Editorial J - número 13 - outubro/novembro de 2013

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OUTUBRO/NOVEMBRO 2013 • NÚMERO 13 • FAMECOS/PUCRS • WWW.PUCRS.BR/FAMECOS/EDITORIALJ

Olhos da ditadura

Caroline Ferraz (5º sem.)

Ex-agente do Dops conta como espionava alunos e professores considerados “subversivos” e produzia documentos (ao lado) para sistema de repressão. PÁGINAS 6 A 8

Um destino para o MST

Terceirização em debate

Atual cenário brasileiro leva trabalhadores sem terra a buscar novos caminhos para o movimento.

Proposta de Emenda Constitucional traz à tona a discussão sobre como a prática pode prejudicar o trabalhador.

PÁGINA 3

PÁGINAS 4 E 5

Jornalismo colaborativo colaborativo Experiência do jornal

A Voz da Comunidade Experiência do jornal aponta saídas para Voz da Comunidade o financiamento da aponta saídas para imprensa. financiar a imprensa. PÁGINAS 10 E 11


Jornal mensal do Laboratório de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Avenida Ipiranga, 6681 Porto Alegre/RS PUCRS Reitor Ir. Joaquim Clotet Vice-reitor Ir. Evilázio Teixeira Pró-reitora Acadêmica Solange Medina Ketzer FAMECOS Diretor João Guilherme Barone Reis e Silva Coordenador do curso de Jornalismo Fábian Chelkanoff Thier

papo de redação

Olhar contínuo Quatro fotógrafos, quatro visões diferentes e aprimoradas sobre pautas especiais. O núcleo de fotografia do Editorial J está desenvolvendo projetos fotográficos independentes. A intenção

é acompanhar o tema escolhido livremente, por um período maior. Este trabalho aguça o olhar pela imersão em apenas um assunto, possibilitando outras abordagens e um recorte mais rico

da história a ser contada. Outro ponto positivo do método é a convivência maior com a comunidade retratada. A rotina de registros das imagens aprofunda o material jornalístico.

Coordenadora do Espaço Experiência Denise Avancini Coordenador do Editorial J Fabio Canatta Coordenadora de produção Ivone Cassol Projeto gráfico Luiz Adolfo Lino de Souza e Núcleo de Design Editorial/ Espaço Experiência Professores responsáveis Alexandre Elmi, Fabio Canatta, Flávia Quadros, Ivone Cassol, Marcelo Träsel, Marco Villalobos, Paula Puhl, Rogério Fraga e Tércio Saccol

1 Gabriela Pedroso (1º sem.): “Pretendo mostrar um lado de Porto Alegre que poucos conhecem. Histórias de pessoas que vivem em áreas remotas, de difícil acesso.”

Alunos editores Anna Cláudia Fernandes, Bibiana Dihl, Caroline Ferraz, Douglas Roehrs, Thamíris Mondin e Victor Rypl Alunos repórteres Alysson Mainieri, Ana Carolina Lopes, Angelo Passos, Augusto Lerner, Bárbara Benini, Betina Carcuchinski, Bruna Lodi, Bruna Zanatta, Daniel Fraga, Denise Tamer, Diego Silva do Amaral, Eduarda Domingues, Emílio Camera, Evelin Peitz, Evelyn Heinrich, Fernanda Tatsch, Fernando Bacoff, Flávia Drago, Francielly Brites, Gabriel Araújo, Gabriella Monteiro, Gabriel Palma, Gabriela Pedroso, Giovanna Pozzer, Guilherme Almeida, Helena Pacheco, Iasmine Lopes, Jéssica Guedes, João Arroque Lopes, João Praetzel, Julli Massena, Júlia Bernardi, Júlia Zago, Juliana Forner, Kalwin Vieira, Leonardo Ferri, Leonel Martins, Lívia Hetzel, Lucas Ferreira, Mariana Lubke, Mariana Romagna, Mariane Freitas, Marina Spim, Melanie Albuquerque, Nícolas Pasinato, Nicole Franzoi, Nicole Loss, Paola Marcon, Paola Pasquale, Patricky Barbosa, Paula Menezes, Priscila Marques, Priscila Nunes, Ricardo Miorelli, Rodolfo Anselmo, Shana Sudbrack, Thiago Rocha, Yasmin Luz.

2 Emílio Camera (3º sem.): “Remontar a ainda breve história da Casa Verde, é, também, contar a minha história e a minha rotina, de forma natural e transparente.”

3 Guilherme Almeida (4º sem.): “Nas primeiras sessões que fiz, pude notar que o skate de rua enfrenta barreiras, principalmente os riscos do trânsito.”

Impressão: Apoio Zero Hora Editora Jornalística

Laboratório convergente da Famecos www.pucrs.br/famecos/editorialj

4 Caroline Ferraz (5º sem.): “Carnaval não é apenas dois dias de desfile. Mais do que festa, o evento compreende um estilo de vida para aqueles que ensaiam.” OUTUBRO/NOVEMBRO DE 2013 • PÁGINA 2

Marca da história O calendário reserva para 2014 uma efeméride nada agradável. O ano da Copa do Mundo no Brasil também será o do cinquentário do golpe que levou os militares ao poder em 1964. O Editorial J planeja, para os próximos meses, conteúdos dedicados à reflexão aprofundada sobre os significados do regime que suspendeu a democracia por 21 anos, violentou a geração que enfrentou o arbítrio e retardou o amadurecimento institucional do país. O selo acima será a marca usada na cobertura convergente preparada pelo laboratório. Nesta edição, por exemplo, duas reportagens retratam histórias ligadas à época. As alunas Anna Cláudia Fernandes (8º sem.) e Thamíris Mondin (4º sem.) entrevistaram um ex-agente do DopsRS, o departamento de repressão e bisbilhotagem montado pela ditadura. Escobar, codinome do policial, resolveu revelar detalhes do sistema de vigilância montado para perseguir aqueles que eram considerados “subversivos” em universidades. A repressão também deixou marcas transformadas em arte de resistência. A aluna Cândida Schaedler (6º sem.) mostra a obra poética de Henrique do Valle, sobrinho de Jango, que morreu aos 22 anos e produziu uma poesia angustiada pelo trauma com a perseguição golpista à família. Boa leitura.


campo

O novo terreno do MST COM TRÊS DÉCADAS DE LUTA PELA TERRA, MOVIMENTO BUSCA BANDEIRAS ALTERNATIVAS Caroline Ferraz (5º sem.) P O R Bruna Zanatta (2º sem.) e Júlia Bernardi (2º sem.)

