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ANOS Guilherme Testa
JUNHO/JULHO DE 2016 • NÚMERO 23 • FAMECOS/PUCRS • WWW.PUCRS.BR/FAMECOS/EDITORIAL J
2011 - 2016
Somos muitas histórias
Com mais de 1,5 mil reportagens produzidas em cinco anos de existência, o Editorial J consolida a sua proposta de produção de jornalismo convergente. Em vídeo, áudio, texto e fotografia, os mais de 300 alunos que já passaram pelos núcleos, desde agosto de 2011, envolveram-se em pautas que exploram o potencial das múltiplas plataformas.
A foto acima, de autoria do ex-aluno Guilherme Testa, foi selecionada como a mais simbólica destes cinco anos. Captada durante a cobertura dos protestos que agitaram Porto Alegre e o Brasil de março a junho de 2013, a imagem sintetiza o compromisso do Editorial J: colocar o aluno de Jornalismo da Famecos no centro dos acontecimentos.
VEJA AS CHAMADAS DA EDIÇÃO NA CONTRACAPA>>
papo de redação
Jornal do Laboratório de Jornalismo Convergente da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Avenida Ipiranga, 6.681 Porto Alegre/RS
Cinco anos de Jornalismo
PUCRS Reitor Ir. Joaquim Clotet Vice-reitor Ir. Evilázio Teixeira Pró-reitora Acadêmica Mágda Rodrigues da Cunha FAMECOS Diretor João Guilherme Barone Reis e Silva
LABORATÓRIO C ONVERGENTE DA FA MECOS
Coordenador do curso
FAZ B ALANÇO DE ATIVIDA DES
de Jornalismo Fábian Chelkanoff Thier
P O R Angelo Werner (5º sem.)
Coordenador do Editorial J Fabio Canatta
O
Coordenadora de Produção Ivone Cassol Coordenador do Núcleo Impresso Alexandre Elmi Professores do Editorial J Alexandre Elmi, Fabio Canatta, Flávia Quadros, Ivone Cassol, Marcelo Fontoura, Marcelo Träsel, Silvio Barbizan e Tércio Saccol Alunos editores Angelo Werner, Annie Castro, Bibiana Garcez, Eduarda Endler Lopes e Eduardo Rachelle Diagramação Eduarda Endler Lopes Alunos Alícia Porto, Analine Broniczack, Ângelo Menezes, Aristoteles da Silva Junior, Caio Santos, Camila Lara, Fabiana Bonugli, Fernanda Lima, Filipe Domingues, Juliano Baranano, Kamylla Lemos, Luiz Eduardo Cardoso, Luiz Otávio Pereira, Matheus Wolff, Maurício Paz, Miriam Sodré, Nicolas Chidem, Rhafael Munhoz, Rodrigo Brasil, Sara Santiago, Sofia Mello Lungui, Victória Urbani, Vinícius Dutra, Virgínia Fernandes, Vitória Miranda e Wellinton Almeida. CONTEÚDOS DO EDITORIAL J
Editorial J completa cinco anos de existência no mês de agosto de 2016, e diversos eventos estão sendo promovidos para comemorar a data. Dentre eles, uma série de hangouts com jornalistas ligados a programas de trainee e inovação, a republicação das matérias mais acessadas na história do J e eventos de integração entre os estudantes que já passaram pelo laboratório. Durante este período, diversas coberturas foram realizadas, transmições ao vivo de eventos, de eleições e impeachment, protestos e ocupações. “É por tentar estar sempre no mesmo lugar que a notícia, que o J conquista o engajamento do público”, afirma Alexandre Elmi, coordenador do impresso do Editorial J. Ao lado, confira alguns dados e momentos marcantes do Laboratório de Jornalismo Convergente da Famecos:
23
13
edições do jornal impresso
prêmios conquistados
com tiragem de 2 mil exemplares.
nos cinco anos.
6000
1500
visualizações na matéria
reportagens em diferentes
mais acessada.
mídias.
200 mil
14 mil
visualizações nas reportagens
visualizações em vídeo
produzidas.
na página do Facebook.
2
3200
coberturas de eleições ao
seguidores que acompanham
vivo, em 2012 e 2014.
as narrativas jornalísticas.
FamecosCast É uma webradio com programação diária de reportagens, debates, entrevistas, colunas e noticiários ustream.tv/channel/famecos-cast. Twitter, Instagram, Flickr e Facebook Por meio de perfis, notícias e imagens são compartilhadas. Pelo Twitter, no @editorialj. Pelo Instagram, no @editorialj. No Facebook, pelo facebook.com/editorialj. No Flickr, flickr. com/editorialj. Editorial J na TV Telejornal semanal, com produções audiovisuais pelas redes sociais e reportagens sobre assuntos diversos. As edições estão disponíveis em youtube.com/editorialj. IMPRESSÃO Gráfica Epecê - PUCRS
Laboratório de Jornalismo Convergente da Famecos www.pucrs.br/famecos/editorialj
Primeira turma de alunos e professores do Editorial J, em setembro de 2011 JUNHO/JULHO DE 2016 • PÁGINA 2
diversão
Desmancha no ar
P O RTO A L E GRE E OUTRAS CIDADE S S ÃO TOMA DAS POR NOVAS
F O RM AS D E L A Z E R NOS E S PAÇOS PÚBLICOS, COMO BOLHAS GIGA NTES P O R Sofia Lungui (1º sem.)
S
ol, crianças correndo, pessoas brincando com cães, jovens casais. Havia cheiro de pipoca no ar e vendedores de algodão-doce ou quentão. O clima era caloroso. Estava frio? Sim, mas quanto mais frio, mais duram as bolhas no ar. Com apenas R$ 20 é possível desfrutar da experiência, com o kit, constituído por um par de varetas em que se formam as bolhas, e a “poção”: a mistura de detergente, açúcar e água, dentro de um balde. Depois, basta mergulhar as hastes no recipiente abri-las e se posicionar contra o vento, andando para trás, para que bolhas enormes e coloridas se formem. No Parque Farroupilha, a Redenção, pessoas de todas as gerações de divertiram, em um clima pueril e caloroso, deixando o estresse e as preocupações de lado. Era 4 de junho e o grupo Bolheiros POA promovia, no mais emblemático parque da cidade, o seu primeiro encontro na capital gaúcha, tornando real a ideia de Julia Engelman e Lorena Relva, que importaram a ideia das bolhas gigantes para Porto Alegre. “Começamos porque gostávamos muito do resultado das bolhas e nos gerava um lucro extra. Mas, o principal é porque a gente ia para a rua, via a galera se divertindo, gente de todas as idades, trazia a galera para os espaços públicos, o pessoal interagindo na praça... isso era o que mais nos deixava feliz”, conta Juliana, de 24 anos. Naiane Bassani, de 22 anos, aprovou a iniciativa. “Acho eventos assim muito importantes, porque promovem interação e contato entre as pessoas”, explica. Para os pais de crianças, é também proveitoso, pois os pequenos se divertem muito com as bolhas gigantes. “Acho muito legal, é uma forma de descontrair. Traz uma sensação de tranquilidade, além de contribuir para a integração com a família”, afirma Analice Azevedo, mãe da Sofia, de 2 anos.
Juliana Baratojo (5º sem.)
A ideia foi levada de diferentes formas às mais variadas cidades brasileiras, ganhando popularidade com o Facebook, espaço virtual que os autodenominados bolheiros têm grupos e comunidades. A Bolheiras POA, empresa formada pelas duas estudantes de Porto Alegre, busca ocupar os espaços públicos com descontração e arte. “Acho incrível ter eventos em espaços públicos, abertos, e que abrangem todas as idades. Para mim é essencial um evento que possua tudo isso”, explica Juliana. Lorena, de 19 anos, confessa que foram necessárias inumeras tentativas para conseguir chegar na receita ideal. “Fomos aperfeiçoando as varetas, a poção, até chegar ao nosso produto final, agora”. As jovens fazem parte do coletivo Bolheiros do Brasil, no Facebook. O projeto busca tornar os espações urbanos cada vez mais humanizados e sensíveis, algo necessário em meio à frieza cotidiana. Assim, protestos e manifestações não são os únicos eventos que vêm agregando pessoas e tomando espaço nas ruas. Cada vez mais, lugares públicos estão sendo ocupados e valorizados, sobretudo com fins humanitários. Propostas como estas trazem à tona e deixam mais visível a sensibilidade presente até mesmo nas mais movimentadas e intensas cidades, como Porto Alegre. Tornam possível e compatível a vivência nas cidades grandes com brincadeiras simples e tranquilas.
