O drama das mães solos
DESCASO
Mulheres contam como vivem a maternidade com pouco apoio. • PÁG 4
Prédios das escolas seguem ociosos
Foto: Sofia Lungui (5º sem.)
Carteira de habilitação Jovens temem reprovação na prova da CNH. • PÁG 9 Foto: Bernardo Speck (5º sem.)
Desde o início do ano, seis instituições de ensino foram fechadas na Capital. • PAG 6 A 8
Caderno J Reportagem especial explica motivações e a grande propagação de notícias falsas.
Foto: Nicolas Chidem (5º sem.)
EDIÇÃO 27 • JULHO/AGOSTO • 2018 FAMECOS / PUCRS • WWW.PUCRS.BR/FAMECOS/EDITORIAL J
papo de redação
Jornal do Laboratório de Jornalismo Convergente da Escola de Comunicação, Artes e Design - Famecos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Avenida Ipiranga, 6.681 Porto Alegre/RS
O lado obscuro da notícia POR Rariane Costa (1º sem.)
PUCRS Reitor
Foto: Nicolas Chidem (5º sem.)
Ir. Evilázio Teixeira Vice-reitor Prof. Jaderson Costa da Costa Pró-reitor Acadêmico Ir. Manuir Mentges FAMECOS Decana Cristiane Mafacioli Carvalho Coordenador do curso de Jornalismo Fábian Chelkanoff Thier Coordenador do Editorial J Fabio Canatta Coordenadores do Núcleo Digital/Impresso Ivone Cassol e Marcelo Fontoura Coordenador de Design Luiz Adolfo Lino de Souza Professores do Editorial J
CA D E R NO J E S CL A R ECE D ÚVI DA S ACE RCA D O FE NÔ M ENO DA S FAKE N E WS
I
nformação é um bem de grande valor, não exclusivo do jornalismo. Mas, este é movido pela notícia. Por isso, o debate sobre notícia falsa interessa muito aos jornalistas. Nesta edição, o núcleo Digimpresso do Editorial J preparou um caderno especial sobre o assunto procurando entender o fenômeno. As fake news ganharam espaço e se tornaram preocupação após a polêmica eleição que elegeu Donald Trump presidente dos Estados Unidos. Divulgação de informações falsas para desmoralizar candidatos oponentes e uso de propaganda personalizada por roubo de informações de plataformas digitais foram ferramentas usadas nesse processo. Considerando o próximo cenário eleitoral brasileiro, a discussão sobre a influência das notícias falsas na política nacional se torna imprescindível. As quatro páginas
do caderno central são ocupadas pelo debate sobre esse fenômeno, o que são e para que servem, qual o papel dos meios de comunicação e as medidas adotadas pelo Supremo Tribunal Eleitoral (TSE) para evitar problemas na eleição deste ano. Este é o período dos fact checking, serviços de checagem de fatos, dados e discursos que se tornaram necessários para enfrentar as inverdades. O caderno J mostra como funciona o universo da pós-verdade, a monetização do processo e também orientações que ajudam a identificar notícias falsas. Os esclarecimentos acerca das fake news resultam de entrevistas feitas com o professor e jornalista internacional Luiz Antônio Araújo, o também professor e pesquisador em jornalismo Rogério Christofoletti, a jornalista e doutoranda em comunicação Taís Seibt, além da psicóloga Susana Gib Azevedo.
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Famecos Cast aborda transexualidade no esporte
Confira o podcast na íntegra no audiomack
Fabio Canatta, Flávia Quadros, Ivone Cassol, Luiz Adolfo Lino de Souza, Marcelo Fontoura, Silvio Barbizan e
POR Tércio Saccol
Tércio Saccol Alunos editores
A
Giulia Cassol, Letícia Santos da Silva, Luana Casagranda e Patrick Silva Diagramação
CONTEÚDOS DO EDITORIAL J
Daniel Guarin e Patrick Silva Alunos Alice Ros, Bernardo Speck, Camila Pires, Cecília Fontoura, Daniel Guarin, Esther Oliveira, Fernando Costa, Flavia Pereira, Giulia Cassol, Gustavo Pedroso, Guilherme Milman, Helena Weissheimer, Jonas Melgaré de Bem, Letícia Santos da Silva, Luana Casagranda, Lourenço Marchesan, Maria Eduarda Rocha, Mariana Puchalski, Nadia Probst, Nicolas Wagner, Patrick Silva, Rariane Costa, Ricardo Ott, Roberta Berti, Thais Macedo e Yasmim Girardi.
Famecos Cast É uma rádio online com programação diária de reportagens, debates, entrevistas, colunas e noticiários ustream.tv/ channel/famecos-cast.
participação da jogadora Tiffany, da equipe do Bauru, ascendeu, recentemente, a discussão sobre a presença de transexuais no esporte. Apesar do viés polarizador, o debate tem caráter social, científico e cultural. Neste cenário, a equipe da Famecos Cast tentou, através de estudos, entrevistas e análises, apurar e propor como debate público. Com produção e reportagem de Alice Ros, Gustavo Pedro-
Editorial J em vídeo Produções audiovisuais para redes sociais, telejornal semanal, documentários e reportagens. As edições estão disponíveis no facebook.com/editorialj e no youtube.com/editorialj.
so, Lourenço Marchesan, Nicolas Wagner, Guilherme Millman e Gabriel Affatato, a edição número #5 do Podcast Famecos Cast Enfoca aborda a transexualidade no esporte. Um podcast é uma espécie de programa de áudio, você pode ouvi-lo pelo celular, computador e executando outras atividades, inclusive. No primeiro bloco, a equipe do núcleo de áudio do Editorial J traz profissionais, ativistas e transexuais
Editorial J nas redes sociais Acompanhe o Editorial J pelo Twitter e pelo Instagram no @ editorialj. No Facebook, pelo facebook.com/editorialj. No Flickr, flickr.com/editorialj. No Medium, medium.com/ editorial-j-famecos.
em uma exposição técnica e humana sobre o tema. No segundo bloco, é feito um debate sobre as informações e percepções coletadas e no terceiro, indicações de materiais que podem ajudar você a aprender mais sobre transexualidade. São fontes do podcast a médica Sohaila Younes, o professor de educação física Marcelo Santanna, o jornalista e ativista Gabriel Galli, e dois transexuais que praticam esportes.
IMPRESSÃO Gráfica Epecê - PUCRS
Laboratório de Jornalismo Convergente da Famecos www.pucrs.br/famecos /editorialj
violência
Terra indefesa: crescem mortes no campo CA SOS D E AS S AS S IN ATO S DE DEFENSO RES DO S DI R EI TO S HU M A N OS N O BRAS IL TIVE RA M AUMENTO DE 20% EN TRE 2 0 1 5 E 2017, A M A IO RIA EM CO NFLITO AGRÁ R I O
N
azildo dos Santos Brito, 33 anos, líder da Comunidade de Remanescentes de Quilombo Turê III, foi executado a tiros em 15 de abril, no Pará. Era ameaçado por denunciar crimes ambientais e teria pedido proteção ao Ministério Público Federal em 2016. Paulo Sérgio Almeida Nascimento, 47 anos, líder comunitário da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia, foi morto a tiros em 12 de março, no Pará. Denunciava crimes ambientais da Hydro Alunorte e pediu proteção do Estado em janeiro, por sofrer constantes ameaças. Carlos Antônio da Silva, 51 anos, líder do Assentamento PDS Rio Jatobá, foi assassinado a tiros em 7 de fevereiro, no Mato Grosso. Em 2017 havia registrado boletins de ocorrência por sofrer ameaças. Márcio Matos de Oliveira, 33 anos, dirigente estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foi morto a tiros em 24 de janeiro, na Bahia. Integrantes do MST apontam que a motivação para o crime estaria ligada a luta pela terra e a atuação política de Márcio. Esses recentes casos indicam porque, no Brasil, 342 militantes estão incluídos no Programa Nacional De Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, a maioria (62,95%) ligados ao direito à terra, causas indígenas e quilombolas. No entanto, a Anistia Internacional aponta que os assassinatos de militantes no Brasil estão aumentando desde 2014. O caso de maior repercussão recente foi a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), que lutava contra a intolerância e a violência. Assassinada no dia 14 de março, juntamente com o motorista Anderson Gomes, Marielle defendia os direitos humanos e teve seu carro alvejado por tiros pouco tempo após sua participação no evento “Jovens Negras Movendo as Estruturas”, no bairro da Lapa, centro do Rio de Janeiro. A morte
P O R Camila Pereira (2º sem.)
