MARÇO/ABRIL DE 2016 • NÚMERO 22 • FAMECOS/PUCRS • WWW.PUCRS.BR/FAMECOS/EDITORIAL J
Uma vila sem preservação Desinformação leva moradores a alterar arquitetura da Vila do IAPI, conjunto habitacional pioneiro da América Latina e pertencente ao patrimônio da Capital PÁGINAS 6 E 7
História de resistência Annie Castro
Repórteres acompanham luta pelo recomeço e cotidiano de família desabrigada por enchente
Voz contra a ingenuidade Marques Leonam encerra 35 anos de docência em Jornalismo com inúmeros admiradores e lições sobre a profissão PÁGINA 4
Ideias para uma cidade melhor Como três projetos desenvolvem novas tecnologias para aprimorar a qualidade de vida da população de Porto Alegre PÁGINA 5
agência J
Jornal do Laboratório de Jornalismo Convergente da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Avenida Ipiranga, 6.681 Porto Alegre/RS
Um canal sobre direitos
PUCRS Reitor Ir. Joaquim Clotet Vice-reitor Ir. Evilázio Teixeira Pró-reitora Acadêmica Mágda Rodrigues da Cunha FAMECOS Diretor
P O R Nicolle Timm (3º Sem.)
João Guilherme Barone Reis e Silva
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Coordenador do curso de Jornalismo Fábian Chelkanoff Thier Coordenador do Editorial J Fabio Canatta Coordenadora de Produção Ivone Cassol Coordenador do Núcleo Impresso Alexandre Elmi Professores do Editorial J Alexandre Elmi, Fabio Canatta, Flávia Quadros, Ivone Cassol, Marcelo Fontoura, Marcelo Träsel, Silvio Barbizan e Tércio Saccol Alunos editores Angelo Werner, Annie Castro, Bibiana Garcez, Eduarda Endler Lopes, Fabiana Bonugli e Juliana Baratojo Diagramação Eduarda Endler Lopes Alunos Alícia Porto, Analine Broniczack, Ângelo Menezes, Aristoteles da Silva Junior, Caio Santos, Camila Lara, Eduardo Rachelle, Fabiana Bonugli, Fernanda Lima, Filipe Domingues, Juliano Baranano, Kamylla Lemos, Luiz Eduardo Cardoso, Luiz Otávio Pereira, Maria Victória Scalco, Matheus Wolff, Maurício Paz, Miriam Sodré, Nicolas Chidem, Rhafael Munhoz, Rodrigo Brasil, Sara Santiago, Sofia Mello Lungui, Victória
o dia 16 de maio, a Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da PUCRS lançou um novo espaço para a produção de conteúdo de seus estudantes de Jornalismo. A Agência J de Reportagem, coordenada pelos professores da Famecos Fabio Canatta e Juan Domingues, integra a disciplina de Estágio Supervisionado, do 5º semestre, na qual os alunos que estão matriculados e não realizam estágio fora da Faculdade têm a oportunidade de vivenciar, em três dias da semana, as atividades da profissão em uma experiência de redação. A Agência J de Reportagem disponibiliza reportagens com foco no tema direitos humanos, e seu material pode ser reproduzido por qualquer veículo de comunicação profissional ou universitário, desde que citada a fonte de origem. A agência foi criada devido às novas diretrizes curriculares de Jornalismo, homologadas pelo
Ministério da Educação (MEC) em 2013. Semanalmente, nas segundas-feiras, a agência distribui conteúdo por meio de newsletter para jornais impressos e sites do interior do Estado e do centro do país que estão cadastrados em um mailing. As reportagens enfocam a temática direitos humanos sob uma perspectiva regional, embora as abordagens sejam, muitas vezes, comuns à realidade de outros Estados brasileiros. A preocupação inicial era não impactar o mercado, uma vez que a distribuição será feita gratuitamente. Apesar do assunto também ser tratado por outras agências e jornalistas, o professor Fabio Canatta afirma que não existe nenhum veículo dedicado exclusivamente a isso. Os estudantes foram o segundo fator para a escolha da temática, pois eles poderão, ao mesmo tempo, produzir e aprimorar a sua formação como cidadãos. Para Canatta, o mais importante é a experiência dos alunos no desenvolvimento de reportagens. A visibilidade do conteúdo,
Urbani, Vinícius Dutra, Virgínia Fernandes, Vitória Miranda e Wellinton
segundo o professor, é um diferencial da agência. “Ter contato com os leitores, ver a publicação em veículos e a circulação num âmbito profissional, não exclusivamente acadêmico, mas com a supervisão de professores. A visibilidade é a chave”, disse. O Editorial J tem tradição neste tipo de conteúdo, desenvolvendo matérias que mostram temas cotidianos sob um outro ponto de vista. Em operação há cinco anos, o laboratório já conquistou o prêmio de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul em quatro edições.