+ Confira a galeria completa no Flickr do Editorial J
Frio não impediu a brincadeira das crianças na tarde do sábado JUNHO/JULHO DE 2016 • PÁGINA 3
desaparecidos
Um pesadelo de olhos abertos
R E G I S T RO DE P E SS OAS QUE S UMIRAM CRE S CE U 45 % NOS ÚLTIMOS 1 0 A NOS Sara Santiago (3º sem.) POR Eduardo Comerlato (5º sem.) e Leonardo Sá (5º sem.)
T
rês anos e dez meses. Mais de 1.380 dias. Em outubro completa quatro anos que Beatriz Winck, à época com 77 anos, desapareceu sem deixar nenhuma pista. A idosa sumiu no dia 21 de outubro de 2012, quando participava de uma excursão à cidade de Aparecida (SP) com o marido Delmar Winck, 85 anos, que reside no município de Portão, a 48 quilômetros de Porto Alegre. Segundo a família, Beatriz estava à espera de Delmar na porta da Casa das Velas, ao lado do Santuário. Ao retornar das compras, o sumiço. O misterioso caso de Beatriz engrossa a lista de desaparecidos no Brasil, praticamente um a cada dois minutos. Beatriz não sofria de Doença de Alzheimer, mas apresentava lapsos de memória. A Polícia Civil acredita que ela tenha tido um bloqueio e possa ter entrado por engano em um ônibus e se dirigido a qualquer lugar do país. Também não foi descartada a hipótese de sequestro. Para ampliar os contatos nas redes sociais, os parentes criaram a página Beatriz Winck no Facebook, onde as pessoas podem compartilhar informações e entrar em contato pelo site ou pelos telefones divulgados na página. Em uma publicação de abril de 2015, a família escreveu que tinha indícios de que Beatriz estava viva, mas em grave estado de saúde. A última atualização da página foi há mais de um ano, em 5 de maio de 2015. Carlos Winck, filho do casal, conta que a Promotoria de Portão está com o caso e que o inquérito policial de Aparecida foi transferido para São Paulo. Nos primeiros meses, a família foi bastante contatada por relatos e ligações anônimas, com pistas e possíveis lugares onde Beatriz poderia estar. Com o passar do tempo, o número de informações obtidas também foi escasseando. “A polícia só nos liga quando há algum fato novo”, relata Carlos, em tom de desânimo. A família tem convicção de que Beatriz não está morta. Os Wink peregrinaram por unidades do Instituto Médico Legal no país para tentar identificar corpos, sem sucesso. Em todos os casos, exames de DNA descartaram ser Beatriz. Carlos tem sua hipótese do que pode ter acontecido com a mãe: Beatriz teria perdido a memória e, neste momento, estaria sob os cuidados de uma clínica em algum ponto do país. “Oferecemos recompensa em dinheiro para quem nos dê pistas do lugar em que minha mãe está. Estamos todos muito angustiados, espero que ela apareça de uma vez por todas para acabar com esse sofrimento”. Os dados de 2013 da Secretaria de Segu-
10,2 mil
pessoas desapareceram no Estado em 2013.
52%
dos casos são de menores, de 12 a 17 anos.
80% dos envolvidos
são reencontrados.
rança Pública do Rio Grande do Sul mostram que foram registrados 10,2 mil casos de desaparecimento. Destes, 5,3 mil são menores de idade (entre 12 e 17 anos) e 4,9 mil adultos. O índice dos que são encontrados é de 79,4% (8,1 mil pessoas). Na Capital, por exemplo, os números indicam que das 2,6 mil que sumiram, 2,2 mil voltaram ao convívio familiar. O número de homens que desaparecem é ligeiramente maior do que o de mulheres, com 109 casos a mais. As estatísticas da Secretaria de Segurança atestam uma preocupação: nos últimos 10 anos, houve aumento de 45% do número de desaparecidos. Entretanto, em 82% dos casos é registrado o reaparecimento. A história de Egídio Berwig faz parte dessa estatística. Foram 56 horas de pânico. Três dias e duas noites. Neste tempo, Juliana Berwig viveu os piores momentos de seus 37 anos. No dia 2 de abril deste ano, o pai desapareceu. Diagnosticado com Doença de Alzheimer, Egídio Berwig, 77 anos, se perdeu na Zona Norte de Porto Alegre. “Foi um pesadelo de olhos abertos”, desabafa Juliana. Em um país em que 28 pessoas desaparecem a cada 60 minutos, muitos não têm a mesma sorte de Juliana. Muitos somem para sempre. As buscas se encerraram depois de três dias, quando moradores disseram ter avistado alguém dormindo na parada 108 da
RS-040, em Águas Claras. Egídio foi encontrado às margens da rodovia desacordado e incapaz de reconhecer a família. O idoso, desidratado, tinha queimaduras na pele e picadas de inseto. Foi encaminhado para ao Posto de Saúde de Viamão. Logo depois, acabou levado ao Hospital Conceição, na Capital. Para a polícia, o desaparecimento em linhas gerais está ligado a muitos motivos. Doenças que afetam a memória, como no caso de Egídio, homicídio (porque matou alguém ou foi morto), sequestro, cárcere privado ou, no caso de crianças, abuso, exploração sexual e tráfico de pessoas. O titular da 5ª Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa da Capital, delegado Gabriel Bicca, explica que a primeira coisa a fazer é traçar o perfil do desaparecido. Com o desenvolvimento da tecnologia, as redes sociais também são utilizadas. “Investigamos páginas do Facebook para analisar a linha do tempo, buscando eventuais publicações suspeitas. Tivemos o caso de um jovem que frequentemente mencionava em seus posts que ia se matar. Depois de um tempo, ele desapareceu e o encontramos morto, vítima de suicídio, em uma praia que ele costumava marcar nas publicações”, disse. Nas investigações, é feita uma verificação preliminar das atividades da pessoa desapa-
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recida, como a rotina: onde mora, onde trabalha, que horas volta para casa etc. A partir do momento em que há uma “quebra de rotina” e nenhum amigo ou familiar esteve recentemente em contato com a pessoa, é hora de começar a fazer as buscas. Antes de chamar a polícia, Bicca sugere: “É preciso esgotar todas as possibilidades. Falar com a família, amigos, colegas de trabalho, atividades que a pessoa realiza durante o dia. Caso não se obtenha nenhuma informação, deve ligar para hospitais e órgãos públicos, como o Instituto Médico Legal (IML)”. Bicca é enfático ao negar a hipótese de que haja despreparo dos agentes para lidar com os casos: “Não existe crime de desaparecimento. A polícia trabalha com crime”. A polícia, acrescenta o delegado, trabalha com a quebra da rotina das pessoas e os relatos de testemunhas. “Se alguém disser que viu fulano de tal pela última vez entrando em um carro suspeito, por exemplo, aí vamos investigar com mais equipes, porque pode ter havido um crime”. Juliana Berwig e Carlos Wink nunca trocaram uma palavra. Mas têm em comum o pânico de ter um parente desaparecido. Juliana teve a sorte de reencontrar o pai. Carlos não chegou lá. Sonha com o encontro com a mãe, Beatriz. Carlos ainda vive um pesadelo de olhos abertos.
pedofilia
O perigo que ronda o Facebook
G R UPO S RE Ú N E M H O ME NS INTE RE SS ADOS E M ME NINAS MENORES DE 1 4 A NOS, AP ES AR D E A RE DE S O C IAL TE R NORMAS CONTRA ASS ÉDIO, NUDEZ E PORNOGRA FIA Camila Lara (3º sem.) POR Júlia Pulvirenti (7º sem.) e Sthefanie Bernardes (6º sem.)