P

restes a completar 30 anos, um dos movimentos sociais de maior evidência na história do país rediscute suas bandeiras e reivindicações. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) enfrenta um novo cenário no interior do Brasil. O bom momento da agricultura adia a reforma agrária na agenda política. Os programas visando a erradicação da miséria do governo federal e a geração de empregos provocada pelas obras da Copa do Mundo de 2014 são uma opção para aquelas famílias que passam por dificuldades nos acampamentos. Reagindo a tais desafios, os sem-terra incrementam seu discurso e buscam uma nova abordagem para questões já bastante conhecidas. Atualmente com 87 mil famílias acampadas, o MST acrescenta à luta pela democratização da propriedade de terra, a preocupação com a organização da produção. A saúde dos alimentos, a proibição Em recente ocupação na Capital, sem-terra defenderam questões mais amplas que acesso à propriedade do uso de sementes transgênicas, o na cidade paranaense de Cascavel, salta o papel do Incra em distinguir transformado em um órgão obsopolítico que lhe estava reservado, respeito à natureza e a luta contra encabeçou lutas e conquistas que territórios públicos de privados, leto e sem recursos. “É uma tapera isto é, transformar-se na grande a desnacionalização de terras tammudaram a vida de milhares de trabalho necessário para organizar velha”, declara. organização política dos pobres do bém entram em discussão. Para pessoas. O MST orgulha-se de ter todas as outras políticas. O instituto De fato, o número de famílias campo”, diz. O movimento perde o João Pedro Stédile, um dos líderes auxiliado mais de 400 mil famíaparece em diversas situações para assentadas pelo Incra vem caindo apoio do tripé Igreja Católica, came fundadores do movimento, as lias na conquista de uma área em resolver conflitos de terra. desde 2006, quando eram mais de po petista e setores da sociedade novas bandeiras são uma resposta que pudessem produzir e viver Cerca de 55 mil famílias estão 136 mil. Em 2012, o número não urbana, e os recursos diminuem às mudanças na agricultura brasidignamente. Estima-se que 80% inscritas como candidatas no passou dos 23 mil. Roberto Kiel, na mesma proporção em que se esleira, que impulsionou o Produto das áreas de assenPrograma Nacional assessor parlamentar e de Relações vai a popularidade, de Interno Bruto (PIB) tamentos instituídos da Reforma Agrária Internacionais do Incra, associa o acordo com Navarro. do segundo trimesnos últimos 10 anos (PNRA), porém, o fato ao baixo orçamento destinado Stédile lembra da tre com uma alta de Veja a galeria de fotos passaram por um debate da questão à obtenção de terras. O orçamento expectativa dos movi3,9%. Segundo ele, o de uma ocupação do O MST processo de ocupação estatística, para Kiel, de 2013 chegou a R$ 720 milhões, mentos sociais quancrescimento do PIB MST em Porto Alegre feita pelos sem-terra. é um tanto vazio, mas o valor máximo por imóvel to à chegada de Lula agrícola não se renão soube Sobre o destino pois depende muito pode alcançar R$ 140 mil, depenao governo, que teria flete na sociedade e ler a condo maior movimento da maneira como o dendo da região. “Desapropriações prometido, ainda em beneficia poucos. “A social do país, Stédile cálculo é realizado. litigiosas são poucas. A maioria das campanha, resolver a sociedade precisa de juntura.” diz estar diretamenEle estima que 120 terras destinadas à reforma provém questão agrária “com uma agricultura que te ligado às decisões mil famílias, ligadas de agricultores que têm interesse uma canetada só”. produza alimentos Zander Navarro adotadas por sua a diversos movimenem vender sem precisar pagar imMas entende que o ex sadios, que gere embase, os trabalhadores tos sociais, estejam posto”, explica. -presidente só chegou pregos e traga o dedo campo. Para ele, a mobilizadas, não neEm 43 anos, o órgão assentou ao comando da República senvolvimento para maior conquista de um movimento cessariamente acampadas, pela mais de 1,2 milhão de famílias em devido a uma coalizão de forquem vive no campo. social “é conseguir desenvolver a reforma agrária. Para o MST, o 87 milhões de hectares, o equivaças, o que resultou em um governo Essa é a única proposta que tem consciência crítica de sua base sonúmero passa dos 150 mil. O molente aos territórios da Espanha e de composição de classes, que gera futuro”, completa. cial, estimular o povo a se organizar, vimento comprometeu-se a entredo Japão juntos. Para Kiel, esses apenas pequenas vitórias. Sociólogo e professor aposentapensar e se comportar de acordo gar ao governo seus 87 mil nomes números só tendem a diminuir: Essa aliança, segundo Stédile, do da UFRGS, Zander Navarro afircom sua consciência de classe”. Com (apenas dos acampados ligados ao “Vejo a reforma agrária perdendo interfere no trabalho do Instituto ma que a história do movimento é novas bandeiras, reformulado, o movimento sem terra). seu aspecto massivo e incorporanNacional de Colonização e Reforma positiva, mas se apaga lentamente. movimento continua no campo – Nessas quase três décadas, o do um tema de qualificação”. Além Agrária (Incra), responsável pela “O MST não soube ler a conjuntura mas já entrou para a história. movimento, que surgiu em 1984, da distribuição de terras, Kiel resdistribuição de terras, e teria se e não se adaptou para um novo jogo

