do primeiro evento, realizado em abril, foi doada em junho para a menina Ananda Saraiva, de sete anos, diagnosticada com leucemia linfoide aguda (LLA). Ela havia deixado de frequentar alguns lugares em virtude da falta de cabelos. “Num final de semana, teríamos uma festa junina, e ela não quis ir porque se sentia diferente”, conta Graziela Fauth, 28 anos, mãe de Ananda. Quem já teve alguma experiência com o tema e a doença também tem disposição para ajudar. A técnica em radiologia médica e colaboradora do blog Além do Cabelo, Viviane Duarte, 28 anos, doou uma peruca que fez do próprio cabelo. “Tive câncer de mama com 23 anos. Quando me dei conta que perderia o cabelo, cortei e mandei fazer uma peruca com os meus próprios fios”, lembra. A peruca de Viviane foi entre-
gue a Dienifer Pereira, 17 anos, na mesma ocasião em que Ananda a recebeu. A adolescente faz tratamento há um ano contra leucemia mieloide aguda e aguarda por um transplante de medula. A entrega foi marcada para um pouco antes do início do segundo evento de arrecadação organizado pelo grupo, justamente para evitar o contato das pacientes com muita gente devido à baixa imunidade. A ansiedade e a alegria por aquele momento era percebida nos olhos de todos. Cada uma com a sua maneira de revelar: Dienifer aguardando calmamente com a irmã e a mãe, e Ananda dançando, cantando e fazendo vídeos e fotos pelo celular. Na hora tão esperada, Flavia Ma Oli, paciente no estágio de manutenção, fundadora do blog Além do Cabelo, instruiu as meninas na fixação das peças e mostrou acessórios para que elas variem o visual. A primeira a colocar a peruca foi Dienifer, que tinha a seu lado a doadora, emocionada, fotografando o momento. “É muito bom poder ajudar depois que tu passas pela
Foto: Elisa Celia (8º sem.)/Arte: Kimberly Winheski (6º sem.) A euforia de Ananda Saraiva (E) ao receber peruca doada foi registrada pela mãe em vídeo gravado por celular, no momento em que ONG cumpria mais uma jornada de solidariedade. A menina tem sete anos e é uma das beneficiadas por doação de mechas. As imagens podem ser vistas no vídeo compartilhado pelo link http://www. eusoufamecos.net/ editorialj/saloes-debeleza-se-unem-a-lutacontra-o-cancer/
Veja a nuvem de palavras de cada candidato no link http://www. eusoufamecos.net/editorialj/ nuvem-de-palavras/
A proposta foi concebida em abril de 2014, quando alunos de Jornalismo da Famecos Laura Marcon, Manoela Tomasi, Mariana Lübke, Marina de Oliveira, Nathália Rodrigues, Pâmela Floriano, Renata Fernandes, Ricardo Miorelli e Rômulo Fernandes começaram a esquadrinhar os bancos de dados da Câmara de Deputados e da Assembleia Legislativa para coletar os discursos proferidos ao longo do mandato. O material totalizou 4 mil páginas e mais de 16 milhões de caracteres, refinados no ambiente de computação estatística R, para retirar termos comuns e calcular a frequência relativa entre as palavras usadas nos pronunciamentos.
mesma situação. É bom também mostrar que o cabelo cresce de verdade de novo”, comemora Viviane. Ananda, enquanto esperava a amiga se enfeitar para uma prometida foto das duas com cabelos, escolhia sozinha entre duas opções. “Quero a mais clarinha. Pode ser a minha?”, perguntou à psicóloga. Ao sentar na cadeira, já sem touca, fazia caras e bocas para o espelho. Depois de certa resistência, aceitou que fosse cortada uma franja para dar um ar mais infantil. “É muito bom ver ela feliz. Com a liberação do médico, ela já pode ir para a escola”, relata a mãe, sensibilizada. O sucesso da ação das amigas superou o esperado. O número de mechas arrecadadas desde o início do projeto não está sendo divulgado por questões de segurança. “Temos exclusividade com a Marry Perucas, e a proprietária pediu para não falarmos em números. Eles já foram assaltados à mão armada duas vezes. O cabelo é um produto valioso, e quem rouba vende para a confecção de megahairs”, explica.
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Fotos: Guilherme Almeida (5º sem.)
ambiente
+ Viver a experiência narrativa
Veja a narrativa multimídia (com texto, fotografias e entrevistas) sobre como funciona o processo de separação e reciclagem acessando o link: http://www.eusoufamecos. net/editorialj/a-agitacao-daeconomia-do-lixo/
P O R Pedro Henrique Tavares (8º sem.)
Depois de processado, plástico realimenta a indústria e é transformado em novos produtos
A agitação da economia do lixo P O R Júlia Bernardi (4º sem.) e Pedro Henrique Tavares (8º sem.)
A reciclagem de materiais descartados movimenta um mercado de insumos, como plástico, alumínio e vidro. Por meio de uma teia de conexão e parcerias, cooperativas transformam o que é desprezado em um negócio organizado, no qual até mesmo a cotação internacional é acompanhada.
Q “
ual a cotação do plástico hoje?” A pergunta é de Jacqueline Virti, da Cooperativa Mãos Verdes, para Roberto Santos da Silva, que coordena uma outra associação: a Cooperativa dos Recicladores de Dois Irmãos. Seria difícil imaginar que o jargão econômico poderia algum dia predominar nas conversas de um galpão de lixo. Mas no cotidiano de quem trabalha no setor de reciclagem, a preocupação de Jacqueline e Silva tem fundamento. “Estamos sempre verificando o valor do plástico com nossos parceiros da indústria”, explica Silva. Os parceiros a quem ele se refere são as empresas que investem no material reciclado, principalmente plástico, alumínio e vidro. Na cooperativa de Dois Irmãos, o trabalho dos catadores vai além de uma
simples separação entre plástico e vidro. “Aqui precisamos entender, por exemplo, que o colorido tem menos valor de mercado”, ressalta Silva. O que vale mais é o transparente. Ele explica que este fator permite colorir o material após o processo de reciclagem. O plástico preto, por exemplo, é comercializado a uma média de R$1,90 ao quilo, moído para indústria, porém o plástico branco já tem o preço de R$ 2,30 ao quilo para venda no mercado. “Nosso faturamento aqui na associação chega a R$ 40 mil mensais”, revela Silva. Em um cenário mais amplo, o valor pode parecer irrisório. No entanto, para a realidade social dos catadores, essa quantia representa um aumento de renda significativo. “Eles chegam a tirar mais de R$ 2 mil mensais. Muitos possuem carro e casa própria”, conta Jacqueline. Conforme as
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mudanças acontecem na economia, o preço dos produtos para venda também sofre modificações. O interior gaúcho traduz um panorama que vale para o Brasil inteiro. O país recicla em torno de 22% do plástico coletado, de acordo com uma pesquisa encomendada pelo Instituto Sócio-Ambiental de Plásticos (Plastivida). O campeão nesse processo é a Suécia, que reaproveita cerca de 60% de todo plástico produzido. Na cooperativa, o trabalho é dividido em turnos. De hora em hora, um catador fica responsável por fazer o contato com o mercado. Segundo Jacqueline, da Mãos Verdes, o preço varia de acordo com a cotação na Bolsa de Valores em São Paulo (Bovespa). “A variação dos preços afeta diretamente o trabalho no galpão. Dependendo da variação, é preciso mudar a dinâmica de seleção dos materiais”, avalia.
que começou a ser elaborado há pelo meHoje, a associação comandada por nos 20 anos. A Política Nacional de ResíSilva está finalizando a construção de duos Sólidos foi aprovada ainda em 2011 mais uma quadra do galpão. O objetivo e pretende acabar com os lixões a céu é aumentar a produtividade e contar aberto no Brasil até o final deste ano. As com mais trabalhadores. Graças a um associações de catadores ganharam força investimento da Braskem, que auxiliou e aumentaram os ganhos. A situação, pona compra de uma máquina, foi possível o rém, está longe de ser resolvida. O prazo crescimento. A iniciativa da petroquímica estabelecido para o fechamento tem como objetivo desenvolver dos lixões não vem sendo ainda mais a cultura de recicumprido pela maioria dos clagem do plástico, que tem estados da federação. “Em alto capital social, segundo Fim dos estados como Santa Catarina Daniel Fleischer, gerente lixões irá e São Paulo, a eliminação de Relações Institucionais dos lixões está bem encamida Braskem. “Hoje é difícil abrir nhada”, diz Fabio Feldmann, imaginar um cenário onde o caminhos consultor ambiental. plástico não tenha um papel Lógicas como essa mufundamental”. para dam a dinâmica daqueles Na sede da empresa, em fontes de que trabalham com resíduos Triunfo, é possível notar que sólidos como forma de soa preocupação ecológica não renda. brevivência. O que acontece se limita apenas ao aporte em Dois Irmãos é uma tendênfinanceiro para os catadocia, de acordo com Jussara Kalil, res. Atualmente, a principal secretaria da Associação Brasileira de bandeira da Braskem é o plástico verde, Engenharia Sanitária e Ambiental. “O um processo que consiste em produzir o problema, contudo, é que muitos catamaterial através do etanol, uma fonte de dores ainda resistem ao fechamento dos energia mais limpa. No processo, o etanol lixões, porque consideram que sua capaé desidratado e transformado em eteno cidade de gerência é maior a céu aberto”, verde. destaca. A potência empresarial da Braskem e a Não é apenas o plástico que entra no simplicidade dos catadores de lixo se conciclo. Feldmann e Jussara explicam que fudem no contexto da economia brasileio alumínio também tem aparecido com ra: elas são reflexo de um plano nacional
força nesta realidade. “A fabricação do alumínio, que começa com a bauxita, é demorada e custa caro. Por isso, muitas empresas preferem reciclar”, conta Jussara. Para Feldmann, outro ponto que deve ser considerado é o gasto de energia. O processo envolve extração, refino e tratamento químico para a produção do alumínio. Além disso, a bauxita não se repõe com facilidade na natureza e, portanto, não é um material barato e fácil de ser obtido. Reciclar o alumínio é economicamente mais rentável em relação ao processo de extração do minério e produção de metal. Como exemplo, com a energia para a produção de uma latinha a partir da bauxita, é possível produzir 20 latas recicladas. No país, o valor da exportação de transformados plásticos chega a R$ 3 bilhões. O número de importação é ainda maior, ultrapassando R$ 8 bilhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2013, as importações de produtos plásticos cresceram 7,1% (variação em dólares) enquanto as exportações se ampliaram 4,1 %. As importações chegaram a 732 mil toneladas de resíduo sólido, a partir de dados da Associação Brasileira de Indústria e Plástico (Abiplast), no último ano. Em contrapartida, as exportações atingiram 246 mil toneladas, um número que caminha contrário à balança comercial brasileira.
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Dentre todos os mandamentos de nossas reuniões de pauta, fugir do óbvio certamente está no topo da lista. Reciclagem é mais um dos temas do jornalismo ambiental fadados a cair nas limitações de uma cobertura padronizada que, normalmente, se curva aos pés da menina dos olhos das indústrias do século 21, a sustentabilidade. Era necessário, portanto, esquecer tudo e partir do zero: como desenvolver uma cobertura inovadora e sem vícios? Durante nossa visita à Braskem no Polo Petroquímico de Trinfuro, esta era nossa principal pergunta. Antes mesmo de definir as pautas, discutimos qual seria nossa estrutura de narrativa. Com o esqueleto pré-definido, foi possível visualizar as necessidades. Trabalhamos com o pensamento no produto final. Com isso, a construção de reportagem foi atrás das respostas para as perguntas mais pertinentes. Durante a excursão, que também incluiu a Associação de Catadores de Dois Irmãos e a Suzuki Recicladora Ltda., procuramos enxergar o plástico de uma maneira ampla: um material que, além de alimentar negócios de uma grande empresa como a Braskem, aumentou a renda de uma classe que até pouco tempo carecia de estrutura de trabalho, os catadores. Com a implantação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, uma demanda com mais de duas décadas, eles puderam se reunir em cooperativas como a de Dois Irmãos. Hoje a renda mensal de alguns já ultrapassa três salários mínimos. Nossa história precisava ter o ponto de partida nestes trabalhadores, esses personagens que aliam cuidado ambiental e sustento familiar. Mais do que texto, precisávamos construir uma estrutura com imagens e sons. A cor do plástico, critério de seleção fundamental para quem vive de reciclagem, tinha que estar presente. Para fazer esta apuração, que contou com o trabalho de seis repórteres, escolhemos o modelo snow fall. A estrutura, criada pelo The New York Times no ano passado, possibilita a interação do leitor com diferentes formatos em uma única página. O texto é recortado pelos vídeos das repórteres Jéssica Moraes e Yasmin Luz, além de um trabalho fotográfico da autoria de Guilherme Almeida e Yanlin Costa.