de Marielle está inserida em um contexto urbano e ganhou grande notabilidade na mídia, porém muitos casos de violência contra defensores dos direitos humanos em zonais rurais não estão presentes na imprensa com a mesma veemência. Para frei Sérgio Gorgen, dirigente do Movimento dos Pequenos Agricul-
tores e ex-deputado estadual, “a real violência contra os pobres na cidade também não recebe visibilidade pela mídia empresarial. O que aparece é a versão ‘banditizada’ da violência e não a violência real, a repressão permanente, presente nas vilas e comunidades. No campo, as dificuldades de dar
VIOLAÇÕES NA ÁREA DOS GRANDES
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EMPREENDIMENTOS EM 2016 FORMAS DE CRIMINALIZAÇÃO
Procedimento Criminal • Ações Criminais • • • • • • Ameaças Violentas • Perseguição Política • Repressão/Intimidação Policial • • • Ação Civil Indenizatória • Ação Possessória • • • • • •
TIPOS DE CONFLITOS OCORRÊNCIAS
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MINERAÇÃO
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UHL* *UHL: Usina Hidrelétrica
Fonte: Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos
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visibilidade é infinitamente maior”. A Comissão Pastoral da Terra aponta que foram 70 assassinatos de defensores dos direitos humanos em 2017. Em todo o ano de 2016, segundo levantamento do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH), foram registrados 66 assassinatos. Em 2015, o número de mortes de defensores dos direitos humanos no Brasil havia chegado a 50. Em todos os anos citados quase a totalidade dos homicídios ocorreram em conflitos agrários. Publicado em 2017 o dossiê “Vidas em Luta: Criminalização e violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil”, do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, apontou que a região Norte concentra a maior parte dos assassinatos de militantes dos direitos humanos, 32 casos em 2016. Somente em Rondônia ocorreram 19 das 32 mortes registradas na região, o que colocou o estado em primeiro na lista de números de mortes ocasionadas no campo, seguido pelo estado do Maranhão, com 15 casos. Ainda segundo relatórios do CBDDH, desde a morte da missionária Dorothy Stang, em 2005, no Pará, foram registrados 334 assassinatos ocorridos no campo em todo território brasileiro, sendo menos de 6% investigados. Sobre as causas dessa crescente violência, frei Sérgio Gorgen salienta que, para ele, “a composição de forças política do governo pós-impeachment é claramente pró-latifúndio. Isto amplia o nível de violência, tanto do estado quanto do sistema repressivo privado dos latifundiários, através, basicamente de jagunços. A violência no campo é visceral na sociedade brasileira, não é de hoje”. O CBDDH também destaca que houve um enfraquecimento das políticas públicas ligadas aos direitos humanos a partir da reforma ministerial do governo, ocorrida em 2016, que colocou a Secretaria de Políticas para Mulheres, a Secretaria de Direitos Humanos e a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial sob o domínio do Ministério da Justiça e Cidadania. No mesmo ano, a ONU cobrou explicações do governo brasileiro sobre a resolução de aproximadamente 30 mortes de defensores dos direitos humanos e destacou a preocupação com o que denominaram de “crescente criminalização de movimentos sociais”. Essa criminalização, aponta o frei Sérgio, tem como objetivo inibir as lutas sociais no campo, enfraquecendo reivindicações e o apoio popular. A principal consequência disso seria o “aumento do preconceito na sociedade sobre a realidade do campo, da justeza das lutas sociais e das reais reivindicações dos movimentos camponeses na luta pela terra e pela produção de alimentos saudáveis para o conjunto da população”, completa o frei.
Foto: Sofia Lungui (5º sem.)
P O R Sofia Lungui (5º sem.)
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arina, 37 anos, é faxineira e cozinheira. É mãe e pai. Viveu com o ex-marido por quase 20 anos, mas criou sozinha os quatro filhos que teve com ele. Sem o suporte da família, vivendo na periferia do bairro Getúlio Vargas, em Pelotas/ RS, trabalhou duro para sustentar e alimentar o companheiro, seu filho mais velho, de 20 anos, outro de 18, a filha de 15 e o mais novo, que possui um grau de autismo e está com nove anos. O pai das crianças nunca deu assistência financeira ou afetiva à família e roubava dinheiro da esposa para comprar drogas. Quando a situação apertava, Carina chegou a pedir comida aos vizinhos para que os filhos não passassem fome. O caso de Carina (o verdadeiro nome foi preservado) parece incomum no Brasil, mas é a realidade de muitas mães solo. Conforme pesquisa de 2015 do Instituto Data Popular, existem mais de 67 milhões de mães no Brasil – dessas, cerca de 20 milhões são mães solo. O estado civil da mulher é associado, muitas vezes, à maternidade, embora uma coisa não tenha relação alguma com a outra. A expressão “mãe solteira” contribui para propagar essa visão. Mães solo são aquelas que têm filhos, mas são separadas, viúvas ou nunca foram casadas com o genitor. No entanto, podem estar em relacionamento afetivo ou casadas com outra pessoa. Mães solteiras são mulheres com filhos que não estão envolvidas em relacionamento algum. Essa confusão entre “solo” e “solteira” ocorre especialmente porque a maternidade é vista como um estado civil, segundo Fernanda Teixeira, professora de Língua Portuguesa e Literatura e estudiosa da temática da maternidade dentro
Maternidade se torna uma espécie de estado civil da mulher que é mãe e separada
Não há ninguém perto de você MULHERES CONTAM SOBRE OBSTÁCULOS DA MATERNIDADE PARA ALÉM DAS QUESTÕES FINANCEIRAS, COMO EXCLUSÃO SOCIAL, SOLIDÃO E JULGAMENTOS COM QUE LIDAM DIARIAMENTE da estrutura social. “Perante a sociedade, a coisa que precisa ser colocada em primeiro lugar é o ‘eu sou mãe’. Passa a ser um estado civil, e esse estado pressupõe que se tenha um genitor ao lado. Eu, por exemplo, sou mãe solo porque sou mãe do Alexandre, não vivo em matrimônio com o pai dele, mas tenho outro relacionamento”, explica a pesquisadora, que reside em São Carlos, Santa Catarina. No Dia das Mães de 2017, Fernanda, que decidiu se separar do pai de seu filho porque eles tinham um relacionamento abusivo, levantou no Facebook o debate sobre a maternidade solo no Brasil. Na data, circulou na rede social um texto de Fernanda sobre experimento social que ela realizou. Após algumas leituras sobre o tema, a professora e uma amiga, que é socióloga, conversaram com diversos ho-
mens no Tinder, aplicativo popular de relacionamentos no país. Definiram previamente a linha de texto básica para as conversas, permitindo que os interlocutores falassem mais, a faixa etária destes interlocutores (de 24 a 34 anos) e traçaram os perfis a serem usados. A foto de Fernanda no app foi produzida de forma a ser atraente, com busto desnudo e muita maquiagem, para que elas conseguissem muitas combinações – no aplicativo, o chat só é liberado quando se tem uma combinação entre as duas pessoas, o chamado match. O primeiro perfil, sem descrição alguma, somente com a foto, circulou por três semanas no Tinder. Em nenhum momento foi citado que Fernanda era mãe. Não houve diálogos ofensivos ou nada que gerasse constrangimento. No outro perfil lançado na rede, foi usada
a mesma foto, mas este descrevia: “Fernanda, 27 anos. Mãe. Professora. Militante. Feminista. Amor à culinária, literatura e aos amigos. Ódio ao capital e aos de coração raso”. Em nenhum momento o filho de Fernanda foi exposto. O perfil girou no app por uma semana, antes do Dia das Mães. O resultado das conversas trouxe muitas dores de cabeça à professora. Nos diálogos, Fernanda foi criticada e insultada pela grande maioria dos quase 100 interlocutores que a acusaram de ser irresponsável com a criança, desesperada na busca por relacionamentos, carente de um pai para os filhos e instável financeiramente, além de sofrer fetichização por conta da amamentação, segundo ela. O texto que publicou no Facebook para divulgar a experiência já alcançou mais de 80 mil pessoas – muito além do que
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ela imaginou, abalando-a psicologicamente devido às críticas recebidas. “Acredito que as mulheres que são mães solo e não sofreram esses julgamentos não querem ter essa consciência ou não sabem que passaram por isso. A maioria das mensagens recebidas era de mulheres de todo país contando que ocorria o mesmo com elas. Não tem como dizer que é pontual”. Abaixo, um dos trechos de conversa no Tinder publicado por Fernanda: Markus, 25 anos: – Vc tem com quem deixar a criança? n sou chegado, mas achei vc gata. – Oi? tu n é chegado em quê? – Filho dos outros kkk – Tu tem a foto com uma criança!!!! – É meu afilhado. – Pra chamar mulher? O diálogo, divulgado por ela na web, ilustra uma relação complexa desigual. Maternidade solo e paternidade solo são vistos de formas distintas socialmente. As diferenças parecem girar em torno do fato de que as responsabilidades são jogadas em cima da mãe, majoritariamente. A mulher é vista como a principal responsável pela criança. “As pessoas dizem ‘ele não estava pronto para ser pai’. Alguém me perguntou se eu estava pronta para ser mãe? Eu nunca tinha tido filho, não queria, não me via como mãe ainda. Não nasci pronta para isso só porque sou mulher”, conta Edna Alves, 24 anos, de Butiá/RS. Para ela, o pai tem tanta responsabilidade sobre a criança quanto a mãe, mas não foi assim no caso dela. Jornalista e mãe da Antônia, três anos, Edna e o pai da menina romperam o namoro quando a criança tinha cinco meses. Para dar conta da vida com um bebê, ela suspendeu os estudos na faculdade e passou a ficar em casa
mães solitárias Foto: Sofia Lungui (5º sem.)