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emprego

Pêndulo da terceirização C ON S AG RA DA N O S A N OS 90, CONTRATAÇÃO DE TE RCEIROS CRESCE NA ESTEIRA DO I M PU L S O E C O N Ô M I CO, MAS S E GUE S E M LE IS CLARAS DE REGULA MENTA ÇÃ O a situação: “Fazem isso como forma de reduzir os seus custos com mão de obra. Pagam à empresa prestadora uma quantia stá em debate no Congresso naciomenor do que aquela que pagariam diretanal um projeto de lei (4.330/04) mente ao trabalhador caso o admitissem. que propõe a regulamentação da Partindo deste valor já defasado, a empresa terceirização no Brasil. O texto represtadora retira o seu lucro. O que sobra, ascendeu uma discussão já antiga entre siné destinado ao trabalhador terceirizado. O dicatos, empresários e a Justiça Trabalhista. principal objetivo é desonerar a folha de paTerceirizar é uma estratégia de gestão com gamento da empresa tomadora e aumentar a qual uma empresa transfere processos e o seu lucro”. atividades para terceiros por intermédio A desembargadora do Tribunal Regiode uma prestadora de serviços. Esta ornal do Trabalho (TRT) da 4ª Região, Vania ganização da atividade produtiva ganhou Matos, aponta os principais problemas força no Brasil nos anos 1990 e sempre foi gerados por esta irregularidade: “Não há vista pelos juristas do trabalho como uma dúvidas de que isso gera precarização, anomalia das relações trabalhistas. Agora, desorganiza as categorias e dificulta a exea Associação Nacional dos Magistrados da cução dos pagamentos de indenizações aos Justiça do Trabalho (Anamatra) lançou a trabalhadores”. campanha “Todos Contra a Terceirização”, Estas pequenas empresas terceirizadas e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) abrem e fecham com muita frequência, e também faz pressão contrária ao projeto. não têm condições de pagar os direitos aos O número de trabalhadores terceiriseus funcionários, que acionam a Justiça zados com carteira assinada no Brasil já para receber. Está previsto, ainda na súmuatinge os 10,5 milhões, o que representa la 331, que esgotadas as possibilidades de 23,9% dos empregos formais no país. Estes recebimento por parte da empresa prestadados pertencem a uma pesquisa realizada dora de serviços, o empregado deverá ser pela Associação Brasileira das Empresas de indenizado pela tomadora, que passa a ter Serviços Terceirizáveis e de Trabalho Temresponsabilidade subsidiária por ele. porário (ASSERTTEM). O mesmo estudo Quando a tomadora for de administrarevela que 14% das vagas são preenchidas ção pública, esta só responde sopor jovens em situação de prilidariamente se for comprovameiro emprego, e 15% por da a culpa da não fiscalização pessoas idosas. Há, além dos das obrigações contratuais e números oficiais, uma grande legais da prestadora de serviço quantidade de terceirizações Fazem como empregadora, o que não ilícitas que estão fora do alisso como acontece na esfera privada. cance fiscalizador e esbarram Este verbete foi acrescentado à na precarização, insegurança forma de súmula depois do julgamento jurídica e desorganização das reduzir os no STF da Ação Declaratócategorias. ria de Constitucionalidade O norte que rege o trabacustos.” 16 (ADC 16), reconhecendo a lho terceirizado no país é a constitucionalidade da Lei de Daniel Nonohay súmula 331 do Tribunal SupeLicitações, de 1993, que prevê rior do Trabalho (TST). Nela a não responsabilidade do poder está colocado que, se tratando público pela inadimplência do conde atividade-meio (aquela que tratado (terceiro). não é a principal atividade da empresa), é Na fonte da lei, a determinação opera possível terceirizar sem que a tomadora de como uma proteção do bem público, que é serviços estabeleça vínculo trabalhista com de interesse da população e, por isso, deve o trabalhador da prestadora, mas proíbe a ser preservado. Na prática, a função da lei transferência da atividade-fim. O PL 4.330 pode ser desvirtuada. “A ADC 16 foi uma prevê a legalização desta última, o que tem semente maliciosa que acabou germinando gerado divergências. e servindo como subterfúgio para os órgãos Há casos em que se observa esta irrepúblicos. Fica mais fácil fugir de uma licigularidade, em que as grandes empresas tação e realizar contrato emergencial. Ela tomadoras de serviço flexibilizam sua protenta isentar o Estado da responsabilidade dução final e fornecem apenas a sua marca subsidiária.”, diz o advogado trabalhista para a entrada do produto no mercado. O Evaristo Luiz Heis, que atua pelo Sindicato juiz Daniel Souza de Nonohay, presidente de Limpeza, Asseio e Conservação do Rio da Associação dos Magistrados da Justiça Grande do Sul. do Trabalho (Amatra) da 4ª Região explica P O R Thamíris Mondin (4º sem.)

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Vídeos de divulgação de campanha contra terceirização são protagonizados por atores como Wagner Moura, Camila Pitangas e Osmar Prado, ligados ao Movimento Humanos Direitos, apoiador da causa que conta com o apoio da CUT

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O que está em jogo O projeto apresentado pelo deputado Sandro Mabel (PL-GO) propõe a regulamentação de terceirização no Brasil.

* Permite

a terceirização da atividade-fim da empresa, que poderia deixar de contratar funcionários regulares;

* Enfraquece

obrigatório para o funcionamento da terceirizada capital social compatível com o número de empregados;

Para o advogado Jerônimo Souto Leiria, As dificuldades com o recebimento de autor do livro Terceirização e de outros sete seus direitos não são as únicas pelas quais títulos sobre o tema, há possibilidade de pode passar um trabalhador terceirizado. A crescimento para o terceirizado dentro das sensação de despertencimento e a estagnação prestadoras especializadas e dependeria da profissional também são um problema. “Pocapacitação do funcionário. Leiria é defensor des fazer a mesma coisa que um funcionário daquela que chama de “boa regular faz, até melhor, mas não terceirização”. Para ele, tervais crescer ali dentro”, revela ceirizar com responsabilidaMagda Capitão, ex-funcionária de aumenta a produtividade de terceirizada que prestava serÉ preciso empresarial e gera empregos. viços para a Companhia Estadual “A terceirização envolve 14 de Energia Elétrica (CEE). Para disciplinar ramos do Direito, mas há Daniel Nonohay, presidente da essa muitos juristas do direito do Anamatra da 4ª Região, a nova trabalho que conhecem aperegulamentação acentua este proprática.” nas a legislação trabalhista. blema: “O projeto criará duas clasNestes casos, a justiça do trases de empregados. Os admitidos Evaristo Heis balho acaba protegendo tanto diretamente e os terceirizados, o empregado, que pode gerar com menor gama de direitos e desemprego e informalidade”, desalários. Trabalhadores que labofende. O sindicato dos trabalhadores terceiriram lado a lado, nas mesmas funções, terão zados (SINDEEPRES) também é favorável ao profunda diferença de tratamento”. projeto por acreditar que o fim da terceirização Na visão do jurista, esta situação não vai implicaria na perda de postos de trabalho. durar, pois o mercado acabará forçado a uma Nonohay discorda destes argumentos. “Os adesão geral da terceirização, se esta for regupostos de trabalho não sumirão. Respeitada a lamentada. “Os empresários que optarem por regulamentação atual, eles serão preenchidos contratar apenas trabalhadores terceirizados por trabalhadores com salário melhor, mais terão desonerada a sua folha de pagamento. direitos, e com um sindicato estruturado para Isto forçará os demais empresários, mesmo defendê-los de acordo com as especificidades aqueles que não querem, a fazê-lo”, diz.

da sua categoria profissional”, defende. Para os que enxergam a terceirização como algo irreversível, o que falta é uma regulamentação específica e segura das atividades terceirizadas, que proteja os trabalhadores e impeça a criação de empresas desqualificadas, que não possam assegurar o cumprimento de seus deveres como empregadoras. “É preciso disciplinar essa prática. Os empresários não sabem o que é a vida de uma senhora de idade que passa os dias limpando sanitários e pode acabar sem emprego e sem receber por seus direitos”, diz o advogado Evaristo Heis. Para Heis, a imposição de um capital inicial maior seria uma garantia das condições das terceirizadas. “Isto excluiria do mercado as empresas que não têm condições para arcar com as despesas trabalhistas. Como está, basta ter uma sala e um telefone e se pode contratar empregados”, conclui. O PL em debate prevê como requisito, para funcionamento da empresa terceirizada, capital correspondente ao seu número de funcionários, como sugere Heis. Uma nova proposta de regulamentação que esbarra em antigos conflitos de uma prática que parece não suportar um acordo entre a proteção do trabalhador e o impulso econômico. Entre concessões e adaptações, a terceirização ainda não encontrou o caminho para abandonar a sua situação pendular.