Invisíveis P O R Guilherme Almeida (5º sem.)
Moradores de rua estão cada vez mais discriminados. Vistos de maneira equivocada, vivem, ou sobrevivem, em uma espécie de invisibilidade. Com o projeto Vidas Invisíveis, retrato seus cotidianos e exponho o
esquecimento a que são submetidos. Tento tornálos visíveis novamente. Seguindo o movimento straight photography, busco a fotografia mais pura e objetiva, apresentando o dia a dia da maneira mais realista possível.
+ Veja o ensaio completo no link http://www. eusoufamecos.net/ editorialj/vidasinvisiveis/
EDIÇÃO 17
OUTUBRO/NOVEMBRO 2014 • NÚMERO 17 • FAMECOS/PUCRS • WWW.PUCRS.BR/FAMECOS/EDITORIALJ
Corte sem limites
+ eleições Frederico Martins (6º sem.)
Cidade que já foi conhecida por sua arborização, Porto Alegre controla precariamente a remoção e a compensação de árvores em função de obras. Betina Carcuchinski (4º sem.)
Sartori chega ao Piratini O que a sociedade gaúcha espera do próximo governador do Estado PÁGINA 3
Por que o xis conquista o paladar Receita típica do Estado seduz pela mistura e fartura de ingredientes
DIAGRAMAÇÃO:
Bruno Ibaldo/Carine Santos/Lúcia Vieira
PÁGINAS 6 A 8
eleições 2014
papo de redação
Jornal do Laboratório de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Avenida Ipiranga, 6.681 Porto Alegre/RS
Frederico Martins (6º sem.)
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PUCRS Reitor Ir. Joaquim Clotet Vice-reitor Ir. Evilázio Teixeira Pró-reitora Acadêmica Mágda Rodrigues da Cunha FAMECOS Diretor João Guilherme Barone Reis e Silva Coordenador do curso de Jornalismo Fábian Chelkanoff Thier Coordenadora do Espaço Experiência Paula Puhl
Coordenadora de produção Ivone Cassol Projeto gráfico Luiz Adolfo Lino de Souza e Núcleo de Design Editorial/ Espaço Experiência Professores responsáveis Alexandre Elmi Fabio Canatta Flávia Quadros Ivone Cassol Marcelo Träsel Marco Villalobos Rogério Fraga Tércio Saccol Vitor Necchi Alunos editores Caroline Ferraz, Júlia Bernardi, Thamíris Mondin, Thiago Valença, Victor Rypl e Yasmin Luz. Diagramação Bruno Ibaldo, Kimberly Winheski e Lúcia Vieira
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Editorial J na TV Telejornal semanal, com pautas temáticas e reportagens sobre assuntos diversos. As edições estão disponíveis em youtube.com/ editorialj.
IMPRESSÃO Gráfica Epecê - PUCRS
Laboratório convergente da Famecos www.pucrs.br/famecos/editorialj
L ÍDE RE S D E CAT E G O RIAS P RO F ISS IO N A IS FA L A M S O B RE AS P RIN CIPAI S DE MA N DAS D E S E U S S ETO RE S PA RA O N OVO G OVE RN O DO E S TA D O
POR Thamíris Mondin(6º sem.), Júlia Bernardi e Jéssica Moraes (4º sem.)
Em busca do voto POR Camilla Pereira (6º sem.)
CONTEÚDOS DO EDITORIAL J
O que o Rio Grande quer do próximo governador
A
s eleições nos colocaram num ritmo de hard news que poucos eventos no país estabelecem em qualquer veículo de comunicação. Acredito que, assim como eu, os 35 alunos que se voluntariaram para trabalhar na cobertura do Editorial J nos dois turnos do pleito não se arrependeram. Participamos da festa da democracia pela primeira vez como comunicadores: contamos o que vimos no Estado, desde a Vó Ema, eleitora de 81 anos do município de Joia, no Noroeste, até entrevistas com os candidatos Tarso Genro e José Ivo Sartori. Durante a apuração do segundo turno, transmitimos um programa por duas horas e meia, no YouTube, analisando o pleito e discutindo com especialistas. Os repórteres foram às ruas: registraram o domingo eleitoral das suas sessões, dos comitês dos candidatos e das esquinas lotadas de santinhos, em imagens, tweets com a #VotoJ e relatos. Acompanharam, junto da grande imprensa, o voto da presidenta Dilma. Nossos boletins em áudio foram veiculados
na FM Cultura, o conteúdo do Twitter foi replicado pelo Coletiva.net e nossos textos, publicados no Sul21, em parceria com a Famecos. Na redação, os professores criaram um mutirão para a edição de conteúdo. Um revezamento de tarefas e uma correria que todos passamos com um sorriso no rosto. Ficamos na faculdade das oito da manhã às oito da noite. Acompanhamos a apuração enquanto alguns dos nossos repórteres estavam nos comitês de Tarso e de Sartori, enviando relatos. Foram 36 textos publicados no site do Editorial J, 14 áudios postados no mixcloud do J, duas horas e meia de programação na Famecos Cast e duas horas e meia de programação no youtube, realizada em parceria com a produtora Cuentos Y Circo, que oferecu a estrtura. Dias como esse são decisivos para futuros jornalistas: uma amostra do que a profissão pode ser. É meter a cara, escrever com a letra feia e correr com o gravador na mão porque o candidato está partindo e não poderíamos deixar passar. Dias como esse são provocações. Testes. Diferentemente das prova teóricas, eleições ensinam conhecimentos práticos valiosos.
OUTUBRO /NOVEMBRO D E 2 0 1 4 • PÁ G INA 2
Alcance da cobertura
2.500 visualizações da página do Editorial J
35
alunos participaram da cobertura
272
Tweets com a #VOTOJ
60
textos publicados
909 acessos únicos
A FamecosCast, rádio web do Editorial J, ficou no ar por 2horas e 30minutos no primeiro turno (5/10). Um programa em vídeo com a mesma duração foi transmitido ao vivo pelo YouTube durante a apuração do segundo turno (26/10).
O
Rio Grande do Sul foi às urnas no dia 26 de outubro e elegeu, com 61,2% dos votos válidos, José Ivo Sartori (PMDB) como governador pelos próximos quatro anos. A vantagem de Sartori sobre Tarso Genro (PT) reforçou o histórico gaúcho de rejeição à reeleição no governo estadual. Correndo atrás de Tarso e Ana Amélia Lemos (PP) na campanha do primeiro turno, o peemedebista ficou de fora dos ataques polarizados e surpreendeu ao superar os dois adversários ainda na primeira etapa do pleito. Eleito com o discurso de corte de gastos para equilibrar as finanças públicas, o ex-prefeito de Caxias do Sul foi acusado por Tarso de inconsistência em suas propostas ao longo da campanha do segundo turno, mas manteve a aprovação dos eleitores.
O Editorial J conversou com líderes de categoriais centrais no Estado para compreender quais as suas principais demandas e expectativas para o novo governo. Os representantes dos professores, policiais militares, servidores públicos e da Central Única dos Trabalhadores (CUT) destacaram os principais pontos de atuação estadual que necessitam de maior atenção em seus respectivos setores e como vão cobrá-los do novo gestor. Para atender estas e outras urgências de investimento do Estado, o governador eleito vai enfrentar um desafio de crise financeira. A situação de constrição das finanças desenvolvida pela dívida pública tem sido o maior problema das gestões no Rio Grande do Sul há quatro décadas. Sartori assume o Piratini com a dívida em R$ 50,4 bilhões, com 93% do valor referente ao débito com a União e um projeto de renegociação encaminhado pelo governo anterior prometido para ser votado pelo Senado ainda em novembro deste ano.
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No dia 26 de outubro, durante a apuração dos votos do segundo turno, o Editorial J transmitiu ao vivo um programa de duas horas e meia que contou com análises do especialista em política brasileira Oswaldo Biz, do economista Gusta Inácio de Moraes e do jornalista e professor Ed Wilson Araújo. Assista ao programa na íntegra em : http://bit.ly/eleicoesj
Os 35 alunos que participaram da cobertura Editorial J nos dois turnos das eleições produziram mais de 60 textos, com informações da Capital e do interior do Estado, boletins em áudio e vídeo e entrevistas com os candidatos José Ivo Sartori e Tarso Genro. Todo o conteúdo está disponível online.
Trabalhadores
Professores
Claudir Nespolo • Presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT-RS)
Enio Manica • Diretor do Centro de Professores do Estado do RS (CPERS)
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O projeto do Tarso Genro no último período valorizou o piso regional e isso é muito importante para a distribuição da renda e, para nós, é um tema muito relevante. E temos o projeto do Sartori novo e pouco conhecido. Pelo que vimos dele, temos muita preocupação. As nossas pautas serão apresentadas de qualquer forma, mas sabemos que o piso regional não foi um tema tratado. O salário mínimo regional é somente uma das pautas que queremos reivindicar.
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Temos uma expectativa de um governo que possibilite um diálogo produtivo, respeitoso e no qual possamos obter conquistas e avanços para a educação pública do Rio Grande do Sul. Os educadores precisam ter condições de trabalho digno, além de um bom salário. Queremos continuar essa luta, adquirindo mais recursos do governo para melhorar as condições de trabalho para professores, para que não precisem mais trabalhar em diversas escolas.
Servidores públicos
Cabos e soldados
Sergio Arnoud • Presidente da Federação Sindical de Servidores Públicos do Estado do RS (Fessergs)
Leonel Lucas • Presidente da Associação de Cabos e Soldados da Brigada Militar (ACS)
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Esperamos o estabelecimento de um diálogo permanente com o governo. Lamentavelmente, nos últimos quatro anos, não tivemos essa via de diálogo facilitada. Foi muito difícil manter a conversa. Esperamos que possamos discutir os problemas do serviço com os servidores, que são a cara do Estado, aqueles que colocam o Estado para funcionar no seu dia a dia.
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Quando eleitos, eles veem que a Segurança Pública tem um custo muito alto e deixam para segundo plano. Esperamos que o governo valorize o policial militar, o bombeiro militar e cumpra, principalmente, o que determina a Constituição. Que dê equipamentos para o policial: coletes, armamentos e um bom salário, já que é o pior salário do Brasil.