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Wellinton Almeida (3º sem.)
Almeida. CONTEÚDOS DO EDITORIAL J FamecosCast É uma webradio com programação diária de reportagens, debates, entrevistas, colunas e noticiários ustream.tv/channel/famecos-cast. Twitter, Instagram, Flickr e Facebook Por meio de perfis, notícias e imagens são compartilhadas. Pelo Twitter, no @editorialj. Pelo Instagram, no @editorialj. No Facebook, pelo facebook.com/editorialj. No Flickr, flickr. com/editorialj. Editorial J na TV Telejornal semanal, com pautas temáticas e reportagens sobre assuntos diversos. As edições estão disponíveis em youtube.com/ editorialj. IMPRESSÃO Gráfica Epecê - PUCRS
Laboratório de Jornalismo Convergente da Famecos www.pucrs.br/famecos/editorialj
Matriculados no Estágio Supervisionado, alunos vivem rotinas de uma redação MARÇO/ABRIL DE 2016 - PÁGINA 2
imprensa
“Não sou machista” P O L Ê M I CO, DAVID COIMBRA FALA S OBRE A CA RREIRA N O J O RNALIS MO E D E FE NDE S E U POS ICIONA MENTO Juliana Baratojo (5º sem.)
P O R Eduarda Endler Lopes (4º sem.)
[Federação Nacional dos Jornalistas]. A Fenaj, como sindicato dos jornalistas, é aparelho do PT. Me desfiliei do sindicato dos jornalistas, porque uma vez, no lançamento do meu livro na Feira do Livro, chegou o Schröder, entre outros diretores do sindicato dos jornalistas, ‘não comprem, não assinem Zero Hora’. Vocês querem fechar a Zero Hora? Seis mil empregos. O projeto do sindicato do jornalistas da Fenaj seria fechar a Globo, colocar na rua milhares de jornalistas. Eles têm uma atuação não a favor do jornalismo, mas a favor de um partido. É um troço ridículo. Esse tipo de pensamento, que muitas vezes está permeável nas universidades, é o pensamento que acaba indo, que as pessoas ficam influenciadas por aquilo. Só que quando chegar na realidade, quando começarem a ver como as coisas acontecem, as pessoas vão mudando, se abrindo, vendo que a coisa não é bem assim. E é muito singelo, e ao mesmo tempo fácil, dizeres que é a favor dos pobres, a favor das mulheres, a favor dos negros, a favor dos homossexuais, defender sem nenhuma ponderação, sem nenhum raciocínio.
No 29º Fórum da Liberdade, David Coimbra, jornalista e colunista da Zero Hora, foi um dos convidados do painel de encerramento, chamado “Quem é John Galt?”. No evento, que aconteceu nos dias 11 e 12 de Abril no Centro de Eventos da PUCRS, Coimbra concedeu uma entrevista exclusiva ao Editorial J. Na conversa, falou sobre o fato de morar longe do Brasil, o papel na mídia, o jornalismo contemporâneo e sua crítica ao feminismo. Confira abaixo trechos da entrevista. J - Atualmente, moras em Boston. A distância interfere na tua percepção dos fatos que ocorrem aqui no Brasil? David Coimbra - Tem uma certa vantagem. O distanciamento faz com que, primeiro, eu tenha todas as informações por causa do desenvolvimento das comunicações, da internet. Tenho todas as informações do que acontece no Brasil, o que me dá certa sensibilidade. O distanciamento também é bom, pra mim, porque não tenho influência, por exemplo, no dia a dia, da pessoa que fica de cara feia porque tu escreveste alguma coisa de que ela não gostou. Isso me dá certa independência. J - Ao pensar sobre o papel que cumpres na mídia, achas que tens o poder de influenciar opiniões? Coimbra - Acho que muito pouco. Se a gente for ver na mídia, no Facebook, há um supermercado de opiniões, cada um tem a sua. As pessoas dificilmente mudam de opinião por causa de alguma coisa que elas leem. Tanto que assim, em geral, o elogio que recebo é ‘bah, gostei, é exatamente isso que penso’. As pessoas gostam quando tu escreves alguma coisa com a qual elas concordam, nunca vão dizer ‘tu mudaste a minha forma de pensar’. Muito raro de acontecer isso. Não formo opinião nem da minha mãe. J - Trabalhaste por muito tempo somente na área de esporte e fazia isso com excelência. O que te fez sentir vontade de escrever sobre outros assuntos? Coimbra - Sempre escrevi sobre todos os assuntos. Também trabalhei na política por muito tempo. Trabalhei em todas as editorias, praticamente. Tenho vários interesses. Tenho vontade de escrever.