Janaína Marques (6º sem.)

as categorias e a estrutura sindical. O terceirizado não possui especialização e não é regido pela norma coletiva da categoria específica em que atua.

Trabalhador se sente estagnado

* Torna

* Quando

for necessário treinamento específico para que o trabalhador exerça uma função, a tomadora fica responsável por exigi-lo do prestador ou fornecê-lo.

Serviços gerais e de vigilância são as funções nas quais há maior número de terceirizados

Um alerta contra a pejotização A pejotização é prática cada vez mais usual no mercado brasileiro e atinge diversas categorias, com grande incidência nos setores bancários, de saúde, engenharia, tecnologia da informação e de comunicação. Este fenômeno consiste em camuflar uma relação trabalhista, construindo uma situação jurídica de ordem civil. A partir da pejotização, a empresa impõe ao funcionário a criação de uma pessoa jurídica (CNPJ) e com esta estabelece uma relação contratu-

al de prestação de serviços, com emissão de nota fiscal da contratada. O empregado pode estar a serviço da empresa em regime diário, na sede da mesma, mas não será tutelado pela Justiça trabalhista, pois, juridicamente, não há vínculo empregatício estabelecido, uma vez que falta um dos elementos essenciais a esta caracterização: a pessoa física. Para receber os seus direitos, o trabalhador precisará comprovar a existência do vínculo, o

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que nem sempre é possível. No momento da admissão dos serviços, há a defesa de que os os incentivos fiscais e previdenciários compensariam os benefícios trabalhistas do empregado. Na verdade, trata-se de uma coerção que visa afastar as despesas de uma típica relação de emprego. “É uma forma de terceirização ilícita. O empregado fica travestido de empresário. Isso é precarização da mão de obra”, diz Jerônimo Leiria.


P O R Anna Cláudia Fernandes (8º sem.) e Thamíris Mondin (4º sem.)

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m 1964, os militares tomaram o poder com o apoio de setores conservadores da sociedade, sob o pretexto da ameaça do Brasil se tornar uma ditadura comunista comandada pelo então presidente João Goulart. Com o golpe, iniciou-se uma perseguição político-ideológica em nome da segurança nacional e da ordem social, visando eliminar qualquer possível oposição ao regime imposto. As universidades, tidas como espaços abertos e democráticos, não foram excluídas do sistema de vigilância da nova ditadura militar. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Operação Limpeza do governo resultou na expulsão de 18 professores, e, nos anos seguintes, outros foram afastados ou forçados a se aposentar. Estudantes e funcionários eram observados pelos olhos do governo, representados por agentes policiais, do Exército ou civis, que anotavam qualquer atitude suspeita.

Escobar – codinome de um dos agentes do Departamento de Ordem Política e Social do Rio Grande do Sul (Dops-RS) – era um desses olhos. Em serviço entre 1971 e 1979 como informante, infiltrou-se em aulas do Instituto de Filosofia e da Faculdade de Direito, participando de passeatas e comícios, à procura de líderes do movimento estudantil. Seu codinome foi escolhido por superiores. O agente explica que todos possuíam um apelido, combatentes de esquerda ou de direita. Por ser jovem quando entrou no Dops, poderia facilmente ser confundido com um estudante. Uma prevenção para ajudar no disfarce do agente eram as carteirinhas do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFRGS, com nomes comuns, renovadas todos os anos. A confecção e o fornecimento desse material eram realizados pela Assessoria de Segurança e de Informação (ASI), formada por funcionários da universidade, que também contribuíam ao indicar suspeitos e passar informações de alunos, como moradia, hábitos e com quem andavam. A UFRGS era o principal alvo dos informantes da ditadura. Escobar explica que, para os seus colegas, enquanto na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do

Sul (PUCRS) – salvo algumas exceções – os trárias. “Tinha um padrão de governo, e eles estudantes iam para estudar, na UFRGS, faziam oposição”, explica Escobar. O número eram profissionais que faziam vestibular para de agentes para a detenção de um suspeito era permanecerem vinculados ao movimento controlado: quatro. Caso fosse um grupo maior, estudantil. O ex-agente afirma com segurança aumentava para 12. Os detidos eram levados que o sistema de vigilância dentro da UFRGS para Ilha da Pólvora – atualmente, chamada de era de conhecimento – e consentimento – dos Ilha do Presídio – ou para unidades militares. reitores da universidade. Afinal, a subversão Escobar tinha 12 anos no dia do golpe midentro das intituições de ensino era de sua litar. Desde 1964, a ditadura se fez presente na responsabilidade, norma respaldada pela vida do agente, embora de maneira bem distinLei 477/69, criada após o decreto do Ato Instita. Seu pai, sargento do Exército, comentou em tucional Número 5 (AI-5). churrasco com colegas que apoiava Leonel BriOs cursos mais visados eram Direito e zola. Foi preso e libertado apenas cinco anos Filosofia, localizados na Av. João Pessoa e depois: qualquer risco de perturbação à ordem Paula Gama, em Porto Alegre, e as manifespolítica e social da época estava sob vigilância, tações aconteciam na Praça da Matriz ou em e o menor comentário já transformava alguém comícios-relâmpago. Nas passeatas, Escobar em suspeito. A experiência não impediu que chegou a ser detido várias vezes, carregando seu filho ingressasse no Dops posteriormente. apenas a carteirinha da universidade, até O agente prefere não opiniar sobre o trabalho que seus superiores informassem sua função que fazia, considerando-o como serviço de para os policiais, que o libertavam. Para não uma empresa. “A gente não questionava uma causar suspeitas, também receordem”, explica. bia chutes e pauladas, a mesma O Dops foi fechado em 1982. agressão sofrida pelos outros Segundo Escobar, seus colegas manifestantes. continuaram na Polícia Civil A gente Um dos líderes do movimenapós a extinção do departamento não questo estudantil alvo da repressão e a abertura política. Ele diz que naquele período foi o diretor do há poucos ex-agentes na instituitionava DCE da UFRGS Cezar Alvarez, ção hoje, pois a maioria já se apouma que integrava o grupo Perssentou, ele mesmo poderia ter se pectiva, ligado ao movimento afastado há 12 anos. Contudo, ordem.” nacional Liberdade e Luta, e era momentos antes da entrevista, considerado pelo ex-agente um encontrou um delegado e o indiEscobar “estudante profissional”. Alvacou como ex-colega de Dops. rez, até o início deste ano, ocupava o cargo de secretário executivo do Ministério das Comunicações, que deixou Do outro lado do sistema de informação, para terminar seu doutorado. Ele afirma que Solon Eduardo Annes Viola, doutor em Hissabia da existência dos infiltrados e que isto tória e professor da Pós-Graduação da Unisicriava um clima de tensão. “A gente sabia que nos, lembra da sua experiência com um dos havia infiltrados, não conhecíamos os mecainfiltrados da ditadura. Quando era estudante nismos deles, mas desconfiávamos de algumas secundarista, foi presidente da União Passopessoas nas manifestações. Até os fotografáfundense de Estudantes (UPE), entre os anos vamos, para intimidar, mostrar que sabíamos 1966 e 1968. Após uma greve organizada pelos quem eram”, diz. A desconfiança era tanta que alunos, foi expulso do Colégio Conceição e obrichegavam a suspeitar de colegas tímidos, que gado a prestar depoimentos frequentemente à não interagiam. “Os flanelinhas que ficavam na polícia. Acolhido por outra instituição, contivolta da universidade nos contavam quando alnuou militando no movimento estudantil, até guém passava muito tempo cuidando os carros 24 de outubro de 1969, quando foi preso ao ir a estacionados, vigiando”, lembra. um Congresso de Estudantes Secundaristas em As denúncias sobre a atuação dos líderes São Paulo. Transferido para o Dops em Porto não faziam distinção entre grupos pacíficos e Alegre, acabou libertado dois meses depois. aqueles que se envolviam com a luta armada. Durante sua gestão na UPE, Viola havia As prisões decretadas pelo Dops eram arbiimpresso textos da Civilização Brasileira, re-