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Imagens: Reprodução/YouTube/Editorial J
Coordenador do Editorial J Fabio Canatta
Alunos Ana Maria Muller, Anahis Vargas, Annie Castro, Betina Carcuchinski, Bruna Ayres, Bruna Zanatta, Bruno Ibaldo, Camilla Pereira, Cândida Schaedler, Carolina Michaelsen, Carolina Teixeira, Carolina Zorzetto, Cássia Oliveira, Cinthia Aquino, Cláudia dos Anjos, Constance Laux, Cristiane Luckow, Daniela Flor, Douglas Abreu, Eduarda Endler Lopes, Flávia Carboni, Frederico Martins, Gabriel Gonçalves, Gabriel Raimundi, Georgia Ubatuba, Gustavo Fagundes, Guilherme Mercado, Isadora Marcante, Jéssica Moraes, Jéssica Wolf, João Paulo Dorneles, João Paulo Wandscheer, João Pedro Arroque Lopes, Jorge Sant’ana, Júlia Bernardi, Júlia de Quevedo, Júlia Silveira, Juliane Guez, Karine Flores, Kelly Moreira, Leonardo Ferri, Lucas de Oliveira, Lúcia Vieira, Luísa Dal Mas, Luiza Meira, Martha Menezes, Mauro Plastina, Milena Haas, Muriel Porfírio, Otávio Antunes, Paola Pasquali, Patrícia Lapuente, Pedro Henrique Tavares, Pedro Gomes, Raphael Seabra, Raquel Baracho, Rebeca Kuhn, Roberto Kralik, Rodrigo Luz, Rodrigo Mello, Sofia Schuck, Taína Cíceri, Thiago Rocha, Vanessa Padilha, Vitor Laitano, Vitória Fonseca, William Anthony e Yanlin Costa
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F A V G T H Z K A A T O F T Ç A J Y U T B H V G F A B K A D A P I Y G B
S H D H Ç G C V B Y H U O A O P A P H Rcomportamento B E MA B A S MA T MA P T Y J K U H J D G F H B T E A H E G J F I W E A T B T H Y A H U T A U T O R T R T Y A UMA S A D J K K L Y V H J D T O R T D Y F S T A Y A H U H G T B T U O A O S A G H B Y Ç G C V H F S H D B G J F MÕEAS RDA BLINGUAGE E M AM P T T D Y G M A A B ADAP A S TAÇ H E H Y G K T R ETF L ETE Y MJ EKVOLUÇ G TÕE SF DAS SOC H IEDDADE H Ç U F MA S T U Ç G C V B Y A R B E MA R I Y F S H D A B A S MA V H J D Y J H C P A R B E J K K L A D G T B T H Y I I E V H J D Y A H U T A T UMA S A Y E K G T B T J K G T B T H D Y F S T G N V B Y H U C V B Y H U Z S A G H B B T S MA T MA S MA T M K T H Y GM K E L A D J B K L A D J B L A A S MA A H U T A U T H U T A U T U T K L A D H O A O P A P H Y R T A R T U H U T A MA P T Y J K U A B A G H Z S J K K L V G J F I W E A H T H Y G K T Y A H U T O R T R T Y A U K MA S T U A P A R V H J D T O R T R T Y F S H DW E V H G T B T U O A O P A P A R B E J K G T F S H D B G J F I W E V H J D C V B Y A R B E MA P T Y J K G T B T P A P H G T F S H D H Ç G C V B Y H U Y J K U MA P T B G J F I W E A H T H I W E A B G J F T O R T R T Y A U K M R T Y A T O R T V H J D T O R T R T Y T O R T V H J D G T B T U O A O P A P U O A O G T B T F S H D B G J F I W E B G J F F S H D A R B E MA T P Y J K MA P T A R B E G T F S H D H Ç G C V H D H Ç G T F S F S H D B G J F I W E B G J F G T F S H D H Ç G C V B Y H U Y J K U
Língua viva
P O R Gabriel Gonçalves (4º sem.)
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s expressões cotidianas referentes às diferenças de classe, religião, raça ou gênero são caminhos pelos quais a linguagem transmite signos de valor e preconceitos. A mudança nos termos de tratamento, como no caso das pessoas com Síndrome de Down, que já foram chamadas de “mongoloides”, reflete uma tendência nas políticas públicas de inclusão, a utilização política da língua portuguesa como ferramenta de promoção de igualdade e combate à discriminação. A professora de Letras da PUCRS Vera Wannmacher Pereira afirma que a utilização política da língua faz parte das concepções que marcam o conceito de linguagem. “Quando se faz um manual, como se fosse de proteção a um ponto de vista, é uma tentativa de utilizar a língua como meio de fortalecimento daquele grupo. A língua é marcada por concepções políticas, ideológicas e filosóficas”, explica. Em setembro, a Secretaria Estadual de Políticas para Mulheres lançou o Manual do Uso Não-Sexista da Linguagem. A publicação, que expõe preconceitos camuflados na gramática e sugere alternativas que valorizem igualmente os gêneros, é o mais recente exemplo de uso político-social da língua para a promoção da inclusão. “O enfrentamento ao preconceito linguístico no formato de manual para orientar a ação pública é uma experiência relativamente recente e se manifesta de forma mais isolada no Brasil”, afirma a cientista social Jussara Prá, que participou da produção do manual. Jussara lembra que este tipo de prática já é empregada há muitos anos por organismos internacionais. Conforme o livro Vida independente, do consultor em inclusão social Romeu Kazumi Sassaki, os programas de combate à desigualdade por meio das palavras começaram na década de 1950, com o surgimento das primeiras associações de amigos e pais de pessoas com deficiências, na época tratados como “excepcionais” e “defeituosos”. Apenas na década de 1980 a palavra “deficiente” passou a ser empregada. Após resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) sugerindo a nova nomenclatura, em 1981 foi acrescentado o substantivo “pessoa” antes do termo. Na opinião de
Jussara, o uso de um vocabulário no âmbito do gênero nas políticas públicas é essencial. “Uma das formas mais sutis de transmitir essa discriminação é através da língua, pois esta nada mais é do que o reflexo de valores, do pensamento, da sociedade que a cria e utiliza. Todas as palavras têm uma leitura de gênero”, explica. As mudanças em nomenclaturas e pronomes de tratamentos podem ser rápidas ou geracionais e são motivo de gafes públicas, como o episódio em que a presidenta Dilma Rousseff foi vaiada durante um discurso em que chamou as “pessoas com deficiência” de “portadores de deficiência”, em uma convenção sobre o tema, em 2012. Primeira mulher a governar o Brasil, Dilma também protagonizou uma discussão de inclusão pela gramática ao adotar o termo “presidenta”, em vez de presidente, como um signo para o empoderamento feminino. Segundo os especialistas, o português tem se flexibilizado com mais intensidade por causa de movimentos de inclusão que, para a professora Vera, reflete o ritmo e o avanço de pautas e movimentos sociais no Brasil. Inicialmente denominada como comunidade GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes), a comunidade LGBT mudou sua sigla em 2008, visando à inclusão de todos os seus componentes: Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis. A alteração do termo ocorreu de maneira política, em votação na 1º Conferência Nacional GLBT. “Todos os comportamentos sociais estão mudando rapidamente. Há uma simultaneidade de mudanças sociais, políticas, comportamentais, e a linguagem é claro que acompanha tudo isso”, enfatiza Vera. A professora lembra a recente polêmica envolvendo a declaração do presidenciável Levy Fidelix sobre união homoafetiva: “Há dois anos, aquilo não soaria tão terrível. Mas, como tudo anda muito rápido, a fala dele causou muitíssima estranheza. Estão ocorrendo mudanças de concepções muito rápidas”. No dia a dia de Lucia Fonseca, coordenadora do Centro Integrado de Desenvolvimento (CID), que trabalha desde 1994 com crianças com deficiência, a interferência das nomenclaturas é visível. “No caso das pessoas deficientes, vejo que as formas têm mudado mais, sim. Hoje as pessoas têm mais cuidado para saber o que está se usando em termos de nomenclatura”, observa.
Y A H U R P I Y G B K A D A Y A T J U Y H B J B H Y A H U R P I Y G I A
R T A R T U B A G H Z S T H Y G K T K MA S T U T Y F S H D A P A R B E W E V H J D J K G T B T C V B Y H U A S MA T M K L A D J B H U T A U T J K K L Y V Y A H U H G Ç G C V H F A B A S MA M B E MA B B J D Y J K T B T H Y A V MA S A D G Y F S T A E U O A O P D B G J F I T MA G C Y U H D H Ç G R T A R T U B A G H Z S T H Y G K T K MA S T U T Y F S H D A P A R B E W E P H J D J K G T B T C V B Y H U W E V H J D B A G H Z S
jornalismo
“Trabalho de apuração fica mais escasso” S O CIÓ LO G O D O MIN IQ U E WO LTO N ACRE DITA Q U E A IN T E RN ET É U M AVA N ÇO, MAS ME CA N IZO U T RA B A L HO DA IMP RE N S A E DIMIN U IU Q UA L IDA DE DA IN F O RMAÇÃO Guilherme Almeida (5º sem.) P O R Pedro Henrique Tavares (8º sem.) Para ele, não há dúvida: o jornalismo passa por uma profunda crise. O sociólogo Dominique Wolton, sobretudo um humanista, acredita que a perda de relações interpessoais no campo da comunicação é uma das principais responsáveis pelo fenômeno. E os meios digitais têm grande influência no processo. “Hoje, o jornalista, tanto na internet, na televisão, no rádio e nas redes sociais, pode distribuir informação de maneira muito dinâmica. Tão rápido que a qualidade do trabalho é inferior”, destaca. Em visita à Faculdade de Comunicação Social da PUCRS para o Seminário Cooperação e Internacionalização em Comunicação, que comemorou os 20 anos do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, o diretor do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS, na sigla em francês) concedeu uma entrevista exclusiva ao Editorial J.
jornalística e parar de pensar que a internet é o paraíso. Ela é o paraíso e o lixo. A segunda envolve o código de ética entre os jornalistas, dentro dos países e no mundo inteiro, para produzir informações confiáveis e evitar concorrência, que acontece de maneira monstruosa. E a terceira batalha: com a popularização da internet, o trabalho do jornalista consiste em correr cada vez mais. Não pode ser assim. É preciso verificar quais informações são confiáveis, o resto é mentira.
Editorial J - E quanto à relação das redes sociais com as mídias tradicionais? Ela não é benéfica? Wolton - As novas tecnologias trazem um risco para a televisão. A TV não é apenas uma técnica, mas uma cultura, um hábito familiar que atravessa as gerações. Hoje ela está sendo ofuscada pela internet, redes sociais e transmissões online. Isso é também um efeito político. O rádio é o rádio, a televisão é a televisão e a internet é a internet. Mas hoje em dia, isso é grave, porque o mundo tecnológico tem acabado com os meios traEditorial J - Há, de fato, uma crise dicionais. Olhe o exemplo do livro, que agora mundial do jornalismo? é substituído pela leitura no taDominique Wolton - O blet. E falta uma reação política jornalismo está em crise por e intelectual a este fenômeno, três razões: primeiro, a técnica A TV não porque acham que é normal. tem evoluído rapidamente. Atualmente, o mundo tem sido Hoje, o jornalista, tanto na é apenas representado por empresas internet, na televisão, no rádio uma como Google, Apple, Facebook. e nas redes sociais, pode disMeios como o livro, teatro e tribuir informação de maneira técnica, televisão, por exemplo, têm muito dinâmica. Tão rápido mas uma sido esquecidos, porque a inque a qualidade do trabalho ternet tem ofuscado tudo isso. é inferior. Em segundo lugar, cultura” É, sobretudo, um forte poder existe a concorrência entre os Wolton econômico dos meios digitais. meios de comunicação, como O Google, por exemplo, é muito rádio, internet, televisão e poderoso, e os jovens estão contentes redes sociais. E os jornalistas com essa situação. É perigoso, é ridículo. são obrigados a, cada vez mais rápido, evitar que a empresa concorrente noticie primeiro. Editorial J - Em pleno século 21, é Portanto, com uma técnica poderosa, rápipossível que opiniões possam coexisda, que obriga a trabalhar com cada vez mais tir, como o senhor escreveu em Inforvelocidade, o verdadeiro trabalho jornalístimar não é comunicar? co, de apuração, fica mais escasso. Em terWolton - Estamos em um tempo de ceiro lugar, que acontece em todos os países, crise econômica muito forte. Ao mesmo é a popularização da política, e o jornalista tempo, no entanto, a geração mais jovem é não pode deixar isso passar batido. mais aberta a ideias, com mais tolerância, e também possui uma visão mais utópica. Editorial J - Existem formas de reUm caso para exemplificar: atualmente, verter esta situação? apesar de a aceitação dos homossexuais ser Wolton - São três batalhas: a primeira maior, a homofobia ainda é muito presente. é resistir às mudanças constantes na técnica
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Para Wolton, humanidade ainda sofre com intolerância Apesar de o combate ser cada vez mais forte, a intolerância também cresce bastante. Por isso, a juventude tem se engajado mais neste embate. No Brasil, por exemplo, é de senso comum pensar que os jovens só se interessam por banalidades, como futebol e festas. Mas as manifestações de julho de 2013 mostraram o contrário. Eles foram às ruas para
dizer que existe um forte ideal político pelo qual a sociedade precisa lutar. Mostraram que entendem a necessidade de reforma políticas intensas no país. E isso também acontece na França. É evidente que o grande fluxo de informação, principalmenrte virtual, contribui para que estes fenômenos se desenvolvam.