quase o tempo todo. Na vida do ex-namorado, quase nada mudou. Ele continuou saindo com os amigos para beber e jogar futebol. Ela relata que o ex-companheiro paga pensão, mas é um pai ausente. “A Justiça pode cobrar dinheiro e presença, mas não tem como cobrar amor. Há dez meses, ela vive com um novo parceiro, que cuida de Antônia como se fosse sua própria filha. Desde então, ela não se considera mais uma mãe solo, pelo fato de ter suporte financeiro e afetivo de seu namorado na criação da filha. O fato de homens pagarem pensão alimentícia, muitas vezes, é confundido socialmente como ato de um bom pai. Mas é apenas um dever, uma obrigação. “Uma criança não vive só de dinheiro”, critica Edna. O mesmo parece acontecer com a faxineira e cozinheira Carina. Segundo ela, o ex-marido é visto como um bom pai. “Hoje, ele diz que os filhos são tudo na sua vida. Mas quem conviveu sabe que não é assim. Quando cheguei para morar no Getúlio, na periferia de Pelotas, ele não me deixava conversar com os vizinhos porque não queria que as pessoas soubessem que eu bancava a casa. Criei todos sozinha”, desabafa. A história da maternidade de Carina começou aos 16 anos, quando foi morar com o antigo parceiro, que tinha 24 anos. Em pouco tempo, ficou grávida pela primeira vez. Sair de casa para tentar construir a própria vida foi um alívio para Carina, que sofria agressões do pai alcoólatra. Ela engravidou outras três vezes. Com o tempo, porém, acabou deparando com a maternidade solo. Assim como o antigo namorado de Edna, o ex-marido de Carina prometeu assumir os filhos. Na prática, ele nunca os criou. “Se ele foi em dois conselhos de classe na escola foi muito. Quando dava dinheiro, era 20
Cuidar sozinha dos filhos é a dura realidade de muitas mulheres, após a separação do casal reais por mês. Isso não é nada para quatro crianças. Três anos após o nascimento do último filho, em 2011, o casal se separou Atualmente, ela ainda vive na periferia de Pelotas com os filhos, longe do ex-marido. Ele não vê as crianças com frequência. Entretanto, quer a guarda delas. Carina não quer perder a guarda e nem ter guarda compartilhada, pois sabe que ele não irá cuidar dos filhos. “Ele nunca cuidou. Crio muito bem meus filhos. Trabalho em casa, faço salgados e vendo”, afirma, orgulhosa. No Facebook, em grupos de mães solo, mulheres de todo o país desabafam sobre os obstáculos da maternidade solo, questionam umas às outras, tentam sanar dúvidas, fazem enquetes, queixas e brincadeiras. “Desabafos de mães solteiras”, “Mulheres separadas, divorciadas, viúvas e mães solteiras” e “Desabafos de uma Mãe Solo” são alguns dos maiores grupos com esse objetivo na rede social. Vanessa Bueno, 35
anos, de Cruzeiro, São Paulo, é integrante do grupo “Diário de mães solo”, que conta com quase 26 mil membros. A advogada tem duas filhas – Eloá, cinco anos, e Sofia, de oito – e cuida delas com o auxílio da família. Há pouco tempo, Vanessa rompeu um relacionamento de cinco anos, interrompendo planos de casamento. O ex-namorado acreditava que as crianças gerariam muitas despesas. “Ele não queria morar junto comigo porque pensou que eu deixaria tudo nas costas dele. Eu sempre sustentei minhas filhas. Não quis continuar em uma relação com uma pessoa tão imatura”, lembra Vanessa. O pai de Eloá tem boa relação com Vanessa e vê a filha com frequência, enquanto o pai de Sofia não faz questão de visitá-la. Vanessa conta que não costuma usar aplicativos de relacionamento, como o Tinder. Segundo ela, é difícil encontrar alguém interessante. Edna relata que muitos homens deixaram de falar com ela quando
souberam que é mãe. Carina nunca usou qualquer aplicativo deste tipo, mas atesta que mesmo separada há cinco anos, é muito difícil conseguir engatar um relacionamento. “É raro achar um homem que te assuma. A mulher acha que aquilo é um relacionamento, mas não é, porque ele não vai te mostrar na frente dos outros. Os homens têm esse preconceito declarado, não tem como esconder. Eles pensam que a gente está ali só para o sexo”, lamenta Carina. Para Carol Rocha (30), publicitária e mãe solo em São Paulo (SP), conhecida como Tchulim por sua conta no Instagram, onde publica fatos do seu cotidiano, sobre maternidade e conta com mais de 66 mil seguidores, foi mais fácil namorar pessoas que já estavam em seu círculo social, em vez de buscar parceiros de fora de sua bolha, como no Tinder. “Todas as pessoas com quem eu fiquei após a separação sabiam que eu tinha filho. Nunca fiquei com alguém que eu conheci na balada, por
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exemplo”. Segundo ela, isso serviu como forma de blindá-la dos julgamentos externos. Em 10 anos, o Brasil ganhou mais de um milhão de famílias formadas por mães solo, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2016. Carina, Edna, Carol e Vanessa têm pouco em comum. Vivem em cidades ou estados diferentes, passaram por experiências muito diversas e pertencem a classes sociais distintas. No entanto, elas compõem uma parte dessas estatísticas, o que acarreta em condição semelhante em suas vidas: a exclusão social. Todas foram ou são, de alguma maneira, excluídas da sociedade por serem mães solo. Lidam com julgamentos e dificuldade em ter relacionamentos sérios, sofrem com a solidão e até mesmo a misoginia. A frase exibida pelo Tinder quando um perfil não encontra pessoas compatíveis em local próximo sintetiza o sentimento compartilhado por elas: não há ninguém perto de você.
P O R Esther Oliveira (3º sem.) e Mariana Puchalski (4º sem.)