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Parte da documentação produzi


Caroline Ferraz (5º sem.)

vista da esquerda, opositora ao regime militar, mente, permanecer no movimento estudantil, que circulou entre 1965 e 1968. Guardadas em o professor ri. Para ele, é apenas mais uma um caixote, o estudante só veria de novo as justificativa sem fundamento para suas ações. páginas em sua prisão, quando o interrogador “Se tivesse tanta subversão quanto os relatóapresentou o material, considerado subverrios [do Dops] diziam, nós já teríamos 5 mil sivo, e indagou se ele não havia notado a sua revoluções”, comenta. falta. O nome do oficial do Exército presente em seu interrogatório era Rui Duarte. Viola e Duarte se encontrariam anos O historiador Jaime Valim Mansan conta depois, quando o passo-fundense decidiu que as Assessorias de Segurança e de Informaaproveitar a abertura política do governo e ção (ASI) foram criadas em 1968, com a função ingressou no curso de História da UFRGS, em de coletar dados que pudessem auxiliar nas in1976. Em uma das aulas, reencontrou o oficial vestigações contra pessoas que representavam do Exército como colega. Duarte aparecia nas uma ameaça para a Segurança Nacional. Na aulas dos cursos de Economia e de História, e UFRGS, quem controlava esse setor era o coroViola garante que os alunos sabiam que aquele nel Natalício da Cruz Côrrea. O coronel constaera um agente infiltrado. va, inclusive, como funcionário da instituição, Em outubro de 2008, na 13ª Caravana com o cargo de assessor do reitor. Ele andava à para a Anistia, em São Leopoldo, Viola entrou paisana, na intenção de passar a imagem de um com seu pedido para reaver sua cidadania. regime democrático dentro da universidade. Ao reunir os documentos que o haviam inO controle social visava a vigilância, a criminado durante a ditadura, punição e a normatização. “Os encontrou muito mais do que os reitores tiveram papel fundamentextos da Civilização Brasileira. tal. Eles representavam o núcleo Além de suas falas nos enconduro do sistema de vigilância das Os tros do movimento estudantil, universidades”, sustenta Manreitores deparou com relatórios de parsan. Jair Krischke, presidente do ticipações nas aulas de História Movimento de Justiça e Direitos tiveram em que se encontrava Rui DuHumanos (MJDH), diz que os papel funarte. Apesar do código utilizado reitores eram indicados pelo Mipelos estudantes de História – nistério da Educação, controlado damental.” sempre citar um autor reconhepelos militares. Nos anos em que cido em seus comentários, para Escobar trabalhou como infilJaime Mansan que não pudesse servir para trado, a UFRGS teve três reitores: incriminá-los –, nos informes Eduardo Zaccaro Faraco, Ivo Wolff e se encontravam discursos seus Homero Só Jobim. Faraco era cardiolomisturados ao de teóricos consagrados. gista do general-presidente Emílio Garrastazu As aulas na UFRGS não foram sua única Médici. Wolff, segundo Mansan, alegou que era experiência com infiltrados. Quando leciona“necessário limpar a Universidade, dando-se va no Educação de Jovens e Adultos (EJA), um exemplo de retidão e de moral”. entre 1976 e 1978, em um curso para funPara o historiador, a UFRGS não era excecionários, vinculado ao diretório acadêmico, ção. “Ela seguia o padrão das grandes univeracontecia de alguns alunos sentarem com sidades públicas do país”. Na Universidade gravadores, ficarem determinado período, e de São Paulo (USP), exemplifica, os reitores depois desaparecerem das aulas. O professor se envolviam ainda mais, escolhiam os resencontrou nos documentos falas suas nesse ponsáveis pelas investigações dentro da insticurso também. Para Viola, as infiltrações tuição. A Universidade de Brasília (UnB) foi, eram de conhecimento da universidade, mas inclusive, administrada por reitores militares. nada se fazia em proteção aos alunos vigiados. As ASI foram extintas no final da década de Quando indagado sobre a afirmação do ex-a1970, pelo ministro Eduardo Portela. Para gente do Dops, Escobar, de que a UFRGS posMansan, na verdade, elas somente trocaram suía “estudantes profissionais”, que faziam de nome, para Assessoria Especial do Reitor. um curso seguido de outro para não perder o vínculo com a instituição e, consequenteSEGUE