G
abriela tem 13 anos. Ela gosta de astros do mundo da música. Lê Harry Potter, John Green e Nicholas Sparks. Gosta de ir ao shopping com as amigas, assistir a séries e usar todas as redes sociais do momento. Ultimamente, não tem se separado do celular. Seus pais, apesar de preocupados, acham um comportamento normal para uma menina de sua idade. São vigilantes quando o assunto é rede social e costumam fiscalizar tudo que é postado e conversado pela filha. Eles acreditam que isso tornará Gabriela segura. Porém, há uma semana, ela criou um outro perfil no Facebook, excluindo a possibilidade de seus familiares conseguirem enxergar sua vida online. Com a intenção de fazer uma brincadeira com as amigas, entrou em vários grupos envolvendo homens mais velhos. O que ela não esperava era a enorme quantidade de solicitações de amizade, e as conversas obscenas que estavam por vir. Em momento algum ela omitiu a idade. A história bem que poderia ser verdadeira, mas Gabriela, na verdade, é um perfil falso. Criar um perfil falso foi a alternativa encontrada pelas repórteres para ingressar em grupos do Facebook que reúnem homens interessados em adolescentes. Inclusive, menores de 14 anos, o que, neste caso, configura crime. Entrar com os próprios perfis nos grupos revelaria a identidade das repórteres – ambas maiores – , num ambiente cujos interesses são difusos, e as consequências difíceis de serem medidas. As conversas descritas nesta reportagem são consequência da simples inscrição da falsa Gabriela nos grupos. Em aproximadamente 10 minutos, o perfil de Gabriela contabilizou mais de 90 solicitações de amizade de homens com, em média, mais de 40 anos declarados. Teoricamente, os Padrões da Comunidade do Facebook preveem normas contra o assédio, a nudez e a pornografia. “Removemos conteúdos que ameacem ou promovam exploração ou violência sexual. Incluindo a exploração sexual de menores e o assédio sexual”, diz um trecho do documento. Em uma simples busca no Facebook, é possível encontrar dezenas de grupos que
Usuários da rede social que assediaram Gabriela tinham, em média, mais de 40 anos reúnem homens mais velhos e meninas menores de idade. Com o perfil falso, a reportagem circulou por 11 grupos. Destes, os dois maiores possuíam mais de 10 mil integrantes. Em um deles, havia regras especificando a idade mínima para participar (14 anos), porém, não há uma mediação, facilitando a participação de menores de 14. Dentro destes grupos, havia postagens de homens procurando encontros, ou conversas, com meninas “novinhas” das mais diferentes idades. Essas postagens dividem espaço com fotos eróticas de meninas. Algumas alegavam ser maiores de idade, outras omitiam. Porém, a maioria delas apresentava uma aparência juvenil. Apesar do alerta da rede social, isso parece não intimidar alguns dos participantes dos grupos nem impedir postagens inapropriadas. O abuso virtual de fato ocorre entre homens adultos e meninas menores de 14 anos de idade, o que se configura crime, de acordo com a legislação vigente. Em menos de uma semana, a
menina já havia acumulado mais de 200 amigos. Nesta reportagem serão descritos alguns trechos das conversas de Gabriela. Gabii: Tenho 13 anos e vc? Adulto1: 45 Adulto1: Você é novinha, tem namorado? Gabii: Não, porque? Adulto1: Por nada Adulto1: Me manda uma foto Gabii: To na casa de uma amiga, pode ser quando eu chegar em casa? Adulto1: Pode Adulto1: Mas manda uma bem sexy O Ministério Público lida com casos semelhantes. Segundo o promotor Júlio Almeida, situações de pedofilia não privam nenhuma classe social e não ocorrem somente com estranhos. No caso da internet, o promotor afirma que os grupos de Whatsapp e Facebook, nos quais muitas vezes circulam fotos impróprias de menores, acabam se tornando ferramentas que auxiliam na luta contra a pedofilia. Segundo o ECA, reproduzir ou distribuir
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imagem que contenha sexo explícito ou pornografia de criança ou adolescente é crime. O promotor ainda chama atenção para uma outra questão, a diferença entre criança e adolescente perante a lei. Segundo o ECA, considera-se criança a pessoa com até 12 anos de idade incompletos, e adolescente quem tem entre 12 e 18 anos de idade. Esse ponto tem grande relevância no momento em que algumas leis se aplicam apenas para crianças, como, por exemplo, o Art. 241 do ECA: aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, a criança. Nesse caso, a lei não se aplica ao adolescente, ou seja, não se aplicaria a Gabriela. Porém, o assédio sexual é crime e está previsto no Art. 216-A do Código Penal. Tem como pena detenção, de um a dois anos, podendo ser aumentada em até um terço se a vítima for menor de 18 anos.
SEGUE >>
Diálogos revelam abusos Os contatos mantidos nesta reportagem pelo personagem fictício com os homens maiores mostram tentativa de seduzir uma menor de idade. Gabii: Eu disse que tinha 14 por medo de você me achar muito nova Gabii: tenho 13 tem problema? Adulto2: Claro que não delícia Adulto2: Meu sonho é uma menina de 13 anos Adulto2: Por você sou capaz de ir aí E a conversa continua. Adulto2: Queria ver seus peitinhos kk Gabii: slá Gabii: n faria isso Gabii: n conheço vc direito Adulto2: Devem ser pequeninos e lindinhos… Adulto2: Vc já mostrou eles para alguem? Gabii: n Gabii: vc gosta de meninas mais novinhas? tipo da minha idade Adulto2: Gosto mais velhas depois dos 18 e da sua idade nunca sai pq pode dar problema, mas se surgir e rolar alguma coisa sem dar problema, acho que vou curtir… Em alguns casos, o contato íntimo é consentido. Porém, a lei é clara. Conforme o artigo 217-A do Código Penal, alguém com menos de 14 anos não tem maturidade para consentir este tipo de proposta. Antes disso, a relação sexual, ainda que consentida, é considerada estupro a vulnerável e tem como pena de oito a 15 anos de reclusão. A psicóloga Carolina Rabechini explica que, nessa idade, o adolescente é incapaz de tomar decisões de cunho sexual e está suscetível à influência. “Os adolescentes não podem ser considerados plenamente capazes de tomar decisões, no que diz respeito a qualquer relação sexual com um adulto. Isso porque a nossa personalidade só está formada aos 18 anos”, explica. A psicóloga destaca a influência de um adulto sobre um adolescente: “O adulto que tenta manipular sexualmente uma criança ou adolescente está utilizando de seu poder de persuasão para conseguir o que quer. Mas esse adolescente é uma vítima e vai sofrer consequências em todo seu desenvolvimento por conta do abuso”. Carolina ressalta que o abuso sexual é uma das piores violências e a mais traumática. A questão da personalidade é prevista no Código Penal, como corrupção de menores. Conforme a lei, induzir o menor de 14 anos a fazer qualquer ato libidinoso tem pena de dois a cinco anos de reclusão. Em caso de denúncias, o responsável deve procurar o Departamento Estadual da Criança e do Adolescente imediatamente, de preferência portando os prints de conversas do menor com um adulto, caso o assédio ocorra na internet. Em vários casos, as conversas pela internet servem como provas em um julgamento. O DECA, quando procurado pela reportagem, não quis se manifestar sobre os casos. Em caso de denúncia, ligue 197 ou diretamente com o DECA: (51) 3288-2400.
Como entender a pe POR Alícia Porto (3º sem.)