R
ealocada, pessoa que foi transferida ou redirecionada para outro local. Essa é a situação de 418 estudantes de escolas públicas estaduais de ensino fundamental de Porto Alegre que, em março, passaram a frequentar as aulas em outro estabelecimento de ensino. Conforme a Secretaria Estadual de Educação (Seduc), os estudantes foram realocados por que as escolas que frequentavam fecharam as portas por decisão do governo do Estado. Em 2018, não receberam alunos as escolas estaduais de ensino fundamental Alberto Bins (bairro Santa Tereza), Benjamin Constant (bairro São João), Oswaldo Aranha (Vila Ipiranga), Doutor Miguel Tostes (bairro Ipanema), Marechal Mallet (Vila Jardim) e Plácido de Castro (bairro Higienópolis). Vica Campos é mãe dos estudantes Vitor Souza Carvalho e Bruno Henrique Souza Lara, que estudavam na Escola Estadual de Ensino Fundamental Marechal Mallet. Seus filhos foram encaminhados ao Colégio Estadual Rubem Berta. A mãe lamenta o fechamento da escola, pois “meus filhos estudavam ali desde o pré-escolar. Era uma escola pequena, onde diretores, professores e funcionários se conheciam e sabiam como cada aluno se comportava”. João Dornelles, ex-aluno da Escola Estadual de Ensino Fundamental Benjamin Constant, acredita que o fechamento da mesma é um grande retrocesso para a educação. “Estudei todo o ensino fundamental na escola. Ela fez uma grande diferença, pois é de fácil acesso. Mesmo morando em outro bairro, minha mãe me matriculou nessa devido à qualidade do processo de educação”. Para professora Silvia Ellers, da Escola Presidente Costa e Silva, pais de estudantes reclamam muito do fechamento das escolas estaduais. De acordo com ela, os pais entendem a escola como um local de tradição, onde a família inteira lá estudou e possuem um vínculo emocional e afetivo. Segundo Bruna Rodrigues, re-
Muitas perguntas e poucas respostas para escolas públicas fechadas
Prédio da Escola Alber
NO INÍCIO DE 2018, SEIS ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS DE ENSINO FUNDAMENTAL DA CAPITAL FORAM DESATIVADAS PELO GOVERNO DO ESTADO, DECISÃO QUE É QUESTIONADA QUANTO ÀS SUAS CONSEQUÊNCIAS presentante da Associação dos Moradores e Amigos da Moab Caldas (Amamoc), que fez o ensino fundamental na Alberto Bins, era intenção da comunidade manter a escola, com mais de 50 anos de história. Cerca de 181 alunos da escola Alberto Bins foram transferidos para as estaduais Venezuela e Medianeira. Os estudantes Rafael Dias e Érika Dias dos Santos, que foram para a Escola Estadual de Ensino Fundamental Venezuela, relatam que a infraestrutura do estabelecimento é precária, o telhado está quebrado e quando chove alaga as salas. Segundo Érika, em dias de chuva os alunos dividem a sala com várias turmas em um auditório. Outra reclamação dos estudantes é a falta de professores. “É difícil porque não tem professor. A gente vai para o colégio e volta para a casa porque não há aula”. Além disso, os estudantes revelam dificuldade de adaptação à escola para onde foram transferidos. A presidente da
União Municipal dos Estudantes de Porto Alegre (Umespa), Vitória Cabreira, reforça que existe dados da Seduc indicando falta infraestrutura nas escolas, “que a gente consiga fazer a escola mais atrativa para o jovem voltar a estudar em vez de fechar escolas”. Editorial J fez contato com a vice-diretora Tânia Sales e foi informado que as obras no telhado começaram no início do mês de maio. Em relação à infraestrutura foi dito que novas salas foram montadas para comportar os alunos transferidos. Entretanto, ainda faltavam alguns até maio. A Seduc alega que houve reuniões com a comunidade para discutir o fechamento das escolas estaduais. Porém, os relatos dos envolvidos com as instituições de ensino diferem do que foi informado. A vice-presidente do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers), Solange da Silva Carvalho, alega que o governo do Estado não realizou um
debate com a comunidade. Segundo ela, a sociedade foi a última a saber da desativação dos estabelecimentos. Ela entende que a única forma de impedir o fechamento de escolas, como ocorreu na Escola Estadual de Ensino Fundamental Ayrton Senna da Silva, é a mobilização da população da área e dos diretores. A professora Silvia, da Escola Costa e Silva, também conta que não houve diálogo com a comunidade nas escolas em que ela acompanhou os processos de fechamento. Para Bruna Rodrigues, da Associação dos Moradores e Amigos da Moab Caldas, os moradores nunca puderam conversar com a Seduc, “a única coisa que ouvimos do secretário da Educação é que se arrependia de não ter fechado mais escolas”, conclui. Enquanto a Seduc sustenta que os alunos serão beneficiados pelo fechamento das escolas, a opinião das associações que representam a comunidade é contrária. Bruna comenta que muitas crianças e jovens deixa-
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ram de estudar. Segundo ela, o fechamento das escolas é mais uma barreira para estudar, “em região de conflito, que existe perí- Comunidade do bairro metros. Por isso, alguns estudantes não podem transitar do local em que estão para outro”. Além disso, ela ressalta que muitas crianças são filhos de mães solteiras, que precisam trabalhar, “por isso as mães necessitam fazer escolha: parar de trabalhar ou manter as crianças na escola”. Vice-presidente da Associação dos Moradores e Amigos Vila Tronco Neves e Arredores (Amavtron), instituição que há mais de 30 anos no bairro Santa Tereza, Luciano Cardoso afirma que, para as famílias, existe dificuldade no deslocamento porque a Alberto Bins era uma escola perto de casa. Ele ressalta que “o problema
fechamento de escolas Fotos: Nicolas Chidem (5º sem.)
rto Bins não recebe mais alunos desde março
Salas fechadas trazem prejuízo ao bairro, não apenas aos alunos Foto: Thais Macedo (2º sem.)
o Santa Tereza tentou manter escola aberta de uma periferia são os recortes invisíveis que só quem está dentro enxerga”. Ainda, as escolas para onde os ex-alunos foram transferidos estão localizadas no bairro Medianeira. Para o vice-presidente da Amavtron, as transferências podem ser arriscadas, visto que “cada bairro tem seus grupos, se torna até perigoso para as famílias”. Luciano cita também o custo das passagens de ônibus que são caras para muitos na comunidade e por causa do aviso considerado tardio, a falta de planejamento para obtenção do Tri Vou à Escola. Para o representante da Amavtron, o sucateamento das escolas estadu-
Moradores tinham chave da escola Alberto Bins e cuidavam do local
ais “é um processo manipulado para que isso ocorra”, através do afastamento da comunidade dos núcleos educacionais por meio do desmonte da educação. A vice do Centro dos Professores (Cpers), Solange da Silva Carvalho, exemplifica “vamos supor se tu ligas para tal escola. Tu queres colocar a tua filha lá não tem vaga. Isso vai sendo feito seguidamente até que não tenha realmente. Vai diminuindo o número de alunos, depois justificam dizendo que tem que fechar escolas”. Assim, o governo se desobriga de investir. Solange ressalta que, no entender do Cpers, o número de alunos não é o fator mais importante
para o Estado fechar ou não uma escola “porque muitas dessas escolas estão em área de risco, alunos são de baixa renda”.
Destino dos prédios escolares A comunidade da Grande Cruzeiro ainda possuía a chave da escola Alberto Bins que era utilizada para realizar discussões sobre o fechamento da escola e eventos culturais com o objetivo de esclarecer e aproximar os moradores da região, de acordo com a professora Silvia Ellers. No dia 7 de abril, ocorreu na escola um mutirão
para cortar a grama e durante a tarde uma assembleia focada na comunidade escolar dos arredores, porém reuniões aconteciam semanalmente às quartas-feiras no pátio da escola. Segundo Luciano Cardoso, a chave do prédio foi entregue ao governo do Estado, mas o movimento Ocupa Alberto Bins tem o objetivo de ocupar o terreno até o Estado decidir o que será feito. Para ele, é importante “tentar mobilizar a comunidade porque é um espaço que vai afetar a região, a gente tem que saber o que vai acontecer ali dentro”, tendo em vista que o grupo busca propostas para o governo, como trans-
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formar o lugar em um complexo de políticas públicas. Por outro lado, a Secretaria Estadual de Educação afirmou que apenas o prédio da E.E.E.F Miguel Tostes será utilizado para o setor administrativo estadual, os outros cinco aproveitados como novas escolas municipais de educação infantil. Enquanto isso, as diretoras das escolas fechadas realizavam o arquivamento de documentos referentes aos alunos e o levantamento do patrimônio. O Editorial J entrou em contato com a Secretaria Municipal de Educação (SMED) para apurar o destino dos cinco prédios. Em relação à escola Alberto Bins, de acordo com Julio Cesar dos Passos, funcionário da Gerência Administrativa da SMED, “a Seduc ainda não repassou a escola ao município, portanto não temos como avaliar a transformação da escola em educação infantil”. Ele ressalta a existência de uma escola municipal de mesmo nível educacional ao lado da localização. Sobre o futuro dos prédios, a Secretaria Estadual de Educação informou, por nota, que “está reorganizando o seu número de escolas em função da diminuição na procura de vagas. Na Capital, seis escolas foram fechadas. Entretanto, existem instituições próximas aptas a receber a transferência dos alunos. De acordo com o secretário estadual de Educação, Ronald Krummenauer, nos últimos 15 anos houve uma redução de 1,5 milhão para 900 mil estudantes na rede estadual – queda de 40%. O principal motivo é a diminuição da taxa de natalidade, fenômeno que ocorre no Rio Grande do Sul e em todo o país. A partir da necessidade de uma infraestrutura menor, estamos realizando um melhor aproveitamento da estrutura e dos profissionais. Qualificando a gestão, os maiores beneficiados serão os alunos, pois terão ofertas de vagas em locais de qualidade”, explica. Os prédios das escolas que ficarão vazios terão dois destinos: os do Estado poderão ser utilizados pelos demais órgãos estaduais que hoje funcionam em espaços alugados, e os que são de propriedade do município serão devolvidos e funcionarão como escolas de Educação Infantil. Não acontecerão fechamentos de escolas no período escolar de 2018”.
fechamento de escolas
Obras seguem paradas no Instituto de Educação
Foto: Juliane Mergener (6º sem.)
P O R Mariana Puchalski (4º sem.)
