CAD ERNO DA EDIÇÃO 27 DO EDITORIAL J • JULHO/AGOSTO • 2018 FAMECOS / PUCRS • WWW.PUCRS.BR/FAMECOS/EDITORIAL J
Caderno Foto: Nicolas Chidem (5º sem.)
Notícias falsas escondem interesses MENTIRAS SÃO CONSTRUÍDAS COM PROPÓSITO DE CAUSAR DANOS
POR Fernando Costa (1º sem.), Rariane Costa (1º sem.) e Yasmim Girardi (1º sem.)
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termo “fake news”, segundo tradução literal, se refere a notícias sem veracidade. São mentiras ou inverdades publicadas on-line, revestidas de artifícios que as fazem convincentes o suficiente para se passarem por verdades. Habitualmente, esse fenômeno tem como objetivo principal causar danos à imagem e reputação de pessoas ou organizações e ainda influenciar a
população para determinadas ideias. Além disto, também há um fator econômico. Empresas usam esse recurso para aumentar os números de audiência, visando maior lucro com seus sites. Como um fenômeno atemporal, as fake news já eram registradas no século seis antes de Cristo, de acordo com estudos produzidos em Harvard, pelo historiador e professor emérito Robert Darnton. Segundo estudo, o his-
toriador bizantino Procópio escreveu o livro “Anedota” que possuía veracidade duvidosa e buscava ferir a imagem do então imperador Justiniano. No século XXI, as notícias falsas entraram novamente em pauta nas eleições presidenciais dos EUA de 2016. Neste evento, diversas polêmicas foram levantadas a partir de informações duvidosas relacionadas aos então candidatos Hillary Clinton
e Donald Trump. Desde então, a influência das fake news vem sendo abordada em todo o mundo de maneira mais assídua, e em diferentes âmbitos. A discussão abrange a influência da mídia tradicional na produção e combate das fake news até a utilização dessas notícias por partidos políticos na manipulação dos eleitores. O Editorial J entrou no universo da desinformação on-line para conhecer detalhes e as consequências do fenômeno.
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► FAKE NEWS NA IMPRENSA
DIVULGAÇÃO DE NOTÍCIAS FALSAS PROVOCA QUESTIONAMENTO SOBRE O PAPEL DA IMPRENSA QUE JÁ PUBLICOU INVERDADES Os grandes veículos de comunicação têm papel fundamental na diferenciação entre verdade e mentira
imprensa possui um papel central nas discussões que envolvem o contexto da pós-verdade. O quanto é vítima ou, ao contrário, culpada neste cenário deveria ser debatido. A mídia corporativa tem um grande histórico de envolvimento com notícias falsas e, segundo o professor do curso de Jornalismo da PUCRS e jornalista internacional Luiz Antônio Araújo, esta não é a primeira vez que a imprensa se depara com uma crise de confiabilidade. “O jornalismo enfrenta uma crise de credibilidade que tem como uma das suas razões a questão tecnológica, mas que também está ligada às próprias atitudes do jornalismo”, frisa Araújo.
As novas tecnologias aumentaram o número de envolvidos nesse fenômeno principalmente porque o domínio da verdade deixou de ser exclusividade dos grandes jornais e redes de televisão, dando espaço e oportunidade para veículos menores. Estes possuem a mesma capacidade de produção de conteúdo que os grandes veículos tinham poucas décadas atrás. Dessa forma, as fake news tornam-se fáceis de serem produzidas, uma vez que, conforme o professor Araújo, “o monopólio da credibilidade estava consubstanciado no fato de que era muito difícil criar uma edição falsa de jornal”. Além disso, a produção de informações falsas é muito mais barata do
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Imprensa: vítima ou culpada? A
que a de conteúdo verdadeiro, lamenta. apurações mais verídicas e confiáveis, o A jornalista e doutoranda em co- professor defende a ideia de que cabe à municação Taís Seibt acredita que a nova geração criar um novo modelo de mídia não é a responsável direta por jornalismo para suprir as necessidades esse acontecimento. “A imprensa é um atuais do público e da própria profissão. meio, que pode muitas vezes ser usado Além disso, ele garante que enquanto como veículo para propagação de notí- os amadores produzirem conteúdo jorcias falsas”, destacou. Embora não creia nalístico no mesmo nível que os profisque a mídia corporativa precisa se redi- sionais da área, o parâmetro de exigênmir, Taís afirma que o papel de vítima cia para os jornalistas deve se elevar. ou heroína depende exclusivamente da “No momento em que todos produzem posição da imprensa diante destes acon- esse tipo de conteúdo, eu não posso ter tecimentos. O proo mesmo padrão e fessor Araújo assireproduzir isso na A imprensa é um nala que a primeira mídia profissional”, medida a ser tomacoloca Araújo. O jormeio, que pode da para a mudança nalista destaca que muitas vezes ser é admitir os erros, chegará um momentendo em vista que to em que não haverá usado como veículo parte da culpa pela diferença entre propara propagação de existência e propafissionais e amadores, gação das mentie