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porto alegre
Controle sobre corte árvores é precário Controle sobre corte dede árvores é precário Porto Alegre não sabe as árvores que corta. Ao buscar informações consolidadas sobre corte e podas, o Editorial J encontrou dificuldades. Os dados obtidos apontam que pelo menos 1.282 árvores foram cortadas somente neste ano. Elas deveriam ser compensadas em 7.331 mudas. As consequências dos cortes, muitas vezes em decorrência de obras públicas e privadas, chegam até a população, como é o caso de Heinrich Schubert, 86 anos, que perdeu parte de sua casa em função das intervenções na Rua Anita Garibaldi
P O R Julia Bernardi (4º sem.) e Sofia Schuck (2º sem.)
do Mundo e removeram 632 árvores até o momento . No Gasômetro, 115 árvores de espécies exóticas foram retiradas ocês fazem um relana Avenida Edvaldo Pereira Paiva. tório anual ou mensal Conforme a lei de compensação, sobre as árvores que 400 mudas deveriam substituí-las. foram removidas ou Na trincheira da Anita Garibaldi, plantadas em Porto Alegre?” Após ocorreram 120 cortes no mês de juum minuto pensativo, o supervisor lho, entre a Rua Pedro Chaves Bardo Meio Ambiente da Secretacelos e a Alameda Vicente de Carvaria Municipal do Meio Ambiente lho, e 258 devem ser plantadas. Na (Smam), Mauro Gomes de Moura, Cristóvão Colombo, estudos técniresponde ao Editorial J: “Não cos indicam que 132 sofrerão algum temos feito, mas deveríamos fazer tipo de intervenção em decorrência pelo menos uma vez por ano para da obra, sendo 113 remoções, 11 o Conselho Nacional do Meio Amtransplantes e oito podas. Ao todo, biente [Conama]”. Cada município 537 mudas deverão ser plantadas precisa, em reuniões trimestrais do para compensar. A ampliação do Conama, apresentar um relatório Hospital de Clínicas é com as consequências a que vai gerar o maior ambientais de projetos corte, com 284 remopúblicos e privados, ções. A previsão é que pois é competência do Os 2,5 mil mudas sejam conselho acompanhar números plantadas até o prazo remoções e compenfinal de dois anos. sações da vegetação de comPorto Alegre é a em função de invespensação quarta capital mais timentos e mudanças arborizada do Brasil, urbanas. Moura jussão muito segundo estudo de tifica não ter dados absurdos.” 2012 do Instituto Brapara apresentar, pois sileiro de Geografia e os poucos funcionáMoura Estatística (IBGE), com rios disponíveis aca82,9% da área coberta por bam fazendo somente árvores, porém, em razão da a parte operacional. quantidade de remoções, está na Atualmente,16 fiscais atuam contramão da sustentabilidade. pela Smam. Na análise de Moura, A lei de compensação é de 1983 é um contingente pequeno para e determina que, para cada árvore controlar e fiscalizar diariamente cortada, outras sejam plantadas, todo o território da Capital – cada de modo a minimizar os prejuízos um deles ficaria responsável por 31 ambientais. O número de mudas km², o equivalente a 125 campos de substitutas depende da altura e da futebol. Porto Alegre tem 1,2 milhão espécie da árvore removida. Se uma de árvores, sendo 664 tombadas por está em risco de queda e em más lei, portanto, não podem ser retiracondições, sua supressão não entra das do seu hábitat. Esse é um sisna lei de compensação, de modo a tema para preservação de espécies, apenas ser transplantada ou trocada e os critérios para tombamento são por outra em seu lugar. Além disso, localização, beleza, raridade, idade no decreto atual, a compensação ou condição fitossanitária. precisa ser feita no mesmo local do A duplicação da Avenida Beicorte, no entorno (mesmo bairro) ou ra-Rio próximo à Usina do Gasôpode ser convertido em dinheiro, se metro, o alargamento da Rua Anita for comprovada a impossibilidade Garibaldi, a construção da trincheide plantio na mesma região. ra da Avenida Cristóvão Colombo e Moura explica que a lei é inviáa ampliação do Hospital de Clínicas vel. “Em uma avenida, por exemplo, são quatro grandes obras que se se tiro uma árvore, tenho que planiniciaram em 2014 na Capital e entar nove árvores no local. Se, daqui a volveram o corte de árvores no seu três anos, a prefeitura resolve duplientorno. As três primeiras fazem car a avenida, e aí o que acontece? parte das obras de mobilidade e Tu precisas retirar aquelas árvores intervenção no trânsito para a Copa “
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e plantar 90. E onde plantar tudo isso? No fim isso acaba em um número absurdo”, enfatizou. A secretaria não concorda com o decreto em vigência, e por isso desde 2013 está com um projeto de lei tramitando na Câmara de Vereadores, prevendo alterações nas regras. É um projeto complementar da lei orgânica de Porto Alegre, definindo assim novas diretrizes para a política de remoções de árvores. O projeto propõe a troca de bio-
diversidade por biodiversidade, o que se aproxima da possibilidade de manter ecossistemas preservados. Para isso, a Smam seria, caso o projeto seja aprovado, responsabilizada por proteger as áreas arborizadas, criar novas Unidades de Conservação e ampliar as já existentes. Atualmente, Porto Alegre tem quatro Unidades de Conservação (UC): Reserva do Lami, Morro do Osso, Morro São Pedro e Parque Saint´Hilaire. Com a nova legislação, a arbo-
rização seria uma obrigação orçamentária e não mais compensatória. “Não achamos que se troca diversidade por plantio de árvores em vias públicas”, defendeu Moura. Além disso, ele citou o custo de instalação e de manutenção das mudas como um obstáculo. No caso de obras públicas, segundo Moura, a própria empresa terceirizada é a responsável por plantar as mudas, e a Smam controla, seguindo o que está previsto
nos decretos. Ele explicou, ainda, que o capital financeiro é o fator que determina o tempo para o plantio. O engenheiro responsável pela obra da Cristóvão Colombo, Ciro Matte, discorda. Ele disse à equipe do Editorial J que a responsabilidade não é da construtora e que caberia à Smam realizar o plantio. Matte apresentou documentos que mostram a quantidade de árvores a serem plantadas, sem especificar quem deverá realizar a compensa-
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Arte: Kimberly Winheski (6º sem.)
3 ÁRVORES EM RISCO
2 OBRAS PRIVADAS A Zona Sul é o local da Capital com maior número de intervenções por obras privadas.
650 650 ÁRVORES REMOVIDAS ÁRVORES REMOVIDAS
3.636 3.636 PRECISAM SER PRECISAM SER COMPENSADAS COMPENSADAS
632
150 JÁ FORAM SUBSTITUÍDAS
Praças passaram por análise e mais da metade dos vegetais apresentou necessidade de corte. ESTÃO EM RISCO
38
FORAM REMOVIDAS
3.695 PRECISAM SER COMPENSADAS
1 OBRAS PÚBLICAS Ampliação do Hospital de Clínicias, trincheiras da Rua Anita Garibaldi e da Cristóvão Colombo e duplicação da Avenida Beira-rio próximo ao Gasômetro.
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ção. “Um responsabiliza o outro e no fim ninguém faz nada”, confirmou. A fiscal da Smam Fernanda Borges confirma a informação da empresa contratada, contrariando a própria secretaria.“A realidade é que um joga a responsabilidade para o outro. Vocês jornalistas são importantes para investigar se realmente as árvores prometidas estão sendo plantadas. Nós só estamos fazendo nosso trabalho, também queremos que as replantem”, afirma um dos
NÃO PRECISAM SER REMANEJADAS
39
73
JÁ FORAM PODADAS
encarregados da obra, Rony Oliveibilidades são muito reduzidas, e os ra. O técnico em edificação Thiago números compensatórios muito abCorrea afirmou que o compromisso surdos”, complementa o supervisor de compensar as 537 mudas é da da Smam. prefeitura. Ele explicou também que A questão do corte privado, saas árvores pintadas de vermelho são lienta Moura, é um tema que pouco aquelas que estão com ação na Justipreocupa, pois o modelo adotado há ça e, portanto, ainda não podem ser um ano tem funcionado muito bem retiradas. “Nos chamam de assassie não houve verificação de nenhunos de árvores, mas nós só estamos ma fraude. O telefone 156 é o canal fazendo nosso trabalho”, reclamou para que o proprietário informe Correa. sobre o motivo do corte e o projeto A direção da empresa encarreseja avaliado. Após isso, biólogos e gada pelas obras na Anita Garibaldi engenheiros agrônomos cadastraafirmou que a obrigação é das terceidos vão até os locais para validar os rizadas. Porém, como cortes. Então, o dono a obra é pública, a predo local pode realizar a feitura fica responsáação, sem um controle Confira a galeria de vel pela contratação presencial dos fiscais. fotos no site do Edida mesma, além de Mesmo assim, a secretorial J sua fiscalização. A Setaria fica com o relató-
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cretaria Municipal de Obras e Viação (Smov) informou que cabe à Smam responder pelos cortes e reposições. “As empresas responsáveis contratam terceirizados para fazer a compensação. Caso verifiquemos que as mudas não estão sendo plantadas, a empresa paga uma multa”, ressaltou Moura. Anunciada como uma saída para desafogar o setor de emergência, a obra de ampliação do Hospital de Clínicas causou polêmica em função da necessidade de erguer a estrutura sobre uma área urbanizada às margens da Avenida Protásio Alves. O debate foi travado entre ambientalistas e engenheiros favoráveis ao projeto. Foram necessárias aproximadamente 284 remoções, representando de 10% a 15% da vegetação existente na instituição. A construção do novo complexo está a cargo da empresa Consórcio Tratenge-Engeform, que deve plantar em torno de 2,5 mil mudas na região. “A questão é que não há lugar para todo esse plantio. Nós vamos ter que negociar com o Ministério Público Federal, pois infelizmente não há como”, lamentou Moura. Além disso, há muitas restrições: não se pode plantar na frente de garagem, nem em frente de prédio tombado. Se embaixo passar uma rede fluvial, canalização da Sulgás ou se a calçada for pequena, também não é possível. “Ou seja, as possi-
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rio de pedido para que, se o Ministério Público for questionar o corte, possa existir comprovação. Outro tema ligado à gestão das árvores na cidade envolve as que estão caindo e as que necessitam de cuidado, também a cargo da Smam. São os mesmos 16 fiscais que estão encarregados de controlar a cidade. Com cinco zonais espalhadas pelo território da Capital, é feito o mapeamento das exigências de corte. Para isso, é fundamental o uso de equipamentos especifícios para analisar a parte interna. “Esse exame deve custar em torno de R$ 300 a R$ 400 por árvore, por isso que não fazemos muito”, avalia o supervisor. Recentemente fizeram o levantamento em 150 e em torno de 30% delas tiveram de ser trocadas. Dessas, 38 já foram removidas, 73 podadas e 39 não têm prioridade de remanejo. O supervisor muda de assunto quando questionado novamente se haveria um controle maior sobre a arborização em Porto Alegre e a responsabilidade de plantio em áreas públicas. “O que a cidade tem que saber é que tudo tem um custo. A cidade quer árvore, nós também queremos. Mas isso, é claro, com alto custo”, acrescentou.
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porto alegre
gastronomia
Uma vida derrubada
Fotos: Betina Carcuchinski (4º sem.)