Q
uem passa pela avenida Oswaldo Aranha, em Porto Alegre, logo se impressiona com a arquitetura do Instituto de Educação General Flores da Cunha e, no último ano, com o abandono do prédio. A escola que já foi referência de ensino público, importante na formação de diversos profissionais e professores de Porto Alegre está interditada para reforma cujas obras paralisaram em agosto de 2017. Contudo, a instituição não recebe alunos desde o início do ano letivo de 2016. O mais antigo estabelecimento de ensino secundário da Capital espera pela retomada da reforma iniciada na metade do ano passado, mas interrompida em seguida pela empresa Porto Novo Empreendimentos e Construções que rescindiu o contrato com o governo do Es-
tado em agosto de 2017. Neste curto período, apenas 10% das obras foram realizadas. A empresa alegou falta de recursos para prosseguir na restauração. Mais de 1.500 alunos e 130 professores tiveram que ser remanejados para outras escolas como Grupo Escolar Roque Callage, Instituto Estadual Rio Branco e as de Ensino Fundamental Felipe de Oliveira e Professora Dinah Néri Pereira. Desde o fechamento do instituto, a comunidade escolar tem se movimentado para evitar que Instituto de Educação não caia no esquecimento. No final do ano passado, ex-alunos realizaram um protesto junto às obras de restauração em frente ao prédio. Outra manifestação foi realizada em abril deste ano pedindo a retomada das obras. Na Escola Roque Callage, a secretária Maria Berenice Silva Oliveira diz que metade
dos alunos do Instituto desistiu de ir às aulas. “A Roque Callage fica na Mostardeiro, onde os alunos precisam subir para chegar. No Instituto, era mais fácil, somente descer do ônibus”. O prédio do Instituto de Educação, tombado pelo município, segue abandonado, com mato ao redor crescendo alto, janelas estão quebradas ou fechadas com tapumes e o teto recebeu uma cobertura provisória que não impede completamente a chuva, prejudicando ainda mais a estrutura. Segundo informações da Secretaria Estadual de Educação, fornecidas em junho, houve a abertura dos envelopes com as propostas para retomada das obras de restauração com quatro empresas se submetendo à Comissão Permanente de Licitação. A estimativa era das obras recomeçarem até o final de agosto de 2018.
Cresce processo de deteriorização da infraestrutura
Foto: Juliane Mergener (6º sem.)
Obras inacabadas no Instituto de Educação Flores da Cunha sugerem que prédio está abandonado. Nova previsão de retomada é agosto de 2018
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CAD ERNO DA EDIÇÃO 27 DO EDITORIAL J • JULHO/AGOSTO • 2018 FAMECOS / PUCRS • WWW.PUCRS.BR/FAMECOS/EDITORIAL J
Caderno Foto: Nicolas Chidem (5º sem.)
Notícias falsas escondem interesses MENTIRAS SÃO CONSTRUÍDAS COM PROPÓSITO DE CAUSAR DANOS
POR Fernando Costa (1º sem.), Rariane Costa (1º sem.) e Yasmim Girardi (1º sem.)
O
termo “fake news”, segundo tradução literal, se refere a notícias sem veracidade. São mentiras ou inverdades publicadas on-line, revestidas de artifícios que as fazem convincentes o suficiente para se passarem por verdades. Habitualmente, esse fenômeno tem como objetivo principal causar danos à imagem e reputação de pessoas ou organizações e ainda influenciar a
população para determinadas ideias. Além disto, também há um fator econômico. Empresas usam esse recurso para aumentar os números de audiência, visando maior lucro com seus sites. Como um fenômeno atemporal, as fake news já eram registradas no século seis antes de Cristo, de acordo com estudos produzidos em Harvard, pelo historiador e professor emérito Robert Darnton. Segundo estudo, o his-
toriador bizantino Procópio escreveu o livro “Anedota” que possuía veracidade duvidosa e buscava ferir a imagem do então imperador Justiniano. No século XXI, as notícias falsas entraram novamente em pauta nas eleições presidenciais dos EUA de 2016. Neste evento, diversas polêmicas foram levantadas a partir de informações duvidosas relacionadas aos então candidatos Hillary Clinton
e Donald Trump. Desde então, a influência das fake news vem sendo abordada em todo o mundo de maneira mais assídua, e em diferentes âmbitos. A discussão abrange a influência da mídia tradicional na produção e combate das fake news até a utilização dessas notícias por partidos políticos na manipulação dos eleitores. O Editorial J entrou no universo da desinformação on-line para conhecer detalhes e as consequências do fenômeno.
caderno
► FAKE NEWS NA IMPRENSA
DIVULGAÇÃO DE NOTÍCIAS FALSAS PROVOCA QUESTIONAMENTO SOBRE O PAPEL DA IMPRENSA QUE JÁ PUBLICOU INVERDADES Os grandes veículos de comunicação têm papel fundamental na diferenciação entre verdade e mentira
imprensa possui um papel central nas discussões que envolvem o contexto da pós-verdade. O quanto é vítima ou, ao contrário, culpada neste cenário deveria ser debatido. A mídia corporativa tem um grande histórico de envolvimento com notícias falsas e, segundo o professor do curso de Jornalismo da PUCRS e jornalista internacional Luiz Antônio Araújo, esta não é a primeira vez que a imprensa se depara com uma crise de confiabilidade. “O jornalismo enfrenta uma crise de credibilidade que tem como uma das suas razões a questão tecnológica, mas que também está ligada às próprias atitudes do jornalismo”, frisa Araújo.
As novas tecnologias aumentaram o número de envolvidos nesse fenômeno principalmente porque o domínio da verdade deixou de ser exclusividade dos grandes jornais e redes de televisão, dando espaço e oportunidade para veículos menores. Estes possuem a mesma capacidade de produção de conteúdo que os grandes veículos tinham poucas décadas atrás. Dessa forma, as fake news tornam-se fáceis de serem produzidas, uma vez que, conforme o professor Araújo, “o monopólio da credibilidade estava consubstanciado no fato de que era muito difícil criar uma edição falsa de jornal”. Além disso, a produção de informações falsas é muito mais barata do
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Imprensa: vítima ou culpada? A
que a de conteúdo verdadeiro, lamenta. apurações mais verídicas e confiáveis, o A jornalista e doutoranda em co- professor defende a ideia de que cabe à municação Taís Seibt acredita que a nova geração criar um novo modelo de mídia não é a responsável direta por jornalismo para suprir as necessidades esse acontecimento. “A imprensa é um atuais do público e da própria profissão. meio, que pode muitas vezes ser usado Além disso, ele garante que enquanto como veículo para propagação de notí- os amadores produzirem conteúdo jorcias falsas”, destacou. Embora não creia nalístico no mesmo nível que os profisque a mídia corporativa precisa se redi- sionais da área, o parâmetro de exigênmir, Taís afirma que o papel de vítima cia para os jornalistas deve se elevar. ou heroína depende exclusivamente da “No momento em que todos produzem posição da imprensa diante destes acon- esse tipo de conteúdo, eu não posso ter tecimentos. O proo mesmo padrão e fessor Araújo assireproduzir isso na A imprensa é um nala que a primeira mídia profissional”, medida a ser tomacoloca Araújo. O jormeio, que pode da para a mudança nalista destaca que muitas vezes ser é admitir os erros, chegará um momentendo em vista que to em que não haverá usado como veículo parte da culpa pela diferença entre propara propagação de existência e propafissionais e amadores, gação das mentie que isso deveria sernotícias falsas. ras é o modo como vir de motivação para Taís Seibt os veículos tratam futuros jornalistas. Jornalista e Doutoranda as notícias. AmExiste ainda a em Comunicação bos concordam que ideia de que o deseos valores do jorjo e, não raras vezes, nalismo precisam ser reafirmados obrigação de ser o primeiro veículo a para que esse cenário se transforme. noticiar algo é outro grande fortalecedor “É senso comum que, nas redações desse problema. É fato que as famosas dos veículos, os mais velhos dominam barrigadas jornalísticas criam um terremais a técnica de apuração enquanto os no fértil para interpretações. No entanmais jovens conhecem melhor as novas to, as notícias falsas não são oriundas tecnologias”, afirma Taís Seibt. Ao mes- apenas de falhas jornalísticas, mas de mo tempo em que a pesquisadora acre- um intuito de enganar o leitor, o que dita que a solução para essa crise seja a faz com que este tipo de acidente não união de todas as gerações em prol de se encaixe no conceito de notícia falsa.
caderno Foto: Bernardo Speck (5º sem.)