que isso deveria sernotícias falsas. ras é o modo como vir de motivação para Taís Seibt os veículos tratam futuros jornalistas. Jornalista e Doutoranda as notícias. AmExiste ainda a em Comunicação bos concordam que ideia de que o deseos valores do jorjo e, não raras vezes, nalismo precisam ser reafirmados obrigação de ser o primeiro veículo a para que esse cenário se transforme. noticiar algo é outro grande fortalecedor “É senso comum que, nas redações desse problema. É fato que as famosas dos veículos, os mais velhos dominam barrigadas jornalísticas criam um terremais a técnica de apuração enquanto os no fértil para interpretações. No entanmais jovens conhecem melhor as novas to, as notícias falsas não são oriundas tecnologias”, afirma Taís Seibt. Ao mes- apenas de falhas jornalísticas, mas de mo tempo em que a pesquisadora acre- um intuito de enganar o leitor, o que dita que a solução para essa crise seja a faz com que este tipo de acidente não união de todas as gerações em prol de se encaixe no conceito de notícia falsa.
caderno Foto: Bernardo Speck (5º sem.)
Notícia falsa tem força porque alguém lucra FAKE NEWS SE ESPALHAM RAPIDAMENTE POR QUE SÃO CONVENIENTES À MUITA GENTE
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s fake news se espalham com força e rapidez porque são convenientes para muita gente, explica Rogério Christofoletti, professor e pesquisador do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ele acrescenta que “empresas, governos e pessoas lucram muito com a propagação de conteúdos de forma viral, e para eles não importa se a informação é verdadeira ou não. Importa é sua capacidade de ser espalhada, absorvida e novamente espalhada”. Com a popularização da internet e das plataformas digitais, os hábitos informativos se estenderam. Usuários ganharam um novo papel, não só de interagentes, mas também de produtores de conteúdo. As redes sociais têm sido um dos principais terrenos de criação e difusão de informações, inclusive, falsas. Com as tecnologias digitais, a divulgação de conteúdo se tornou mais simples, rápida e obteve um maior poder de alcance. Em relação a isso, a jornalista e doutoranda em Comunicação Taís Seibt considera que “há um potencial de personalização e disseminação das mensagens jamais visto”. Neste cenário, escândalos envolvendo gigantes da tecnologia vieram à tona. Em 17 de março de 2018, o Facebook, empresa fundada e gerida por Mark Zuckerberg, foi acusada de divulgar informações de seus usuários. Dados de 87 milhões de pessoas foram captados e empregados sem autorização para per-
sonalizar notícias relacionadas às eleições presidenciais dos Estados Unidos (EUA), em 2016. O pivô do imbróglio foi a firma de pesquisas digitais Cambridge Analytics, fechada após o escândalo. Em 2017, a consultoria de segurança cibernética Trend Micro publicou a pesquisa “The Fake News Machine” (A máquina das notícias falsas). Os resultados indicaram que, para manipular a opinião pública com a criação e disseminação de conteúdos falsos nas redes sociais, empresas cobrariam de US$ 200 mil até US$ 400 mil. Nestes casos, há inclusive a opção de criar uma celebridade digital e manipular processos de decisão públicos, sociais e políticos. Um exemplo disto, além da eleição de Donald Trump nos EUA, foi o referendo para a saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit, que teve a mesma influência trabalhada em plataformas digitais.
Apelo emocional É difícil compreender os motivos que levam as pessoas a compartilharem boatos diariamente. Embora existam muitas estratégias para que esse tipo de conteúdo tenha alcance e visibilidade, a disseminação de notícias falsas acontece principalmente por ação de usuários da internet. É comum atualmente que indivíduos ativos nas redes sociais não chequem as fontes de uma notícia que passa pelo feed, e muitos nem terminam de ler a informação antes de compartilhá-
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FAKE NEWS PROPAGAÇÃO
Como funcionam as fake news na internet As fake news estão cada vez mais presentes na mídia, tomando conta das redes sociais e ganhando espaço dentro e fora da web. Mas como isso funciona e por que as notícias falsas são propagadas? 1 - As notícias são criadas com manchetes, na sua maioria, alarmistas, gerando interesse do público. 2 - O WhatsApp é um dos vetores do compartilhamento das fake news, por não ter nenhum tipo de algoritmo que restrinja essa divulgação. 3 - Outro elemento que aumenta a disseminação desse tipo de notícia são os sites que ganham dinheiro por acesso, trabalhando com chamadas no estilo clickbait. 4 - Em alguns casos, robôs são usados para propagar informações falsas, maliciosas, ou gerar um debate artificial pelas redes sociais. 5 - As notícias se propagam rapidamente e, por falta de checagem das informações na maioria das vezes, as pessoas compartilham a notícia em seus círculos, seja dentro ou fora da internet.