ida pelo Dops/RS está no Acervo da Luta contra a Ditadura

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Departamento fazia vigília ideológica O Dops-RS era o mais antigo dos departamentos, criado em 1937, ainda no governo de Getúlio Vargas. A historiadora Caroline Bauer conta que havia no período leis federais especiais para a atuação repressiva de seus agentes, mas eles agiam tanto de forma legal quanto ilegal. Os alvos dependiam da conjuntura política do país. Uma das atividades de responsabilidade do Dops no período da ditadura militar era o fornecimento de “atestados ideológicos”, utilizados no momento de se candidatar a uma vaga ou cargo público. Os atestados traziam um parecer sobre o candidato, recomendando-o ao cargo ou indicando que não seria conveniente. Este último caso acontecia quando era encontrada a ficha do cidadão nos arquivos. Esses registros poderiam conter apenas acontecimentos específicos, que sugeriam a tendência política do suspeito, ou dossiês, quando se tratava de decretar a sua prisão ou afastamento de algum cargo. Esses documentos eram fundamentados por investigações formadas por depoimentos (inquéritos) e relatórios de infiltrados (agentes militares ou civis) e informantes (estudantes que atuavam por interesse financeiro ou ideológico – os chamados cachorros). Segundo Jair Krischke, os infiltrados recebiam uma verba secreta, de Cr$ 200, enquanto um delegado no início da carreira ganhava em torno de Cr$ 180, o que equivaleria atualmente a R$ 1.157,50 e R$ 1.041,75, segundo o Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Fundação Getúlio Vargas. Cabia a eles desenvolver um informe, com os dados observados dos suspeitos. Este documento recebia a avaliação de um superior entre A-1 (Confiável) e A-5 (Não confiável). O cruzamento dos relatórios resultava em uma informação. Alguns desses documentos podem ser encontrados hoje no Acervo da Luta contra a Ditadura, localizado no Memorial do Rio Grande do Sul. Esses arquivos foram disponibilizados para a população graças à Lei de Acesso à Informação, nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, que pôs fim ao sigilo de documentos secretos do governo com mais de 25 anos. Contudo, boa parte da documentação permanece com o destino desconhecido.

A historiadora Caroline Bauer explica que os arquivos do Dops-RS foram incinerados dois dias após o fechamento do órgão, mas parte dos documentos foi encaminhada para arquivos de outros Estados, ou então se encontra em acervos particulares. Há, ainda, a suspeita de que eles teriam sido microfilmados antes de sua destruição. Para Bauer, algumas provas indicam que o material não foi incinerado. Em uma carta, um ex-funcionário do departamento gaúcho confirma a microfilmagem da documentação, sob a direção de Pedro Carlos Seelig e Marco Aurélio da Silva Reis. Mas, como afirma a historiadora, nada foi investigado sobre o paradeiro do material.

Arte: Anna Cláudia Fernandes (8º sem.) OUTUBRO/NOVEMBRO DE 2013 • PÁGINA 8


livros

Poesia contra a opressão IEL EDITA OBRA POÉTICA COMPLETA DE HENRIQUE DO VALLE, SOBRINHO DE JANGO

P O R Cândida Schaedler (4º sem.)

A

o ouvir os tiros, Lucila Goulart do Valle pegou os filhos, Henrique e Vicente, e foi com eles para baixo de uma cama. A babá Adelina Schommer e o pai das crianças, João Luiz de Moura Valle, acompanharam. Era março de 1964. No dia seguinte, 1º de abril, o presidente João Goulart seria deposto pelos militares. Os tiros e o terror prosseguiam. Cila estava no sítio do irmão, Jango, no Rio de Janeiro. A casa de pedras cinza foi destruída naquela noite. Não pouparam nem as estátuas que ornavam a piscina. Henrique do Valle, com apenas cinco anos, foi metralhado psicologicamente. No dia seguinte, logo ao amanhecer, ele e o irmão viram os pais desaparecerem em um camburão rumo ao Departamento de Ordem Pública e Social (Dops), sob a mira do Exército. A babá dirigiu-se com os meninos a outro comboio das Forças Armadas, escoltados por metralhadoras. Ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo. Os três foram levados de volta ao apartamento onde viviam, no Leblon, na capital fluminense. A vida deles nunca mais foi a mesma. Poucos dias depois, partiriam para o exílio com os pais e o tio, Jango, expulsos sob o estigma do comunismo. Do dia em que perdi tudo até hoje as coisas continuam iguais e uma nuvem cobre os acontecimentos Do dia em que os gestos arrancaram a vida (metade dela) fantasmas pálidos do medo encarnaram em mim Senhor estou precisando tuas mãos em meus olhos (Nuvem Negra, do livro Vazio na Carne) Henrique cresceu, mas os episódios envolvendo o regime militar (1964-1985) sempre o perseguiram, incrustaram-se no seu inconsciente e retornavam em forma de crises esquizofrênicas. Acabaram se transformando em literatura. Era um menino revoltado, de cabelo castanho-claro longo e desgrenhado, barba espessa. O óculos redondo de aros finos

completava o visual hippie. Marta do Valle foi casada com Vicente, irmão de Henrique, e conta que o poeta era um ser iluminado, mas maltratado pela sociedade. “Ele tinha uma sensibilidade incrível, fora do comum, tanto que até a pele dele era assim”, relembra. Vestia apenas roupas largas, não queria nada apertado o sufocando. Costumava pegar as camisas e calças do irmão, alargadas pelo uso. Hique, como ainda é chamado pela cunhada, escreveu o primeiro livro de poemas aos quatro anos, antes do dia em que a casa do tio Jango foi atacada. Depois, utilizou o talento de maneira catártica, incorporando suas vivências e traumas nas entrelinhas. “Ele era muito lúcido. Eu tinha até medo da lucidez dele”, frisa Marta. Se você soubesse como me sinto como esvoaçam em mim as angústias garanto que esse seu sorriso cínico cessaria Eu queria ver você na minha pele olhando tudo com as veias podres assim como eu queria ver você atravessando a rua carregando nos olhos o medo este medo imenso que me sacode todo e me despedaça a garganta (Medo, do livro Do Lado de Fora) O poeta tem quatro livros publicados. O primeiro, de 1968, foi escrito e editado em Buenos Aires pela Ediciones Subterráneas, em uma edição bilíngue com o título A Espessa Verdade. Os outros três, pela Editora Movimento: Vazio na Carne (1975), Anotações do Tempo (1979) e Do Lado de Fora, em 1981. No período em que viveu na Argentina, trabalhou na revista Crisis, dirigida por Eduardo Galeano, com o qual fez amizade. O Instituto Estadual do Livro (IEL) prevê lançar em dezembro uma compilação com os poemas de Henrique, entre já publicados e inéditos. O juiz aposentado Jorge Adelar Finatto foi amigo de Henrique entre 1978 e 1981, quando o poeta já morava em Porto Alegre. “O que me impressiona é a absurda qualidade dos textos do Henrique, a profundidade da sua visão de mundo. É algo incrível para alguém que viveu tão pouco”, fala, esforçando-se para recordar episódios de 30 anos atrás. Finatto mostra livros de Henrique e intercala a conversa com a leitura de poemas. “Se ele entrasse nessa sala agora, a impressão que ele daria é de que não era desse mundo”, conta, com o olhar longe, as mãos pequenas pousadas sobre os livros.