Como compreender um fenômeno condenado pela sociedade, cuja base está na fantasia sexual com crianças? Para tentar entender as circustâncias que envolvem este comportamento, o Editorial J convidou cinco especialistas para um debate em torno das mesmas perguntas. Fernanda Osório, professora de Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Luiza Habinzang, professora e pesquisadora na área da psicologia envolvendo violência sexual contra crianças e adolescentes, Sami El Jundi, professor do Departamento de Ciências Penais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Ana Paula Motta, professora do Departamento de Ciências Penais na UFRGS e Daniel Pacheco Pontes, professor de Criminologia da Universidade de São Paulo (USP) respondem a questões sobre aspectos jurídicos, comportamentais e sociais da pedofilia. A expressão surgiu na Grécia, onde práticas sexuais entre pessoas mais velhas e mais novas era algo habitual. Com o passar do tempo, o termo teve seu significado modificado e uma carga negativa agregada a ele por conta de diferentes valores da nossa sociedade. Hoje, pode-se identificar um forte peso cultural na palavra. Contudo, nesse processo de transformação do termo, alguns erros graves foram cometidos, e seu significado, por vezes, é entendido de forma equivocada. A imprecisão também pode ser atribuída ao uso irregular da expressão pelos meios de comunicação. Para o professor do Departamento de Ciências Penais da UFRGS Sami El Jundi, a mídia também tem uma responsabilidade na confusão: “Somos assolados por uma excessiva midiatização, uma necessidade de antecipar prisões para mostrar serviço e virar notícia”. A diferenciação entre a pedofilia e o crime é importante para que se consiga buscar novas formas de auxiliar pedófilos a controlar o impulso. “Transtornos mentais contam com uma rede de apoio e uma compreensão social muito menor do que outros casos como os de abusos de substâncias, de depressão e de ansiedade. Isso dificulta a busca de tratamento”, disse Luiza Habinzang, professora e pesquisadora na área da psicologia envolvendo violência sexual contra crianças e adolescentes. A carga negativa que é atribuída ao comportamento também faz com que muitos dos agressores neguem terem abusado de suas vítimas. Uma pesquisa realizada por Luiza e outros profissionais em 2006 mostrou que somente 10% dos abusadores assumem o crime, e quando o fazem, responsabilizavam a vítima, dizendo frases como “as meninas haviam se insinuado” ou “que ela não fez nada para impedir”. Estes e outros aspectos são analisados pelos especialistas nas entrevistas ao lado.
A pedofilia não se encontra tipificada como crime nem no Código Penal Brasileiro nem no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Isso prejudica de alguma forma o processo jurídico de repressão?
Fernanda Osório Professora de Direito na PUCRS
De fato, a pedofilia enquanto transtorno não é punida. O direito penal pune fatos, não pensamentos. Quando o indivíduo exterioriza esses pensamentos, quando pratica alguma conduta, isso, sim, é punido. Então, na verdade, existem tipos penais que já punem condutas como as de utilização de crianças e adolescentes em cenas pornográficas, ou de relação sexual com crianças e adolescentes, incluindo relação sexual por ação da prostituição.
Onde estão as maiores dificuldades, juridicamente, no processo dos crimes relacionados à pedofilia?
O maior problema me parece estar na produção da prova. A gente acaba, de certa forma, priorizando a palavra da vítima e muitas vezes são crianças que têm dificuldade de expor, dificuldade de falar sobre isso. Existem técnicas hoje desenvolvidas para suavizar esses problemas, como, por exemplo, o depoimento sem dano, que consiste em que a criança relate apenas uma vez o que aconteceu, que esse depoimento seja filmado e que a pessoa que faça as perguntas seja alguém com conhecimento técnico na área, como um psicólogo, um assistente social.
Como é a tipificação desse crime em outros países?
Não saberia dizer como funciona na legislação internacional. Porém, teoricamente, as pessoas são livres para pensar aquilo que elas quiserem. Agora, quando aquilo é exteriorizado ao ponto de, inclusive, prejudicar uma criança, dai sim passa para o direito penal.
Com a pedofilia sendo ainda um tabu, isso atrapalha no processo jurídico dos crimes?
Com certeza. Primeiro, porque os crimes sexuais possuem uma carga negativa muito considerável, então o julgador acaba muitas vezes não tendo a imparcialidade necessária para julgar aquele caso com serenidade.
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edofilia
E DITORIAL J E NTRE VIS TA CINCO ESPECIA LISTAS PA RA E S CLARE CE R OS LIMITE S LEGA IS E PSICOLÓGICOS DO TRANS TORNO QUE LE VA A FA NTASIAS COM CRIA NÇAS
Luiza Habinzang
Sami El Jundi
Ana Paula Motta
Daniel Pacheco Pontes
Pesquisadora de violência sexual
Professor de Ciências Penais na UFRGS
Professora de Ciências Penais na UFRGS
Professor de Criminologia da USP
Pergunto se isso não causaria mais confusão. Penso que primeiro a gente teria que investir em estudos sobre pedofilia, sobre as características de personalidade dessas pessoas. Até para se pensar em como tu vais responsabilizar alguém por pedofilia. A responsabilização teria que ser acompanhada por algum ato e não só a fantasia, porque se nenhum mal foi gerado não se tem como incriminar ninguém.
A primeira pergunta é: devemos ou podemos criminalizar o desejo? Entendo que não. Desejar, fantasiar, sonhar, cobiçar, não são passíveis de juízo crítico e objetivo por terceiros. Existem uma segunda acepção de pedofilia, aquela que implica em atravessar a fronteira do desejo e atuar, que se trata de um crime. E quando tratamos do crime, o que observamos é que sim, essas condutas estão tipificadas no Código Penal e no ECA. Ou seja, legislação penal sobre o tema não nos falta. O problema é outro: investigação.
Não entendo que prejudica porque já existem crimes tipificados em torno do assunto da pedofilia. Na verdade, a pedofilia é um comportamento vinculado ao sujeito em que ele possui um desejo sexual por criança e pode utilizar crianças para seu prazer sexual. Quando ele põe em prática esse desejo, seja via internet, seja através do contato direto com crianças, ele pratica crimes. Então, o seu comportamento em geral está cercado pelo sistema penal na previsão de práticas que decorrem desse comportamento.
Não, pois, na realidade, essas condutas estão sim tipificadas como estupro de vulnerável. Não há apenas o nome pedofilia, mas isso não é um problema. A situação é análoga à do assassinato, que é tipificado como homicídio.
Existem muitas dificuldades. A primeira delas é que a maioria dos casos que envolvem abusos sexuais contra crianças e adolescentes são praticados por pessoas com quem a criança tem laços afetivos. Então é muito difícil para a criança conseguir romper essa violência, no sentido de ela conseguir relatar. Além disso, temos outro problema que é quando a criança começa a mostrar sinais ou revelar pequenos detalhes que indicam o abuso. A nossa rede de atendimento para a proteção contra esses abusos está bastante despreparada para identificar e reconhecer esses sinais.
Diria que elas estão em dois aspectos: a prova da ocorrência do fato de um lado e, de outro, as falsas denúncias. No que se refere às falsas denúncias, a estimativa são de que representem cerca de 50% de todos os casos. No que se refere à prova, em face das inúmeras dificuldades para produzi-las, “optou-se” por levar a palavra da suposta vítima ou de qualquer denunciante ao extremo, criando quase uma situação indefensável para o acusado. E uma assustadora máquina de acusar se criou, o qual, como tudo, ganha vida própria e se rege por interesses próprios, desde policiais até psicólogos, de conselheiros tutelares a assistentes sociais.
Os crimes mais direcionados à internet e à exposição de crianças são difíceis de se provar, porque a estrutura que se tem para a investigação ainda é muito incipiente. Todos os crimes eletrônicos têm um aparato de prática que vai se desenvolvendo à frente das estruturas investigativas referentes a tais crimes, seja da Policia Federal, seja do próprio Ministério Pùblico. É um risco permanente para todas as crianças esse acesso livre à internet, a possibilidade de uso da imagem de crianças, esse contato virtual sobre o qual tanto já tem se falado.
Creio que os maiores problemas estão mais na área do processo penal do que no direito penal material. Parece-me que a grande dificuldade é a dilação probatória. Como são crimes que geralmente acontecem sem testemunhas e, muitas vezes, entre pessoas da mesma família, pode ser muito difícil comprovar a autoria.