-la ou sequer come6 - Pronto! A notícia falsa ultrapassa a internet e çam a leitura, ficanalcança as pessoas que não tiveram acesso direto a do nas manchetes. ela, dando tamanho e relevância para a mesma. Um dos recursos utilizados para aumentar a dimensão das fraudes é o como funcionam as coisas. Isso indepenapelo emocional empregado nas men- de dos anos de estudo formal e das consagens, um gatilho para o compartilha- dições econômicas de cada um”, destaca. mento. “O emocional faz com que as Redes sociais dinâmicas como o pessoas não criem um critério”, coloca Twitter têm um modo de operação proa psicóloga e professora Susana Gib penso a disseminação de fake news, já Azevedo. Segundo ela, a tática dificul- que tem limitação de caracteres que ta que os leitores raciocinem na hora torna as chamadas curtas e diretas. Por de checar a veracidade de uma notícia. isso, é comum acontecer o fenômeno Para Taís Seibt, uma das razões que ex- conhecido como clickbait, ou “isca para plica porque o fenômeno é tão recorren- cliques” (tradução livre). Os produtote está no fato de que algumas crenças res de notícias falsas utilizam mancheservem como critério decisório. “Se for tes atrativas para que o leitor não sinuma informação que confirme uma ex- ta necessidade de ler o resto do texto e pectativa ou uma convicção, também compartilhe sem conhecer todo o conhá uma tendência maior para que a teúdo. Taís explica que esse problema pessoa compartilhe isso”, argumenta. foge das mãos do usuário: “Solucionar Susana Azevedo acrescenta que a curio- isso passaria por uma reengenharia do sidade natural do ser humano é outro site que depende mais do próprio Twitgrande intensificador desse padrão. ter do que do usuário, a quem se recoA ideia de que as fake news se propa- menda não compartilhar sem pensar“. gam mais rapidamente entre as pessoas Outro fator importante no combate à de baixo grau de instrução ou condições propagação das fraudes é a capacidade econômicas não passa de um mito, alega de alcance dos influenciadores digitais Taís Seibt que também criou, junto com que acabam ajudando a disseminar boTiago Lobo, a Filtro Fact-Checking para atos mesmo que não deliberadamente. fazer de forma profissional a checagem Muitas vezes, figuras públicas praticam de informações. “Quando falamos de o clickbait ou se mostram irresponsáeducação para mídia como ferramenta veis sem verificar as fontes ao ler a inforde combate às notícias falsas, não esta- mação. A única forma de lidar com isso mos falando em grau de instrução, e sim requer cuidado constante, prestar atende uma compreensão mais ampla sobre ção no que se lê antes de compartilhar.
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► FAKE NEWS NAS ELEIÇÕES
Processos eleitorais são terreno fértil para manipulação
Aprenda a identificar notícias falsas
1 - Sempre verifique o endereço da web: muitas vezes, os sites que criam desinformação utilizam o nome de jornais famosos alterando pequenos detalhes. 2 - Dê uma olhada na seção “Sobre Nós”: sites confiáveis ou contas de redes sociais fornecem informações sobre os autores e como contatá-los. 3 - Olhe se há o “tique-azul”: essa marcação das redes sociais define quais perfis são verificados e verdadeiros. 4 - Desconfie de manchetes em caixa alta: os títulos “gritantes” são usados com frequência para chamar a atenção. 5 - Vá atrás da fonte primária: se a notícia tiver links ou referências a outras, verifique se elas realmente estão de acordo. 6 - Sempre procure por confirmações: não tome como verdadeiro informações vistas em apenas um lugar, sempre busque outras fontes confiáveis. 7 - Verifique a data e a localização: fotos ou vídeos antigos são republicados para enganar os leitores, verifique sempre quando e onde foram publicadas pela primeira vez.