P O R Pedro Silva (4º sem.)
de parte da casa cinquentenária ser derrubada. A fachada é hoje um cenário de lama, canos expostos e sobras do muro. m visita às obras de ampliação Dentro do terreno, o resto de casa guarda do espaço para o trânsito na pertences e lembranças. Os fundos ainda Rua Anita Garibaldi, em Porto preservam vestígidos do que um dia foi Alegre, surge um personagem um jardim. singular, que convive com o lamaçal e o Para Schubert, o apoio familiar foi essenagito comum de uma construção do porte cial durante todo o processo. Ele afirma que como a que está sendo feita naquele ponainda não recebeu a indenização. Admite to da cidade. Pelo corredor improvisado pensar que pode não ver o dinheiro em vida. da entrada do terreno, o homem de 86 Seu advogado informou-o de que a quantia anos se aproxima do portão gradeado e, estava depositada em juízo e que ainda decom esforço, se apoia na caixa de correio penderia de um longo processo até que fosse para manter em pé. O peso da idade é liberada. evidente, e a exaustão pela intervenção O processo, desde o começo, tramitou da obra no seu lar, também. Heinrich dentro da normalidade jurídica, afirma Schubert, morador da Anita há quase 50 a procuradora do município Cláudia de anos, reclama do corte de árvores que Aguiar Barcellos. Escalada pela Prefeitura ele mesmo havia plantado décadas atrás. de Porto Alegre para comentar o caso do “Evidente que fico chateado por derrubaidoso, ela acompanhou de perto o andarem tanta árvore, mas o pior foi minha mento, desde a entrega da intimação até casa, né?’’, lamenta. Para que a obra se a derrubada da casa. “A indenização está concretizasse e seguisse o plano original, dentro da lei”, garante Cláudia. A procua casa de Schubert foi quase completaradora reconhece a calma com que Schumente derrubada. bert recebeu e tratou todas as questões. Ele aponta, em meio à sujeira e aos Apesar do desgosto pessoal, escombros, um pequeno peo idoso não transpareceu daço de muro. Ao lado dele, revolta. g a l h os s eco s co m po u cas Além da questão sentiflores apodrecidas, de cores Primeiro mental da derrubada da casa, avermelhadas, sinalizam a foi minha outras dificuldades surgiram derrubada recente. O ponna rotina de Schubert. Sair to marcava o início de seu esposa. de casa para ir ao mercado, terreno. O morador hoje Agora, por exemplo, algo que podevive nos fundos da sua proria ser considerado simples, priedade, em um pequeno isso.” é um ação complicada em galpão construído pelo filho Heinrich meio aos materiais de conse pelo genro, separado em Schubert trução, máquinas e buracos, três peças: cozinha, quarto e que demandam esforço para a banheiro. mobilidade afetada pelos seus 85 Schubert soube pela prianos. Ele fica emocionado quando lembra meira vez sobre a possível obra por boatos a morte da esposa, 20 anos atrás, e comde vizinhos. A intervenção se confirmou para a situação atual como aquela grande em meados de 2012, quando recebeu a tristeza em sua vida. “Primeiro foi minha notificação da prefeitura. Contrariado, esposa. Agora isso’’, lamenta. preveniu-se com a família e planejou a Nesse caso de desapropriação com paparte dos fundos para o pior. Preparou-se gamento mediante títulos da dívida públipara o momento da desapropriação, mesca, conforme o artigo 182 da Constituição mo que ainda resistisse contra a ideia. A Federal, inciso terceiro, a obrigação cabe partir da confirmação, a vizinhança mobiao município e é garantida por ele. O pralizou-se, tendo diversas vezes impedido as zo para efetuar o depósito da indenização máquinas de iniciarem a obra. é de até dez anos, em parcelas anuais, A insatisfação motivou os moradores “iguais e sucessivas, assegurados o valor da região a se unirem e reagirem com real da indenização e os juros legais”. mobilização, incluindo sessões de cinema Por isso a preocupação de Schubert com ao ar livre, cuja temática era a mobilidade a espera e a possibilidade de não receber pública, e tentativas de deter as escavaem vida, diante de sua idade avançada. O deiras que chegavam para o começo dos prazo é o mesmo no caso de o indenizado trabalhos. Um esforço em vão. Schubert ser idoso, com a diferença de que tramita aguentou quase dois anos de pressão. Em com preferência para pessoas com idade maio deste ano, recebeu um ultimato: superior a 60 anos, estipulada no artigo retirou suas coisas da parte da frente da 71 do Estatuto do Idoso. casa e, no dia 20 do mesmo mês, viu gran-
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LO CA L , O X IS CO MO O RIO G RA N DE CO N HE CE N Ã O S E E N CO N T RA E M O U T RO LU G AR Yanlin Costa (3º sem.)
POR Camilla Pereira (6ª sem.)
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Schubert perdeu o pátio arborizado e parte da casa
Vizinhança se mobilizou para tentar parar o trabalho das máquinas
eleições 2014
Preconceito sem espaço PO R Q UE A T E M Á T IC A LGBT SE DE STAC OU NO DE B ATE DA DISP UTA À PR E S I DÊ N C I A TA N TO QUANTO TE MAS TR ADIC IONAIS C OMO E C ONOM IA Fotos: Maiara Rubim (4º sem.)/Arquivo – 2/10/2014 P O R Bruna Ayres (6º sem.)
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Protesto em Porto Alegre contra declarações homofóbicas do candidato Fidelix OUT UBRO /NOVEMBRO D E 2 0 1 4 • PÁ G INA 1 0
is é gaúcho. Não se sabe direito de onde vem, mas se sabe que é daqui. Uns especulam ser uma versão local e muito exagerada do cheeseburger norte-americano. Mais que um lanche, é um ritual que toma várias formas, como a família unida dividindo um xis, uma turma que voltou faminta do futebol ou alguém procurando boa refeição. Aquele emaranhado de sabores prensados entre os pães mais simples do mercado faz a alegria da gauchada diariamente. Uma das características únicas do xis é a prensa. Todo xis deve ser prensado. É regra! Algo tão tradicional quanto é a maionese. No 14 Bis Lanches, ponto habitual na Zona Norte da Capital, a maionese é de fabricação própria, e os clientes querem levar para casa, de pote! A vigilância sanitária não permite, mas a tentativa é livre. A atração principal do lugar leva o nome da lancheria, recheado com alface, tomate, milho, ervilha, bife de hambúrguer, batata frita, queijo e o famoso complemento. No Gelson Lanches, o campeão de vendas é o Top Gelson com filé mignon, bacon, azeitona, palmito, milho, ervilha, cebola, tomate, alface, salsa, maionese feita na cozinha do Gelson, mostarda, ketchup, ovo e queijo. Tudo entre dois pães bruscamente prensados. O xis faz parte da cultura gaúcha tanto quanto o churrasco. Tão comum quanto o pedido por uma costela gorda, são as expressões “vamos lá comer um xis?” e “vamos pedir um xis, aí não precisa jantar”. É uma iguaria gastronômica que, seguindo o exagero – marca registrada da culinária gaúcha – extrapola em tamanhos, molhos e recheios. Jorge Fernandes, atendente de caixa do 14 Bis, acredita que xis é famoso por ser um lanche rápido e fácil. “De uns dez anos para cá, tenho notado que todo mundo come com pressa. Xis é um lanche rápido e gostoso, sem a burocracia do restaurante de ter que sentar, esperar e pedir. Com dez ou 15 minutos, tu compras, come e já tá indo embora”, observa. A gerente da Tia Zefa Lanches, Darilene Pires, acha que o clima é o culpado, pois “Xis faz bastante sucesso aqui no Rio Grande do Sul porque é um estado frio”. A cozinheira do Gelson, Claudete Silva, garante que a refeição deve muito aos jovens. “É comida de gurizada, é lanche que eles consomem como refeição, e é isso que faz a fama dele”, argumenta. O xis não é só comida, é também o lugar. O Gelson, por exemplo, é uma lancheria dentro do Clube Tristezense, na Zona Sul de Porto Alegre, e parada obrigatória para os frequentadores das quadras de futebol. Quem
Xis do Gelson, famoso pelo tamanho incomum, é um dos mais tradicionais da Capital passa meia hora no local vai reparar que em pelo menos uma das mesas está um time de guris suados comendo depois do jogo. Na Capital, a forma mais clássica era vendida em trailers, por comodidade de quem faz, pois não é preciso pagar aluguel e é possível vender em qualquer lugar. Na Tia Zefa, o trailer significa tradição. Durante 20 anos, ela vendeu xis dentro de um que ficava estacionado na Rua Barão do Amazonas, esquina com a Rua La Plata. Em 1998, realocou o veículo para um terreno na mesma rua, onde está até hoje. Foi montado um galpão ao redor do trailer, e um toldo cobre uma área com mesas, cadeiras e televisão. Apesar disso, a cozinha da Tia Zefa ainda é dentro do trailer. Darilene, nora da pioneira que empresta nome ao estabelecimento, conta que os clientes exigiram melhorias com o passar do tempo. “A Tia Zefa colocou toldos, mesas e cadeiras porque os clientes pediram mais conforto, mas ela sempre quis que continuássemos com o trailer”. Tia Zefa já passou dos 80 anos e não se envolve mais com questões administrativas da lanchonete. O estabelecimento é administrado pelo filho e pela nora, mas a opinião dela ainda tem peso.
e do desafio: “Quem comer dois xis inteiros O 14 Bis, localizado na Avenida Plínio não paga a despesa”. Brasil Milano, preza pela simplicidade. O No regulamento da tarefa árdua, consta freguês se sente numa daquelas sorveterias a exigência de que o comensal cumpra o típicas do Litoral, com mesas e bancos fixos feito em uma hora, de forma ininterrupta e repletas de famílias em busca de lanche baindividual. A cozinheira Claudete garante rato e rápido. Não há cardápio, mas todos os que, em seis anos de trabalho no estabelecipratos oferecidos estão na parede próxima mento, presenciou um único “guri corajoso” ao caixa, sem frescura. que cumpriu o desafio. “Eu me Jorge Fernandes, que trasentia mal por ele, de tanta balha há 15 anos no local, relacomida que era. Mas ele comeu ta orgulhoso que uma família Xis faz tudo e não pagou”, recorda. gaúcha leva o xis do 14 Bis para parte da “Tomara que tenha passado o Rio de Janeiro, de avião. O bem depois.” pai encomenda para a filha, cultura Quem não é gaúcho custa a que transporta vários lanches gaúcha entender. A estudante paulista para a capital fluminense semBárbara Reis, ao conhecê-lo, pre que visita a cidade. “O pai como o o classificou como “obsceno” manda vir daqui porque lá no churrasco e preferiu voltar para o Big Rio não tem nada nem pareciMac. O cinegrafista Alexandre do com o que a gente faz aqui Flores é gaúcho e, durante viano Sul”, conta orgulhoso. gem a São Paulo, peregrinou em Xis também é culinária busca de um xis. “Lá, só tem esses rio-grandense por causa de é hambúrgueres com quase nada dentro, que gastronomia do exagero. No Gelson Lannão matam a fome e custam a mesma coisa ches, duas pessoas costumam comer meio que um xis gaúcho. Não adianta, não tem em xis. Cada unidade do Gelson pesa cerca de outro lugar”, reconhece. 2,2 quilos. A fama do lugar vem do excesso
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emáticas pautadas pelo movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros) ganharam destaque nos debates realizados no primeiro turno da eleição presidencial, refletindo uma movimentação já percebida nas ruas e nas redes sociais. Assuntos tradicionalmente abordados em campanhas, como questões econômicas e sociais, acabaram não tendo a mesma visibilidade de outros pleitos. O cientista político Juliano Corbellini avalia que a força da luta LGBT conseguiu o espaço que buscava. “Isso é o reflexo do que está em pauta na sociedade mediante o extraordinário avanço do movimento na luta por direitos civis. A sociedade vai amadurecendo, e debates mais contemporâneos começam a ganhar espaço”, observa. A luta em prol do respeito à diversidade sexual começou no Brasil na década de 1970. Mesmo com cerca de 40 anos de mobilização, esta eleição mostrou que ainda há muito a se conquistar na garantia desses direitos, conforme ficou evidenciado no debate promovido pela Rede Record no dia 28 de setembro. Na ocasião, uma declaração do candidato à Presidência Levy Fidelix (PRTB) causou polêmica e indignação, mas também recebeu apoio. Ao responder a uma pergunta da candidata Luciana Genro (PSOL) sobre o número de mortes na comunidade LGBT e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, Fidelix afirmou: “Tenho 62 anos e, pelo que eu vi na minha vida, dois iguais não fazem filho. E digo mais: aparelho excretor não reproduz”. Ele ainda comparou homossexuais a pedófilos e afirmou que jamais apoiará a união homoafetiva. “Temos 200 milhões de habitantes no Brasil. Se estimularmos isso, vamos reduzir para 100 milhões. Vamos ter coragem, somos maioria! Vamos enfrentar essa minoria”, bradou. Para Sandro Ka, diretor do grupo Somos – Comunicação, Saúde e Sexualidade, o maior motivo para o tema ter ganhado espaço no período que antecedeu ao pleito realizado no dia 5 de outubro é o tom de polêmica. “É arriscado para algumas campanhas tocar no assunto, então a maioria dos candidatos pouco se posiciona ou fala sobre isso apenas quando o clima é favorável, após muito tempo de observação. Na vida privada dos candidatos, alguns até tem essas questões mais claras, mas, na campanha, não querem perder votos para esses assuntos”, pondera. O assessor de imprensa do PRTB no Rio Grande do Sul, Tomás Sá Pereira, ressalva que a posição de Fidelix no debate não é una-