Nesse formato não conheço nenhum. O Brasil apresenta bastante crimes relacionados à pedofilia, mas não tipificados.
Nos países da Europa Continental, normalmente há o estupro com presunção de violência, que também resolve a questão.
Ela é uma prática que se substancia em crimes, mas que está muito relacionada a tabus, à cultura que autoriza. A cultura autoriza e muitas vezes não interfere no ambiente familiar quando devia, seja pelo ponto de vista da sexualidade, seja pelo ponto de vista de outros abusos. Quando uma criança é agredida num shopping por mal comportamento, quando se ouve uma criança sendo agredida pelo vizinho, poucas pessoas se manifestam contra, são coisas que se vê, mas se finge que não se vê com os olhos críticos, digamos assim. É um campo todo que o Estado vai tateando quando vai chegando perto, a chegar perto, vai percebendo que aquela realidade é muito maior do que se achava.
Sim, porque inibe as vítimas. Nesse tipo de crime, normalmente, a “cifra negra” (delitos que ocorrem e não são comunicados às autoridades) é muito elevada, o que prejudica muito a punição dos seus autores e distorce as estatísticas.
Percebo que estamos bastante atrasados se comparados a outros países. No Canadá, na Austrália, nos Estados Unidos, por exemplo, os programas de prevenção são muito fortes e incluem contextos escolares. Internacionalmente, existe mais investimentos para avaliar programas de tratamentos, como associação de medicamentos e terapia.
Primeiro, tudo que envolve sexualidade humana ainda é um tabu na nossa sociedade e, quando se tenta criar formas para que esse assunto possa ser debatido de maneira mais aberta desde a infância, a gente encontra muitas barreiras. Não se tem espaço para o adolescente discutir sobre o limite, sobre o que posso fazer com o outro, sobre a propriedade que tenho sobre meu próprio corpo, sobre questões de desigualdade de gênero, que marcam muitas vezes os abusos sexuais tanto para as meninas quanto para os meninos e sobre seus desejos e fantasias.
A maioria dos países possui tipificações das condutas que elenquei acima, variando apenas questões como a definição do que seja uma criança e do que seja um vulnerável. No Brasil, nossa perícia médico-legal, por exemplo, não segue protocolos de avaliação internacionalmente recomendados, deixando perder os parcos vestígios disponíveis. Nossos investigadores não estão treinados nem aparelhados para fazer gravações de áudio e vídeo dos suspeitos, que poderiam incriminá-los.
Atrapalha a defesa dos acusados. Como comentei antes, a estimativa é de que 50% dos casos sejam falsas acusações, mas fazer prova negativa é quase impossível. E nesse caso, o tabu e a ânsia do sistema de proteger a criança justifica sua própria existência, faz com que a palavra do acusado tenha menor preso. Na prática trocamos um problema – os poucos vestígios deixados por esse tipo de crime – por outro: a inversão do ônus da prova, tendo o acusado que provar que não faz aquilo do que é acusado.
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violência história
Quando a dor e o medo nascem em casa P O R Kamylla Lemos (5º sem.)
Editorial J conversou com quatro adultos que contaram suas histórias de violência sofrida na infância. Os relatos descritos nesta reportagem fazem parte de uma assustadora estatística: a cada hora, três queixas de abuso infantil são registradas no Brasil.
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la contou nove vezes. Nove vezes em que foi abusada, ameaçada e agredida pelo pai durante um ano inteiro, quando tinha seis anos. Algumas vezes, inclusive, na frente da mãe. “Em princípio, pensava que o que ele estava fazendo era normal. Na minha cabeça, todo pai fazia isso com as filhas”, recorda Priscila*. A história de dor de Priscila, que mistura tristeza e raiva, não é rara. Ela não é a única a ter a infância roubada: o artigo 3, “todas as pessoas têm direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”, e o artigo 5, “ninguém será submetido a tortura nem a punição ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”, da Declaração Universal de Direitos Humanos, são violados todos os dias. O abuso sexual na infância é apontado como a segunda violência mais cometida na faixa etária de zero a nove anos. Segundo dados do Disque 100, serviço gratuito de denúncia do governo federal, a cada hora, três queixas de abuso infantil são registradas no Brasil. Mas o trauma não acaba na denúncia. Aliás, não acaba nunca. Priscila tinha seis anos quando ela e a mãe se mudaram da casa dos avós para uma casa alugada em Teresina, no Piauí. Foi nessa época que a mãe de Priscila começou um novo relacionamento às escuras. Um dia, o homem que se apresentava como o novo namorado da mãe revelou que era, na verdade, seu pai biológico. Quando criança, ela não se preocupava muito com o assunto e até sabia algumas coisas do pai. Sua mãe já havia lhe contado que a teve quando era nova, aos 16 anos. Nessa época, seu pai tinha 30. Priscila sabia, também, que ele optou por abandoná-la. Em decorrência disso, a mãe teve diversos problemas emocionais e até pensou em colocá-la para adoção. Como a casa era pequena, Priscila dormia com a mãe e, consequentemente, com o pai também. Com a convivência, acabou descobrindo que ele era alcoólatra e que isso o tornava agressivo. “Às vezes, estava dormindo e ele começava a tirar minha roupa, colocava as mãos dele na minha boca para que eu não gritasse e me ameaçava”, conta Priscila. “Ele também ameaçava a minha mãe caso ela dissesse algo para a polícia”. Após os estupros, a mãe de Priscila parou de se relacionar com o pai, mas não o denunciou ou levou a filha para fazer exames necessários. No ano passado, Priscila decidiu fazer exames de doenças sexualmente transmissíveis e um de seus testes deu positivo. Havia contraído HPV do pai. Por esse
motivo, ela não pode engravidar e, devido ao trauma, não consegue mais se relacionar com homens. Aos 20 anos, trabalha como técnica de enfermagem. Seguiu o sonho da mãe, que sempre quis ser ou técnica em enfermagem ou enfermeira, mas não chegou a faculdade. Há alguns anos, Prisicila resolveu buscar ajuda profissional para tratar os problemas que surgiram em decorrência do trauma. Ela faz terapia com psicólogos há um ano e meio e foi diagnosticada com depressão, síndrome do pânico e ansiedade. É tratada como violência sexual a situação em que a criança é usada para o prazer sexual de uma pessoa mais velha. Dados divulgados pelo Disque 100 indicam que, em 65% dos casos de abuso sexual, o abusador é alguém que faz parte do grupo familiar. A proximidade e a convivência do abusador com a vítima fazem com que, muitas vezes, ela tenha medo de denunciar. O apoio familiar é essencial nessas horas e a situação fica ainda mais complicada se o agressor for um membro da família ou alguém muito próximo. Aos sete anos, Viviana* estudava em um colégio renomado de Porto Alegre. Lá, tinha uma colega de quem era bem próxima. Extremamente comum para crianças, ela ia dormir bastante na casa da amiga, fosse para brincar ou para fazer os temas de aula. Ela notou que, após o pai da amiga se divorciar, ele estava sendo mais carinhoso com ela. Um dia, quando estava dormindo na casa da amiga, o pai da menina acordou Viviana e pediu ajuda para arrumar um armário. O homem trancou a porta e falou que deveriam arrumar o armário em silêncio. Argumentando que estava com tesão, ele colocou Viviana na cama, ficou por cima dela e disse que aquilo não iria demorar muito. O agressor dizia que a menina o provocava e que havia pedido por aquilo. “Ele me penetrou e eu senti muita dor”. Depois disso, Viviana desenvolveu anorexia e começou a ter crises de pânico, por medo de ir para a escola e encontrá-lo lá. Ficou mais reclusa, distanciando-se da família por acreditar ser culpada pelo o que ocorreu. Foi nessa época que sofreu com crises de ansiedade que duram até hoje. Aos 20 anos, a estudante explica que aquilo a afetou para sempre. “Sou muito insegura e perfeccionista. Não sabia o que estava acontecendo, só sabia que a culpada era eu”, afirma. Apesar de ser hétero, Viviana relata que acha penoso ter relações heterossexuais e manter relações sexuais depois da agressão.