Notícia falsa tem força porque alguém lucra FAKE NEWS SE ESPALHAM RAPIDAMENTE POR QUE SÃO CONVENIENTES À MUITA GENTE
A
s fake news se espalham com força e rapidez porque são convenientes para muita gente, explica Rogério Christofoletti, professor e pesquisador do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ele acrescenta que “empresas, governos e pessoas lucram muito com a propagação de conteúdos de forma viral, e para eles não importa se a informação é verdadeira ou não. Importa é sua capacidade de ser espalhada, absorvida e novamente espalhada”. Com a popularização da internet e das plataformas digitais, os hábitos informativos se estenderam. Usuários ganharam um novo papel, não só de interagentes, mas também de produtores de conteúdo. As redes sociais têm sido um dos principais terrenos de criação e difusão de informações, inclusive, falsas. Com as tecnologias digitais, a divulgação de conteúdo se tornou mais simples, rápida e obteve um maior poder de alcance. Em relação a isso, a jornalista e doutoranda em Comunicação Taís Seibt considera que “há um potencial de personalização e disseminação das mensagens jamais visto”. Neste cenário, escândalos envolvendo gigantes da tecnologia vieram à tona. Em 17 de março de 2018, o Facebook, empresa fundada e gerida por Mark Zuckerberg, foi acusada de divulgar informações de seus usuários. Dados de 87 milhões de pessoas foram captados e empregados sem autorização para per-
sonalizar notícias relacionadas às eleições presidenciais dos Estados Unidos (EUA), em 2016. O pivô do imbróglio foi a firma de pesquisas digitais Cambridge Analytics, fechada após o escândalo. Em 2017, a consultoria de segurança cibernética Trend Micro publicou a pesquisa “The Fake News Machine” (A máquina das notícias falsas). Os resultados indicaram que, para manipular a opinião pública com a criação e disseminação de conteúdos falsos nas redes sociais, empresas cobrariam de US$ 200 mil até US$ 400 mil. Nestes casos, há inclusive a opção de criar uma celebridade digital e manipular processos de decisão públicos, sociais e políticos. Um exemplo disto, além da eleição de Donald Trump nos EUA, foi o referendo para a saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit, que teve a mesma influência trabalhada em plataformas digitais.
Apelo emocional É difícil compreender os motivos que levam as pessoas a compartilharem boatos diariamente. Embora existam muitas estratégias para que esse tipo de conteúdo tenha alcance e visibilidade, a disseminação de notícias falsas acontece principalmente por ação de usuários da internet. É comum atualmente que indivíduos ativos nas redes sociais não chequem as fontes de uma notícia que passa pelo feed, e muitos nem terminam de ler a informação antes de compartilhá-
►
FAKE NEWS PROPAGAÇÃO
Como funcionam as fake news na internet As fake news estão cada vez mais presentes na mídia, tomando conta das redes sociais e ganhando espaço dentro e fora da web. Mas como isso funciona e por que as notícias falsas são propagadas? 1 - As notícias são criadas com manchetes, na sua maioria, alarmistas, gerando interesse do público. 2 - O WhatsApp é um dos vetores do compartilhamento das fake news, por não ter nenhum tipo de algoritmo que restrinja essa divulgação. 3 - Outro elemento que aumenta a disseminação desse tipo de notícia são os sites que ganham dinheiro por acesso, trabalhando com chamadas no estilo clickbait. 4 - Em alguns casos, robôs são usados para propagar informações falsas, maliciosas, ou gerar um debate artificial pelas redes sociais. 5 - As notícias se propagam rapidamente e, por falta de checagem das informações na maioria das vezes, as pessoas compartilham a notícia em seus círculos, seja dentro ou fora da internet.
-la ou sequer come6 - Pronto! A notícia falsa ultrapassa a internet e çam a leitura, ficanalcança as pessoas que não tiveram acesso direto a do nas manchetes. ela, dando tamanho e relevância para a mesma. Um dos recursos utilizados para aumentar a dimensão das fraudes é o como funcionam as coisas. Isso indepenapelo emocional empregado nas men- de dos anos de estudo formal e das consagens, um gatilho para o compartilha- dições econômicas de cada um”, destaca. mento. “O emocional faz com que as Redes sociais dinâmicas como o pessoas não criem um critério”, coloca Twitter têm um modo de operação proa psicóloga e professora Susana Gib penso a disseminação de fake news, já Azevedo. Segundo ela, a tática dificul- que tem limitação de caracteres que ta que os leitores raciocinem na hora torna as chamadas curtas e diretas. Por de checar a veracidade de uma notícia. isso, é comum acontecer o fenômeno Para Taís Seibt, uma das razões que ex- conhecido como clickbait, ou “isca para plica porque o fenômeno é tão recorren- cliques” (tradução livre). Os produtote está no fato de que algumas crenças res de notícias falsas utilizam mancheservem como critério decisório. “Se for tes atrativas para que o leitor não sinuma informação que confirme uma ex- ta necessidade de ler o resto do texto e pectativa ou uma convicção, também compartilhe sem conhecer todo o conhá uma tendência maior para que a teúdo. Taís explica que esse problema pessoa compartilhe isso”, argumenta. foge das mãos do usuário: “Solucionar Susana Azevedo acrescenta que a curio- isso passaria por uma reengenharia do sidade natural do ser humano é outro site que depende mais do próprio Twitgrande intensificador desse padrão. ter do que do usuário, a quem se recoA ideia de que as fake news se propa- menda não compartilhar sem pensar“. gam mais rapidamente entre as pessoas Outro fator importante no combate à de baixo grau de instrução ou condições propagação das fraudes é a capacidade econômicas não passa de um mito, alega de alcance dos influenciadores digitais Taís Seibt que também criou, junto com que acabam ajudando a disseminar boTiago Lobo, a Filtro Fact-Checking para atos mesmo que não deliberadamente. fazer de forma profissional a checagem Muitas vezes, figuras públicas praticam de informações. “Quando falamos de o clickbait ou se mostram irresponsáeducação para mídia como ferramenta veis sem verificar as fontes ao ler a inforde combate às notícias falsas, não esta- mação. A única forma de lidar com isso mos falando em grau de instrução, e sim requer cuidado constante, prestar atende uma compreensão mais ampla sobre ção no que se lê antes de compartilhar.
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caderno
► FAKE NEWS NAS ELEIÇÕES
Processos eleitorais são terreno fértil para manipulação
Aprenda a identificar notícias falsas
1 - Sempre verifique o endereço da web: muitas vezes, os sites que criam desinformação utilizam o nome de jornais famosos alterando pequenos detalhes. 2 - Dê uma olhada na seção “Sobre Nós”: sites confiáveis ou contas de redes sociais fornecem informações sobre os autores e como contatá-los. 3 - Olhe se há o “tique-azul”: essa marcação das redes sociais define quais perfis são verificados e verdadeiros. 4 - Desconfie de manchetes em caixa alta: os títulos “gritantes” são usados com frequência para chamar a atenção. 5 - Vá atrás da fonte primária: se a notícia tiver links ou referências a outras, verifique se elas realmente estão de acordo. 6 - Sempre procure por confirmações: não tome como verdadeiro informações vistas em apenas um lugar, sempre busque outras fontes confiáveis. 7 - Verifique a data e a localização: fotos ou vídeos antigos são republicados para enganar os leitores, verifique sempre quando e onde foram publicadas pela primeira vez.