Pouco antes de falecer, Henrique confiou um envelope com cerca de 30 poemas a Finatto. Como o juiz não estava em casa na hora da entrega, deixou um bilhete: “Estive aqui e não estavas. Espero que aproveites esses textos”. O magistrado os guardou por mais de 30 anos, antes de entregar uma cópia ao IEL. Eles também serão publicados na antologia. Em carta ao jornalista Nei Duclós, em 1976, o escritor Caio Fernando Abreu relatou suas impressões sobre Henrique: “Ele é incrível, incrível mesmo, mas numa ruim. Não é exagero, NUNCA vi ninguém mais drogado, não consegue ficar em pé, quem o ampara é a namorada, que se chama – juro – Misericórdia”. Caio escreveu ainda, em letras maiúsculas, impressionado, que Henrique tinha picadas nas veias dos tornozelos. “Ele é muito, muito, muito bom. E dói olhar para ele, porque está se matando e sabe disso”, conclui. Os homens fizeram suas leis esquecendo as estrelas Montaram seus heróis com medo e desejos idiotas Ainda os vejo lotando avenidas trancando as lágrimas que crescem no fundo da consciência Ainda sinto em mim a chama de suas paixões Quero mudar viver de acordo com as leis que piscam no cosmos Minha vida não pode ser um amontoado vazio Meus remorsos não me mandam Estou à procura de paz (Procurando Paz, do livro Vazio na Carne) O dono da Editora Movimento, Carlos Jorge Appel, revela que Henrique dizia que iria morrer com a idade do poeta Álvares de Azevedo. Errou por dois anos. Azevedo faleceu aos 20, Henrique, aos 22. Appel se recorda de Paulo Coimbra Guedes, atualmente professor na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), entrando com Henrique na editora. Naquele dia, quis saber mais do poeta, sobre seus escritos e objetivos com o livro. Notou que Henrique não se preocupava com a circulação da obra, em assinar contratos ou com a tiragem. Apenas queria publicar. Appel arrisca um palpite sobre o interesse na obra de Henrique: “Provavelmente, porque ele dizia que, além de ser um Álvares de Azevedo, mas revoltado com a situação, pouco se importava quantos anos viveria. Só se preocupava que ficasse seu testemunho”. Depois de analisar os poemas, Appel fez uma rodada de encontros com o poeta e Paulo Coimbra Guedes durante cerca de seis

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meses. Discutiram poema por poema. Eles avaliavam a escrita, a estrutura e a linguagem, e Henrique se dispôs a fazer várias releituras nos três livros que a Movimento publicou. A mãe, Cila, fazia contato frequente com o editor e questionava-o a respeito dos livros do filho. Estimulava a produção de Henrique, talvez por enxergar na poesia algo que o empolgasse, o fizesse encontrar sentidos para, ao menos, tentar superar os traumas da infância. Se estamos aqui desse jeito não pretendemos nada ou não sei o que pretendemos O horror cresce nas ruas mas as embaixadas continuam em festa Só olhos brutos ou interessados permanecem alheios Não fizeram amor com a fome Se estamos aqui desse jeito não pretendemos nada ou não sei o que pretendemos (Horror nas Ruas, do livro Vazio na Carne) Em janeiro de 1981, Henrique teve uma crise de esquizofrenia. Foi à farmácia da esquina onde morava, em Porto Alegre, com uma receita da injeção que costumava tomar. Naquela noite, entretanto, foi a última. O remédio não fez o efeito desejado e desencadeou uma crise de asma fatal. Morreu mas deixou um legado poético invejável. A perenidade dos seus versos impressiona, como se o que foi criado sob a influência da ditadura ainda permanecesse assustadoramente atual. Não faço nada com esses pedaços de ilusão Com esses restos só posso rir Não faço nada com esse cansaço com esse tremor e a terra já começou a tremer e a vida já começou a morrer Não acredito nos alambiques clandestinos O sol é a única energia a lua é minha mulher Não estou mais aqui (Corações Químicos, do livro Vazio na Carne)


mídia

A força coletiva POR Douglas Roehrs (6ºsem)

vender espaço de anúncios. Em função da idade, boa parte dos comerciantes não acreditava que ele estava à frente do projeto. ditor-chefe de um jornal conhecido Para isso, recorreu a uma solução simples: nacionalmente. Coautor de um uma foto sua no jornal, pedindo para que livro que reconta a história da sua acreditassem na proposta. Os anúncios focomunidade e está sendo lançado ram vendidos e o trabalho continuou. em diversas capitais. Palestrante de eventos Rene acabou montando uma rede de reconhecidos internacionalmente e seguido colaboração e participação, que não se respor uma legião de fãs que, apenas no Twittringia à publicação. No final de 2009, fez ter, chega a quase 60 mil pessoas. uma campanha para arrecadar donativos Este poderia ser o perfil de um profispara o Natal do Morro do Adeus. Por meio sional com uma carreira já estabelecida no de doações em dinheiro, parcerias com jornalismo. Mas não. É parte da história supermercados e ajuda dos amigos, foram de um jornalista de apenas 19 anos que distribuídas 120 cestas básicas. O sucesso batalha desde a pré-adolescência para dar serviu de impulso para novas campanhas. visibilidade às necessidades de comunidaUm salto para outubro de 2013. Após des historicamente desfavorecidas do Rio o reconhecimento nacional – Rene chegou de Janeiro. Rene Silva, fundador do jornal a interpretar a si mesmo na novela Salve Voz da Comunidade, é um exemplo de proJorge, de Glória Perez, no horário nobre da fissional que consegue, no dia a dia, abrir TV Globo –, o jovem pretende expandir o espaço à população de bairros periféricos da trabalho realizado. O impresso, que havia segunda maior metrópole do país – além do parado de circular no final Complexo do Alemão, o jornal de 2011, será retomado em atende às comunidades Maré, novembro com uma tiragem Rocinha, Santa Marta, Vigário de 5 mil exemplares, desta Geral e Vila Cruzeiro. Trabavez com a proposta de trazer Em setembro, Rene foi palhamos reportagens mais complexas. lestrante do SET Universitário, Atualmente, as notícias são onde lançou o livro A Voz do com a veiculadas no portal on-line Alemão (Editora nVersos), comunidaVoz das Comunidades. em parceria com a jornalista Para que o jornal cresça, é mineira Sabrina Abreu. Seu de.” preciso apoio. A equipe, que trabalho passou a ser conhecium dia fora apenas ele, hoje do no país em novembro 2010, Rene Silva é composta por 15 jovens, endurante a invasão da polícia ao volvidos apenas com as tarefas Complexo do Alemão, quando jornalísticas. Na área social, 50 Rene, então com 16 anos, tuivoluntários colaboram, tentando melhorar tou em tempo real os acontecimentos. No os problemas diagnosticados com as apuentanto, o seu envolvimento com o jornalisrações. Como não há publicidade no veículo mo começou bem antes. on-line, os comerciantes colaboram para Aos 11 anos, ele teve a ideia de criar o manter a equipe do jornal. Contudo, Rene jornal. Com o auxílio da diretora da Escola busca novas iniciativas para manter o jornal. Municipal Alcide de Gasperi, onde estudava, Formas alternativas de financiamento imprimiu inicialmente 100 cópias mensais não são desafio exclusivo do Voz da Comuda publicação. Nascia, naquele momento, nidade. Muitos veículos de comunicação um novo veículo de comunicação, com buscam novas opções para subsidiar os cusquatro páginas, a partir de uma folha A4 tos e manter a produção de conteúdo. Um dobrada ao meio. Um ano depois, a tiragem bom exemplo é o site Agência Pública, que já não era mais suficiente para as demandas adotou o método de crowdfunding (finanda comunidade. Ele decidiu, então, que a ciamento coletivo) para conceder 10 bolsas produção do jornal passaria para 500 cópias de R$ 6 mil a jornalistas. Os trabalhos são e seria feita por uma gráfica. Como os exeminscritos por meio de edital e escolhidos plares eram distribuídos gratuitamente, prepor um grupo composto pelos doadores. A cisava achar uma forma de ganhar dinheiro equipe do veículo discutia, havia cerca de e dar continuidade ao trabalho. um ano, a utilização do método. “Seria uma O método de financiamento encontrado alternativa bem interessante para financiar pelo jornalista iniciante foi o adotado pelos o jornalismo investigativo”, declara uma das impressos tradicionais: anúncios publicitádiretoras, Natalia Viana. rios. Com um exemplar debaixo do braço, No total, a Agência Pública conseguiu Rene foi de porta em porta, no comércio,