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Porém, não apenas as meninas são alvo desse tipo de abuso. Existe um enorme tabu quando o assunto é um homem que sofreu abuso sexual. A sociedade ainda é extremamente sexista, e as crianças aprendem isso desde cedo. Há um preconceito intrínseco que sugere que quando isso ocorre, o homem perde a masculinidade – algo que não é aceito em uma sociedade patriarcal. Outros dados do Disque 100 mostram que 47% das vítimas que denunciaram são meninas, enquanto 38% são meninos e 15% não informaram. Apesar de os dados mostrarem que as vítimas do sexo feminino são a maioria, eles apenas refletem quem faz a denúncia. Mas o que acontece com todos aqueles que têm medo ou vergonha de denunciar? Leonardo* cresceu em uma família de descendência italiana, extremamente animada, que fazia várias festas com muita música, comida e bebidas. Ele lembra que tinha quatro anos e estava em uma dessas festas. Como ele estava gripado e com muito sono, a mãe resolveu colocá-lo para dormir no quarto. Por ser do outro lado da casa, o barulho da festa não o incomodaria. Em certo momento da noite, ele acordou com o barulho da porta abrindo. O cunhado dele se aproximou e disse que os dois iriam brincar juntos. “Na hora, sentei na cama e pensei: ‘que legal, vamos brincar’”, relembra. O cunhado fez com que Leonardo prometesse que não contaria para ninguém, pegou a mão dele e colocou dentro da calça. Leonardo seguiu as instruções, mas sabia que aquilo estava errado. O cunhado disse que aquilo poderia doer, mas que era daquele jeito. Leonardo não lembra de nada do que sucedeu a partir desse momento até o instante em que a sua mãe foi dar um banho nele. Ele não deixava ela o tocar e foi ficando cada vez mais agressivo. Até que um dia, Leonardo a empurrou e disse: “Saí daqui, eu não quero brincar”. Foi aí que a mãe dele percebeu que havia algo de errado. Então, contou o que havia acontecido. Depois disso, começou um tratamento psicológico – que continua até hoje – para superar o trauma. Hoje, com 23 anos, vê no dia a dia como aquele estupro ainda o afeta. “Eu sou gay e qualquer relação sexual que eu vá ter acaba me lembrando isso de alguma forma”, explica. Além disso, ele se sente inseguro, incapaz de ser amado ou até mesmo valorizado. “Eu tinha quatro anos quando alguém achou que poderia chegar e transar comigo sem eu ao menos saber o que estava acontecendo”, explica. Desde pequeno, convive com ataques de ansiedade, pânico e depressão.
Bibiana Garcez (5º sem.) Ana Carolina Lisboa (Xº sem.)
Abuso sexual na infância é apontado como a segunda agressão mais cometida na faixa etária de zero a nove anos “Muitos adultos passam por dificuldades na vida adulta devido ao abuso sofrido na infância e alguns podem apresentar problemas relacionados à imagem corporal. Em muitos casos essas pessoas rejeitam o próprio corpo como uma defesa psicológica para evitar lembrar do abuso”, explica o psicólogo Dieferson Artur Brandao, autor do artigo O Impacto na Vida Adulta do Abuso na Infância. Brandão também ressalta a extrema importância de um tratamento psicológico após o abuso, para auxiliar a criança e ajudá-la a entender o que aconteceu, de forma que isso não afete tanto o seu futuro. “Quando a pessoa abusada na infância não passa por um processo de psicoterapia, e não resolve estas questões, ela pode evitar namorar outras pessoas e se relacionar sexualmente também”, afirma. Além de evitar relacionamentos, a vítima pode desenvolver doenças psiquiátricas como depressão, ansiedade e ataques de pânico. “Em todos os casos, as crianças são ameaçadas, e os agressores falam em fazer mal a toda a família se a criança contar para alguém. Além da violência física, a pressão psicológica sofrida por estas crianças é muito grande também”, ressalta Brandão. Bruna* é a quinta filha de nove irmãos. Ela e a família moravam no interior do Rio Grande do Sul, em uma casa grande, bem localizada e com enormes jardins. No meio da casa, perto do quarto dos pais, havia um closet. Foi lá que
tudo começou. Na época, com apenas sete anos, ela não sabia. Mas todos seus irmãos mais velhos já haviam sido abusados pelo seu pai.“Ele me pegava no colo e me obrigava a pegar nas partes intimas dele”, conta. Os abusos não tinham hora para acontecer. O pai a buscava na escola e depois a abusava. Alegava que ela era suja e que a menina ia fazer o mesmo com outros na rua, mas que ele não iria deixar. O pai ia de quarto em quarto. Abusava um filho de cada vez. “Mandava que os outros não viessem no quarto. Usava a desculpa de que ia dar um corretivo em cada um”, afirma. “E falava: depois são vocês”. Todos os dias acontecia a mesma coisa após o estupro, o pai dava bebida alcoólica para os filhos. Aos nove anos, Bruna menstruou, e o pai disse que agora a situação iria ficar melhor. “Ele disse que ia verificar se eu era virgem, se não tinham mexido”. Ela e os irmãos mais velhos também eram estuprados pelos amigos do pai. Os abusos constantes fizeram com que começasse a ficar viciada em bebidas alcoólicas. Como Bruna levava bebida para a escola, a professora notou que havia algo errado. E foi ela quem salvou Bruna. Aos poucos, começou a notar os machucados e percebeu que havia algo extremamente errado ali. Quando tentou contar para a mãe, ela apanhou e foi acusada de “mentir” e ser culpada pela situação. A falta de apoio familiar e os traumas fizeram com que, com 11 anos, Bruna
fugisse para morar na Capital. Depois, mais velha, denunciou alguns dos seus abusadores. Os processos demoraram e apenas um foi preso – ficou apenas um ano na cadeia. O pai pediu perdão para os filhos antes de morrer em 1995. Bruna não perdoou. Aos 53 anos, leva uma vida ainda afetada pela violência sofrida. Precisa usar uma prótese dentária, porque o pai quebrou os dentes dela após mordê-lo, tentando detê-lo. Mesmo após o tratamento psicológico, ainda se sente culpada pelos abusos e os relembra constantemente. “Hoje procuro sempre observar queixas e encontrar sinais. Criança é alegre e curiosa. Se estiver quieta, procure saber o que aconteceu. Dê papel para ela desenhar. Diga que está ali para protegê-la. Crianças não mentem”, ensina. É importante que os pais criem uma relação de confiança com os filhos, para que se sintam à vontade para falar sobre o assunto e recorrer a eles caso algo aconteça. O medo de represálias – uma ameaça comum dos agressores – também é um motivo pelos quais as crianças silenciam. “Não fale com estranhos” é um conselho dado pelos pais diariamente. Mas o abusador pode ser qualquer pessoa. Inclusive alguém que não é tão estranho assim. * Os nomes das pessoas, todas abusadas quando ainda tinham menos de 11 anos, foram trocados para evitar a identificação.
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Como identificar • Masturbação excessiva, além de conhecimentos sexuais impróprios para a idade e comportamento sedutor. • Interesse excessivo, ou rejeição total de natureza sexual, assim como regressões. • Depressão ou isolamento dos amigos e família, além de comportamento suicida e choro contínuo. • Desordem no apetite (perda, anorexia, bulimia) e problemas com o sono. • Baixo rendimento escolar, assim como negar-se a ir à escola. • Excessiva agressividade, além de temor ou rejeição a alguma pessoa e também desconfiança de si mesma. • Evidência de abusos ou incômodos em desenhos, jogos ou fantasias. Você pode denunciar pelo Disque 100 ou se procurar a delegacia mais próxima de você.
sociedade história
Desigualdade em sala de aula LEVAN TAM E N TO DO E D I TO RIAL J MOS TRA QUE , E M QUATRO UNIVERSIDA DES GA ÚCHAS, AS M ULHE RE S S Ã O M A I ORIA E NTRE E S TUDANTE S, MAS MINORIA ENTRE PROFESSORES POR Sofia Lungui (1º sem.)