APÓS ELEIÇÃO DE DONALD TRUMP NOS EUA, QUESTÃO GANHOU FORÇA NO CENÁRIO POLÍTICO GLOBAL
E
m 2016, a maior potência mundial (EUA) iniciou a imagem de determinados candidatos. Para Christofoprocesso eleitoral para eleger o próximo presidente letti, “campanhas de difamação são sempre muito coda República. Em meio às polêmicas que cercavam muns nesses períodos”. Essa prática se torna frequeno debate político envolvendo os então candidatos Donald te principalmente no ambiente virtual, uma vez que os Trump e Hillary Clinton, um termo ganhou destaque: fake veículos digitais têm um maior poder de alcance, devinews. Considera-se fake news, mentiras ou inverdades pu- do à facilidade e a rapidez na publicação de conteúdo. blicadas on-line, revestidas de artifícios que as fazem conAs fake news, principalmente no ambiente virtual, são vincentes o suficiente para se passarem por verdades. No elemento relevante no cenário das eleições. Para Christoentanto, uma das questões que as tornam fenômeno com- foletti, essa questão pode trazer instabilidade para o debaplexo é justamente a ausência de uma definição formal. te político, pois “as redes sociais, associadas a sofisticados Hoje, elas são uma das peças na disputa política global. mecanismos de propaganda e fake news, podem interferir Crescem as preocupações relacionadas na disputa de pontos de vista, desequilià influência de notícias falsas em processos brando o debate, tornando cada vez mais Campanhas de eleitorais como exemplo, o peso que essas assimétricas as forças políticas”. Ainda, estratégias de informação teriam tido na segundo ele, também causam preocupadifamação são vitória do atual presidente dos Estados ção os bots, que são “sistemas automatizasempre muito Unidos ainda é objeto de debate. Impulsiodos que são programados para fazer o que nado pelo interesse na vitória de Trump, o milhares de pessoas poderiam fazer, em comuns nesses governo russo é acusado de ter financiado a muito menos tempo”. Com eles, é possível períodos. prática de fake news para prejudicar a canrealizar campanhas coordenadas de difadidatura da opositora, Hillary Clinton. Os mação ou exaltação de candidatos, envio Rogério Christofoletti russos, no entanto, negam envolvimento. em massa de spam entre outros serviços. Professor e No caso do Brasil, existe hoje um ceVisando diminuir a influência de notíPesquisador em nário político de polarização, além do cias falsas nas próximas eleições, a justiça Jornalismo crescimento de posicionamentos exeleitoral adotou medidas de combate a esse tremistas. A proximidade das eleições conteúdo. Em resolução do Tribunal Supepara presidente da República, senadores, deputados fe- rior Eleitoral (TSE), aprovada em 18 de dezembro de 2017, derais e estaduais, mais os governadores estaduais - que foi permitida a remoção de conteúdo sem veracidade da inserão em outubro - se torna um agravante neste contex- ternet. A resolução também pode ser utilizada como ferrato. Para o professor e pesquisador em jornalismo Rogé- menta de censura, se acionada por políticos incomodados rio Christofoletti, as fake news podem e vão influenciar por denúncias jornalísticas. A mesma resolução, no entanto, no debate político. “No meio da campanha, as fake news abre a possibilidade de ser impulsionado conteúdo em redes podem trazer temas ou enviesar esses assuntos nas dis- e plataformas digitais pelos candidatos, como em anúncios cussões públicas, fortalecendo ações para negativar cer- do Facebook. É a mesma estratégia que supostamente teve tos candidatos ou propostas”, adverte Christofoletti. influência russa para a eleição de Donald Trump nos EsAs notícias falsas se tornaram uma ferramenta uti- tados Unidos. Nestes casos, candidatos podem pagar pelo lizada por partidos políticos para divulgar ou denegrir direcionamento e potencialização de conteúdo divulgado.
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O fact-checking é um trabalho muito bem feito por algumas plataformas que buscam comparar as histórias com dados, pesquisas e registros. O Guia de Checagem de Fatos IFCN Poynter ensina você a ser também um checador:
Foto: Flickr Senado Federal/Marri Nogueira/Agência Senado
8 - Certifique-se de que não é uma piada. Muitos conteúdos parecem sérios, mas são criados como piada. Verifique se é um meme ou boato que já circulou antes. 9 - Cuidado com as fotomontagens: preste atenção nos detalhes! Às vezes, imagens que parecem “boas demais para serem verdade” são resultado de edições. 10 - Pense antes de compartilhar. Compartilhe bem, mas faça de forma consciente, é muito melhor. Em ano de eleições, o cuidado com notícias falsas deve ser redobrado por parte de eleitores e imprensa
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autoescolas Foto: Giulia Cassol (3º sem.)
Aulas de direção e a prova prática são um importante desafio na vida dos jovens que, com frequência, são obrigados a repetir esse ciclo
P O R Daniela Nunes (2º sem.) e Giulia Cassol (3º sem.)
A
decepção acompanha os jovens que anseiam atingir a maior idade para tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Dados disponíveis no site do Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul (Detran/RS) revelam que o índice de aprovação diminui nos últimos três anos. Em 2016, foram realizadas 385.523 mil provas e o índice foi de 31,90%, em 2017, das 380.476 mil provas somente 31,13% foram aprovados. O resultado de 2018 também é inferior quando comparado com 2017. Entre maio de 2016 e abril de 2018, de 152.929 candidatos no Estado apenas 66.701 (43,6%) passaram na primeira vez que realizaram a prova prática da categoria B (quatro rodas). Atualmente, existem 267 Centros de Formação de Condutores (CFCs) credenciados
pelo Detran no Rio Grande do Sul e a média mensal de provas realizadas no estado em 2017 foi de 33.329 mil. Segundo o Detran/RS, ainda não há uma média de reprovação dos candidatos que realizam a prova pela primeira vez. Isso ocorre porque uma mesma pessoa pode efetuar o teste diversas vezes, sendo assim, o número de candidatos é inferior ao número de provas realizadas. Os CFCs não são responsáveis pela avaliação dos candidatos, a função é exercida pelos examinadores do Detran/RS. As condições físicas e mentais do aluno, a baixa escolaridade são fatores que podem influenciar na reprovação, alega Eduardo Silva de Oliveira um dos diretores do Sindicato dos Centros de Formação de Condutores do estado do Rio Grande do Sul (SindiCFC-RS). Há situações em que os candidatos optam pela realização
Reprovação marca busca da carteira de motorista
A CADA ANO É MENOR O ÍNDICE DE APROVAÇÃO DE NOVOS MOTORISTAS DA CATEGORIA B, SEGUNDO DADOS DO DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO DO RIO GRANDE DO SUL (DETRAN/RS)
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do exame apenas por terem concluído a carga horária mínima. Ainda de acordo com o Detran/RS, o sistema de avaliação passa por um processo de qualificação continuamente, além disso, um grupo realiza pesquisas, supervisão, fiscalização dos serviços prestados e oferece encontros de capacitação para os profissionais. A formação de instrutores ocorre através do Curso de Formação de 180 horas, oferecido por Instituições de ensino superior. Para realizar o curso, é necessário ser maior de 21 anos, ter concluído ensino médio, ser habilitado há no mínimo dois anos e ser
aprovado em avaliação psicológica para fins pedagógicos. O instrutor também precisa ser credenciado no Detran com documentos pessoais incluindo Certidão Negativa Criminal da Justiça Federal e Estadual, esse credenciamento precisa ser renovado anualmente para o exercício da profissão de instrutor. Atualmente existem 3799 instrutores (práticos, teóricos ou os dois) ativos no Rio Grande do Sul. Editorial J fez várias tentativas para ouvir um representante do Detran/RS, cujos dados dessa matéria foram retirados de um e-mail enviado pela assessoria de imprensa e do site do departamento de trânsito.
Eduardo Silva de Oliveira afirma que as provas práticas têm o índice de aprovação mais baixo que as teóricas. O diretor também ressalta os motivos que podem influenciar na reprovação, ele cita o nervosismo, a escolaridade, a exigência legal e o examinador. Conclui afirmando que as regras criadas pelos legisladores são rígidas e, portanto, os examinadores devem seguir a mesma rigidez. Ao analisar os fatores listados diz que existe “uma falta de humanidade” ele completa exemplificando “quando o aluno não liga o pisca chamar a atenção dele basta, mas ao invés disso ele é reprovado”.
Foto: Nádia Probst (2º sem.)