Tradição do exagero CO N S AG RA DO P E LO PA L A DA R G A Ú CHO CO MO O L A N CHE MA IS P O P U L A R DA CU L I NÁRI A
que prometeu tomar providências sobre a nimidade no PRTB. “Ele exerceu o direito de declaração dada pelo candidato. “Fiz uma falar o que pensa. Ele não é todo o partido, é firme defesa do casamento civil igualitário e o presidente. Não encontraremos a mesma de todas as formas de família durante minha ideia em todos os nossos militantes. São intervenção no debate. É muito perigoso que pensamentos particulares dele”, relativiza. um candidato à Presidência expresse, em A linha adotada por Fidelix é a mesma rede nacional, esse tipo de discurso de ódio, percebida em líderes políticos e religiosos que serve de legitimação para os criminosos vinculados às igrejas pentecostais, como os atacarem fisicamente e verbalmente a popupastores Everaldo, também candidato à Prelação LGBT todos os dias”, acusa. sidência pelo PSC, e Silas Malafaia, líder do Indignados perante o discurso, Luciana programa Vitória em Cristo, ligado à Asseme o deputado federal Jean Wyllys (PSOL) rebleia de Deus. Este último esteve envolvido presentaram contra Fidelix no Tribunal Suem outra polêmica, relacionada à candidata perior Eleitoral (TSE), por incitação ao ódio. Marina Silva (PSB), que alterou o seu proNo dia 9 de outubro, a Defensoria Pública grama de governo após declarações que Made São Paulo ingressou com uma ação civil lafaia publicou no Twitter em 29 de agosto. pública por danos morais contra Fidelix e Ao cobrar uma posição da candidata acerca seu partido, o PRTB. O órgão concordou que do texto originalmente publicado em relação sua declaração incitou o ódio contra a coaos direitos LGBTs, o pastor ameaçou que, munidade LGBT e pede a indenização de R$ caso ela não voltasse atrás, faria “a mais dura 1 milhão – que serão revertidos a ações de fala” em relação a um presidenciável. incentivo à igualdade. Para o Núcleo EspeEm menos de 24 horas, Marina Silva cializado de Combate à Discriminação, Raaderiu à pressão e mudou o plano, que pascismo e Preconceito, “este discurso de ódio sou de “apoiar propostas em defesa do caé incompatível com o respeito à dignidade samento civil igualitário”, para uma versão da pessoa humana”. Fora a indenização, mais genérica, que dizia “garantir os direitos é pedido que os processados custeiem um oriundos da união civil entre pessoas do programa que promova os direitos LGBT, mesmo sexo”. Isso gerou revolta em eleitocom a mesma duração de tempo de sua fala e res simpáticos às demandas da comunidade na mesma faixa de horário da programação. LGBT, ao mesmo tempo em que motivou Caso não haja o pagamento, o órgão estipula outras manifestações de Malafaia nas redes a multa de R$ 500 mil a cada dia de atraso. sociais, afirmando que estava satisfeito e A jornalista e pesquisadora de sexua“não estamos aqui para engolir agenda gay”, lidade Fernanda Nascimento percebe que publicou o pastor no Twitter. uma pressão histórica obrigou os candidatos A menos de uma semana para a votação a colocarem esse tema em pauta. “Isto foi do primeiro turno, a declaração de Fidelix imposto pelo crescimento da demanda. O – que, após o debate, viu o número de seavanço da medicina, do Judiciário e o fato de guidores de sua página no Facebook crescer a mídia abordar mais o tema contribuíram 1.500%, somando mais de 40 mil – ganhou para esse fenômeno”. Fernanda lembra que espaço dentro e fora das redes sociais em a luta LGBT é mais ampla e também envolve todo o país, com comentários que atacam e fatores como a criminalização da homofobia defendem o candidato. e a necessidade de abordar o tema nas escoLuciana Genro ressalta que sua candilas, preparando os professores para discutir datura era “a única com coragem de pautar o tema em aula. esse tema em rede nacional e “O que Levy falou foi tão em todos os debates, exigindo chocante que surpreendeu as posicionamento dos demais pessoas. Ninguém esperava candidatos”. Ela critica MaSociedade aquele discurso com tanto ódio rina, que “rifou os direitos e bobagem. Muitos candidatos LGBTs em menos de 24 horas, espera são preconceituosos e evitam após quatro tuítes do Malamais tratar disso, mas ninguém fafaia”. Sobre Dilma Rousseff, lou daquela maneira”, observa lembra que a candidata vetou clareza ao Fernanda. o programa Escola sem Homose tratar Para Sandro Ka, existem fobia por pressão da bancada discursos que vão “conforme fundamentalista. “Aécio mal do tema. a onda”, dependendo das cirtocou no tema”, conclui. cunstâncias. “Eles pensam o que O atraso civilizatório do vão ganhar com tal posicionamento. país, para ela, é o maior moO Levy acabou sendo o mais franco dos tivo para temas que envolvam candidatos que fazem isso, de acordo com diretos LGBTs estejam se sobressaindo. suas convicções. Luciana não é a única que “Enquanto em muitos países o casamento abraçou a causa, mas a sua campanha sempre civil igualitário e o direito à livre identidade teve esse posicionamento marcado”, avalia. de gênero já são assegurados pelo Estado, Fernanda sustenta que a homofobia já no Brasil, esses temas ainda não foram enestá estigmatizada na sociedade, mas afircarados pelo Congresso Nacional. O governo ma que isso está mudando. “Vivemos uma Dilma tem um papel fundamental na omiscultura machista, sexista e racista. Para dessão da garantia desses direitos, já que nunca construir isso demora, mas as pessoas estão mobilizou sua base para apoiar o projeto do colocando essa questão em pauta.” casamento civil igualitário e a Lei João Nery Depois das declarações dos candidatos [que facilita a obtenção de identidade social nos debates, a sociedade espera mais clareza por transgêneros]”, ressalta. ao se tratar do tema – tanto os simpáticos Nas redes sociais, a candidata recebeu à causa, como aqueles que são contra. As críticas por conta de sua resposta à declamanifestações acerca do assunto cobravam ração de Fidelix. Os internautas cobraram um posicionamento mais definido para o mais rigidez de Luciana diante do comensegundo turno de eleição presidencial, em tário. “Durante o debate, nem sempre é 26 de outubro, quando Dilma Rousseff, do simples responder com a mesma forma que PT, derrotou Aécio Neves, do PSDB. se faria vendo de fora”, explica Luciana,
Manifestantes expressaram contrariedade ao discurso de ódio
+ Ideias vagas Os candidatos ao segundo turno da disputa presidencial tinham propostas vagas quanto à temática LGBT, na visão de especialistas no assunto. Tanto Aécio Neves (PSDB) quanto Dilma Rousseff (PT) não propuseram medidas inovadoras, avalia Sandro Ka, da ONG Somos. “As do tucano reafirmam ações já implementadas nas gestões petistas, e as de Dilma prometem dar prioridade à agenda, o que não aconteceu integralmente em seu mandato”, diz. Ele salienta que, durante a gestão da petista, houve avanços, mas também “inúmeros retrocessos e deslizes, como virar moeda de troca em negociações de apoio político”. Ka lembra que ações ligadas ao casamento gay e à adoção já são realidade, independentemente da ação do Executivo. Questões ainda em discussão, como a criminalização da homofobia, apontam para a necessidade de articulação entre setores do Legislativo com apoio do Executivo, defende. “O que é essencial que esteja presente na pauta do próximo presidente”, projeta Ka.
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Aécio Neves (PSDB)
A prioridade do capítulo sobre direitos humanos era assegurar a paz, a igualdade e a segurança nos “setores mais vulneráveis da sociedade”, que inclui a comunidade LGBT. Ampliar a participação de ativistas nos debates e promover a igualdade de direitos da comunidade seriam algumas das prioridades, além de ampliar o Programa Brasil sem Homofobia. Incluir a descriminação por orientação sexual e identidade de gênero às já previstas em lei.
Dilma Rousseff (PT)
A candidata prometia prioridade à pauta. Segundo a coordenação da campanha, ela apoia a criminalização da homofobia e a legalização do casamento civil igualitário. Questões como investimento na prevenção e tratamento de aids e o Plano Nacional de Educação (que pretende conscientizar os jovens) não envolvem somente a comunidade LGBT, mas são algumas das propostas da presidente reeleita.
Pedro Scott (3º sem.)
Ritual sustentável PR OJ ETO V I S A M INIM IZ AR IMPAC TO C AUS ADO P OR R E SÍDUOS PR OV E N I E N TE S DE OFE R E NDAS R E LIGIOS AS NO GUAÍB A
P O R Bruna Zanatta (4º sem.)
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uem frequenta a Praia de Ipanema, um dos mais conhecidos pontos turísticos na Zona Sul de Porto Alegre, já se acostumou com a presença de oferendas, que se espalham pela areia e calçada. Pipoca, flores e carcaças de galinhas são as mais frequentes. Através desses presentes, as religiões afro-brasileiras manifestam a ligação com as divindades. Algumas dessas oferendas, porém, não são tão inofensivas. Espelhos, cacos de garrafas de vidro, vasos de barro, pentes e até facas são deixadas às margens do lago Guaíba. Esses objetos ame-
açam a segurança de pescadores, de banhistas, de animais e dos próprios religiosos, que utilizam o local para os ritos. Joice Ferreira faz parte da diretoria da Federação Afro-Umbandista e Espiritualista do Rio Grande do Sul (Fauers) e conta que, durante algumas celebrações realizadas dentro do Guaíba, em Ipanema, é possível sentir a presença desses objetos no fundo do lago. Segundo ela, alguns religiosos inclusive já se machucaram. Pensando na segurança das pessoas e na preservação da natureza, a Fauers lançou, em 2008, o primeiro volume da Cartilha pela Natureza – Porque ela é o altar de todos nós. O projeto busca a conscientização e a preservação do ambiente, nos terreiros e nas comunidades, reconhecendo a na-
tureza como fonte vital de energia sagrada – o axé, como entendem os representantes das religiões. A oferenda ecológica deve ser confeccionada por material biodegradável. São orientações simples como trocar bandejas de plástico por folhas de bananeira, optar por velas de sebo e gordura animal (velas não devem ser acendidas perto de árvores) e não deixar garrafas e copos de vidro no ambiente, entre outras. A iniciativa ainda conta com uma parceira especial. Perto de datas importantes, como a Festa de Iemanjá, no dia 2 de fevereiro, a Fauers leva material até um presídio, onde os detentos confeccionam barcos de papel machê utilizados na celebração, que reúne milhares de pessoas na praia
de Cidreira, no litoral gaúcho. No dia do ritual, é possível trocar, no estande da federação, o barquinho de madeira por um barco 100% ecológico e que não irá agredir a natureza. A madeira leva cerca de 15 anos para ser decomposta no ambiente, o papel, não mais do que seis meses. Conforme a diretora, o projeto foi bem aceito e, aos poucos, está provocando mudanças no modo das pessoas presentearem os orixás. “Cultuamos a natureza, mas o plástico não faz parte da natureza. Não podemos sujar nosso altar”, pondera. Para divulgar o trabalho, a entidade utiliza rádio, redes sociais e também investe bastante na orientação e na divulgação durante os eventos promovidos pela comunidade.
A cartilha, porém, não menciona o uso de objetos cortantes ou mesmo o sacrifício de animais em rituais. O que é ofertado faz parte do fundamento de cada vertente e de cada religioso. “Não interferimos no que vai na oferenda, mas como vai”, explica. Nesses casos, é aconselhado que, se possível, dentro da fundamentação do ritual, que se enterrem animais sacrificados e objetos perigosos. Cada orixá (guardião espiritual) recebe uma oferta diferente, que varia também conforme a vertente da religião de matriz africana (são mais de 15 diferentes no Brasil). Na Umbanda, os 11 Orixás são presenteados, em sua maioria, com alimentos: milho torrado, batata, canjica, quindins, costela de porco.