E

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Paywall e crowdfunding incorporam-se ao vocabulário do jornalismo como alternativas para o financiamento da imprensa. Mas com o seu A Voz da Comunidade, Rene Silva mostra, no Complexo do Alemão, no Rio, que a saída pode estar na mobilização da vizinhança em torno de projetos comuns.

Mais arrecadação Conheça algumas formas de arrecadação usadas pela imprensa: Pay wa l l Sistema de assinaturas no qual o leitor do jornal precisa pagar para ter acesso irrestrito ao conteúdo do site. Entre os maiores jornais do Brasil, nove adotaram esta tática: Folha de S.Paulo O Globo Valor Econômico Correio Braziliense Estado de Minas Zero Hora Gazeta do Povo ABC Domingo O Amarelinho Crowdfunding Financiamento coletivo que se popularizou com sites nos quais projetos são expostos para receberem apoio. O valor da contribuição não é fixo e, geralmente, são estabelecidas recompensas aos contribuintes que variam conforme a doação. Catarse é a primeira plataforma de financiamento colaborativo de projeto criativos do Brasil. Filantropia Apoio financeiro de organizações, pessoas ou comunidades ou trabalho voluntário com intuito de ajudar a melhorar a sociedade. Agência Pública recebe apoio da Fundação Ford. Brindes e colecionáveis Distribuição de itens como livros, DVDs e utensílios domésticos. Pode ser pago ou gratuito. No último caso, geralmente são feitas campanhas nos quais o leitor junta sêlos. Folha de S.Paulo costuma lançar coletâneas dominicais.

Arte: Haian Camatti (1º sem.) | Roteiro: Douglas Roehrs (6ºsem.)

arrecadar mais de R$ 58 mil, vindos de 808 apoiadores. Com o sucesso, duas novas bolsas foram ofertadas. O resultado deixou a equipe entusiasmada, segundo Natalia. “Este tipo de financiamento é fundamental para coberturas em que não há necessariamente patrocinadores”, avalia o doutor em Comunicação Social Eduardo Campos Pellanda. Entretanto, a busca por novas formas de arrecadação não é uma exclusividade da chamada mídia alternativa. Grandes jornais tentam se adaptar às mudanças ocorridas com o avanço da internet. Nove dos 30 jornais de maior circulação no país adotaram o paywall (barreira paga) para acesso irrestrito ao conteúdo digital. A iniciativa segue uma tendência mundial, impulsionada por jornais como The New York Times e Financial Times. No caso da Folha de S.Paulo, primeiro veículo de comunicação nacional a adotar o método, o público tem direito a 20 acessos gratuitos por mês. Mesmo com as incertezas sobre o futuro da profissão e dos dilemas de sobrevivência do negócio, Rene, que está no terceiro ano do Ensino Médio, quer ingressar na faculdade de Jornalismo: “Quero aprender, ensinar e compartilhar as minhas ideias também”. Para ele, dar continuidade aos estudos é uma forma de aumentar o profissionalismo e amadurecer ainda mais. Felizmente, ele não é um exemplo isolado. Bianca Oliveira, 18 anos, estudante do terceiro ano do Ensino Médio, mora no bairro Vila Gaúcha, em Porto Alegre, e também decidiu fazer a diferença. Aos 13 anos, colaborou com um documentário e, aos 16, dirigiu outro. Ambos abordavam os abusos cometidos pelos policiais e tentavam desfazer estigmas da comunidade, que era vista como violenta, de maneira preconceituosa, por pessoas que sequer conheciam o local. Após o envolvimento com os documentários, Bianca produziu o impresso Jornal do Povo da Vila Gaúcha. A ideia foi aprovada pela comunidade e a terceira edição está sendo produzida. A ONG Canta Brasil já garantiu a publicação das próximas três edições. “O jornal foi criado através de uma revolta que surgiu dentro de mim. Via muita gente falar que a comunidade da Vila Gaúcha era perigosa, violenta, mais não era assim como todos falavam. Eu, como moradora, sabia que não era”, explica Bianca. Mais um exemplo de ideia simples, nascida do desejo por mudança e nutrida por solidariedade, que começa a ganhar espaço. O ideal dessas formas de comunicação está expresso na frase de Rene: “A gente não trabalha para a comunidade, mas com a comunidade”.

OUTUBRO/novembro de 2013 • página 11


1

Arte da

invenção

C 2

om o título Se o clima for favorável, a 9ª Bienal do Mercosul | Porto Alegre trouxe a tríade arte, natureza e ciência. Obras, performances e Confira a galeria da eventos ocuparam a Usina Bienal do Mercosul | Porto Alegre do Gasômetro, o Museu de Arte do RGS (Margs), o Memorial do Rio Grande do Sul e o Santander Cultural de 13 de setembro a 10 de novembro.

+

3

5 1 - Espaço de convivência na Usina do Gasômetro.

Foto: Caroline Ferraz (5º sem.)

4

2 - Progresso em ação, por Nicholas Mangan.

Foto: Caroline Ferraz (5º sem.)

3 - Sem título (Natureza de imitação), por Fritzia Irizar. Foto: Betina Car-

Marcelle. Foto: Paola Marcon (6º sem.)

4 - Viajante engolido pelo espaço, por Cinthia

Foto: Paola Marcon (6º sem.)

cuchinski (2º sem.)

5 - Musa de Lama, por Robert Rauschenberg.


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