M
aioria na graduação, minoria do tura pode ter reflexos negativos para muitas corpo docente e nos cargos mais mulheres. As faculdades de Direito ganharam destaaltos, como direção de faculdades e de Diretórios Centrais Aca- que entre os resultados. Na UFRGS, 78,08% dêmicos (DCEs). Essa é a atual situação das dos professores da faculdade são homens, enmulheres dentro de algumas das grandes uni- quanto quase metade dos alunos são mulheversidades do Rio Grande do Sul: Universida- res: 47,57%. Na PUCRS, 72,66% do corpo dode Federal de Pelotas (UFPel), Universidade cente é masculino, e 56,63% do corpo discente Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Uni- é feminino. A professora e vice-diretora da versidade de Caxias do Sul (UCS) e PUCRS. Faculdade de Direito da PUCRS, Clarice SöhnEm contrapartida, muitos cursos apresentam gen, acredita que os números se devem à uma presença majoritariamente masculina tam- questão cultural. “Os números evidenciam que bém no corpo discente. A desigualdade ainda ainda não há as mesmas oportunidades (que está presente na esfera acadêmica, embora a os homens) para as mulheres, confirmando entrada de mulheres nos cursos tenha aumen- a necessidade de intensificarmos o processo de mudança cultural em espaços acadêmicos tado significativamente. Em um levantamento exclusivo, o Edito- tradicionais, o que está em curso”, aponta. Na UFPel, não é diferente. Representantes rial J apurou dados das universidades pesquisadas que demonstram essas discrepâncias: do Centro Acadêmico do Direito UFPel proem todas elas, há percentual maior de alunas blematizam a situação: no corpo docente, o do que de professoras. Além disso, na UFPel percentual feminino é de 28,13%, e no discene na UCS o número de alunas também exce- te, 42,86%. “Esses números fazem com que de o de alunos. Na PUCRS, 34,97% do corpo nós, mulheres, não nos sintamos bem-vindas docente é composto por mulheres, enquanto na faculdade. Dá impressão de que ali não no discente há 48,26%. Na UFRGS, as mu- é o nosso lugar”, afirma Marina Mozzillo de lheres compõem 45,56% do corpo docente, e Moura, 20 anos, estudante do terceiro ano 47,59% do discente. Na UFPel, as mulheres de Direito na UFPel e integrante da gestão do são 48,73% dos professores, e 54,31% dos Centro Acadêmico do Direito, composto por estudantes. Na UCS, embora não haja dados maioria feminina. A Faculdade de Direito da UFPel é antiga; referentes ao número de alunos por faculdade, mas sim por campus, a tendência se repete: possui mais de 100 anos de história, segundo em todos os campi, o número de alunas excede Marina. A estudante conta que a discriminao de professoras, exceto no de Vacaria. Quanto ção é algo com que as alunas convivem diariaao corpo docente, há percentual feminino de mente. “A gente sabe que é um fardo chegar na faculdade e deparar com um ambiente hostil. 46,63%. A pesquisa foi aplicada na área da gradu- Ouvir piadinhas, não ser levada tão a sério, observar que o professor escuação, por unidade acadêmica ta mais os homens do que as de ensino, e as informações mulheres”, declara. Ela revela referem-se ao primeiro semesque, no início do mês de junho, tre do ano de 2016. Foram O Direito em uma tentativa de combater escolhidas duas universidades ainda tem o preconceito, as integrantes do públicas e duas privadas, para grupo feminista Nosotras, da haver equilíbrio. Os dados e as um caráter Faculdade de Direito da UFPel, informações foram encontrados conserfizeram uma intervenção. Elas nos sites das universidades e distribuíram cartazes pela fafornecidos por assessores. O vador.” culdade com frases e comentáEditorial J conversou com estuRodrigo rios machistas ou sexistas, prodantes, professores, cientistas, Rosa feridos por professores e colegas. diretores de faculdades e mem“Existem mulheres normais, e bros de DCEs para responder mulheres solteiras... #EleÉProfessor”, as seguintes questões que surgiram: os dados constatados representam um constava em um dos cartazes. Em todos eles, as meninas revelaram a problema? Em que implica este cenário? Por que esse desequilíbrio se agrava em algumas posição do homem na faculdade, por meio faculdades? As respostas divergem entre si, de hashtags, mas não identificaram ninguém contudo não há dúvidas de que essa conjun- pelo nome, de forma a não os expor direta-
“
mente. Uma das demandas delas é o fim da res vêm ocupando espaços antes considerados exclusão das mulheres nas mesas dos eventos predominantemente masculinos, como um organizados pela instituição. Outra estudante curso de Ciências Aeronáuticas. Na PUCRS, a do Direito, Andressa Bühler, 23 anos, observa Faculdade de Ciências Aeronáuticas (FACA) que a UFPel sofreu muitas mudanças nesse é composta por um número pequeno de essentido desde que entrou no curso. “Em 2012, tudantes e de professores, menor ainda de o contexto era de uma universidade de classe mulheres. De 239 estudantes, 13 são mulhemédia e classe alta, preocupada apenas com os res. Quanto aos docentes, 15 são homens e soseus interesses e que não questionava o status mente uma é mulher. No entanto, a professora quo. Hoje em dia, ainda bem, o cenário não é Aline Pacheco, 40 anos, assegura que as mulheres se sentem acolhidas na mais de acomodação”, explica. faculdade. “É uma questão de Rodrigo Rosa, membro da preconceito social. Na hora da Comissão de Direitos Humanos atuação nessa área é que existe da Ordem dos Advogados do essa discriminação, até mesmo Brasil do Rio Grande do Sul Alguns em um grau indesejável. Mas (OAB-RS), vê o futuro das muprofessores aqui no ambiente acadêmico, lheres no Direito de maneira não o vejo ocorrer. Acho que a positiva. “O Direito ainda tem fazem partir do momento em que a um caráter conservador, e espiadinhas.” mulher escolhe essa profissão, tes concursos para a docência os homens reconhecem que ela acabam ainda escolhendo os Vitória já está muito bem resolvida, professores homens. Mas essa Hass então não vejo isso da parte dos entrada da mulher, buscando o colegas”, avalia Aline. seu espaço, só tende a aumenEla exemplifica uma situação tar. A gente percebe uma grande do cotidiano das pilotas no ambiente de maioria do público feminino nos concursos públicos para juiz, defensor público trabalho, que ocorreu com uma colega. “Uma vez, ela contou que era a pilota responsável e promotor, principalmente”, pondera. As faculdades de Medicina e de Veteri- por um voo e estava desembarcando, quando nária se enquadram no mesmo padrão, com um senhor parou na porta da cabine e perpresença majoritária de homens no corpo guntou a ela: ‘você é a comandante do voo? ’, docente. Na UFRGS, a Faculdade de Medici- e ela respondeu que sim. Então, ele responna é composta por somente 38,73% de pro- deu que se soubesse que a comandante era fessoras mulheres, porém mais de 60% dos uma mulher, não teria embarcado no avião”, estudantes são do sexo feminino. Uma delas, relata. Aline é professora de Inglês Aplicado à Estella Laner, acredita que esse quadro tem Aviação e integrante da associação Women in consequências negativas para as estudantes. Aviation International. Duas estudantes do curso de Ciências “No curso de Medicina, apesar de as mulheres serem maioria, os professores ainda Aeronáuticas confirmam que os colegas são majoritariamente homens e sentem-se à são respeitosos. Entretanto, alegam sentir vontade para fazer piadas machistas. Assim, desconforto quanto a alguns professores hoem uma turma majoritariamente feminina, mens. Olívia Peltier, 19 anos, e Vitória Haas, os alunos homens ainda são os que se sen- 20 anos, querem ser pilotas. “Muitos dos tem mais seguros e têm mais voz”, classifica. nossos colegas entraram no curso por conta Na Faculdade de Medicina Veterinária da do pai, ou de algum parente próximo que é UFRGS ocorre o mesmo. Larissa Clausen, piloto. Não é o nosso caso”, informa Vitória. aluna do 8º semestre, reclama do sexismo “Alguns professores fazem piadinhas. Às por parte de alguns professores. Segundo ela, vezes, eles estão explicando uma matéria e dieles provocam as estudantes, dizendo que são zem ‘vou explicar mais devagar porque vocês frágeis e que só estão no curso de Veterinária são mulheres’, por exemplo”, afirma. “Com para trabalhar em pet shops. “Já presenciei os colegas nunca tivemos nenhum problema, aula na qual o professor disse que a falta de apesar de que alguns professores provocam. interesse das alunas era pelo fato de que elas Mas a gente sabe que conhecimento técnico iriam ser sustentadas por um marido rico”, não tem nada a ver com gênero e sexualidade, então isso não incomoda nem um pouco”, lamenta. Por outro lado, constatou-se que as mulhe- argumenta Olívia.