Colunista esteve na PUCRS durante o 29º Fórum da Liberdade de, não são os trabalhadores pobres, a não J - Tuas opiniões, muitas vezes, ser aqueles que se mobilizam por conta de são polêmicas. Tens ideia da amplientidades, como a CUT, o MST etc. São os tude da polêmica gerada por elas? intelectuais que defendem porque é uma Acompanhas as reações nas redes ideia cara a eles, essa ideia de governo sociais? que defende pobre. Não defende pobre Coimbra - Acompanho. Hoje em dia coisa nenhuma. Pelo contrário, os pobres a gente está muito acessível. Então tem estão sendo prejudicados. Esse governo e-mail, Facebook, um monte de possibitem pessoas que o defendem. lidades que as pessoas têm E isso nunca aconteceu no pra dizer qual a opinião delas Brasil. Em geral, o saudável sobre a tua opinião. Acabo, para uma democracia é que o obviamente, sabendo e tendo Os governo não tenha essa visão uma noção de como repercutiu de defensor dos pobres. Pelo aquilo que disse. jornalistas contrário, o cidadão deve ter são sempre uma distância do governo, J - As ideias de algumas até para fiscalizar. das tuas colunas são receiguais.” bidas com resistência por David J - Este tipo de reaalguns alunos de JornalisCoimbra ção é um sinal do tipo de mo. Tens noção disso? jornalismo que estás praCoimbra - A gente sabe ticando hoje ou um indício exatamente como as coisas do tipo de jornalista que está vão se comportar, como as em formação? pessoas de determinado nicho da sociedaCoimbra - Os jornalistas são sempre de vão se comportar. No caso das univeriguais. Sobretudo, o jornalista é muito sidades, as pessoas estão, nesse momento, suscetível a esse tipo de pensamento. Esse são muito ligadas, por exemplo, ao PT. O pensamento ‘de esquerda’. Quer ver uma PT entrou nas universidades, nas igrejas, coisa, vou pegar um professor de faculdade. nas ONG’s, nas organizações. A gente vê: O [Celso] Schröder, presidente da Fenaj quem defende o governo é a intelectualida-
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J - No texto A Morte de Juraci, foges da temática da morte da telefonista, mas a usa como pretexto para criticar o neofeminismo, que inclui justamente uma luta contra o feminicídio. Não achas que criticar toda a forma de feminismo não acaba incentivando a violência de gênero? Coimbra - Não sou contra o feminismo. O que critico é um feminismo de intensão. Sou a favor, por exemplo, de penas mais duras pra quem comete crimes contra mulheres, que são, obviamente, fisicamente mais fracas, são mais suscetíveis à opressão e até à agressão física. Sou a favor de tudo isso aí, que são causas. Mas tu não podes transformar uma luta pela igualdade em suposições de intenção ou de pensamento. Tipo assim, isso que tu estás fazendo, tu pensas isso, tu tens intenção de ser machista. O presidenta da Dilma, por exemplo, não tem cabimento. Nunca ninguém fala presidenta em lugar nenhum. Presidente é neutro. O presidente. A presidente. É claro que isso é uma besteira, mas é uma besteira irritante. Disse isso pra ela. É errado. Não é que seja errado gramaticalmente, mas é errado usares um termo que ninguém usa. Uma forçação de barra pra dizer que, quando tu chamas uma mulher de presidente, tu estás sendo machista. Não sou machista. É o presidente, a presidente.
história jornalismo
Lições do mestre
EM 35 ANOS DE SALA DE AULA, LEONAM SEMEOU ENSINAMENTOS A REPÓRTERES POR Cristiano Braga Duarte (8º sem.)