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Lei que proíbe o uso de máscaras em protestos pode não sair do papel ANTONIO CARLOS DE MARCHI (4º SEMESTRE) 60 segundos Blitz da Copa #14/04 SEM AUTOR Cinco grupos disputam DCE JOÃO PEDRO ARROQUE LOPES (6º SEMESTRE) 60 segundos Blitz da Copa #15/04 SEM AUTOR 60 segundos #16/04 SEM AUTOR Obrigatoriedade do uso de cartões traz prejuízos, diz Sintáxi EDNA ALVES (5º SEMESTRE) 60 segundos #22/04 SEM AUTOR Só aprendemos o verbo to be GABRIELA GIACOMINI E SOFIA SCHUCK (1º SEMESTRE) Blitz da Copa #25/04 SEM AUTOR Mulher e violência, realidade difícil de mudar BIBIANA MENEGHINI DIHL (7º SEMESTRE) Reunião entre governo, ocupantes e proprietários de prédio ocupado termina em impasse JOÃO PEDRO ARROQUE LOPES (6º SEMESTRE) E CAROLINE FERRAZ (6º SEMESTRE) Blitz da Copa #05/05 SEM AUTOR A inovação é fundamental para o progresso social, diz professor Luis Humberto Villwock MARINA SPIM (2° SEMESTRE) “Vivemos na era de ouro do vigilantismo”, alertam especialistas GABRIEL GONÇALVES (3º SEMESTRE) Manifestações de rua e guerra motivam painel do Intercom Sul JULIA BERNARDI, JÉSSICA MORAES E YASMIN LUZ (3º SEMESTRE) Intercom debate a relação de consumo de crianças e jovens e o cosplay JULIA BERNARDI, JÉSSICA MORAES E YASMIN LUZ (3º SEMESTRE) Feriado ou Ponto Facultativo? YANLIN COSTA (2º SEMESTRE) Não vai ter Copa, vai ter luta! GABRIELA GIACOMINI (1º SEMESTRE) Jean Wyllys critica conceito tradicional de família PEDRO PACHECO (3º SEMESTRE) Marcha contra a homofobia entrega manifesto ao Legislativo ANTONIO CARLOS DE CONTO (4º SEMESTRE) DMLU admite ser difícil aplicar Código de Limpeza Urbana JULIA BRAGA (5° SEMESTRE) Lojistas comemoram ponto facultativo em Porto Alegre nos dias de jogos da Copa DANIELY MEDEIROS (3º SEMESTRE), SOFIA SCHUCK E CAROLINE GRÜNE (1º SEMESTRE)
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UEE enxerga Copa como um momento de alegria e prefere se focar no passe livre SOFIA SCHUCK E CAROLINE GRÜNE (1º SEMESTRE) Manifestação contra a Copa tem baixa adesão em Porto Alegre GABRIELA GIACOMINI (1º SEMESTRE) Para Força Sindical, legado da Copa é a conscientização da população brasileira YANLIN COSTA (2° SEMESTRE) Grito da Terra pede internet no campo e preços justos aos produtos agrícolas GUILHERME ALMEIDA (5º SEMESTRE) Ocupação na Reitoria da UFRGS completa uma semana GUILHERME ALMEIDA (5º SEMESTRE) MST critica intervenção da FIFA no governo VICTOR RYPL (8º SEMESTRE) Nova diretoria do DCE segue gestão sem hierarquias JOÃO PEDRO ARROQUE LOPES (6º SEMESTRE) Dia do Desafio movimenta o centro de Porto Alegre SOFIA SCHUCK (1º SEMESTRE) Blitz da Copa #30/05 SEM AUTOR Surgem as primeiras marcas da Copa JOÃO PAULO ARROQUE LOPES (6° SEMESTRE) E SOFIA SCHUCK (1º SEMESTRE) Como será o acesso ao Estádio Beira-Rio GUILHERME ALMEIDA (5º SEMESTRE) Famílias deslocadas por obras na avenida Tronco vivem na incerteza a poucos dias da Copa CAROLINE MEDEIROS (7º SEMESTRE) Livro resgata Segunda Campanha da Legalidade GABRIEL GONÇALVES (3º SEMESTRE) Mídia Ninja lança rede social de notícias VICTOR RYPL (8º SEMESTRE) Sem credenciamento para jogos, emissoras de rádio buscam em debates e especiais alternativas para cobertura da Copa BRUNA GASSEN (7º SEMESTRE) A Copa do Mundo na Avenida Tronco CAROLINE FERRAZ (6º SEMESTRE) A Copa de Mek Áurio SEM AUTOR Laranja, verde e amarelo: Caminho do Gol para a partida entre Holanda e Austrália reúne milhares de torcedores YASMIN LUZ (3º SEMESTRE) Porto Alegre volta à rotina com discreta presença de estrangeiros JOÃO PEDRO ARROQUE LOPES (6º SEMESTRE) A Copa do Mundo em Porto Alegre JULIA BRAGA Obras dificultam o trânsito de cegos em Porto Alegre ELISA CELIA (8º SEMESTRE)
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Grupo no Facebook reúne usuários e simpatizantes de maconha RENATA PIAS (6º SEMESTRE) A morte do Eduardo bagunçou o coreto da eleição presidencial CAROLINE FERRAZ (7º SEMESTRE) Estudante da PUCRS participa de encontro de desenvolvedores da Apple MARIANA FRITSCH (4º SEMESTRE) Avião passou entre os prédios em Santos BRUNA ZANATTA (4º SEMESTRE) Difícil supor as causas da queda do avião GABRIELA GIACOMINI (2 SEMESTRE) E SOFIA SCHUCK (2 SEMESTRE) Experiência da Copa faz Brigada reforçar policiamento da Capital SOFIA SCHUCK (2 SEMESTRE) No Twitter, Beto Albuquerque defende projetos do PSB e valores tradicionais YANLIN COSTA (3º SEMESTRE) Novos estagiários do Editorial J SEM AUTOR “Sem investimento, não se faz esporte em alto nível”, diz professor sobre Jogos Olímpicos da Juventude FREDERICO MARTINS (6º SEMESTRE) Professor vê esgotamento da democracia representativa e parlamentar GABRIEL GONÇALVES (4º SEMESTRE) E JOÃO PEDRO ARROQUE LOPES (6º SEMESTRE) Mercado de Notícias é de quem primeiro publica, não da qualidade RAPHAEL SEABRA (6º SEMESTRE) Juca Kfouri: “Futebol brasileiro é pré-capitalista, ainda na base da pirataria, como faziam os ingleses” GABRIEL GONÇALVES (4ºSEMESTRE) Corrida ao Senado é imprevisível, diz cientista político BRUNA ZANATTA (4º SEMESTRE) Gremistas repudiam atos de racismo JULIA BERNARDI (4º SEMESTRE) Rio Grande do Sul faz menos coligações políticas VICTOR RYPL (8º SEMESTRE) Plebiscito busca pressionar governo e Congresso por reforma política BETINA CARCUCHINSKI E PEDRO SILVA (4º SEMESTRE) Sebos têm cerca de dois livros roubados diariamente GEORGIA UBATUBA (3º SEMESTRE) EPTC não cumpre Estatuto do Pedestre REBECA KUHN (3º SEMESTRE) Acidente entre quatro veículos deixa um ferido em POA GEORGIA UBATUBA Imprensa gaúcha coloniza o Parque Assis Brasil para cobertura da Expointer BRUNA ZANATTA, JÚLIA BERNARDI (4º SEMESTRE) E JOÃO PEDRO ARROQUE LOPES (6º SEMESTRE) Gemis pretende equilibrar a cobertura de temas LGBT pela imprensa brasileira CAMILLA PEREIRA (6º SEMESTRE)
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O “Pepe” é pop PEDRO SILVA (4º SEMESTRE) 20 anos formando mestres e doutores JOÃO PEDRO ARROQUE LOPES (6º SEMESTRE) Obra evidencia escravos que lutaram na Guerra dos Farrapos PATRÍCIA LAPUENTE (6º SEMESTRE) Uso da faca no Acampamento Farroupilha “não é problema” BRUNA ZANATTA (4º SEMESTRE) Pelada Americana na Restinga VITÓRIA MOLLERKE (1º SEMESTRE) Cachorros são alvo de roubos em Porto Alegre GEORGIA UBATUBA (3º SEMESTRE) Torneio de futebol americano é disputado na Restinga VITÓRIA MOLLERKE (1º SEMESTRE) Encontro com a multicolorida primavera ANNIE CASTRO (1º SEMESTRE) Jóqueis campeões se enfrentam em Porto Alegre FREDERICO MARTINS (6º SEMESTRE) E YANLIN COSTA (3º SEMESTRE) Turfe tenta voltar à agenda do porto-alegrense BRUNA ZANATTA (4º SEMESTRE) Geneton aconselha que repórter precisa viver em crise EDUARDA ENDLER LOPES (1º SEMESTRE) Palestrantes do SET desconstroem preconceitos contra favelas e classes C, D e E SOFIA SCHUCK (2º SEMESTRE) E PEDRO SILVA (4º SEMESTRE) Cavalete eleitoral ajuda ou atrapalha campanha? VITOR LAITANO (2º SEMESTRE) Desfile de 20 de Setembro movimenta quase 8 mil pessoas em Alegrete ANNIE CASTRO (1º SEMESTRE) Evento com skate, grafite e música agita o sábado no Asilo Padre Cacique GUILHERME ALMEIDA (5º SEMESTRE) Geneton lamenta jornalismo sem redação JÉSSICA MORAES (4º SEMESTRE) Kombi pega fogo na Avenida Carlos Gomes YANLIN COSTA (5º SEMESTRE) E BETINA CARCUCHINSKI (4º SEMESTRE) Insinuações e número de Estivalete marcam o último debate dos candidatos a governador do RS PATRÍCIA LAPUENTE (6º SEMESTRE) Blitz Cultural 01/10/2014 ANNIE CASTRO (1º SEMESTRE) Temas LGBT pautam campanha presidencial BRUNA AYRES (6º SEMESTRE) “O mais importante é uma boa história”, diz pesquisadora Maria Merisalo PEDRO HENRIQUE TAVARES (8º SEMESTRE) Venda de ingressos para show da banda Foo Fighters gera tumulto na Praça da Alfândega EDUARDA ENDLER LOPES (1º SEMESTRE)
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Sociedade diz “sim” à reforma política em plebiscito PEDRO SILVA (4º SEMESTRE) Oito ex-jogadores de futebol são candidatos por diversos partidos políticos no Estado GABRIEL GONÇALVES (4º SEMESTRE) Beijaço contra a homofobia mobiliza 300 pessoas no centro de Porto Alegre MAIA RUBIM (4º SEMESTRE) Saiba o que é permitido e o que é proibido no dia das eleições JÚLIA BERNARDI (4º SEMESTRE) Eleições 2014 movimentam a cidade de Caxias do Sul JÚLIA BERNARDI (4º SEMESTRE) Luciana Genro fala sobre seus projetos para a regulação da mídia e educação CAMILLA PEREIRA (6º SEMESTRE) Repórteres alvoroçam colégio na Zona Sul para capturar o voto de Dilma Rousseff VÍTOR LAITANO (2º SEMESTRE) Ana Amélia se diz confiante de que estará no segundo turno PATRÍCIA LAPUENTE (6º SEMESTRE) Trânsito movimentado em dia de eleições JOANA GUTTERRES BERWANGER (2º SEMESTRE) Vó Ema, o exemplo de quem faz de um dever, um direito LAÍSA MENDES DA SILVA (6º SEMESTRE) Candidatos movimentam manhã no maior colégio eleitoral da Capital PEDRO HENRIQUE TAVARES (8º SEMESTRE) Problema com o disque-eleitor prejudica denúncias VITOR LAITANO (2º SEMESTRE) Estar fora da zona eleitoral é a principal justificativa VITOR LAITANO (2º SEMESTRE) Eleitores de primeira viagem e a ressaca das manifestações de 2013 EDUARDA ENDLER LOPES (1ªSEMESTRE), GIOVANA FLECK (2ª SEMESTRE) E ISABELLA MÉRCIO (3ªSEMESTRE) “Voto na Dilma desde 1969”, afirma Raul Ellwanger CAROLINA HICKMANN (6º SEMESTRE) Pela primeira vez, rampa facilita acesso de deficiente físico em Uruguaiana PAULA ESTIVALET (1º SEMESTRE) Ex-preso político vota pela primeira vez em 65 anos CAROLINA HICKMANN (6º SEMESTRE) Rádio Gaúcha cobre eleições em estúdio móvel na PUCRS SEM AUTOR Eleitores deixam voto para última hora e correm contra o relógio JÉSSICA MORAES E YASMIN LUZ (4º SEMESTRE) Eleitores vestem a camisa do partido na Redenção FERNANDA RIBEIRO MAZZOCCO (8º SEMESTRE) Desinformação de eleitor provoca fila em Alegrete ANNIE CASTRO (1º SEMESTRE) Santinho descartado no dia da eleição gera 270 multas no primeiro turno VITOR LAITANO (2° SEMESTRE) E REBECA KUHN (3º SEMESTRE)