Otavio Daros hoje se diverte contando as desventuras para obter carteira de motorista
Repetir a prova prática de direção faz parte da rotina para conquistar a carteira de habilitação A falta de estrutura dos Centros Formação de Condutores (CFCs) foi a queixa principal apontada pelos jovens que conquistaram a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para explicar a necessidade de repetir a prova prática de direção. Eles avaliam também que, em muitos momentos, o ensino também é deficiente. Não foram uma, nem duas reprovações. Otávio Daros, 23 anos, fez 14 vezes o teste para obter a CNH. Tom Hofstätter, 19 anos, teve sete tentativas frustradas, série encerrada com uma festa ao obter a aprovação em janeiro último. As duas situações demonstram o quanto esta etapa pode ser traumática na vida dos jovens que querem se tornar motoristas. Para Daros e Tom, o desinteresse foi um dos obstáculos, mas ser aprovado na primeira tentativa é possível como foi o caso da estudante de Ciências Biológicas Júlia Wieczorek. O jornalista reconhece que dirigir nunca foi algo do seu maior interesse. Porém, ao ver amigos e colegas da faculdade na autoescola, achou que também poderia se aventurar como motorista. Explica que, aos 19 anos, na época em que iria começar a fazer as aulas, a autoescola em que se inscreveu implantava o simulador de direção. Ele acredita que a demora na inserção do equipamento gerou um impasse, abrindo um intervalo antes de iniciar as aulas práticas. “Fiquei uns três meses aguardando para fazer o simulador. Houve um período de tempo significativo até ir para a próxima etapa, pois para iniciar as aulas práticas tinha que passar pelo simulador. Fiquei um tempo esperando e achei que o simulador não foi grande coisa porque não me deu muita noção de realidade”. Daros conta que a falta de interesse e a sua rotina agitada na época contribuíram para parte das reprovações. Ao falar sobre as provas práticas, revela que ficava angustiado pela espera, pois algumas vezes era o último a realizar o teste. “A demora já me deixava cansado, às vezes eram quase duas
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horas de espera. Ver as pessoas reprovando me deixava mais nervoso”. O jornalista que trabalha no G1 diz que considera insuficiente o número de aulas e chama atenção para o preço elevado, ressaltando que o processo poderia ser mais barato se fosse planejado de acordo com as necessidades dos alunos. “Eu acho que o sistema funciona na seguinte lógica: se não está pronto, pague mais para estar pronto”, opina. Ele brinca que não gosta de pensar no valor que gastou. Em relação a isso, explica que o motivo para não desistir da CNH e repetir as 14 vezes era pensar que o valor da habilitação poderia aumentar. Hoje, com a carteira definitiva, ele comenta que dirigiu duas vezes. “No dia a dia não dirijo, não por medo, mas por falta de prática”. Após ser reprovado sete vezes, Tom Hofstätter, estudante de Relações Públicas, hoje se diverte com sua aventura. Porém, lembra das dificuldades até a aprovação. Logo que iniciou as aulas na autoescola, ele pediu para trocar de instrutor, pois o professor não lhe passava segurança. Ao ser perguntado sobre os motivos das reprovações, o estudante revela que seu maior desafio eram as aulas práticas e que percebia falta de estrutura do Centro de Formação de Condutores. Além disso, ele avalia sua postura na época. Acredita que as reprovações também se devem ao seu pouco interesse em obter a carteira de habilitação. “Eu mesmo me prejudiquei, não estava muito focado, ia para lá só para esquecer da vida”, confessa. Tom avalia que a falta de estímulo contribuiu para que não fosse aprovado nas primeiras tentativas. “Até a terceira vez, eu sentia que o problema era eu. Depois, acho que faltou incentivo do CFC. Mas, não os culpo”. O estudante acredita que não ficava nervoso na hora da prova, mas ansioso, o que atrapalhou. Ele fez a prova sete vezes no mesmo CFC. Na oitava tentativa, mudou de centro e foi aprovado de primeira. “Não sei se rodaria sete vezes se tivesse feito no outro. Acredito que passei de primeira também por que já tinha mais experiência. Mas, a professora foi uma das melhores”. Um ano e cinco meses foi o tempo que demorou para conquistar a carteira de habilitação período comemorado com uma
autoescolas Foto: Nádia Probst (2º sem.)
Após ser aprovada na primeira tentativa, Julia Wieczorek exibe, no carro, adesivo que pede aos outros motoristas paciência com os iniciantes
festa em janeiro deste ano. Na primeira tentativa, Julia Wieczorek, 18 anos, conquistou a CNH. A estudante conta que não tinha experiência na direção antes de começar as aulas. “Acho que foi melhor assim porque eu consegui aprender da maneira que o instrutor me passou, sem nenhuma mania”, reflete. Ela afirma que não teve problemas na autoescola, porém, menciona o intervalo de tempo que teve entre as aulas teóricas e práticas. “Consegui marcar aulas práticas dois meses depois que terminaram as teóricas, essa espera me distraiu bastante”. Julia avalia o método de ensino da autoescola e considera que “o simulador me ajudou a entender como é estar no lugar do motorista, mas não agregou tanto porque não deu uma noção de realidade”. Além disso, aponta que o sistema deveria dar atenção a outras necessidades como aulas práticas de mecânica. Ao relembrar do dia da prova prática, Júlia diz que percebeu falta de estrutura da autoescola. “Naquele dia estava
chovendo, vi pessoas desistir de fazer o exame porque esperavam na chuva. Eu fiquei uma hora e meia aguardando. Isso me deixou bem frustrada, não havia estrutura para acolher as pessoas”. Júlia brinca que ao ser aprovada colocou, no carro, uma placa com a mensagem “motorista iniciante, obrigado pela paciência”, para alertar os demais motoristas da recente aprovação. “Isso me ajudou muito, incentiva as pessoas a contribuir com o iniciante”, afirma. A estudante foi aprovada em setembro de 2017.
Para instrutores, há mais reprovação do que aprovação de alunos Instrutores do Centro de Formação de Condutores (CFC) Hot Car, localizado na Avenida Bento Gonçalves em Porto Alegre, avaliam o sistema de preparação dos candidatos pelos CFCs. Há oito anos na pro-
fissão, o instrutor Alexsandro Guimarães considera que o nervosismo na hora da prova prática não é motivo suficiente para as reprovações. A opinião não é compartilhada pelo seu colega Cristiano Rosa Oliveira, instrutor há dois anos, que aponta a tensão como fator de influência no resultado final. Ambos concordam que a quantidade de aulas oferecidas é insuficiente. Alexsandro, 42 anos, diz que a sequência de reprovações dos candidatos é comum. Segundo seus cálculos, apenas 45% dos alunos aprovam ao mês. Ele considera a falta de prática como principal motivo para reprovações. “Acredito que o nervosismo não influencia no resultado, se o aluno tem prática e está devidamente treinado é aprovado”. Ao avaliar o sistema de ensino, o instrutor chama a atenção para a quantidade de aulas oferecidas pela autoescola. Dez encontros práticos são insuficientes para um aluno sem experiência, na sua opinião. Na época em que Alexsandro fez a preparação para ser motorista era mais fácil, o trân-
sito não tinha o movimento caótico como atualmente. “Hoje é muito tráfego, a coordenação e reflexo já são diferentes. Então, esse lado tem que ensinar para enfrentar o trânsito, para isso são poucas aulas”, reforça. Ele alega que o instrutor que orientar um aluno inexperiente na direção é melhor, pois, assim consegue aplicar seu método de ensino livremente. “Quando a pessoa vem sem saber dirigir, ela não tem aquela segunda opinião. Então, é mais fácil porque tudo que falamos ela faz, mas quando já sabe dirigir é mais difícil. Os atritos surgem assim, acabamos nos esforçando e a pessoa não se importa, é o que está acontecendo hoje em dia, o aluno querendo ensinar o professor”, sustenta. O colega Cristiano Rosa Oliveira, 37 anos, discorda de Alex. Ele prefere um aluno que já sabe um pouco dirigir. O professor justifica que por conta do tempo e dinheiro investido na CNH é melhor o aluno já ter uma experiência como motorista. O instrutor lembra alguns impasses que
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enfrentou quando o aluno não aceita suas instruções, dificultando o processo de aprendizado. Ele destaca que alguns fatores como idade e escolaridade também influenciam na relação entre instrutor e aluno. Ao falar sobre o método de ensino, Cristiano explica que cada instrutor tem sua didática e ressalta que o Rio Grande do Sul é o estado com o sistema mais completo, há aulas teóricas, simulador e aulas práticas, porém, reconhece que processo ainda assim é difícil. “Não concordo com esse sistema de ensino porque a quantidade de aulas oferecidas para quem nunca dirigiu são poucas e o sistema de avaliação é muito rígido”. O instrutor destaca que a forma de dirigir vista na autoescola em algumas situações não é aplicada pelo aluno no dia a dia. Além disso, Cristiano alerta para responsabilidade de formar motoristas com carteira de habilitação, pois “o carro é uma arma”. O horário de trabalho dos instrutores é das 8h às 19h40, eles acompanham, em média, cinco alunos por dia.
copa dos refugiados
Foto: Nicolas Chidem (5º sem.)
Foto: Nicolas Chidem (5º sem.)
Foto: Giulia Cassol (3º sem.)
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Senegal é bi!
Foto: Giulia Cassol (3º sem.)
Foto: Nicolas Chidem (5º sem.)
Foto: Giulia Cassol (3º sem.)
A seleção do Senegal é bicampeã da Copa dos Refugiados 2018, promovida em Porto Alegre nos dias 2 e 3 de junho. A segunda edição do evento foi realizada pela Ponto Agência de Inovação Social, em parceria com a ONG África do Coração e promoção do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Ao vencer o torneio, o time de Senegal deixou para trás as equipes de Angola, Colômbia, Guiné-Bissau, Haiti, Líbano, Peru e Venezuela, formadas por refugiados e imigrantes que vieram destes países para o Brasil. A etapa das quartas de final foi no sábado (02), no Estádio Passo D’Areia, quando se classificaram para fase seguinte Angola, Líbano, Peru e Senegal. Os jogos finais ocorreram no domingo (3/6), no Estádio Beira-Rio. O Senegal venceu o Líbano, nos pênaltis, por 3x1. Foto: Giulia Cassol (3º sem.)