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personagem quase caricato. Quando mostrei o material para o Leonam, ele foi sensacional. Ouviu a história com um sorriso no rosto, sem interromper, e disse: ‘Tu já és uma repórter!’”, conta Juliana Bublitz, repórter de Zero Hora. Leonam ensinava o repórter a ser persistente e a sentir gosto pela rua, na busca por fatos e histórias. Alguns alunos de Leonam chegavam a suas disciplinas ainda meio perdidos em relação à atuação de um repórter e encontravam no mestre uma fonte de inspiração. “Tive a oportunidade de ter aula com o Leonam em uma época que estava bem pessimista em relação ao jornalismo. Isso até eu ter minhas aulas com ele. Era um professor realmente que estimulava uma subversão naquilo que escrevíamos. Jornalismo, para ele, tem de contestar, dar a cara tapa e incentivar a reflexão. Meu entusiasmo com o curso de jornalismo foi renovado nas aulas deste jovem senhor”, relembra Lucas Etchenique, assessor em comunicação. Leonam criava laços de amizade com seus alunos. Apesar de humorado, sabia ser exigente e cobrar por compromisso e seriedade, mas com paciência e serenidade. Pelos corredores, fazia questão de cumprimentar cada aluno de forma calorosa. Sabia do valor
de cada aprendiz e reconhecia um futuro repórter pela inquietação e pela vontade em aprender. Por mais de 20 vezes, foi escolhido como paraninfo nas formaturas de Jornalismo na Famecos. O carinho e a admiração são os frutos colhidos pelas lições que mudaram a vida de alunos, repórteres e jornalistas. O jornalista Bruno Felin diz dever a Leonan o fato de conseguir se ver como repórter, dedicado a um ofício por toda a vida. “As referências que ele trazia, o chamado ‘crème de la crème’, nos levavam a um passado distante da realidade atual, das redações, mas ainda possível, que deveria sempre ser buscado. Apuração, qualidade ortográfica e de inspiração. Como ele sempre diz: ‘O leitor tem que abrir a matéria e dizer ‘puta merda!’”, explica Bruno, repórter de Zero Hora. As aulas do professor Leonam acendiam a identidade do jornalismo nos alunos. Quando levantava as suas surradas edições da revista Realidade, como um troféu, era possível ver o romantismo que falta ser vivenciado nas redações atuais. Os repórteres que foram alunos de Leonam seguem na busca por essa visão ideal em suas reportagens, mesmo que talvez não seja alcançada na maioria das vezes. É preciso ao menos tentar.