APÓS ELEIÇÃO DE DONALD TRUMP NOS EUA, QUESTÃO GANHOU FORÇA NO CENÁRIO POLÍTICO GLOBAL
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m 2016, a maior potência mundial (EUA) iniciou a imagem de determinados candidatos. Para Christofoprocesso eleitoral para eleger o próximo presidente letti, “campanhas de difamação são sempre muito coda República. Em meio às polêmicas que cercavam muns nesses períodos”. Essa prática se torna frequeno debate político envolvendo os então candidatos Donald te principalmente no ambiente virtual, uma vez que os Trump e Hillary Clinton, um termo ganhou destaque: fake veículos digitais têm um maior poder de alcance, devinews. Considera-se fake news, mentiras ou inverdades pu- do à facilidade e a rapidez na publicação de conteúdo. blicadas on-line, revestidas de artifícios que as fazem conAs fake news, principalmente no ambiente virtual, são vincentes o suficiente para se passarem por verdades. No elemento relevante no cenário das eleições. Para Christoentanto, uma das questões que as tornam fenômeno com- foletti, essa questão pode trazer instabilidade para o debaplexo é justamente a ausência de uma definição formal. te político, pois “as redes sociais, associadas a sofisticados Hoje, elas são uma das peças na disputa política global. mecanismos de propaganda e fake news, podem interferir Crescem as preocupações relacionadas na disputa de pontos de vista, desequilià influência de notícias falsas em processos brando o debate, tornando cada vez mais Campanhas de eleitorais como exemplo, o peso que essas assimétricas as forças políticas”. Ainda, estratégias de informação teriam tido na segundo ele, também causam preocupadifamação são vitória do atual presidente dos Estados ção os bots, que são “sistemas automatizasempre muito Unidos ainda é objeto de debate. Impulsiodos que são programados para fazer o que nado pelo interesse na vitória de Trump, o milhares de pessoas poderiam fazer, em comuns nesses governo russo é acusado de ter financiado a muito menos tempo”. Com eles, é possível períodos. prática de fake news para prejudicar a canrealizar campanhas coordenadas de difadidatura da opositora, Hillary Clinton. Os mação ou exaltação de candidatos, envio Rogério Christofoletti russos, no entanto, negam envolvimento. em massa de spam entre outros serviços. Professor e No caso do Brasil, existe hoje um ceVisando diminuir a influência de notíPesquisador em nário político de polarização, além do cias falsas nas próximas eleições, a justiça Jornalismo crescimento de posicionamentos exeleitoral adotou medidas de combate a esse tremistas. A proximidade das eleições conteúdo. Em resolução do Tribunal Supepara presidente da República, senadores, deputados fe- rior Eleitoral (TSE), aprovada em 18 de dezembro de 2017, derais e estaduais, mais os governadores estaduais - que foi permitida a remoção de conteúdo sem veracidade da inserão em outubro - se torna um agravante neste contex- ternet. A resolução também pode ser utilizada como ferrato. Para o professor e pesquisador em jornalismo Rogé- menta de censura, se acionada por políticos incomodados rio Christofoletti, as fake news podem e vão influenciar por denúncias jornalísticas. A mesma resolução, no entanto, no debate político. “No meio da campanha, as fake news abre a possibilidade de ser impulsionado conteúdo em redes podem trazer temas ou enviesar esses assuntos nas dis- e plataformas digitais pelos candidatos, como em anúncios cussões públicas, fortalecendo ações para negativar cer- do Facebook. É a mesma estratégia que supostamente teve tos candidatos ou propostas”, adverte Christofoletti. influência russa para a eleição de Donald Trump nos EsAs notícias falsas se tornaram uma ferramenta uti- tados Unidos. Nestes casos, candidatos podem pagar pelo lizada por partidos políticos para divulgar ou denegrir direcionamento e potencialização de conteúdo divulgado.
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O fact-checking é um trabalho muito bem feito por algumas plataformas que buscam comparar as histórias com dados, pesquisas e registros. O Guia de Checagem de Fatos IFCN Poynter ensina você a ser também um checador:
Foto: Flickr Senado Federal/Marri Nogueira/Agência Senado
8 - Certifique-se de que não é uma piada. Muitos conteúdos parecem sérios, mas são criados como piada. Verifique se é um meme ou boato que já circulou antes. 9 - Cuidado com as fotomontagens: preste atenção nos detalhes! Às vezes, imagens que parecem “boas demais para serem verdade” são resultado de edições. 10 - Pense antes de compartilhar. Compartilhe bem, mas faça de forma consciente, é muito melhor. Em ano de eleições, o cuidado com notícias falsas deve ser redobrado por parte de eleitores e imprensa
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