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Na Faculdade de Matemática da PUCRS (FAMAT), o número de mulheres também é crescente. O curso de Matemática da FAMAT existe desde 1942 e antes havia somente licenciatura. Em 2010, foi criado o Bacharelado em Matemática, e o número de homens aumentou, segundo a diretora da FAMAT, Maria Beatriz Menezes Castilhos. Contudo, o número de professoras do sexo feminino permanece alto: 61,29% são mulheres. “Na matemática, talvez essa desigualdade seja um resquício daquela crença de que os homens têm maior facilidade nos cálculos, o que é uma falácia”, opina Maria Beatriz. A professora possui 33 anos de experiência na faculdade, e tornou-se diretora em 2012. De acordo com a cientista política Teresa Marques, professora de Sociologia no curso de Ciências Sociais da PUCRS, estas discrepâncias nas universidades reproduzem imposições sociais. “Acredito que os custos são mais sociais. Não acho que as instituições de ensino imponham esses custos, principalmente agora com concurso público, etc. Considero que seja mais um custo social de como a mulher se vê, se ela entende que é possível combinar
Marcia Barbosa, diretora do Instituto a vida acadêmica com a maternidade ou a vida em família. É uma questão de como de Física da UFRGS e estudiosa das quesa mulher prioriza a carreira na sua vida”, tões de gênero dentro da ciência, foi pelo destaca Teresa. A professora defende que o caminho oposto. A pesquisadora crê que o problema maior está na sociedade, que ali- fato de a mulher ter de conciliar a carreira com a família é um obstáculo. menta a ideia de que a mulher “Em todas as carreiras o pernão pode conciliar a carreira centual de mulheres diminui profissional com a maternidaAcho à medida que se avança na de, sobretudo. “Não me parece carreira. Isto é verdade na que sejam duas coisas incomque está academia, mas também ocorpatíveis”, coloca. na hora de re no setor empresarial e no Teresa teve uma trajetória meio político. Em 2002 reaatípica das demais mulheres. ocuparmos lizamos uma reunião interna“Desde muito pequena, em vez cargos mais cional de mulheres na física e de me chamar de ‘princesa’, dois problemas ficaram claminha mãe me chamava de altos.” ros: definição das qualidades ‘senadora’. Como nasci num Nathi desejáveis para os postos altos ano em que meu tio-avô era Bittencourt e conciliar carreira e família”, candidato a governador do conclui. Marcia, que revela que Mato Grosso e parecia que ele já foi confundida com secretária em estava à frente nas pesquisas eleitorais, minha mãe me ninava me dizen- comitês, espera avanços para as mulheres do que eu era candidata ao Senado”, conta. na UFRGS nos próximos anos. “O debate Dessa maneira, Teresa cresceu com a con- sobre a questão de gênero foi levantado cepção de que poderia ser o que quisesse, durante a elaboração do Plano de Desenpor mais que não fosse um destino, carreira volvimento Institucional (PDI) da UFRGS. ou profissão que as mulheres costumam Temos expectativas de, na próxima gestão, estabelecer uma Secretaria da Mulher e de escolher.
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O tamanho da diferença O levantamento feito pelo Editorial J é inédito. Realizada a partir de informações que estavam dispersas, a coleta de dados teve como objetivo mapear a distribuição por gênero em algumas das maiores e mais expressivas instituições de Ensino Superior do Estado. A pesquisa exigiu a consulta a sites, mas também o contato com a
Mulheres
Homens
adiministração geral das universidades e das unidades, para compor as tabelas sobre a presença de homens e mulheres como docentes, como alunos em sala de aula e em cargos de direção. As tabelas podem ser acessadas pelo link no QR Code ao lado e usadas como ponto de partida para outras reportagens e levantamentos.
UCS
PUCRS
UFRGS
UFPel
Docentes
46,63%
34,97%
45,56%
48,73%
Alunas
*
48,26%
47,59%
54,31%
Docentes
53,37%
65,03%
54,44%
51,27%
Alunos
*
51,74%
52,41%
45,69%
* Em todos os campi da UCS, o número de alunas excede o de professoras, exceto em Vacaria.
94,74% 44,1%
55,9%
Mulheres
Homens
Homens ainda são maioria no ambiente acadêmico de UFRGS, PUCRS e UFPel.
ampliar o número de pró-reitoras na administração central”, informa. Já a estudante de Jornalismo da UFRGS Nathi Bittencurt, 25 anos, considera que a instituição tem grande parcela de culpa na perpetuação desses costumes e atitudes para com as mulheres. “Não vemos em debate na UFRGS a discussão de gênero, nem sobre mulheres negras. Não vemos discussões sobre as piadas machistas que ouvimos todos os dias de nossos professores. Acho que as reitorias estão perpetuando esse problema. Esse silêncio tem de ser quebrado, e o movimento estudantil contribui para isso”, argumenta Nathi, que desde o primeiro semestre da faculdade se envolveu com o movimento estudantil, tanto na gestão do Diretório Acadêmico quanto na do Diretório Central dos Estudantes (DCE), onde já foi coordenadora-geral. Hoje, Nathi ainda é integrante do DCE, responsável pela coordenação de finanças. A estudante está otimista quanto à situação das mulheres nas universidades. “As meninas querem se organizar nas universidades cada vez mais. Acho que está na hora de ocuparmos os cargos mais altos”, acrescenta.
é o percentual de professoras no curso de Enfermagem e Obstetrícia da UFPel – o maior do levantamento.
93,75%
do corpo docente do curso de Ciências Aeronáuticas da PUCRS é de homens – o mais alto encontrado.
91,27%
é o percentual de alunas no curso de Educação da UFPel – o maior da pesquisa.
94,56%
das vagas do curso de Ciências Aeronáuticas da PUCRS são de homens - a faculdade mais masculina.
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Faça novos cruzamentos e produza outras reportagens.
33,3% das direções das faculdades da PUCRS são ocupadas por mulheres, sendo que a Pro-Reitoria Acadêmica é exercida por uma professora.
42,9% é a proporção de mulheres na direção de unidades na UFRGS, abaixo da concentração de alunas na maior universidade gaúcha, que é de 47,6%.
31,8% das funções de comando na UFPEL são exercidas por mulheres, o menor dos percentuais encontrados no levantamento.
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Onde estão as mulheres Levantamento do Editorial J revela desequilíbrio entre gêneros em quatro universidades gaúchas
PÁGINAS 10 E 11
A alegria das bolhas
Pesadelo da longa espera
Pedofilia no Facebook
Bolheiros promovem evento em Porto Alegre
Desaparecidos crescem 45% em uma década
Homens usam rede social para seduzir meninas
PÁGINA 3
PÁGINAS 4
PÁGINAS 5 A 7
Mia Sodré (1º sem.)
Aline Pacheco, professora na faculdade de Ciências Aeronáuticas da PUCRS, é a única mulher entre os 16 docentes do curso