Gilson Oliveira/Ascom/PUCRS
entro das redações, o nome de Marques Leonam Borges da Cunha é venerado por ex-alunos. Por vezes, citar o professor Leonam na formação acadêmica de um repórter funciona como uma espécie de carteiraço no currículo. Apaixonado por grandes reportagens, por manchetes incríveis e, principalmente, por ensinar, suas lições são lembradas na hora de vencer o desafio de uma apuração. Ele decidiu se aposentar no segundo semestre de 2015, mas segue plantando ensinamentos com palestras e dicas sobre como fazer jornalismo autêntico. As disciplinas de Redação Jornalística e de Aprofundamento de Texto, ministradas por Leonam, durante 35 anos, propunham desafios constantes em textos e títulos aos alunos. Durante as aulas, aplicava regras que chamava de Leis Leonam. A fundamental, entre elas, era relacionada com a inquietação constante que um bom repórter tem de ter. “Ou o cara é repórter ou é ingênuo. Não pode ser simultaneamente a mesma coisa. Não existe padre ateu”, dizia em suas aulas. Adjetivar também era prática imprópria nas Leis Leonam. Para contar uma boa história, não basta dizer “o que acontece”. “Se volto da Festa da Bergamota e escrevo que estava ótima, não estou dizendo nada. Mas se eu voltar dizendo que havia uma lagoa do tamanho da Baía de Guanabara com jovens praticando windsurf em ondas de oito metros de altura de calda de laranja de umbigo, aí sim o leitor vai tirar suas próprias conclusões”, justifica. Para Humberto Trezzi, repórter de Zero Hora, com mais de 30 prêmios, ter aulas com Leonam foi um estímulo. “Me marcou quando ele pediu um texto sobre ditadura militar. Fiz comparando as estrelas nos ombros dos generais com as do céu sobre o Brasil, ironizando a vaidade dos militares. Fui muito elogiado, chegou a dizer que eu estava com o texto pronto. Fiquei intimidado. Na próxima aula não consegui aprontar um novo texto. Aí ele teve uma longa conversa comigo, explicando que a gente não é artista, que jornal é linha de produção e que jamais um repórter deve empacar na busca do melhor texto”, conta Trezzi. A checagem de conteúdo de reportagem também era outra Lei Leonam imprescindível. “Mesmo que minha fonte se chame José da Silva, isto tem que ser checado. Pode ser que o nome do cara seja ‘Jooszeh da Syllwa’”, descreve Leonam. O cuidado se desdobrava em um ensinamento claro: olhos atentos para qualquer imperfeição. Suas palavras também tinham a capacidade de provocar. “Tecnicamente, o Leonam te fazia fugir do convencional. O mais simples lead, ou ‘leadão’, como costuma chamar, precisava estar carregado
não apenas de informação, mas também de emoção, de algo que capturasse o leitor instantaneamente. E cada parágrafo subsequente necessitava cumprir papel semelhante, complementar e ao mesmo tempo único”, explica Tiago Vasques, assessor de imprensa. O bom humor estava sempre presente nas aulas de Leonam. O professor praticamente encarnava um personagem para divertir e prender a atenção de seus alunos. Carregado por um bairrismo e um monte de histórias nas quais era um herói, exaltava sua cidade natal. Para ele, Uruguaiana, Santana do Livramento ou Bagé pertencem à Grande Alegrete. Além da notícia, o mestre ensinava aos alunos como aproveitar ganchos para contar boas histórias. “Um dia, decidi ir até o Acampamento Farroupilha, em Porto Alegre, atrás de uma boa história. Encontrei um velho gaúcho, que havia percorrido centenas de quilômetros desde a Fronteira em uma carroça caindo aos pedaços. O homem havia trazido para a Capital um galo consigo. Perguntei: por que o senhor fez questão de viajar com o galo? O gaudério, muito sério, respondeu: ‘Ué, porque não podia ficar sem relógio!’. Escrevi um texto longo, cheio de detalhes, sobre aquele
Professor cativou gerações com aulas em que misturava História e Jornalismo MARÇO/ABRIL DE 2016 • PÁGINA 4
tecnologia
Cidadãos pela cidade P O RTO -A L E GRE NS E S RE ALIZ AM P ROJETOS E MOBILIZA ÇÕES PA RA ME L H O RA R COM TE CNOLOGIA A VIDA URB A NA NA CA PITA L P O R Amanda Fialho (7° sem.)
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é morador de Porto Alegre. “Como somos de uma Rede, acreditamos que somos moradores do mundo e não de um lugar específico”, complementa Carolina. Pensando em possíveis melhorias para a mobilização urbana em Porto Alegre, a startup Wigo, incubada na Raiar – Incubadora de Empresas da PUCRS, foi criada pelo estudante de marketing da PUCRS Flávio Palma Pereira. A ideia para o aplicativo desenvolvido pela startup surgiu em 2010, a partir da necessidade de facilitar o uso do serviço de transporte público da Capital para quem não tem acesso à informação. “A ideia que tivemos de necessidade foi ‘tenho que chegar num lugar e não sei como’. Em 2010, não existia nenhuma solução”, explica Pereira. Após um processo de amadurecimento da ideia e de desenvolvimento do aplicativo, durante um evento do Startup Weekend 2012 na PUCRS, se chegou ao resultado atual: um aplicativo para Android que é alimentado pelos usuários e, com o uso continuo, fica cada vez mais inteligente. “Elas (as pessoas) vão adicionando informação como o Waze (aplicativo de navegação para smartphone alimentado em tempo real pelos usuários) faz, e quando tu fores pesquisar pelo destino o app vai traçar várias rotas, só que irá te indicar a melhor”, afirma o criador.