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Evento incentiva o não preconceito com deficientes e proporciona momentos de diversão ao público KARINE FLORES (6º SEMESTRE) Regulação da mídia na América Latina será discutida nos 70 anos da Ajuris PEDRO HENRIQUE TAVARES (8º SEMESTRE) Erro na boca de urna aumenta desconfiança do eleitor em relação a pesquisas JOÃO PEDRO ARROQUE LOPES (6º SEMESTRE) A disputa entre o silêncio físico e o numérico no comitê de Tarso Genro ISABELLA MÉRCIO (3º SEMESTRE) Repórter acompanha os bastidores do TRE-RS durante a votação do 1º turno GEORGIA UBATUBA (3º SEMESTRE) Remo é alternativa de prática esportiva em Porto Alegre FREDERICO MARTINS (6º SEMESTRE) Nova ponte do Guaíba começa a ser erguida YANLIN COSTA (3º SEMESTRE) Chuva provoca pouco estrago na estrutura da Feira do Livro BRUNA AYRES (6º SEMESTRE) Horário de verão muda viagens aéreas em Estados que não adotam a medida GEORGIA UBATUBA (3º SEMESTRE) Comitês reforçam distribuição de material na última semana THIAGO VALENÇA (5º SEMESTRE) Oficina Comunitária da Cidade da Bicicleta recebe nova sede da prefeitura CLÁUDIA DOS ANJOS (6º SEMESTRE) Consultor da Unesco critica decisões de juízes que usam direito penal para prender jornalistas PEDRO HENRIQUE TAVARES (8º SEMESTRE) Rede de lojas Tumelero aproveita declaração de Sartori e promove ação nas redes sociais THAMÍRIS MONDIN (6º SEMESTRE) Os uruguaios também vão às urnas no domingo JOÃO PAULO DORNELES (2º SEMESTRE) Clima de provocação marca o último debate entre candidatos a governador no Rio Grande do Sul JÉSSICA MORAES E YASMIN LUZ (4º SEMESTRE) Candidatos recebem apoio da militância também na hora do debate JOÃO PEDRO ARROQUE LOPES (6º SEMESTRE) Próximo presidente encontrará Congresso fragmentado BRUNA AYRES (6º SEMESTRE) Candidatos ao Piratini dão entrevistas na PUCRS PEDRO HENRIQUE TAVARES (8º SEMESTRE) Dilma e Tarso votam na zona sul de Porto Alegre ISABELLA MÉRCIO (3º SEMESTRE) Panfletos com capa da Veja são distribuídos na Serra EDUARDO SEIDL (PROFESSOR) Maior colégio eleitoral da Capital recebe candidatos a governador CAMILLA PEREIRA (6º SEMESTRE) E PEDRO HENRIQUE TAVARES (8º SEMESTRE)
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Passageiros reclamam da demora de ônibus mesmo com esquema especial de trânsito FREDERICO MARTINS (6º SEMESTRE) Assista ao vivo a cobertura das eleições do Editorial J SEM AUTOR Imprensa disputa cobertura do voto de Dilma GABRIELA RABALDO (4º SEMESTRE), ISABELLA MÉRCIO (3º SEMESTRE) Sartori é eleito JÚLIA BERNARDI (4 SEMESTRE) Boatos nas redes sociais procuram confundir eleitor CAROLINE MICHAELSEN (7º SEMESTRE) Sartori assume com desafio de administrar crise nas finanças THAMÍRIS MONDIN (6º SEMESTRE) Plantonistas se revezam para votar BRUNA ZANATTA (4º SEMESTRE) Intensa movimentação de eleitores no aeroporto e na rodoviária de Porto Alegre STEPHANIE SOARES E PÂMELA MATIAS (2º SEMESTRE) Eleitores aproveitam os últimos minutos para votar DANIELY MEDEIROS (4º SEMESTRE) Eleitores de Porto Alegre aproveitaram o domingo de sol para passear pelos parques CASSIANA MACHADO (7º SEMESTRE) Cinco pessoas foram detidas no RS por infração eleitoral, segundo TSE CLÁUDIA DOS ANJOS (7º SEMESTRE) Confira as fotos do comitê do PMDB durante a eleição de Sartori FREDERICO MARTINS (6º SEMESTRE) Martinelli é o marqueteiro por trás do sucesso de Sartori BRUNA AYRES (6º SEMESTRE) Tensão ao fazer edição histórica CAMILLA PEREIRA (6º SEMESTRE) Problemas de energia deixam Cidade Baixa no escuro JÚLIA BERNARDI (4º SEMESTRE) E OTÁVIO SILVA (3º SEMESTRE) Taxistas questionam possível prejuízo em pagamento antecipado JÚLIA BERNARDI (4º SEMESTRE) Ferramentas digitais ajudam a lidar com a morte LUÍSA DAL MAS (6º SEMESTRE) Preferência pela cremação diminui em 15% demanda por tumbas no Cemitério Santa Casa CAROLINA ZORZETTO (3º SEMESTRE) Corredor de ônibus da Padre Cacique deve ser liberado até dia 20 de novembro THIAGO VALENÇA (5º SEMESTRE) Histórias do Bric do Didi ANNIE CASTRO (1º SEMESTRE) Famecos Cast faz projeção das Olimpíadas RAFAEL FERRI E ADRIANO PINZON (8º SEMESTRE) Falta de resfriamento em UTI agrava situação de pacientes CINTHIA AQUINO DIAS (6º SEMESTRE)
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Muitas mãos decidem qual livro sai da “fábrica” PATRÍCIA LAPUENTE (6º SEMESTRE) Porto Alegre promove sua primeira feira vegana CLÁUDIA DOS ANJOS (6º SEMESTRE) Projeto espalha pianos por pontos de Porto Alegre e Canoas BRUNA AYRES (6º SEMESTRE) Todo jornalismo é investigativo, diz jornalista canadense JÚLIA SILVEIRA (8º SEMESTRE) E YANLIN COSTA (3º SEMESTRE) Praça Dom Sebastião reaparece SABRINA SIMÕES (8º SEMESTRE) Auxílio-moradia da magistratura segue em discussão PEDRO SILVA (4º SEMESTRE) Brechó em Porto Alegre atrai colecionadores de camisetas de futebol KARINE FLORES (6º SEMESTRE) Proprietários de food trucks de Porto Alegre buscam regulamentar atividade VITÓRIA MOLLERKE (1º SEMESTRE) Evento da revista Piauí promove debate sobre jornalismo SOFIA SCHUCK (2º SEMESTRE) Negros estão em maior proporção nas regiões de menor renda da Capital KELLY FREITAS (6º SEMESTRE) Wikipédia busca colaboradores em Porto Alegre CAROLINA GOYER (6º SEMESTRE) Nova rede social TSU promete pagar por conteúdo gerado pelo usuário CAROLINE MICHAELSEN (6º SEMESTRE) Discussão, arte e política em movimento na Ocupação Kuna Libertária JULIANA MASTRACUSA (4º SEMESTRE) Poluição sonora segue gerando reclamações na Cidade Baixa OTÁVIO SILVA (3º SEMESTRE) Exposição relembra a série Castelo Rá Tim Bum CHRISTIANE LUCKOW, FLÁVIA CARBONI, TAÍNA CÍCERI, VINÍCIUS VELHO A eterna reforma política SHANA SUDBRACK (8º SEMESTRE) Políticos gaúchos concordam sobre esgotamento do sistema político, mas divergem sobre soluções SHANA SUDBRACK (8º SEMESTRE) Confira os vídeos da série Minha Biblioteca SEM AUTOR Memória da ditadura é lembrada com mais comoção e protestos na Argentina do que no Brasil AMANDA DI GIORGIO (3º SEMESTRE) E SOFIA SCHUCK (1º SEMESTRE) Do Aeroporto ao Beira-Rio em dez fotos GUILHERME ALMEIDA (5º SEMESTRE) Editorial J na TV explora a mobilidade urbana SEM AUTOR
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Editorial J entrevista coronel Manoel Soriano SEM AUTOR Escândalo do Tamiflu reacende debate sobre transparência na medicina GABRIEL GONÇALVES E JÚLIA BERNARDI (3º SEMESTRE) Vacina contra HPV é distribuída para adolescentes brasileiras AMANDA GONÇALVES, JULIANA BONOTTO, ALEXANDRE RODRIGUES E AMANDA OSHIDA (6º SEMESTRE) ONG Cabelegria produz perucas para crianças submetidas a quimioterapia ELISA CELIA (8º SEMESTRE) Fifa cancela até 90% das reservas em hotéis de todo o Estado BRUNA ZANATTA (3° SEMESTRE) Lixo: matéria prima e inspiração ELISA CELIA (8º SEMESTRE) Eu, Carolina DOUGLAS ROEHRS (7º SEMESTRE) O mundo sem telas BRUNA GASSEN (7º SEMESTRE) Mulheres são as principais clientes de sex shops no Rio Grande do Sul KARYNE DE OLIVEIRA (6º SEMESTRE) Salões de beleza se unem à luta contra o câncer ELISA CELIA (8º SEMESTRE) Cidadão encontra dificuldades para encaminhar bichos feridos a tratamento na Secretaria Especial dos Direitos Animais KARYNE OLIVEIRA (7º SEMESTRE) Moradores convivem com esgoto e lixo na Lomba do Pinheiro CAROLINE FERRAZ (7º SEMESTRE) Editorial J na TV explora a nostalgia SEM AUTOR Vidas invisíveis GUILHERME ALMEIDA (5º SEMESTRE) A agitação da economia do lixo GUILHERME ALMEIDA (5º SEMESTRE) O que dizem os deputados federais SEM AUTOR Editorial J na TV 10 de Outubro SEM AUTOR Levantamento revela espaço dos candidatos nas capas dos jornais VICTOR RYPL (8º SEMESTRE) Funerais de luxo retomam tradição de ostentar na hora da morte ANAHÍS VARGAS E DANIELA FLOR (6º SEMESTRE) Bric do Didi está à venda EDUARDA ENDLER LOPES (1º SEMESTRE)
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Pela primeira vez, negros são maioria no Enem BRUNA ZANATTA (4º SEMESTRE) CrossFit ganha adeptos em academias gaúchas KARINE FLORES (6º SEMESTRE) Food trucks se consolidam como opção gastronômica em Porto Alegre JANNIS SCOTA E THIAGO ZAHREDINE (8º SEMESTRE) Prefeitura adia fechamento da EPA, mas destino de escola ainda é incerto CAROLINE MICHAELSEN (6º SEMESTRE) Lesão muscular é a principal inimiga do CrossFit KARINE FLORES (6º SEMESTRE) Quais projetos de lei você gostaria de ver apresentados ou defendidos pela nova legislatura? SEM AUTOR Confira o banco de dados sobre as concessionárias de pedágio CAROLINE FERRAZ (7º SEMESTRE) Leia a 14ª edição do Editorial J impresso SEM AUTOR Maioria dos banheiros públicos não tem acesso para pessoas com deficiência GABRIEL GONÇALVES (3º SEMESTRE) E GABRIELA GIACOMINI (1º SEMESTRE) Leia a 15ª edição do Editorial J impresso SEM AUTOR Leia a 16ª edição do Editorial J impresso SEM AUTOR O que dizem os políticos gaúchos em seus discursos LAURA MARCON, MANOELA TOMASI, MARIANA LÜBKE, MARINA DE OLIVEIRA, NATHÁLIA RODRIGUES, PÂMELA FLORIANO, RENATA FERNANDES, RICARDO MIORELLI, RÔMULO FERNANDES E VICTOR RYPL O Rio Grande para o próximo governo SEM AUTOR O que dizem os deputados estaduais SEM AUTOR Perfil demográfico do eleitor gaúcho não se reflete em bancadas legislativas GEORGIA UBATUBA (3º SEMESTRE) Confira toda a cobertura das eleições pelo Editorial J SEM AUTOR Leia a 17ª edição do Editorial J impresso SEM AUTOR A moderna rodoviária envelheceu BRUNA ZANATTA (4º SEMESTRE)
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Papel Miolo: P贸len Soft 80g Capa: Cart茫o Supremo 300g