Wellinton Almeida (2º sem.)
m uma época em que mais de 50% da população brasileira tem acesso à internet, não é surpreendente que movimentos sociais ou mobilizações surjam nos ambientes digitais com o objetivo de promover melhorias na vida urbana. Uma parte dos envolvidos nestas movimentações está concentrada na capital do Rio Grande do Sul, como é o caso de Carolina Soares, Daniel Gandolfi e Flávio Palma Pereira, três moradores da cidade que utilizam seu conhecimento profissional ou alma empreendedora para auxiliar o desenvolvimento do lugar onde moram. A startup Mandíbula, criada em maio de 2015, foi idealizada pelo publicitário Daniel Gandolfi, que uniu sua experiência de mercado com análise de pesquisa digitais e redes sociais para criar uma empresa que realiza pesquisas de smart data. “A ideia da startup é mostrar que existe interação entre a pesquisa digital e o mundo real”, afirma Gandolfi. Mesmo se tratando de um empreendimento focado em pesquisas para empresas de âmbito internacional, nacional e regional, a Mandíbula também realiza análises próprias com o intuito de destacar possíveis melhorias para a capital gaúcha. Um exemplo é uma das últimas pesquisas divulgadas em 2015 pelo seu perfil no Facebook, que se propôs a captar as vibrações de um carro popular que percorria as principais vias de Porto Alegre. O intuito era analisar quais eram as ruas mais problemáticas para os condutores. O levantamento apontou a avenida Assis Brasil como pior via para os motoristas da cidade. Para realizar a pesquisa, um sensor de vibrações foi instalado na parte traseira de um carro 1.0, que se movimentava em velocidade constante nas principais vias da Capital durante a manhã de um domingo, para evitar o tráfego. O medidor calculava o intervalo de tempo, em milissegundos, em que o pino de um sensor levava para ir de uma posição a outra, calculando assim as vibrações durante o percurso. “Para essa pesquisa, o insight foi que todos dentro da startup são motoristas que consumiam mídia e estavam sempre consumindo notícias de tragédias no trânsito”, explica o diretor da startup. Outro caso de como a criatividade pode auxiliar na melhora da capital gaúcha é o de Carolina, formada em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Ela teve a iniciativa de inscrever Porto Alegre na seleção de turmas para o projeto da Rede Nossas Cidades, que, após receber um prêmio de impacto social da Fundação Google, conseguiu re-
pessoas concordam, o responsável no deplicar sua ideia para outras nove cidades partamento de urbanismo por iluminação brasileiras. A Rede é responsável por platada via vai receber 500 e-mails na caixa de formas digitais que permitem que pessoas entrada dele. Mesmo não estando em pleproponham ideais em seu município e teve na atividade, a plataforma já começou a laninício no Rio de Janeiro com o Meu Rio. çar mobilizações online e recebeu uma média “A primeira turma de inscritos teve 130 de dez propostas de ações de inscrições de 76 cidades, e moradores da cidade”. Porto Alegre foi uma das seCarolina afirma que quem lecionadas”, afirma Carolina, terá foco principal durante as uma das sócias responsáveis A ideia é mobilizações será o morador pela realização da plataforma que o proque a lançou. “Não queremos Minha Porto Alegre. aparecer, a ideia é que o proAs plataformas da Rede, a tagonismo tagonismo seja das pessoas qual pertence o Minha Porto seja das que propõem a mobilização. Alegre, contam com uma vaEntão, se tu pressionares, riedade de ferramentas que pessoas.” tu verás que quem responderá possibilitam um uso paralelo Carolina teu e-mail será o Augusto que de mobilizações online e offliSoares é quem propôs a mobilização ne. Como atualmente o Minha do Menino Deus”, explica. Sua Porto Alegre ainda está em fase primeira atividade, realizada no início de finalização, a ideia inicial é de novembro, foi uma Panela de Pressão para que, no momento, a Capital conte com quatro a instalação de uma sinaleira no cruzamento destas ferramentas. Uma delas é a Panela das ruas Dona Augusta e Miguel Couto, onde, de Pressão, na qual uma pessoa expõe uma no mês de outubro, ocorreu um acidente seproposta de melhoria para o seu bairro ou rua guido de morte após uma colisão entre um e pode receber o apoio de outras pessoas carro e uma lotação. A iniciativa partiu dos que concordem com sua reclamação para moradores do bairro, que aderiram compleentão a autoridade responsável ser notitamente à ideia da plataforma, onde qualquer ficada, como explica Carolina: “Se falta pessoa pode participar, até mesmo quem não iluminação no teu bairro e outras 500
Avenida Assis Brasil, considerada pelo levantamento como pior via para os motoristas de Porto Alegre MARÇO/ABRIL DE 2016 • PÁGINA 5
urbanismo
Falta de cuidado VI L A DO IAP I VIVE E M CONS TANTE MUDA NÇA , A PES A R DE S E R PATRIMÔNIO H IS TÓRICO DE PORTO A LEGRE POR Caio César Spillere (6º sem.)
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a volumetria e a fachada. Os estudos sobre a Vila do IAPI ocupam um armário inteiro na sede da EPACH. Uma das pastas – entre as maiores do depósito – trata do inventariado, que analisou e listou a atual condição de todos os prédios do bairro. Dos 608 imóveis, 12% tem o dever de manter a volumetria do prédio. Pode ser construído um novo imóvel no local, desde que respeite as mesmas medidas do original, sem interferir visualmente. Já os outros 88% precisam manter as fachadas originais, além de estarem proibidos de construir garagens, novas áreas externas ou qualquer outra alteração aparente. O documento que oficializa a Vila do IAPI como área de interesse cultural foi encaminhado pela EPAHC em 2012 à Prefeitura de Porto Alegre. Desde então, entretanto, ao contrário do que se podia imaginar, vêm acontecendo mais alterações, como construções de garagens e
Camila Lara (3º sem.)
ra 1953 quando o então presidente Getúlio Vargas veio a Porto Alegre inaugurar o Conjunto Habitacional Passo d’Areia, obra financiada pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI). Nascia, naquele momento, a Vila do IAPI, o maior e mais antigo condomínio da América Latina. Desde então, o local tornou-se uma referência arquitetônica e sentimental na Capital, tendo seu estilo urbanístico repetido em construções que se espalharam pelo continente. As 2.533 unidades habitacionais são capazes de abrigar pelo menos 15 mil pessoas – se fosse uma cidade, teria uma população maior do que 274 dos 496 municípios do Rio Grande do Sul. Ao longo destes 63 anos, não foram poucas as alterações feitas por todos os moradores que já passaram pela Vila. Para evitar as intervenções, os prédios foram inventariados pela Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (EPAHC) na década de 1990. Contudo, o local continua rodeado por reformas irregulares e por muita desinformação – até hoje, a região padece com a carência de instruções de preservação da prefeitura, em relação as suas obrigações. O tempo de moradia não é garantia de conhecimento, pois até mesmo os moradores mais antigos não sabem explicar o que precisa ser preservado no bairro. Edina Fell trabalha há 12 anos na Biblioteca Edvaldo Pereira Paiva, no coração da Vila do IAPI, em frente ao também histórico parque Alim Pedro. “Acho que os prédios foram tombados, mas por aqui poucos parecem se preocupar em preservar o patrimônio”, comenta Edina, sem muita certeza se essa é a informação correta. Um homem que passava para devolver um livro interrompe a conversa da moradora com o Editoral J apenas para deixar registrada uma ponderação: “Esses ‘puxadinhos’ acabam com o charme do nosso bairro”. A dúvida sobre o que deve ser preservado é recorrente entre as pessoas que habitam o bairro histórico. Outra moradora, que preferiu não se identificar, vive no local há oito anos. A fachada do edifício em que vive já não pode mais ser vista, devido à construção de uma garagem e à instalação de uma grade maior. O piso da área externa também foi trocado por azulejos mais reluzentes. Ela não vê
arquitetos e historiadores preocupados irregularidade em seu prédio: “Quando em preservar a região. Todos os imóveis cheguei aqui, observei que todo mundo já foram analisados em detalhes e divididos tinha feito uma garagem, então fiz tamem categorias, conforme a proximidade bém. Não tem nenhum aviso me dizendo com a construção original. A historiaque isso não poderia ter sido feito”. dora Marli Rejani Pereira, O mesmo acredita outro da EPAHC, explica que o morador, que há cerca de dez conjunto habitacional não anos mudou-se para a vila. Poucos foi tombado, mas sim invenEm cima da garagem, consparecem se tariado. truída junto ao prédio, existe O tomb a men to ga ra n ainda uma área de lazer, com preocupar te a preservação total de a tradicional churrasqueira, em presevar algo, assegurado pela Lei do tão comum às residências Tombamento, a Lei Comno Rio Grande do Sul. “Não o patrimôplementar 275/1992. Pode sei se o IAPI é tombado ou nio.” tratar não só de imóveis, mas não, mas acho que não, portambém de espaços urbanos. que todo mundo aqui faz Edina Depois de tombado, nada alterações e nunca teve neFell pode ser modificado, tampouco nhum problema com relação demolido. Por outro lado, o prédio a isso”, afirma o morador, inventariado está sujeito a mudanças inque também preferiu não se identificar. ternas, ficando mais aberto a alterações. Desde o início da década de 1990, A principal questão, neste caso, é manter a Vila do IAPI tem sido observada por
Deterioração e falta de sintonia entre os elementos arquitetônicos descaracterizam edifícios MARÇO/ABRIL DE 2016 • PÁGINA 6
Wellinton Almeida (3º sem.)
novas áreas externas de lazer, feitas pelos ridade ou uma necessidade de ajuste, assim próprios moradores. A região está em como não oferece recursos para que os residentes possam realizar as intervenções constante mudança. A equipe que cuida do patrimônio his- recomendadas. A preservação da Vila do IAPI não intetórico reconhece a dificuldade de manter vistorias e checar se as determinações após gra nenhuma estratégia de planejamento, o inventário têm sido respeitadas. Marli de construção – como o Plano Diretor – ou Pereira se chateia ao falar do caso, que de execução de obras públicas da cidade. Os únicos que podem reforcoloca em xeque a missão do má-la são os moradores. Se órgão em que trabalha. “Não quiserem fazer isso, é necestemos pessoal para fiscalizar sário procurar a orientação da todos os pontos de interesNão EPAHC e saber o que já está se cultural de Porto Alegre, temos pré-determinado. A equipe dependemos do bom senso informa o material que preda comunidade”, afirma a pessoal cisa ser usado e auxilia para historiadora. Em 2012, foi para a obra não descaracterizar o produzida uma cartilha para patrimônio. os moradores explicando em fiscalizar.” Todo o processo para transdetalhes o que deve ser preMarli formar a Vila em patrimônio servado. O material jamais Pereira histórico é relativamente recencirculou pelo IAPI, atrapate, iniciou por volta de 1990 e foi lhando a conscientização finalizado em 2012. Muitos prédios sobre as ne c e ssi d a d e s d e já estavam totalmente modificados quanpreservação. A revitalização, por outro lado, é de do ocorreu o inventário do município. A responsabilidade dos proprietários dos imó- historiadora da EPAHC admite que manter veis. Apesar de ser patrimônio da cidade, o IAPI dentro de sua originalidade é tarefa os prédios ainda são privados e pertencem impossível. Por outro lado, estar inventariaàs pessoas, que são as responsáveis por fi- do seria garantia de preservar o que resta. nanciar as eventuais obras de manutenção. Sem manter os moradores corretamente A prefeitura não tem o poder de alterar as informados sobre quais são os limites, conconstruções, caso detecte alguma irregula- tudo, a região ruma ao sucateamento.
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Wellinton Almeida (3º sem.)
Falta de supervisão propicia reformas e quebra do estilo originalmente planejado para Vila do IAPI
Camila Lara (3º sem.)
O povo na rua
O Editorial J esteve presente nas manifestações contra e a favor do impeachment, na Praça da Matriz e no Parcão, no dia 17/04. A votação da
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permanência ou não da presidenta Dilma Rousseff era assistida fervosoramente como se fosse uma partida de futebol. Os eventos ficarão na história da Capital. Annie Castro (4º sem.)